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“PELA HORA DA MORTE”

(Emanoel Rodrigues)

CENÁRIO: CASA DA TURMA.

ÁUDIO: TIROTEIO NA RUA, RUIDO DE SIRENES DA POLÍCIA ETC.

DE REPENTE, ENTRAM DA RUA, MARCELO, TATÁ, JACARÉ,


DODÔ E AS GAROTAS QUE MORAM COM ELES. APAVORADOS.

MARCELO: Não falei, galera? O tiroteio das dez é infalível.

ELA: Mas ta faltando alguém da nossa turma.

TATÁ: Ta faltando o Didi.

MARCELO: Então não ta faltando ninguém. Pelo menos a gente tá


livre de dar dinheiro pro Didi viajar pro Ceará.

ELA: Gente, onde se meteu o Didi no meio dessa violência toda, no


meio de tanta bala perdida?

JACARÉ: Pra falar a verdade, se alguma bala perdida atingir o Didi


não é bala perdida. É bala que sabe o que está fazendo.

MARCELO: É isso aí, Jacaré. Nunca mais o Didi vai pedir dinheiro pra
passear no Ceará.

ELA: Vocês não tão nem aí se o Didi morrer?

TATÁ: Pensando bem, o cearense já morre tarde e atrasado.

E DE REPENTE PORTA SE ABRE E ENTRA DIDI SEGUIDO DE


GUERRILHEIRA METRALHANDO. TODOS SE DEITAM,
ESCONDEM-SE ATRÁS DAS POLTRONAS ETC. E DIDI REAGE
COM MOVIMENTOS CÔMICOS À METRALHA DA GUERRILHEIRA.
TENTA SE ESCUDAR EM CADA UM DOS AMIGOS QUE O
EMPURRAM PRA LÁ ATÉ QUE DIDI CAI “MORTO” E A
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GUERRILHEIRA FOGE. TODOS PEGAM DIDI E O COLOCAM NO


SOFÁ.

MARCELO: Gente, qual será o estado do Didi?

DODÔ: Ué, se não me falha a memória ele é do Estado do Ceará.

JACARÉ: O Marcelo quer saber o estado de saúde do Didi e não o


Estado em que ele nasceu, sua besta.

TATÁ: Gente, o Didi nem se mexe.

DODÔ: E você queria o que? Que ele ficasse rebolando depois de ser
metralhado?

ELA ll: Gente vou procurar um médico pro Didi.

BELA MÉDICA ENTRANDO. É A PRÓPRIA GUERRILHEIRA.

MÉDICA: Não precisa, já tou chegando. Vamos ver se o defunto ta


morto mesmo.

MÉDICA USA O ESTETOSCÓPIO NO PEITO DO DIDI.

MÉDICA: Alô, se ta morto não me negue.

NENHUMA REAÇÃO DO DIDI.

MÉDICA: Vira o defunto pra gente saber se de costas ele também tá


morto.

TODOS AJUDAM A VIRAR DIDI DE COSTAS.

MÉDICA: Se tu ta morto não me negue.

CONTRA-REGRA: UM SENHOR PUM.

MÉDICO: Acaba de dar o último suspiro.


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MÉDICA E OS DEMAIS TAPANDO O NARIZ. TODOS VIRAM DIDI


DE BARRIGA PARA CIMA. MÉDICA EXAMINANDO A CABEÇA DO
DIDI.

MÉDICA: Uma laje deve ter caído na cabeça dele.

JACARÉ: Como a senhora sabe?

MÉDICA: O peso deixou a cabeça dele chata.

TATÁ: Doutora, ele é cearense.

MÉDICA: Desculpe a nossa falha.

MARCELO: Doutora, por que não saiu um pingo de sangue dele?

MÉDICA: Cearense não tem sangue. Tem água de côco.

DIDI SE MEXE.

DODÔ: Doutora, o defunto se mexeu.

MÉDICA: Isso acontece quando o defunto que falar a sua última


vontade.

TATÁ: Didi, você fala e depois morre, mas pode dizer qual é a sua
última vontade.

DIDI: Eu sempre quis ver o Marcelo tomar banho de balde aqui na


sala.

MÉDICA: O que tão esperando? Vocês ouviram a última vontade do


defunto?

E TODOS SOMEM DA SALA E VOLTAM COM BALDES DÁGUA QUE


VIRAM SOBRE MARCELO.

MÉDICA: Seu defunto, foi feita sua última vontade.Pode morrer em


paz.
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DIDI FAZ OK COM O POLEGAR E “MORRE”.

MÉDICO: Pronto, o defunto se foi dessa pra melhor.

DIDI SE MEXE.

DODÔ: Doutora, o defunto se mexeu de novo.

MÉDICA: Isso é comum. Ele tem outro último pedido a fazer aos
amigos. Pode falar, seu defunto.

DIDI: Preciso de dinheiro pra viagem.

JACARÉ: Que viagem?

DIDI: A viagem de volta, né?

TATÁ: E de quanto você precisa pra essa viagem de volta, Didi?

DIDI: Se eu for pro céu tem que pegar metrô, trem e navio, além de
uma passagem de avião até o paraíso. De lá vou de carona no táxi de
São Cristóvão até meu apartamento.

MARCELO: Manda o cearense pro inferno que sai mais barato.

DIDI: Pro inferno vou precisar do dobro em dólar porque lá é


temporada de verão e tá assim de defunto turista.

MÉDICO: Se vocês não deram o dinheiro pra viagem dele, ele não
morre tão cedo.

MARCELO: Eu dou 50 dólares

E CADA UM DIZ QUANTO DÁ E TODOS ENTREGAM O DINHEIRO


PARA O DIDI QUE FICA CONTANDO A GRANA.

MARCELO: Como é, doutora, esse defunto morre ou não morre?

MÉDICA: Ele só tá conferindo o dinheiro pra viagem de nós dois até o


Paraíso.
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TODOS: Que paraíso?

DIDI: Ué, o Ceará. Eu e ela. Vamos nessa, doutora?

DIDI SE LEVANTA E FOGE COM A DOUTORA.

MARCELO: E mais uma vez, o Didi vai passear no Ceará com o


dinheiro dos trouxas.

FIM

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