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MANAUS – AM
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA
MANAUS – AM
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA
Ficha Catalográfica
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
COMISSÃO EXAMINADORA
FOLHA DE APROVAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA
AGRADECIMENTOS
sempre lutou pela minha vida, e que me ensina que as nossas limitações
outros trabalhos.
profissão.
RESUMO
ABSTRACT
This research has the general objective of discussing the ideological construction of
the concept of childhood from a historical-critical perspective in order to categorize
and systematize research and main bibliographies on the subject, identifying the
historical landmarks that comprise Brazilian childhood. The discussion demands an
answer to the following questioning: What political, economic and social interests
linked to the formulation of the concept of childhood made the term a hegemonic
social construction in the capitalist system? The methodological organization was
guided by the following specific objectives: a) to categorize in the repositories of
theses and dissertations how the concept of childhood has been identified in
academic lines, from the main bibliographies used; b) to systematize the concept of
childhood once categorized in the research collected in the repositories, historically
taking up the ideological factors behind the construction of this concept; c) identify
the historical and political landmarks that corroborated the way of understanding
childhood in Brazil. To achieve the objectives of the study, exploratory, selective,
analytical and interpretive readings of texts and documents were carried out. Thus,
we used a bibliographic research based on studies on childhood, by authors such as:
Ariès (1986), Warde (2007), Klein (2012), Heywood (2004), Bernartt (2009),
Kuhlmann Jr. and Fernandes (2012), Rizzini and Rizzini (2004), Rizzini and Pilotti
(2011), Priore (1991; 2010) and Kuhlmann Jr. (1998). And the document analysis
was carried out in the respective repositories: Catalog of Theses and Dissertations of
the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES);
Digital Library of Theses and Dissertations UFAM (TEDE/UFAM). The theoretical
foundation allowed us to conclude that the concept of childhood is a social
construction, experienced by the concrete child, in a different way for each one. In
view of this, childhood can present different conceptions depending on the time and
place that the child is inserted. The analysis also showed that in each era, childhood
received a different treatment, according to the political and economic ideals thought
to the capitalist society that the bourgeoisie defends.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 19
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 99
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA
1 INTRODUÇÃO
5 No texto Infância e Educação Infantil: resgatando um pouco da história, a autora Sílvia Helena
Vieira Cruz, assegura que “Precisamos conhecer o passado para entender o que está
acontecendo no presente e tentar antecipar alguns ajustes e soluções para o futuro” (CRUZ, 2000,
p. 9).
6 É uma fundação do Ministério da Educação (MEC), o qual desempenha papel fundamental na
expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos as
unidades da Federação.
7 Integrada à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que tem por objetivo
reunir, em um só portal de busca, as teses e dissertações defendidas nas instituições brasileiras
de ensino e pesquisa e por brasileiros no exterior.
23
(...) o jogo metafórico da página de infância inspira alguns fatos onde ele se
revela muito sutil e sinuoso porque não se trata somente das dimensões da
argumentação, de locuções de grande relevância poética, mas
principalmente de substanciosas obras ideológicas que tocam e colocam
em questão não só representações e imagens do não adulto, mas também
os comportamentos e as práticas coletivas, institucionalizadas ou não, que o
atravessam em todas as suas conexões (BECCHI, 1994, p. 66).
Por meio de uma pesquisa do tipo estado da arte, elaboramos a base para o
estudo desta seção, buscando estabelecer critérios que o subsidiam. Assim, no
intuito de conhecermos as principais tendências de pesquisa acerca da infância e
seu percurso no decorrer dos séculos, conforme referendado pelo pensamento de
estudiosos precursores da área, propusemo-nos a realizar o levantamento de
pesquisas contemporâneas referentes ao tema, buscando quantificar, delinear e
organizar as produções defendidas nos programas de pós-graduação do país.
Consoante ao exposto, esta seção intenciona categorizar no Catálogo de
Teses e Dissertações da CAPES9 como o conceito infância tem sido identificado nas
linhas acadêmicas, a partir das principais bibliografias utilizadas. Desta feita,
apresentaremos o percurso metodológico utilizado na escolha, seleção e
organização do material recolhido sobre a produção acadêmica brasileira, dos
trabalhos que discorrem sobre o conceito da infância ou da história da infância.
Iniciamos a busca pelas pesquisas no portal da CAPES no ano de 2020, por
meio dos seguintes descritores, Infância, Infantil, Historiografia da infância e História
da infância. Após anotarmos em uma tabela os descritores pesquisados,
observamos que os números retornados dos dois primeiros eram exponenciais para
a realização da análise dos resumos, dado o fato de a pesquisa ser característica da
Iniciação Científica. O terceiro não manifestou resultados razoáveis que
favorecessem a continuação da pesquisa. Todavia, o último descritor retornou um
quantitativo satisfatório que nos possibilitou realizar a análise dos resumos de teses
e dissertações de pesquisadores que, debruçados sobre a temática da infância, tem
contribuído significativamente para compreendermos as trajetórias sociais.
tema, seja em âmbito regional, nacional ou internacional. Desta feita, a seleção das
pesquisas não utilizou exclusivamente essa característica como critério de escolha.
As defesas das 49 produções selecionadas, seguem um curso de tempo que
começa a partir de 1996 a 2019, o único ano que não apresentou resultados foi em
2007. Presume-se, por meio desses dados, que nas últimas décadas o tema infância
tem sido objeto de muitos estudiosos em diferentes segmentos e áreas de pesquisa,
evidenciando a preocupação a nível internacional com a infância, incluindo o
assunto até em pautas governamentais (MOLINA, 2011).
Dentre os 49 trabalhos de pesquisa que selecionamos para contribuir na
composição deste estudo, destacamos que 13 são teses para titulação de doutorado
e 36 dissertações de mestrado, os quais foram elaborados nos mais diversos
programas de pós-graduação.
As temáticas que orbitam o objeto desses estudo são as mais variadas,
destacando-se em higienismo, menores, abandono infantil, adolescentes em conflito
com a lei, assistência à infância, cultura infantil, direitos da criança e do adolescente,
educação familiar, educação infantil, formação educacional pátria/cívica, gênero e
sexualidade, história da educação, história da infância, infância desvalida, infância
institucionalizada, literatura infantil, memória da infância, o brincar, políticas
educacionais, revisão literária de pesquisas sobre infância, trabalho infantil e
violência.
Apesar das diferentes temáticas, o foco não se desvincula do nosso objeto de
análise, pelo contrário, nos favorece na construção do tempo histórico necessário a
descoberta do modo como cada época concebeu o conceito de infância, ou ainda,
do seu surgimento e como ela se apresentava nos múltiplos espaços, bem como os
contornos, acirramentos e/ou atenuações desenvolvidas nos distintos contextos
sociais.
11 A Covid-19 é uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que devido a
sua rápida transmissão, colocou o mundo em situação de pandemia, onde se obrigou a tomada de
medidas de contingenciamento (quarentena, uso de máscaras, higienização das mãos, entre
outras), visando diminuir os riscos de contágio. No Brasil, o primeiro caso confirmado pelo
Ministério da Saúde, foi datado do dia 26 de fevereiro de 2020, no estado de São Paulo (UMA-
SUS, 2020), e no Amazonas a confirmação do primeiro caso foi no dia 13 de fevereiro de 2020
(SES-AM, 2020).
35
Dito isso, explicitamos que nesta fase, realizamos uma análise mais profunda
em 41 pesquisas, sendo 12 pesquisas de doutorado e 29 de mestrado, o que nos
leva a inferir que a temática pesquisada tem sido prioritariamente objeto de estudo
nos programas de pós-graduação para titulação de mestre, conforme demonstramos
no quadro abaixo.
O quadro acima, marca o recorte de tempo datado dos anos de 2003 à 2019,
sendo 2017 o ano com mais pesquisas defendidas, a saber, seis dissertações e três
teses. Em ordem decrescente, destaca-se ainda que foram defendidas cinco
pesquisas em 2010, sendo quatro dissertações e uma tese. Em 2013 apresentam-se
quatro trabalhos, com prevalência nas pesquisas de mestrado. Já em 2012,
contabilizou 3 trabalhos, sendo duas dissertações e uma tese. Referente aos anos
de 2014 e 2015, temos três pesquisas em cada ano, em um equilíbrio de duas
dissertações e uma tese nos anos de 2014 e três teses defendidas em 2015.
Relativo aos anos de 2008, 2011, 2016, 2018 e 2019, cada um apresentou duas
pesquisas. E, em 2003, 2005, 2006 e 2009, obteve-se apenas uma pesquisa em
cada ano, sendo exclusivamente, dissertações.
As pesquisas foram defendidas em 24 IES, dispostas em quatro regiões
brasileiras, conforme mostram os gráficos a seguir.
36
12 Relacionado a “[...] falta de hospitais para que as crianças pudessem nascer sob a assistência de
profissionais habilitados e de acompanhamento em seus primeiros anos de vida; ausência de um
programa de educação formal que atendesse à demanda, pois se considerava grande o índice de
analfabetismo, tanto em meio às crianças, como entre jovens e adultos; a pobreza, que gerava
uma série de outras limitações e dificuldades”, são alguns elementos que compuseram essa
conceituação. (GROTTI, 2016, p. 15).
13 A pesquisadora destaca o Departamento Nacional da Criança (DNCr); a Legião Brasileira de
Assistência (LBA); Comissão Territorial da LBA; o Instituto de Amparo Social, a Instituição de
Assistência Social Darcy Vargas, a Sociedade Plácido de Castro, novamente a Legião Brasileira
de Assistência e a Sociedade Plácido de Castro, bem como, o próprio Estado, a escola, a pré-
escola e a família.
40
(entre elas, a escola), onde indicam que a educação da infância pobre era no
sentido da moralização e higienismo mental e corporal.
Uma característica que predomina em ambas as pesquisas deste eixo, é
voltada as conclusões dos estudos em que indicam que um dos meios de
assistência à infância é a educação, onde se visava que as crianças se tornassem
úteis ao progresso da nação, ascendendo o país à modernidade.
2.2.6 Higienismo
abandonada na década de 1930 e que as marcas desse processo ainda podem ser
encontradas no Brasil do século XXI.
17 A pesquisadora relacionou que eles eram tidos como abandonados devido ao “[...] Código de
Menores de 1927, que determinava em seu artigo 31, a possibilidade de suspensão ou perda do
pátrio poder: a partir do momento em que o menino estivesse interno, seus pais teriam suspensa
sua guarda, que ficaria a cargo do Estado, isto é, o menino seria considerado ‘abandonado’
mesmo que temporariamente, já que sob a tutela do Juizado” (LIMA, 2017, p. 157-158).
50
2.2.10 Menores
Pessoa (2010) buscou revelar o espaço social que as crianças ocupavam referente
ao mundo do trabalho e identificou que o trabalho infantil esteve presente no tempo
e espaço pesquisado, constatou ainda que as famílias questionavam as condições
de trabalho a que seus filhos eram impostos, mas não ao trabalho em si.
A pesquisadora detectou que a preparação dessa mão-de-obra se constituía
mediante as instituições educacionais que prestavam assistência as famílias pobres
e ao ensino de um ofício, todavia,
18 Não é nossa intenção resenhar a obra de Ariès nesse tópico, todavia consideramos necessário
trazer intensamente sua pesquisa a partir de apontamentos, haja vista a grande contribuição e
pioneirismo sobre o tema.
19 A Escola dos Annales foi fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre, estes pertencem à
primeira geração de historiadores do grupo; Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss, à 2ª geração
(1946-1968); Jacques Le Goff, Pierre Nora, Philippe Ariès, Clifford Geertz, Michel Vovelle, Jean-
Marie Pesez, à 3ª geração (1968-1989) ou Nova História (Nouvelle Histoire); e Bernard Lepetit, à
4ª geração (1989). (ZANELLA, 2018). As principais características que convergem na identidade
dos Annales são: “[...] a interdisciplinaridade, a problematização da História, e as novas
proposições nas formas de conceber o Tempo” (BARROS, 2010, p. 1).
59
Nessa direção, Ariès (1986) afirma em sua tese que as ideias circundantes ao
novo sentimento na forma de olhar as crianças, ligado ao conceito de afetividade e
vínculo como hoje conhecemos, consolidou-se na sociedade moderna. Endossando
essa afirmação, Araújo (2007) atribui ao Renascimento proveniente do início da
Idade Moderna, à centralidade da criança e da concepção social de infância, pois
nessa perspectiva, o homem sobrepôs a razão à fé, e esse entendimento foi
responsável por principiar a preocupação com a infância, afinal:
20 Obra traduzida da edição de L’Enfant et la vie famillale sous I’ Ancien Régime das Editions du
Seuil Collection Points, Série Histoire, 1973. (ARIÈS, 1986).
60
21 Etimologia (origem da palavra infante). Do lat. infãns – antis ‘que não fala, infantil’ (CUNHA, s/d.).
61
A imagem abaixo retrata uma pintura francesa otoniana do final do século XI,
onde aparecem três crianças que foram ressuscitadas por São Nicolau. Ariès
descreve que não existe diferença na expressão ou nos traços das crianças, sendo
elas representadas em tamanho reduzido ao dos adultos, inclusive com traços que
ressaltam uma certa quantidade de musculaturas, que não são próprias das
crianças.
E ainda, “[...] a separação entre crianças e adultos ainda não existia no caso
das mulheres [...] o sentimento da infância beneficiou primeiro meninos, enquanto as
meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com
os adultos” (ARIÈS, 1986, p. 71;81).
Outra característica própria que surgiu dentro da classe burguesa se referiu
ao uso da palavra infância, que deixou de empregada como sinônimo das palavras
que indicavam um grau de dependência ou submissão e a restringiu a seu sentido
moderno.
[...] nas famílias nobres em que a dependência não era senão uma
consequência da invalidez física, o vocabulário da infância tendia
quase sempre a designar a primeira idade. No século XVII, seu
emprego tornou-se mais frequente: a expressão ‘petit enfant’ (criança
pequena ou criancinha) começou a adquirir o sentido que lhe
atribuímos (ARIÈS, 1986, p. 43).
A ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não
estão maduras para vida social. Ela tem como objetivo suscitar e
desenvolver na criança um certo número de estados físicos,
intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade
política quanto pelo meio específico a qual ela está destinada em
particular (DURKHEIM, 2011, p. 53-54).
22 O Positivismo é entendido como uma corrente teórica fundada por Auguste Comte (1798-1857),
que propõe um sistema filosófico para o desenvolvimento de uma ciência neutra e racional
pautado no afastamento da teologia e da metafísica “[...] que afirma a necessidade e a
possibilidade de uma ciência social completamente desligada de qualquer vínculo com as classes
sociais, com as posições políticas, os valores morais, as ideologias, as utopias, as visões de
mundo” (LÖWY, 1991, p. 36). Apesar de ter surgido dentro do contexto marcado pelos ideais
Iluministas e da Revolução Francesa, primeiramente como um movimento contestador da ordem
social vigente, assumiu em Comte e Durkheim um caráter conservador da ordem social
estabelecida (LÖWY, 1998).
69
Anterior a esse período, Ariès (1986) afirmou que a civilização medieval havia
suprimido a Paideia dos antigos, bem como as classes de idade do Neolítico,
levando-os a não reconhecer as particularidades da infância. O autor fez esses
questionamentos baseando sua pesquisa em fontes iconográficas, que eram
consideradas de pouca confiabilidade, “[...] por seu caráter extremamente centrado
no presente” (HEYWOOD, 2004, p. 24).
Evidenciamos que a tese de Ariès (1986) refere-se ao período da Idade
Moderna como marco inicial da descoberta da infância, para isso ele percorreu uma
trajetória que evidencia que a sociedade medieval enxergava a infância restrita ao
período de total dependência da criança ao adulto. A análise ressaltou que o tempo
de vida das crianças na família e na sociedade era breve e que esse fato se dava
pelo alto índice de mortalidade infantil, por isso não se fazia necessário conservar
uma vivência e/ou memória afetiva,
milagre da transformação da água para o vinho, ou ainda, com “[...] uma sucessão
de passes de mágica” (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2012, p.22).
O autor complementa dizendo que é necessário ter cautela diante da
afirmação que as crianças não eram apresentadas ou mal representadas nas artes
plásticas durante a Idade Média ou antes dela, isso porque em cada época e cultura,
os artistas desenvolvem técnicas e perspectivas diferentes sobre um mesmo objeto,
logo, não necessariamente o sentimento de infância estivesse ausente, este poderia
ainda, estar configurado a uma questão de interpretação dos fatos e sentidos. “Em
suma, Ariès parece pensar que ‘o artista pinta aquilo que todos veem’, ignorando
todas as questões complexas relacionadas à forma como a realidade é mediada na
arte” (HEYWOOD, 2004, p. 25).
Mergulhados nesse entendimento, podemos encontrar em imagens antigas,
algumas representações de crianças, em outras partes do mundo, que antecedem
as descritas por Ariès, conforme demonstra a Figura 3, em que o artista chinês Li
Song retratou em sua pintura datada de 1.210 da nossa era, um cenário campestre,
onde vemos uma mulher rodeada por crianças, e um vendedor ambulante.
se uma criança tem ou não infância, e sim a compreensão sobre qual infância a
criança vivencia ou já vivenciou.
Em complemento a tese de Ariès (1986), é crucial buscarmos conhecer as
diversas formas de interpretar as questões históricas, sociais, políticas e econômicas
que contornam a criança e a infância. A despeito disso, Heywood (2004) discorre
sobre o caráter contraditório e relativo que cerca a história da infância, ele salienta a
inexistência de uma evidência histórica que indique de fato um perfil concreto da
criança na história da humanidade, conforme expresso na citação abaixo:
Heywood (2004) também afirma que a abordagem realizada por Ariès (1986)
e por seus seguidores, é exagerada pois a abordagem mais coerente seria “[...] não
perder de vista as formas mutantes de infância como constructo social” (HEYWOOD,
2004, p. 45). Por conseguinte, este autor relata que Ariès direcionou uma atenção
demasiada a arte sacra, suprimindo as demais representações da criança em sua
vida secular.
Ariès (1986) concluiu que as crianças se misturavam ao mundo dos adultos
mediante o uso de suas roupas, que em nada se diferiam, bem como na
participação dos jogos e nas rodas de conversa, sem a noção de vergonha ou
pudor.
24 Eram meninos portugueses entre nove e dezesseis anos e algumas vezes, até com menos idade,
oriundos da orfandade desabrigada ou filhos de pedintes das áreas urbanas que alistavam seus
filhos nas tripulações como forma de aumentar a renda da família. Outra forma de recrutamento
dos grumetes era ainda mais violenta. Quando judias as crianças que eram arrancadas à força de
suas famílias, como forma de a coroa portuguesa conseguir mão-de-obra e manter o controle do
crescimento judaico no país. Os grumetes ocupavam cerca de 18% do total na tripulação das
embarcações, e tinha a posição mais baixa na hierarquia marítima, de modo que, dentre os
embarcados, eles tinham as piores condições de vida nas viagens (RAMOS, 2010).
25 As crianças embarcadas como pajens da nobreza tinham a mesma faixa etária dos grumetes, ou
até mais jovens, a maioria era proveniente de famílias pobres, outros vinham de famílias
protegidas pela nobreza e ainda de famílias de baixa nobreza, que viam no alistamento de seus
filhos, uma forma de ascenderem socialmente. O trabalho exercido pelos pajens era considerado
menos árduo em relação ao dos grumetes, e eles possuíam mais chances de alcançar cargos
melhores na tripulação, além de estarem hierarquicamente acima dos grumetes. Esse fato,
todavia, não lhes garantia sua segurança física, pelo contrário, eles também eram vítimas de
abuso sexual cometido pelos oficiais (RAMOS, 2010).
26 Eram meninas pobres, na faixa etária de catorze a trinta anos, órfãs (mesmo se apenas o pai
tivesse morrido), que eram reunidas em orfanatos e logo após, enviadas nas viagens de
colonização, as quais eram destinadas a se casarem com homens de destaques nas possessões
portuguesas. Preferencialmente, mandavam para o Brasil, meninas de até dezessete anos, visto
que a maioria das mulheres acima de dezoito anos, eram prostitutas, e ocupavam lugar nos
orfanatos apenas como uma forma de os magistrados limparem a sociedade das pecadoras
(RAMOS, 2010).
81
evolução científica que vinha crescendo na Europa, o país foi ficando atrasado em
relação aos europeus, estagnado em processos rudimentares de escrita e leitura.
Por mais de uma década só restou a lacuna inconsistente de formação acadêmica,
que foi preenchida após esse período pelas Aulas Régias, que eram as aulas
isoladas de francês, ciências naturais, geometria e aritmética.
Ciasca (2006) reitera que diversos fatores contribuíram para uma derrocada
ainda maior na educação das crianças a partir desse novo modelo de aulas isoladas,
entre eles, a falta de mestres capacitados. Todavia, com a chegada da família real,
acendeu-se uma centelha na educação, o que não significou a garantia de educação
igualitária para todas as crianças.
Frente ao exposto, identificamos que os missionários jesuítas enxergavam a
infância como uma fase propícia ao ensino da cultura ocidental religiosa, e que a
partir da própria descoberta da infância difundida na Europa, as crianças eram vistas
sob a ótica cristã que anteriormente a considerava símbolos do mal, ganharam uma
nova configuração como símbolos da divindade angelical (PEREIRA, 2007).
Todavia, vimos que mesmo sob essa nova ótica sentimental e afetuosa, as
crianças, sofreram um duro processo catequético, e por que não dizer, violento, pois
eram duramente punidas fisicamente, além de passarem por uma grave desordem
familiar, social e cultural.
Priore (2010) narra em seu livro História das crianças no Brasil, os cuidados
destinados às crianças desde a preparação dos seus partos, conforme os costumes
de cada povo que compunha a miscelânea brasileira. Esses relatos propiciaram uma
lente para enxergarmos a percepção das famílias em relação as suas crianças.
A autora discorre que os cuidados neonatais com a higiene eram baseados
em asseios com líquidos espirituosos, infusões de folhas ou ainda em banhos de rio.
De um modo geral, se convencionou o emplastramento da cabeça do recém-nascido
feito com uma mistura de ovo e vinho como forma de fortalecê-la, além de enfaixar
firmemente as pequenas crianças em panos para que não sofressem deformidades
e enterrar o coto umbilical, como forma de proteção contra mau-olhado e bruxaria.
84
Esse contexto histórico nos leva a apreender que ainda não se havia formado
completamente uma identidade infantil, pois assim que a criança era considerada
apta a desenvolver atividades laborais como os adultos, o Estado precarizava ainda
mais o atendimento a elas.
A Roda dos expostos serviu por mais de um século como a única política de
assistência à criança abandonada, e apesar de vários movimentos contrários,
sobretudo dos higienistas que observavam o elevado índice de mortalidade infantil
decorrente da precariedade das instituições, esse sistema durou do período
Colonial, passando pelo período do Império e resistindo até parte do período da
República, sendo extinto na segunda metade do século XX.
O século XIX marcou a difusão da reforma higienista no Brasil e esteve
vinculada a cultura da institucionalização das crianças e adolescentes pobres, e
tinha como prioridade, modificar os hábitos anti-higiênicos do período colonial,
através de normas reguladoras do comportamento da mulher, do homem e das
crianças, voltado inicialmente às famílias de elite e posteriormente, à burguesia
citadina como forma de organização dos espaços social e urbano. No que se refere
às camadas pobres da sociedade, as ações se voltaram à profilaxia (prevenção de
doenças da população) pois, as famílias pobres eram consideradas como foco de
possíveis desvios e doenças (OLIVEIRA, 2005).
Esse cenário que entendia a pobreza como a criadora e propagadora das
mazelas sociais, para além das mazelas sanitária, desvela o entrelace das práticas
higienistas com as práticas eugenistas, que aliadas ao processo de modernização
do país, centrou-se na infância, pois visavam produzir uma sociedade sadia física e
moralmente. Sobre esse enredo, “[...] o ideário higienista, compreendido a partir
daquele contexto, desvelou uma demanda a ser atendida a partir de interesses
determinados: a proteção à infância relacionava-se sobremaneira à proteção da
sociedade” (ZANIANI, 2008, p. 143).
Nesse sentido, o higienismo colaborou na segregação, sobretudo das
crianças e adolescentes pobres, sujeitando-os aos asilos, pois assim, poderiam
limpar a sociedade desse mal hereditário. Gualberto (2017) apresenta um panorama
relativo à quantidade de instituições de acolhimento que existiram no final do século
XIX, e contabilizou “30 (trinta) asilos de órfãos, 07 (sete) escolas industriais e de
artífices e 04 (quatro) escolas agrícolas que dedicavam atenção à criança para o
trabalho subalterno” (GUALBERTO, 2017, p. 56).
88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
brasileiros têm usado como recorte temporal a passagem do século XIX ao século XX,
para explicarem a construção da concepção de criança e infância no Brasil,
ressaltando como cada época concebeu o conceito infância e como se organizaram
em torno da criança.
Evidenciamos que no decurso dos séculos supracitados a criança era vista a
partir de sua classe social, vivenciando a infância que teoricamente lhe cabia, ou seja,
a criança pobre, era sempre retratada como alguém sem perspectiva de futuro,
desafortunada, um mal hereditário e problema social, vista sob a alcunha do menor
(PINHEIRO, 2013). Nessa concepção, e à luz da era Moderna que eminentemente se
apresentava, o governo brasileiro criou políticas de proteção à infância pobre, ou seria
uma política de proteção social contra a infância pobre?
Essa não tão nova forma de tratamento as crianças proletárias, tornou incisiva
a institucionalização de meninos e meninas, tendo como base a pobreza como
sinônimo de delinquência, ou seja, um mal que precisava ser extinguido de uma
sociedade que aspirava alcançar patamares idênticos aos que vigoravam no
continente europeu – a modernidade e afirmação do sistema econômico capitalista.
Por outro lado, a criança da classe dominante era considerada a mais bonita,
ingênua, digna de cuidados e de receber uma boa educação, pois esta teria um futuro
promissor herdado como legado de família. A similaridade percebida ao tratamento
das crianças é referente à educação marcada pela moralização social e diferenciação
no tratamento conforme o gênero de nascimento. Destaca-se que a infância acabava
em idades diferentes, para os meninos aos 15 anos, quando ingressavam no mundo
do trabalho, e para as meninas aos 12, quando assinavam contrato matrimonial. Uma
grande diferença na educação dos meninos e meninas, é que estas, não tinham
acesso à cultura escrita, diferente dos meninos que poderiam alçar patamares
educacionais mais elevados.
A educação para a criança pobre reproduzia as marcas do trabalho infantil, que
era legitimado pelas políticas de assistência, na tentativa de garantir o caráter ordeiro
dos menores, incutindo os valores próprios da burguesia na preparação da mão de
obra considerada passiva e barata, já que a prática do trabalho em si não era
questionada, todavia, os pais questionavam as condições do trabalho impostas às
crianças.
Na terceira seção apresentamos os resultados referentes ao segundo objetivo
específico, que sistematizou o conceito de infância a partir da tese de Philippe Ariès e
95
Ou seja, a pintura francesa não pode ser usada exclusivamente como o único
parâmetro para discorrer que a infância, no sentido do reconhecimento das
particularidades infantis, surgiu na Europa e, nem pode afirmar que a criança não
tinha um lugar de centralidade e protagonismo na sociedade de outras partes do
mundo.
À face do exposto, a infância descrita na perspectiva eurocêntrica, reverberou
na construção do conceito no Brasil especialmente no que tange aos pressupostos
educacionais, postulados nos estudos de Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Fröebel,
que ganharam grande visibilidade na organização escolar brasileira. Vimos que
Comenius entendia a infância como um lugar a ser completado, educado para atingir
a maturidade, mesmo que para alcançar esse fim, fosse necessário lançar mão de
disciplinas e punições físicas e psicológicas.
Pestalozzi viu na educação da criança a possibilidade do aperfeiçoamento
individual e da sociedade, desde que todos tivessem garantido o direito à mesma
forma de educação. Conquanto, para Rousseau, a educação servia à liberdade, e a
infância tinha seu valor próprio a criança concreta. A esse respeito, Fröebel se
dedicou a conhecer as necessidades das crianças e os seus interesses e, para isso,
criou os jardins de infância, uma instituição educacional voltada ao atendimento das
crianças, pautada no afeto e cuidado.
Vemos assim, que o surgimento da categoria infância como conceito construído
socialmente perpassa as imagens analisadas por Ariès (1986), e mostram-se como
um processo heterogêneo, pois não foi/é vivenciado igualmente por todas as crianças.
Consoante, Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012) afirmam que toda criança tem infância,
não a infância idealizada pelo adulto, mas a concreta, própria da classe que pertence,
do tempo e espaço que vive, da sociedade que está inserida. Logo, a infância é uma
construção social.
Na quarta seção, focamos na construção da infância brasileira a partir da
identificação de alguns marcos históricos que evidenciam que essa história foi regida
por fatos complexos, os quais compõem as múltiplas infâncias vividas pela
miscigenação de crianças que foram registradas desde o processo de colonização. No
Brasil, a infância foi entendida como um problema que colocaria em risco o protótipo
de sociedade planejada pela monarquia e depois pela república, e/ou solução caso
fossem educadas para constituírem-se um adulto ideal aos propósitos políticos da sua
época.
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