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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED


LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

IDELVANI DA CONCEIÇÃO BEZERRA THIAGO

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA: UMA REVISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA

MANAUS – AM
2022
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LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

IDELVANI DA CONCEIÇÃO BEZERRA THIAGO

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA: UMA REVISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como requisito parcial para obtenção do
Diploma de Licenciatura em Pedagogia na
Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Orientadora: Dra. Maria Nilvane Fernandes.

MANAUS – AM
2022
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Ficha Catalográfica
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Thiago, Idelvani da Conceição Bezerra


T422c Construção do conceito infância: uma revisão histórico-crítica /
Idelvani da Conceição Bezerra Thiago. 2022
108 f.: il. color; 31 cm.

Orientadora: Maria Nilvane Fernandes


TCC de Graduação (Licenciatura Plena em Pedagogia)
Universidade Federal do Amazonas.

1. Criança. 2. Infância. 3. História da Infância. 4. Construção


social. I. Fernandes, Maria Nilvane. II. Universidade Federal do
Amazonas III. Título

Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) PIB-H/0112/2020 e da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) PIB-H/0043/2021.
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IDELVANI DA CONCEIÇÃO BEZERRA THIAGO

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA: UMA REVISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Drª. Maria Nilvane Fernandes (Orientadora)


Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Profª. Drª. Ilaine Inês Both (Examinadora Interna)


Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Profª. Dda. Kelly Rocha de Matos Vasconcelos (Examinadora Externa)


Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED/Manaus)

Profª. Me. Rosana Trindade de Matos (Suplente)


Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED/Manaus)

Me. Janiely Correia (Suplente)


Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP)

Manaus, 27 de maio de 2022


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FOLHA DE APROVAÇÃO
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AGRADECIMENTOS

A escrita deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) representa

muito mais o caminho percorrido ao longo desses cinco anos de

graduação, do que propriamente o seu término. E agora, chegando ao

final desta etapa, eu não poderia deixar de agradecer àqueles que se

fizeram presentes ao meu lado, cuidando para que eu pudesse cruzar a

linha de chegada. Por isso sou grata:

Ao meu Deus, que em sua infinita bondade e misericórdia

aplainou os caminhos que me trouxeram a este lugar, e em quem confio

que continuará cuidando do percurso que escolhi trilhar.

Ao meu esposo Jeffeson, que realizou minha inscrição no

vestibular (ENEM), que esteve comigo no dia da aprovação, da

matrícula, que me levou no meu primeiro e último dia de aula, que

cuidou dos afazeres domésticos para que eu pudesse me dedicar

exclusivamente aos estudos, que entendeu minhas ausências. Obrigada

por acreditar no meu sonho!

Aos meus pais: Salim, que me ensinou a seguir um caminho justo e

me mostrou que estudar deve ser um ato contínuo; e Francisca, que

sempre lutou pela minha vida, e que me ensina que as nossas limitações

não devem nos impedir de permanecermos em pé, mesmo que

caminhando lentamente, mas prosseguindo rumo ao alvo proposto.

Nenhuma palavra seria suficiente para agradecê-los pelo amor,

cuidado e educação que me concedem!

Aos meus irmãos e cunhados Thiago e Juliane; Carolina e Junio,

que sempre vibram com as minhas conquistas, que dentro de suas

possibilidades nunca me negaram ajuda e que me deram as


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preciosidades da minha vida, meus sobrinhos Manuela Cristie, Lucas

Henrique e Melissa Sophia, os quais me motivam a pesquisar e entender


os processos sociais relacionados à infância. Obrigada pelas ligações e

mensagens: – Titia, você tá bem? Eu tô com saudade!

À minha cunhada Jeniffer, que ao ver minha necessidade,

prontamente me surpreendeu ao me presentear com um notebook, que

me foi/é extremamente útil e indispensável na escrita deste e de tantos

outros trabalhos.

À família da fé, meus irmãos da Congregação Presbiteriana Rio

Jordão, obrigada pelas orações.

Às amigas, Nayara, Gleice e Tatiane, cujo apoio e companhia foi

indispensável para enfrentar o processo de formação, e pela amizade

que não se restringiu aos limites da universidade. Gratidão pelas

excelentes trocas acadêmicas e de vida.

À minha orientadora, Maria Nilvane, por ser a primeira a

enxergar em mim o potencial no campo da pesquisa científica, e que de

maneira acolhedora me aproximou para junto de si. Obrigada por sua

sensibilidade e afeto, por sempre querer o meu crescimento, pelas

palavras de encorajamento, de elogios e até pelas broncas, pois elas

também são demonstração de cuidado. Você faz parte da minha vida e

tem lugar cativo no meu coração!

Ao Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Políticas,

Educação, Violências e Instituições (GEPPEvi), que sob a coordenação

da professora Maria Nilvane tem produzido e compartilhado

conhecimentos, e do qual orgulhosamente faço parte.


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Aos professores (da educação básica ao ensino superior), que

contribuíram na minha jornada educacional e que me inspiram na

profissão.

À banca examinadora, pelos apontamentos e disposição em

contribuir no solene momento de defesa desta monografia.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas

(FAPEAM), pela concessão das bolsas que financiaram esta pesquisa.


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Dedico este trabalho


Ao meu esposo, Jeffeson:

Pelo amor e companheirismo


Pelo incentivo e apoio incondicional
Por me fazer acreditar que tudo daria certo
Por secar minhas lágrimas nos momentos difíceis
Por tornar a minha caminhada acadêmica mais fácil

À minha amada vó Rosa (in memoriam)


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Algures Walter Benjamin escreveu: “Que ‘as coisas


continuem como antes’: eis a catástrofe”.

A infância é promessa de começo, testemunho do eterno


retorno do novo e, portanto, de adiamento da catástrofe.
Talvez seja por isto que todo poder conservador busque
domesticar a infância: para manter um estado de coisas é
preciso, injustamente, conter o indeterminado. Todavia,
isto não é senão um modo grotesco de fracassar. Sejam
quais forem as forças, a infância resiste: condição e
promessa do vivo, ela afirma a persistência inegociável da
mutação.

Hansen; Fenati, 2017


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THIAGO, Idelvani da Conceição Bezerra. Construção do conceito infância: uma


revisão histórico-crítica (Relatório de pesquisa). (TCC, Pedagogia). Orientadora Dra.
Maria Nilvane Fernandes. Manaus: UFAM, 2022. 108p.

RESUMO

Esta pesquisa possui como objetivo geral discutir a construção ideológica do


conceito infância a partir da perspectiva histórico-crítica de maneira a categorizar e
sistematizar pesquisas e principais bibliografias sobre o tema, identificando os
marcos históricos que compreendem a infância brasileira. A discussão demanda
resposta à seguinte problematização: Quais interesses políticos, econômicos e
sociais ligados à formulação do conceito infância, tornaram o termo uma construção
social hegemônica no sistema capitalista? A organização metodológica foi orientada
pelos seguintes objetivos específicos: a) categorizar nos repositórios de teses e
dissertações como o conceito infância tem sido identificado nas linhas acadêmicas,
a partir das principais bibliografias utilizadas; b) sistematizar o conceito de infância
outrora categorizada nas pesquisas recolhidas nos repositórios, retomando
historicamente os fatores ideológicos da construção deste conceito; c) identificar os
marcos históricos e políticos que corroboraram para a forma de compreender a
infância no Brasil. Para atingir os objetivos do estudo, foram realizadas leituras
exploratórias, seletivas, analíticas e interpretativas de textos e documentos. Assim,
utilizamos de uma pesquisa de cunho bibliográfico alicerçados nos estudos sobre a
infância, de autores como: Ariès (1986), Warde (2007), Klein (2012), Heywood
(2004), Bernartt (2009), Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012), Rizzini e Rizzini (2004),
Rizzini e Pilotti (2011), Priore (1991; 2010) e Kuhlmann Jr. (1998). E a análise
documental foi feita nos respectivos repositórios: Catálogo de Teses e Dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES);
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações UFAM (TEDE/UFAM). A fundamentação
teórica nos permitiu concluir que o conceito infância é uma construção social,
vivenciada pela criança concreta, de forma diferente a cada uma. A vista disso, a
infância pode apresentar diversas concepções a depender do tempo e lugar que a
criança está inserida. A análise também evidenciou que em cada época, a infância
recebeu um tratamento diferenciado, de acordo com os ideais políticos e
econômicos pensados à sociedade capitalista que a burguesia defende.

Palavras-chave: Criança. Infância. História da Infância. Construção Social


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THIAGO, Idelvani da Conceição Bezerra. Construction of the childhood concept:


a historical-critical review (Research report). (TCC, Pedagogy). Advisor Dra. Maria
Nilvane Fernandes. Manaus: UFAM, 2022.

ABSTRACT

This research has the general objective of discussing the ideological construction of
the concept of childhood from a historical-critical perspective in order to categorize
and systematize research and main bibliographies on the subject, identifying the
historical landmarks that comprise Brazilian childhood. The discussion demands an
answer to the following questioning: What political, economic and social interests
linked to the formulation of the concept of childhood made the term a hegemonic
social construction in the capitalist system? The methodological organization was
guided by the following specific objectives: a) to categorize in the repositories of
theses and dissertations how the concept of childhood has been identified in
academic lines, from the main bibliographies used; b) to systematize the concept of
childhood once categorized in the research collected in the repositories, historically
taking up the ideological factors behind the construction of this concept; c) identify
the historical and political landmarks that corroborated the way of understanding
childhood in Brazil. To achieve the objectives of the study, exploratory, selective,
analytical and interpretive readings of texts and documents were carried out. Thus,
we used a bibliographic research based on studies on childhood, by authors such as:
Ariès (1986), Warde (2007), Klein (2012), Heywood (2004), Bernartt (2009),
Kuhlmann Jr. and Fernandes (2012), Rizzini and Rizzini (2004), Rizzini and Pilotti
(2011), Priore (1991; 2010) and Kuhlmann Jr. (1998). And the document analysis
was carried out in the respective repositories: Catalog of Theses and Dissertations of
the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES);
Digital Library of Theses and Dissertations UFAM (TEDE/UFAM). The theoretical
foundation allowed us to conclude that the concept of childhood is a social
construction, experienced by the concrete child, in a different way for each one. In
view of this, childhood can present different conceptions depending on the time and
place that the child is inserted. The analysis also showed that in each era, childhood
received a different treatment, according to the political and economic ideals thought
to the capitalist society that the bourgeoisie defends.

Keywords: Child. Childhood. Childhood History. Social Construction


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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 MILAGRE DE SÃO NICOLAU .................................................................................... 61


FIGURA 2 A VIRGEM E O MENINO ENTRONADOS .................................................................. 62
FIGURA 3 PINTURA CHINESA RETRATANDO CRIANÇAS ...................................................... 70
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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 PESQUISAS DEFENDIDAS POR IES ....................................................................... 30


GRÁFICO 2 PRODUÇÃO DE PESQUISAS POR ESTADO .......................................................... 31
GRÁFICO 3 IES COM MAIOR NÚMERO DE PESQUISAS DEFENDIDAS .................................. 35
GRÁFICO 4 QUANTITATIVO DE PESQUISAS POR REGIÃO ...................................................... 35
GRÁFICO 5 RELAÇÃO DAS PRODUÇÕES POR ÁREAS DE CONHECIMENTO ...................... 36
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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 SELEÇÃO DO TERMO DESCRITOR .......................................................... 27


QUADRO 2 QUANTITATIVO DE PRODUÇÕES POR IES .............................................. 30
QUADRO 3 FONTES DE ORIGEM DAS PESQUISAS SELECIONADAS ....................... 34
QUADRO 4 ORGANIZAÇÃO DAS PESQUISAS SELECIONADAS POR EIXOS
TEMÁTICOS ................................................................................................ 37
QUADRO 5 ORGANIZAÇÃO DOS APORTES TEÓRICOS ............................................. 52
QUADRO 6 RECORRÊNCIA DOS AUTORES POR EIXOS TEMÁTICOS ...................... 53
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LISTA DE SIGLAS

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações


CAPEJO Casa do Pequeno Jornaleiro
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBHE Congresso Brasileiro de História da Educação
CEPAJ Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FACED Faculdade de Educação
FAPEAM Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
GEPPEvi Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Políticas, Educação,
Violências e Instituições
IES Instituição de Ensino Superior
LBI Laboratório de Biologia Infantil
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
PDF Portable Document Format
PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PUC-GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RBE Revista Brasileira de Educação
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TEDE/UFAM Biblioteca Digital de Teses e Dissertações UFAM
UEM Universidade Estadual de Maringá
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFAM Universidade Federal do Amazonas
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPA Universidade Federal do Pará
UFPR Universidade Federal do Paraná
USP Universidade de São Paulo
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 19

2 A HISTÓRIA DA INFÂNCIA COMO OBJETO DE PESQUISA: UM


INVENTÁRIO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS NO REPOSITÓRIO
CAPES ............................................................................................................... 26

2.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PESQUISAS SELECIONADAS PARA ANÁLISE ....... 32

2.2 A PRESENÇA DO TEMA INFÂNCIA NAS PESQUISAS RECOLHIDAS NO


REPOSITÓRIO CAPES: A DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS
SELECIONADOS ................................................................................................ 37

2.2.1 Assistência à infância .......................................................................................... 38

2.2.2 Cultura da infância .............................................................................................. 39

2.2.3 Direitos da criança e do adolescente................................................................... 40

2.2.4 Educação familiar................................................................................................ 41

2.2.5 Educação para infância ....................................................................................... 42

2.2.6 Higienismo .......................................................................................................... 43

2.2.7 História da infância.............................................................................................. 44

2.2.8 Infância desvalida ............................................................................................... 47

2.2.9 Infância institucionalizada ................................................................................... 48

2.2.10 Menores .............................................................................................................. 49

2.2.11 Revisão literária .................................................................................................. 50

2.2.12 Trabalho infantil................................................................................................... 50

2.3 AS FONTES DOCUMENTAIS UTILIZADAS NAS PESQUISAS


SELECIONADAS ................................................................................................ 51

2.4 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO .......................................................................... 54

3 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA: PERSPECTIVAS DE PHILIPPE


ARIÈS ................................................................................................................. 57

3.1 DO ANONIMATO INFANTIL À DESCOBERTA DA INFÂNCIA: EM FOCO A


ICONOGRAFIA ................................................................................................... 60

3.2 A ESCOLA COMO DEMARCAÇÃO DA INFÂNCIA ............................................ 65

3.3 A INFÂNCIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL: CRÍTICAS À TESE DE


PHILIPPE ARIÈS ................................................................................................ 68
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3.4 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO .......................................................................... 75

4 O PERCURSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA


NO BRASIL ........................................................................................................ 78

4.1 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: RUMO AO NOVO MUNDO ......... 79

4.2 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: COLONIZAÇÃO E O ENSINO


JESUÍTICO ......................................................................................................... 80

4.3 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: O OLHAR DA MEDICINA E A


VIDA DOMÉSTICA DAS CRIANÇAS .................................................................. 82

4.4 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA


ÀS CRIANÇAS NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO.................................................... 84

4.5 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: DO CÓDIGO DE MENORES


AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ....................................... 87

4.6 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO .......................................................................... 90

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 93

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 99
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1 INTRODUÇÃO

Quem escreve, a cada vez que escreve, recomeça o jogo da aprendizagem


infantil de balbuciar sílabas, compor universos imaginários, conviver com os
outros na linguagem. Como foi aprender a falar? É na infância que acontece
pela primeira vez o nascimento da voz, e a escrita experimenta o retorno
diferido deste nascimento. Tudo isto é frágil e terrivelmente potente: o
retorno da infância mina a tagarelice das línguas, abre-as outra vez ao
novo, reforça sua atração pelo singular. Quando a infância opera a escrita,
torna-se possível escutar a língua rolar dentro da boca, tocar os dentes,
suspensa antes de dizer alguma palavra, viva por dizer aquilo que diz. São
tantas as infâncias quanto as línguas porvir (HANSEN; FENATI, 2017, p. 6)

Esta monografia é fruto de uma trajetória iniciada no ano de 2020, mediante a


desafiadora escrita de uma pesquisa no Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC)1, onde nos propusemos a traçar um percurso histórico a
despeito da construção do conceito infância e dos significados atrelados a ele,
visando diferenciá-lo historicamente do termo criança, evidenciando como esses
termos são apresentados nas pesquisas e livros por pesquisadores
contemporâneos. Em 2021, apresentamos um novo projeto2 de continuidade à
pesquisa supracitada. Neste novo projeto, focamos na infância brasileira e suas
características próprias em distinção e/ou aproximação ao conceito construído na
sociedade europeia.
Destacamos que partes desta monografia foram publicadas em formato de
artigo, uma em um periódico da Universidade Federal da Fronteira Sul, com o título
A construção social do conceito infância no sistema capitalista: um levantamento
bibliográfico3 e outra no III Congresso de Estudos da Infância: Movimentos, Limiares
e Fronteiras, com o título: A construção social do conceito infância no sistema
capitalista: um inventário das produções acadêmicas a partir do repositório CAPES4.
O contexto apresentado acima, marca o caminho que percorremos até
chegarmos ao momento ímpar de dissertarmos neste trabalho, e conforme
evidenciado na epígrafe desta seção, estamos experimentando o retorno da

1 PIBIC/PAIC 2020/2021 - PIB-H/0112/2020 – CNPq.


2 PIBIC/PAIC 2021/2022 - PIB-H/0043/2021 – FAPEAM.
3 A íntegra do artigo pode ser apreciado no link:
https://periodicos.uffs.edu.br/index.php/FRCH/article/view/12596.
4 A íntegra do artigo pode ser apreciado nos anais do congresso no link: https://ed7178e9-e07a-
4aa1-ae14-943c8bef7bb0.filesusr.com/ugd/11e5f9_050fc40a0a8c4c93b40aa8df93f44f07.pdf.
21

aprendizagem infantil de balbuciar silabas, ou seja, estamos registrando por meio da


escrita as novas descobertas em relação a infância construída historicamente na
sociedade europeia (francesa) e brasileira.
Diante disso, esta pesquisa centrou-se no surgimento do conceito infância,
mediante o contexto histórico sistematizado na tese de Philippe Ariès intitulada,
História Social da Criança e da Família e, em pesquisas contemporâneas recolhidas
no repositório de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES). Nessa incursão ponderamos que:

O termo infância, por vezes se confunde ao termo criança, tido


comumente até como sinônimos, o que dificulta a compreensão
acerca do que de fato é ser criança e/ou ter infância na atualidade.
Criança é o sujeito concreto, ou seja, todos nós já fomos crianças;
infância, por sua vez, é um conceito abstrato, construído socialmente
e efetivado na modernidade, mas não de forma homogênea em
todas as classes sociais, dessa forma, o conceito pode ser diferente,
inclusive para crianças de gêneros diferentes pertencentes à mesma
família. Não obstante, ambos termos são associados à classe social
de pertencimento, de raça e de etnia (THIAGO; FERNANDES, 2021,
p. 221).

A partir da análise histórica realizada na obra de Ariès (1986), identificamos


que as ideias circundantes ao conceito infância, mais direcionado ao sentimento de
infância como hoje conhecemos, se consolidaram na Idade Moderna e como forma
de delinear os contornos a respeito da noção do que seria esse novo conceito, a
infância passou a receber um tratamento específico e diferenciado, incluindo
atividades laborais, roupas, mobiliários, além da criação de objetos de consumo
(ZANELLA, 2018).
Todavia, ao lançar como marco inicial a descoberta da infância no século XII,
referindo-se quase exclusivamente as crianças francesas, meninos nobres e
burgueses, Ariès, deixou algumas lacunas em relação ao processo de
descobrimento das infâncias das meninas e das crianças pobres, inclusive as que
residiam em outras partes do mundo, nesse sentido, entendemos que a infância não
se consolidou de forma hegemônica no mundo e que esse processo de descoberta
continua acontecendo em todo o tempo e lugar, sendo que para algumas crianças
essa infância idealizada nos escritos de Ariès nunca efetivamente se consolidou
(THIAGO; FERNANDES, 2021b).
22

Essa compreensão histórica5, entendida no viés amplo, que identificou o


surgimento e transformações do conceito infância a partir de uma perspectiva
eurocêntrica, nos despertam alguns questionamentos: Por qual motivo houve a
formulação deste novo conceito? Quais referenciais teóricos são utilizados para
fundamentar as análises sobre a infância? Questões como essas, bem como, a
inquietação em conhecer o processo de (re)conhecimento da infância no Brasil e
entender o significado e as transformações desta concepção ocorridas ao longo do
tempo, nos motivaram a iniciar essa pesquisa.
Ante o exposto, utilizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica e
documental de autores referentes ao tema. A pesquisa bibliográfica se debruçou em
estudos sobre o tema, de autores como: Ariès (1986), Kuhlmann Jr. (1998),
Heywood (2004), Rizzini e Rizzini (2004), Warde (2007), Bernartt (2009), Rizzini e
Pilotti (2011), Klein (2012), Priore (1991; 2012) e Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012).
A análise documental foi feita nos respectivos repositórios: Catálogo de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES6); Biblioteca Digital de Teses e Dissertações UFAM (TEDE7).
Metodologicamente, o estudo orienta-se pela pesquisa bibliográfica e
documental. A pesquisa bibliográfica foi feita a partir do levantamento de referências
teóricas com base principalmente em livros e artigos científicos, os quais já foram
previamente analisados e publicados, pois, permitiu as pesquisadoras conhecerem o
que outrora já foi estudado acerca das principais teorias que norteiam o problema da
pesquisa. Sabe-se que “Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo
de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de
fontes bibliográficas”, conforme aponta Gil (2002, p. 44). Esse não foi, entretanto, o
caso desta pesquisa que também utilizou da análise de fontes documentais
secundárias.

5 No texto Infância e Educação Infantil: resgatando um pouco da história, a autora Sílvia Helena
Vieira Cruz, assegura que “Precisamos conhecer o passado para entender o que está
acontecendo no presente e tentar antecipar alguns ajustes e soluções para o futuro” (CRUZ, 2000,
p. 9).
6 É uma fundação do Ministério da Educação (MEC), o qual desempenha papel fundamental na
expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos as
unidades da Federação.
7 Integrada à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que tem por objetivo
reunir, em um só portal de busca, as teses e dissertações defendidas nas instituições brasileiras
de ensino e pesquisa e por brasileiros no exterior.
23

Gil (2002) informa que a pesquisa documental presta excelente contribuição à


pesquisa bibliográfica, haja vista que o desenvolvimento de ambas seguem os
mesmos passos, logo, assemelham-se. A principal diferença está sobretudo na
natureza das fontes.

Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das


contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a
pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda
um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de
acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2002, p. 45).

O método de abordagem deste estudo está baseado na perspectiva histórico-


crítica, que possibilitou investigarmos a realidade, pondo em conta suas constantes
transformações e contradições na sociedade, bem como, compreendermos os
processos sociais que ocorreram ao longo de sua história, comparando as
contradições e analisando o todo.
Os métodos utilizados caracterizam-se como fulcrais nas pesquisas em
Ciências Humanas, por serem considerados instrumentos que subsidiam formas de
conhecer, compreender e analisar o problema da pesquisa sem perder de vista a
amplitude do tema. Nesse aspecto, o estudo sobre a construção social do conceito
infância das crianças no Brasil, assume considerável importância em termos
acadêmicos e sociais, visto que, tudo o que acontece na sociedade possui
relevância, pois nos permite conhecer os processos e vislumbrar possibilidades de
transformação, quiçá pensarmos estratégias de superação.
Para tanto, este Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Licenciatura em
Pedagogia, possui como objetivo geral discutir a construção ideológica do conceito
infância a partir da perspectiva histórico-crítica de maneira a categorizar e
sistematizar pesquisas e principais bibliografias sobre o tema, identificando os
marcos históricos que compreendem a infância brasileira.
A análise demanda resposta a seguinte indagação: Quais interesses políticos,
econômicos e sociais ligados à formulação do conceito infância, tornaram o termo
uma construção social hegemônica no sistema capitalista? A fim de responder a
esta problematização, a organização metodológica foi estruturada a partir de
análises bibliográficas em fontes diversas e documentais preferencialmente em
fontes primárias. Nesse sentido, cada objetivo específico corresponde a uma seção
24

e a uma questão problematizadora. Ressaltamos que consideramos a introdução


como a primeira seção desta monografia.
A segunda seção possui como objetivo específico categorizar nos repositórios
de teses e dissertações como o conceito infância tem sido identificado nas linhas
acadêmicas, a partir das principais bibliografias utilizadas. Para tanto, realizamos
como aporte metodológico a busca de teses e dissertações publicadas sobre o tema
que se encontram disponíveis no Repositório CAPES. A análise permitiu que as
pesquisadoras mapeassem as publicações realizadas, os principais teóricos
utilizados e campo de análise teórica a que se associam tais autores, bem como
coletarmos 41 pesquisas para análise8, as quais possibilitaram a construção do
referencial teórico da mencionada seção, que possui como problematização: em
quais campos de análise, universidades, pesquisadores e grupos de estudo o tema
infância tem figurado como foco de estudo, bem como quais as linhas teóricas e os
principais autores são utilizados para debater o assunto?
À terceira seção, propomos como objetivo específico sistematizar o conceito
de infância outrora categorizada nas pesquisas recolhidas nos repositórios,
retomando historicamente os fatores ideológicos da construção deste conceito.
Entrementes, explicitamos o processo de construção do conceito infância, partindo
do contexto universal da perspectiva eurocêntrica, conforme desvelada por Ariès
(1986). Esta seção apresenta como problematização: De que forma o modo de
entender a infância na perspectiva eurocêntrica reverberou na construção do
conceito no Brasil? Quais as semelhanças e diferenças?
Por fim, a última seção, contempla como objetivo específico, identificar os
marcos históricos e políticos que corroboraram para a forma de compreender a
infância no Brasil. A seção foi organizada a partir da leitura das principais obras que
abordam a história da infância no Brasil e dos estudos mapeados do repositório
CAPES. Para tanto, as pesquisadoras delinearam o percurso histórico apontado
pelos célebres autores do tema, de forma a elaborarem a crítica sobre as produções
e os principais marcos históricos do objeto de nosso estudo, a partir da seguinte
problematização: quais foram os marcos sociais e políticos responsáveis pela

8 Mediante uso do descritor “história da infância” no repositório de teses e dissertações CAPES


obtivemos 134 retornos, no entanto, após leitura do título, objetivos e resumo das pesquisas,
selecionamos 41 trabalhos para análise e embasamento teórico desta monografia, as quais mais
se aproximaram do nosso objeto de estudo.
25

construção social do tema infância, que se tornou hegemônico no momento


contemporâneo brasileiro?
Destacamos ainda, que cada seção conta com uma imagem de capa, as
quais foram selecionadas por fazerem alusão ao conteúdo que será explanado. Isto
posto, a capa da segunda seção traz a pintura Crianças [orfanato], de Tarsila do
Amaral. A obra da artista modernista brasileira, foi escolhida pois, representa o
processo de invisibilização e institucionalização sofrido pela infância brasileira,
sobretudo, das crianças pobres, durante a passagem do século XIX ao XX,
conforme apontam as pesquisas analisadas neste capítulo.
As crianças de Habert de Montmort, pintura classicista do retratista francês
Philippe de Champaigne, compõe a capa da terceira seção, pois apresenta o estilo
estético da criança burguesa, que Ariès (1986) se dedicou à estudar para elaborar a
sua tese sobre a descoberta do sentimento de infância.
Na capa da quarta seção, apresentamos a obra Miscigenação, de Gustavo
Lima, artista plástico paulista, que retratou na pintura escolhida, uma dimensão
realista da composição da infância brasileira, desde o processo de colonização do
Brasil.
Excepcionalmente, acrescentamos uma capa às considerações finais desta
monografia, uma das versões da pintura Meninos soltando pipas de Portinari, pintor
modernista brasileiro. A obra transmite uma sensação da infância idealizada, onde o
que prevalece são as brincadeiras simples de criança, uma liberdade da realidade e,
um certo saudosismo por uma fase da vida que pode ter sido ou não, vivenciado
pelas crianças brasileiras.
26

Crianças [orfanato], Tarsila do Amaral, 1935


UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

2 A HISTÓRIA DA INFÂNCIA COMO OBJETO DE PESQUISA: UM


INVENTÁRIO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS NO REPOSITÓRIO CAPES

(...) o jogo metafórico da página de infância inspira alguns fatos onde ele se
revela muito sutil e sinuoso porque não se trata somente das dimensões da
argumentação, de locuções de grande relevância poética, mas
principalmente de substanciosas obras ideológicas que tocam e colocam
em questão não só representações e imagens do não adulto, mas também
os comportamentos e as práticas coletivas, institucionalizadas ou não, que o
atravessam em todas as suas conexões (BECCHI, 1994, p. 66).

Por meio de uma pesquisa do tipo estado da arte, elaboramos a base para o
estudo desta seção, buscando estabelecer critérios que o subsidiam. Assim, no
intuito de conhecermos as principais tendências de pesquisa acerca da infância e
seu percurso no decorrer dos séculos, conforme referendado pelo pensamento de
estudiosos precursores da área, propusemo-nos a realizar o levantamento de
pesquisas contemporâneas referentes ao tema, buscando quantificar, delinear e
organizar as produções defendidas nos programas de pós-graduação do país.
Consoante ao exposto, esta seção intenciona categorizar no Catálogo de
Teses e Dissertações da CAPES9 como o conceito infância tem sido identificado nas
linhas acadêmicas, a partir das principais bibliografias utilizadas. Desta feita,
apresentaremos o percurso metodológico utilizado na escolha, seleção e
organização do material recolhido sobre a produção acadêmica brasileira, dos
trabalhos que discorrem sobre o conceito da infância ou da história da infância.
Iniciamos a busca pelas pesquisas no portal da CAPES no ano de 2020, por
meio dos seguintes descritores, Infância, Infantil, Historiografia da infância e História
da infância. Após anotarmos em uma tabela os descritores pesquisados,
observamos que os números retornados dos dois primeiros eram exponenciais para
a realização da análise dos resumos, dado o fato de a pesquisa ser característica da
Iniciação Científica. O terceiro não manifestou resultados razoáveis que
favorecessem a continuação da pesquisa. Todavia, o último descritor retornou um
quantitativo satisfatório que nos possibilitou realizar a análise dos resumos de teses
e dissertações de pesquisadores que, debruçados sobre a temática da infância, tem
contribuído significativamente para compreendermos as trajetórias sociais.

9 O catálogo pode ser apreciado no seguinte endereço eletrônico:


https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/
28

QUADRO 1 - SELEÇÃO DO TERMO DESCRITOR


Nº DESCRITORES UTILIZADOS RETORNO OBSERVAÇÃO
01 Infância 13846 Sem aspas no termo
02 Infantil 20085 Sem aspas no termo
03 “historiografia da infância” 4 Termos entre aspas
04 “história da infância” 134 Termos entre aspas
FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2020.

A primeira fase da análise iniciou por meio da seleção do descritor “história da


infância” demonstrado no Quadro 1, com o qual obtivemos um retorno de 134
pesquisas, sendo 32 teses de doutorado, 99 dissertações de mestrado e 3
dissertações defendidas em programas de mestrado profissional.
A priori, nossa intenção era analisar os resumos gerados na Plataforma
Sucupira10. No entanto, salientamos que devido ao ano da sua implantação (2014),
alguns retornos que recebemos do repositório CAPES, são anteriores a mencionada
plataforma, de sorte que recebemos o direcionamento apenas para o título dos
trabalhos. Diante do ocorrido e visando analisar o maior número possível dos
retornos informados pelo repositório, utilizamos complementarmente o site de
pesquisas online Google, no qual digitamos o título da tese ou dissertação entre
aspas no campo de busca, visando encontrá-las na íntegra.
Por vezes, o site nos redirecionou às bibliotecas digitais das Instituições de
Ensino Superior (IES) onde as pesquisas haviam sido defendidas, assim foi possível
a coleta dos resumos. Outras poucas vezes, nossas tentativas foram frustradas, sem
devolutivas. Cabe ressaltar que em alguns casos, os resumos estavam disponíveis
para consulta, porém, não disponibilizavam a pesquisa completa.
Nesse sentido, das 134 produções, 67 são anteriores à Plataforma Sucupira,
o que evidencia que somente metade das pesquisas estão arquivadas na
Plataforma, motivo este pelo qual consideramos indispensável a busca desses
resumos de forma online no site de pesquisa Google. Nessa busca realizada, não
obtivemos retorno de 15 trabalhos, e um resumo foi extraído de um artigo que é a
versão adaptada de um dos capítulos de uma dissertação. Dessa forma, registramos
que entre as 134 produções, encontramos 119 resumos para análise prévia, sendo
encontrados da seguinte forma: 67 no Banco da CAPES e 52 por meio do site
10 A plataforma recebeu esse nome em homenagem ao professor Newton Lins Buarque Sucupira. A
plataforma coleta e fornece as informações repassadas pelo Catálogo de Teses e Dissertações
(CAPES), e funciona como base de referência do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG).
(ARCANJO, 2018).
29

Google, que nos direcionou a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações


(BDTD) conforme os indexadores das universidades em que haviam sido
defendidas.
No que tange a disponibilidade da pesquisa completa, destacamos que
encontramos 105 pesquisas para consulta e/ou download na extensão Portable
Document Format (PDF); no entanto, um total de 27 não estão disponíveis nesse
formato. Enfatizamos que os estudos que não se encontram disponíveis na íntegra
no formato PDF, foram igualmente analisados a partir dos resumos disponíveis nos
repositórios consultados.
Num segundo momento, realizamos os registros dos títulos das 134
pesquisas em um documento Word, incluindo os resumos encontrados (119). O
processo primário de seleção para análise dos resumos das teses e dissertações foi
estabelecido pela leitura do título da pesquisa, sobre o qual selecionamos 55
estudos. No entanto consideramos que ideias importantes podem passar
desapercebidas apenas na leitura do título, resultando em uma miscelânea. Assim,
concentramo-nos na leitura dos objetivos, introdução e resumo das produções,
realizando uma inquirição nas pesquisas a fim de identificar as que mais se
aproximavam do nosso objeto de estudo.
A partir das leituras realizadas, armazenamos as informações em uma
planilha Excel, sistematizando-as em colunas e identificando-as por ano de
produção, nome e titulação do(a) pesquisador(a), área do conhecimento, título da
pesquisa, estado da federação e região, instituição de ensino, tema e assunto, se a
pesquisa estava armazenada na plataforma Sucupira e a disponibilidade da
pesquisa completa em PDF. Este trabalho de sistematização e registro nos
possibilitou a contagem dos dados e a elaboração de gráficos.
Efetivada a escolha do descritor, pesquisa dos resumos dos trabalhos
anteriores à Plataforma Sucupira, coleta, arquivamento e a sistematização dos
retornos, obtivemos um panorama que nos orientou na seleção dos resumos para
análise segundo a proximidade com o nosso objeto infância/história da infância.
Por enquanto, dos 134 retornos previamente examinados, realizamos a
seleção de 49 pesquisas a partir da leitura dos itens identificados acima. Convém
ponderar que a totalidade das pesquisas debate em alguma proporção a temática de
nosso estudo, haja vista a necessidade na realização do levantamento histórico
acerca do surgimento do conceito de infância ao tratarem assuntos referentes ao
30

tema, seja em âmbito regional, nacional ou internacional. Desta feita, a seleção das
pesquisas não utilizou exclusivamente essa característica como critério de escolha.
As defesas das 49 produções selecionadas, seguem um curso de tempo que
começa a partir de 1996 a 2019, o único ano que não apresentou resultados foi em
2007. Presume-se, por meio desses dados, que nas últimas décadas o tema infância
tem sido objeto de muitos estudiosos em diferentes segmentos e áreas de pesquisa,
evidenciando a preocupação a nível internacional com a infância, incluindo o
assunto até em pautas governamentais (MOLINA, 2011).
Dentre os 49 trabalhos de pesquisa que selecionamos para contribuir na
composição deste estudo, destacamos que 13 são teses para titulação de doutorado
e 36 dissertações de mestrado, os quais foram elaborados nos mais diversos
programas de pós-graduação.
As temáticas que orbitam o objeto desses estudo são as mais variadas,
destacando-se em higienismo, menores, abandono infantil, adolescentes em conflito
com a lei, assistência à infância, cultura infantil, direitos da criança e do adolescente,
educação familiar, educação infantil, formação educacional pátria/cívica, gênero e
sexualidade, história da educação, história da infância, infância desvalida, infância
institucionalizada, literatura infantil, memória da infância, o brincar, políticas
educacionais, revisão literária de pesquisas sobre infância, trabalho infantil e
violência.
Apesar das diferentes temáticas, o foco não se desvincula do nosso objeto de
análise, pelo contrário, nos favorece na construção do tempo histórico necessário a
descoberta do modo como cada época concebeu o conceito de infância, ou ainda,
do seu surgimento e como ela se apresentava nos múltiplos espaços, bem como os
contornos, acirramentos e/ou atenuações desenvolvidas nos distintos contextos
sociais.

Em geral, os estudos relacionados à infância estão sempre


vinculados à sociedade, à família, à educação e à escola. Para
compreender a infância, portanto, é necessário entender as
transformações sociais pelas quais a sociedade está passando, para
apreender as ideias que são produzidas acerca da criança e da
educação desse período (MOLINA, 2011, p. 21).

A vista disso, depreende-se a proeminência em detalhar cada estágio dessa


etapa da pesquisa, de modo que possamos ter uma melhor visão do cenário que
está posto. Desta maneira, é essencial conhecermos a produção realizada nas
31

Instituições de Ensino Superior (IES) nos estados brasileiros, para compreendermos


como o tema tem sido tratado nas produções acadêmicas.

QUADRO 2 – QUANTITATIVO DE PRODUÇÕES POR IES


NÚMERO DE
QUANTIDADE DAS PRODUÇÕES TOTAL
INSTITUIÇÕES
17 01 17
06 02 12
01 03 03
01 04 04
01 06 06
01 07 07
49
FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.
NOTA¹: Dados recolhidos no Portal da CAPES, 2020.

As informações dispostas no quadro acima, demonstram que 17 Instituições


de Ensino Superior (IES) produziram apenas uma pesquisa que versa sobre a
temática da infância, seis instituições produziram duas pesquisas, quatro IES
produziram cada uma respectivamente, três, quatro, seis e sete pesquisas
discorrendo acerca do tema proposto em nosso estudo.
O gráfico abaixo nos mostra um panorama de quais foram as IES que
produziram os maiores números de pesquisas sobre a infância, bem como elucida
que a região Nordeste não possuía pesquisas defendidas em seu território, dentro
do recorte temporal que enfatizam o objeto de nossa análise.

GRÁFICO 1 – PESQUISAS DEFENDIDAS POR IES

FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.


NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.
32

As informações supramencionadas no gráfico nos indicam que a instituição


com o maior número de produções científicas sobre a infância (07) é a Universidade
Federal do Pará (UFPA), seguida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com
seis pesquisas, um pouco mais abaixo temos quatro trabalhos produzidos na
Universidade Estadual de Maringá (UEM), três estudos na Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO), seis Instituições registraram duas pesquisas, sendo
elas, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal de Goiás
(UFG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a
Universidade de São Paulo (USP).
Embora a Universidade Federal do Pará, seja a instituição com o maior
número de pesquisas com a temática voltada a infância, o gráfico abaixo elucida um
painel onde a região Norte do país encontra-se em penúltimo lugar na ordem da
produção das pesquisas.

GRÁFICO 2 – PRODUÇÃO DE PESQUISAS POR ESTADO

FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.


NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.

Desse modo, quando tratamos dessas produções a nível regional, o cenário


sofre alterações expressivas, ganhando evidência a região Sul, com 18 trabalhos de
pós-graduação, distribuídos entre os estados do Paraná (10), Rio Grande do Sul
(05) e Santa Catarina (03). Seguido pela região Sudeste com 15 produções divididas
entre os estados de São Paulo (07), Rio de Janeiro (05) e Minas Gerais (03). A
33

Região Norte publicou um total de 10 pesquisas entre os estados que se seguem,


Pará (08) e Amazonas (02). E a região Centro-Oeste contabilizou um total de 06
trabalhos defendidos nos estados de Goiás (05) e uma pesquisa no Mato Grosso.
Fica explicitado a partir dos dados expostos que apenas dez estados dispõem
de pesquisas que remontam aos estudos sobre infância. No entanto, é válido frisar
que o Brasil é composto por 26 estados mais um Distrito Federal, resultando em 27
unidades federativas. Esses dados acentuam a relevância dessa pesquisa,
sobretudo ao demonstrar o quantitativo de apenas dois estudos sobre a infância
realizados e defendidos no Amazonas, estado lócus desse estudo.

Partindo dessa perspectiva, tem-se a compreensão de que a


pesquisa é de suma importância para a produção de novos
conhecimentos porque é ela que sustenta e atualiza o ensino [...] nas
universidades, pois o papel das Universidades é produzir
conhecimentos por intermédio da pesquisa e disseminar esse
conhecimento por meio do ensino e da extensão [...] (MOLINA, 2011,
p. 14).

O bojo da análise realizada nas pesquisas selecionadas nos possibilitou


fulgurar que, majoritariamente as pesquisas têm sido realizadas dentro das
Instituições Públicas, aplicando o que o Artigo 207 da Constituição Federal de 1988
preconiza ao legislar que “[...] as universidades [...] obedecerão ao princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Este preceito legal embasa o
tripé formado entre ensino-pesquisa-extensão, base fundamental que regula e
sustenta o ensino superior no Brasil, de modo a gerar vida nas instituições, ou seja,
não existe universidade sem pesquisa.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PESQUISAS SELECIONADAS PARA ANÁLISE

Anteriormente, descrevemos os caminhos percorridos que subsidiaram a


escolha do descritor usados no repositório CAPES, o total de retornos gerado pelo
sistema, a quantidade de pesquisas selecionadas, bem como os critérios que
usamos para pautar as nossas escolhas. Entrementes, discorremos o modo de
busca, organização e arquivamento desses trabalhos, o tipo de pesquisa, se
dissertação ou tese, as áreas do conhecimento e temáticas que as caracterizam,
destacando as Instituições de Ensino Superior que têm produzido pesquisa sobre o
tema, além de registrar os estados e regiões brasileira onde essas instituições estão
34

lotadas. Dessa forma, mediante gráficos, tabelas e uma descrição detalhada


expusemos os dados coletados.
Em prosseguimento, inferimos um tratamento mais específico por meio de
uma revisão bibliográfica às pesquisas antepostas, de modo que possibilitou
tecermos considerações referentes aos principais teóricos e campos de estudo que
tem contribuído cientificamente no embasamento de novas pesquisas acerca do
tema infância e criança como conceitos construídos socialmente.
No tratamento realizado nas produções, nos foi possível traçar os perfis das
pesquisas e perceber as nuances de cada trabalho segundo critérios pré-
estabelecidos pelas pesquisadoras. Dessa forma, apresentaremos algumas
características gerais referentes ao levantamento das pesquisas selecionadas.
Outrora, selecionamos 49 pesquisas no banco de teses e dissertações da
CAPES, a partir da leitura do título e resumos dos trabalhos. Todavia, um dos
critérios para realizarmos a análise dos trabalhos nesta nova etapa foi a leitura
completa da pesquisa, fato que só se tornaria possível com a disponibilização das
pesquisas em rede para download ou para leitura online. Porém, oito pesquisas não
contam com essa disponibilidade, no percurso desse um ano e meio que decorre
desde o início dos estudos e uma foi descartada após constatarmos que a pesquisa
se distanciava do objeto de investigação desse estudo.
Registramos ainda que, encaminhamos e-mail à Secretária de Pós-graduação
em Letras da UERJ, solicitando informações sobre como deveríamos proceder para
obtermos acesso a pesquisa intitulada Metáforas da perda da inocência que
conjecturávamos indispensável para esta pesquisa, por trazer conceituações sobre a
descoberta do sujeito infantil a partir da síntese da história da infância e da criança
(BARROS, 2005). Todavia, fomos informados pela coordenação do curso que,
devido ao ano de defesa da dissertação, a mesma não pode ser acessada
remotamente, e não poderia ser enviada por e-mail pois, a universidade se
encontrava fechada em decorrência da pandemia de COVID-1911.

11 A Covid-19 é uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que devido a
sua rápida transmissão, colocou o mundo em situação de pandemia, onde se obrigou a tomada de
medidas de contingenciamento (quarentena, uso de máscaras, higienização das mãos, entre
outras), visando diminuir os riscos de contágio. No Brasil, o primeiro caso confirmado pelo
Ministério da Saúde, foi datado do dia 26 de fevereiro de 2020, no estado de São Paulo (UMA-
SUS, 2020), e no Amazonas a confirmação do primeiro caso foi no dia 13 de fevereiro de 2020
(SES-AM, 2020).
35

Dito isso, explicitamos que nesta fase, realizamos uma análise mais profunda
em 41 pesquisas, sendo 12 pesquisas de doutorado e 29 de mestrado, o que nos
leva a inferir que a temática pesquisada tem sido prioritariamente objeto de estudo
nos programas de pós-graduação para titulação de mestre, conforme demonstramos
no quadro abaixo.

QUADRO 3 – FONTES DE ORIGEM DAS PESQUISAS SELECIONADAS


Nº DE
PRODUÇÃO AUTORES
PESQUISAS
Silva (2003); Oliveira (2005); Azevedo (2006); Zaniani
(2008); Duarte (2008); Sousa (2009); Miceli (2010);
Oliveira (2010); Miranda (2010); Pessoa (2010);
Carneiro (2011); Cezário (2012); Silva (2012);
Mestrado 29 Bernhard (2013); Pinto (2013); Pinheiro (2013);
Poletto (2013); Camargo (2014); Santana (2014);
Lanna (2016); Santos, N. (2017); Silva (2017); Frias
(2017); Lima (2017); Gualberto (2017); Corrêa (2017);
Oliveira (2018); Silva (2019); Weinhardt (2019).
Nogueira (2010); Molina (2011); Gomes (2012);
Conceição (2014); Anjos (2015); Cordeiro (2015);
Doutorado 12 Lima (2015); Grotti (2016); Santos, S. (2017); Mota
(2017); Pacheco (2017); Ribeiro (2018).
FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.
NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.

O quadro acima, marca o recorte de tempo datado dos anos de 2003 à 2019,
sendo 2017 o ano com mais pesquisas defendidas, a saber, seis dissertações e três
teses. Em ordem decrescente, destaca-se ainda que foram defendidas cinco
pesquisas em 2010, sendo quatro dissertações e uma tese. Em 2013 apresentam-se
quatro trabalhos, com prevalência nas pesquisas de mestrado. Já em 2012,
contabilizou 3 trabalhos, sendo duas dissertações e uma tese. Referente aos anos
de 2014 e 2015, temos três pesquisas em cada ano, em um equilíbrio de duas
dissertações e uma tese nos anos de 2014 e três teses defendidas em 2015.
Relativo aos anos de 2008, 2011, 2016, 2018 e 2019, cada um apresentou duas
pesquisas. E, em 2003, 2005, 2006 e 2009, obteve-se apenas uma pesquisa em
cada ano, sendo exclusivamente, dissertações.
As pesquisas foram defendidas em 24 IES, dispostas em quatro regiões
brasileiras, conforme mostram os gráficos a seguir.
36

GRÁFICO 3 – IES COM MAIOR NÚMERO DE PESQUISAS DEFENDIDAS

FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.


NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.

Vimos no Gráfico 3, que a IES com o maior quantitativo de pesquisas


defendidas nos programas de pós-graduação é a Universidade Federal do Pará
(UFPA), com sete pesquisas, seguido pelas Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e Universidade Federal do Paraná (UFPR), cada uma com quatro estudos,
logo após, temos a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO),
contabilizando três trabalhos, na sequência as Universidade Federal de Goiás
(UFG), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de São
Paulo (USP), cada uma apresentou duas pesquisas, e por fim, temos as demais
instituições com um trabalho cada. Apesar de a UFPA, estar localizada na região
Norte e ser uma das que tem o maior número de pesquisas desenvolvidas referente
ao objeto desta pesquisa, a região que concentra o número expressivo é a região
Sul, conforme demonstramos no gráfico abaixo.

GRÁFICO 4 – QUANTITATIVO DE PESQUISAS POR REGIÃO

FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.


NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.
37

A região Sul predomina no quantitativo de pesquisa, estando disposta da


seguinte maneira: oito pesquisas no estado do Paraná, cinco no Rio Grande do Sul
e três em Santa Catarina. A região sudeste fica em segundo lugar com o total de
quatro pesquisas no estado de São Paulo e três pesquisas nos estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro. Em terceiro lugar encontra-se a região Norte que conta com
oito pesquisas no estado do Pará e uma no Amazonas. Logo abaixo fica a região
Centro-Oeste, com cinco pesquisas em Goiás e uma no Mato Grosso. Depreende-se
que dentro dos critérios usados para o nosso recorte, a única região que não
apresentou pesquisas defendidas no âmbito acadêmico sobre o tema é a região
Nordeste.

GRÁFICO 5 – RELAÇÃO DAS PRODUÇÕES POR ÁREA DE CONHECIMENTO

FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2022.


NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020

O gráfico 5 explicita que o tema infância tem vigorado como objeto de


pesquisa em oito áreas de conhecimento, sobretudo no campo da Educação, com
um total de vinte e oito pesquisas. Em sequência decrescente, temos registrado
cinco pesquisas na área do Direito e três em Psicologia, as demais áreas
contabilizam apenas uma pesquisa.
Ressalta-se que o tema infância/história da infância, conforme evidenciamos
na análise apresentada, tem figurado como objeto de pesquisa nos mais distintos
campos de estudos, todavia, a área da educação continua sendo a que mais produz
pesquisa abordando essa temática.
38

Os dados apresentados nos revelam que o objeto desta pesquisa tem


figurado majoritariamente nas áreas das Ciências Humanas, fato que nos leva a
presumir que cada vez mais, os pesquisadores tem voltado o olhar para a
sociedade, buscando entender o homem não apenas como um ser biológico que se
desenvolve de forma linear, mas que é também parte constituinte da sociedade,
produtor de cultura, que vivencia as etapas biológicas da vida segundo o ambiente
familiar, gênero, concepção religiosa, classe econômica, vigência política disposta
no tempo e espaço em que o indivíduo se encontra, ou seja, o ser humano vive as
constantes transformações sociais.

2.2 A PRESENÇA DO TEMA INFÂNCIA NAS PESQUISAS RECOLHIDAS NO


REPOSITÓRIO CAPES: A DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS
SELECIONADOS

Após a leitura dos títulos e resumos, agrupamos as 41 pesquisas em 12 eixos


temáticos, de modo a viabilizar a leitura e análise dos trabalhos selecionados. Desta
feita, elencamos os estudos baseados no tema central proposto, e vale ressaltar que
a classificação dos eixos foi evidenciada pelos próprios autores em seus trabalhos.
Os eixos destacados são: Assistência a infância, Cultura da infância, Direitos da
criança e do adolescente, Educação familiar, Educação para infância, Higienismo,
História da infância, Infância desvalida, Infância Institucionalizada, Menores, Revisão
literária e Trabalho infantil. Conforme organizado no quadro abaixo:

QUADRO 4 – ORGANIZAÇÃO DAS PESQUISAS SELECIONADAS POR EIXOS TEMÁTICOS


Nº EIXO TEMÁTICO TESES DISSERTAÇÕES TOTAL
01 Assistência à infância 01 01 02
02 Cultura da infância 02 02 04
Direitos da criança e do
03 01 01 02
adolescente
04 Educação familiar 01 02 03
05 Educação para infância 02 04 06
06 Higienismo 00 01 01
07 História da infância 03 06 09
08 Infância desvalida 00 04 04
09 Infância institucionalizada 01 04 05
10 Menores 00 02 02
11 Revisão literária 01 01 02
12 Trabalho infantil 00 01 01
TT - 12 29 41
FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.
NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.
39

Temos como pretensão destacar sinteticamente as ideias principais de cada


pesquisa, a fim de conhecermos o que tem sido produzido sobre o tema no Brasil,
de modo que possamos contribuir cientificamente. Assim, consideramos que
mediante essa organização, poderemos conhecer os assuntos mais recorrentes
estudados dentro da temática infância/história da infância.

2.2.1 Assistência à infância

Os trabalhos desse eixo caminham em direção à mesma temática, porém em


vieses diferentes. A pesquisa de Grotti (2016) aborda o tema na perspectiva de
conhecer e analisar a historização da assistência à criança pobre em Rio Branco
(AC), a partir da veiculação do chamado problema da infância12 repercutido nos
periódicos, em especial, o jornal O Acre, nos anos de 1940. A tese discorre que
mediante um ideal republicano de modernização da nação, as crianças passam a
ser vistas como “[...] a base da constituição da sociedade brasileira” (GROTTI, 2016,
p. 20). Nesse contexto, a autora destaca, o surgimento de ações assistencialistas13
apoiadas em projetos e representações de outras partes do país, visando fortalecer
o território estadual, conforme suas particularidades.
Conquanto, Santos, N. (2017), apresenta uma pesquisa do tipo levantamento
bibliográfico, onde buscou analisar as publicações nos anais do Congresso
Brasileiro de História da Educação (CBHE), das edições de 2000-2015. A
pesquisadora demonstra a recorrência de estudos realizados no âmbito da pesquisa
acadêmica referente ao tema, bem como a apresentação no CBHE, onde se
comprovou que o tema esteve presente em todas as edições do congresso, sempre
relacionado ao campo da história da educação, todavia, há prevalência de estudos
que investigam as instituições de assistência e a assistência destinada à infância

12 Relacionado a “[...] falta de hospitais para que as crianças pudessem nascer sob a assistência de
profissionais habilitados e de acompanhamento em seus primeiros anos de vida; ausência de um
programa de educação formal que atendesse à demanda, pois se considerava grande o índice de
analfabetismo, tanto em meio às crianças, como entre jovens e adultos; a pobreza, que gerava
uma série de outras limitações e dificuldades”, são alguns elementos que compuseram essa
conceituação. (GROTTI, 2016, p. 15).
13 A pesquisadora destaca o Departamento Nacional da Criança (DNCr); a Legião Brasileira de
Assistência (LBA); Comissão Territorial da LBA; o Instituto de Amparo Social, a Instituição de
Assistência Social Darcy Vargas, a Sociedade Plácido de Castro, novamente a Legião Brasileira
de Assistência e a Sociedade Plácido de Castro, bem como, o próprio Estado, a escola, a pré-
escola e a família.
40

(entre elas, a escola), onde indicam que a educação da infância pobre era no
sentido da moralização e higienismo mental e corporal.
Uma característica que predomina em ambas as pesquisas deste eixo, é
voltada as conclusões dos estudos em que indicam que um dos meios de
assistência à infância é a educação, onde se visava que as crianças se tornassem
úteis ao progresso da nação, ascendendo o país à modernidade.

2.2.2 Cultura da infância

Este eixo discorre sobre a concepção de infância veiculada em mídias


cinematográficas, nos vestuários criados para as crianças e nas relações
vivenciadas entre crianças e adultos na sociedade. Em vista disso, (SANTOS, S.
2017), foca sua pesquisa em analisar o discurso disseminado em três produções do
cinema brasileiro que tem o protagonismo de crianças, contrapondo à concepção
social instituída sobre infância e as práticas culturais das crianças.
No mesmo viés, Pinto (2013), utiliza-se do cinema como recurso para reunir
crianças e adultos em um mesmo espaço, visando analisar as relações sociais
intergeracionais, para entender as particularidades da cultura infantil vivida pelos
indivíduos de um bairro no município de Maringá-PR. Mediante pesquisa qualitativa,
a pesquisadora concluiu que a cultura infantil tende a ser em muitos aspectos uma
reprodução da cultura adulta, devido ao processo de adultocentrismo característico
das relações familiares e comunitárias.
Gomes (2012), apresenta uma discussão sobre como ocorre a interação
social entre as crianças em espaços comuns a elas e de que forma as instituições
(família, escola e a mídia), orientam, modificam e são modificadas estruturalmente a
partir da participação, atuação e socialização entre os pares e os demais indivíduos.
O estudo mostra que a partir do momento em que a criança é inserida como
indivíduo numa organização coletiva, acontece uma reestruturação social que
acarreta a construção do fenômeno da infância, produzindo assim, novos sentidos e
valores sobre o ser infantil.
Em um campo diferenciado, Bernhard (2013) centraliza seus estudos em
entender a relação entre a representação social da infância e as roupas
desenvolvidas para essa fase da vida. O estudo é pautado na moda infantil,
relacionando com conceitos referentes à cultura, identidade, papeis sociais e as
41

contradições sobre as principais tendências da moda para as crianças ocidentais do


século XXI, a saber, vestes que atendam às suas necessidades de liberdade,
ludicidade, conforto, entre outras, ou a moda proposta para ela. A pesquisa concluiu
que o vestuário infantil é reflexo da contradição entre a adultização e o
conhecimento produzido ao longo dos séculos (IV-XXI), sobre a importância de a
criança vivenciar a infância em sua plenitude.
Todos os estudos analisados neste eixo mostram que as temáticas
referendadas versam sobre as produções culturais desenvolvidas para as crianças,
com pouca ou nenhuma contribuição delas. Porém, reafirmam que a participação
ativa das ações culturais desenvolvidas pelas crianças, constitui-se peça angular na
construção social da concepção da infância contemporânea.

2.2.3 Direitos da criança e do adolescente

A pesquisa de Nogueira (2010) se propôs a discutir o papel do Estado na


garantia e manutenção dos direitos da criança e do adolescente. Para isso, a
pesquisadora buscou arcabouço documental na Constituição Federal de 1988, no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), a despeito dos direitos específicos do público em
questão. Porém a autora deixou claro que, não realizou nenhum tipo de recorte
social e que sua análise abrangeu a categoria infância e adolescência num contexto
geral, já que a lei não especifica as classes sociais de origem deles. A pesquisa
concluiu que a partir do momento em que o Estado exerceu sua função reguladora,
os sujeitos em questão passaram a ser percebidos socialmente, obrigando o Estado
a intervir na proteção da categoria infantojuvenil.
Todavia, uma outra leitura das bases legais sobre os direitos da criança e do
adolescente, afirma que “[...] o estatuto social das crianças foi pensado e regulado
com base num conjunto de interdições e prescrições que lhes nega poderes e
capacidades e as considera incompetentes [...] a lei retrata a infância com base em
ideais, e não a partir de crianças reais, como sujeitos de suas histórias” (MICELI,
2010, p. 430). Logo, a autora considera indispensável uma educação em direitos,
sobretudo no espaço escolar, para dar subsídios a autonomia de crianças e
adolescentes em desenvolvimento, enquanto sujeitos constituídos de conhecimentos
e competências, a fim de promover a liberdade do direito de ser, dando visibilidade a
42

elas, de modo que a sociedade e o Estado venham se comprometer de fato com as


suas causas.

2.2.4 Educação familiar

O eixo dispõe de três pesquisas que buscam compreender como se dava o


processo de educação das crianças dentro do ambiente familiar. Elas marcam um
recorte de tempo do século XIX ao século XX. Anjos (2015), focou sua tese em
desvelar o entendimento sobre o que caracterizava a educação nos anos de 1853-
1889 na Província do Paraná, bem como situar quais instituições contribuíam nessa
representação e como as práticas familiares eram consideradas apropriadas à
educação das crianças.
Mediante pesquisa historiográfica com centralidade em uma família da elite
brasileira, Carneiro (2011) analisou cartas, fotografias e obras memorísticas, além de
manchetes do jornal A Penna, para identificar como se desenvolvia as práticas
educativas familiares. A pesquisa mostrou que, a fim de atender ao discurso dos
projetos Republicanos, a educação ofertada no âmbito familiar era consoante ao
modelo do adulto que se almejava para o futuro. Assim, as crianças que não se
encaixavam nesse padrão eram punidas, para que entendessem o seu lugar na
família e na sociedade.
Nessa mesma perspectiva caminha a pesquisa de Sousa (2009), ao usar
como método a pesquisa empírica, mediante entrevistas em que ouviu as memórias
sobre as infâncias de três gerações distintas entre si. A pesquisadora analisou as
permanências e as transformações referentes a educação das infâncias
investigadas a partir de três temáticas, o trabalho, a escola e o divertimento. O
estudo concluiu que nas duas primeiras gerações, o trabalho se caracterizou como
objeto educacional na formação dos indivíduos, ao passo de que na terceira
geração, considerou-se a escola como principal instituição de referência na
educação. Quanto ao tema diversão, a compreensão das gerações sempre
caminhou relacionada as brincadeiras, evidenciando que as duas primeiras
gerações disseram ter disposto de pouco ou nenhum momento de diversão na
infância, algo que não foi muito diferente na interpretação da terceira geração, onde
destacou ter pouco tempo para brincar devido ao longo tempo que passam
estudando ou ajudando nos afazeres domésticos.
43

Os estudos deste eixo mostraram que a educação no ambiente familiar,


sempre foi voltado as representações vividas pelas gerações anteriores e pautadas
no modelo de sociedade que o Estado previa. No entanto, algumas transformações
foram observadas, porém, todas no sentido da elaboração de um novo significado
aos elementos perpetuados na relação intergeracional.

2.2.5 Educação para infância

Os estudos deste eixo ressaltam a forma como as Políticas Públicas do


campo educacional conceituam a infância e, a partir dessa concepção, efetuam suas
práticas, mediante os aparatos legais. Dessa forma, Miranda (2010) fundamenta seu
aporte teórico em uma pesquisa histórica e documental a fim de mostrar dados que
comprovam a presença de crianças negras no processo educacional público de
Cuiabá entre os anos de 1870 a 1890. O estudo de Miranda (2010, p. 70) apontou a
“[...] presença de alunos negros e até escravos em Cuiabá que frequentavam as
escolas públicas” no período anterior a Abolição da escravatura. Após esse período,
verificou-se a oferta de ensino moralista e com ênfase no trabalho, pois “[...]
necessário era educá-los, pois não tinham ‘os princípios de moral e religião, eivados
dos vícios de cativeiro e no mais completo obscurantismo’”. (MIRANDA, 2010, p. 71).
Apesar de que as crianças negras estavam ocupando esses espaços, mesmo
que ainda timidamente, “[...] não significa que a educação era realmente para todos
e, muito menos, que o preconceito estava ausente nas relações cotidianas
escolares” (MIRANDA, 2010, p. 71).
Olhando para um tempo não muito distante deste, as pesquisas realizadas
por Oliveira (2018) e Silva (2019) realizam uma imersão na história da infância
brasileira a partir do recorte temporal voltado aos anos de 1990 à 1905 e 1937 à
1962, respectivamente. As pesquisas analisaram os discursos presentes nos textos
de Revistas voltada a discutir educação. Ambos os estudos demonstraram que a
educação escolar tinha uma carga moralizadora, com vistas a formar cidadãos
contribuintes na modernização do Brasil, conforme os ideais políticos da época.
Em um viés amplo, Conceição (2014) marca como recorte de tempo os anos
de 1980 e 1990, inferindo que as Políticas Públicas educacionais surgiram num
sentido compensatório e assistencial, direcionado sobretudo as crianças pobres e
sobrepondo essa dimensão social em detrimento de todas as outras que constituem
44

uma pessoa. Afirma que nessa dimensão, de criança pobre, carente e


consequentemente submissa, é indispensável a institucionalização delas, a fim de
receberem o direcionamento social por meio de uma política nacional conformadora
de corpos.
Os estudos de Oliveira (2010) e Mota (2017) mostraram que a concepção de
infância dessas políticas é marcada pela limitação do vir a ser14, em que considera a
infância como “[...] período de desenvolvimento e aprendizagem, tendo como foco a
preparação para o estágio posterior” (MOTA, 2017, p. 8). Este fato tende a
invisibilizar a criança concreta e cidadã no tempo real.
Compreende-se que, apesar de as pesquisas terem recortes de tempo
diferentes, as concepções de infância ainda se fazem presentes com poucas novas
estruturações. Os discursos das políticas de atendimento educacional se mostravam
atentas a valorização da infância, mas o que se via na prática era a invisilidade
infantil, que negava as suas particularidades, “[...] isolando-a como elemento único
da relação pedagógica e deslocando suas raízes históricas, culturais e sociais”
(SILVA, 2019, p. 11), caracterizando a infância como sinônimo da fase cronológica e
biológica da criança, e que por isso, precisava ser sempre direcionada pelo adulto
para futuramente se tornar, um ser partícipe na sociedade e atender aos interesses
do Estado.

2.2.6 Higienismo

Zaniani (2008) se propôs a estudar a concepção de proteção à infância


apregoada por Moncorvo Filho, situando-a no tempo e na sociedade que a
engendrou (1899 a 1938). Conforme a pesquisadora, Moncorvo Filho compartilhava
dos ideais nacionalistas de cunho higienista15 que considerava que a construção da
sociedade moderna se efetivaria com a proteção à infância, pois “[...] as mazelas
sociais que se multiplicavam não rimavam com os modelos civilizados de nação e
14 Estamos todos nos preparando para um novo instante. O presente já se tornou passado e vivemos
no vislumbre do futuro. Assim, crianças e adultos vivem um constante vir a ser (o que viremos a
ser). Todavia, socialmente falando, evidencia-se que essa condição é limitadora apenas as
crianças. Nesse sentido, “esse ‘vir a ser’ não retira do adulto seu papel de ator social, de sujeito,
logo, por que tiraria da criança?” (OLIVEIRA, 2010, p. 81).
15 As práticas higienistas consistiam na disseminação de “[...] noções de higiene e empreendiam
campanhas contra a mortalidade infantil, os fatores de degeneração da raça imputados a algumas
doenças e vícios, combatiam a criminalidade e outros desvios comportamentais” (ZANIANI, 2008,
p. 12).
45

não cooperavam com as exigências da nova ordem burguesa, que buscava se


consolidar” (ZANIANI, 2008, p. 12). A pesquisa apontou que Moncorvo Filho
contribuiu na criação de novos aparatos em prol da proteção à infância, a exemplo
disso, destacam-se as creches e as maternidades. Sua contribuição também se
estendeu ao desvelar limiares da infância empobrecida no advento do século XX,
incitando o poder público quanto a necessidade de proteção física e mental das
crianças.
Porém, o estudo conclui que os pressupostos ideológicos que direcionaram
essas ações protetivas à infância, arrolavam no sentido de proteção da sociedade
contra os problemas da infância, distinguindo uma infância que necessitava de
proteção e outra que deveria ser corrigida em vista de criar uma nação forte, livre
dos males sociais hereditários. Todavia, Zaniani (2008) infere que os males sociais
não podem ser dissipados sem uma reestruturação econômica-social.

2.2.7 História da infância

Lima (2015), interrelacionou o contexto histórico, sociopolítico, econômico,


cultural e educacional dos anos de 1897 a 1920 à duas obras literária, onde
procurou tecer reflexões sobre as representações da infância amazônica
discursadas nas linhas dessas obras, a pesquisadora ressalta as infâncias
antagônicas relatadas nessas obras, onde uma representa a infância vivida
economicamente confortável onde o importante era aprender os valores sociais e
morais para ser inserido na sociedade, a outra representa uma infância vivida por
seus sujeitos, que de alguma forma reconhecem sua situação de opressão e miséria
econômica, mas que encontram forças para fugir dela por meio da imaginação,
mostrando assim uma vontade de romper com as questões sociais vivenciadas por
elas.
Nesse mesmo viés de compreensão, Ribeiro (2018) sustenta a tese de que a
história da infância se revela entre a dicotomia marcada pela barbárie e pelo
encantamento do mundo. Ele afirma que ante essas discrepâncias das múltiplas
infâncias, a criança

Busca de um lugar verdadeiro de proteção e protagonismo, porque


as promessas que lhes foram feitas se realizam, na maioria das
vezes, enquanto promessas-barbárie. As promessas societárias
46

hegemônicas de hoje e de ontem para a infância pobre são projetos


civilizatórios que pouco mais fazem do que manter o consenso social
e o devido lugar “marginal” estruturalmente “destinado” a
determinados grupos sociais pelo projeto capitalista burguês
moderno (RIBEIRO, 2018, p. 21-22).

Porém, como conseguir um protagonismo infantil diante da invisibilidade das


crianças? Como assegurar-lhes um lugar de fala sobretudo as camadas sociais mais
baixas? Questionamentos como esses levaram Camargo (2014) a aprofundar-se a
despeito das vozes das crianças, entendendo que a criança é um ser pensante, que
se expressa por múltiplas linguagens e não apenas reproduz a cultura do seu meio,
mas também contribui na sua produção. Ante esse entendimento, “[...] escutar suas
vozes é escutar o que muitas vezes não conseguimos entender, pois suas vozes
denunciam, interrogam, expressam e exteriorizam histórias reais, histórias
inventadas, histórias das sociedades e das culturas” (CAMARGO, 2014, p. 81).
Evidencia-se que as crianças não são seres estáticos e que não estão aquém das
questões sociais vividas por elas, na verdade elas estão sendo silenciadas ou
moldadas dentro de uma concepção adultocentrica de como deve ser as suas
infâncias.
Nessa concepção, Duarte (2008) exaltou as vozes de seus entrevistados,
pessoas que acima dos 80 anos de idade, contribuíram no campo científico através
da exposição de suas memórias da época de criança. O pesquisador informou ao
seu leitor que buscou dar voz e vez aos seus colaboradores que “[...] representaram
a história de muitas crianças que tiveram sonhos e fantasias em uma época
marcada pela infância negada” (DUARTE, 2008, p. 121). Mediante essa
compreensão, Cezário (2012), contribui dizendo que quanto mais entendermos a
infância, maior será nossa compreensão sobre o homem, suas relações e suas
experiências que vivem em constantes mudanças, haja vista nossa incompletude
humana.
Na mesma direção se encaminha a dissertação de Lanna (2016), onde a
mesma buscou ouvir as vozes de crianças e suas percepções sobre o que eles
pensam ser a infância, como sobrevivem nesse construto social e como suas
relações interferem na sua socialização e educação. Frente a esse processo, a
pesquisadora objetivava analisar os discursos sócio-históricos produzidos sobre a
infância, e detectou que os discursos são reproduzido conforme as lentes pelas
quais são usadas para ver, assim, segundo a concepção teórica, novas formulações
47

são produzidas, afirmando a multiplicidade de experiências e expectativas vividas


pelas crianças, as quais chamamos, infância.
Lançando mão de outra metodologia, mas sem perder de foco a história da
infância, a pesquisa de Pinheiro (2013), analisou os discursos sobre a infância
paraense da primeira década do século XX, os quais eram difundidos nos jornais
Folha do Norte e A Província do Pará. O pesquisador contextualizou suas
descobertas no advento da república que trouxe consigo as “medidas de proteção à
infância”. Destrinchou cada notícia, anúncios, propagandas, galerias de fotos que se
referiam as crianças e concluiu que, os discursos eram carregados de uma ideologia
dominante e classista. Ele inferiu que,

No caso da criança pobre, notou-se que esta era sempre tratada


como um sujeito que estava ‘jogado a própria sorte’, sem
perspectivas de um futuro, tendo em vista que ela sempre vai ser tida
como a criança ‘desafortunada’, a ‘infeliz’, ‘a pobre creança’; já a da
classe economicamente mais favorecida é sempre a bela, formosa, a
ingênua, a bem cuidada e aquelas que terão um futuro promissor,
inclusive pelo fato de seus pais terem sido pessoas de sucesso e,
por isso, simbolicamente lhes é dado a oportunidade de receber tal
legado (PINHEIRO, 2013, p. 135-136, grifo do autor).

Ao observarmos esses discursos, vemos que essa realidade não se distancia


da realidade do século XXI, onde vemos perpetuar as falas da classe dominante, as
quais se impõem sobre as demais, menosprezando as culturas das minorias. Nesse
ínterim, a pesquisa de Santana (2014), traz à baila a análise da infância a partir da
observação dos brinquedos, em evidencia a boneca Barbie e a boneca Karajá-
Ritxòkò16 como produtos culturais na construção da identidade das meninas
indígenas da aldeia Buritina. A pesquisa mostrou que

Os brinquedos estão imersos nas relações de poder, apresentando


discursos implícitos à sua materialidade do que é bom, bonito,
normal, atraente, verdadeiro e prazeroso para a cultura hegemônica
e capitalista [...] ressalta-se que em uma sociedade capitalista e
consumista, preparada para a produção e consumo em ritmo
frenético, os brinquedos artesanais sofrem discriminação.
(SANTANA, 2014, p. 147-148)

Todavia, a pesquisadora reforça a importância dos brinquedos nas atividades


lúdicas das crianças e no fortalecimento da interculturalidade. Ante o exposto,
16 Bonecas produzidas pelas mulheres indígenas Karajás, feita em cerâmica, que reproduzem forma
humana e representação da fauna. E desde 25 de Janeiro de 2012, foi conferido a elas o título de
Patrimônio Cultural Brasileiro (IPHAN, 2012).
48

entende-se que uma das formas de ampliarmos o conhecimento sobre a


historiografia da infância e debatermos o tema cientificamente, de modo que
perpetue e promova novas reflexões é mediante a publicação dos trabalhos
produzidos academicamente, onde os pesquisadores expõem suas teses,
impressões e inquietações acerca das diversas temáticas sociais. Nesse sentido,
(CORDEIRO, 2015), preocupou-se em analisar os debates sobre questões
referentes a infância na América. Para isso, aprofundou sua pesquisa a partir do
estudo dos três primeiros Congressos Americanos del Niño, para conhecer e
entender as representações da infância debatida nesses espaços de apropriação e
divulgação científica.

2.2.8 Infância desvalida

A temática discorre acerca das crianças órfãs e abandonadas, e


consequentemente, dos abrigos destinados a elas, fossem institucionais, fossem
residenciais, onde as novas famílias, consanguíneas ou não, as recebiam. Frias
(2017), desenvolveu sua pesquisa com o objetivo de traçar o perfil socioeconômico
das famílias e dos novos tutores das crianças órfãs. A dissertação tratou de observar
detalhes relacionados a idade limite da infância nos anos de 1823 a 1831. Para os
meninos, acabava aos 15 anos e para as meninas aos 12 anos e meio, conforme a
inserção no mundo do trabalho ou do matrimônio. Referente a formação recebida,
constatou-se discrepância conforme o gênero, idade, e situação econômica, onde os
meninos tinham mais acesso à cultura escrita, e possibilidade de alçar estágios
superiores, já as meninas tinham acesso elementares a cultura escrita e de leitura, e
a formação tinha um direcionamento as prendas domésticas.
Na mesma lógica, os estudos de Azevedo (2006) e Silva (2017), destacaram
um viés religioso cristão (espírita e católico), respectivamente, sobre a questão dos
abrigos para a infância desvalida, a partir de considerações relacionadas a caridade
mediante a fé como símbolo para acolher os órfãos e abandonados. Por outro lado,
Silva (2003), direcionou sua pesquisa em mostrar como se deu o processo de
cuidado aos abandonados e delinquentes pelo Laboratório de Biologia Infantil (LBI),
que surgiu em 1937, com a função de identificar o que causava a criminalidade
infantil praticada por essas crianças. A pesquisa mostrou que o laboratório se
utilizou da repressão e da assistência como métodos para cuidar da infância
49

abandonada na década de 1930 e que as marcas desse processo ainda podem ser
encontradas no Brasil do século XXI.

2.2.9 Infância institucionalizada

Mediante pesquisa documental e entrevistas orais, Pacheco (2017),


evidenciou a história e experiências educativas de crianças que foram afastadas do
convívio de seus pais que haviam contraído hanseníase na primeira metade do
século XX, no Brasil, sendo institucionalizadas em preventórios/educandários
conforme prescrevia a política pública de isolamento compulsório. A tese revelou
que essas crianças vivenciaram suas infâncias isoladas de suas famílias e da
sociedade, através do controle de seus corpos com disciplina e violências físicas e
psicológicas.
Nesse seguimento, Lima (2017) buscou compreender como se dava a
assistência prestada pela Casa do Pequeno Jornaleiro (CAPEJO), entre os anos de
1960 e 1978 à criança abandonada, e constatou que a instituição se diferenciava
das demais, pois essa nem era direcionada ao ensino regular e religioso, e ao
trabalho moralizador a partir da venda de jornal. A pesquisa mostrou que grande
parte dos meninos institucionalizados na CAPEJO possuíam famílias e não eram de
fato abandonados17.
Poletto (2013), realizou um leitura crítica sobre as instituições de acolhimento,
buscou entender os motivos que levam o Estado a afastar crianças e adolescentes
de suas famílias e os significados que eram produzidos na vida pessoal e social
deles. A leitura aponta uma desarticulação nas políticas públicas que corroboram
para as institucionalizações, esse fato levou a pesquisadora a concluir que pouco
adianta institucionalizar as crianças se as suas famílias não fizerem parte do
processo, logo, o ciclo de violências se perpetuará.
A pesquisa de Oliveira (2005) procurou evidenciar a atuação institucional do
antigo Projeto Aldeia Juvenil, hoje, Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia
Juvenil (CEPAJ), que por um ângulo diferente das atuações institucionais mostradas

17 A pesquisadora relacionou que eles eram tidos como abandonados devido ao “[...] Código de
Menores de 1927, que determinava em seu artigo 31, a possibilidade de suspensão ou perda do
pátrio poder: a partir do momento em que o menino estivesse interno, seus pais teriam suspensa
sua guarda, que ficaria a cargo do Estado, isto é, o menino seria considerado ‘abandonado’
mesmo que temporariamente, já que sob a tutela do Juizado” (LIMA, 2017, p. 157-158).
50

até aqui, o CEPAJ caminha na contraposição à cultura da institucionalização de


crianças e adolescentes pobres em Goiás, e destacou os resquícios das
desigualdades que promovem a violência a esse público na contemporaneidade
brasileira.
Nessa propositura, Gualberto (2017), valorizou as vozes das crianças de
cinco a 12 anos que vivem em acolhimento institucional. A dissertação deu vazão as
reflexões das crianças sobre as suas vivências infantis, colocando-as como
protagonistas do processo de pesquisa. Dessa forma, a pesquisadora mostrou uma
nova forma de pesquisar a institucionalização infantil, a partir da escuta das
experiências delas, colocando a centralidade no sujeito e não apenas no processo
ou na instituição.

2.2.10 Menores

Os estudos nesse eixo perfazem recorte de tempo do final do século XIX e


início do século XX, período marcado por uma mudança política e econômica no
Brasil. E é nesse contexto de transformações sociais que os pesquisadores
Weinhardt (2019) e Corrêa (2017) discutem a respeito dos discursos e práticas
voltadas as crianças e adolescentes marginalizados. A pesquisa de Weinhardt
(2019) descreve que as crianças e jovens pobres eram transmudados à menores,
marca de uma correlação sinônima entre a pobreza e a criminalidade.
Na segunda metade do Império no Brasil, nota-se que os discursos e ações
das autoridades públicas reproduziam,

[...] um comportamento em que a proteção servia como um pretexto


para controlar meninos e meninas marcados pela pobreza [...] para
transformá-las em adultos produtivos e disciplinados, especialmente
em um momento em que a escravidão e a própria monarquia davam
sinais de esgotamento e prenunciavam seus fins (WEINHARDT,
2019, p. 141).

Nessa transição, “[...] o pensamento da elite, intelectual e política da


sociedade, girou em torno de uma proposta patriótica de construção e modernização
nacional segundo modelos internacionais de sociedade [...] e nesse entretempo, as
crianças foram sendo entrepostas numa rotina de ‘modelo de civilidade’ que lhes
custou: a liberdade e os direitos como cidadãos”. (CORRÊA, 2017, p. 170; 172).
51

Entende-se assim que, a história das crianças e adolescentes no Brasil


carrega características de um tempo de transição de ordem política, econômica e
social, que só recebeu olhares das autoridades segundo as intenções do progresso
nacional, mas que de fato enxergava a infância pobre como um problema a ser
solucionado.

2.2.11 Revisão literária

Dispondo metodologicamente de uma pesquisa documental, Molina (2011)


analisou as dissertações e teses produzidas nos Programas de Pós-Graduação em
Educação do país, enquanto, Silva (2012) se dispôs a analisar 24 artigos publicados
pela Revista Brasileira de Educação (RBE).
Silva (2012), teve como objetivo conhecer os discursos que têm sido
divulgados mediante publicação dos artigos na RBE acerca da infância, e
apresentou suas conclusões dizendo que a temática da infância tem sido inter-
relacionada a história da infância, e seu elo tem sido a educação. Destacou que as
interpretações dos discursos veiculados nos artigos depende de quem o ler, haja
vista a dinamicidade textual e as construções de sentido empregado por cada leitor.
Molina (2011), se focou em verificar os procedimentos metodológicos
utilizados nas pesquisas selecionadas por ele e identificar as contribuições das
mesmas para os estudos sobre infância e história da infância no Brasil. Ele destacou
que conforme o aporte teórico-metodológico é que surgem os diferentes conceitos
sobre o objeto pesquisado. Inferiu ainda que a aproximação entre as áreas do
conhecimento é o que possibilita estudar um objeto em diferentes perspectivas.
Destacamos a importância de ambos os estudos, sobretudo, o de Molina
(2011), pois nos ajudou a pensar a estrutura de nossa pesquisa e perceber que
quanto mais arcabouço teórico tivermos, mais abertos estaremos para discutir as
proposituras do nosso objeto.

2.2.12 Trabalho infantil

O eixo conta com um estudo direcionado as dimensões do trabalho infantil na


cidade de Manaus, no decurso do tempo conhecido como Belle Époque, período de
transformação econômica, mas também de hábitos sociais. É nesse contexto que
52

Pessoa (2010) buscou revelar o espaço social que as crianças ocupavam referente
ao mundo do trabalho e identificou que o trabalho infantil esteve presente no tempo
e espaço pesquisado, constatou ainda que as famílias questionavam as condições
de trabalho a que seus filhos eram impostos, mas não ao trabalho em si.
A pesquisadora detectou que a preparação dessa mão-de-obra se constituía
mediante as instituições educacionais que prestavam assistência as famílias pobres
e ao ensino de um ofício, todavia,

O regime disciplinar dentro de tais instituições tinha como finalidade


incutir valores burgueses que os habilitariam para maior uso de suas
forças produtivas e a adaptação a sociedade competitiva [...]. Tal
assertiva não implica em afirmar que tais menores eram seres
modeláveis e passivos, apenas que as instituições tentavam exercer
o papel de modeladores de corpos e mentes, e que, no entanto, não
alcançavam o sucesso desejado em tal empreitada (PESSOA, 2010,
p. 170).

Percebe-se uma característica prevalente nos estudos realizados sobre essa


época, que dizem respeito à percepção retratada ao trabalho infantil como forma de
garantir a formação de um caráter ordeiro e que contribua para um futuro melhor.

2.3 AS FONTES DOCUMENTAIS UTILIZADAS NAS PESQUISAS


SELECIONADAS

Este tópico tem o objetivo de analisar quantitativamente os aportes teóricos


utilizados pelos pesquisadores dos estudos selecionados, e busca destacar os
principais teóricos e obras clássicas mais consultadas.
O quadro abaixo apresenta a quantidade de pesquisas analisadas por eixos
temáticos, outrora já detalhados no tópico acima, os referenciais teóricos mais
recorrentes concomitante aos 12 eixos, bem como o total das recorrências e das
referências analisadas.
Vale ressaltar que não excluímos as repetições nem referentes ao autor e
nem a sua obra, pois nosso objetivo é analisar os referenciais teóricos que
compõem os eixos temáticos.
53

QUADRO 5 – ORGANIZAÇÃO DOS APORTES TEÓRICOS


REFERÊNCIAS
EIXO
Nº QTDE. REFERENCIAL TEÓRICO TOTAL CONSULTADAS
TEMÁTICO
(TOTAL)
Assistência à
01 02 KUHLMANN JR., Moysés 07 271
infância
02 Cultura da infância 04 QVORTRUP, Jeans 19 546
Direitos da criança e
03 02 FREIRE, Paulo 07 163
do adolescente
04 Educação familiar 03 CHARTIER, Roger 14 505
Educação para
05 06 KUHLMANN JR., Moysés 19 982
infância
06 Higienismo 01 MONCORVO FILHO, A. 17 119
07 História da infância 09 BENJAMIM, Walter 34 976
08 Infância desvalida 04 KARDEC, Allan 11 278
Infância
09 05 RIZZINI, Irene 18 602
institucionalizada
10 Menores 02 RIZZINI, Irene 06 301
11 Revisão literária 02 MARX, Karl 06 208
PINHEIRO, Maria Luiza
12 Trabalho infantil 01 04 84
Ugarte
T - 41 - 5.035
FONTE: Elaborado pelas pesquisadoras, 2021.
NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.

Para realizarmos a análise quantitativa e descritiva desse processo, valemo-


nos inicialmente dos agrupamentos outrora utilizados para descrevermos as 41
pesquisas selecionadas. Neste procedimento, copiamos as referências de todas as
pesquisas organizadas nas pastas dos 12 eixos temáticos de forma individual. De
maneira mais explicita, analisamos uma a uma das pesquisas referente a cada eixo
temático, em seguida, colamos as referências em documento Word, identificando
cada documento segundo o seu eixo, classificamos em ordem alfabética e as
enumeramos. Dessa forma, pudemos observar, registrar e expor no quadro, os
autores mais citados em cada eixo.
Destacamos ainda a prevalência de alguns autores clássicos no campo da
infância e história da infância, os quais estiveram presentes em mais de 50% do
referencial teórico analisado, a saber, Philippe Ariès, presente em nove dos doze
eixos, porém o mesmo não se destacou como a principal literatura de nenhum eixo
em específico. O autor é amplamente referenciado por ser considerado o historiador
a inaugurar uma nova concepção de investigação historiográfica na qual inseriu as
crianças e a infância discutindo as peculiaridades delas (SANTANA, 2014).
54

QUADRO 6 – RECORRÊNCIA DOS AUTORES POR EIXOS TEMÁTICOS


AUTOR EIXOS TEMÁTICOS TOTAL
Cultura da infância
Direitos da criança e do adolescente
Educação familiar
Educação para infância
PHILIPPE ARIÈS História da infância 09
Infância desvalida
Infância institucionalizada
Menores
Revisão literária
Assistência a infância
Cultura da infância
Educação familiar
Educação para infância
Higienismo
IRENE e IRMA RIZZINI 10
História da infância
Infância desvalida
Infância institucionalizada
Menores
Trabalho infantil
Assistência à infância
Educação familiar
Educação para infância
MOYSÉS KUHLMANN Jr. Higienismo 07
História da infância
Infância desvalida
Infância institucionalizada
Cultura da infância
Direitos da criança e do adolescente
Educação familiar
MARY DEL PRIORE 06
Educação para infância
História da infância
Infância institucionalizada
FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2022.
NOTA1: Dados coletados do Portal da CAPES, 2020.

Como forma de manter a dialeticidade, observamos que os pesquisadores


contemporâneos recorreram as teses de autores brasileiros para elaborarem o
panorama das múltiplas questões referentes a infância no Brasil. Entre eles, se
destacam Moysés Kuhlmann Jr., citado em sete eixos e Mary Del Priore em seis
eixos. Destacam-se também as contribuições das irmãs Irene e Irma Rizzini, que
mediante o agrupamento foram citadas em 10 eixos temáticos. Todavia, ressaltamos
que, em quatro dos dez eixos, elas contribuíram de forma isolada, a saber: Irene
Rizzini nos eixos cultura da infância, higienismo e infância institucionalizada. Irma
Rizzini tem aparição solo no eixo infância desvalida.
55

Subentende-se que os pesquisadores brasileiros têm recorrido às obras


nacionais ao fundamentarem seus estudos científicos a despeito do objeto de
análise desta pesquisa, o que mostra uma centralidade em entender as
particularidades da criança concreta e as suas vivências infantis na nossa
sociedade, seja num viés nacional ou regional.
A análise quantitativa dos aportes teóricos utilizados nos 12 eixos temáticos,
possibilitou conhecermos os autores que tem publicado material voltado ao objeto de
estudo desta monografia, além de nos propiciar a coleta de mais de cinco mil
referências para ampliarmos o leque de consultas para futuras pesquisas e
publicações.

2.4 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO

A partir das análises realizadas nas 41 pesquisas selecionadas no repositório


de dissertações e teses da CAPES, é possível apresentarmos alguns apontamentos.
A prevalência das pesquisas analisadas sobre a infância e história da infância
tem sido objeto das dissertações de mestrado, decorrentes entre os anos de 2003-
2019, sendo a UFPA a instituição com o maior número de pesquisas defendidas.
Todavia, a região do país que mais tem produzido pesquisa sobre o tema é a região
Sul, e destacamos a inexistência de pesquisa defendida na região Nordeste.
Na análise, evidenciamos que atualmente, as áreas de pesquisa sobre a
criança e a infância tem perpassado as áreas da Educação e Psicologia, e tem
ganhado espaço também no campo da História, Sociologia, Direito. Esse fato denota
que para além das fases biológicas, a criança tem sido compreendida como sujeito
histórico, produto e produtora de cultura. Assim, “[...] é interessante observar como a
conceituação de infância e de criança é fruto de um processo cultural, social,
político, histórico e econômico” (COSTA, 2021, p. 10). Nesse sentido, os
pesquisadores contemporâneos têm recorrido historicamente ao passado para
entender as transformações em torno da criança e da infância.
Observamos que as pesquisas analisadas se reportam às transformações
políticas e econômicas, advindas da passagem do final do século XIX à primeira
metade do século XX, para explicar a construção do conceito de criança e infância
no Brasil (THIAGO; FERNANDES, 2021b). Unanimemente, esses estudos revelaram
56

que a construção conceitual da infância brasileira está imbuída de um olhar


assistencialista.
Dado esse fato, encontramos 12 eixos temáticos nos quais os pesquisadores
registraram como as crianças eram (in)visibilizadas na sociedade brasileira dos
séculos XIX e XX, onde tinham suas vozes reprimidas e corpos afugentados por
práticas higienistas denominadas de assistência à infância, a qual era feita mediante
a educação moralizadora no âmbito familiar, escolar ou de instituições de
acolhimento temporária ou permanente.
Dessa forma, entendemos que muitas foram as situações que moldaram a
percepção sobre o ser infantil. Destacamos, principalmente, a distinção entre uma
infância que necessitava de proteção e outra que deveria ser corrigida, pois o ideal
da época era a formação de uma nação forte, subjugadora das “mazelas” sociais.
Nessa concepção, as crianças pobres foram tidas como problema social que deveria
ser resolvido. Assim, foram criadas as políticas de higienismo, cunhadas sob o
pretexto de políticas de proteção à infância, que institucionalizaram crianças e
afirmaram a necessidade dessa ação ao usarem a pobreza como sinônimo de
delinquência. Por outro lado, as crianças abastadas eram retratadas como o futuro
da ordem e do progresso nacional. A similaridade percebida ao tratamento das
crianças é referente à educação marcada pela moralização social, com vistas a
formar cidadãos contribuintes na modernização do Brasil, conforme os ideais
políticos da época.
Na próxima seção, apresentaremos as influências da tese de Philippe Ariès
na construção do sentimento de infância a partir do recorte temporal da
Modernidade própria da cultura europeia.
57

As crianças de Habert de Montmort, Philippe de Champaigne, 1649


UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

3 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA: PERSPECTIVAS DE PHILIPPE


ARIÈS18

“[...] a busca pela interpretação das representações infantis de mundo é


objeto de estudo relativamente novo, que vem objetivando entender o
complexo e multifacetado processo de construção social da infância [...]
diante desta invenção da modernidade” (NASCIMENTO; BRANCHER;
OLIVEIRA, 2008, p. 49).

As principais literaturas que permeiam as pesquisas contemporâneas


brasileiras são de autores nacionais reconhecidos como referência no campo dos
estudos sobre infância, dentre os que mais se destacaram podemos citar: Mary Del
Priore, Irene e Irma Rizzini e Moysés Kuhlmann Jr. Por meio das linhas de pesquisas
desses autores podemos conhecer como a infância tem sido identificada
academicamente na contemporaneidade brasileira, sendo que, a base
epistemológica desses se orienta pela história das mentalidades ou pela Nova
História.
O campo da história das mentalidades (I’histoire des mentalités) é uma
vertente de estudo da historiografia francesa que surgiu no século XX, e “[...] que
busca estudar a história pela via da representação fenomênica em detrimento dos
próprios fenômenos objetivos” (ZANELLA, 2018, p. 235). A história das mentalidades
veio a ser uma metodologia construída a partir de 1960, conforme a necessidade
irrompida de analisar as fontes de pesquisas utilizadas pela Escola dos Annales,
fontes essas que eram menosprezadas pelos estudiosos da época19.
Philippe Ariès (1914-1984) foi o maior responsável pela ampla influência
dessa perspectiva histórica na análise do objeto no Brasil. Com suas análises, o
historiador francês medievalista contribuiu para difundir estudos, de forma profícua,
a respeito da historicidade da infância e dos sentimentos provocados por ela nas
famílias a partir da modernidade.

18 Não é nossa intenção resenhar a obra de Ariès nesse tópico, todavia consideramos necessário
trazer intensamente sua pesquisa a partir de apontamentos, haja vista a grande contribuição e
pioneirismo sobre o tema.
19 A Escola dos Annales foi fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre, estes pertencem à
primeira geração de historiadores do grupo; Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss, à 2ª geração
(1946-1968); Jacques Le Goff, Pierre Nora, Philippe Ariès, Clifford Geertz, Michel Vovelle, Jean-
Marie Pesez, à 3ª geração (1968-1989) ou Nova História (Nouvelle Histoire); e Bernard Lepetit, à
4ª geração (1989). (ZANELLA, 2018). As principais características que convergem na identidade
dos Annales são: “[...] a interdisciplinaridade, a problematização da História, e as novas
proposições nas formas de conceber o Tempo” (BARROS, 2010, p. 1).
59

Metodologicamente, Ariès (1986) baseou seus estudos na observação da


iconografia Medieval, sobre a qual elaborou sua tese a respeito dos elementos e
aspectos que levaram ao desenvolvimento do sentimento de infância, uma
concepção estruturada numa visão eurocêntrica.
A palavra iconografia se origina de dois termos gregos: eikon, que quer dizer
imagem ou ícone e graphia, que significa escrita. Dessa forma, literalmente, Ariès
utilizou a análise da escrita da imagem, que indica o estudo do conjunto de assuntos
que são representados por meio de imagens artísticas, obras de arte e outras de
qualquer espécie, relacionando-os com suas fontes e significados. De forma geral
seus escritos se fundamentaram em fontes pouco convencionais, a saber: cartas,
diários, poemas, documentos, vestimentas, jogos, história da arte por meio das
pinturas/retratos, escultura, esfinges funerárias, e da iconografia leiga e religiosa.
A obra traduzida no Brasil como História Social da Criança e da Família20,
destaca-se como um marco referencial por ser considerado “[...] o primeiro trabalho
a ter realizado uma profunda análise histórica da infância” (BRAGA, 2015, p. 16).
Segundo Warde (2007), a obra de Ariès “[...] provocou muitas reações [...]” que
foram de muito positivas a muito desfavoráveis. Entretanto,

[...] ao contrário do que provocou na Europa e nos Estados Unidos, o


trabalho produziu no Brasil quase que uma única reação: favorável e
passiva [...] Ariès comparece basicamente para nomear uma
linhagem com a qual o novo autor perfila e em favor da qual trabalha:
a ‘desconstrução’ do ‘mito da criança’ ou do seu correlato, o ‘mito da
infância natural’” (WARDE, 2007, p. 25, grifos da autora).

Nessa direção, Ariès (1986) afirma em sua tese que as ideias circundantes ao
novo sentimento na forma de olhar as crianças, ligado ao conceito de afetividade e
vínculo como hoje conhecemos, consolidou-se na sociedade moderna. Endossando
essa afirmação, Araújo (2007) atribui ao Renascimento proveniente do início da
Idade Moderna, à centralidade da criança e da concepção social de infância, pois
nessa perspectiva, o homem sobrepôs a razão à fé, e esse entendimento foi
responsável por principiar a preocupação com a infância, afinal:

Cabia, então, investir na infância e na criança em vista das


possibilidades de construção do futuro da humanidade. É nesse
sentido que a Modernidade, criança e infância se entrelaçam, de

20 Obra traduzida da edição de L’Enfant et la vie famillale sous I’ Ancien Régime das Editions du
Seuil Collection Points, Série Histoire, 1973. (ARIÈS, 1986).
60

forma que a infância se viabilizaria pela formação humana e a


criança seria o alvo de tal construção (ARAUJO, 2007, p.183).

Philippe Ariès tomou como ponto de partida para as suas análises as


características da sociedade medieval, afirmando que naquele período, “[...] o
sentimento de infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem
negligenciadas, abandonadas ou desprezadas” (ARIÈS, 1986, p. 156). Para o autor,
esse sentimento correspondia à tomada de consciência humana que promovia a
percepção em distinguir o adulto da criança, o que não significa necessariamente o
despertar afetuoso em relação a ela.
Segundo Ariès, até o final da Idade Média, o termo francês enfant21 (criança)
não era usado para diferenciar criança de adolescente, mas se referia de forma
ampla para designar algum tipo de dependência.

Só se saía da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos


graus mais baixos de dependência. Essa é a razão pela qual as
palavras ligadas à infância iriam subsistir para designar
familiarmente, na língua falada, os homens de baixa condição, cuja
submissão aos outros continuava a ser total: por exemplo, os lacaios,
os auxiliares e os soldados (ARIÈS, 1986, p. 42).

Dessa forma, o autor explicita que as palavras fils, valets e garçons


relacionadas ao termo enfant subsistiram no vocábulo para indicar uma relação de
submissão da classe social proletária à burguesia. Todavia, entre a burguesia, a
palavra infância é incorporada para designar um sentido mais moderno,
propagando-se durante o século XVII, “[...] junto com as transformações que
começam a se processar na transição para a sociedade moderna” (BROERING,
2015, p. 272).
Anterior a essa difusão, seus escritos evidenciam fatos que podem chocar um
leitor do século XXI, pois constata-se a desvalorização da criança, considerada até
indigna de ser lembrada, afinal “[...] as pessoas não se podiam apegar muito a algo
que era considerado uma perda eventual” (ARIÈS, 1986, p. 56-57).
No entanto, é válido mencionar que essas atitudes esboçam uma
característica singular que revela que as condições demográficas eram pouco
favoráveis a sobrevivência das crianças em face de que só no século XVIII tivemos a
descoberta sobre o processo de imunização com vacinas e no século seguinte a

21 Etimologia (origem da palavra infante). Do lat. infãns – antis ‘que não fala, infantil’ (CUNHA, s/d.).
61

pasteurização. Assim, "[...] compreendemos então o abismo que separa a nossa


concepção da infância anterior à revolução demográfica ou a seus preâmbulos”
(ARIÈS, 1986, p. 58). Dessa forma, não podemos simplesmente afirmar a existência
de uma insensibilidade da época, o que seria um anacronismo.
Por outro lado, não podemos esquecer que o autor registrou em sua tese o
relato cronológico dos acontecimentos que se seguiram na transição da sociedade
medieval para a sociedade moderna, estabelecendo o marco histórico do surgimento
da infância na perspectiva teórico-metodológica da História das Mentalidades, que
se caracteriza como

[...] uma história sobre as mentalidades de outras épocas, das


mentalidades não atuais. Por essa razão, vê culturas diferentes e
interessantes, onde o historiador clássico reconhecia uma civilização
e barbáries. Dessa forma, a pesquisa sobre as diferenças prevalece
sobre a pesquisa das semelhanças. É em relação a nossa forma de
percepção, à nossa mentalidade, que uma cultura parece diferente
para nós (MOLINA, 2011, p. 197).

Portanto, ao fazermos tais colocações, a fazemos pautados no sentimento já


construído historicamente e vivenciado em nossa atualidade, portanto, incorremos
no erro de desconsiderar os eventos históricos que caracterizam as épocas,
sobretudo porque gostamos de “pensar que somos melhores do que aqueles que
nos antecederam” (FERREIRA, 2002, p. 167).
Assim, é necessário ajustarmos nossas lentes e observarmos
cuidadosamente cada detalhe micro da história, de forma que favoreça nossa
compreensão do macro.

3.1 DO ANONIMATO INFANTIL À DESCOBERTA DA INFÂNCIA: EM FOCO A


ICONOGRAFIA

Philippe Ariès lança como ponto de partida para a descoberta da infância a


representação da criança mediante a pintura medieval. Sua análise indica que a arte
medieval não tentava representar a infância, provavelmente por não haver um lugar
exclusivo para ela. As representações de crianças datadas do final do século XII ou
início do século XIII, demonstram que o artista impunha uma certa deformidade nos
seus corpos ao retratá-las. Na verdade, essa deformidade era característica das
miniaturas otonianas onde “[...] não existem crianças caracterizadas por uma
expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido” (ARIÈS, 1986, p. 51).
62

A imagem abaixo retrata uma pintura francesa otoniana do final do século XI,
onde aparecem três crianças que foram ressuscitadas por São Nicolau. Ariès
descreve que não existe diferença na expressão ou nos traços das crianças, sendo
elas representadas em tamanho reduzido ao dos adultos, inclusive com traços que
ressaltam uma certa quantidade de musculaturas, que não são próprias das
crianças.

FIGURA 1 – MILAGRE DE SÃO NICOLAU

FONTE: POIREL, 2018.

Essa análise reverbera até os dias de hoje, fazendo conhecida a criança


medieval como um adulto em miniatura. Broering (2015), atribui essa representação
disforme à falta de interesse em olhar e observar as características do corpo da
criança.
A partir do século XIII, irrompem as representações de crianças retratando
algo mais próximo do sentimento moderno de infância. Primeiramente, aparece o
anjo, representado como uma criança mais ou menos grande que auxiliava na
missa, como uma criança graciosa, um menino mais crescido, já com traços
63

arredondados e graciosos, cujas representações se tornaram ainda mais frequentes


no século XIV, a exemplo dos anjos de Fra Angelico, Botticelli e de Ghirlandajo
(ARIÈS, 1986).
Posteriormente surgiu a representação sentimental da tenra infância, ligada
ao mistério da maternidade da Virgem e a mariolatria, esse “[...] segundo tipo de
criança seria o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da história da
arte: o menino Jesus, ou Nossa Senhora menina” (ARIÈS, 1986, p. 53).
Podemos observar na Figura 2, uma leitura artística de Fra Angelico onde “[...]
Jesus em pé veste uma camisa leve, quase transparente, tem os dois braços em
torno do pescoço de sua mãe e se aninha em seu colo, com o rosto colado ao dela”
(ARIÈS, 1986, p. 53).

FIGURA 2 – A VIRGEM E O MENINO ENTRONADOS

FONTE: MEISTERDUCKE, 2022.

Ao compararmos a Figura 1 em relação a Figura 2, é perceptível a diferença


na representação mais sentimental e realista da criança. Esta, já não reproduzia
musculaturas de um homem adulto, há uma certa centralidade na criança ao ganhar
destaque, diferente da primeira imagem, na qual as crianças aparecem na parte de
64

baixo, sobressaindo os adultos. Nota-se também características graciosa nos anjos,


um ar juvenil, em contraste aos rostos mais sério dos Santos e dos clérigos.
Ao estilo da arte gótica, adveio o terceiro tipo de criança – a criança nua – que
alegoricamente exibia a alma em dois processos relacionados à vida, enquanto
momento de chegada e partida. Apreende-se que, a representação artística por
meio da iconografia religiosa do século XIII, marcou o tema da infância sagrada, e foi
ampliado e diversificado, colaborando para o “[...] progresso na consciência coletiva
desse sentimento da infância [...] que não existia no século XI” (ARIÈS, 1986, p. 54).
O século XIV, marcou o percurso migratório da iconografia religiosa para a
iconografia leiga ou profana, onde a criança é mais frequentemente representada
junto com os adultos em cenas cotidianas.

A criança com sua família; a criança com seus companheiros de


jogos, muitas vezes adultos; a criança na multidão, mas ‘ressaltada’
no colo de sua mãe ou segura pela mão, ou brincando, ou ainda
urinando; a criança no meio do povo assistindo aos milagres ou aos
martírios, ouvindo prédicas, acompanhando os ritos litúrgicos, as
apresentações ou as circuncisões; a criança aprendiz de um ourives,
de um pintor etc.; ou a criança na escola, um tema frequente e
antigo, que remontava ao século XIV e que não mais deixaria de
inspirar as cenas de gênero até o século XIX (ARIÈS, 1986, p. 55).

A posteriori, o século XV, trouxe consigo duas novas representações, o


retrato e o putto, diferentemente das miniaturas otonianas, a criança passou a ser
modelo real de um retrato, identificando um determinado momento de sua vida
(ARIÈS, 1986).
O autor registra que houve um alargamento no gosto pitoresco pelo anedótico
infantil, que redundava ao entretenimento do adulto, assim nos séculos XV e XVI,
quando nasceu o “[...] sentimento da infância ‘engraçadinha’, com que nós, adultos,
nos divertimos [...] para nosso passatempo, assim como nos divertimos com os
macacos” (ARIÈS, 1986, p. 58, grifos do autor).
Podemos observar uma revolução no século XVII. Os retratos deixam a quase
que exclusividade das esfinges funerárias e ganham o gosto em representar o
ímpeto infantil e a criança ocupa a centralidade e o protagonismo em relação ao
convívio familiar e social. Broering (2015) diz que juntamente com essa revolução
nasceu o hábito de registrar a família através da pintura.

Cada família agora queria possuir retratos de seus filhos, mesmo na


idade em que eles ainda eram crianças. Esse costume nasceu no
65

século XVII e nunca mais desapareceu. No século XIX, a fotografia


substituiu a pintura: o sentimento não mudou (ARIÈS, 1986, p. 61).

É notório na pesquisa iconográfica de Philippe Ariès que a descoberta da


infância teve início no século XII, e o tempo percorrido, desde então, revela uma
evolução gradativa. Todavia, é no final do século XVI e durante o século XVII que
vemos estabelecer o surgimento do sentimento de infância ligado ao seu conceito
moderno.
Porém, o autor nos deixa vestígios das infâncias contempladas nesse
processo evolutivo ao fazer considerações sobre suas observações concernente as
vestimentas registradas nessas pinturas. Ele registra que na Idade Média a roupa
das crianças e dos adultos em nada se diferiam, apenas um detalhe se fazia
imprescindível em ser notado – a classe social. Já no século XVII, a criança ganhou
roupas próprias à sua idade, porém, o autor enfatiza que,

[...] isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As


crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as
crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das
cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo
traje dos adultos (ARIÈS, 1986, p. 81).

E ainda, “[...] a separação entre crianças e adultos ainda não existia no caso
das mulheres [...] o sentimento da infância beneficiou primeiro meninos, enquanto as
meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com
os adultos” (ARIÈS, 1986, p. 71;81).
Outra característica própria que surgiu dentro da classe burguesa se referiu
ao uso da palavra infância, que deixou de empregada como sinônimo das palavras
que indicavam um grau de dependência ou submissão e a restringiu a seu sentido
moderno.

[...] nas famílias nobres em que a dependência não era senão uma
consequência da invalidez física, o vocabulário da infância tendia
quase sempre a designar a primeira idade. No século XVII, seu
emprego tornou-se mais frequente: a expressão ‘petit enfant’ (criança
pequena ou criancinha) começou a adquirir o sentido que lhe
atribuímos (ARIÈS, 1986, p. 43).

Ariès destaca que houve uma certa demora na construção de um vocabulário


que designasse as etapas de vida das crianças, e destaca que dentro da língua
inglesa tanto as crianças pequenas, quanto as maiores eram chamadas de baby, já
66

que o termo em francês poupart designava as crianças bem pequenas, porém as


crianças em seus primeiros meses de vida, não tinham uma palavra própria, essa
falta só foi suprida no século XIX quando a o termo baby foi transformado em bébé
no idioma francês, referindo-se daí em diante às crianças bem pequeninas.
É interessante notarmos que “As coisas que não existem normalmente não
têm nome. Assim, se as crianças não eram consideradas, não existiam; por isso,
não haveria motivos que justificassem nomes para designá-las” (BROERING, 2015,
p. 278).
Essa reflexão evidencia que houve um processo longo não apenas da
descoberta da infância mas também da construção de um vocabulário que
remetesse simbolicamente à criança idealmente construída.

3.2 A ESCOLA COMO DEMARCAÇÃO DA INFÂNCIA

O século XVIII marca o ápice do sentimento de infância nas famílias como


uma concepção moderna, a partir da centralidade que a criança passou a ocupar no
núcleo privado da família, sociedade e das instituições escolares.

Os séculos XVII e XVIII, que assistem a essas mudanças profundas


na sociedade, constituem o período histórico em que a moderna ideia
da infância se cristaliza definitivamente, assumindo um carácter
distintivo e constituindo-se como referenciadora de um grupo
humano que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude ou
miniaturização do adulto, mas por uma fase própria do
desenvolvimento humano (VASCONCELLOS; SARMENTO, 2007, p.
28).

Esse pensamento revela que a criança passou a ser entendida como um


indivíduo que precisava ser educado, para poder assumir seu papel na sociedade. A
vista disso, ressurge uma preocupação com a educação, mas não no sentido
humanitário, e sim uma educação moralista religiosa, que entendia que o convívio
da criança no mundo dos adultos não era saudável pois promovia a promiscuidade,
e nesse sentido, a criança precisava ser salva, para manter-se como um ser puro e
divino. À família, cabia o papel de ser “[...] os guardiães espirituais, que eram
responsáveis perante Deus pela alma, e até mesmo, no final, pelo corpo de seus
filhos” (ARIÈS, 1986, p. 277).
67

Essa nova preocupação educacional, começou a reestruturar a sociedade, e


passou a ser uma obrigação da família, encaminhar as crianças à escola como um
dever cívico, moral e espiritual. Ariès (1986) ressalta que esse fenômeno de retirada
das crianças da vida comum com os adultos e seu confinamento em um regime
disciplinar rigoroso se originou na burguesia, e que as camadas populares se
mantiveram por mais tempo com os costumes tradicionais.

Seguindo esse pensamento, a criança é compreendida como um


indivíduo que tem um importante papel para a sociedade, que pode
ser formado, enfim, educado. Reconhecida as especificidades da
infância, busca-se então desvendá-la e compreendê-la para poder
educá-la (BERNARTT, 2009, p. 3).

Logo, o conceito de infância que começou a ser construído na Europa


Ocidental a partir do século XIII e foi impulsionado durante a modernidade sob a
prerrogativa da Revolução Industrial, gerou uma transformação no sistema
econômico e político e consequentemente, concebeu um novo olhar sobre as
crianças, não apenas o sentimento de infância, mas agregado a ele, o novo sistema
econômico considerou necessário educar institucionalmente as crianças para
colaborarem no progresso da nação.

[...] pensar a noção de infância a partir da notoriedade que ela vai


ganhando na modernidade e é colocada como centro das atenções,
não pela sua influência na vida do homem, mas na sua vinculação
com o desenvolvimento da sociedade [...] (SILVA, 2007, p. 16).

Todavia, a preocupação com a educação, retomada no início dos tempos


modernos, face à Revolução Industrial como novo modelo de organização
econômica, desencadeou um grande acontecimento que marcou de vez o início de
uma separação entre o mundo dos adultos e o mundo das crianças. Essa nova
forma de cuidar da educação da criança inspirou um sentimento novo: “[...] o
sentimento moderno de família” e já não se admitia apenas colocar filhos no mundo,
era moralmente indispensável proporcionar uma preparação para a vida adulta, e
convencionou-se que essa preparação fosse assegurada pela escola (ARIÈS, 1986,
p. 277).
68

Desta feita, a constituição da sociedade moderna se fez por meio da


educação, a qual foi usada como sinônimo da socialização intergeracional,
identificada pelo sociólogo positivista Émile Durkheim22 como:

A ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não
estão maduras para vida social. Ela tem como objetivo suscitar e
desenvolver na criança um certo número de estados físicos,
intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade
política quanto pelo meio específico a qual ela está destinada em
particular (DURKHEIM, 2011, p. 53-54).

Predominava nesse momento a visão da criança como um ser humano


imaturo, que não sabia pensar por si só e que carecia de um adulto que a
direcionasse até que atingisse a fase adulta, pois a criança ainda era considerada
alguém com potencial para o vir a ser, todavia, o processo de emancipação seria a
superação da infância, já que metaforicamente a criança era uma “[...] vida sem
razão, obscura, sem conhecimento” (KOHAN, 2005, p. 237).
Cabe ressaltar que a sociedade europeia passou a se dividir em classes
sociais, e as camadas elitizadas precisavam garantir a sua hegemonia sobre as
demais. Assim, a institucionalização da infância foi diferenciada conforme o gênero e
classe social de origem das crianças.

[...] as escolas, inicialmente comuns ao conjunto da sociedade,


ingressaram então num sistema de classes. Foi como se um corpo
social polimorfo e rígido se desfizesse e fosse substituído por uma
infinidade de pequenas sociedades – as famílias, e por alguns
grupos maciços – as classes (ARIÈS, 1986, p. 278).

Esse modelo educacional direcionou às crianças abastadas uma educação


diferenciada da educação servida às crianças pobres, segundo a posição social que
certamente cada criança ocuparia na vida adulta. Essa disparidade no modelo de
educação própria do capitalismo, perdura até os dias de hoje, inclusive nos países
que seguem o mesmo modelo econômico, como é o caso do Brasil.

22 O Positivismo é entendido como uma corrente teórica fundada por Auguste Comte (1798-1857),
que propõe um sistema filosófico para o desenvolvimento de uma ciência neutra e racional
pautado no afastamento da teologia e da metafísica “[...] que afirma a necessidade e a
possibilidade de uma ciência social completamente desligada de qualquer vínculo com as classes
sociais, com as posições políticas, os valores morais, as ideologias, as utopias, as visões de
mundo” (LÖWY, 1991, p. 36). Apesar de ter surgido dentro do contexto marcado pelos ideais
Iluministas e da Revolução Francesa, primeiramente como um movimento contestador da ordem
social vigente, assumiu em Comte e Durkheim um caráter conservador da ordem social
estabelecida (LÖWY, 1998).
69

Althusser (1980) afirma que no campo da educação, seja ela escolar no


sentido institucional ou não, antes de ser realizada, foi idealizada em um viés
ideológico, que dita de que forma se dará o processo educacional, ou seja, a
educação não está separada das classes sociais, pelo contrário, ela reflete os
interesses próprios de cada classe social, reproduzindo ideologicamente o sistema
capitalista. Pinto (1993), amplia essa perspectiva ao dizer que a escola pode ainda
reproduzir a ideologia da dominação de um país sobre o outro.

O fato é que, a construção do conceito de infância surgiu a partir de


uma transformação política e econômica que afirmou a sociedade
europeia em classes sociais, onde as camadas elitizadas precisavam
garantir sua hegemonia sobre as demais, e esse modelo político e
econômico foi adotado no Brasil e no mundo, assemelhando assim
muitos processos de ordem social em diversos países (THIAGO;
FERNANDES, 2021c, p. 571).

Conjecturamos que o descobrimento europeu ocidental de infância que viu na


educação uma forma de remediar as necessidades infantis das crianças, porém sem
perder de vista a classe social de pertencimento, gênero e raça, perpetua-se da
modernidade à contemporaneidade, e apesar do grito de Independência brasileira,
continuamos de muitas formas, seguindo os moldes colonialistas.

3.3 A INFÂNCIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL: CRÍTICAS À TESE DE


PHILIPPE ARIÈS

Com o passar dos anos, surgiram algumas críticas e complementos a


principal tese defendida por Ariès (1986), sobre a não existência da infância no
período Medieval. Diante disso, alguns pesquisadores emergiram na história da
infância a fim de problematizar “[...] conceitos e caracterizações que têm sido
adotados de forma indiscriminada” (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2012, p. 21).
Outrora, vimos que desde que a clássica obra História Social da Criança e da
Família de Philippe Ariès foi traduzida no Brasil, ela “reinou quase solitária como
referência para a história da infância ocidental” (KUHLMANN JR., 2005, p. 239).
Em síntese, esta obra indica que,

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua


evolução pode ser acompanhada na história da arte e da iconografia
dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento
tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do
fim do século XVI e durante o século XVII (ARIÈS, 1986. p. 65).
70

Anterior a esse período, Ariès (1986) afirmou que a civilização medieval havia
suprimido a Paideia dos antigos, bem como as classes de idade do Neolítico,
levando-os a não reconhecer as particularidades da infância. O autor fez esses
questionamentos baseando sua pesquisa em fontes iconográficas, que eram
consideradas de pouca confiabilidade, “[...] por seu caráter extremamente centrado
no presente” (HEYWOOD, 2004, p. 24).
Evidenciamos que a tese de Ariès (1986) refere-se ao período da Idade
Moderna como marco inicial da descoberta da infância, para isso ele percorreu uma
trajetória que evidencia que a sociedade medieval enxergava a infância restrita ao
período de total dependência da criança ao adulto. A análise ressaltou que o tempo
de vida das crianças na família e na sociedade era breve e que esse fato se dava
pelo alto índice de mortalidade infantil, por isso não se fazia necessário conservar
uma vivência e/ou memória afetiva,

Contudo, um sentimento superficial da criança - a que chamei


‘paparicação’ - era reservado à criancinha em seus primeiros anos de
vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas
se divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um
macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes
acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não
fazer muito caso, pois uma outra criança logo a substituiria. A criança
não chegava a sair de uma espécie de anonimato (ARIÈS, 1986, p.
10, grifo do autor).

Todavia, as crianças que sobreviviam a esse período frágil eram


imediatamente inseridas no modo de vida familiar dos adultos com fins de cumprir
seus papeis sociais relativos “[...] a conservação dos bens, a prática comum de um
ofício, a ajuda quotidiana [...] e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das
vidas” (ARIÈS, 1986, p. 10-11).
Colin Heywood questiona a complexidade do processo de mediação cultural,
pois concebe a infância como categoria construída culturalmente, e ressalta que
esse processo foi deixado à parte por Ariès ao concentrar seu estudo sobre a
infância apenas evidenciando a ausência da presença das crianças ou a sua
representação disforme nas artes europeias (HEYWOOD, 2004).
Consoante a crítica mencionada, pensar a descoberta da infância como uma
progressão legitimada pela passagem do tempo em que, em um momento a
humanidade é indiferente a infância e no outro a reconhece, é assemelhá-la com o
71

milagre da transformação da água para o vinho, ou ainda, com “[...] uma sucessão
de passes de mágica” (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2012, p.22).
O autor complementa dizendo que é necessário ter cautela diante da
afirmação que as crianças não eram apresentadas ou mal representadas nas artes
plásticas durante a Idade Média ou antes dela, isso porque em cada época e cultura,
os artistas desenvolvem técnicas e perspectivas diferentes sobre um mesmo objeto,
logo, não necessariamente o sentimento de infância estivesse ausente, este poderia
ainda, estar configurado a uma questão de interpretação dos fatos e sentidos. “Em
suma, Ariès parece pensar que ‘o artista pinta aquilo que todos veem’, ignorando
todas as questões complexas relacionadas à forma como a realidade é mediada na
arte” (HEYWOOD, 2004, p. 25).
Mergulhados nesse entendimento, podemos encontrar em imagens antigas,
algumas representações de crianças, em outras partes do mundo, que antecedem
as descritas por Ariès, conforme demonstra a Figura 3, em que o artista chinês Li
Song retratou em sua pintura datada de 1.210 da nossa era, um cenário campestre,
onde vemos uma mulher rodeada por crianças, e um vendedor ambulante.

FIGURA 3 – PINTURA CHINESA RETRATANDO CRIANÇAS

FONTE: ACADEMIC, s/d


72

Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012), comentam a pintura a partir da seguinte


observação:

[...] do lado esquerdo da imagem, a mulher, em pé, amamenta seu


bebê, e quatro crianças ao seu redor saltitam excitadas diante
dos brinquedos que o mascate transporta, como papagaios e um
brinquedo de arco e flecha. Uma das crianças tenta subir na pilha de
objetos, enquanto ele, observando esse menino, parece abaixar a
vara apoiada em seus ombros, que sustenta as mercadorias. Seu
olhar não é de reprovação; é como se a energia dos pequenos o
tivesse contagiado. Ao observar-se atentamente a pintura, é
possível identificar uma quinta criança, do lado direito, quase
imperceptível, tentando alcançar algum brinquedo (KUHLMANN JR.;
FERNANDES, 2012, p. 26, grifos nosso).

Ainda no texto Infância: construção social e histórica, os autores


supramencionados indicam outras obras de arte de outras civilizações para
sustentarem a defesa de que a particularidade infantil pode ser identificada além da
cultura e da sociedade europeia, mostrando assim que a criança sempre ocupou um
lugar dentro do seu contexto ocidental ou oriental, conforme os diferentes momentos
da história da humanidade. Bernartt (2009) complementa ao dizer que em todos os
períodos da humanidade sempre existiram as crianças, porém a projeção do
conceito de infância se dá pela relação das crianças com a sociedade e seus
membros.
Dessa forma, as experiências pelas quais as crianças passam, independente
dos contextos que estão inseridas, são representações que sobressaem a projeção
dos adultos sobre elas, afinal, elas produzem história ao passo que interagem com o
mundo real, participando dos processos sociais, culturais, históricos e apropriando-
se dos comportamentos próprios de seu tempo e lugar. Kuhlmann Jr. (1998)
considera que:

[...] é preciso conhecer as representações de infância e considerar as


crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, reconhecê-las
como produtoras da história. Torna-se difícil afirmar que uma
determinada criança teve ou não infância. Seria melhor perguntar
como é, ou como foi, sua infância (KUHLMANN JR., 1998, p. 31).

Diante de tal afirmação, a tese de Kuhlmann Jr. vai em contraposição a de


Philippe Ariès, pois ele concebe que toda criança tem infância, uma infância
concreta, e dado esse fato, a questão principal de sua tese não é o questionamento
73

se uma criança tem ou não infância, e sim a compreensão sobre qual infância a
criança vivencia ou já vivenciou.
Em complemento a tese de Ariès (1986), é crucial buscarmos conhecer as
diversas formas de interpretar as questões históricas, sociais, políticas e econômicas
que contornam a criança e a infância. A despeito disso, Heywood (2004) discorre
sobre o caráter contraditório e relativo que cerca a história da infância, ele salienta a
inexistência de uma evidência histórica que indique de fato um perfil concreto da
criança na história da humanidade, conforme expresso na citação abaixo:

A natureza contraditória das idéias e emoções relacionadas à


infância é como um fio que percorre a literatura histórica. É
impressionante a freqüência com as palavras ambivalência e
ambigüidade aparecem em relação a períodos muito diferentes da
história, o que pode não surpreender se partirmos do pressuposto de
que as sociedades tendem a abrigar concepções conflitantes a
respeito da infância (sic!) (HEYWOOD, 2004, p. 49)

Heywood (2004) também afirma que a abordagem realizada por Ariès (1986)
e por seus seguidores, é exagerada pois a abordagem mais coerente seria “[...] não
perder de vista as formas mutantes de infância como constructo social” (HEYWOOD,
2004, p. 45). Por conseguinte, este autor relata que Ariès direcionou uma atenção
demasiada a arte sacra, suprimindo as demais representações da criança em sua
vida secular.
Ariès (1986) concluiu que as crianças se misturavam ao mundo dos adultos
mediante o uso de suas roupas, que em nada se diferiam, bem como na
participação dos jogos e nas rodas de conversa, sem a noção de vergonha ou
pudor.

[...] é possível inferir a existência da infância pobre percebida nas


crianças do povo, filhos de camponeses e artesãos, vivendo em
espaços compartilhados com todos, participando das conversas com
os adultos, nas praças com seus folguedos infantis, nas reuniões
noturnas, sem modos e talvez vestidas como adultos. Esta
caracterização das crianças do povo como indivíduos sem modos,
livres, com comportamentos inadequados, deve-se ao fato de que o
conceito de pudor e vergonha são valores que foram sendo
construídos a partir das famílias abastadas [...] (ROCHA, 2002, p.
58).

A autora considera que essa aproximação nas diversas atividades


compartilhadas entre adultos e crianças, sem distinção de classe, servia como uma
74

forma de aprendizado, a partir das experiências vivenciadas nos múltiplos espaços


frequentados pelas crianças.
A respeito do processo educacional Kuhlmann Jr. (1998) relata que os
pensamentos e sistematização dos estudos de alguns teóricos do campo
pedagógico colaboraram para a produção de novas perspectivas sobre o sentimento
de infância enquanto categoria social, dentre os quais se destacam Comenius
(1592-1670), Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746-1827) e Fröebel (1782-1852).
Considerado o pai da didática moderna, Comenius defendeu em sua
Didactica Magna um ensino de tudo para todos. Em sua abordagem havia uma
constante preocupação com o aprender a fazer, fazendo, e não apenas pelos
conteúdos apresentados e memorizados dos livros. Comenius (1997) caracterizou a
infância como um ponto de partida, cuja meta a ser alcançada é a maturidade da
fase adulta, que só é possível mediante um ordenamento de processos, conforme as
fases da vida. De forma alegórica, o autor assemelhou a infância ao crescimento de
uma árvore,

[...] assim como uma árvore frutífera pode se desenvolver por si


mesma, mas ainda silvestre e dando frutos também silvestres; é
preciso que, se devem dar frutos agradáveis e doces, seja plantada,
regada e podada por um agricultor experiente. Do mesmo modo, o
homem desenvolve-se por si próprio em sua figura humana
(COMENIUS, 1997, p. 45).

A partir dessa fala, apreende-se que Comenius considerava a infância como


um lugar a ser completado, educado, em que todas as crianças, podem ser
igualmente educadas por meio do mesmo método, pois todas tem potencialidade
para aprender e percorrer o caminho até o seu amadurecimento (NARODOWSKI,
2006).
Uma característica própria desse método de ensino se reporta as questões de
disciplina, como um elemento fundamental para a aprendizagem e submissão a
autoridade do professor, proveniente das escolas medievais. Todavia, a pedagogia
de Comenius defendia o uso de advertências, repreensão, elogios e até
mecanismos psicológicos de persuasão, ao invés dos castigos físicos, os quais não
deveriam ser usados com frequência, para que as punições tivessem o efeito
esperado.
75

Diferente de Comenius, Rousseau determinava indispensável tratar as


crianças dando-lhes liberdade regrada ao invés de castigos de qualquer ordem ou
natureza, pois só a liberdade poderia gerar resultado na disciplina.

Não deis a vosso aluno nenhuma espécie de lição verbal; só da


experiência ele as deve receber; não lhe inflijais nenhuma espécie de
castigo, pois ele não sabe o que seja cometer uma falta [...]
Desprovido de qualquer moralidade em suas ações, nada pode ele
fazer que seja moralmente mal e que mereça castigo ou
admoestação [...] O constrangimento perpétuo em que conservais
vossos alunos irrita a sua vivacidade, quanto mais comedidos
perante vós, mais serão turbulentos quando escaparem
(ROUSSEAU, 1995, p. 78)

Alicerçado na filosofia da liberdade como um valor supremo para a educação,


Rousseau, propôs o respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo das crianças,
haja vista que a infância é uma etapa com valor próprio, e não um ponto de partida
para uma etapa superior, assim sendo, a educação precisa ser voltada à criança em
sua concretude e não ao conteúdo (ROUSSEAU, 1995).
Entretanto, os apontamentos deste autor no livro Emílio, é realizado mediante
uma idealização de uma criança, na qual suas reflexões, mesmo que subjetivamente
exprimiram um certo caráter homogêneo da criança, que é passível de ser moldada
pela educação que vem da natureza dos homens, responsável pelos desejos
humanos e, da natureza das coisas, referente a aquisição de nossas experiências
sobre os objetos que nos influenciam. Logo, dado o fato de a criança não saber
reconhecer as suas necessidades e desejos, cabe ao adulto guiá-la no tempo de
sua fraqueza para que ela alcance o ápice de suas potencialidades, mas sem
esquecer a concretude humana, inerente a ela.
Bebendo da fonte de Rousseau, Pestalozzi orientou sua visão sobre a
educação, como mola propulsora para aperfeiçoamento dos indivíduos e da
sociedade, proclamou que as crianças tinham direito de desenvolverem as
potencialidades que Deus lhe havia dado, mediante a educação. Para isso, se
dedicou a democratizar o ensino, pôr em prática a teoria elaborada por Rousseau
(1995), colocando a criança como centro desse processo. Uma grande contribuição
que esse educador prestou ao campo educacional foi o impulso do estudo da
educação como ciência.
Angotti (2002) apresenta Fröebel como o pedagogo da infância, que durante a
sua vida se dedicou a descortinar a criança e conhecê-la em seus interesses, em
76

suas condições e necessidades. Diante disso, Fröebel criou o primeiro


estabelecimento educativo destinado às crianças, conhecido como jardim de
infância, cujo objetivo era fazer florescer as potencialidades consideradas naturais
do indivíduo, “[...] em um clima de amor, simpatia e encorajamento” (OLIVEIRA,
2002, p. 67).
Os acontecimentos históricos no campo da educação nos ajudam a perceber
as nuances que perpassam as dimensões da infância, como construção social a
partir das contribuições dos pensadores modernos. Diante disso, Kuhlmann Jr.
(1998) nos leva a refletir que a infância é uma condição própria da criança, logo as
suas experiências são suas representações, porém, o autor destaca que a história
da infância ainda é escrita e contada pelo adulto, sendo assim, é uma história sobre
a criança.

3.4 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO

A partir das explicitações evidenciadas e discorridas acerca da trajetória


histórica do surgimento da infância, podemos identificar a construção de hábitos e
conceitos da sociedade a qual Ariès (1986) se propôs a pesquisar a partir do seu
recorte temporal.
Dissertamos nesta seção uma síntese da tese de Philippe Ariès sobre a
descoberta da infância, onde o autor embasou sua teoria a partir de fontes
iconográficas, sobretudo pinturas medievalistas para afirmar que na sociedade
daquele período a criança não era vista como um alguém partícipe da sociedade,
era alguém por quem não se tinha interesse, e que por esse motivo, os artistas da
época não buscavam representá-las, e quando o faziam, era de uma maneira
disforme.
O autor também pontuou que mediante a nova configuração econômica,
houve uma reestruturação da sociedade, e a criança passou a ocupar um lugar
diferenciado na família moderna, e esse processo foi efetivado mediante o novo
sentimento de infância, que inicialmente foi percebido nas famílias burguesas e com
o passar do tempo, também nas famílias proletárias. Essa transição, na tese
exposta, ocorreu de forma linear, tendo sua consolidação no retorno à educação
escolar: que objetivava educar aqueles que viriam a ser os novos adultos de uma
era moderna, os quais ocupariam legitimamente seu papel social; na fabricação de
77

brinquedos: exclusivo para as crianças, sobre o qual, explanaremos em outra


oportunidade e; no crescimento do sentimento de família.
Todavia, pesquisadores contemporâneos, imergiram nos estudos de Ariès e
encontraram várias lacunas deixadas pelo historiador, sobre as quais se debruçaram
na tentativa de encontrar os retalhos que faltam na costura da história da infância.
Pesquisadores como Heywood (2004), Bernartt (2009), Kuhlmann Jr. e
Fernandes (2012) e Kuhlmann Jr. (1998) revelaram indícios de outras
representações da infância em outras partes do mundo, utilizando inclusive a
iconografia de outras civilizações para comprovar a existência da particularidade
infantil. Imersos na literatura de filósofos e educadores dos séculos XVI-XVIII, os
pesquisadores mencionados acima, identificaram um processo social da construção
da infância que se apresentou de forma sinuosa e heterogênea.
Portanto, é entendível até esse ponto, que o objeto maior de nosso estudo, a
infância, é fruto de uma construção histórica e social, que desvela a multiplicidade
de infâncias vivenciadas pelas crianças, e mesmo na contemporaneidade, novas
formas de vivenciar continuam sendo produzidas pelas crianças, afinal “é preciso
considerar a infância como uma condição de ser criança” (KUHLMANN JR., 1998, p.
15).
Destacamos a necessidade de prosseguir investigando as transformações
referentes ao tema, pois ao lançar como marco inicial a descoberta da infância no
século XII, referindo-se exclusivamente as crianças francesas, meninos nobres e
burgueses, Ariès, deixou algumas lacunas em relação ao processo de
descobrimento das infâncias das meninas e das crianças pobres, inclusive as que
residiam em outras partes do mundo, nesse sentido, entendemos que a infância não
se consolidou de forma hegemônica no mundo e que esse processo de descoberta
continua acontecendo, logo cabe às novas gerações de pesquisadores investigar,
observar, conhecer e registrá-las.
A partir dessa realidade, compreendemos que o surgimento da concepção da
infância brasileira tenha em seu escopo algumas características processuais
próprias, afinal, temos um contexto diferente e pessoas diferentes. Apresentaremos
uma síntese dessas características na próxima seção.
78

Miscigenação, Gustavo Lima


UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

4 O PERCURSO HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO INFÂNCIA


NO BRASIL

A história é um discurso em constante transformação construído pelos his-


toriadores e que da existência do passado não se deduz uma interpretação
única: mude o olhar, desloque a perspectiva, e surgirão novas interpreta-
ções (JENKINS, 2013, p. 35).

Definir o conceito de infância, bem como delinear os contornos de sua


construção não é uma tarefa fácil, pois, seu significado pode variar segundo o
referencial teórico que se escolhe, contribuindo inclusive para a formulação de novas
concepções.
Dito isto, a construção da infância brasileira é marcada por uma sucessão de
fatos complexos e não lineares como da própria história do país. Linhares (2016),
nos estimula a pontuar as distinções culturais e sociais que compuseram a
sociedade brasileira desde a sua colonização portuguesa, pois isso nos ajuda a
entender o tratamento que a sociedade oferecia às crianças africanas que foram
trazidas na condição de escravas, bem como, às crianças indígenas, às nascidas
em solo colonizado – escravas ou livres, às crianças pobres e às nascidas em
famílias abastadas, afinal, cada uma vivenciou concepções de infâncias
diferenciadas dentro de cada contexto que estavam inseridas.
Diante dessa constatação, as contribuições de Priore (1991) – adepta da
Nova História – evidenciam os atos bárbaros aos quais as crianças estavam
expostas diariamente, tais como, abusos sexuais, abandonos, maus-tratos, miséria,
exploração do trabalho e as mais diversas formas de violências cometidas por
aqueles que deveriam protegê-las, a saber, a família, a sociedade e o Estado23.
Apesar de a história não ser linear, conforme já pontuamos, escolhemos
imergir em alguns contextos a partir da colonização do Brasil para elaborar a análise
desse processo de construção conceitual a partir de alguns momentos históricos.
Reconhecemos nossa pretensão em sintetizar a complexa historiografia da infância
brasileira diante das limitações deste escopo textual.

23 É necessário pontuarmos que as perspectivas apontadas por Priore (1991) se referem ao


entendimento atual sobre a visão da criança e da infância, conforme rege a Constituição Federal
de 1988 e o Estatuto da Criança e do adolescente de 1990, e que não se aplicam as crianças
anteriores a esse período.
80

4.1 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: RUMO AO NOVO MUNDO

Em retrocesso, Melo (2020), retoma que as crianças que habitavam as (hoje)


chamadas terras brasileiras antes da colonização portuguesa, eram exclusivamente
indígenas, e destaca que após a colonização, uma nova configuração infantil foi
organizada a partir do prelúdio das viagens marítimas rumo ao Novo Mundo.
A despeito das viagens dos colonizadores no século XVI, destacamos a
presença das crianças na composição das tripulações. As crianças que subiam a
bordo das embarcações eram classificadas nas distintas condições: grumetes24,
pajens25, órfãs do rei26, ou passageiros acompanhados de seus pais.
O historiador Fábio Pestana Ramos, destaca que as crianças eram as que
mais sofriam com as dificuldades diárias do alto-mar, sobretudo, com a insalubridade
das embarcações, as disseminação de mazelas, as pequenas porções de alimento
que causavam inanição, além de ambiente propício aos abusos sexuais, onde os
grumetes e pajens, eram obrigados a tolerarem violentos estupros de marujos e
oficiais, e mesmo as crianças que estavam na companhia de seus pais ou de um
adulto responsável, por vezes também eram violentadas, apenas as órfãs do rei,
eram cuidadosamente guardadas para chegarem virgens à Colônia, o que nem

24 Eram meninos portugueses entre nove e dezesseis anos e algumas vezes, até com menos idade,
oriundos da orfandade desabrigada ou filhos de pedintes das áreas urbanas que alistavam seus
filhos nas tripulações como forma de aumentar a renda da família. Outra forma de recrutamento
dos grumetes era ainda mais violenta. Quando judias as crianças que eram arrancadas à força de
suas famílias, como forma de a coroa portuguesa conseguir mão-de-obra e manter o controle do
crescimento judaico no país. Os grumetes ocupavam cerca de 18% do total na tripulação das
embarcações, e tinha a posição mais baixa na hierarquia marítima, de modo que, dentre os
embarcados, eles tinham as piores condições de vida nas viagens (RAMOS, 2010).
25 As crianças embarcadas como pajens da nobreza tinham a mesma faixa etária dos grumetes, ou
até mais jovens, a maioria era proveniente de famílias pobres, outros vinham de famílias
protegidas pela nobreza e ainda de famílias de baixa nobreza, que viam no alistamento de seus
filhos, uma forma de ascenderem socialmente. O trabalho exercido pelos pajens era considerado
menos árduo em relação ao dos grumetes, e eles possuíam mais chances de alcançar cargos
melhores na tripulação, além de estarem hierarquicamente acima dos grumetes. Esse fato,
todavia, não lhes garantia sua segurança física, pelo contrário, eles também eram vítimas de
abuso sexual cometido pelos oficiais (RAMOS, 2010).
26 Eram meninas pobres, na faixa etária de catorze a trinta anos, órfãs (mesmo se apenas o pai
tivesse morrido), que eram reunidas em orfanatos e logo após, enviadas nas viagens de
colonização, as quais eram destinadas a se casarem com homens de destaques nas possessões
portuguesas. Preferencialmente, mandavam para o Brasil, meninas de até dezessete anos, visto
que a maioria das mulheres acima de dezoito anos, eram prostitutas, e ocupavam lugar nos
orfanatos apenas como uma forma de os magistrados limparem a sociedade das pecadoras
(RAMOS, 2010).
81

sempre acontecia, pois elas estavam em posição vulnerável, igualmente as outras


crianças (RAMOS, 2010).
A história das naus portuguesas mostra um panorama do abandono à moral,
marcada por abusos físicos e sexuais praticados contra as crianças, e por vezes, os
adultos responsáveis por elas tinham conhecimento do ocorrido, e nada faziam.
Esses atos demonstram ainda uma falta de percepção do adulto sobre a criança e
suas particularidades próprias da recém infância concebida.
Diante desse contexto, as crianças que compuseram a infância brasileira,
além das que aqui já se encontravam foram: portuguesas que vieram nas
embarcações dos colonos (pobres, órfãs, de baixa e alta nobreza), as crianças
africanas que foram trazidas como escravas juntamente com outros adultos,
algumas meninas judias (órfãs do rei) e as nascidas em solo colonizado (nativas,
mestiças ou portuguesas).

4.2 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: COLONIZAÇÃO E O ENSINO


JESUÍTICO

Como apresentado na seção anterior, o reconhecimento sintético da infância


ocidental começou a partir da implantação do novo modelo econômico e político
europeu (capitalismo), estabelecidos mediante uma educação moralizadora,
arraigada nos princípios cristãos da igreja católica.
Alguns anos após o início do processo de colonização, novos personagens
ganharam destaque na construção da infância brasileira: os missionários da
Companhia de Jesus27 que vieram para o Brasil com a missão de expandir a cultura
ocidental cristã por meio da conversão dos nativos, afastando outras religiões que
ameaçassem a ortodoxia e o poderio da igreja católica.
Para isso, eles principiaram um sistema de educação religiosa pautado em
ensinamentos rígidos e um forte disciplinamento das crianças da terra. Cabe
ressaltar que esse modelo de educação foi usado como estratégia colonialista em
formar os “[...] futuros súditos dóceis do Estado português e ainda influenciariam a
27 Ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola, um jovem aristocrata e militar, que após
convalescer de um ferimento, passou por uma conversão espiritual e resolveu dedicar-se ao
serviço da igreja católica apostólica romana (PEREIRA, 2007). Os primeiros missionários jesuítas
chegaram ao Brasil em 1549, juntamente com o governador-geral Tomé de Souza e foram
expulsos pelo Marquês de Pombal em 1759, após o governo de Portugal temer o poderio desta no
Brasil, pois a Companhia tinha o domínio sobre os negros, indígenas, a formação moral e
intelectual da elite, além de possuírem uma grande reserva de terras e recursos (CIASCA, 2006).
82

conversão dos adultos às estruturas sociais e culturais recém-importadas” (RIZZINI;


PILOTTI, 2011, p. 17).
É certo afirmar que esses missionários escolheram educar as crianças porque
as viam “[...] como o ‘papel blanco’, a cera virgem, em que tanto se desejava
escrever; e inscrever-se” (PRIORE, 1991, p. 12), sobretudo, porque no entendimento
deles, o adulto indígena era arredio e não aprendia o que lhes era ensinado. Logo,
era favorável ensinar às crianças, pois elas ainda não haviam cauterizado nas suas
mentes os maus hábitos do seu povo e poderiam ser mais facilmente civilizadas,
servindo como meio para civilizar os adultos e as futuras gerações.
Os jesuítas usaram alguns métodos pedagógicos como o ensino da música,
da leitura e da escrita, para doutrinar as crianças na religião e nos bons costumes
cristãos, “[...] revelando a adaptação constante das formas de apostolado dos
padres na busca de ‘outros meios de significação’ que permitissem uma
evangelização mais eficaz” (CHAMBOULEYRON, 2010, p. 59).
Nesse aspecto, a Companhia de Jesus foi peça importante na criação dos
primeiros modelos de escolas implantadas no Brasil. Em mais de dois séculos de
sua permanência na colônia, a atuação deles seguiu o viés educacional,
primeiramente nas casas de educandos e posteriormente com os Colégios28.
A criação dos Colégios, aconteceram de forma diferenciada em cada região,
inclusive eram diferentes dos Colégios da Europa que se fundavam desde 1550,
pois eles tinham um caráter jurídico ambíguo – instituição eclesiástica (confraria) e
instituição civil (cuidava dos órfãos) conforme narrado por Chambouleyron (2010),
que também destacou que as escolas eram abertas aos filhos de portugueses, mas
as rotinas dessas escolas eram distintas das vivenciadas nas aldeias.

Apesar de os primeiros anos do período colonial terem como um dos


marcos a implantação de uma educação (embora de cunho cristão)
voltada para crianças indígenas, mestiças ou filhas de portugueses, a
priori e por que não dizer, durante muito tempo, foram percebidas no
Brasil disparidades gritantes no tratamento direcionado a crianças de
dois grupos sociais distintos, a das famílias de elite e as de origem
pobre (MELO, 2020, p. 2).

Com a expulsão dos jesuítas, o modelo de educação implementado pela


Companhia sofreu uma desestruturação, pois resistente a expoente modernização e
28 As casas eram encarregadas da educação das crianças dos vilarejos e aldeias indígenas onde
aprendiam a religião católica, a ler, escrever e contar, enquanto os Colégios eram destinados a
formação clerical e instrução superior aos filhos das camadas de elite (RIZZINI; RIZZINI, 2004).
83

evolução científica que vinha crescendo na Europa, o país foi ficando atrasado em
relação aos europeus, estagnado em processos rudimentares de escrita e leitura.
Por mais de uma década só restou a lacuna inconsistente de formação acadêmica,
que foi preenchida após esse período pelas Aulas Régias, que eram as aulas
isoladas de francês, ciências naturais, geometria e aritmética.
Ciasca (2006) reitera que diversos fatores contribuíram para uma derrocada
ainda maior na educação das crianças a partir desse novo modelo de aulas isoladas,
entre eles, a falta de mestres capacitados. Todavia, com a chegada da família real,
acendeu-se uma centelha na educação, o que não significou a garantia de educação
igualitária para todas as crianças.
Frente ao exposto, identificamos que os missionários jesuítas enxergavam a
infância como uma fase propícia ao ensino da cultura ocidental religiosa, e que a
partir da própria descoberta da infância difundida na Europa, as crianças eram vistas
sob a ótica cristã que anteriormente a considerava símbolos do mal, ganharam uma
nova configuração como símbolos da divindade angelical (PEREIRA, 2007).
Todavia, vimos que mesmo sob essa nova ótica sentimental e afetuosa, as
crianças, sofreram um duro processo catequético, e por que não dizer, violento, pois
eram duramente punidas fisicamente, além de passarem por uma grave desordem
familiar, social e cultural.

4.3 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: O OLHAR DA MEDICINA E A


VIDA DOMÉSTICA DAS CRIANÇAS

Priore (2010) narra em seu livro História das crianças no Brasil, os cuidados
destinados às crianças desde a preparação dos seus partos, conforme os costumes
de cada povo que compunha a miscelânea brasileira. Esses relatos propiciaram uma
lente para enxergarmos a percepção das famílias em relação as suas crianças.
A autora discorre que os cuidados neonatais com a higiene eram baseados
em asseios com líquidos espirituosos, infusões de folhas ou ainda em banhos de rio.
De um modo geral, se convencionou o emplastramento da cabeça do recém-nascido
feito com uma mistura de ovo e vinho como forma de fortalecê-la, além de enfaixar
firmemente as pequenas crianças em panos para que não sofressem deformidades
e enterrar o coto umbilical, como forma de proteção contra mau-olhado e bruxaria.
84

Sobre isso, Jean-Jacques Rousseau, em sua magnânima obra Emílio; ou Da


educação, no século XVIII, expunha de forma nua e crua sua perspectiva sobre
essas convenções:

Mal a criança sai do seio da mãe, mal goza da liberdade de se mexer


e distender seus membros, já lhes dão novas cadeias. Enrolam-na
em faixas, deitam-na com a cabeça imóvel e as pernas alongadas,
os braços pendentes ao lado do corpo; envolvem-na em toda espécie
de panos e tiras que não lhe permitem mudar de posição. [...] O
recém-nascido precisa distender e movimentar seus membros, para
arrancá-los do entorpecimento em que, juntados numa espécie de
pelota, ficaram tanto tempo. [...] A inação, o constrangimento em que
mantêm os membros da criança, não podem senão impedir a criança
de se fortalecer, de crescer e alterar sua constituição [...].
(ROUSSEAU, 1995, p. 17).

Acreditava-se que os primeiros excrementos liberados dos pequenos corpos


eram “[...] santos remédios e poderoso exorcismo [...] usado para curar manchas ou
infecções de adultos” (PRIORE, 2010, p. 81). Essa prática remete a visão das
crianças como seres angelicais, imagem criada e difundida na iconografia europeia,
que encetou o sentimento de infância descrito por Ariès (1986). No século XXI,
destacamos que no Amazonas, a partir de constatações empíricas, essa prática é
perpetuada por meio da crença das avós.
Com a crescente preocupação da medicina com os altos índices de
mortalidade infantil, novos olhares passaram a constatar a necessidade de estudar
as razões dos óbitos precoces e maneiras de combater essas mortes paulatinas.
Doravante, conforme descrito por Rousseau (1995), no século XVIII, os médicos
passaram a orientar as mães a usarem roupas leves nas crianças, trocar os
emplastros por toucas, usar água e sabão no asseio dos pequenos, não alimentar os
filhos com comidas açucaradas ou engrossadas com farinha, e atentarem para os
sintomas das mazelas infantis e procurarem ajuda médica ao invés de atribuir a
doença à quebrantos e bruxarias (CIASCA, 2006).
Apesar dos novos conhecimentos relacionados a saúde e as formas de
resguardar a vida das crianças, muitas não sobreviviam. As que sobreviviam,
continuavam a receber os cuidados de suas mães e/ou amas.

Os ‘meúdos’, como eram chamados os pequeninos, eram embalados


por acalantos em redes, em xales enrolados nas costas das mães de
origem africana, ou em raros bercinhos de madeira. Essas formas
rudimentares de canto, sobre melodia simples e feitas, [...] para
adormecer a criança, vieram de Portugal. Mas nossos indígenas
85

tinham também acalantos de extrema doçura, como um, de origem


tupi, no qual se pede emprestado ao Acutipuru, o sono ausente ao
curumim. No idioma nhengatu, o acalanto é descrito como cantiga do
macuru, sendo o macuru, o berço indígena. As ‘mães negras’, amas
de leite, contavam por sua vez, aos pequenos tinhosos e chorões,
estórias de negros velhos, papa-figos, boi-tatá e cabras-cabriolas
(PRIORE, 2010, p. 87).

Os cuidados dispensados às crianças pelas mães e amas de leite, mesmo


aqueles cercados de superstições, revelam a importância que atribuíam à infância
dos pequenos. Cuidados que perpassavam o lado físico e seguia ao espiritual, onde
muitas crianças recebiam nomes de Santos como forma de proteção, além do
batismo infantil que era a forma garantir a entrada das crianças no céu depois da
morte, conforme ensinada pelos padres católicos.
A relação entre pais e filhos dividia espaço entre mimos, brincadeiras, risos e
castigos físicos, este último, introduzido pelos jesuítas e desconhecido dos
indígenas, já fazia parte do cotidiano familiar patriarcal moralista, e era usado como
modo de corrigir os maus-feitos das crianças. Priore (2010) evidenciou que muitas
famílias foram desfeitas em virtude dos atos de violência disferidos pelos homens
contra as mulheres que tentavam proteger as crianças de agressões, gerando
profundas marcas de abandono, fome e instabilidade social na infância dos
pequenos.
Podemos observar o constante dualismo entre o entendimento que considera
a infância digna de cuidados específicos e que zelem pela saúde e integridade
física, moral, espiritual e emocional das crianças e, como que andando lado a lado,
um certo desprezo pelas ações descritas. Todavia, é certo que ao expormos essas
convicções, falamos a partir de uma realidade diferente e separada por cerca de
mais de 500 anos, onde pretensiosamente, consideramos o tratamento que damos
atualmente as nossas crianças como sendo melhores que os dados nos séculos
passados. Questionamos: será?

4.4 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA


ÀS CRIANÇAS NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO

Sucintamente, pretendemos historicizar a situação social da infância vivida no


sistema asilar, a partir do século XVIII, destinada às crianças desvalidas, órfãs e
abandonadas.
86

As primeiras iniciativas de atendimento à criança abandonada começaram em


1726 por meio do sistema de institucionalização de bebês abandonados na Roda
dos expostos ou Roda dos enjeitados, que funcionava nas Santas Casas de
Misericórdia. O sistema era de origem italiana, tradicionalmente usado em Portugal,
importado para o Brasil colonial, tinha um viés assistencialista religioso e ficou em
funcionamento por mais de 200 anos no Brasil.
A Roda era um artefato rotatório de madeira com uma cavidade, fixado nas
janelas ou muros das Santas Casas em que a criança era abandonada. O
funcionamento da Roda garantia o anonimato de quem praticava o abandono do
bebê, e era feito de forma simples: o bebê era colocado na parte externa da roda
que ficava para o lado da rua; a Roda era girada levando o bebê para dentro das
dependências da Santa Casa; o/a autor (a) do ato, puxava uma corda que fazia
ressoar um sino, avisando que mais um bebê havia sido abandonado.
Algumas hipóteses circulam em torno das possíveis razões que levavam ao
abandono dos bebês, bem como o perfil social das pessoas que praticavam o ato.
Oliveira (2005) expõe que:

[...] na maioria das vezes, quem deixava as crianças na Roda eram


pessoas pobres, sem condições de criar seus filhos, mulheres da
elite impedidas de assumir filhos ilegítimos ou adulterinos e os
senhores que abandonavam crianças escravas com o propósito de
alugar suas mães como amas de leite (OLIVEIRA, 2005, p. 9).

Os bebês institucionalizados eram cuidados por amas-de-leite externas, que


eram contratadas pelas Santas Casas de cada cidade, e ao completar sete anos de
idade, a criança retornava às Casas, a partir de então, começava-se a procurar um
novo lugar que pudesse acolher a criança, normalmente, em casas de família que
exploravam o trabalho remunerado dos pequenos. Muitos dos que não iam parar
nas casas de família, acabavam indo parar nas ruas.
A situação que se apresenta demonstra que o acolhimento não tinha um
caráter caritativo, pelo contrário, essa política de assistência aos bebês
abandonados “[...] garantia uma camuflada articulação com a oligarquia rural e a
nascente burguesia comercial, que validava e institucionalizava o enjeitamento da
criança desvalorizada (negra, mestiça, ilegítima) e a incorporava ao trabalho como
cria ou trabalhadora não assalariada” (FALEIROS, 1995 apud OLIVEIRA, 2005, p.
11).
87

Esse contexto histórico nos leva a apreender que ainda não se havia formado
completamente uma identidade infantil, pois assim que a criança era considerada
apta a desenvolver atividades laborais como os adultos, o Estado precarizava ainda
mais o atendimento a elas.
A Roda dos expostos serviu por mais de um século como a única política de
assistência à criança abandonada, e apesar de vários movimentos contrários,
sobretudo dos higienistas que observavam o elevado índice de mortalidade infantil
decorrente da precariedade das instituições, esse sistema durou do período
Colonial, passando pelo período do Império e resistindo até parte do período da
República, sendo extinto na segunda metade do século XX.
O século XIX marcou a difusão da reforma higienista no Brasil e esteve
vinculada a cultura da institucionalização das crianças e adolescentes pobres, e
tinha como prioridade, modificar os hábitos anti-higiênicos do período colonial,
através de normas reguladoras do comportamento da mulher, do homem e das
crianças, voltado inicialmente às famílias de elite e posteriormente, à burguesia
citadina como forma de organização dos espaços social e urbano. No que se refere
às camadas pobres da sociedade, as ações se voltaram à profilaxia (prevenção de
doenças da população) pois, as famílias pobres eram consideradas como foco de
possíveis desvios e doenças (OLIVEIRA, 2005).
Esse cenário que entendia a pobreza como a criadora e propagadora das
mazelas sociais, para além das mazelas sanitária, desvela o entrelace das práticas
higienistas com as práticas eugenistas, que aliadas ao processo de modernização
do país, centrou-se na infância, pois visavam produzir uma sociedade sadia física e
moralmente. Sobre esse enredo, “[...] o ideário higienista, compreendido a partir
daquele contexto, desvelou uma demanda a ser atendida a partir de interesses
determinados: a proteção à infância relacionava-se sobremaneira à proteção da
sociedade” (ZANIANI, 2008, p. 143).
Nesse sentido, o higienismo colaborou na segregação, sobretudo das
crianças e adolescentes pobres, sujeitando-os aos asilos, pois assim, poderiam
limpar a sociedade desse mal hereditário. Gualberto (2017) apresenta um panorama
relativo à quantidade de instituições de acolhimento que existiram no final do século
XIX, e contabilizou “30 (trinta) asilos de órfãos, 07 (sete) escolas industriais e de
artífices e 04 (quatro) escolas agrícolas que dedicavam atenção à criança para o
trabalho subalterno” (GUALBERTO, 2017, p. 56).
88

O contexto exposto pressupõe que não houve de fato uma preocupação em


melhorar as condições de vida dessa parcela da sociedade, pelo contrário, as ações
higienistas e eugenistas revelavam que a pobreza caracterizava um problema social
que precisava ser corrigido.

4.5 CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA BRASILEIRA: DO CÓDIGO DE MENORES


AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O século XX foi marcado pela consolidação do novo regime político e


impavidez do sistema capitalista, o qual evidenciou a expansão da população
excluída e marginalizada.
Nesse novo cenário, “[...] a tônica centrou-se na identificação e no estudo das
categorias necessitadas de proteção e reforma, visando ao melhor aparelhamento
institucional capaz de ‘salvar’ a infância brasileira no século XX” (RIZZINI; RIZZINI,
2004, p. 28). A categoria infância que necessitava de salvação era destinada as
crianças oriundas de famílias pobres e desajustadas que eram incapazes de criar
seus filhos moralmente, ou ainda, aquelas crianças abandonadas, em situação de
rua ou institucionalizada. A essas crianças, convencionou-se chamar, menor.

Classificava-se como menor as crianças e adolescentes (pobres)


com até 18 anos de idade. Sobre isto, os estudos de Nina Rodrigues
publicados pela primeira vez em 1894 no livro As raças humanas e a
responsabilidade penal no Brazil (1957), apresentam um histórico do
pensamento dominante a respeito dos negros e mestiços,
considerados inferiores e as ideias que influenciaram a legislação
penal brasileira desde o Brasil Império até a República defendendo a
Escola Penal Positivista em detrimento da Escola Penal Clássica
(VASCONCELOS, 2018, p. 38).

Diante desse cenário e do crescente aumento nos índices de criminalidade


infantil, “Os meios especializados cobravam dos poderes públicos a centralização da
assistência, acusada de não passar de uma ‘caridade oficial’, sem uma orientação
unificada e dentro dos moldes preconizados pelos avanços das ciências”. (RIZZINI;
RIZZINI, 2004, p. 29).
Assim, em 1922 foi organizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à
Infância.
Nesse período – século XX - o país teve um enorme crescimento de
entidades privadas, vinculadas à Igreja Católica, destinadas à atenção
aos órfãos, abandonados e delinquentes, com o intuito de prepará-los
para o trabalho e ensinar doutrinamentos sobre a moral. Em 1923 foi
89

criado o primeiro Juízo de Menores do Brasil e, em 1924, foi


regulamentado o Conselho de Assistência e Proteção dos Menores,
que teve sua consolidação, através do Decreto nº. 17.943-A, apenas
em 1927 (POLETTO, 2013, p. 25).

Nesse ínterim, Zanella (2018) declara que os projetos elaborados e


apresentados para o atendimento ao menor estavam baseados nos moldes
internacionais, os quais permitiam a interferência do Estado sobre as famílias. Aliado a
isso, e sobre a influência do Juízo de Menores do Brasil, representado na pessoa do
juiz Mello Mattos, o Congresso aprovou uma série de leis sobre a infância as quais
foram uma porta aberta para a criação do primeiro Código de Menores.
O Código de Menores do Brasil29 dava início a uma política de atendimento
específico para a criança e adolescente menor de dezoito anos que estivesse em
situação de abandono ou delinquência, submetendo-o às medidas de proteção e de
assistências, conforme referenciadas no código.
Todavia, o modelo que pautou a elaboração do código tinha um viés
direcionado às estratégias de contenção da criminalidade infantil, logo, o interesse
jurídico pairou o olhar sobre a infância pobre na busca pela reabilitação social dos
menores mediante a institucionalização. Poletto (2013) destaca que diversas
instituições foram estabelecidas para o atendimento à infância e adolescência:

O governo federal constituiu em 1940 o Departamento Nacional da


Criança. Em 1941, criou o Serviço de Assistência a Menores (SAM)
através do Decreto n°. 3.799, subordinado ao Ministério da Justiça,
possuindo um caráter correcional-repressivo, e que adotava
internações, assemelhando-se a um sistema penitenciário. Em 1942,
foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA) que inicialmente
teve a finalidade de ajudar, especificamente, as famílias dos soldados
enviados à Segunda Guerra Mundial. Com o final da guerra, tornou-se
um órgão de assistência às famílias necessitadas em geral, sendo
extinta em 1995 com o apoio da sociedade brasileira [...] Destaca-se
ainda nos anos 40, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) e o Serviço Social do Comércio (SESC), entidades da
iniciativa privada que oferecia programas para a formação profissional
de mão de obra de adolescentes [...] Organização das Nações Unidas
(ONU), criou em 1946, o UNICEF, que, dois anos após sua criação,
instala-se no Brasil (POLETTO, 2013, p. 26-27).

29 “O Decreto n° 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, estabelecia o primeiro Código de Menores do


Brasil que ficou conhecido como Código Mello Mattos – nome do primeiro juiz de menores. O
Código de Menores de 1927 dividia-se em mais de 200 artigos e era bastante minucioso na
aplicação das medidas aos infratores, estabelecia regras e proibições referentes ao trabalho
infantil, além disso, no primeiro capítulo da lei, determinava como penalmente inimputáveis os
menores de 18 anos” (ZANELLA, 2018, p. 331).
90

Zanella (2018) apresenta que a questão do menorismo enquanto fenômeno


social, ganhou força durante o Golpe Militar de 1964, nessa época foi criada a
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em substituição ao SAM.
Todavia, ambas instituições não se sustentaram, pois os trabalhos realizados não
conseguiram “[...] se contrapor ao modelo correcional-repressivo [...]” (OLIVEIRA,
2005, p. 40).
Na década de 1970, em contraposição aos árduos momentos vividos no
governo ditatorial, surgiu ao final desta década, o Movimento de Defesa do Menor, em
contraponto à institucionalização do governo vigente. Já nos anos 1980, os
movimentos dos educadores sociais, ganharam as ruas e a partir dessa presença
efetiva, os meninos e meninas que habitavam esses espaços, passaram a contar com
o apoio do movimento (OLIVEIRA, 2005).
Os movimentos sociais que buscavam a redemocratização do país, se
tornaram na Constituição Federal de 1988, uma pedra angular do Estado Democrático
de Direitos e pela primeira vez na história das constituições brasileira, a infância foi
tratada como uma questão pública.

Esse texto, que previu os primeiros direitos aos cidadãos brasileiros,


motivou também a instauração do Estatuto da Criança e do
Adolescente, o qual, através de movimentos e manifestações sociais,
procurou o estabelecimento da ordem e do reconhecimento da
infância e juventude, priorizando o cuidado e a proteção para estes
sujeitos, ainda em fase de desenvolvimento (POLETTO, 2013, p. 28-
29).

Os anos de 1990 marcam a implementação do ECA, que colaborou para


diversos avanços na garantia de direitos da infância e adolescência reestruturando

[...] mudanças na lei em relação à questão da internação, dependendo


da natureza da medida aplicada: o abrigo, como uma medida de
caráter provisório e excepcional de proteção para crianças em
situações consideradas de risco pessoal e social; e a internação de
adolescentes em instituições, como uma medida sócio-educativa de
privação de liberdade (sic!) (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 48).

Conforme exposto, vislumbramos que crianças eram institucionalizadas em


asilos, internatos, entre outros, pois na verdade, o sentimento em relação a infância
pobre era baseado no medo da ameaça constante que essas crianças poderiam
causar no ideário de modernização do país, por não agirem em consonância aos
novos moldes exigidos para o convívio e urbanidade.
91

Todavia, a partir de diversas manifestações populares de redemocratização, o


povo brasileiro conquistou direitos fundamentais a sua existência e sobrevivência em
sociedade, e esses direitos alcançaram as crianças e adolescentes, alterando a antiga
concepção de criança problema e concebendo-as como sujeitos cheios de
potencialidades, que precisam ter garantidas e efetivadas as possibilidades para
atuarem sobre seu futuro. Oliveira (2005) ressalta que a lente para reconhecermos
essas potencialidades nas etapas de desenvolvimento da criança e do adolescente é
a que nos leva a vê-los com absoluta prioridade, ou seja, como seres humanos.

4.6 SISTEMATIZAÇÃO DA SEÇÃO

Discorremos nesta seção alguns fatos históricos que corroboraram para a


construção do conceito infância no Brasil. Para isso, valemo-nos de um recorte de
tempo delimitado a partir do século XVI, indo até o século XX, pois consideramos
imprescindível trazer as perspectivas do olhar para a infância desde a colonização do
Brasil, de modo a compreendermos a sua constituição e transformação social desde o
período colonial até a passagem para o período republicano.
Ao analisarmos os marcos sociais e políticos que ajudaram a construir o
conceito de infância no Brasil, identificamos que a infância no Brasil colonial foi
composta pela miscelânea de crianças indígenas, que já estavam aqui antes da
colonização, crianças portuguesas, que vieram com os colonizadores, crianças
africanas e judias, bem como as que nasceram na terra colonizada. Conforme o
modelo europeu, considerou-se necessário educar as crianças, mediante a
escolarização pautada no viés religioso dos missionários jesuítas, que educavam por
intermédio de um duro e violento processo de catequização.
Nesse mesmo dualismo, se caracterizava a infância percebida nas famílias
moralistas, um cuidado com o bem-estar físico, mas sobretudo com o espiritual e os
castigos físicos utilizados como medidas de podar o caráter e gerar respeito. Todavia
a partir do século XVIII ao século XX, a infância brasileira é marcada pelo abandono e
pela institucionalização das crianças e adolescentes pobres, como forma de
higienização da sociedade que via a pobreza como a criadora e propagadora das
mazelas sociais e que colocaria em risco a ordem e o progresso que ascenderiam o
Brasil à Modernidade.
92

Meninos soltando pipas, Portinari, 1940


UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os elementos de tensão, as concepções e práticas que representam maus-


tratos ou cuidados atenciosos, que favorecem ou que minimizam as
potencialidades e as capacidades dos pequenos, que discriminam ou que
lutam pela igualdade social não são categorias estanques, de tempos
longínquos, mas estão presentes nas relações entre os grupos etários ao
longo da história (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2012, p. 37).

Considerando a complexidade dos processos históricos, não tivemos a


pretensão de simplificar a história da infância delimitando-a as seções que
apresentamos nesta monografia, antes, nossa intenção foi discutir a construção
ideológica do conceito infância a partir da perspectiva histórico-crítica de maneira a
categorizar e sistematizar pesquisas e principais bibliografias sobre o tema,
identificando os marcos históricos que compreendem a infância brasileira.
Mirando no objetivo proposto, iniciamos nossa caminhada instigadas pelo
seguinte questionamento, quais interesses políticos, econômicos e sociais ligados à
formulação do conceito de infância, tornaram o termo uma construção social
hegemônica no sistema capitalista? No transcurso dos 20 meses dessa empreitada,
muitos caminhos surgiram nos convidando a trilhá-los. Escolhemos então como
pontapé inicial, coletar arcabouço teórico utilizando o descritor “história da infância” no
repositório CAPES, onde recebemos um total de 134 pesquisas de mestrado e
doutorado, e conforme critérios estabelecidos, selecionamos 41 pesquisas para
análise. As análises descritivas e críticas do material estudado, foram expostas na
segunda seção deste TCC.
Como resposta ao primeiro objetivo específico discorrido na segunda seção
desta pesquisa, desvelamos que a prevalência das pesquisas sobre a infância e a
história da infância tem sido objeto das dissertações de mestrado, decorrentes entre
os anos de 2003-2019, defendidas sobretudo nos Programas de Pós-Graduação em
Educação, o que revela o fato de a criança ainda ser considerada como objeto quase
que exclusivo de estudo nessa área. Todavia, ressaltamos que os estudos sobre a
criança e a infância tem conquistado, ainda que timidamente, novos campos de
pesquisa, entre os quais citamos: História, Sociologia e Direito, o que possibilita
estudar a infância em diferentes perspectivas (MOLINA, 2011).
Mediante a leitura e aferições das pesquisas selecionadas, que agrupamos em
12 eixos temáticos, pudemos observar que os pesquisadores contemporâneos
94

brasileiros têm usado como recorte temporal a passagem do século XIX ao século XX,
para explicarem a construção da concepção de criança e infância no Brasil,
ressaltando como cada época concebeu o conceito infância e como se organizaram
em torno da criança.
Evidenciamos que no decurso dos séculos supracitados a criança era vista a
partir de sua classe social, vivenciando a infância que teoricamente lhe cabia, ou seja,
a criança pobre, era sempre retratada como alguém sem perspectiva de futuro,
desafortunada, um mal hereditário e problema social, vista sob a alcunha do menor
(PINHEIRO, 2013). Nessa concepção, e à luz da era Moderna que eminentemente se
apresentava, o governo brasileiro criou políticas de proteção à infância pobre, ou seria
uma política de proteção social contra a infância pobre?
Essa não tão nova forma de tratamento as crianças proletárias, tornou incisiva
a institucionalização de meninos e meninas, tendo como base a pobreza como
sinônimo de delinquência, ou seja, um mal que precisava ser extinguido de uma
sociedade que aspirava alcançar patamares idênticos aos que vigoravam no
continente europeu – a modernidade e afirmação do sistema econômico capitalista.
Por outro lado, a criança da classe dominante era considerada a mais bonita,
ingênua, digna de cuidados e de receber uma boa educação, pois esta teria um futuro
promissor herdado como legado de família. A similaridade percebida ao tratamento
das crianças é referente à educação marcada pela moralização social e diferenciação
no tratamento conforme o gênero de nascimento. Destaca-se que a infância acabava
em idades diferentes, para os meninos aos 15 anos, quando ingressavam no mundo
do trabalho, e para as meninas aos 12, quando assinavam contrato matrimonial. Uma
grande diferença na educação dos meninos e meninas, é que estas, não tinham
acesso à cultura escrita, diferente dos meninos que poderiam alçar patamares
educacionais mais elevados.
A educação para a criança pobre reproduzia as marcas do trabalho infantil, que
era legitimado pelas políticas de assistência, na tentativa de garantir o caráter ordeiro
dos menores, incutindo os valores próprios da burguesia na preparação da mão de
obra considerada passiva e barata, já que a prática do trabalho em si não era
questionada, todavia, os pais questionavam as condições do trabalho impostas às
crianças.
Na terceira seção apresentamos os resultados referentes ao segundo objetivo
específico, que sistematizou o conceito de infância a partir da tese de Philippe Ariès e
95

das antíteses de autores que elaboraram a crítica a respeito dela. Evidenciamos no


corpo do texto que Ariès (1986) orientou suas análises sobre a infância a partir de
estudos iconográficos da sociedade medieval. O autor apontou que o reconhecimento
da particularidade infantil, nasceu com o advento da modernidade, e que anterior a
esse período, a criança era invisibilizada nas representações de arte, ou apresentada
de forma distorcida, fato que ele presumiu como a ausência de um sentimento de
infância.
A descoberta da infância pontuada pelos estudos de Ariès ocorreram de forma
harmônica e processual, etapa por etapa, século a século. Em um primeiro momento,
a infância representava a submissão da classe proletária à superioridade da
burguesia. Em segundo momento, remete a representação da infância sagrada nas
pinturas, como o progresso da consciência do sentimento infância. Todavia, foi com a
modernidade que a infância foi abastecida com características próprias, como no uso
das vestimentas pensadas para atender as necessidades das crianças, não ainda de
forma abrangente, mas primeiramente os meninos nobres.
O ápice do sentimento de infância foi marcado pelo século XVIII, com o
direcionamento da educação de cunho moralista e religioso, que via a criança como
um ser imaturo, que necessitava de um direcionamento do adulto para superar a
infância e alcançar a emancipação. Nesse viés, a infância era considerada um
contraponto à razão humana madura. Diante disso, a educação era diferenciada às
camadas sociais e entre meninos e meninas. Essa diferença na verdade, ressalta a
centralidade do sistema capitalista.
Sobre a perspectiva exposta por Ariès, que é amplamente difundida em
estudos sobre a infância no Brasil e em vários outros países, surgiram críticos que
apresentaram sua contraposição. Entendendo que a infância é uma categoria
culturalmente construída, Heywood (2004), questionou o fato de Ariès (1986) ter
deixado essa característica de lado, e ter focado em analisar pinturas de crianças, ao
invés de recorrer à criança concreta, da sociedade, fosse pobre ou abastada.
No Brasil, Kuhlmann Jr., um dos principais críticos a tese de Philippe Ariès,
apresentou imagens da mesma época e de épocas anteriores as dissertadas por Ariès
(1986), para demonstrar que outras civilizações representavam a criança de forma
diferente das pinturas francesas medievalistas, dando-lhes ênfase nas brincadeiras,
em atividades cotidianas, na proporção do corpo.
96

Ou seja, a pintura francesa não pode ser usada exclusivamente como o único
parâmetro para discorrer que a infância, no sentido do reconhecimento das
particularidades infantis, surgiu na Europa e, nem pode afirmar que a criança não
tinha um lugar de centralidade e protagonismo na sociedade de outras partes do
mundo.
À face do exposto, a infância descrita na perspectiva eurocêntrica, reverberou
na construção do conceito no Brasil especialmente no que tange aos pressupostos
educacionais, postulados nos estudos de Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Fröebel,
que ganharam grande visibilidade na organização escolar brasileira. Vimos que
Comenius entendia a infância como um lugar a ser completado, educado para atingir
a maturidade, mesmo que para alcançar esse fim, fosse necessário lançar mão de
disciplinas e punições físicas e psicológicas.
Pestalozzi viu na educação da criança a possibilidade do aperfeiçoamento
individual e da sociedade, desde que todos tivessem garantido o direito à mesma
forma de educação. Conquanto, para Rousseau, a educação servia à liberdade, e a
infância tinha seu valor próprio a criança concreta. A esse respeito, Fröebel se
dedicou a conhecer as necessidades das crianças e os seus interesses e, para isso,
criou os jardins de infância, uma instituição educacional voltada ao atendimento das
crianças, pautada no afeto e cuidado.
Vemos assim, que o surgimento da categoria infância como conceito construído
socialmente perpassa as imagens analisadas por Ariès (1986), e mostram-se como
um processo heterogêneo, pois não foi/é vivenciado igualmente por todas as crianças.
Consoante, Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012) afirmam que toda criança tem infância,
não a infância idealizada pelo adulto, mas a concreta, própria da classe que pertence,
do tempo e espaço que vive, da sociedade que está inserida. Logo, a infância é uma
construção social.
Na quarta seção, focamos na construção da infância brasileira a partir da
identificação de alguns marcos históricos que evidenciam que essa história foi regida
por fatos complexos, os quais compõem as múltiplas infâncias vividas pela
miscigenação de crianças que foram registradas desde o processo de colonização. No
Brasil, a infância foi entendida como um problema que colocaria em risco o protótipo
de sociedade planejada pela monarquia e depois pela república, e/ou solução caso
fossem educadas para constituírem-se um adulto ideal aos propósitos políticos da sua
época.
97

Com esse entendimento, foi desenvolvido um dos primeiros modelos


educacionais que trazia em seu bojo o viés da moral e da religião, e tinha como alvo,
as crianças indígenas, mestiças e filhos de portugueses. A educação escolar ficou a
cargo da Companhia de Jesus, que via a infância como época propícia ao ensino da
cultura religiosa, por serem mentes vazias onde poderiam incutir os ensinos de
música, letras, escrita, aritmética e as ideologias da coroa. A Companhia criou
colégios que funcionavam como instituição eclesiástica e civil (destinada ao cuidado
dos órfãos). Logo, esse sistema foi desenvolvendo disparidades na educação,
conforme a classe social das crianças.
Além da preocupação com a educação das crianças, houve também o
despertar do olhar da medicina para os cuidados de higiene e prevenção de doenças,
haja vista o alto índice de mortalidade infantil na época. Sobre essa preocupação,
Piore (2010) expôs que as mães e amas-de-leite tinham um cuidado com a saúde das
crianças desde o nascimento, fato que revela a importância que elas atribuíam a
infância, que não se restringia só a saúde, mas também na relação afetuosa de
mimos e brincadeiras, sem a presença de castigos físicos como forma de disciplinar,
principalmente nas famílias e sociedades indígenas. Por outro lado, o dualismo entre
brincadeiras e castigo físicos era constante nas famílias patriarcais moralistas.
Se por um lado existia um olhar mais afetuoso direcionado às crianças do
Brasil-colônia, por outro, era crescente o número de crianças abandonadas
(consideradas órfãs) nas ruas e vielas das cidade, pelos mais distintos motivos, assim,
para sanar esse novo problema foi implantado um sistema de assistência que ficou
conhecido como Roda dos Expostos que acolhia e institucionalizava as crianças nas
Santas Casas de Misericórdia, em seguida as crianças eram direcionadas as famílias
caridosas que abrigavam-nas e exploravam o trabalho dos pequenos. Esse fato revela
que ainda nos séculos XVII, XVIII e XIX, a identidade infantil ainda não havia se
consolidado na sociedade brasileira.
O século XX marcou a difusão da reforma higienista e ampliou a cultura da
institucionalização da infância pobre, com o pretexto de modificar os hábitos de
higiene e colaborar na diminuição do índice da mortalidade infantil. Porém o que se
viu foi a crescente segregação das crianças paupérie em asilos. Essas ações
explicitam que não havia de fato uma preocupação ou vontade de melhorar a vida das
crianças, o que existia era o interesse em proteger a sociedade rica das mazelas
98

sanitárias e sociais que colocaria em risco o avanço do novo sistema político e


econômico.
Com a consolidação do sistema capitalista no Brasil do século XX, ampliou-se
o número da população infantojuvenil posta à margem da sociedade, em situação de
rua e mendicância, fato que promoveu o aumento no índice e criminalidade juvenil. À
guisa de resolver mais um problema que a infância pobre apresentava, foi criado o
primeiro Código de Menores que trazia pressupostos legais de contenção da
criminalidade infantojuvenil, como política de atendimento a esse público,
principalmente durante o golpe militar.
Em contraponto ao governo ditatorial, surgiram os diversos movimentos sociais
que lutaram pela redemocratização do Brasil. Essa conquista teve como ponto alto a
promulgação da Constituição Federal que abriu as portas para a infância ser tratada
como questão pública. A Constituição subsidiou a promulgação do ECA, o qual é
considerado um avanço na garantia de direitos da criança, e colaborou para alterar o
antigo conceito de criança problema para alguém com fortes potencialidades de
desenvolvimento humano.
Mediante a historiografia apresentada, vimos que por vezes estamos
relacionando a infância apenas à fase biológica, onde já está definido como as
crianças devem se comportar, como falar, como pensar, dentro de cada idade
cronológica, e queremos concertá-las quando não se enquadram nelas. Outras vezes,
ignoramos as fases biológicas e tendemos a considerar a infância apenas como um
construto histórico e social, afastado das particularidades da criança concreta e nos
perdemos também, causamos-lhe mal. Logo, não é preciso negar nem as fases
biológicas próprias da infância e nem as características sociais, pois a criança é um
ser completo, porém inacabado, como todo ser humano, formado pelas características
biológicas, mas também pelo coletivo social.
Por fim, a trajetória histórica percorrida nesta monografia nos possibilitou
concluir que o conceito infância é amplo e não estático, é passível de alterações a
depender do tempo e lugar que se encontra, por isso não podemos atribuir-lhe um
único significado, ou uma concepção, pois este conceito é vivido pela criança
concreta. Reforçamos ainda que o nosso olhar de estranhamento às múltiplas formas
de viver a infância está atrelado a idealização construída socialmente. Logo, a infância
é intrínseca à toda criança, mas não é vivenciada da mesma forma, ela é única para
quem a vive.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA

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