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©DENISE KIRKMAN

Um Natal Escocés
Título original: Una Navidad a la escocesa
Tradução: Rosângela Mazurok Vieira
Revisão: Vanessa Rodrigues Thiago
Publicaciones Liberty
1º dezembro 2022

Todos os direitos reservados.


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Índice

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Notas
Capítulo 1

Berkshire, 31 de dezembro de 1810

— Você sabe exatamente com quem vou me casar, vovô. Está


brincando comigo por diversão, mas nenhuma piada pode

mudar o fato de o Major Barrow ser meu marido um dia.

Enquanto falava, Lady Payton Blackwell olhou para seu avô,


meio divertida, meio exasperada. Vovô Mackenzie estava reclinado

em sua cadeira perto do fogo, coberto com um cobertor, na pequena

sala da mansão do pai de Payton. Vovô sempre ocupava o lugar


mais quente da sala, por deferência aos seus velhos ossos, mas ele

não era de ficar parado.

Seu rosto delineado mantinha sua alegria habitual, seus olhos

azuis brilhavam. Vovô Mackenzie gostava de insinuar e brincar,


fingindo uma conexão com as bruxas escocesas em Macbeth, que,

segundo ele, lhe deram o dom da clarividência.

— O que eu digo é verdade, garota. — Vovô acenou com as

mãos largas e vigorosas, que sua avó, que ela descanse em paz,

afirmava poder empunhar uma espada forte e depois tocar uma


melodia no cravo tão vividamente que não se podia deixar de

dançar. Na verdade, o avô costumava sentar-se sempre em frente

ao piano, tirando dele uma música alegre.

O vovô também tinha sido um grande dançarino, de acordo com


a vovó, e todas as garotas competiram por uma chance de dançar

com ele. Quando Connor Mackenzie olhou para ela pela primeira

vez, vovó queria desmaiar, mas é claro que ela nunca lhe contou.

— Escreva minhas palavras — vovô continuou. — No

Hogmanay[1], o primeiro visitante a cruzar a soleira se casará com a


filha mais bonita da casa. Hogmanay começa à meia-noite, e a

garota mais bonita desta casa é você.

— Talvez. — Payton voltou a bordar, uma tarefa que ela não

gostava. — Mas você sabe que eu já tenho um compromisso com

David. Não há necessidade de nenhum homem vir me procurar.


Haverá outras garotas: mamãe e papai convidaram todos os seus
conhecidos.

— Mas você ainda não está noiva. — Os olhos do avô

brilharam com uma luz maliciosa que seus setenta anos não haviam
ofuscado. — Não há nenhum anúncio nos jornais, nenhuma data

para o bendito evento, e você não tem um anel no dedo.

— Há o pequeno problema da guerra com a França. — Payton

percebeu que ela havia estragado seu padrão de bordado. Suspirou,

irritada, e removeu os pontos. — O Major Barrow está um pouco

ocupado no continente no momento. Quando Bonaparte for

derrotado, haverá muito tempo para eventos felizes.

Seu avô não disse nada. Payton ergueu os olhos de sua

costura e o viu olhando para ela, sem nenhum traço de diversão em

seu rosto.

— Estou ouvindo bem? — Perguntou o velho. — Você está

tratando suas núpcias como se estivesse decidindo qual campo

plantar na primavera. Na minha época, garota, nós pegávamos a


mão da moça pela qual nos sentíamos atraídos e nos certificávamos

de mantê-la ao nosso lado por toda a vida. Não importa quantas

guerras estávamos lutando na época, e quando eu era jovem, os


escoceses das Highlands eram perseguidos apenas por usar tartan

ou falar nossa língua nativa. Isso não impediu que eu e Alice


fugíssemos juntos, não é?

Vovô adorava falar sobre seus dias selvagens na urze, como

ele e vovó nunca deixavam nada atrapalhar sua grande paixão.

Os tempos haviam mudado, Payton refletiu com tristeza. A

guerra com Napoleão se arrastava, a preocupação constante de a


França invadir aquela costa pairava sobre eles como uma

tempestade distante e malévola. Ela e David teriam que esperar até


que as coisas fossem resolvidas; quando David voltasse para casa
definitivamente, haveria muito tempo para fazer planos para a vida

deles juntos.

O pensamento de que ele nunca mais voltaria, que um projétil


de artilharia francesa poderia acabar com sua vida, ou que uma

baioneta perfuraria seu coração, causou um arrepio repentino em


Payton.

Ela estremeceu e cobriu as imagens com um véu. Não

adiantava se preocupar.

Ela perdeu outro ponto e afastou o bordado de lado.

Vovô conseguia distraí-la como ninguém.


— David está em Portugal — ela o lembrou. — Ele

provavelmente não será o primeiro visitante esta noite. Mas algum


dia, talvez.

— Claro que não é provável que seja. — Vovô franziu a testa

para Payton como se ela tivesse ficado boba de repente. — Ele é


loiro, não é? O primeiro visitante que entrar na casa no Hogmanay

tem que ser moreno. Todo mundo sabe disso.

— Sua noiva mora aqui? — O capitão Grayson Conelly limpou a


neve de seu chapéu enquanto descia da carruagem e olhava para a

vasta mansão em estilo enxaimel diante dele, um resquício dos dias


sombrios de cavaleiros e reis sanguinários.

— Nós não estamos noivos — disse Barrow rapidamente. — É

um acordo de quando éramos crianças. Isso levará a um


compromisso no devido tempo. Provavelmente. Sempre tem sido
assim.
Barrow não parecia tão entusiasmado como um homem que
volta para casa para visitar sua prometida de infância. Grayson
estudou seu amigo, mas o rosto ingênuo de Barrow não estava

preocupado.

Embora fosse quase meia-noite, todas as janelas da casa


estavam iluminadas, e um fogo ardia nos campos além. Grayson

teria preferido caminhar até a fogueira e compartilhar uma bebida ou


jarra com os aldeões que sem dúvida estavam dançando e se

divertindo.

A casa parecia bastante aconchegante, apesar de sua

arquitetura antiga. Luzes brilhavam atrás das grandes janelas de


vidro, dando boas-vindas à noite fria. A neve estava espessa e a
noite tão fria que nenhuma nuvem manchava o céu. Todas as

estrelas eram visíveis, como um tapete que se estendia até o


infinito. Ainda melhor que a fogueira, seria um lugar no telhado e

uma luneta para ver o céu.

Um par de lacaios correu para pegar as malas do


compartimento na parte traseira do coche. Ambas as malas eram

pequenas, como convém a soldados que aprenderam a viajar com


pouco.
A carruagem foi encaminhada ao pátio do estábulo, o cocheiro
pronto para se aquecer e beber. Os lacaios correram para dentro da
casa e desapareceram, fechando a porta da frente atrás deles.

Grayson saltou para frente para agarrar a porta, mas ela se


fechou antes que ele a alcançasse.

— Que diabos…? — Grayson sacudiu o trinco, mas a porta


estava trancada. — Eu chamo isso de uma recepção ruim.

Para sua surpresa, Barrow riu.

— A família de Lady Payton mantém as tradições escocesas.


Um visitante que chega depois da meia-noite no Ano Novo... não,

devemos chamá-lo de Hogmanay para seguir seus costumes

pitorescos. Um visitante que chega depois da meia-noite em


Hogmanay tem que implorar para ser admitido e deve trazer

presentes. Eu os tenho aqui. — Barrow ergueu um saco de lona. —

Sal, carvão, uísque, pão fatiado e bolo preto.

— Bolo o quê?

— Bolo preto. Um bolo de frutas embebido em uísque. Não é

comida ruim. Foi-me dado por uma escocesa, esposa do dono do

nosso alojamento quando chegamos.


Grayson se perguntou por que Barrow insistia em viajar para

esta estalagem, bem fora do caminho, já que a aventura levava um


tempo precioso.

Barrow sorriu.

— Toda essa confusão é para mostrar que não somos vikings


vindo para saquear a família. É muito divertido, não é?

Grayson tinha uma ideia diferente de entretenimento.

— Devemos ficar tremendo aqui fora enquanto eles decidem se

nos deixam entrar? Há um bom fogo lá. — Grayson apontou para o

fogo saltando alto no campo, as sombras dos foliões ao redor.

— Eles estarão esperando por nós. Você vai ver.

Barrow foi até a porta que os lacaios bateram em seus rostos e

bateu nela.

— Abra, bons vizinhos. Dê-nos ajuda. — Barrow lançou a

Grayson um olhar alegre. — Devemos entrar no espírito da casa.

Grayson ouviu o clique de fechaduras, e então a porta se abriu


ligeiramente.

— Quem está aí? — Entoou a voz áspera de um homem mais


velho.
— Deixe-nos entrar, bom senhor. — Barrow ergueu o saco. —

Nós trazemos presentes.

A porta se abriu ligeiramente para revelar um homem magro e

encurvado, envolto no que parecia ser um longo xale. Grayson

sentiu várias pessoas espiando atrás dele.

— Então entre, entre. Fique longe do frio. —O homem

acrescentou algo em um idioma que Grayson não entendeu e abriu


a porta.

Barrow começou a avançar, mas parou.

— Não, espere um minuto. Você deve entrar primeiro, Grayson.

Um homem alto e moreno traz a melhor sorte.

Barrow recuou e empurrou Grayson em direção à porta. Ele

tirou o chapéu e respeitosamente passou para o corredor.

Calor e luz o cercaram. No silêncio, ele ouviu uma respiração

afiada.

Atrás do velho escocês em seu xale xadrez, na porta de um

quarto, estava uma jovem. Ela era bastante alta, mas com uma
silhueta curvilínea. Seu cabelo era tão escuro que era quase preto,

e seus olhos eram de um azul surpreendente, como lápis-lazúli. Eles


combinavam com os olhos do velho, no qual Grayson parou de

prestar atenção.

Esta beleza, em um vestido de seda e bordados prateados


brilhantes, estava olhando para ele com alarme, mas também

admiração.

— É um prazer ver a todos — Barrow disse. — Grayson,

permita-me apresentar Lorde e Lady Blackwell; os donos da casa.

Sr. Mackenzie, pai de Lady Blackwell, e é claro que esse anjo


perfeito é Lady Payton Blackwell, a única filha de Lorde Blackwell, e

a responsável por eu manter alguma ordem durante o caos da vida

no exército. Lady Payton, permita-me apresentar o capitão Grayson

Conelly, o amigo mais querido que um homem pode imaginar. Ele


salvou minha vida uma vez, como você sabe.

Lady Payton se aproximou, deslizando como um fantasma no

vento. Grayson pegou a mão dela. Seus olhos não deixaram os dele

quando se curvou para ela, e seus lábios permaneceram separados

com seu suspiro inicial.

Grayson olhou para ela e ficou perdido.


Capítulo 2

O
capitão Conelly olhou para Payton com olhos
cinzentos como o inverno e tão frios que ela não

conseguia respirar. Havia uma faísca no mais profundo


de suas pupilas, brilhando como um raio de sol no
gelo.

No entanto, ele não era um homem frio, ela soube

imediatamente. Ele estava segurando seu calor, sua animação,


sendo educado. Claro que sim: David o arrastou até aqui,
provavelmente esperando encontrar uma família inglesa comum no

Natal, apenas para se ver perdido no meio dos excêntricos


Blackwells e Mackenzies.

Payton forçou seus membros a se curvarem.

— Boa noite, capitão Conelly — disse com dificuldade.

Ele dirigiu seu olhar para a mão dela, que ainda segurava, com

os dedos de Payton envoltos em suas grandes luvas. Então ele a


soltou, um pouco rudemente, ela pensou, mas Payton estava muito

abalada para se incomodar.

— Cumprimente como se deve, Payton — disse o avô, abrindo

caminho com os ombros, apoiando-se em sua robusta bengala de

freixo e dando um aceno de cabeça ao capitão Conelly. — Você já


sabe como.

Payton engoliu em seco, com a mandíbula apertada, e repetiu

as palavras que o avô lhe ensinara anos atrás.

— Bem-vindo, primeiro visitante. Por favor, aceite nossa

hospitalidade.

Por que ela estava tão nervosa? — Payton se perguntou. Vovô


não poderia ter previsto que David iria recuar e deixar seu amigo

entrar na casa primeiro, apesar da conversa de hoje. Vovô não tinha

realmente o dom da clarividência, ele apenas fingia.

A presença do capitão Conelly não significava nada,

absolutamente nada. Depois da guerra, David a pediria em

casamento, como esperado, e a vida continuaria.

Então, por que seu coração pulou uma batida quando ela olhou

para a figura alta do capitão Conelly, por que uma sensação de


alegria, até mesmo alívio, tomou conta dela? Por um instante, ela
acreditou na previsão do avô e se sentiu... feliz?

Havia uma tendência à loucura na família da mãe de Payton, ou

assim diziam as pessoas. Era por isso que vovô Mackenzie dizia as
coisas estranhas, por que sua mãe, uma escocesa gentil, mas

pobre, conseguira seduzir o rico conde de Blackwell, um solteirão

cobiçado em sua juventude. A mãe de Payton o havia encantado,

segundo as pessoas, com seus cabelos escuros e os intensos olhos

azuis dos habitantes das Ilhas Ocidentais. Até agora, sua filha e seu

filho ainda não tinham demonstrado a insanidade do lado Mackenzie


da família, felizmente.

Só porque Payton, por sua vez, aprendeu a escondê-lo, ela

percebeu. Se tivesse a chance, ela correria alegremente pela urze

em uma manta ou dançaria ao redor de uma fogueira como as que

os aldeões tinham feito esta noite. E ela sentiria uma estranha

alegria ao pensar que talvez não se casasse com David, afinal.

David, alheio a toda a tensão, ergueu um saco de pano.

— Eu trouxe as coisas que você me pediu, Sr. Mackenzie.

— Excelente — disse o vovô. — Payton, pegue o saco e


coloque os tesouros na sala de jantar.
Os primos de Payton se aproximaram dela. Eram os

despreocupados meninos Blackwell, do lado paterno da família. Os


três garotos, com idades entre dezesseis e vinte e dois anos,

consideravam-se homens da cidade, muito felizes que o irmão de


Payton, que estava passando o Ano Novo com a família de sua
esposa, estivesse entre eles e a responsabilidade do condado. Na

realidade, eles eram inofensivos, embora travessos.

— Venha, venha, venha, prima Payton — o mais novo, Dylan,


cantou enquanto se dirigiam para a sala de jantar.

Payton pegou a sacola de David, tentando não prestar atenção


no capitão Conelly, que não havia se afastado dela.

— Como você está David? — Payton disse a ele. — Que


alegria ver você.

Ele piscou para ela. Tinha olhos azuis e cabelos loiros claros, a
própria imagem de um cavalheiro inglês.

— Pensei em surpreendê-la, Payton, não foi, Grayson? E eu


acho que funcionou, você parece um pouco atordoada.

Payton apertou a bolsa contra o peito, achando difícil formar


palavras.
— Te peço perdão. Estou surpresa, isso é tudo. Eu não estava

esperando você.

David enviou um sorriso ao capitão Conelly.

— “Peço perdão”, disse ela, toda elegante e apropriada. Antes


não era assim. Você deveria tê-la visto correndo de pernas nuas
pelos prados, gritando como uma coisa selvagem comigo, seu irmão

e seus primos.

Payton esquentou.

— Eu tinha sete anos.

— E oito, nove e dez... até dezessete, eu imagino — disse

Grayson. Quantos anos você tem agora, Payton? Eu me esqueci.

— Vinte — disse ela com dignidade.

— Cuidado, Barrow — o Capitão Conelly interrompeu com uma

carranca. — Lady Payton poderia perdoar sua pergunta indelicada,


já que nossa jornada foi longa e árdua, mas eu não a culparia se

não o fizesse. Deixe-me levar isso para você, milady.

Ele pegou a bolsa, que Payton lhe deu, que era bem pesada, e
caminhou com ela para a sala de jantar, onde o resto da família se
reunira.
— Ele é muito galante — disse David sem rancor. — Eu sabia
que o aprovaria. Você está muito bonita, Payton.

— Obrigada — ela disse desconfortavelmente. — Você se


tornou muito franco.

— Culpa do exército. Você entra como um jovem duro e de


coração frio e sai como um homem de sangue quente. Peço

desculpas pelas minhas brincadeiras. Eu te incomodei?

— Não, claro que não — ela disse rapidamente.

Na verdade, Payton não tinha certeza. David havia mudado;

como ele havia dito, era rígido e excessivamente educado quando


saiu da faculdade e aceitou um posto no exército. Esse bobo
sorridente era mais parecido com o garoto que ela conhecera na

juventude.

David ofereceu seu braço.

— Vamos lá?

Payton concordou e David a levou para a sala de jantar. Os


primos já haviam esvaziado a bolsa e agora vasculhavam seu
conteúdo com muita alegria.
— Um pedaço de carvão, isso é para você, Dylan. — Seu irmão
mais velho jogou para ele, e Dylan aceitou com bom humor.

— Excelente jogada — disse David. — Você ainda joga

críquete?

— Sim — disse Dylan, e os primos começaram a falar sobre


partidas de críquete do passado e do presente.

Lorde Blackwell gritou para eles pararem, mas sem irritação.

Lady Blackwell cumprimentou David e o capitão Conelly com um


sorriso caloroso. David assumiu o olhar sonhador e apaixonado que

sempre dava à mãe de Payton. Ela não achava que ele estivesse

apaixonado por sua mãe, exatamente, mas ele era deslumbrado por
ela. Muitos cavalheiros eram.

O capitão Conelly, por sua vez, foi educado e cortês com Lady

Blackwell, como era apropriado, mas nada mais.

Quando Conelly se aproximou de Payton, ela notou que estava

sem casaco, tendo sido levado por um dos lacaios. O uniforme

embaixo dele, o azul profundo de um soldado da cavalaria,


mantinha seu corpo aquecido.

Grayson se inclinou para ela.


— Nunca deixam você dizer uma palavra? — ele perguntou

baixinho.

Payton tentou não vacilar com o tom grave de sua voz.

— Às vezes — disse ela. — Eu também jogo críquete bem. Ou

costumava. Como David disse, agora estou muito formal e correta.

— Não, não está — proclamou o primo do meio dos Blackwells,


Jasper. — Nesse mesmo verão ela levantou suas anáguas e pegou

o taco.

— É uma pena que eu perdi — disse David em voz alta. —

Deveríamos ter uma equipe feminina no acampamento, Conelly.

Esposas de oficiais contra...

Jasper e Dylan riram, e o primo mais velho, Patrick, pareceu


chocado.

— Velho amigo, não diga isso na frente de Payton.

— Minhas desculpas, Payton. — David parecia tudo menos


arrependido. Ele estava extraordinariamente alegre esta noite.

Talvez tivesse bebido muito conhaque para evitar o frio da viagem.

— Não estou ofendida — respondeu Payton. — Mas minha

mãe poderia estar.


Lady Blackwell não estava, Payton sabia, mas seu comentário

fez David corar.

— Uh... — ele gaguejou.

— Uísque! — Patrick pegou a garrafa e a ergueu. — Obrigado,

David. Tudo está perdoado. Jasper, pegue os copos. Sr. Mackenzie,

o bolo preto é para você, eu acho.

O avô pegou o bolo embrulhado em musselina e o levou até o

nariz.

— Um muito bom. Como o que minha velha mãe costumava


assar.

A "velha mãe" do avô tinha uma cozinheira que lhe preparava a

comida, pelo que Payton sabia. Sua família viveu bem nas

Highlands antes 1745.

Lá fora, o gaiteiro que o avô havia contratado começou a tocar,

e o barulho das gaitas encheu a casa.

— Que diabos é isso? — perguntou David.

— Acho que são gaitas de foles — disse o capitão Conelly. Seu

tom suave fez Payton querer rir. —Você já as ouviu nos regimentos
das Terras Altas.
— Assim não. Nossa, que barulho.

O avô franziu a testa para ele.

— Você não distinguiria um bom gaiteiro de um sapo coaxando,

garoto. Há violinistas e percursionista esperando no salão de baile.

Vamos lá.

Os primos, com uísque e copos, saíram apressados da sala de


jantar e percorreram o corredor até o salão de baile nos fundos da

casa. David escoltou Payton, apressando-a para a diversão,

enquanto o capitão Conelly caminhava educadamente ao lado do

avô. As janelas do terraço do salão de baile emolduravam as


fogueiras que ardiam alegremente a um quilômetro e meio de

distância.

Três músicos esperavam, dois com violinos e um com tambor.

Eles tocaram uma música escocesa quando a família entrou,


misturando-se com o gaiteiro do lado de fora.

Convidados hospedados na casa e aqueles que chegavam


agora que o ritual do Primeiro Visitante havia sido concluído

enchiam a sala. Eram vizinhos e velhos amigos da família, e logo

risos e conversas enchiam o ar.


O avô conversou com o capitão Conelly por alguns momentos,

depois tirou o xale e a bengala e dançou ao som do tambor e dos

violinos, incentivado pelos primos de Payton e David. Conelly,

aceitando graciosamente um uísque que Patrick lhe oferecera,


observou-o com interesse.

— Eu não tenho certeza se esta é a recepção que esperava —

disse Payton enquanto se aproximava dele novamente.

— Servirá. — Conelly olhou para ela com os olhos cinzentos

brilhantes. — Todos os Anos Novos são assim para você?

— Temo que sim — Payton respondeu. — O vovô insiste.

— Eu diria que gosta.

O avô levantou os calcanhares, um movimento que o fez

cambalear, mas o jovem Dylan o pegou, e os dois se abraçaram e

se afastaram.

— Com certeza, gosta. — O avô de Payton era considerado por

alguns um velho tolo, mas ele tinha mais vida do que muitos jovens
aristocratas insípidos que Payton conheceu durante a temporada de

Londres.

A música mudou para uma dança campestre, e os casais

formaram filas, as damas de frente para os cavalheiros. David


imediatamente foi até uma jovem que era filha dos amigos mais

antigos da família Payton e a convidou para dançar.

— Lady Payton? — Connelly ofereceu-lhe o braço. — Não sou


muito de dançar, mas vou tentar.

Payton não gostou do jeito que seu coração disparou ao ver o


braço firme do capitão Conelly, delineado pela manga apertada de

seu casaco. Payton estava quase noiva, ela não precisava se

preocupar com o coração batendo novamente.

De repente, ela se sentiu enganada. As histórias do avô sobre

seu namoro com a avó, cheias de paixão e romance, encheram sua


mente. Os dois estavam muito apaixonados, fugiram juntos para o

desespero de ambas as famílias, e depois desafiaram a todos e

viveram felizes para sempre. Por um momento, Payton desejou isso.

Mas era uma ideia tão boba... Melhor casar com o filho de um

vizinho que todos aprovavam. A prudência e a sabedoria marcavam


o caminho para a verdadeira felicidade.

Payton olhou para o capitão Conelly, tremendo por dentro mais

do que na primeira vez que caiu do cavalo. Voar pelo ar, sem saber

onde ela iria pousar, tanto a aterrorizava quanto a excitava.


— Eu não quero dançar — disse ela. A expressão do capitão
Conelly se transformou em decepção, mas Payton colocou a mão

em sua manga. — Vamos sair para ver as fogueiras em vez disso?

O desejo em seus olhos era inconfundível. O capitão não queria

ficar enfiado em um salão de baile quente com pessoas que ele não
conhecia. Payton também não queria estar ali.

A liberdade a chamava.

O capitão Conelly estudou Payton por um momento, depois


assentiu decididamente.

— Eu gostaria, sim.

Payton o levou para fora do salão de baile, seu coração


batendo forte, imaginando, como ela tinha feito naquele dia quando

foi jogada do lombo de sua égua, se sua aterrissagem seria difícil ou

esplêndida.
Capítulo 3

P
or mais que quisesse, Grayson não podia sair correndo
para a noite sozinho com Lady Payton. Não se fazia tal

coisa. Lady Payton ordenou a dois lacaios, que


trouxeram os casacos dela e de Grayson, para se
agasalharem, e os acompanharam com lanternas. Os garotos,

ansiosos para sair, partiram, liderando o caminho no escuro.

Na verdade, foram cinco os que se dirigiram para as fogueiras,


porque o primo mais novo, Dylan, se juntou a eles no último
momento.

— Vocês estão me salvando — Dylan disse a Grayson

enquanto caminhava com eles. — Tia Rosemary me quer lá com as


debutantes, como se eu fosse pedir em casamento uma delas

amanhã. Não vou me casar por muito tempo. Quero me alistar no

exército, como você.


— A vida no exército é difícil, Sr. Blackwell — disse Grayson. —

Horas ímpias, treinamento em qualquer clima, sem falar nos


soldados franceses que atiram em você.

— Não tenho medo dos franceses — proclamou Dylan. — Diga

a ele, Payton. Quero ir. Serei voluntário se o tio não me comprar


uma patente.

— Ele fala sobre isso dia e noite — disse Lady Payton. Ela

caminhava rapidamente, mas não apressadamente, como se o frio

não a incomodasse. — Não pinte um quadro muito romântico da


vida no exército, por favor, capitão, ou você pode encontrar Dylan

em sua bagagem quando sair.

— Talvez o comandante Barrow devesse falar com você como

um amigo da família — disse Grayson, tentando manter seu tom


baixo.

Payton riu, um som como música.

— É culpa do Major Barrow que Dylan queira ser um soldado.

David escreve cartas cheias de sua bravura. Também sobre boas

refeições que faz com seus comandantes, e os bailes que frequenta,


cheios de damas elegantes.
Grayson escondeu sua irritação. Lady Payton tinha uma beleza
que o perfurava até os ossos desde o momento em que ele a viu:

seus cabelos escuros e olhos azuis eram mais adequados a uma

criatura das fadas flutuando na névoa de um lago do que a uma

jovem que vivia em uma fazenda no meio da Inglaterra.

Se Grayson tivesse a sorte de ter uma dama assim esperando

por ele, escreveria cartas descrevendo como ansiava por vê-la, não

sobre as refeições com seu coronel e sua esposa. Até onde

Grayson sabia, Barrow não tinha uma amante, mas gostava de

dançar e conversar com as esposas e filhas dos oficiais. O homem


era um ingrato.

Barrow havia mencionado a filha do vizinho mais próximo de

seu pai em alguma ocasião, mas não frequentemente. Nunca se

alegrou de receber suas cartas, nunca as valorizou nem as leu em

voz alta. Nem insinuou, com rubor, que não podia fazê-lo.

Só havia pronunciado o nome de Lady Payton Blackwell, que

Grayson se lembrava, algumas semanas atrás, quando Barrow

anunciou que estava voltando para a Inglaterra para o Ano Novo.

Ele havia obtido uma licença e o fizera também para Grayson.


Grayson estava disposto a ir. A melancolia o dominara

ultimamente, ao ver seu futuro estendido diante dele, sombrio e


lúgubre. Se ele não acabasse morto em um campo de batalha por

balas francesas, continuaria a vida de um oficial subalterno sem


muitas perspectivas. Era difícil Bonaparte sair do continente: ele já
havia conquistado a maioria dos estados italianos e grande parte da

Europa, e seus parentes governavam os cantos de seu império.


Apenas a Inglaterra e Portugal estavam resistindo, e não havia nada

que dizia que Portugal não cairia.

Mesmo que Napoleão fosse derrotado, havia o som de uma


guerra a caminho na América. Grayson continuaria a luta no calor e

chuva de Portugal ou seria enviado para o calor e chuva do Novo


Mundo.

Mesmo que Grayson deixasse seu posto em alguns anos, como


havia planejado, o que aconteceria então? Mas não em uma tenda
do exército ou levando seu cavalo por um campo de batalha, mas

do jeito correto, no Grand Tour que havia sido perdido para a guerra.
Mas Bonaparte estava em toda parte.

Mais do que provável, Grayson voltaria para casa e aprenderia

a administrar a propriedade que ele eventualmente herdaria.


Também não gostava de pensar nesse dia, porque significaria que

seu querido pai estaria morto.

David Barrow, subindo rapidamente na hierarquia graças à


influência da família, tinha essa bela mulher para quem voltar

sempre que quisesse, junto com sua família grande e amigável no


campo ameno de Berkshire.

E o idiota raramente falava dela, preferindo flertar com as filhas


insípidas de seus coronéis e generais.

Se os soldados de Bonaparte não atirassem em Barrow,

Grayson o faria.

O povoado ficava a um quilômetro e meio da casa em uma


estrada reta, fácil de se locomover em uma boa noite, mas Grayson

estremeceu.

— Você está bem, capitão Conelly? — Lady Payton perguntou


preocupada. — Talvez não devêssemos ter saído. Deve estar

cansado de suas viagens. As férias não são agradáveis quando se


está resfriado.

— Estou bastante bem — Grayson respondeu, tentando soar


alegre. — Eu estava refletindo sobre o quão quieto tudo está.
Seguro. — Não há franco-atiradores esperando para abater
retardatários, nem soldados franceses emboscando você para
capturá-lo e torturá-lo. Apenas a luz das estrelas, uma brisa calma,
mas gelada, um manto fino de neve branca, uma linda mulher

caminhando ao seu lado e a luz quente de uma fogueira que o


convida a seguir em frente.

— Sim, verdade. — Lady Payton parecia infeliz.

— Payton anseia por aventura — confessou Dylan. — Como


eu.

— Eu, por outro lado, acho que esta é uma noite perfeita —

disse Grayson, levantando seu ânimo. — Companhia, conversa.


Beleza.

Dylan bufou com uma risada, mas Grayson viu o sorriso

educado de Payton desaparecer.

Naquele momento, as crianças da aldeia correram em direção a


eles para arrastá-los para a fogueira.

Os lacaios juntaram-se a amigos e familiares em volta das


chamas. Um caneco de cerveja circulava entre homens e mulheres,

e vozes se elevavam em canções.

Payton soltou o braço de Grayson, o frio pela ausência de


David a desanimando. Ela sorriu com alegria genuína enquanto as
mulheres da aldeia a cumprimentavam e a atraíram para seu
círculo.

Grayson observou enquanto Lady Payton ganhava vida, a

timidez que ela exibiu na casa de sua família desaparecendo. Seu


rosto floresceu à luz do fogo, um cacho escuro caiu sobre seu
ombro e seus olhos brilhavam como a luz das estrelas. Sua criatura

de fadas em um xale e gorro forrados de pele.

“Barrow tem muito a responder”, pensou Grayson com

desgosto. Ela merece muito mais.

Mas quem era ele para interferir nas intenções do amigo?

Talvez Barrow a amasse demais e fosse muito tímido para dizer


isso.

Ao diabo. Quando Barrow cumprimentou Payton esta noite, ele

não revelou nenhuma alegria por finalmente estar com ela,

nenhuma necessidade de sua presença. Era tão estúpido quanto

um tijolo. Barrow mantinha Payton segura e deu como certo que ela
sempre estaria lá.

O homem tinha que aprender uma lição. Grayson decidiu

naquele momento fazer isso ele mesmo.


Payton tinha esquecido o quanto gostava das fogueiras de Ano

Novo. Os aldeões sempre comemoravam o Ano Novo, e quando o


avô veio morar com a família Payton após a morte da avó, ele

ensinou a todos o que era Hogmanay. Nenhum dos habitantes da

cidade era escocês e, de fato, seus ancestrais haviam lutado contra


o príncipe Charles, mas o povo de Shefford não se importava.

Quando criança, Payton ia às fogueiras todos os anos com seu

irmão e primos, e esta noite ela foi recebida pelas mulheres da

cidade com sorrisos, reverências e até abraços.

Os aldeões deram as mãos para formar um círculo ao redor de

uma das fogueiras. Payton encontrou sua mão presa na grande e

quente do Capitão Conelly, seu aperto firme sob a luva. Dylan pegou
sua outra mão e quase arrastou Payton quando começaram a

circular o fogo em um ritmo rápido.

Payton olhou para o capitão Conelly e encontrou seus olhos

cinzas fixos nela, um sorriso largo e genuíno. Sua reserva evaporou


enquanto o círculo continuava, cada vez mais rápido. Ele havia dito

que não era um bom dançarino, mas nessa dança improvisada ele

era excelente.
Payton descobriu que ela também. Logo estava rindo alto,

batendo os pés tão vertiginosamente quanto o avô fazia, enquanto

os aldeões puxavam para lá e para cá. Esta era uma verdadeira


dança do campo, não o desfile rígido e orquestrado do salão de

baile.

Os relógios da igreja da aldeia e de outro próximo bateram as

duas horas, e as notas brilharam no frio. Os homens da cidade

pegaram suas namoradas, suas esposas, viraram-nas e as


beijaram.

Mãos fortes pousaram na cintura de Payton. O capitão Conelly


a puxou em um giro apertado, fora da luz do fogo. Um brilho

vermelho quente roçou seu rosto enquanto ele a puxava

incrivelmente perto. Então ele a beijou.

O mundo girou, o silêncio substituiu os risos, os gritos, o

crepitar do fogo, o toque moribundo dos sinos.

O calor de Grayson Conelly inundou Payton, dissolvendo tudo o


que era rígido, até que ela fluía contra ele, seus lábios procurando

os dele.

O beijo foi terno, um breve momento de ânsia, de desejo,

fervendo logo abaixo da superfície. Payton queria que este


momento durasse para sempre, da noite de Hogmanay ao

amanhecer, e pelo resto de sua vida.

Os aldeões os cercaram, colidindo com eles, e Grayson recuou.


Payton ficou presa em seus braços enquanto a segurava

firmemente para protegê-la de ser empurrada.

Ela não viu nenhum arrependimento em seus olhos, nenhuma

vergonha por ter beijado a mulher prometida a outro homem. Payton

também não sentiu nenhum remorso. Ela era uma mulher livre, não
oficialmente noiva, não pertencia ainda à David, e ela sabia disso

com todo o seu ser.

Grayson a soltou suavemente. Eles continuaram estudando um

ao outro, sem palavras, apenas reconhecendo que haviam se

beijado e que isso significava alguma coisa.

Dylan caminhou até eles.

— Devemos voltar, Payton — ele disse com tristeza. — A tia

deve estar nos procurando.

Ele não pareceu notar nada, nem o beijo nem a forma como
Payton e Grayson se entreolhavam em um silêncio carregado.

O momento se foi. Payton rapidamente se virou para Dylan e


estendeu a mão.
— Sim, está certo. É hora de irmos para casa.

— Jogo difícil. — Grayson fechou a porta da grande sala onde

Barrow estava matando o tempo sozinho em uma mesa de sinuca


no sol do meio da manhã. Seus olhos estavam vermelhos da festa

da noite passada, mas ele cumprimentou Grayson com um aceno

alegre.

— Só se pegar um taco e se juntar a mim.

Grayson escolheu uma vara resistente, mas fina do armário e

caminhou até a mesa enquanto Barrow colocava uma bola vermelha


em sua superfície e rolava uma branca em direção a Grayson.

Grayson fechou a mão na bola e a empurrou para a outra ponta

da mesa ao mesmo tempo em que Barrow fez o mesmo. Ambas as

bolas ricochetearam nas laterais e rolaram de volta para eles, mas a

de Grayson parou mais perto de seu ponto de partida do que a de


Barrow. Portanto, Grayson escolheu quem jogava primeiro.
Ele estendeu as mãos e deu um passo para trás.

— Claro.

Grayson não estava sendo gentil: o segundo jogador

geralmente levava vantagem.

Ele ficou educadamente em silêncio quando Barrow começou a

dar suas tacadas. Ele era um bom jogador, sua bola branca beijando
a vermelha antes que a bola branca caísse na caçapa, muitas vezes

colidindo com a bola branca de Grayson também. Grayson forçou as

bolas para fora para que Barrow pudesse continuar acumulando

pontos.

Somente quando Barrow falhou ao errar sua bola branca contra


a vermelha por um fio de cabelo e aterrissar no meio da mesa,

Grayson falou.

— Devo lhe dizer, Barrow, que acho seu tratamento de Lady

Payton terrível.

Barrow piscou e se endireitou ao ver sua bola, agora imóvel.

— Desculpe? Não sabia que tinha sido tão atroz como você diz.

— Mal falou com ela. Eu pensei que era a senhorita com quem

queria se casar.
Barrow assentiu.

— Eu acho que sim.

— Você acha? Ela é uma mulher linda e impetuosa com os

olhos mais bonitos que eu já vi, e você acha que quer se casar com
ela?

— Bem, nunca decidimos isso. Temos a mesma idade,

crescemos juntos. Na verdade, somos as únicas duas pessoas

elegíveis em quilômetros. Costumávamos brincar todos juntos:


Payton, seu irmão, seus primos e eu. — Barrow riu. — Lembro-me

de uma vez que a desafiamos a escalar a encosta do Blackbird Hill,

uma rocha íngreme e áspera, e ela o fez. E uma vez...

Grayson o interrompeu com um aceno de mão.

— Ela era uma garota enérgica, sim. E agora é uma mulher

enérgica que esmorece enquanto espera que você diga uma


palavra. Ela está parando sua vida porque todos esperam que você

a peça em casamento. É cruel para ela essa dúvida. Até criminoso.

Barrow pegou um pedaço de giz preguiçosamente e o esfregou

na ponta do taco. Ele se inclinou para dar um golpe, lembrou-se de


que havia perdido sua vez e se levantou novamente.
— O que você quer que eu faça? Que eu a peça em casamento
hoje? — Parecia a última coisa no mundo que ele queria fazer.

— Não, eu acho que deveria deixá-la livre. Se você não quer se


casar com ela, conte a verdade. Acabe com sua incerteza.

— Espere. Você está dizendo que Payton está ansiando por


mim? — Barrow sorriu. — Que delícia.

Grayson bateu seu taco na mesa.

— Estou dizendo que você a prendeu. Ela se sente presa às

expectativas da família, enquanto você segue seu caminho. Seus


flertes no acampamento beiram o cortejo, e eu assumi que sua
prometida era uma chata problemática e que a evitava. Agora que a

conheci... Você é um idiota, Barrow.

— Bem, se enxergue, capitão Conelly.

— Você me supera, senhor. Na vida civil, não. Lady Payton é

uma bela jovem que não precisa estar presa a você. Liberte-a,
deixe-a encontrar um pretendente em Londres nesta temporada,
deixe que faça sua própria escolha.

A boca de Barrow ficou aberta durante o discurso de Grayson, e

fechou com um estalo.


— Sua própria escolha... você quer dizer alguém como você?

Grayson franziu a testa para ele.

— Primeiro de tudo, seu tom é insultuoso. Segundo, quando

digo sua própria escolha, estou falando sério. Pare de forçá-la a


esperar você chegar em casa para conversarem. Deixe-a começar

sua vida.

Barrow largou o taco com cuidado exagerado.

— Muito bem. Suponho que o fato de você ter me tirado da


baioneta daquele francês lhe dá permissão para falar assim comigo.
Acontece que poderia propor a ela hoje mesmo. Isso ganhará sua

aprovação?

Em absoluto. Grayson esperava que Barrow percebesse que


ele não estava interessado em Lady Payton, que ele nunca teve,
não era mais que um amigo de infância.

O homem que cortejasse Payton deveria estar loucamente


apaixonado. Deveria amá-la, estar disposto a fazer qualquer coisa

para tornar sua vida perfeita e feliz. Ela não deveria ter menos.

Quando Grayson a beijou...


O beijo inocente de Ano Novo mudou instantaneamente para
um de desejo intenso. A necessidade havia atingido Grayson com

tanta força que ele mal conseguia ficar de pé. Ele queria pegar
Payton e correr com ela para a Escócia, casar-se com ela antes que
alguém pudesse detê-los.

Nunca o faria. Grayson já entendia que Payton tinha um


profundo senso de obrigação, que havia deixado de lado para
dançar à luz do fogo na noite anterior, como a mulher livre que ela

realmente era. Mas hoje, ela voltaria à responsabilidade. Ele não a


tinha visto esta manhã, não no café da manhã, para o qual correu
ansiosamente, ou se movendo pela casa, e temia que ela tivesse

decidido ficar em seus aposentos e evitá-lo.

Grayson não sabia o que lhe diria quando ela aparecesse. Mas

se recusava a deixar o beijo para trás, a fingir que nunca tinha


acontecido.

Ele também não queria que Payton fingisse que não tinha
acontecido. Tinha visto nos olhos dela os anseios que sentia: por

amor, pela vida, por algo além do que tinha.

Grayson confrontou Barrow diretamente.


— Não faça a proposta — disse ele. — Não a force a mergulhar

ainda mais na obrigação. Ela não vai te rejeitar. Sentirá que é seu
dever aceitar.

— E é seu dever, maldição. O que vou fazer? Deixá-la para


você? — Quando Grayson não respondeu, os olhos de Barrow se

arregalaram. — Entendi. O diabo te leve, cara. Eu o trouxe para


casa como um amigo.

Grayson deu a ele um olhar que fez a cor de Barrow subir.

— Isso é verdade. Você vai me pedir para partir?

Barrow hesitou, então negou com a cabeça.

— Eu não vou manchar nossa amizade discutindo sobre uma


mulher.

Grayson lutou contra o desgosto.

— Se a amasse, se você realmente a amasse, me bateria por


me atrever a sugerir que eu a amo, e então você pularia sobre mim

e iria atrás dela. Você não a ama, não é? Não com todo o seu
coração.

Barrow deu de ombros.

— Bem, eu gosto da garota, naturalmente.


— Gostar não é o que eu sentiria, no fundo da minha alma, pela
mulher com quem eu desejaria passar o resto da minha vida. —
Grayson pressionou a palma da mão no peito. — Liberte-a, Barrow.

Ou a ame loucamente, apaixonadamente. Ela não merece nada


menos que isso.

Grayson pegou sua bola branca e a girou sobre a mesa. Atirou


para um lado, dois, três, e depois acertou a bola vermelha com uma

tacada forte como um tiro e a afundando na caçapa.

— Some meus pontos — disse Grayson. — Se você não contar

a Lady Payton o que realmente está em seu coração, eu o farei.

Grayson saiu da sala, seu coração batendo forte, seu sangue


quente. Barrow ouvira seus comandantes dizerem que ele era um
homem determinado: "Quando decide alguma coisa, saia do seu

caminho".

Barrow o chamou com uma voz lastimosa.

— E o jogo? Vou ter que considerar que você perdeu, você


sabe.

Ele tinha mesmo perdido.

Grayson desceu para o salão principal e pediu ao lacaio mais


próximo que o conduzisse até Lady Payton.
Capítulo 4

O
s gramados estavam cobertos de neve, as fontes
vazias e silenciosas, mas isso combinava com o

humor de Payton. Ela deveria estar em casa


recebendo convidados, ajudando a mãe ou cuidando
do avô, mas não podia agir como se nada tivesse abalado sua vida.

Ela deveria estar feliz por David estar em casa, sentir uma terna

felicidade como recompensa por ter esperado pelo seu retorno.

Mas tudo em que ela conseguia pensar era nos olhos cinzas de
Grayson Conelly brilhando à luz do fogo depois que ele a beijou. Ela
só conseguia pensar no calor dos lábios dele nos dela, no toque

ardente de sua língua. Era como se David Barrow não existisse.

Seria ela tão inconstante? Tão mimada que no momento em


que outro homem cruzou seu caminho, ela ficou ansiosa para segui-

lo?

Ou havia algo mais nisso? David a tinha mais ou menos

ignorado desde que chegou. Em vez de se ressentir de sua


indiferença, Payton ficou aliviada.

Aliviada. O que estava acontecendo com ela?

Um par de estátuas na beira do jardim marcava o limite do

parque de seu pai. Ambas as estátuas eram de Hércules: a da

direita lutava contra o leão da Neméia; a da esquerda, contra a

hidra. Além desses guardiões, as pastagens se estendiam até as


colinas distantes, hoje cobertas por alguns centímetros de neve.

Payton olhou para o terreno irregular atrás das estátuas e


relutantemente se virou para voltar.

Um homem de casaco azul e botas pretas caminhou em sua

direção rodeando as fontes e canteiros de flores vazios. Ele estava


sozinho, e sua trajetória o faria cruzar com Payton. Ninguém mais

percorria o jardim, poucos eram corajosos o suficiente para se

aventurar na gélida manhã de janeiro.

Correr parecia bobagem, sem mencionar que Payton não tinha

para onde ir. Os campos, cortados por um riacho congelado,

pareciam perigosos. Além disso, ela estava com frio e pronta para

voltar para casa. Por que fugiria no jardim de seu próprio pai?

Payton continuou propositalmente na direção do Capitão

Conelly, balançando a cabeça enquanto eles se aproximavam.


— Bom dia — ela disse com neutralidade.

— Bom dia — ele repetiu, parando diante dela. — Está bem?

Payton enrolou os dedos dentro de seu regalo de couro.

— O tempo está bom, o sol está brilhando. Os convidados se

divertindo. As férias de Ano Novo são sempre agradáveis.

Os olhos de Conelly se estreitaram.

— Agradáveis... Os convidados gostam... — Sua voz tinha uma


pitada de raiva. — E você, Lady Payton? Você está se divertindo?

— Claro. Gosto de ver todo mundo em casa. Se meu irmão e

sua esposa pudessem vir, seria ainda mais esplêndido.

— Mentirosa.

O coração de Payton começou a bater mais rápido, mas

manteve o tom leve.

— Desculpe? Eu realmente desejo ver meu irmão.

— Está triste e quer que o Major Barrow e eu partamos.

Payton perdeu seu sorriso forçado.

— Você é rude.
— Eu sou. Muitos me dizem isso. Mas sou sincero. — Seus

olhos cinzas brilharam quando ele a fixou com um olhar implacável.


— Diga-me por que diabos você está se amarrando ao Barrow.

Por quê? Havia muitas razões, mas Payton nunca havia

pensado nelas.

— Eu o conheço há muito tempo...

Grayson se aproximou dela.

— Se estivesse loucamente apaixonada por ele, teria me


esbofeteado quando a beijei ontem à noite. Em vez disso, aceitou.

Payton descansou o regalo contra o peito, como se estivesse

protegendo-se.

— Você está jogando minha loucura na minha cara? Não é


muito cavalheiresco da sua parte.

Para sua surpresa, Grayson sorriu, sua raiva se transformando


em calor. Era um sorriso feroz, a audácia em seus olhos fazendo-a
estremecer.

— Eu sou um tolo por beijá-la — ele disse asperamente. — Eu


não podia evitar. Não penso menos de você por me beijar de volta.
Na verdade, fiquei feliz a noite e a manhã toda por ter feito isso. Eu

não dormi uma piscadela.

Payton engoliu em seco.

— Nem eu, na verdade.

— Então isso me dá esperança. Muita esperança.

Ele deu outro passo em direção a ela, e Payton temeu que ele
fosse beijá-la novamente.

Temia? Ou queria?

Payton recuou, mas não porque ele a assustou. Ela se afastou


porque realmente queria beijá-lo, desta vez como deveria. Ela

pegou o regalo e o segurou mais apertado, desfrutando de seu


calor.

Quando o tecido tocou seus lábios, a pele fez cócegas nela.

Grayson riu.

— Você é linda, Lady Payton. E adorável. Um espírito selvagem


mal domado por um vestido respeitável e um casaco de inverno.

— Dificilmente um espírito selvagem. — Payton moveu o regalo

para falar. — Eu bordo, não muito bem, admito, pinto aquarelas bem
melhor, e ajudo minha mãe a manter a casa.
— Seu avô me contou histórias ontem à noite sobre ele e sua
avó. Você se parece muito com ela.

Payton queria pensar assim. Alice Mackenzie, de acordo com o


que Payton se lembrava dela, era uma mulher risonha e alegre,

dada a contar histórias aterrorizantes de fantasmas que


assombravam as Highlands ou a brincar com seus netos. Ela

também gostava de dançar. Payton lembrou como ela colocava um


kilt como homem e executava uma dança de espada com a mesma

graça e destreza de qualquer guerreiro. O avô a observava com


amor nos olhos.

— Ela era uma grande mulher — Payton disse calmamente. —


Eu não posso nem começar a me comparar a ela.

— Está no sangue. — Grayson deu outro passo, empurrando o


regalo para baixo. — Eu vi quando estávamos na fogueira. Você se

sentia livre, feliz. Vou ficar aqui até você admitir.

— Estava. — Payton não conseguia mentir, nem para si


mesma. —Ontem à noite, eu estava feliz.

— Mas esta manhã, está convencida de que deve ser essa


outra Payton. Forçada. Amarrada. Infeliz.
Payton se separou dele e foi em direção às estátuas no final do
jardim. Ela não tinha ideia de por que não correu para a casa:
Hércules estava muito ocupado com suas próprias lutas para ajudá-

la.

Infeliz. Sim, estava. Mas isso não era da conta do capitão.

Ela ouviu as botas de Grayson no cascalho coberto de neve


atrás dela e se virou em sua direção.

— Por que você está me seguindo, senhor? Se me sinto triste,


talvez queira me confortar na solidão.

— Porque eu quero estar com você. — Grayson parou a um

passo dela. — É isso, eu me declarei. Eu quero estar com você e

mais ninguém. Eu não me importo se você e Barrow se entenderem.


Ele não está apaixonado por você, eu sei. Esta notícia poderia

machucá-la, mas deve saber a verdade.

E isso a machucou. Payton estava confortável em sua amizade

com David, satisfeita por poder viver sem se preocupar com seu

futuro, grata por não ter que perseguir os cavalheiros durante sua
temporada e poder simplesmente desfrutar dos muitos

entretenimentos de Londres. Ela ajudava outras damas a encontrar

maridos em vez de vê-las como rivais.


A chegada de Grayson quebrou seu conforto, e agora seus

cacos estavam ao redor dela.

Lutou para manter a compostura.

— Você está sugerindo que eu deixe de lado o Major Barrow e

vá atrás de você?

— Nada me faria mais feliz.

Grayson se aproximou, e novamente Payton pensou que ia


beijá-la. Qualquer pensamento sensato fugiu de sua cabeça quando

ela antecipou o roçar de seus lábios, o calor de seu toque. Seu olhar

foi para sua boca, seu peito arfando fortemente. A própria

respiração de Payton doía.

Quando ele ficou parado, a decepção a atingiu.

— Nada me faria mais feliz — repetiu Grayson. — Mas eu não

sou um canalha. Se não me tem em conta, se não consegue se


imaginar me amando, então eu não vou pressioná-la. Não vou

pressioná-la em tudo. O que eu quero, minha querida Lady, é a sua

felicidade. Eu sei em meu coração que ela não será encontrada ao


lado do Major Barrow.

Payton balançou a cabeça.


— Todo mundo está convencido de que sim.

— Então são todos tolos. Eu seria o homem mais feliz do

mundo se me escolhesse. Mas não vou propor, não vou forçá-la. —

Suas sobrancelhas escuras baixaram. — Eu quero que seja livre,

Payton. Livre para escolher. Vá para Londres. Tenha sua


temporada: ria, dance, viva. Se encontrar um homem melhor do que

eu lá, então eu... bem, vou afundar no desânimo por um longo

tempo, mas esse desânimo será terrível. Eu saberei que você está
feliz. Encontre esse homem e eu danço em seu casamento. Eu

prometo.

A respiração de Payton acelerou.

— Estou surpresa, senhor.

— Por quê? — Novamente um sorriso, brilhante e quente. —


Eu a admiro. Eu odeio vê-la pressionada em uma caixa, sua

natureza sufocada, tudo por causa de um idiota como o Major

Barrow.

Payton tentou franzir a testa.

— Devo me livrar dos meus amigos no momento em que não

gostar deles? Isso é liberdade? — Sua voz tremeu, porque em seu


coração, as palavras dele a fizeram cantar.
— Sabe que Barrow a desagrada há anos — disse Grayson. —

Se não, ficaria feliz em vê-lo.

Novamente a verdade. Este homem era um oráculo?

— Como você ousa? — Payton tentou se recompor, mas sua

pergunta não tinha convicção. Grayson a enervava, a fazia querer rir


e chorar. — Isso não é da sua conta, senhor.

Deveria ameaçar chamar seu pai, mandar expulsar o capitão

Conelly da casa, até ser preso por tê-la beijado. Ou ela poderia

simplesmente esbofeteá-lo, como ele disse que ela deveria ter feito

na noite passada.

O olhar de Grayson se fixou nela, e Payton não pôde evitar.

— É da minha conta porque eu me importo com você — disse


ele. — O que eu quero não importa. Você, sim. Por favor, Payton,

seja feliz.

Maldição. Antes de ele chegar, a vida de Payton era tranquila.

Segura.

A confusão a atingiu agora, e a vergonha também.

Porque sabia muito bem que não estava nada calma. Ela

estava impaciente, zangada. Sufocada, como ele disse.


Os olhos de Grayson continham angústia, raiva e necessidade.

Payton sabia de alguma forma que Grayson Conelly sempre lhe

diria a verdade, gostasse ou não.

E sabia que queria beijá-lo novamente.

A casa ficava longe, e altas sebes de teixo margeavam o

caminho em que estavam. Não havia ninguém, nem mesmo um

jardineiro, para passear pelos canteiros vazios. A maioria dos


criados tinha tirado férias.

Payton deu um último passo até Grayson. Enquanto ele a

observava com preocupação e necessidade, Payton colocou os

braços em volta do pescoço dele e o beijou.

Seus lábios se separaram, sua respiração aquecendo a dela

um instante antes de puxá-la contra ele, seu beijo de resposta duro,


selvagem.

O mundo sumiu. Tudo o que Payton conhecia era o corpo sólido

e forte de Grayson, suas mãos segurando-a, sua boca na dela.

Ele a puxou para mais perto, seu grande comprimento

pressionado contra a suavidade da garota. Seus lábios se

separaram dela, sua boca procurando, seu bigode arranhando sua


bochecha. Ele preenchia tudo o que havia dentro dela, e Payton

conheceu o calor, a alegria, o desejo.

“Nós nunca deixamos nada nos atrapalhar”, o avô sempre dizia


sobre ele e sua amada Alice.

Foi há muito tempo, raciocinou Payton. Mas isso estava


acontecendo agora.

Payton interrompeu o beijo abruptamente. Grayson olhou para

ela, desejo evidente em seus olhos. Ele acariciou sua bochecha e

seu coração se despedaçou.

Payton se separou dele e correu. Ela tomou a liberdade que ele

lhe ofereceu e correu pelo caminho principal, braços estendidos,


regalo pendurado em uma mão, deixando o ar frio atingi-la.

— David, podemos conversar?

Payton ficou surpresa por ainda ter algum fôlego depois de sua

corrida louca pelo jardim. Ela levou algum tempo para tirar suas
roupas quentes e se recompor antes de procurar David.

Ela o encontrou na biblioteca, com um livro na mão, mas ele


não estava lendo. David olhou melancolicamente pela janela para o

parque em frente à casa, com o livro aberto.

Ao ouvir Payton, ele se levantou e abriu um sorriso educado.

— Bom dia, Payton. Você fez uma boa caminhada?

Ela parou, as bochechas coradas. Ele tinha visto o beijo? Ou foi

informado?

O rosto de David, no entanto, continha a curiosidade branda de

um homem que estava pensando em tudo, menos em Payton, e só

se lembrava de sua existência por sua presença.

— O passeio foi bom — disse Payton apressadamente. Ela

olhou para trás para se certificar de que os poucos servos que


concordaram em ficar e ajudar hoje não estavam no corredor. Ela
não se atreveu a fechar a porta caso algum convidado insistisse que

Payton se trancar em uma sala com o major poderia significar ruína


ou compromisso.

Não tinha ideia de como começar, então foi direto ao ponto,

pulando a polidez.
— David, eu aceitaria muito bem se você não me pedisse em
casamento.

David olhou para ela como se não entendesse suas palavras,


então ele ergueu as sobrancelhas e sua boca formou um meio

sorriso.

— Desculpe?

Payton enrolou as mãos em uma bola e continuou.

— Por favor, não me proponha. Será mais fácil para nós dois se

eu não tiver que recusar.


Capítulo 5

— Oh. — David olhou boquiaberto para ela. Suas feições ainda


eram as mesmas de quando criança: bochechas redondas,

queixo liso, olhos castanhos intrigados. — Droga, Conelly falou com


você, certo? Ele tem agido como uma víbora no meu peito.

— Capitão Connelly? — Céus, Grayson discutiu isso com


David? — Capitão Conelly não tem nada a ver com isso — Payton

disse com veemência. — Ou, se tem, é porque me fez ver que ficar
em silêncio dói tanto em você quanto em mim. Nós não nos
importamos um com o outro... não no sentido de "até que a morte

nos separe", de qualquer maneira. Claro que tenho carinho por você

como amigo, e sempre terei. Nós crescemos juntos. Mas isso não
significa que devemos continuar como marido e mulher, não

importa o quanto nossos familiares e amigos pensem assim.

O espanto de David cresceu enquanto Payton divagava, até


que ele a cortou, seu rosto insuportavelmente quente.
— Eu não posso acreditar que você é tão volúvel, Payton, que

possa permitir que um homem que finge ser um cavalheiro a faça


mudar de ideia tão rapidamente.

— Não. — Payton balançou a cabeça, seu coração afundando.

— Pensei nisso por um longo tempo, mesmo que não admitisse


para mim mesma. Mas eu não queria te machucar, meu querido

velho amigo. Agora acho que não falar vai te machucar ainda mais.

E se, em um ano ou dois, você conhecer uma dama que realmente


ame? Alguém que poderia ser sua parceira, sua amiga, a mãe de

seus filhos? E se já estiver noivo ou casado comigo? Vamos evitar

essa tragédia aqui e agora.

David franziu a testa.

— Será que você quer se apaixonar por outra pessoa e não


ficar presa a mim?

— Bobagem — disse Payton. — Não tenho intenção de me

casar com ninguém.

Ela corou enquanto falava. Grayson a tentava, sim, mas ela mal

o conhecia. Não iria da conversa com David à fuga com Grayson no


espaço de um dia.

Iria?
— Eu acredito em você — David disse asperamente. — Sua
arrogância, seu comportamento gelado... Você ficou fria, Payton. Se

eu não falei sobre compartilhar nossas vidas, é porque você está

muito desagradável hoje em dia. Suas cartas para mim são tão

formais, sobre quantos bezerros nasceram e quem dançou com

quem no baile da aldeia... É apaixonante.

A frieza de Payton evaporou em um instante.

— São minha resposta às poucas cartas que você me enviou.

Na verdade, não tenho notícias suas desde o verão. Não se

preocupe em usar a desculpa das batalhas, porque sua mãe

recebeu muitas cartas suas, assim como meu irmão, e eu sei que a
irmã de um homem em seu regimento ouviu muitas notícias

também; o correio chega à Inglaterra no mesmo navio.

David ficou vermelho.

— Não parece muito apropriado escrever para uma dama com

quem não estou noivo.

— Isso não impediu você de fazer isso no primeiro ano desde

que partiu, nem o impediu de me repreender por não escrever

cartas entusiasmadas.

David falou em um tom elevado.


— Você é uma menina, Payton.

— Não, eu não sou. Tenho vinte anos, como lhe lembrei ontem

à noite, sou mais velha do que várias damas ao meu redor que já
são casadas. Com idade suficiente para se tornar uma solteirona,

como você sabe. Mas não vou deixar que fiquemos presos a um
casamento que nenhum de nós quer como destino.

— Ah, então é por isso que você sempre foi doce comigo, hein,
Payton? Para não ser uma solteirona? — A boca de David se

contraiu. — Você sabe que eu estava pensando em falar com você


esta semana, minha querida, mas não para fazer a proposta. Para
lhe dizer que há uma irmã de um oficial que chamou minha atenção,

e já que você ficou tão fria, e ela é bastante quente, devemos


concordar em nos separar.

O coração de Payton doeu e ela o olhou com tristeza. Não

pretendia aborrecer David, mas como poderia não estar? Suas


facadas resultaram de sua perplexidade e dor, mas Payton sentiu

que estava mais insultado por sua recusa do que magoado.

David voltaria para seu regimento, cortejaria alegremente a irmã


do oficial e esqueceria que alguma vez teve uma queda por Payton.
Na verdade, David havia se comportado, desde sua chegada, como

se já tivesse esquecido esses sentimentos.

Com sorte, e com o tempo, David a perdoaria e continuariam


amigos, como sempre foram. Mas amigos sem qualquer obrigação.

— Adeus, David — Payton disse, e silenciosamente saiu da


sala.

Grayson não viu Payton pelo resto do dia. Vagou pelos jardins, o
parque e os bosques, e então pegou um cavalo e saiu para uma

longa cavalgada. Quando voltou, estava nevando e estava escuro.

Também não viu Barrow, o que foi uma sorte. Então Grayson
percebeu que não tinha visto ninguém enquanto voltava para seu

quarto. Lavou-se, trocou de roupa e desceu para jantar, mas os


habitantes da casa não apareceram. Onde todos estavam?

— Apresse-se, rapaz — disse-lhe uma voz escocesa. — Você é


o último.
— O último para quê, senhor? — Grayson perguntou ao avô de
Lady Payton quando o ancião cambaleou em sua direção.

— Para a caçada, é claro. Aqui está sua lista. Você está com
Dylan e minha filha. Vá logo.

Grayson olhou para um pedaço de papel com uma confusão de


objetos escritos nele: um ferro, um medalhão, uma ferradura, um

dedal e uma dúzia de outras coisas estranhas que não tinham


relação entre si.

— O que é isso? — Ele perguntou intrigado.

— Uma caça ao tesouro, garoto. A primeira equipe a coletar os


itens ganha um prêmio.

Grayson hesitou.

— Onde está Payton? Lady Payton, quero dizer.

— Com primos mais velhos e um amigo. Por que você ainda


está aqui?

— A coisa é, senhor, eu... eu não tenho certeza com quem

falar...

O velho escocês fez um gesto com a mão para que se fosse.


— Sim, eu sei tudo. Dê tempo à garota para se acomodar, e ela
virá. Rompeu com o Major Barrow algumas horas atrás.

O coração de Grayson pulou uma batida.

— Ela o fez?

— Sim. Graças a Deus. Agora apresse-se. Aproveite enquanto


você é jovem.

Grayson sorriu com esperança repentina.

— Sim, senhor. Claro, senhor.

Enquanto se afastava, ouviu o vovô Mackenzie resmungando

atrás dele.

— No meu tempo, eu teria jogado a garota no ombro e corrido

com ela. Caso contrário, ela não pensaria que sou sincero.

Payton entregou seu tesouro — um chinelo de contas azuis, um


copo e um pequeno rolo de massa — para seu primo Patrick e
entrou no quarto em que viu seu avô entrar. A pequena antessala

estava coberta de pinturas que o pai de seu pai havia colecionado.


Um lugar estranho para o vovô Mackenzie se esconder: acreditava

que Van Dyke e Rubens eram superestimados. Apenas pintores

escoceses como Allan Ramsay e Henry Raeburn foram bons.

— Vovô.

O velho ergueu os olhos do sofá, onde estivera cochilando, mas

seus olhos estavam brilhantes, alertas. Ele levantou-se.

— Sim, querida? Está tudo bem?

— Não. — Payton afundou em uma cadeira de seda pintada. —

Está tudo de cabeça para baixo, vovô. Eu preciso do seu conselho.

— Você precisa? — Ele caiu de volta no sofá, um sorriso no


rosto. — Por que você vem a mim, garota, e não à sua mãe?

— Porque quando as coisas estão de cabeça para baixo, você


parece saber o que fazer.

— É verdade. Mas você também.

Payton estremeceu.

— Não, não sei. Eu estava perfeitamente feliz com a minha vida


como era. Então David começou a mudar, e o Capitão Conelly...
— Um bom rapaz, aquele Conelly — o vovô disse rapidamente.

— Meu conselho é fugir com ele. Você realmente gosta de beijá-lo.

O rosto de Payton ruborizou.

— Vô!

— Eu não sei por que você está tão envergonhada. Eu vi você

beijando ele no jardim, e o jovem Dylan disse que você também o

beijou na fogueira. — Vovô balançou a cabeça com impaciência. —

Pegue-o, Payton, e beije-o pelo resto da vida.

Payton corou ainda mais, sua mortificação completa.

— Você deveria ter feito sua presença conhecida em vez de


espreitar nos arbustos.

— Eu estava dando um passeio, moça, um bom passeio pelas


sebes de teixo. Não estava à espreita em qualquer lugar. Você

estava em plena luz do dia ao lado daquelas estátuas ridículas. Por

isso não entendo sua vergonha. Você não lhe deu um tapa e correu.

Pelo contrário, você o abraçou. Com entusiasmo.

— Ainda assim. — O constrangimento de Payton lutou contra a


euforia ao pensar no beijo. — Não posso decepcionar minha família

e mudar minha vida por capricho.


— Por que não?

— Porque... — Payton acenou com as mãos. — Seria tolo...

mal conheço o capitão Conelly. Ele poderia ser o canalha mais


malvado do mundo, pronto para me abandonar a qualquer

momento. O mundo real não é um conto de fadas, vovô.

— Graças aos céus por isso. Os contos de fadas são horríveis:

fadas não são as pessoas bonitinhas retratadas em livros para

meninas. Confie em mim. Eu sou descendente de bruxas e sei tudo


sobre fadas.

— Claro, avô. — Se não o interrompesse, o vovô poderia


continuar falando sobre como Shakespeare baseou as bruxas de

Macbeth nas mulheres da família de sua mãe. — O que quero dizer

é que não posso mudar tudo só porque um belo cavalheiro me


beijou — disse ela.

— Sim, você pode, e sabe disso. É por isso que você veio me

pedir conselhos, Payton, e não para sua mãe. Rosemary é meu

orgulho e alegria, ela é, mas é do tipo prático. A leveza de sua avó e

a loucura de minha família não se manifestaram nela. Rosemary é


mais como meu pai, um escocês robusto que nunca cometeu um

erro na vida. Isso não impediu os Hanoveriano de tomar tudo o que


ele tinha. — O olhar do vovô continha a raiva remota do passado,

então ele balançou a cabeça e voltou seu foco para o presente. —

Payton, você está infeliz porque acha que a vida deveria ser fácil.

Você gostaria que fosse. Achou que se casar com Barrow era a
opção mais fácil. Ele é conhecido de sua família, você sabe o que

esperar dele e se congratulou por não ter que procurar um marido

para cuidar de você pelo resto de seus anos. Mas você se


decepcionou. Pode ser a opção mais fácil para um marido, mas

você acabaria cuidando dele, e sabe disso.

— Por que isso é uma coisa ruim? — Payton perguntou com o

coração apertado. —Vovó cuidou de você.

O avô negou com a cabeça.

— Ela e eu cuidamos um do outro. E não tínhamos uma vida

tranquila no início; nossas famílias ficaram furiosas conosco,

tivemos que lidar com isso e encontrar uma maneira de viver e criar
nossos filhos. Não foi fácil, minha menina, mas é isso. A vida é

complicada. É um trabalho duro, muito duro. Muitos tentam

encontrar uma maneira de contornar isso, mas mesmo que esse


caminho pareça claro, pode estar cheio de miséria. Sente-se

impotente enquanto as coisas acontecem ao seu redor ao invés de


agarrar sua vida pelos chifres e sacudi-la. A felicidade vale a pena,

as decisões difíceis, o caminho cheio de espinhos... Não fique


sentada e deixe as coisas passarem por você, Payton. Você merece

muito mais que isso. Agarre sua felicidade, minha querida. Não

deixe esse momento passar.

Payton sentou-se em silêncio. Ela se sentiu esgotada, exausta,

desde que disse a David que nunca iriam se casar. Pensou que se
sentiria livre uma vez que fosse sincera com ele, como Grayson

havia dito que aconteceria, mas no momento, Payton só queria se

encolher e chorar.

— Mas eu posso dar um passo errado — disse ela. — Poderia

escolher o caminho difícil e ter uma queda brutal.

— Sim, poderia. E então você se levantaria e tentaria


novamente. Ou você pode parar ao longo do caminho e deixar a

felicidade escapar. Se não se agarrar à alegria enquanto pode,

talvez não tenha outra chance.

O coração de Payton começou a bater mais rápido.

— Eu sou uma mulher. Devo ter cuidado. Um homem em queda

pode ser ajudado por seus amigos. Uma mulher que cai é
condenada ao ostracismo por conta própria.
O avô negou com a cabeça.

— Só se esses amigos forem canalhas. Imagino que sua família


a apoiaria, não importa o quê. Eu sei que faria. — Ele levantou as

mãos, as palmas voltadas para ela. — Mas você se preocupa

porque foi ensinada assim. Você realmente acha que Conelly é um


embuste? Com uma série de corações partidos e mulheres

arruinadas atrás dele? Nós teríamos descoberto sobre essas coisas.

Barrow teria nos contado, você sabe o quanto ele gosta de fofoca. E

ele não teria trazido o capitão Conelly para esta casa com você e
sua mãe e seu pai se achasse que o homem era mau, não é?

Payton teve que concordar.

— Suponho que não...

— Seu pai conhece todo mundo na Inglaterra, e ele não é bobo.


Ele teria ouvido falar da reputação de Conelly se o homem não

fosse flor que se cheire e nunca o deixaria entrar. É mais difícil do


que você pensa ser um canalha em sigilo neste país. Alguém
saberá e não sentirá nenhum remorso em espalhar a história.

Payton não respondeu. Tudo o que o vovô dizia era razoável.

No entanto, ela tinha visto o que acontecia quando uma mulher se


casava mal: ela se ligava a um homem estúpido e imprudente que
não fazia nada além de desonrar sua família e afligir seus amigos.

O homem que David poderia facilmente se tornar...

— Grayson Conelly me parece um bom rapaz — continuou o


avô. — A família também é respeitável, pelo que ouvi. Além disso,
Conelly é um bom nome escocês.

— Claro. — Payton soltou uma risada trêmula. — É por isso

que você gosta.

— É uma das razões. Existem muitas outras. — Vovô se


levantou. — O que você está esperando, Payton? Sua felicidade
entrou pela porta ontem à noite. Vá em busca dela, vá até ele.

— Não me arrependo de ter dito a David que nunca me casaria

com ele — disse Payton com convicção. — E acho que você está
certo. Não mandarei o capitão Conelly embora, nem o afastarei
porque estou em dúvida. Ele ficará conosco por mais algum tempo.

Podemos nos conhecer, e talvez...

Suas palavras foram sumindo quando o vovô bufou.

— Vão se conhecer? Pode ser? Você não ouviu nada do que eu

disse? — Seus olhos brilharam. — Você está tentando tornar tudo


confortável novamente, o que significa deixar as decisões de lado,
esperar que as coisas aconteçam, em vez de forçá-las. — Ele
apontou imperiosamente para a porta. — Saia, Payton. Agora.
Encontre o Capitão Conelly. Diga a ele que vocês vão se casar. Não

pense nisso, não fique acordada ponderando as opções ou a espera


para ver o que acontece. Vá até ele agora.

Payton se levantou, o coração batendo forte.

— Não posso dizer que vou me casar com ele, vovô. Ele não
propôs.

— Então proponha você. Sua avó me propôs. Ela se cansou de

eu ter dúvidas. Então ela deu um passo à frente e me disse que ou


eu me casaria com ela ou ela iria embora e encontraria outra
pessoa.

Payton cobriu seus medos com uma risada. Podia imaginar

Alice Mackenzie fazendo exatamente isso.

— Mas eu não sou a vovó.

Os olhos do avô se suavizaram.

— Ah, sim, você é. Você se parece tanto com ela, Payton, que

nem percebe. Você é a cara dela quando era jovem, e tem o seu
espírito. Ela também sabia. — Lágrimas brotaram em seus cílios. —
Tenho tantas saudades dela.
— Ah, vovô. — Payton se lançou para ele, envolvendo os
braços ao redor de seu corpo. O velho apoiou sua cabeça em seu

ombro, um velho frágil, de ossos muito leves.

Depois de um tempo, eles se afastaram, ambos tentando sorrir.

— Vá com ele, Payton — disse o vovô. — Para o seu próprio

bem.

Payton beijou sua bochecha descolorida e se dirigiu para a


porta. Quando ela se virou para fechá-la atrás de si, ela viu as

lágrimas do vovô escorrendo incontrolavelmente pelo rosto e ele as


enxugando com uma dobra de seu tartan escocês.
Capítulo 6

G
rayson notou que Barrow não parecia muito mal-
humorado por Lady Payton o ter recusado. Ele

observou enquanto Barrow saía à caça, cacarejando


sobre as coisas que havia encontrado para seu grupo,
enquanto olhava fascinado para a filha dos convidados de Kent. Seu

comportamento não era tanto o de um homem de luto, mas o de um


que recebera um indulto.

Grayson sabia que se Payton o tivesse recusado, ele ficaria


infeliz, arrancando os cabelos e batendo no peito como o melhor

herói da ópera.

Estava com medo de que Payton tinha em mente afastá-lo


também quando ela olhou para baixo da galeria superior e chamou

sua atenção. Deu-lhe um longo olhar antes de descer as escadas e

desaparecer na biblioteca.
Grayson, que não havia encontrado nenhum dos itens de sua

lista, não estava interessado no jogo, entregou seu papel a Dylan e


disse-lhe para continuar.

— Payton...? — Grayson sussurrou enquanto entrava na

biblioteca. Estava escuro, com algumas velas acesas para os


jogadores e uma lareira acesa para neutralizar o frio. O frio era a

razão pela qual ninguém estava ali: o aposento estava bem vazio.

Grayson fechou a porta.

— Payton?

Ela se virou das sombras perto da lareira. Grayson se

aproximou hesitante.

Quando estava a alguns passos de distância, Payton sorriu


para ele. Aquele sorriso brilhou como um raio de sol, iluminando o

aposento em seus cantos mais escuros.

— Capitão Conelly — Lady Payton disse. — Você quer se casar

comigo?

Grayson parou de respirar. Ele sabia que seu coração ainda

batia, porque sentia o sangue fluir com força. Mas não sentiu mais

nada, como se tivesse sido envolto em bandagens, como na vez em


que um sabre francês perfurou seu ombro e o cirurgião imobilizou
sua parte superior do corpo como se fosse um bebê.

Aquele ombro latejou, a velha dor ressurgiu e o ar voltou para

seus pulmões.

— Payton.

— Eu sou sincera, eu lhe asseguro — ela disse, como se

soubesse que ele iria contestar sua declaração. — Eu sei que estou

fazendo isso ao contrário, mas...

Grayson colocou as mãos trêmulas em seus ombros, na seda

azul de seu manto aquecido.

— O que é certo para você, minha linda fada?

— O vovô iria desmaiar se ouvisse você dizer isso — Payton

disse alegremente. — Acho que ele tem muito medo de fadas.

Mesmo que tenha se casado com uma.

Grayson a abraçou com mais força. Não se lembrava de como

Payton tinha acabado em seus braços, mas no instante seguinte ele

a estava beijando, profunda e possessivamente, e ela respondeu


com a paixão louca que viu em seus olhos.
Aquele beijo terminou, mas eles mal tiveram tempo de respirar

antes que outro começasse. E mais um.

Eles acabaram na poltrona em frente ao fogo, colocada ali para


que o leitor pudesse manter os pés aquecidos. O grande corpo de

Grayson ocupou a maior parte, mas havia espaço para Payton em


seu colo.

Eles se beijaram novamente, Grayson embalando-a.

Ele não tinha ideia de quanto tempo tinha passado, mas no final
atraiu Payton para que descansasse sobre seu ombro.

— Nós vamos para Gretna Green? — Ele perguntou em voz

baixa.

Payton levantou a cabeça, seus olhos azuis brilhando no quarto


escuro.

— Não, claro que não. Quero que minha família e amigos


estejam presentes. Mas logo.

— Que sorte minha licença durar um mês. Tempo suficiente

para que os proclamas sejam lidos em sua igreja paroquial. E


depois? Vai voltar comigo para a tropa? Pode ser uma vida difícil.

Payton tocou sua bochecha.


— Quero ir com você. Estou disposta a enfrentar o desafio, a

desistir do caminho mais seguro. — Ela falou as palavras com força,


como se esperasse que Grayson a convencesse a desistir.

Ele não tinha intenção de fazê-lo. Com Payton ao seu lado, a

vida no acampamento não seria mais sombria.

— Pretendo vender minha posição em alguns anos, de

qualquer forma. Não me vejo como um militar de carreira, embora


goste de viajar.

— Anseio viajar.

Suas palavras foram firmes. Com a trepidação e fogo de

Payton, Grayson acreditou nela.

— Depois disso — disse ele — terei uma casa esperando por


mim. Uma das fazendas menores do meu pai.

Payton sorriu.

— Excelente.

— Na verdade não, precisa de muito trabalho. Mais uma vez,

não prometo conforto.

— Eu não quero isso. — Payton beijou seu queixo. — Eu sou

resistente. E habilidosa. Gosto de fazer coisas, e não me refiro a


bordar. Pensando bem, minha avó nunca bordou na vida.

— Eu sei. — Grayson acariciou seu cabelo. — Seu avô me


contou muito sobre ela quando o conheci em Londres.

Payton se acalmou. Muito lentamente, levantou a cabeça.

— Você conheceu meu avô em Londres?

Grayson assentiu.

— Última primavera. Estava em outra licença, bem mais curta,


para visitar minha família. Passei uma noite em Londres e, na

taverna perto do meu alojamento, conheci um velho escocês


engraçado que ficou encantado em sentar-se comigo e contar

histórias. Mencionei minha amizade com Barrow, e seu avô pareceu


satisfeito.

— Pareceu, não é? — O tom de Payton ficou sombrio.

— Com certeza. Mas quando cheguei ontem à noite, ele me


pediu para não mencionar nosso encontro anterior com ninguém.

Não tenho ideia do porquê, mas não vi nenhuma razão para não o
agradar.

Ele se inclinou para beijá-la novamente, para saborear o gosto

de seu fogo, mas Payton colocou a mão em seu peito.


— Você me dá licença por um momento, Grayson?

Ele acariciou sua bochecha com a ponta dos dedos.

— Quando você diz meu nome, não posso recusar, amor.

Seus olhos se suavizaram, mas ela se levantou do colo dele.

Grayson se levantou com ela, uma mão firme em sua cintura.

— Eu não vou demorar — Payton prometeu.

Ela saiu da sala com a cabeça erguida. Grayson a observou,


então riu para si mesmo e a seguiu.

— Vovô.

Ela descobriu que ele havia se ido para a sala de estar menor e
mais quente, só que desta vez ele realmente adormeceu. O velho

acordou e se levantou, o frasco de uísque que carregava caindo no

chão.

— Que diabos…? Payton, o que foi?

Ela apontou um dedo acusador para o rosto dele.

— Você conheceu o capitão Conelly em Londres na primavera

passada.

— Conheci? — Vovô franziu a testa, então esfregou o queixo

em pensamento. — Agora que você me lembrou, acho que sim.


Minha memória não é mais o que era.

— Eu acho foi um truque de sua parte. — Payton plantou as

mãos nos quadris. — Sabia que ele era amigo de David. Você
colocou a ideia na cabeça de David de trazer o Capitão Conelly aqui

para Hogmanay, não foi? Não tente me enganar, por favor.

— Hmm... Poderia ter mencionado nosso encontro em uma

carta para o jovem Barrow.

— E você disse a David para deixar o capitão Conelly entrar na

casa primeiro.

— Bem, ele é moreno. E alto. E as damas acham que ele é

bonito. — Vovô abriu as mãos. — Minha previsão se concretizou,


viu? Você vai se casar com o Primeiro Visitante deste ano. Vejo pelo

seu rubor que ele aceitou sua proposta.

As bochechas de Payton estavam vermelhas.

— Previsão? Você planejou isso desde o início, seu velho

impostor.

O avô se levantou.

— E se eu fiz isso? E se conhecesse a família de Conelly e

determinasse que eles são dignos de você? Capitão Conelly é um


par muito melhor para você do que Barrow. Meus ancestrais eram

bruxos, sim, mas sempre tinham recursos para garantir que o feitiço

funcionasse.

Uma risada profunda fez Payton se virar. Grayson se inclinou

contra o batente da porta, seus olhos cinzas brilhando de prazer.

— Graças a Deus o senhor fez isso — disse ele. Ele caminhou

até Payton e colocou uma mão forte em seu braço. — O senhor e


seus ancestrais sempre terão minha gratidão, senhor. Payton e eu

vamos nos casar no final do mês.

O avô deu a Payton um olhar esperançoso.

— Está tudo bem, este final de mês está bem?

Payton correu em um ataque de amor e pegou seu avô em um

abraço exuberante.

— Sim, avô, graças a você. Eu te amo muito.

O avô se afastou com dificuldade, mas as lágrimas em seus

olhos tocaram o coração de Payton.

— Vocês dois saiam agora — disse o velho. — Têm que se

beijarem muito mais. Ainda é Hogmanay.

Grayson uniu sua mão com a de Payton.


— Uma excelente sugestão — afirmou.

— E não se preocupe com Barrow. Já o vi beijando a Srta.

Pembroke.

Payton piscou. A senhorita Pembroke era filha dos amigos Kent

de seus pais.

— É rápido, o bastardo.

— Então ele pode fazer o brinde em nosso casamento — disse


Grayson. Ele puxou Payton firmemente em direção à porta. — Acho

que gostaria de ir à biblioteca novamente, para continuar nosso...

planejamento.

Payton o abraçou, sua raiva e exasperação se dissolvendo. Ela

precisava desse homem, que veio até ela tão inesperadamente para
tirá-la de sua vida monótona.

— Uma boa ideia.

No corredor frio, Grayson se inclinou para Payton e sussurrou


em seu ouvido.

— Você é a beleza e a luz. Eu te amo Payton. Isso eu já sei.

— Eu sei que eu também o amo.


Eles selaram sua declaração com um beijo que queimou com

uma paixão que Payton ansiava, a liberdade feroz de sua juventude

desencadeada mais uma vez.

Quando estava sozinho na sala de estar, Connor Mackenzie

ergueu seu cantil até uma pintura de uma linda mulher com cabelos
soltos saindo por baixo de um chapéu de abas largas. Ela sorria

para ele segurando uma cesta de flores, seu corpete escorregando

para revelar um ombro sedutor. Seus olhos eram de um azul


profundo e seu cabelo, preto como a noite.

— Consegui, Alice — ele disse, sua voz áspera. — Eu fiz com


que nossa garota ficasse feliz. Abençoada seja você, amor.

Ele brindou o retrato, feito pelo grande Ramsay, e tomou um


longo gole do uísque de malte.

E poderia jurar que Alice, sua amada esposa, seu coração,

sempre em seus pensamentos, piscara para ele.


Notas

[1]
Hogmanay é como os escoceses chamam a noite de ano novo. Tem sua origem
na celebração do solstício de inverno entre os vikings, que celebravam no final de
dezembro (N. da Autora.).

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