O empoderamento feminino na poesia de Maria Teresa
Horta
Universidade de São Paulo
Aréa de conhecimento: Literatura Portuguesa
Orientadora: Dra. Marlise Vaz Bridi
Aluna: Nicole Guim de Oliveira
Introdução:
A obra de Maria Teresa Horta é conhecida por problematizar as relações sociais e de
gênero naturalizadas em nossa sociedade. Ao ler grande parte da poesia da autora,
deparamo-nos com uma visão de mundo que busca desconstruir os elos impostos pelo
patriarcado, colocando a figura da mulher no centro das próprias ações e dando voz ao
desejo feminino.
Escolhemos duas obras, Minha Senhora de Mim (1971) e Os Anjos (1983), para
comentarmos brevemente de que maneira é possível observar na poesia da autora o
empoderamento feminino, por meio da apropriação discursiva que se dá à medida em que
a mulher toma consciência do próprio corpo e dos próprios desejos.
Métodos:
Há que se considerar a relação existente entre a temática da poesia de Maria Teresa Horta
e o pensamento feminista de Simone de Beauvoir. Os poemas de Minha Senhora de Mim
parecem apontar para o empoderamento da mulher, que acontece quando esta começa a se
apropriar de seu corpo e desejo, e o sujeito poético feminino acaba também se
apropriando de um discurso anteriormente forjado e atribuído à voz feminina, se
pensarmos em seu diálogo com as cantigas de amigo medievais.
Quanto à obra Os Anjos, o diálogo com a tradição acontece à medida que a autora
subverte a imagem do anjo – comumente associada ao sagrado e ao religioso – para se
referir, nesse caso, à bissexualidade feminina e à libertação dos desejos femininos que
não necessariamente devem envolver um sujeito marcadamente masculino.
Parece-nos, dessa maneira, que a obra da autora busca confirmar a ideia de que a
condição da mulher na sociedade é algo ideologicamente construído, e não naturalmente
adquirido. Do mesmo modo, e não por acaso, de acordo com Simone de Beauvoir em O
Segundo Sexo, “a sujeição da mulher à espécie, os limites das suas capacidades
individuais, são factos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos elementos
essenciais da situação que ela ocupa neste mundo” (2008, p. 67).
No que se refere à apropriação da palavra, faz parte das bases teóricas deste trabalho o
texto de Tununa Marcado (1994), O tempo de uma poética feminista, em que temos uma
discussão acerca da necessidade feminina de tomar a palavra para, agora, ser a escritora
da própria história e para dar voz às próprias vontades:
Parece-me, a esta altura, que se apoderar da palavra, vencer o medo de se
fazer ouvir no espaço público, reivindicar a gritos, foi então o trabalho de
resistência ao poder em todas as suas manifestações. Colocar-se no lugar do
sujeito da enunciação usurpado pelo homem não era, no entanto,
transformar o modelo, era apenas mimetizar-se com uma maneira e um
instrumento. Falava uma mulher, falava por todas, mas aceder ao uso da
palavra por haver subido o volume não era dar-se estritamente um discurso,
quanto mais era, e é, reivindicar um lugar, dizer aqui estou e estas são
minha denúncia e minha demanda.
Discussão e Resultados:
Tendo como base os referenciais teóricos citados, observamos nas obras uma
problematização quanto ao espaço ocupado pela mulher na sociedade,
principalmente no que se refere à sua sexualidade e à expressão de seus desejos. Em
Minha Senhora de Mim, notamos que a autora se apropria da forma canônica das
cantigas de amigo para subvertê-la, uma vez que coloca o sujeito poético feminino
como agente das próprias vontades, e não mais como objeto de desejo masculino.
Quando pensamos na obra Os Anjos, notamos a subversão de algumas imagens
anteriormente utilizadas pela poesia portuguesa canônica como figuras sagradas,
como a própria imagem do anjo. Além de ser a representação da elevação espiritual,
a figura do anjo é comumente associada à religiosidade, ligada à tradição cristã. Na
obra de Maria Teresa Horta, porém, essa figura deixa a posição de divindade para
humanizar-se: sexualizada e ambígua, a imagem angelical aparece como fusão entre
masculino e feminino, ao passo que a sexualidade é elevada a um nível espiritual
por estar nos corpos dos anjos.
A figura angelical aparece, portanto, como representação da androginia e da
bissexualidade. Não por acaso, a obra possui três epígrafes que se referem a tais
identidades: estar disposta a não seguir os padrões impostos pelo patriarcado ou não
estar à disposição apenas dos desejos masculinos fazem parte de um processo que
tem como objetivo colocar figura feminina como centro das próprias vontades e
como sujeito das próprias ações, libertando-a da subserviência ao imaginário
masculino.
Conclusão:
Desse modo, a leitura das obras nos leva a pensar que a libertação da mulher dentro
do patriarcado tem início quando lhe é dado o direito à palavra – e quando essa
palavra é ouvida. “não há nada/ que a nossa voz não abra/ Nós somos as bruxas/ da
palavra” (2009, p. 545): como meio de libertação feminina, a palavra transforma
anjos em bruxas. Afinal, ter o direito à fala transgride a ordem que há muito foi
imposta às mulheres: a do silêncio.
Referências Bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad. de Sérgio Milliet. Lisboa: Quetzal
Editores, 2008. 2 v.
HORTA, Maria Teresa. Poesia Reunida. Prefácio de Maria João Reynaud. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 2009.
MERCADO, Tununa. O tempo de uma poética feminista. In: La letra de lo mínimo,
Rosário: Beatris Viterbo, 1994.