Você está na página 1de 5

Psychê

ISSN: 1415-1138
clinica@psycheweb.com.br
Universidade São Marcos
Brasil

Souza, Mériti de
Reseña de "Angústia" de Vera Lopes Besset
Psychê, vol. VI, núm. 10, 2002, pp. 225-228
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701019

Cómo citar el artículo


Número completo
Sistema de Información Científica
Más información del artículo Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal
Página de la revista en redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto
BESSET, Vera Lopes (org.). Angústia. São Paulo: Escuta,
2002. 216 p. ISBN 85-7137-200-4.

ada vez que se lê sobre o tema da an- psicoterápicos e obliterado nas suas práti-
C gústia, a leitura se faz acompanhar da
expectativa de encontrarmos respostas à
cas. Em outras palavras, as práticas clíni-
cas cada vez mais adotam a eficácia e rapi-
própria condição humana. Afinal, confor- dez dos psicofármacos e da atividade tera-
me lembra-nos Hanna Arendt, esse afeto é pêutica diretiva e massificada.
inerente ao homem. “Felicidade Clandestina” é o título de
No contexto contemporâneo, marcado um conhecido conto de Clarice Lispector,
pelo uso indiscriminado dos psicofármacos nossa mestra maior no trato com a paixão
e por propostas terapêuticas que prometem e com a linguagem como paixão. Nesse con-
alívio imediato para o sofrimento psíquico to, a personagem sofre com a angústia
e a restituição às pessoas da condição ide- infligida por uma amiga que lhe promete o
alizada de felicidade, livre de enfrentamen- aceso a um livro desejado e posterga a en-
tos e dissabores, essa expectativa se acir- trega do objeto. Um belo dia, a mãe da
ra. Encontramos a busca por alívio para o amiga descobre o ato da filha e entrega à
sofrimento ancorada na busca pela “cura” personagem o livro ansiado. De posse des-
desse afeto, acompanhada agora pela es- se objeto, a angústia da menina permane-
perança demasiadamente humana e con- ce, pois ela não pode (não consegue)
temporânea de que tudo se resolva muito desfrutá-lo. Antes, ela cria e interpõe à sua
rápido e, de preferência, com pouco inves- satisfação variados e demorados rituais que
timento emocional. ora a levam a cultivar e cultuar o objeto,
Ao final da leitura do livro Angústia, ora a levam a degustá-lo aos poucos. Ela
organizado por Vera Lopes Besset, essa adia a felicidade, criando “as mais falsas
possibilidade, felizmente, se desvanece e dificuldades para aquela coisa clandestina
outra surge: a de que o lugar marcado pela que era a felicidade”.
falta e pelo desamparo se revele como difí- Assim, após a posse do livro desejado,
cil de ser ocupado, mas mantenha-se como a personagem também se angustia. Ao fi-
morada para o homem, pois é o único lugar nal (se é que existe algum), a personagem
que sustenta o legado demasiado humano pressente, entre feliz e aflita, que o seu
da nossa existência. Dizemos isso já que os desejo pelo objeto permanece, pois ele era
artigos que compõem a obra, em sua maio- outro – “não era mais uma menina com um
ria, centram o debate na relação da angús- livro: era uma mulher com o seu amante”
tia com a subjetividade, mantendo o (Lispector, 1971, p. 8).
referencial do humano que, nos tempos A angústia se explicita no trabalho da
modernos e pós-modernos, encontra-se clínica ao profissional predisposto a escu-
cantado em prosa e verso nos discursos tar o sofrimento. O sujeito portador de um

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 225-228


226 | Resenhas

sofrimento fala sobre suas experiências que afeto central. A autora coteja os trabalhos
ofereceram e oferecem suporte ao pulsio- freudianos e lacanianos nos aspectos refe-
nal, que insiste em se manifestar no corpo rentes aos modelos filogenéticos e lingüís-
ou na linguagem. O profissional escuta o ticos, bem como nas referências à repeti-
diálogo pulsão e linguagem, procurando ção, para extrair as implicações desses
demarcar os caminhos clandestinos toma- modelos na atividade terapêutica e na con-
dos pela pulsão na sua busca de satisfação. cepção de angústia. Tracejar as errâncias
Tomando por referencial a escuta des- desse afeto revela-se como o caminho para
se diálogo, as abordagens teóricas e meto- o trabalho analítico, pois, como a angústia
dológicas na leitura e no trabalho com a explicita o subjetivo do “objeto a”, o ana-
angústia podem assumir diferentes confi- lista não procura curar o sujeito da angús-
gurações. Encontramos essa leitura sob a tia, mas “despertá-la”. Esse texto dialoga
ótica das duas teorias freudianas – ou, se com o de Carlos Alberto Pegolo da Gama e
preferirmos, da reformulação da primeira de Manoel Tosta Berlinck, no tocante à
teoria, marcada pela diferença no enfoque manutenção da idéia freudiana de que a
do eu e na relação com o desamparo. As- angústia não considera o objeto. A partir
sim, também podemos pensar a angústia desse referencial, os autores trabalham a
como ligada ao desamparo e não necessa- idéia da agorafobia, pensando o espaço
riamente sexualizada. A angústia não se como objeto e suas relações com a consti-
aniquila e as suas manifestações podem ser tuição subjetiva e com a angústia.
desbastadas utilizando-se o trabalho tera- Dialogando com os autores acima, Má-
pêutico para traçar novas trajetórias para rio Eduardo Costa Pereira discute o texto do
as pulsões. médico alemão Karl Westphal (escrito em
Na coletânea organizada por Vera Lo- 1872). O clássico trabalho de Westhphal dis-
pes Besset, os textos se cruzam, se entre- corre sobre o tema da agorafobia, inaugu-
laçam, se confrontam, produzindo nesses rando as possibilidades de pensarmos a an-
encontros novas referências às leituras so- gústia a partir do espaço como objeto de or-
bre o tema. Os textos procuram não esta- ganização psíquica. Em outro artigo, Perei-
belecer possíveis origens da angústia, pois, ra trata da relação entre o outro e a angús-
nessa perspectiva, estariam funcionando tia, ressalvando especificamente as incidên-
como instituintes de um lugar de produção cias corporais, ou seja, destaca a idéia des-
de referências aos modelos interpretativos se afeto como associado à demanda do ou-
definidos a priori, ou às estratégias de in- tro, sem objeto específico, a não ser a sua
tervenção voltadas à profilaxia. A produ- incidência corporal.
ção de uma escrita originária sobre a an- O artigo de Marcus André Vieira ex-
gústia poderia funcionar como a busca pela plicita a pergunta sobre a angústia do ana-
cena primária, configurada nesse caso como lista, especialmente aquela suscitada pela
a definição da origem e de práticas direcio- possibilidade de distintos lugares a serem
nadas a extirpar esse afeto. ocupados por esse profissional, em decor-
A referência, ou melhor, a construção rência da existência de novos sintomas en-
de referências, desloca-se para o leitor que, gendrados pela pós-modernidade. Em ou-
nessa posição, se vê interpelado e interpe- tras palavras, ele questiona os discursos
lando os autores. Temos, assim, o texto de sobre as novas modalidades de sofrimento
Tânia Coelho dos Santos, que retoma a dis- psíquico e a necessidade de reformulação
cussão lacaniana sobre a angústia como o (atualização) da Psicanálise para atender

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 225-228


Resenhas | 227

essa demanda. Por seu turno, Marisa Schar- possibilidade de confrontar o sujeito com a
gel Maia diferencia a angústia de vida, como verdade do “eu não sou” perante a crença
afeto existencial, da angústia de morte, do “eu”. Um caso clínico também ilustra o
como vivência ligada ao aniquilamento. Ela trabalho de Vera Lopes Besset e de Maria
discute as alterações na sociabilidade – es- Angélica de Mello Pisetta, que discute o
pecialmente na modernidade e na pós-mo- tema das fobias, particularmente sua pre-
dernidade – e suas relações com as confi- sença na infância. Para tanto, as autoras
gurações do sofrimento humano e a práti- utilizam os conceitos freudianos de angús-
ca clínica. tia e castração e a leitura posterior realiza-
Alguns textos focalizam o diálogo com da por Lacan sobre esse tema. A defesa da
outros autores, além de Freud e Lacan, tese lacaniana de que a angústia é o afeto
como faz Sandra C. Tschirner, ao abordar o verdadeiro por não ser sem objeto é reafir-
tema privilegiando sua leitura a partir da mada no artigo apresentado por Marcelo
noção de desamparo humano, conforme Veras. O autor utiliza-se de casos clínicos
analisada por Winnicott. Ela recupera os para discutir o pânico e critica práticas que
conceitos de função materna e de falha buscam apenas diagnosticar e tratar. Ele
ambiental para discutir o desenvolvimento sustenta o caráter de subjetivação da ex-
físico e emocional do bebê e suas relações periência que o pânico expressa, o que de-
com as ansiedades e angústias primitivas. manda sua escuta.
Nessa perspectiva, quando o ego fica de- A preocupação com a prática clínica
masiado exposto às intrusões e às invasões, permanece em outro texto de Vera Lopes
ocorre a organização de um falso self como Besset. Mantendo o referencial lacaniano
forma de defesa e de proteção para o ver- da “angústia como o real por excelência”,
dadeiro self. Essa concepção orienta o tra- a autora, inicialmente, trabalha os referen-
balho do analista no sentido de trabalhar ciais freudianos, acompanhando a trajetó-
com as ansiedades e as angústias suscita- ria das definições e mudanças referentes à
das pelas relações estabelecidas entre o organização desse afeto. Assim, pontua-se
falso self e o verdadeiro self. o impasse metodológico que o entendimen-
O diálogo entabulado por José Newton to da angústia como sinal trouxe à clínica,
Garcia de Araújo utiliza a analítica existenci- ressalvando o aspecto de a angústia como
al para discutir as concepções de Heidegger sinal não ser uma mensagem que se dirige
de cuidado e tempo, estabelecendo pontos a Outro. A discussão continua com Lacan e
de contato com as discussões psicanalíticas sustenta o conceito de resto descrito teori-
sobre a angústia. Assim, ele ressalta as pon- camente como o “objeto a”. De fato, per-
tes entre angústia e cuidado, como constitu- corre o texto a idéia lacaniana do “objeto
indo o núcleo da concepção heideggeriana. a” como resto que não se deixa capturar
A partir desse aporte teórico, são es- pelo simbólico e não se deixa localizar, tra-
tabelecidas passarelas com as concepções duzindo, portanto, o paradoxo da tese da
freudianas de estranheza e desamparo e angústia como sem objeto. A autora reafir-
com a concepção lacaniana de estranho, ma a idéia da angústia como a certeza do
quando este autor relaciona o mundo e o sujeito e como referência ao trabalho ana-
outro à angústia. lítico, ou seja, não se trata de extirpá-la ou
Um caso clínico serve de mote à Marie calá-la, mas de escutá-la.
Hélène Blancard-Briole para trabalhar a Novamente Clarice. No conto “A men-
transferência na relação analítica e sua sagem”, ela nos fala sobre o encontro de

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 225-228


228 | Resenhas

um casal que se reconhece na angústia o psíquico. Considerando, ainda, que “Cada


compartilhada. Inicialmente, a solidão e o um fôra alguma vez feliz, e ficara com a
desamparo de ambos quedam-se marca do desejo” (Lispector, 1971, p. 86) e
submersos no encontro, “A princípio, quan- a permanência da busca pelo encontro do
do a moça disse que sentia angústia, o ra- inaudito que poderia nos completar e ofe-
paz se surpreendeu tanto que corou e mu- recer sentido, a leitura também se revela
dou rapidamente de assunto para disfarçar estimulante a todos que se reconhecem
o aceleramento do coração...”. como marcados pelo desejo.
“Assim, engolida emocionadamente a
alegria involuntária que a verdadeiramen- Referências Bibliográficas
te espantosa coincidência dela também ARENDT, H. A condição humana. Rio de Ja-
sentir angústia lhe provocara – ele se viu neiro: Forense Universitária, 1983.
falando com ela na sua própria angústia, e LISPECTOR, C. A mensagem. In: . A le-
logo com uma moça! Ele que de coração de gião estrangeira. São Paulo: Ática, 1977.
mulher só recebera o beijo da mãe” . Felicidade clandestina. Rio de
(Lispector, 1977, p. 31). Janeiro: Sabiá, 1971.
Entretanto, o encontro se desfaz quan- WESTPHAL, Karl. Die Agoraphobie, eine
do ambos encontram em uma casa a neuropathische Erscheinung. Archv for
presentificação do afeto que os unia e que Psychiatrie und Nervenkrankheiten. Berlim:
passa a separá-los. Afinal, a casa encarna Editora August Hirschwald, 1872. (Edição da
agora a morada ancestral e eles podem se coletânea Angústia; tradução Tereza Maria
olhar e se perceber naquilo que os distin- Souza de Castro; revisão técnica Mário E. C.
gue e separa. Pereira).
A escrita possibilita ao leitor o acesso
ao que de belo, de limite e, portanto, de Mériti de Souza
humano, ela contém. E o livro organizado
Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica (PUC/
por Vera Lopes Besset sustenta esse lugar SP); Professora Graduação e Pós-Graduação em
do humano, marcado pelo pensar as rela- Psicologia da Universidade Estadual Paulista
ções entre subjetividade e angústia, fato (UNESP/Campus Assis); Coordenadora do La-
imprescindível nos dias atuais. Destacan- boratório de Psicopatologia Fundamental da
do esses aspectos, trata-se de obra reco- UNESP.
mendada para todos aqueles empenhados e-mail: meritidesouza@yahoo.com
na escuta do sofrimento e no trabalho com

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 225-228

Você também pode gostar