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E-ISSN: 2176-9893
nonada@uniritter.edu.br
Laureate International Universities
Brasil
Resumo: Este artigo tem como objetivo tecer considerações a respeito da narrativa Circuito Fechado, de
Ricardo Ramos estabelecendo uma relação com a Teoria da Estética da Recepção – proposta teórica de
Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser. Desta forma pretende-se apresentar a relação entre os elementos da
tríade: autor (Ricardo Ramos), obra (Circuito Fechado) e público leitor, destacando o leitor como ativo no
processo e fundamental na completude do texto ao preencher os vazios deixados pelo escritor. Nesse
sentido, as reflexões apresentam ainda, o conceito de horizonte de expectativas enquanto passo mais
elementar da recepção, demonstrando como se dá o processo de atribuição de sentidos ao texto. Assim
pensadas as teorias aqui apresentadas, será possível observar as divergências e convergências entre a
Teoria da Estética da Recepção e o Estruturalismo e Marxismo, além de viabilizar uma possibilidade de
análise das tantas plausíveis para Circuito Fechado, ressaltando o homem moderno e suas
especificidades, e valorizar um grande ficcionista que desventuradamente não configura no cânone.
Abstract: This article aims to make considerations about the narrative Circuito Fechado by Ricardo
Ramos establishing a relationship with the Theory of Aesthetics of Reception - theoretical proposal of
Hans Robert Jauss and Wolfgang Iser. So we intend to present the relationship between the elements of
the triad: Author (Ricardo Ramos), work (Circuito Fechado) and readership, highlighting the reader as
active in the process and instrumental in the completion of the text to fill the voids left by the writer. In
this sense, the reflections still present, the concept of horizon of expectations while most elementary step
of receiving, demonstrating how is the process of assigning meanings to the text. So thought the theories
presented here, you can observe the differences and similarities between the Theory of Aesthetics of
Reception and structuralism and Marxism, besides providing a possibility of analyzing of many plausible
to Circuito Fechado, highlighting the modern man and its specificities, and value a great novelist who
unfortunately is not in the canon.
Introdução
1
Doutoranda em Estudos Literários (PPGEL), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT),
campus de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: jeycydepaula@hotmail.com.
2
Doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); docente
do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), campus de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil.
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escritor/obra/público leitor passou a ser considerada a partir das reflexões teóricas sobre
o conceito de literatura e a função social do escritor.
No Brasil, Antonio Candido preocupa-se em compreender essa espécie de
corresponsabilidade. Na obra Literatura e Sociedade (2000) aponta a tríade de que
estamos tratando neste estudo: autor, obra e leitor. Candido não menoriza nenhum dos
elementos, pois segundo ele trata-se de “um jogo permanente de relações entre os três,
que forma uma tríade indissolúvel” (CANDIDO, 2000, p. 38). Afinal, de acordo com a
Teoria da Estética da Recepção proposta por Hans Robert Jauss (1979) o leitor é um ser
dinâmico e não passivo, como outrora fora visto. Na Teoria da Recepção, o texto se
completa no leitor como se pode observar no conto proposto para estudo – Circuito
Fechado de Ricardo Ramos.
Conforme Jauss (1979, p. 69), “A experiência primária de uma obra de arte
realiza-se na sintonia com seu efeito estético na compreensão fruidora e na fruição
compreensiva”. O leitor não apenas contempla a obra de arte, mas desloca-se para
dentro dela, e ao fazer parte da obra vive-a esteticamente e consegue, então, distanciar-
se de sua condição real e refletir sobre a mesma. E assim ocorre a experiência estética
em que o leitor desfruta do prazer suscitado pela apropriação subjetiva do objeto (o
texto). Por conseguinte, uma obra de arte só alcança significado através da experiência
estética. Esse diálogo entre obra e leitor revela o efeito estético mencionado na citação
anterior.
Em consonância com tais proposições se configura a análise da narrativa
“Circuito Fechado” apresentada neste trabalho. Observa-se que Ricardo Ramos deixa
nas mãos do leitor o desfecho da obra. O artífice estabelece diretamente um diálogo
com o leitor, utilizando elementos – título, configuração do texto e escolha de palavras –
que incitam o receptor a participar efetivamente do processo de criação da obra.
Destaca-se também a relação de Circuito Fechado e o filme Tempos Modernos
de Charlie Chaplin, embora se manifestem em veículos e formas diferentes, possuem
muitas semelhanças que são discorridas no corpo deste texto.
O conto Circuito Fechado 1, que faz parte da obra de mesmo nome, surpreende,
de início, pelo título, que remete à ideia de caminhos que se cruzam e se fecham. Ao
entrar no texto, o leitor se depara com uma estrutura que foge do convencional. Trata-se
de um amontoado de substantivos que, coerentemente dispostos, dão vida ao texto.
Assim a tríade é formada - autor (Ricardo Ramos) x Texto (Circuito Fechado) x público
leitor – e inicia-se o jogo.
Wolfgang Iser (1979) apresenta o leitor como “jogador”. Para esse autor alemão,
o texto é o campo do jogo em que o autor propõe as regras ao criá-lo, apresentando no
texto um mundo não palpável e formando um acordo com o leitor de tratar o mundo
apresentado no texto, não como realidade, mas como se fosse realidade. Nessa
configuração, podemos pensar que o leitor ao aceitar o acordo proposto por Ricardo
Ramos, torna-se jogador e se propõe a imaginar as formas do mundo dantes criado e a
atribuir significado a essas formas, interpretando-as.
Ricardo Ramos constrói um texto singular – a narrativa é um emaranhado que,
ao ser encontrada pelo leitor, toma sentido. Tal conjectura se dá pelos vazios do texto
deixados pelo autor, intencionalmente ou não. Ricardo Ramos apresenta o texto,
entretanto a significação plena só ocorrerá pelas injunções do leitor ao preencher os
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vazios, portanto a obra é passível de inúmeras significações, dadas pelo receptor, o qual
ao realizar esse processo torna-se coautor do texto. Nesse sentido Antonio Candido
(2000, p.35) afirma que o leitor “é que decide (d)o destino da obra, ao interessar-se por
ela e nela fixar a atenção”.
Desta forma, as interpretações podem ser infinitas devido às ideologias que cada
leitor carrega. Entendemos, aqui, o conceito de ideologia semantizado por Marx, na
Contribuição à Crítica da Economia Política.
e Charlie Chaplin abdica do recurso da fala, propondo cenas mudas que falam por si só.
Apropria-se da linguagem não-verbal – gestos, feições, expressões e posturas – para
compor o texto, neste caso, exposto em forma de filme.
Embora, os discursos sejam produzidos em épocas distintas – enquanto, em
1936, os Estados Unidos se recuperava da grande depressão (1929) e necessitava de
fortalecer a mão de obra para assegurar o desenvolvimento econômico do país, o Brasil,
na década de 70 iniciava efetivamente o processo de urbanização e industrialização do
país – se unem ao apresentar similitudes: tratam da mesma temática, o homem e a
máquina; e proporcionam de forma ímpar autonomia ao leitor para atribuição de
significados.
Assim, a similitude das obras é relacional. Em Circuito Fechado, o leitor recebe
de Ricardo Ramos, um misto de substantivos e os transforma mentalmente em orações e
períodos, logo, em ações. Em Tempos Modernos, o leitor recebe de Charlie Chaplin
cenas as quais são atribuídas falas pelo receptor. Desta maneira, confirma-se o
fundamental papel do leitor na constituição de significado de tais discursos e o título
que este recebeu de Jauss de coautor do texto.
A obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço
vazio, mas, por intermédio de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços
familiares ou indicações implícitas, predispõe seu público para recebê-la de
uma maneira bastante definida. Ela desperta a lembrança do já lido, enseja
logo de início expectativas quanto a “meio e fim”, conduz o leitor a
determinada postura emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte geral
da compreensão vinculado, ao qual se pode, então – e não antes disso –,
colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dos
diversos leitores ou camadas de leitores. (JAUSS, 1994, p. 28).
Circuito Fechado o leitor realiza um diálogo entre os saberes que possui e o novo
apresentado por Ricardo Ramos. Desta forma ocorre o processo de significação.
O horizonte de expectativa depende da obra e do leitor e pode ser modificado no
decorrer da leitura. Assim há muitos leitores que se surpreendem ao observar o título de
um texto e posteriormente, notar o conteúdo do escrito. Ocorre uma ruptura no
horizonte de expectativas.
(Des)continuações teóricas
Considerações finais
3
Necessariamente esses processos não ocorrem em uma ordem cronológica ou atingem todos os leitores.
Muitos receptores devido a fatores diversos podem ao realizar a leitura de um texto conseguir observar
apenas os elementos da camada mais aparente do texto, simplesmente os presentes na leitura primária.
Outros, porém, podem ser capazes de dar conta de muitos outros elementos, sejam intrínsecos (forma,
conteúdo) ou extrínsecos (autor, concepções estéticas da época, características históricas). Isso se dá
porque cada leitor estabelece um tipo de relação com o texto e este fornece sinais, visíveis ou não.
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Referências
ISER, Wolfgang. O Jogo do texto. In: LIMA, Luiz Costa. A Literatura e o leitor:
textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 105 – 118.
JAUSS, Hans Robert. A estética da recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luiz Costa.
A Literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979. p. 43 – 61.
STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais. In: LIMA, Luiz
Costa. A Literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979. p. 119 – 171.