Você está na página 1de 9

Nonada: Letras em Revista

E-ISSN: 2176-9893
nonada@uniritter.edu.br
Laureate International Universities
Brasil

de Paula Oliveira, Jeciane; Castrillon-Mendes, Olga Maria


O LEITOR E A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DE
CIRCUITO FECHADO , DE RICARDO RAMOS
Nonada: Letras em Revista, vol. 2, núm. 25, julio-diciembre, 2015, pp. 79-86
Laureate International Universities
Porto Alegre, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512451511009

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 79

O LEITOR E A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO: UMA PROPOSTA DE


ANÁLISE DE CIRCUITO FECHADO, DE RICARDO RAMOS

THE READER AND THE AESTHETICS OF THE RECEPTION: A


READING PROPOSAL OF "CIRCUITO FECHADO", BY
RICARDO RAMOS

Jeciane de Paula Oliveira1


Olga Maria Castrillon-Mendes2

Resumo: Este artigo tem como objetivo tecer considerações a respeito da narrativa Circuito Fechado, de
Ricardo Ramos estabelecendo uma relação com a Teoria da Estética da Recepção – proposta teórica de
Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser. Desta forma pretende-se apresentar a relação entre os elementos da
tríade: autor (Ricardo Ramos), obra (Circuito Fechado) e público leitor, destacando o leitor como ativo no
processo e fundamental na completude do texto ao preencher os vazios deixados pelo escritor. Nesse
sentido, as reflexões apresentam ainda, o conceito de horizonte de expectativas enquanto passo mais
elementar da recepção, demonstrando como se dá o processo de atribuição de sentidos ao texto. Assim
pensadas as teorias aqui apresentadas, será possível observar as divergências e convergências entre a
Teoria da Estética da Recepção e o Estruturalismo e Marxismo, além de viabilizar uma possibilidade de
análise das tantas plausíveis para Circuito Fechado, ressaltando o homem moderno e suas
especificidades, e valorizar um grande ficcionista que desventuradamente não configura no cânone.

Palavras-chave: Estética da Recepção, Horizonte de expectativas, Circuito Fechado.

Abstract: This article aims to make considerations about the narrative Circuito Fechado by Ricardo
Ramos establishing a relationship with the Theory of Aesthetics of Reception - theoretical proposal of
Hans Robert Jauss and Wolfgang Iser. So we intend to present the relationship between the elements of
the triad: Author (Ricardo Ramos), work (Circuito Fechado) and readership, highlighting the reader as
active in the process and instrumental in the completion of the text to fill the voids left by the writer. In
this sense, the reflections still present, the concept of horizon of expectations while most elementary step
of receiving, demonstrating how is the process of assigning meanings to the text. So thought the theories
presented here, you can observe the differences and similarities between the Theory of Aesthetics of
Reception and structuralism and Marxism, besides providing a possibility of analyzing of many plausible
to Circuito Fechado, highlighting the modern man and its specificities, and value a great novelist who
unfortunately is not in the canon.

Keywords: Aesthetics of Reception, Horizon of expectations, Circuito Fechado.

Introdução

Os estudos literários anteriores ao século XX desconsideravam a participação do


leitor como elemento constituidor efetivo do sistema de produção literária. A dialética

1
Doutoranda em Estudos Literários (PPGEL), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT),
campus de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: jeycydepaula@hotmail.com.
2
Doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); docente
do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), campus de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil.
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 80

escritor/obra/público leitor passou a ser considerada a partir das reflexões teóricas sobre
o conceito de literatura e a função social do escritor.
No Brasil, Antonio Candido preocupa-se em compreender essa espécie de
corresponsabilidade. Na obra Literatura e Sociedade (2000) aponta a tríade de que
estamos tratando neste estudo: autor, obra e leitor. Candido não menoriza nenhum dos
elementos, pois segundo ele trata-se de “um jogo permanente de relações entre os três,
que forma uma tríade indissolúvel” (CANDIDO, 2000, p. 38). Afinal, de acordo com a
Teoria da Estética da Recepção proposta por Hans Robert Jauss (1979) o leitor é um ser
dinâmico e não passivo, como outrora fora visto. Na Teoria da Recepção, o texto se
completa no leitor como se pode observar no conto proposto para estudo – Circuito
Fechado de Ricardo Ramos.
Conforme Jauss (1979, p. 69), “A experiência primária de uma obra de arte
realiza-se na sintonia com seu efeito estético na compreensão fruidora e na fruição
compreensiva”. O leitor não apenas contempla a obra de arte, mas desloca-se para
dentro dela, e ao fazer parte da obra vive-a esteticamente e consegue, então, distanciar-
se de sua condição real e refletir sobre a mesma. E assim ocorre a experiência estética
em que o leitor desfruta do prazer suscitado pela apropriação subjetiva do objeto (o
texto). Por conseguinte, uma obra de arte só alcança significado através da experiência
estética. Esse diálogo entre obra e leitor revela o efeito estético mencionado na citação
anterior.
Em consonância com tais proposições se configura a análise da narrativa
“Circuito Fechado” apresentada neste trabalho. Observa-se que Ricardo Ramos deixa
nas mãos do leitor o desfecho da obra. O artífice estabelece diretamente um diálogo
com o leitor, utilizando elementos – título, configuração do texto e escolha de palavras –
que incitam o receptor a participar efetivamente do processo de criação da obra.
Destaca-se também a relação de Circuito Fechado e o filme Tempos Modernos
de Charlie Chaplin, embora se manifestem em veículos e formas diferentes, possuem
muitas semelhanças que são discorridas no corpo deste texto.

Circuito fechado e as possiblidades de interpretações do leitor

O conto Circuito Fechado 1, que faz parte da obra de mesmo nome, surpreende,
de início, pelo título, que remete à ideia de caminhos que se cruzam e se fecham. Ao
entrar no texto, o leitor se depara com uma estrutura que foge do convencional. Trata-se
de um amontoado de substantivos que, coerentemente dispostos, dão vida ao texto.
Assim a tríade é formada - autor (Ricardo Ramos) x Texto (Circuito Fechado) x público
leitor – e inicia-se o jogo.
Wolfgang Iser (1979) apresenta o leitor como “jogador”. Para esse autor alemão,
o texto é o campo do jogo em que o autor propõe as regras ao criá-lo, apresentando no
texto um mundo não palpável e formando um acordo com o leitor de tratar o mundo
apresentado no texto, não como realidade, mas como se fosse realidade. Nessa
configuração, podemos pensar que o leitor ao aceitar o acordo proposto por Ricardo
Ramos, torna-se jogador e se propõe a imaginar as formas do mundo dantes criado e a
atribuir significado a essas formas, interpretando-as.
Ricardo Ramos constrói um texto singular – a narrativa é um emaranhado que,
ao ser encontrada pelo leitor, toma sentido. Tal conjectura se dá pelos vazios do texto
deixados pelo autor, intencionalmente ou não. Ricardo Ramos apresenta o texto,
entretanto a significação plena só ocorrerá pelas injunções do leitor ao preencher os
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 81

vazios, portanto a obra é passível de inúmeras significações, dadas pelo receptor, o qual
ao realizar esse processo torna-se coautor do texto. Nesse sentido Antonio Candido
(2000, p.35) afirma que o leitor “é que decide (d)o destino da obra, ao interessar-se por
ela e nela fixar a atenção”.
Desta forma, as interpretações podem ser infinitas devido às ideologias que cada
leitor carrega. Entendemos, aqui, o conceito de ideologia semantizado por Marx, na
Contribuição à Crítica da Economia Política.

A palavra ideologia engloba a totalidade das concepções culturais de um


determinado agrupamento humano, numa determinada fase de sua evolução
histórica [...] ou seja: colorações diversas da consciência social de certos
grupos, em tempos e espaços diferentes. (PORTELA, 1979, p. 39).

O receptor está envolto em diversas ideologias e tais sistemas contribuem para a


significação dada pelo leitor ao texto. São fatores de ordem cultural, sociológica,
histórica e psicológica, etc. que interferem no posicionamento do leitor / receptor/
coautor / jogador. Como diz Antonio Candido, “O certo é que muito poucos dentre nós
seriam capazes de manifestar um juízo livre de injunções diretas do meio em que
vivemos.” (CANDIDO, 2000, p.35).
A significação estabelecida pelo receptor só é possível devido às possibilidades
de significações permitidas pela obra de arte, pois, mesmo que a obra de arte esteja
fechada e acabada, ela também se apresenta como “[...] aberta, isto é, passível de mil
interpretações diferentes [...]”. (ECO, 2007, p. 40).
Observa-se que uma mesma obra pode apresentar interpretações diferentes,
contudo, interpretações que podem ser comprovadas na obra. Não se pode atribuir
posicionamentos distantes do que a obra permite, mas os que se é autorizado, por ela, a
dizer.
Assim, apresenta-se uma possível interpretação que pode ser dada à obra de
Ricardo Ramos. Destarte, há em Circuito Fechado uma crítica à vida moderna, a rotina
estabelecida pela monotonia diária. A disposição dos substantivos leva o leitor a
remontar as ações apresentadas pela narrativa. Através da observação dos substantivos,
o leitor pode perceber que se trata de um narrador masculino, “[...] creme de barbear,
pincel, espuma, gilete [...] Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata,
paletó [...]”, pois há elementos que são considerados na sociedade ocidental como
exclusivamente masculinos como os descritos nos trechos acima, logo, a narrativa é
organizada em torno de uma personagem principal (protagonista). Não há, entretanto, a
presença nítida de outras personagens, embora o ato de falar ao telefone ou realizar uma
apresentação supõe a presença de um interlocutor, pois tal elemento não se coloca
efetivamente na narrativa.
A constante referência a “Cigarro e fósforo”, apresenta a compulsão do
protagonista em fumar, como se fosse um alívio da tensão diária. E percebe-se que se
trata de um executivo “Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques,
memorandos, bilhetes, telefone, papéis”, especificamente, um executivo do ramo da
publicidade “Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro,
fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo,
quadro-negro, giz, papel”. Outra constante é a menção a “relógio”, como se uma
necessidade de controlar o tempo. Tanto o vício, quanto a programação através do
relógio, são reflexos da vida moderna: o primeiro se configura como escape da rotina
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 82

atribulada e o segundo se faz necessário para que o sujeito cumpra os compromissos a


que se propõe nos horários estabelecidos.
Desta forma, Circuito Fechado faz jus ao título, ao iniciar com a sequência
“Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma
[...]” e encerrar com os mesmos elementos “Vaso, descarga, pia, água, escova, creme
dental, espuma, água. Chinelos”. É o ciclo diário do homem moderno que devido a
tantos afazeres se propõe a viver em um ritual mecânico para dar conta de tudo o que a
vida moderna exige. Assim sendo, o indivíduo como um robô antecipadamente
programado se coloca a repetir a mesma sequência dia após dia, sem espaço para
reflexão, seja dos fatos que ocorrem a sua volta seja sobre si mesmo.
Não há no texto a definição de tempo e o sujeito apresentado não é nomeado ou
sequer individualizado, fato que provoca em qualquer leitor a identificação com a
personagem, logo pode ser qualquer um.
O sujeito apresentado pela narrativa vive tomado por suas funções e não se
conjectura relações sociais afetivas, mas a perspectiva de um ser solitário que parece
não se incomodar com seu estado de coisificação. Tanto que sua rotina é estabelecida
por substantivos que semanticamente referem-se a coisas. Deste modo, o sujeito parece
perder a identidade que o caracteriza humano e a tornar-se semelhante às coisas que o
descrevem.
É notável a necessidade de contato que o sujeito tenta estabelecer com o mundo.
No decorrer do dia, faz a leitura do “jornal” e da “revista”, observa as mensagens de e-
mail “caixas de entrada, de saída”, e antes de dormir assiste ao “televisor”, além das
diversas vezes em que utiliza o telefone. Todavia, os contatos estabelecidos são de
cunho meramente profissional, não se apresenta outro tipo de relação. Assim, manter-se
informado funciona como um óleo que lubrifica a máquina humana.
Embora, toda a narrativa seja composta de um único parágrafo, o leitor consegue
depreender as pausas e nuances do texto. Ricardo Ramos estabelece um começo, meio e
fim – fim que volta a ser começo e a formar um circuito fechado – logo, as ações são
compreendidas: acordar, fazer a higiene pessoal, vestir-se, tomar café, trabalhar,
almoçar, trabalhar novamente, chegar a casa, despir-se, fazer a higiene pessoal, dormir.

Tempos modernos vs Circuito fechado

Circuito Fechado faz uma alusão ao filme Tempos Modernos de Charlie


Chaplin, produzido nos Estados Unidos na primeira metade do século XX. O filme
retrata a condição do operário na grande indústria, que o faz realizar movimentos
mecânicos sem análise ou reflexão. Logo, faz uma crítica ao capitalismo e ao modelo
industrial. O protagonista de Tempos Modernos (Carlitos) assemelha-se ao de Circuito
Fechado por realizar um trabalho tão rápido e repetitivo que se automatiza. O primeiro,
operário de uma fábrica; o segundo, executivo. Ambos representam o capitalismo e a
exploração da força humana pelo trabalho.
Se Charlie Chaplin mostra, em 1936, a competitividade do homem com a
máquina e o medo do homem em ser substituído pela máquina, em 1972, Ricardo
Ramos mostra o homem como a própria máquina. Ou seja, decorridos menos de quatro
décadas da revolução industrial, o homem deixa de ser apenas o que participa do
processo de mecanização, para se transformar no elemento da própria máquina e, da
mesma, forma, sem se dar conta dela. Dessa forma, ambos os autores inovam.
Ricardo Ramos, com sua criação textual fora dos padrões, como elencado anteriormente
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 83

e Charlie Chaplin abdica do recurso da fala, propondo cenas mudas que falam por si só.
Apropria-se da linguagem não-verbal – gestos, feições, expressões e posturas – para
compor o texto, neste caso, exposto em forma de filme.
Embora, os discursos sejam produzidos em épocas distintas – enquanto, em
1936, os Estados Unidos se recuperava da grande depressão (1929) e necessitava de
fortalecer a mão de obra para assegurar o desenvolvimento econômico do país, o Brasil,
na década de 70 iniciava efetivamente o processo de urbanização e industrialização do
país – se unem ao apresentar similitudes: tratam da mesma temática, o homem e a
máquina; e proporcionam de forma ímpar autonomia ao leitor para atribuição de
significados.
Assim, a similitude das obras é relacional. Em Circuito Fechado, o leitor recebe
de Ricardo Ramos, um misto de substantivos e os transforma mentalmente em orações e
períodos, logo, em ações. Em Tempos Modernos, o leitor recebe de Charlie Chaplin
cenas as quais são atribuídas falas pelo receptor. Desta maneira, confirma-se o
fundamental papel do leitor na constituição de significado de tais discursos e o título
que este recebeu de Jauss de coautor do texto.

Circuito fechado e o horizonte de expectativas do leitor

O leitor ao se deparar pela primeira vez com Circuito Fechado possui um


horizonte de expectativa, ou seja,

A obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço
vazio, mas, por intermédio de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços
familiares ou indicações implícitas, predispõe seu público para recebê-la de
uma maneira bastante definida. Ela desperta a lembrança do já lido, enseja
logo de início expectativas quanto a “meio e fim”, conduz o leitor a
determinada postura emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte geral
da compreensão vinculado, ao qual se pode, então – e não antes disso –,
colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dos
diversos leitores ou camadas de leitores. (JAUSS, 1994, p. 28).

Nesse contexto, (o leitor) ao realizar a leitura de Circuito Fechado, o leitor


aciona o acervo que adquiriu através de outras leituras e vivências. Logo, cada leitor
possui um acervo diferenciado e certamente terá um horizonte de expectativas único,
pois suas vivências são únicas e desta forma, o efeito que o texto produzirá em cada
leitor será singular. Nesse sentido, a obra ‘desperta’, enseja expectativas no leitor e faz
com que ele se transforme, ou seja, o leitor nunca mais será o mesmo depois da leitura
de um (bom) texto literário.
Dessa forma, o horizonte de expectativas refere-se às perspectivas que o leitor
cultiva em relação ao texto. Karlheinz Stierle (1979) assevera que a base da recepção é
construída por uma sequência de ‘significantes’ e que a ideia de que um significante só
é significante quando a ele pertence um significado, e mais, afirma que este é o passo
mais elementar da recepção. (STIERLE, 1979, p. 123). Isto é, trata-se de meramente
suprir o horizonte de expectativas primário do leitor.
Contudo, Circuito Fechado rompe com o horizonte de expectativas do leitor e
assim o faz perceber a realidade de outra forma. O leitor ao se deparar com tal texto
surpreende-se com uma estrutura inovadora, visto que rotineiramente o leitor espera um
texto com paragrafação e orações dotadas de sujeito e predicado que se entrelaçam e
formam períodos. Logo, para encerrar o jogo proposto pelo autor e atribuir significado a
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 84

Circuito Fechado o leitor realiza um diálogo entre os saberes que possui e o novo
apresentado por Ricardo Ramos. Desta forma ocorre o processo de significação.
O horizonte de expectativa depende da obra e do leitor e pode ser modificado no
decorrer da leitura. Assim há muitos leitores que se surpreendem ao observar o título de
um texto e posteriormente, notar o conteúdo do escrito. Ocorre uma ruptura no
horizonte de expectativas.

(Des)continuações teóricas

O leitor é parte integrante da Teoria da Estética da Recepção, contudo, tal teoria


– proposta por Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser - não anula as proposições anteriores
a ela, como o Formalismo ou o Marxismo, embora contrapondo-as, apropria-se de suas
contribuições. Apesar de o foco do Formalismo ou do Marxismo ser conflitante, o
Formalismo “procurou mostrar como o texto poético instaura a consciência formal do
discurso literário em seus níveis semântico, sintático e fonológico.” (TEIXEIRA, 1998,
p. 01). Ou seja, defendia que o texto literário tinha valor em si mesmo, desconsiderando
os fatores externos a obra. Enquanto a teoria literária marxista, por sua vez, tende a dar
maior relevância à representação do conflito de classes e também, através da literatura,
no reforço das disparidades de classes. Assim, uma análise de cunho marxista leva em
conta os fatores sociais, políticos, filosóficos, econômicos, considerados externos à
obra. Nesse sentido, “[...] o teórico marxista frequentemente patrocina os autores
simpáticos às classes trabalhadores e os autores cuja obra desafia as igualdades
econômicas encontradas nas sociedades capitalistas.” (BREWTON, 2006, p. 06).
Na verdade, a perspectiva marxista já prevê o leitor ou o indivíduo como
construtor do sentido em sociedade, no entanto, fá-lo considerando um panorama
coletivo, ou seja, a falar-se de “leitor” numa aceção marxista, é mais correto considerá-
lo como uma entidade construída socialmente e no plural. De qualquer maneira, o que a
Estética da Recepção enfatiza é exatamente a singularidade da leitura do indivíduo, a
possibilidade de cada sujeito apresentar uma nova leitura. Nesse panorama, o leitor é
considerado fator primordial para a análise de um texto e por fim, a compreensão e a
formação do processo de significação.
Nos estudos de Antonio Candido verifica-se que ele não se coloca a favor de
nem das proposições estruturalistas nem das marxistas, conquanto defende que para
uma análise completa, há a necessidade de imbricar os conceitos de ambas as teorias.

[...] a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões


dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa
interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que
explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de
que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos
necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no
caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como
elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura,
tornando-se, portanto, interno. (CANDIDO, 2000, p. 04).

A obra se torna organicamente construída quando os elementos se unem para


compor o processo interpretativo que se dá dialeticamente. Destarte, não cabe ‘adotar’
nenhuma das visões de forma isolada, pois só com a fusão de ‘texto – fator interno’ e
‘contexto – fator externo’ poder-se-á ter uma significação plena. Afinal, se a discórdia é
o fato dos estruturalistas preferirem uma análise preteritamente do texto, Candido torna
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 85

o que outrora fora considerado como elemento externo – o social – em elemento


interno, visto que ‘desempenha (um) certo papel na constituição da estrutura’.
Assim, o papel do leitor dentro da Estética da Recepção se fundamenta na
importância que ele exerce na constituição de significados do texto, pois “[...] os textos
não recebem sua realidade de antemão, mas a alcançam por uma espécie de reação
química processada entre o texto e seu leitor.” (LIMA, 1979, p. 24). Além disso, o leitor
possui orientações e valores que ele próprio não domina conscientemente e que
influenciam na recepção do texto e no efeito produzido por ele – o texto.

Considerações finais

A Teoria da Estética da Recepção ao apresentar o leitor como peça fundamental


no processo de atribuição de significação do texto proporciona uma maior completude
na compreensão textual. Assim, o crítico passa a observar todos os elementos que
participam do processo de sua construção. Afinal, o autor se liga ao leitor pela obra; o
leitor se une à obra pelo autor; e a obra só tem sentido para o autor pelo leitor. Fato que
se observa na narrativa Circuito Fechado de Ricardo Ramos.
Observa-se, então, que leitor, obra e autor jamais estarão dissociados, pois
compõem uma tríade elementar dentro da Teoria da Estética da Recepção. Com isso, o
leitor ao preencher os vazios do texto ganha uma função participativa no texto e não
mais passiva. O leitor é instigado a buscar significados e ressignificações e, portanto,
ampliar sua visão dos conceitos do texto, e apropriar-se de para refletir a respeito de sua
própria existência e identidade.
Apesar dos conceitos da Estética da Recepção parecerem conflitantes com outras
teorias, não o são, visto que não anula de todo formulações anteriores, apenas propõe
um novo olhar sobre um elemento e confere responsabilidades e funções a ele: o leitor,
que também pode ser chamado de receptor, coautor e jogador.
O indivíduo ao realizar a leitura do texto apresenta- se como leitor. Ao preencher
os vazios e atribuir significação ao texto apropria-se de outra função, a de coautor. E ao
aceitar as regras propostas pelo autor, concebendo a obra não como realidade, mas
como se fosse, aceita, também, a função de jogador.
O leitor ao iniciar o contato com um texto realiza uma leitura primária e possui
uma reação sensorial, posteriormente atinge uma leitura secundária e obtém a atribuição
de significados, trata-se de uma reação emocional, e em seguida, alcança a leitura
terciária, ou seja, acontece à racionalização, mais que a atribuição de significados,
ocorre o ápice do processo de significação3.
“A verdadeira inovação da estética da Recepção consistiu em ter ela abandonado
a classificação da quantidade das exegeses possíveis e historicamente realizadas sobre
um texto, em muitas interpretações ‘falsas’ e uma ‘correta’.” (GUMBRECHT, 1979). O
leitor possui liberdade para interpretar a obra. Não há mais o questionamento a respeito
do que o autor quis dizer, mas o texto é analisado por si mesmo, e ao receptor é dado o
poder de atribuir significações às informações obtidas na obra e exclusivamente pela

3
Necessariamente esses processos não ocorrem em uma ordem cronológica ou atingem todos os leitores.
Muitos receptores devido a fatores diversos podem ao realizar a leitura de um texto conseguir observar
apenas os elementos da camada mais aparente do texto, simplesmente os presentes na leitura primária.
Outros, porém, podem ser capazes de dar conta de muitos outros elementos, sejam intrínsecos (forma,
conteúdo) ou extrínsecos (autor, concepções estéticas da época, características históricas). Isso se dá
porque cada leitor estabelece um tipo de relação com o texto e este fornece sinais, visíveis ou não.
Nonada, Porto Alegre, n.25, 2° semestre 2015 – ISSN 2176-9893 86

obra. Desta forma, a análise apresentada a respeito de Circuito Fechado se manifesta


apenas como uma leitura possível das tantas permitidas pela obra.

Referências

BREWTON, Vince. Teoria Literária. Tradução de Bruna T. Gibson em junho de 2006.


Disponível em: <http://umeoutro.net/arquivos/brewton_teolit.pdf>. Acesso em: 25 de
março de 2013.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8.


ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.

ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminações nas poéticas


contemporâneas. 9. ed. Tradução de Giovanni Cutolo. São Paulo: Perspectiva, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. 3. ed.


1. reimpressão. Editora Positivo, 2004.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Sobre os interesses cognitivos, terminologia básica e


métodos de uma ciência da literatura fundada na teoria da ação. In: LIMA, Luiz Costa.
A Literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979. p. 173 – 195.

ISER, Wolfgang. O Jogo do texto. In: LIMA, Luiz Costa. A Literatura e o leitor:
textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 105 – 118.

JAUSS, Hans Robert. A estética da recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luiz Costa.
A Literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979. p. 43 – 61.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária.


Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. (Série Temas, v.36)

LIMA, Luiz Costa. Prefácio à segunda edição. In: ____________. A Literatura e o


leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 09 – 36.

PORTELA, Eduardo. Literatura e ideologia. In: LYRA, Pedro. Literatura e ideologia.


Petrópolia: Editora Vozes Ltda, 1979. p. 37 – 54.

STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais. In: LIMA, Luiz
Costa. A Literatura e o leitor: textos de estéticas da recepção. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1979. p. 119 – 171.

TEIXEIRA, Ivan. O Formalismo Russo. Cult, Agosto, 1998. Disponível em:


<http://textoterritorio.pro.br/alexandrefaria/recortes/cult_fortunacritica_2.pdf>. Acesso
em: 25 de março de 2013.

Você também pode gostar