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Universidade do Grande Rio “Professor José de Souza Herdy”

UNIGRANRIO

Paulo Roberto de Andrade Júnior

ANÁLISE DAS ALEGORIAS E SÍMBOLOS DE ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ NO


CONTEXTO PÓS-MODERNO.

Duque de Caxias

2017
Paulo Roberto de Andrade Júnior

ANÁLISE DAS ALEGORIAS E SÍMBOLOS DE ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ NO


CONTEXTO PÓS-MODERNO.

Monografia apresentada ao curso de Letras


Português-Inglês da Universidade do Grande Rio
como pré-requisito para obtenção do título de
Licenciado.

Orientadora: Professora Mestra Suzana Costa da


Silva

Duque de Caxias
2017
A553a Andrade Júnior, Paulo Roberto de.

Análise das alegorias e símbolos de ensaio sobre a lucidez no contexto

pós-moderno / Paulo Roberto de Andrade Júnior. – Duque de Caxias, 2017.

44 f.; 30 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em Letras/Portugês-Inglês)

- Universidade do Grande Rio "Prof. José de Souza Herdy", Escola de

Ciências, Educação, Letras, Artes e Humanidades, 2017.

“Orientadora: Profa. Ma. Suzana Costa da Silva”.


Bibliografia: f. 42-44

1. Letras. 2. Saramago, José, 1922-2010 - Crítica e interpretação.


3. Simbologia - Literatura. 4. Sinais e símbolos. 5. Literatura - Pós-
modernidade. I. Silva, Suzana Costa da. II. Universidade do Grande Rio “Prof.
José de Souza Herdy”. III. Título.

CDD – 420
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Deus, pelo dom da vida e pela oportunidade de chegar até aqui;
à minha família, por todo o suporte nestes anos de curso e aos meus amigos, sem os quais a
caminhada teria sido mais árdua e cansativa.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha Mãe, Zuleika, por todo o amor dispensado, pelas palavras de
incentivo e, sobretudo, pelo dom da vida. Se sou o que sou e cheguei onde cheguei, foi graças
a você.
Agradeço ao meu Pai, Paulo, pelo amor, carinho e dedicação e também por todas as
vezes que ajudou a financiar o Bilhete Único.
Agradeço à minha Avó Carmelita pelo amor incondicional, por todo o cuidado comigo
e com os meus filhos de quatro patas enquanto eu estive ausente.
Minhas irmãs, ogras do meu coração, amo vocês, obrigado por tudo.
Ao meu irmão de outra mãe, Renato, por franquear seu amor, seu carinho e sua amizade
comigo. Essa vitória é sua. Te amo.
Suzana, minha Professora-Orientadora, minha amiga, muito obrigado por despertar
minha paixão pela Literatura quando eu achei que não tinha mais jeito. Você é única como
profissional, como orientadora e, sobretudo, como amiga.
Tias Vanessa e Verinha, o que seria de mim sem vocês? Profissionais com
conhecimento que só perde, em tamanho, para humildade e simpatia. Não é à toa que a
Literatura se tornou a base do curso de Letras.
RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar as alegorias e símbolos de Ensaio Sobre a Lucidez


à luz da Pós-Modernidade, visando propiciar aos futuros leitores da obra uma melhor
compreensão dos fatos descritos pelo autor desta, uma vez que o escritor e jornalista José
Saramago, utilizara estes elementos para auxiliá-lo na construção do enredo da Narrativa. Serão
feitas análises bibliográficas para apresentar as experiências de vida do autor dentro do contexto
pós-moderno, bem como explicações acerca dos principais aspectos da pós-modernidade
apresentados na obra, utilizando-se, para tal finalidade, asserções e pesquisas de teóricos como
Zygmunt Bauman e Stuart Hall, além de artigos acadêmicos relacionados ao tema. Por fim,
serão apresentados as alegorias e símbolos de Ensaio Sobre a Lucidez e as respectivas
explicações acerca destes à luz do Dicionário de Símbolos e contextualizados dentro da obra de
Saramago.

Palavras-chave: Literatura. José Saramago. Pós-Modernidade. Simbologia.


ABSTRACT

The objective of this work is to analyze the allegories and symbols of Essay On Lucidity
in the light of Post-Modernity, in order to provide to the future readers of this work a better
understanding of the facts described by the author, the writer and journalist José Saramago.
These elements assisted him in the construction of Narrative's plot. Bibliographical analyzes
will be carried out to present the author's life experiences within the postmodern context, as
well as explanations about the main aspects of postmodernity presented in the work, using for
this purpose assertions and researches by theorists such as Zygmunt Bauman And Stuart Hall,
as well as academic articles related to the subject. Finally, the allegories and symbols of Essay
on Lucidity and their explanations about them will be presented in light of the Dictionary of
Symbols and contextualized within the work of Saramago.

Keywords: Literature. José Saramago. Postmodernity. Symbology.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 8

1. PANORAMA PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XX....................................... 10

1.1. José Saramago: nascimento, infância e adolescência.................................................. 11

1.2. Vida adulta e cenário global........................................................................................ 13

2. MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA OU PÓS-MODERNIDADE?..................... 17

2.1. Aspectos identitários em Ensaio sobre a Lucidez........................................................ 20

2.2. A relação do leitor com o lugar não identificado na obra............................................. 23

2.3. Os poderes do estado em Ensaio Sobre a Lucidez....................................................... 24

3. O PAÍS ALEGÓRICO DE ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ............................................. 27

3.1. Alegoria e símbolos da sociedade coletiva ideal.......................................................... 30

3.2. Símbolos identitários em Ensaio sobre a Lucidez....................................................... 32

3.3. Símbolos naturais em Ensaio sobre a Lucidez........................................................... 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 42
8

INTRODUÇÃO

A simbologia, enquanto ciência, procura estudar a presença dos símbolos no quotidiano


do ser humano. O “termo símbolo, no grego (sýmbolon), serve para designar um tipo de signo
em que o significante (realidade concreta) representa algo abstrato (religiões, nações,
quantidades de tempo ou matéria, etc.)”1 por força de convenção, semelhança ou contiguidade
semântica. Já a alegoria, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é
classificada como “Ficção que representa uma coisa para dar a ideia de outra” (FERREIRA,
2010, p.31). Ambos são elementos utilizados para representarem um conceito, ou uma ideia
mais ampla através de uma situação apresentada de forma mais simples e restrita.

De maneira geral, José Saramago buscou informar seus leitores acerca das mazelas e
pormenores vividos pela maior parte da população na pós-modernidade – tais quais a
manipulação midiática e política –, período no qual se vive atualmente e, apesar de muitos
pesquisadores e críticos considerarem esta época como um prolongamento do que foi conhecido
como modernidade, neste trabalho será mostrado que ambos, embora apresentem características
comuns, seguem em direções opostas, com a pós-modernidade lançando o ser humano em um
universo de futuro indefinido, insegurança, hiper-realidade e identidade fragmentada.

Saramago, além de apresentar tais cenários, lançara mão, em Ensaio Sobre a Lucidez,
de símbolos e alegorias que, à primeira vista, parecem funcionar como meros acessórios na
obra. Porém, ao analisar-se com maior profundidade o contexto no qual autor e obra estão
inseridos, percebe-se que nenhum objeto, evento ou situação, por mais que consideradas
menores ou sem importância, foram escolhidas – e utilizadas por ele ao caso. Daí surgiu a
necessidade de identificação, contextualização e interpretação de tais objetos à luz da pós-
modernidade.

Para auxiliar os leitores a olharem além da imagem aparente das alegorias e símbolos
utilizados por José Saramago em Ensaio Sobre a Lucidez, será feita uma análise de tais
elementos à luz do Dicionário de Símbolos – obra do escritor Jean Chevalier que contrasta
vários elementos presentes em nosso quotidiano, como períodos do dia, cores, fenômenos
naturais e animais com usos e costumes de diversas culturas – e a contextualização deles no
universo da obra analisada.

1
Disponível em https://www.dicionariodesimbolos.com.br/. Acessado em 17/05/2017.
9

Para o desenvolvimento do presente trabalho, serão utilizadas pesquisas e análises


bibliográficas que abarcam a pós-modernidade. Para isso, publicações de Stuart Hall e Zygmunt
Bauman serão essenciais para o entendimento deste universo tão fragmentado, bem como dos
indivíduos que o habitam. Além dos livros, publicações como teses e artigos voltados para a
contextualização da pós-modernidade nas relações políticas e pessoais também serão incluídas
nas análises desenvolvidas nesta monografia.

O trabalho de conclusão estruturar-se-á em três capítulos, apresentando-se no primeiro


um breve contexto histórico da Europa e de Portugal no final dos Séculos XIX e XX,
indispensáveis para entender-se o ambiente onde José Saramago nasceu e se desenvolveu, uma
vez que as vivências do jornalista e escritor foram fundamentais para o desenrolar de suas obras.
Para tal, haverá mesclagem de alguns principais fatos históricos ocorridos na Europa e em
Portugal com situações vividas pelo autor. No segundo capítulo haverá abordagem a pós-
modernidade, à luz dos teóricos mencionados no parágrafo anterior, bem como a
contextualização dos fatos desenrolados em Ensaio Sobre a Lucidez acerca das pesquisas e
informações destes teóricos e demais pesquisadores utilizados neste trabalho. No terceiro e
último capítulo de desenvolvimento, serão apresentados os símbolos pertinentes aos assuntos
abordados no segundo capítulo, bem como a representação destes à luz do Dicionário de
Símbolos, obra de Jean Chevalier e contextualizados dentro da obra de José Saramago.
10

1. PANORAMA PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

No final do Século XIX, as inovações tecnológicas e científicas, embora contribuintes


da modernização de muitos países europeus nos âmbitos sociopolítico e econômico,
contribuíram para a divisão do continente em blocos: o dos países industrializados, dentre os
quais faziam parte Inglaterra, França e Alemanha e os não industrializados, como Espanha,
Itália e Portugal. A hegemonia econômica do continente foi posta em xeque pelos Estados
Unidos, que já começavam a despontar como potência econômica no “novo mundo” e pelo
Japão, que pagava salários baixos e conseguia vender produtos similares aos europeus a preços
mais em conta. No velho mundo, tensões entre a classe operária – cada vez mais numerosa e
oprimida – e a burguesia eram frequentes, com greves, perseguições e até mortes de muitos
trabalhadores.

Com a passagem do Século XIX para o Século XX a rivalidade entre os países


aumentou. Alemanha e Inglaterra disputavam territórios para a venda de seus produtos e
também loteavam a África e parte da Ásia em busca de matérias-primas. As tensões
nacionalistas cresciam em países como Alemanha e Rússia, que alardeavam a superioridade de
suas raças (pangermanismo e pan-eslavismo, respectivamente) e, aliado a isso, as diferenças
sociais e políticas entre os países europeus gerava cada vez mais tensões, o que levou o mundo
à duas grandes Guerras: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial
(1943-1945), provocando muitas mortes, destruição e profundas mudanças nas relações sociais,
políticas e econômicas mundiais.

Apesar de ser um dos principais responsáveis pela colonização no mundo e ter tomado
partido nos dois grandes conflitos citados anteriormente, Portugal, no início do Século XX,
estava alheio à industrialização que impulsionava seus vizinhos. O país perdeu sua principal
colônia, o Brasil, em 1822, e foi superado por países como França, Inglaterra e Bélgica no
tocante à expansão territorial. Afogado em uma imensa crise econômica, social e de soberania,
com o Ultimatum2 apresentado pelo Ministro britânico Lord Salisbury, Portugal percebeu que
sua monarquia não catapultou o país para a modernidade e estabilidade econômica alcançada

2
O Ultimatum consistiu num telegrama enviado ao governo português pelo governo inglês, chefiado pelo ministro
Lord Salisbury e entregue em 11 de janeiro de 1890. A Inglaterra exigia a retirada imediata das forças militares
portuguesas mobilizadas nos territórios entre Angola e Moçambique. Esses territórios correspondem aos atuais
Zimbabwe e Malawi. Caso a exigência não fosse cumprida por Portugal, a Inglaterra avançaria com uma
intervenção militar.
11

por seus vizinhos e, então, começou a mobilizar-se em busca de mudanças, de soluções que
pudessem, enfim, tirar o país da bancarrota.

Tudo isso animava a vontade regeneradora e as aspirações republicanas, procurando


a interrupção e a alternativa ao percurso decadentista de que a monarquia surgia
indissociável. Ao recém-criado Partido Republicano Português (1876), entre os
demais defensores de uma solução política republicana, aliavam-se cada vez mais
descontentes, engrossando as fileiras do movimento republicano...” (ROLLO, 2009,
P88)

O movimento revolucionário republicano teve início no dia 04 de outubro de 1910 e era


composto por militares e civis armados. Após intenso conflito entre os conspiradores e as tropas
fieis à monarquia, que durou até o dia seguinte, a República foi proclamada em Portugal, a
segunda de toda a Europa. Apesar da mudança na forma de governo do país, havia ainda
problemas internos, com constantes conflitos entre republicanos e simpatizantes da monarquia,
além de mais uma grave crise econômica que provocou frequentes greves, lutas de classes,
maior empobrecimento da população e conflitos armados entre civis e militares. Estes conflitos,
aliados à simpatia do Exército por soluções autoritárias – a exemplo do que foi adotado por
países próximos como Itália e Rússia – e à incapacidade do governo português em apresentar
soluções para a crise, culminaram na revolução de 1926, que dissolveu o parlamento após golpe
militar.

1.1. José Saramago: nascimento, infância e adolescência

Naquele cenário turvo em um país fragmentados nascia, em 16 de novembro de 1922,


na aldeia de Azinhaga, José de Sousa Saramago, filho de um jornaleiro e de uma dona de casa,
que ainda criança, viu seu país iniciar um período de ditadura militar, em 1926. A população,
descontente com os rumos que a República dera a economia, não se opôs ao golpe, e, nos mais
tarde, em 1928, após dois governos militares igualmente desastrosos ao país, concedeu ao então
Ministro das Finanças António Oliveira Salazar, o direito de superintender nas despesas de
todos os ministérios do governo, dando início à pavimentação do caminho do ditador ao poder
12

absoluto no país. Então, em 1933, no início da adolescência do escritor, surge o Estado Novo3
que, por quarenta e um anos, adiou o sonho de um Portugal verdadeiramente democrático.

Embora sofrendo bruscas e profundas transformações nos âmbitos políticos e sociais,


Portugal estava aquém de seus congêneres, que já colhiam os louros após a Revolução Industrial
e a Primeira Guerra Mundial. Durante a Guerra, aliás, a escassa indústria portuguesa sofreu um
baque: o Estado português teve dificuldades para pagar as encomendas feitas a ela durante o
conflito, emitindo uma espécie de vale para compensação futura. Muitas empresas foram à
bancarrota por não conseguirem honrar seus compromissos, deixando a cargo da agricultura a
maior parte da geração de emprego e renda do país.

O próprio país era ainda essencialmente agrícola, rural e atrasado. Em 1930, quando
o menino [José Saramago] já tinha oito anos, apenas um quinto dos portugueses
habitava os grandes centros urbanos, e metade da população era ativa na agricultura,
contra somente um quinto na indústria e um quarto na área de comércio e serviços. A
maioria dos quase 1,3 milhão dos que trabalhavam na agricultura era constituída por
pequeníssimos proprietários ou assalariados que viviam com grande dificuldade.
(LOPES, 2010, p10)

O início da vida de José Saramago foi marcado por forte repressão do governo às
liberdades e direitos individuais: havia censura aos meios de comunicação e informação, com
rigoroso controle governamental para evitar que mensagens contra a ditadura fossem
disseminadas. Torturas físicas e psicológicas foram empregadas para obter-se informações e
confissões dos que pregavam contra o regime, que também possuía informantes em escolas,
locais de trabalho e centros de convívio. Apesar de possuir informantes em escolas, a ditadura
salazarista provavelmente não estava preocupada com os indicadores da educação de Portugal.
Na década de 1930, por exemplo, o país possuía uma taxa de analfabetismo de 61,8%, com
apenas 34% das crianças entre os sete e catorze anos alfabetizadas. José Saramago, contrariando
as expectativas da época, completou o equivalente ao nono ano de escolaridade, feito raro para
a época (LOPES, 2010).

Embora vivenciando uma situação difícil em seu país, José Saramago já demonstrava
inteligência e astúcia ainda na adolescência: entre 1933 e 1935 frequentou o Liceu Gil Vicente.
Aos doze anos foi eleito tesoureiro da associação acadêmica por seus colegas (LOPES, 20010),

3
Regime autoritário instituído em Portugal no ano de 1933, que sucedeu a ditadura militar instaurada no país em
1926. Nele, o ditador Antônio de Oliveira Salazar, promulgou nova constituição, concentrou poderes, reduziu
gastos com educação e saúde, aumentou impostos e cerceou a população da maioria de seus direitos individuais e
coletivos, lançando mão de prisões, deportações, mortes e torturas. Teve fim em 25 de abril de 1974, após um
golpe militar conhecido como “Revolução dos Cravos”.
13

porém, devido à situação econômica de seus pais, abandonou o Liceu e ingressou, ainda em
1935, na Escola Industrial Afonso Domingues, onde formou-se em serralheria mecânica em
1940. Mesmo afastando-se da vertente humanista do Liceu onde estudou, Saramago não perdeu
sua capacidade de análise crítica perante os fatos desencadeados pelas diversas situações
vividas em Portugal e também nos países vizinhos: durante o período de curso técnico,
acompanhou com avidez o desenrolar da Guerra Civil Espanhola4, porém, pouco tempo depois,
percebeu que poderia estar sendo manipulado pelos meios de comunicação disponíveis – e
severamente controlados – da época. Em Ensaio sobre a Lucidez o autor apontou para a
manipulação e censura dos fatos que se desenrolaram na província fictícia da obra, artifício
utilizado pelos Ministros do país para evitar que os demais habitantes também insurgissem
contra o governo. Ainda que sem referências explícitas a Portugal na obra, percebe-se que
situações pelas quais José Saramago viveu a partir da adolescência, como controle dos meios
de comunicação e repressão, podem ter influenciado suas obras.

A declaração do estado de excepção, ao permitir ao governo assumir os poderes


correspondentes e suspender de uma penada as garantias constitucionais, veio aliviar
do incómodo peso e da ameaçadora sombra a cabeça de directores e administradores.
Com a liberdade de expressão e de comunicação condicionadas, com a censura a olhar
por cima do ombro do redactor, estava encontrada a melhor das desculpas e a mais
completa das justificações”. (SARAMAGO. 2004. P20).

1.2. Vida adulta e cenário global

O Salazarismo ainda estava em voga em Portugal: a repressão do estado sobre as


liberdades individuais e os meios de comunicação estava a todo vapor e, apesar de António
Salazar não ser um fascista opulento, como seus congêneres italiano e russo, a máquina da
repressão portuguesa continuava a perseguir, prender, torturar e matar. José Saramago, adulto,
ávido observador da situação que se instaurou em Portugal e crítico de toda ela – ainda que de
forma discreta – por pouco não se tornou mais uma vítima daquela máquina de repressão. Em
1949 precisou demitir-se do cargo que desempenhara na Caixa Previdenciária após não atender
ao pedido de um comandante da Brigada Naval Portuguesa para participar uma provável de

4
A Guerra Civil espanhola (1936-39) foi o acontecimento mais traumático que ocorreu antes da 2ª Guerra Mundial.
Nela estevem presentes todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o século XX: De um lado se
posicionaram as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas as classes e instituições tradicionais da Espanha (O
Exército, a Igreja e o Latifúndio) e do outro a Frente Popular que formava o Governo Republicano, representando
os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.
14

fraude eleitoral naquele ano. Na ocasião, o escritor foi vítima de uma espécie de processo
disciplinar e, para evitar problemas maiores, optou pela demissão do cargo que de escrevente.

Embora discreto, José Saramago não hesitava em denunciar os problemas pelos quais
Portugal passara e, por conta disso, teve textos censurados e/ou modificados pelo aparelho
repressor do salazarismo, o que não impediu o escritor de continuar sua jornada de denúncias e
convocação à reflexão e à luta. Em 1969 tornou-se militante do PCP – Partido Comunista
Português – principal partido de oposição ao salazarismo e com forte penetração nos meios
intelectuais. Sua filha, Violante Saramago, foi membro do Movimento Reorganizativo do
Partido do Proletário – MRPP. Apesar de lutarem contra o fascismo de Salazar, ambos possuíam
discursos políticos diferentes e não eram incomuns as críticas de um contra o outro. Segundo o
escritor João Marcos Lopes, Violante “teria mantido uma relação difícil com o pai” (2010, p70).
A relação dos dois teria melhorado após a prisão dela no Forte Rei D. Luís I, ou Forte de Caxias,
principal destino dos presos políticos do Estado Novo. A prisão da filha, aliás, serviu para
aumentar o descontentamento de José Saramago com o governo português e também para que
continuasse como militante anônimo, embora tenha participado, de forma pública, de
movimentos antifascistas, como o III Congresso da Oposição Democrática, em 1973.

No ano seguinte, em 1974, a música “Grândola, Vila Morena” foi o sinal emitido pela
emissora católica de rádio de Lisboa para dar início a mais um levante militar em Portugal,
desta vez, porém, para pôr fim ao regime fascista de Salazar. A euforia dos anos 30 deu lugar à
repressão, guerras contra as colônias da África, além da falta de investimentos por parte do
governo que faziam Portugal ser, em 1974, o país mais atrasado da Europa. No dia 25 de Abril
o regime Salazarista foi derrubado em um evento conhecido como “Revolução dos Cravos”, no
qual a população aglomerada nas ruas enfiava cravos nas armas dos soldados. O sucessor de
Salazar, Marcelo Caetano, foi exilado para o Brasil. Chegava ao fim de uma das ditaduras mais
longas do mundo.

Apesar da democracia ter voltado às terras lusitanas, na década de 80 o mundo viveu


um período conturbado: a Guerra Fria ainda assombrava muitos países, a União Soviética tentou
se reerguer no início da década, porém sucumbiu no final, o comunismo adotou políticas
neoliberais, o muro de Berlin caiu e a Alemanha foi reunificada. O Iraque atacou o Kwait e deu
início à Guerra do Golfo. A África e seus conflitos étnicos com milhões de mortos e Portugal
com os direitos trabalhistas cada vez mais cerceados foram apenas alguns exemplos das
transformações pelas quais o mundo passou. José Saramago, já conhecido crítico do panorama
socioeconômico português e global, além do comportamento humano, utilizou esses fatores em
15

algumas de suas obras, como Ensaio Sobre a Cegueira, O Homem Duplicado e Ensaio Sobre
a Lucidez, uma vez que em todos os conflitos citados anteriormente, há configuração da
dicotomia “controladores x controlados”, na qual o primeiro utiliza diversos artifícios, que vão
de alienação cultural à força para manter o segundo sob sua incontestável tutela, tal qual ocorreu
em muitos dos episódios históricos citados anteriormente. Zygmunt Bauman, no livro A
Modernidade Líquida, apontou para esses possíveis cenários distópicos.

Quando Orwell e Huxley esboçaram os contornos do trágico futuro, ambos sentiram


que a tragédia do mundo era seu ostensivo e incontrolável progresso rumo à separação
entre os cada vez mais poderosos e remotos controladores e o resto, cada vez mais
destituído de poder e controlado. A visão de pesadelo que assombrava os dois
escritores era a de homens e mulheres que não mais controlavam suas próprias vidas.
(2000, p65)

Bauman afirmou que os dois escritores, apesar de preverem um futuro trágico no qual
controladores e controlados terão seus papeis cada vez mais claros e definidos, ambos
divergiram sobre a forma qual esse futuro se manifestaria: Aldous Leonard Huxley escrevera
sobre um futuro de ostentação e devassidão, enquanto George Orwell previra um futuro de
destruição, miséria e escassez. Ambos os cenários contribuiriam para o controle das massas,
gerando indivíduos sem visão crítica, incapazes de perceber o engodo no qual vivem e sem
ambição para lutarem por um cenário mais favorável à individualidade e à justiça social.
Embora a dicotomia controladores x controlados tenha sido aceita pela maioria esmagadora da
população, ela produziu alguns cidadãos descontentes, inquietos, incomodados. Em O Mal-
estar da Pós-Modernidade, Bauman referiu-se a estas pessoas como “estranhos” produzidos
pela sociedade.

Todas as sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua
própria espécie de estranhos e os produz de sua própria maneira, [...] Se os estranhos
são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo
[...] se eles, portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser
transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para ação [...] Se eles
poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo que fazem atraente o fruto
proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de
fronteira que devem ser claramente vistas [...] então cada sociedade produz esses
estranhos. (BAUMAN, 1998, p27).

À primeira vista esses “estranhos” parecem pôr em xeque um mundo perfeito, porém,
ao analisar-se profundamente o contexto histórico da época, percebe-se que, na verdade, havia
inquietação quanto às desigualdades, mazelas e injustiças disseminadas e vendidas como
corretas. José Saramago foi um desse estranhos descritos por Bauman, pois suas obras, como
16

ESL5, trazem ainda hoje a angústia da vida real para poluir a “alegria” na qual muitos pensam
viver, colocando em xeque o modo de vida da sociedade atual. Em suas obras, muitos dos ditos
estranhos são anulados, aniquilados por forças superiores e contrárias a qualquer tipo de
mudança ou pensamento diferente do padrão imposto, na tentativa de manter a sociedade com
comportamento e atitudes pasteurizadas, tal qual afirmou Zygmunt Bauman:

A outra estratégia era antropoêmica: vomitar os estranhos, bani-los dos limites do


mundo ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do lado de dentro [...] ou,
quando nenhuma das duas medidas fosse factível, destruir fisicamente os estranhos.
(BAUMAN, 1998, P28 e P29).

Uma das estratégias narradas por Bauman foi adotada pelos ministros do país fictício de
Ensaio Sobre a Lucidez, após algumas tentativas frustradas de encontrar os possíveis mentores
intelectuais por trás dos votos brancos em massa na capital, forçando assim, após dias de
isolamento, uma mudança de postura por parte dos habitantes e provável identificação – e
punição – de seus líderes “estranhos”.

Impunha-se, por conseguinte, a imposição de um estado de sítio a sério, que não fosse
uma coisa para inglês ver, com recolher obrigatório, encerramento das salas de
espectáculo, patrulhamento intensivo das ruas por forças militares, proibição de
ajuntamentos de mais de cinco pessoas, interdição absoluta de entradas e saídas da
cidade, procedendo-se em simultâneo ao levantamento das medidas restritivas, se bem
que muito menos rigorosas, ainda em vigor no resto do país, a fim de que a diferença
de tratamento, por ostensiva, tornasse mais pesada e explícita a humilhação que se
infligiria à capital. (SARAMAGO, 2004, P28).

O escritor, vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1998, lutador incansável por um


mundo mais justo, deixou em ESL uma ponta de esperança em meio ao caos que vigorara
durante tanto tempo no mundo. Em alguns países, como Argentina, Venezuela e Bolívia, as
nuvens de tempestades começavam a mostrar o céu azul. A Espanha enfrentava manifestações
contra participação na guerra no Iraque e o discurso bélico de George W. Bush enfraqueceu-se
(LOPES, 2010, P163). José Saramago, ainda que criticado por muitos, sabia que o caminho
para um mundo melhor é feito com perseverança, lutas e sacrifícios, sejam os dois últimos
ideológicos ou físicos. O escritor português morreu no dia 18 de junho de 2010, aos 87 anos de
idade, na casa em Lanzarote onde residia com a mulher, Pilar del Rio. Vítima de leucemia
crónica, o autor de dezenas de obras, entre livros, crônicas, peças e memórias, estava doente
havia algum tempo e o seu estado de saúde agravou-se em sua última semana de vida.

5
A partir deste ponto, o nome Ensaio Sobre a Lucidez será representado pela sigla ESL.
17

2. MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA OU PÓS-MODERNIDADE?

Não há consenso sobre a nomenclatura da época na qual se vive atualmente. Alguns


pesquisadores e autores afirmam que a humanidade ainda vive a modernidade, com seus
valores-base totalmente em voga, tal qual o pensador francês Gilles Lipovetsky, cuja teoria
atesta que, desde o Século XVIII, nossa sociedade ainda se mantém sobre o tripé moderno,
baseado na democracia, na economia de mercado e na tecnociência (PERES, 2004, p.5). Outros
autores corroboram a ideia de que se vive em uma era diferente, pós-moderna, com propostas
e caminhos opostos ao anterior. Ao analisar-se as duas classificações, percebe-se que não se
pode de fato considerá-las totalmente antagônicas, pois ambas possuem características comuns,
assinalando assim que não houve uma quebra de parâmetros, de total ruptura, como observou
Linda Hutcheon ao afirmar que a pós-modernidade “não assinala uma mudança utópica radical”
(1991, p.16) com a modernidade, sendo a primeira uma releitura, uma reinterpretação crítica e
irônica do passado.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na obra Modernidade e Ambivalência, afirma


que a Pós-Modernidade é o período no qual a sociedade passou a enxergar a pluralidade de
formas de vidas, contrariando o projeto original da modernidade de ingestão e digestão de
formas diferentes para o nascimento de uma “vida uniforme”. O autor continua em sua asserção,
afirmando que:

a modernidade que admitiu a impraticabilidade de seu projeto original. [...] é a


modernidade reconciliada com sua própria impossibilidade — e decidida, por bem ou
por mal, a viver com ela. A prática moderna continua — agora, entretanto, despojada
do objetivo que outrora a desencadeou (BAUMAN, 1999, p.110).

Na obra Modernidade Líquida, Bauman afirma que a sociedade atual é tão moderna
quanto a do início do Século XX, porém, com uma “modernização irrefreável e incompleta”
(2001, p.37), que graças ao advento da evolução tecnológica em larga escala – que possibilita
ao homem pesquisar e descobrir respostas para perguntas antigas e, ao mesmo tempo, novas
perguntas – permitiu-lhe libertar-se das amarras teocêntricas e apoiar-se em si mesmo,
buscando sempre uma linha de chegada, linha esta que sempre se afasta ou sempre muda.

Outro ponto de observação entre as duas fases é mudança no discurso no tocante à


delegação de direitos e deveres na sociedade: o que antes era designado à razão, ao coletivo
humano, foi privatizado e delegado ao indivíduo. As ações coletivas que outrora julgavam
18

contribuir para a construção de uma sociedade mais justa foram delegadas para a
individualidade do ser humano, permitindo-lhe, supostamente, escolher o próprio modo de vida
e felicidade (2001, p.39). A individualidade, aliás, é uma das características mais marcantes da
era Pós-Moderna, afinal todos os esforços das grandes corporações atualmente, dos veículos de
comunicação às indústrias alimentícia e de vestuário, é consolidar a ideia de que o homem é
suficiente em si mesmo e, consequentemente, deve assumir os encargos da execução de sua
individualidade. Ainda de acordo com Bauman, a individualidade do ser humano Pós-Moderno
deixou de ser uma escolha para ser uma ação compulsória e “se recusar a participar do jogo da
individualização está decididamente fora da jogada” (BAUMAN, 2001, p.43).

Apesar da pregação à individualidade, há também fagulhas de coletividade e relação


com o outro na pós-modernidade e, apesar de paradoxais, uma relação não torna a outra
necessariamente excludente. Gustavo Monteiro Pessoa de Andrade e Flavia Arantes Hime, no
artigo “Relacionamentos e individuação na sociedade pós-moderna”, afirmou que se socializar
e estabelecer vínculos são atividades essenciais à formação da identidade do ser humano, sendo
“um passo inescapável no processo de síntese de personalidade” (ANDRADE E HIME, 2008,
p.169). Apesar de todo o cenário catastrófico pós-moderno, no qual o indivíduo é pautado
sempre buscando – e primando – pela individualidade a todo custo, principalmente quando a
segurança nos tempos atuais é posta em xeque diariamente, há a possibilidade dos
relacionamentos potencializarem o processo de individualização do homem pós-moderno,
aumentando e tornando mais criativas suas perspectivas de ser (ANDRADE E HIME, 2008,
p.170-171).

Embora haja relacionamentos interpessoais na pós-modernidade, a concepção de


comunidade mudou bastante desde a assunção do período atual: indivíduos com perfis
identitários semelhantes excluíram os estranhos dos entornos de suas fortalezas, uma vez que
estes ameaçam a sensação de segurança e bem-estar que este indivíduo busca, criando
comunidades aglutinantes e não integrantes de fato. Gustavo Monteiro Pessoa de Andrade e
Flavia Arantes Hime afirmam que a discriminação dos estranhos fomenta ainda mais o
surgimento da individualidade pós-moderna (ANDRADE E HIME, 2008, p.170). Bauman, na
obra Comunidade: A busca por segurança no mundo atual, discorreu sobre a interdependência
entre os indivíduos, lembrando que ninguém é autossuficiente em si mesmo e que, por mais
ávida e incansável que seja a sensação de individualidade do ser humano, há conquistas que
somente são obtidas através da coletividade (BAUMAN, 2004, p.133-134).
19

Em ESL, José Saramago apontou para o ideal de coletividade apontado por Zygmunt
Bauman, uma vez que, ao tomarem a iniciativa de votarem em branco, a população da capital
daquele país despertou o sentimento de mudança política e social, ainda que tenham sido
tratados como estranhos pelos concidadãos e hostilizados pelos representantes do Estado.
Bauman afirmou que uma comunidade deveria pautar-se pelo cuidado mútuo e pela conquista,
luta e preservação de direitos iguais dos seres humanos (BAUMAN, 2004, p.134). Ora,
justamente o ideal de comunidade tecido por José Saramago na trama.

As diferenças entre as sociedades moderna e a pós-moderna continuam, uma vez que,


na primeira, a luz no fim do túnel e as mudanças sociais que culminariam no paraíso terreno,
tais quais justiça social, cessão de conflitos e economia justa, tão almejados pela no início do
Século XX foram postos em xeque, da mesma forma que a ideia de detenção do conhecimento
pelo homem caiu por terra. Não há mais certezas: tal qual a teoria socrática, nada sabemos. A
assimilação da realidade é um projeto secundário, distante. A tecnologia e sua evolução
desenfreada, além da popularização da internet de alta velocidade, permitiram ao homem
absorver uma gama de informação jamais vista, fatos que, aliados à multiplicidade de ideias,
de ideais, de identidades, de conceitos e de julgamentos tornam a realidade uma definição cada
vez mais distante.

Apesar do paradoxal rompimento e ligação com a modernidade, a pós-modernidade


cobra do indivíduo que congrega em seu templo um preço alto: pode-se ir a qualquer lugar, a
qualquer hora, porém, com a incerteza de querer ir, afinal, quando o homem pós-moderno
rompeu com os valores de outrora, os pilares morais, que geravam aparente tranquilidade, foram
demolidos. Há inquietação com relação ao futuro, inclusive o imediato. O homem pós-moderno
tornou-se um prisioneiro domiciliar em presídios chamados de megalópoles. A tecnologia que
o ajuda a absorver informações transformou-o em marionete dos criadores e disseminadores de
conteúdo – os novos industriais da era pós-moderna – que se aproveitam das novas mídias para
prover munições que, cada vez mais, mantém o indivíduo fragmentado e encarcerado. Stuart
Hall, em A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, afirmou que a real intenção desses
disseminadores é produzir seres com vidas perfeitamente programáveis, controlando diversas
áreas do conhecimento destes, como família, saúde, vida sexual e disciplinar (HALL, 2014,
p.42).

A liberdade na época atual é um dos simulacros que esta produz: o indivíduo é livre para
tomar suas próprias inciativas e fazer o que bem entender, porém, ao deparar-se com a realidade,
este percebe que, na verdade, a individualidade é uma condição hiper-real pós-moderna e,
20

apesar da pretensa liberdade. O homem desta época está preso à condição sine qua non de
vencer e dar certo, de ser livre para tomar decisões que possibilitem viver irrestritamente uma
vida regrada, que ao mesmo tempo permitam-lhe exercer sua liberdade e buscar suas
identidades vivendo em uma espécie de caos organizado.

A pós-modernidade tornou-se um período controverso e paradoxal, que ao mesmo


tempo se aproxima e se afasta de sua antecessora e que produz uma geração de indivíduos
cheios de si, com pretensa coragem para dominarem o mundo sem ao menos saberem o que
lhes aguarda. A pós-modernidade questiona tudo, mas não renega; almeja o futuro, mas não
sabe qual, vive a certeza de que tudo é fragmentado, efêmero, passageiro. Vive a inconstância
de ser uma era na qual não existe uma nomenclatura que a defina. Afinal, nomear o agora, ainda
é uma missão árdua e geradora mais de perguntas do que respostas.

2.1. Aspectos identitários em Ensaio sobre a Lucidez

No Dicionário da Língua Portuguesa temos a definição de identidade como “os


caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, etc.”
(FERREIRA, 2010, p.406), itens que deveriam auxiliar, além da identificação, a
particularização de cada indivíduo. O homem pós-moderno precisa ter um perfil identitário que
lhe permita interagir em diferentes círculos sociais (família, escola, faculdade ou trabalho).
Além disso, um perfil identitário pode permitir a esse indivíduo ter mais chances de sucesso
pessoal ou profissional a curto, médio ou longo prazo e, sobretudo, evitar que ele se torne um
estranho e, como tal, seja marginalizado ou banido pelos demais membros de um determinado
microcosmo.

Stuart Hall, em Identidade Cultural na Pós-Modernidade, abordou a teoria de que, na


pós-modernidade, o indivíduo é possuidor de identidades, não de uma única identidade, como
ocorreu em outras eras. O homem pós-moderno está em constante evolução e da mesma forma
que a sociedade na qual vive atualmente é exposto a informações – e opiniões – acerca de
diferentes religiões, etnias, gêneros, culturas e classes sociais que ajudam na construção dessas
identidades (HALL, 2014, p.9). Nesse contexto, a globalização, enquanto fenômeno de suposta
união mundial, tem contribuído para a sedimentação, sobreposição e hibridização de culturas e
identidades locais pelo/com o estilo de vida ocidental, sobretudo o norte americano,
21

contribuindo para o bombardeio de cada parte do indivíduo pós-moderno com diversas formas
identitárias. Este processo, que se dá através da constante exposição a tantas mudanças e
informações, criou um ser fragmentado, multi-identitário, com sintomas de uma esquizofrenia
(CONNOR. 1992, p.94) sistemática que permite-lhe alterar os próprios pensamentos, ideias e
até mesmo senso de afetividade, dando-lhe aval armazenar dentro de si diferentes identidades,
que serão utilizadas quando necessário ou alteradas ao longo do tempo.

O sociólogo Zygmunt Bauman, na obra Identidade, afirma que comumente se pensa que
as comunidades nas quais o indivíduo está inserido formam sua identidade. Essas comunidades,
criadas a partir de laços absolutos, tais quais históricos ou geográficos, forjando indivíduos que
compartilham origem, língua e crenças comuns, ou ainda por convicções ideológicas, tais quais
política e esporte, são classificadas por Bauman como comunidades de vida e destino (2004,
p.17) respectivamente. Apesar do senso comum, o sociólogo afirma que, a identidade começa
a ser forjada quando confrontada com outras comunidades consideradas inferiores. Além disso,
a riqueza e variedade de pensamentos, ideias e crenças, aliadas à rapidez de difusão das
convicções ideológicas de outras comunidades, por exemplo, trazem a necessidade constante
de reflexão, ponderação, avaliação e escolha do homem pós-moderno. Muitas vezes, para
manter-se foi do hall de estranhos, este opta pela tentativa de conciliação quando há o
surgimento de ideias conflitantes, outras, porém, exigem a saída da comunidade ideológica da
qual se está inserido.

José Saramago, em ESL, utilizou a tônica de confronto ideológico para a forja identitária
de um dos personagens da obra: o presidente da câmara. Outrora figurando como o
representante do Estado na capital, teve suas convicções e ideais confrontados após o atentado
a bomba na estação do metrô. Atentado este que, aliado ao histórico de conversas por telefone
com o ministro do interior, nas quais sempre foi tratado como peão em um jogo de xadrez, fez
o presidente abandonar o cargo e juntar-se à multidão que, silenciosamente, manifestou-se pelas
ruas da capital contra o atentado e em favor das vítimas.

Senhor presidente, permita-me que lhe manifeste a minha estupefacção por vir
encontrá-lo aqui, Estupefacção, porquê, Acabo agora mesmo de o dizer, por vê-lo
numa manifestação destas, Sou um cidadão como outro qualquer, manifesto-me
quando e como entenda, e muito mais agora que já não é necessário pedir autorização,
Não é um cidadão qualquer, é o presidente da câmara municipal, Está enganado, há
três dias deixei de ser presidente da câmara, pensei que a notícia já fosse conhecida
(SARAMAGO, 2004, p.67).
22

As tentativas do Estado em ESL de intimidação e da força para a manutenção da


integridade nacional também foram descritas por Zygmunt Bauman em Identidade. Nela, o
sociólogo atentou para a tentativa de construção das identidades nacionais pelos estados,
utilizando para isso meios não democráticos para frear identidades contrárias à ideia de unidade
nacional. Um grupo identitário que não compactuasse com as ideias defendidas pelo Estado,
seria considerado um estranho e acionaria os meios de controle – e contenção – estatais, que
por sua vez utilizar-se-iam da intimidação e da força para defenderem a qualquer custo o perfil
identitário permitido por ele (BAUMAN, 2004, p.28). Os cidadãos da capital, ao votarem em
branco, assumiram uma identidade estranha às demais províncias do país, colocaram o ideal de
identidade nacional em xeque, e fizeram com que o Estado daquele lugar não identificado
lançasse mão de seus protocolos – ainda que baseados na intimidação – para colocarem um fim
na suposta “rebelião silenciosa” que teve início no primeiro dia de votação na capital.

sob pena de se converterem no alvo directo das sanções previstas no estado de


excepção cuja declaração, após consulta, amanhã mesmo, ao parlamento (...) O
governo da nação tem a certeza de interpretar a fraternal vontade de união de todo o
resto do país, esse que com um sentido cívico credor de todos os elogios cumpriu com
normalidade o seu dever eleitoral(SARAMAGO, 2004, p.16-17).

Zygmunt Bauman, na obra O Mal-Estar da Pós-Modernidade, destacara o surgimento


desses seres pós-modernos “diferentes”, aos quais dera o nome de “estranhos”. O dicionário
Aurélio da língua portuguesa definira estranho como “1. Foi do comum; desusado. 2. Que é de
fora; estrangeiro; alheio. 3. Singular; extravagante. 4. Misterioso”. A definição lexical que mais
se aproxima da explicação arrolada por Zygmunt Bauman sobre os estranhos é a “fora do
comum”, uma vez que o sociólogo discorrera sobre a ideia de desajuste cognitivo, moral e
estético do mundo, deixando-o turvo com sua simples presença. Além disso, o sociólogo
apontou para o desejo “pelo fruto proibido” despertado pelos estranhos nos demais seres pós-
modernos (BAUMAN, 1998, p.27), fruto proibido este que pode representar uma sede de
mudança frente à situação política de um país – real ou fictício – por exemplo. Embora encare-
se a criação de estranhos na pós-modernidade como algo paradoxal, uma vez que a era atual
prega, teoricamente, pela livre expressão identitária, deve-se lembrar que os indivíduos pós-
modernos preferem viver em aparente harmonia e, como foi visto no item 2 deste capítulo, opta-
se por uma identidade moralmente ajustada frente à sociedade e, muitas vezes, recorre-se à
hiper-realidade para viver-se as demais identidades possuídas pelo indivíduo (PERES, 2004,
p.6). Um estranho em uma sociedade é considerado como desajustado e, como tal, deve ser
23

levado à avaliação e julgamento, ora pelos demais indivíduos, ora pelos órgãos competentes do
Estado.

Em ESL, a mulher do médico foi apontada como estranha, primeiramente por um outro
habitante daquela capital, habitante este que provavelmente foi ajudado por ela na ocasião da
cegueira branca, trazendo à tona, mais uma vez, a questão da hiper-realidade como local de uso
das demais identidades, ainda que conflitantes, de um indivíduo, afinal o sentimento de gratidão
foi superado pela decisão de entregá-la às autoridades. Após a recusa inicial do Presidente
daquela não-nação em levar a história adiante, a ideia foi comprada por seu ministro do interior,
descrito por José Saramago como “um pouco menos sanguinário que drácula, mas muito mais
teatral que Rambo” (2004, p.95), que deu início às investigações e, por fim, a execução daquela
mulher. Zygmunt Bauman apontou para estas soluções em O Mal-Estar da Pós-Modernidade:

Num pólo, a estranheza (...) continuará sendo edificada como a fonte da experiência
agradável e da satisfação estética; no outro, como a aterradora corporificação da
viscosidade desabridamente ascensional da condição humana (...). E o poder político
oferecerá sua habitual partilha de oportunidades para o curto-circuito dos pólos: para
proteger sua própria emancipação através da sedução, os próximos do primeiro pólo
procurarão o domínio pelo medo sobre os do segundo pólo, ajudando e favorecendo,
assim, sua indústria suburbana de horrores (BAUMAN, 1999, p.47-48).

2.2. A relação do leitor com o lugar não identificado na obra

José Saramago, em ESL, não aponta – sob a ótica geográfica – para um país específico
ou fictício. O autor, no desenrolar da trama, faz menção a país e capital, concedendo ao leitor,
à primeira vista, um olhar distanciado daquele lugar sem identificação onde a trama se passa,
porém, ao continuar a leitura, este leitor pode perceber que, mesmo sem quaisquer menções
geopolíticas, o escritor fala mais sobre a situação atual de muitos países do globo – inclusive o
que ele vive – do que os críticos político-socioeconômicos que se propõe a fazê-lo.

A pós-modernidade auxiliou no processo de perda da identidade dos limites geográficos


que o homem teve. Tais limites que, até o início do Século XX, mantiveram algumas sociedades
encarceradas em sua própria rede de costumes e cultura, como China, Japão e Austrália,
passaram a ser superados pelos fenômenos da ultra velocidade tecnológica e de difusão das
informações, pela globalização e a popularização dos transportes de massa mais velozes. De
acordo com o Sociólogo Zygmunt Bauman, na obra Globalização: As Consequências Humanas
(1999, p.18), tais fenômenos são um dos causadores desta paradoxal sensação de
distanciamento e pertencimento geográfico que o leitor de ESL tem durante a leitura. O
24

indivíduo pós-moderno está cada vez mais inserido em um contexto no qual se tem a sensação
paradoxal de se pertencer ao mundo e, ao mesmo tempo, a lugar nenhum.

A sensação familiaridade que o leitor pode ter ao identificar-se como um dos eleitores
do não lugar criado por José Saramago em ESL, tornou-se outro fato interessante, pois como
pertencente à pós-modernidade, o indivíduo leitor desta obra tem a individualidade e a sensação
de liberdade afloradas, porém, ainda como cidadão pós-moderno, este é bastante cauteloso ao
tomar decisões que possam chocar a sociedade na qual está inserido e, como sua intenção não
é tornar-se um estranho, pode apelar para recursos de hiper-realidade a fim de promover catarse
em si mesmo e pôr em prática a liberdade real que tanto se prega. De acordo com Jean
Baudrillard, na obra Simulacro e Simulação, “não existe mais uma realidade dura com a qual
possamos (queiramos) lidar” (1983, p12). Nesse sentido, o leitor de ESL pode empreender fuga
para o lugar não identificado da obra, tornar-se um de seus cidadãos e votar em branco como
forma de protesto sem ter os olhares de reprovação que poderia ter em uma situação similar no
mundo real.

José Saramago, enquanto ávido pesquisador e observador do comportamento humano


pós-moderno, pode ter utilizado o não-lugar tal qual foi descrito por Zygmunt Bauman na obra
Modernidade Líquida. Nela, o sociólogo polonês descreve espaços onde se pode estar – ainda
que por um tempo longo, sem de fato pertencer. Os passantes, ou hóspedes dos não-lugares
podem pertencer aos mais variados estratos da sociedade, porém, ali, devem seguir regras de
conduta e convivência que sejam compreendidas por todos e, por mais que se sintam em casa,
devem ter em mente que não estão lá (BAUMAN, 2001, p119). Em ESL o leitor pode sentir-se
como habitante daquele país, seguir as regras de conduta das centenas de – talvez milhares –
habitantes que ali estão promovendo o silencioso jogo de revolução política através do voto em
branco e saber que, de fato, não pertence àquele lugar. A obra de José Saramago pode utilizar
a teoria de não-lugar de Bauman para, em um primeiro momento, provocar efeito catártico no
leitor e, talvez, posteriormente, leva-lo à reflexão sobre o mundo real no qual vive.

2.4. Os poderes do estado em Ensaio Sobre a Lucidez

Como foi visto no subitem anterior, José Saramago, em ESL, mostra políticos do alto
escalão do governo daquele país não identificado lançando mão de diversos artifícios para
25

obrigarem os eleitores da capital deste a votarem nos políticos de um dos três partidos
apresentados na trama (Centro, Direita e Esquerda). Apesar de, à primeira vista os artifícios
parecerem elementos de ficção, deve-se atentar para o fato que o autor, além de escritor, atuara
como jornalista em Portugal, além de ter sido ativista político no Partido Comunista daquele
país e, como tal, foi observador atento de diversos acontecimentos políticos ocorridos na
Península Ibérica, como o advento do Estado Novo, em Portugal, da Guerra Civil Espanhola e
de diversos conflitos e revoluções no mundo nos anos 70, 80, 90 e 2000. Como tal, Saramago
observara as tentativas de diversos regimes, democráticos em teoria ou não, de manterem-se no
poder a qualquer custo, o que pode tê-lo levado a transcrevê-las na obra.

Outro ponto de análise é a ação e influência do Estado no desenrolar dos fatos da obra,
este, definido como o “conjunto de poderes políticos de uma nação; governo” pelo Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa, é o responsável, teoricamente, por manter a salvaguarda dos
cidadãos de uma determinada nação, provendo-lhes todos os subsídios para que seus indivíduos
cresçam e mantenham-se saudáveis física, intelectual e economicamente. Porém, tem-se visto,
ultimamente, a intervenção do Estado em diversas áreas das sociedades atuais, mantendo
subjugados a ele o poder social das nações e, utilizando seus aparelhos militares e culturais, por
exemplo, para esta finalidade (BAUMAN, 1999, p.68). Bauman afirma ainda que, com o
advento da Globalização e da independência das transnacionais e do mercado financeiro
especulativo, além do enfraquecimento da classe política, coube ao Estado manter o aparelho
repressor – e o governo – como seguranças e representantes eleitos do mundo dos negócios,
respectivamente. Ora, em ESL não é possível identificar um grupo econômico como controlador
do Estado, porém, é possível que José Saramago tenha utilizado os cenários descritos por
Bauman como base para o descontentamento da população da capital daquele lugar não
identificado com seus representantes eleitos e a tentativa destes para manterem a ordem política
a todo custo, valendo-se, inclusive, do aparelho repressor que possuíra no advento da
implantação do estado de exceção. Mais uma vez, a ficção e a realidade se cruzaram e o leitor
da obra do escritor português teve o não-lugar da obra transfigurado para o lugar no qual viveu.

As tentativas do Estado em ESL, de manter a ordem a todo custo na capital daquele país
foi descrita por Zygmunt Bauman no livro Modernidade e Ambivalência, como as atitudes de
um Estado-Jardineiro, que, na tentativa de manter o “jardim” bonito e bem podado, lança mão
de critérios para definir quais “plantas” são úteis – estas continuariam sendo cuidadas, do ponto
de vista do jardineiro –, e quais são inúteis ao jardim. Estas últimas, tais quais ervas daninhas,
devem ser arrancadas e lançadas foi do Jardim (BAUMAN, 1999, p29). Ora, José Saramago
26

utilizou-se destas prerrogativas para descrever o que os políticos, componentes do Estado de


ESL, optaram por fazer na tentativa de manterem seus domínios, como declararem “estado de
exceção”, promoverem o atentado a bomba na estação do metrô, - “Se vem a saber-se que
aquela bomba foi mandada pôr por nós, daremos aos que votaram em branco a última razão que
lhes faltava” (SARAMAGO, 2004, p143) – censurarem os meios de comunicação e, finalmente,
promoverem à caça à mulher do médico, insinuando que a mesma estaria por trás do grupo que
disseminara os ideais de revolução que levaram os habitantes da capital a votarem em branco.
Analisando os fatos descritos por José Saramago, sob a ótica de Zygmunt Bauman, fica claro
que aquele país fictício é o jardim, o Estado, com seus ministros, é o jardineiro. Os habitantes
do país, com exceção da capital são as plantas úteis e, num primeiro momento, as plantas inúteis
são a população da capital, título depois transferido para a mulher do médico.
27

3. O PAÍS ALEGÓRICO DE ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ

O Dicionário Aurélio definira alegoria como “ficção que representa uma coisa para dar
ideia de outra” (FERREIRA, 2010, p.31). Definição esta também presente na principal
característica do texto alegórico, que permite a ligação da ficção com a realidade, além de levar
à reflexão sobre processos históricos e problematizar a realidade. Neste sentido, o país fictício
de ESL figura como lugar alegórico, afinal, mesmo sem menção a pontos geográficos
específicos, o leitor, utilizando o conhecimento de mundo que eventualmente possua, pode ter
a capacidade de associá-lo ao país no qual reside, ou ainda a outro cujo representantes do Estado
tenham atitudes parecidas com a dos políticos da obra. Após iniciada a leitura, o leitor desta
obra de Saramago poderá perceber a presença de situações e até mesmo equipamentos comuns
ao período no qual vivemos.

mas que levam lá dentro, invisíveis aos olhares, câmaras de vídeo de alta definição e
microfones da última geração capazes de transferir para um quadro gráfico as emoções
que aparentemente se ocultam no sussurrar diverso de um grupo de pessoas que crêem,
cada uma delas, estar a pensar noutra coisa (SARAMAGO, 2004, p.26).

A capacidade de associação e identificação da ficção com a realidade é campo de estudo


da hermenêutica, ciência que analisa a capacidade de transmissão e interpretação de uma
informação. Segundo o Professor de Filosofia Josué Cândido da Silva6, a hermenêutica
constitui-se como A arte de interpretar o sentido da palavra do autor (SILVA, 2007, p.1).

Na pós-modernidade a hermenêutica ganha novos contornos uma vez que, com a


diversidade de identidades, a pluralidade de interpretações acentuou-se. Segundo a Professora
Janine Resende Rocha, a “atribuição e a produção de sentido ocorrem mediante a tensão entre
texto e leitor – aglutinadora de outros elementos tais como teorias, história, cultura –, através
da qual é possível destacar o potencial de sentido propiciado pelo texto” (ROCHA, 2010, p.490)
e, sem esses elementos, a interpretação deste fica seriamente comprometida, uma vez que o
leitor fará uma leitura superficial, não atentando – ou não identificando – detalhes sutis, como
alegorias e símbolos, que darão outro norte ao texto.

A descrição da Professora no parágrafo anterior ganha força ao comparar-se, por


exemplo, uma situação que foi explicitada por José Saramago, em ESL, com uma vivida na

6
Disponível em https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/hermeneutica-a-arte-de-interpretar-o-sentido-
da-palavra-do-autor.htm. Acessado em 17/05/2017.
28

Síria no ano de 2015. No país fictício, o Governo, após algumas tentativas de persuadir a
população da capital a mudar de ideia acerca dos votos em branco que estes depositaram nas
urnas, lançara mão de uma estratégia de propaganda em favor do Estado, utilizando helicópteros
para jogarem panfletos à população condenando os supostos organizadores do motim eleitoral,
tentando, sob à ótica daqueles políticos, trazê-los à razão supostamente perdida.

Precisamente, senhor primeiro-ministro, com papéis, em primeiro lugar, por ordem de


importância, teríamos uma proclamação assinada pelo senhor presidente da república
e dirigida à população da capital, em segundo lugar, uma série de mensagens breves
e eficazes que abram caminho e preparem os espíritos para as acções de efeito
(SARAMAGO, 20014, p.174).

Ação semelhante foi utilizada por outros países para divulgarem propagandas de suas
ideologias políticas e/ou contra os estranhos que, possivelmente, pudessem por a ordem pré-
estabelecida em xeque. Países como a Síria, por exemplo, em um dos vários confrontos contra
grupos rebeldes que lutam contra os desmandos do governo local, utilizaram helicópteros para
distribuírem panfletos alertando para os supostos perigos que o grupo radical poderia trazer à
região de conflito.

A Força Aérea da Síria lançou folhetos sobre uma área do país onde uma ofensiva está
sendo planejada, segundo um vídeo divulgado neste domingo (4) por um jornal russo
e disponibilizado nesta terça-feira (6) pela Reuters.
A gravação mostra os panfletos dentro de sacos, sendo soltos no ar a partir de um
helicóptero.
Os folhetos tinham mensagens em árabe alertando que quem estiver com o texto
poderá passar pelos postos de controle do Exército Sírio7.

Outra situação análoga à realidade atual, descrita em ESL, foi a do atentado à uma das
estações de metrô de superfície da capital do país fictício. Na ocasião, o Estado, também sob
pretensa justificativa de dissuadir a suposta revolução dos votos em branco, provocara uma
explosão de uma bomba, com efeitos danosos à população, afinal o incidente custou a vida de
alguns cidadãos, além de inúmeros feridos e, posteriormente ao próprio governo.

Estava a levar o garfo à boca quando uma explosão fez estremecer de alto a baixo o
edifício...mesas e cadeiras foram atiradas ao chão, havia pessoas a gritar e a gemer,
algumas estavam feridas... Fala o presidente da câmara, rebentou uma bomba na
estação principal do metro de superfície sector leste, mandem tudo o que puderem, os
bombeiros, a protecção civil, escuteiros, se ainda se encontram, enfermeiros,
ambulâncias, material de primeiros socorros, tudo o que tiverem ao vosso alcance
(SARAMAGO, 20014, p.118).

7
Disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/exercito-sirio-joga-panfletos-sobre-area-onde-
ofensiva-e-planejada.html. Acessado em 17/05/2017.
29

Situações semelhantes foram vistas em diversos países do mundo e, apesar de


aparentemente terem sido provocadas por estranhos à situação política local vigente, defensores
das mais diversas teorias da conspiração afirmoum que, de fato, tais incidentes foram
provocados pelos próprios governos para provocarem pânico entre a população, apoio à futuras
ações do Estado contra grupos separatistas e/ou extremistas, bem como aumentar ainda mais a
aversão dos populares contra aqueles grupos.

MADRID - Passado dez anos, a Espanha lembra nessa terça-feira os atentados de 11


de março de 2004, que mataram 191 pessoas em Madri e em seus subúrbios.

Às 7h40m da manhã deste dia 11 de março, dez bombas explodiram na hora do rush
em quatro trens lotados que se dirigiam para a estação ferroviária de Atocha. Foram
os atentados mais sangrentos na Espanha.

Enquanto o governo conservador de José Maria Aznar acusava o ETA pelo ocorrido,
os atentados foram reivindicados na mesma noite por um grupo da Al-Qaeda8.

Percebe-se que, embora as motivações entre os atentados em Madri e na capital de ESL


tenham sido atribuídos a grupos domésticos, o que ocorrera na Espanha, supostamente, foi
provocado pelo grupo terrorista Al-Qaeda, de origem estrangeira. Em ambas as situações, os
governos locais culpabilizaram seus estranhos para mobilizarem suas populações em prol de
suas administrações. Deve-se lembrar que, como foi visto no capítulo anterior, a pós-
modernidade também tem como uma de suas características a sensação de insegurança por parte
dos indivíduos e, por isso, a facilidade de certos grupos político-ideológicos utilizarem – e
convencerem – populações inteiras a apoiarem-nos através da violência, sob pretexto de
oferecerem proteção aos que ali vivem.

Os eventos citados anteriormente são alguns dos que corroboram à alegoria do país
fictício de ESL, pois, José Saramago utilizou todo seu conhecimento histórico, político e social
para mostrar os problemas do mundo no qual viveu na obra. Apesar da falta de menção lugar
geográfico específico, a vivência do leitor pode permitir que ele associe os eventos daquele
local fictício a muitos vividos pelo seu próprio país ou então por outros ao redor do mundo. É
função da alegoria refletir os processos históricos, dando cabo da problematização da
realidade...pelo seu potencial metafórico, que permite justamente este tipo de significação
substitutiva (SANTOS, 2010, p.18).

8
Disponível em https://oglobo.globo.com/mundo/espanha-lembra-10-anos-do-maior-atentado-terrorista-de-sua-
historia-11842357. Acessado em 21/05/2017.
30

3.1. Alegoria e símbolos da sociedade coletiva ideal

No universo de ESL, José Saramago apresentou uma sociedade trabalhando em


conjunto. Desde a manhã do primeiro dia de votação até o regresso dos habitantes que tentaram
fugir da capital, temendo represálias mais duras do Estado, percebe-se um sentimento de
coletividade, de ajuda e trabalho mútuo por parte dos habitantes que votaram em branco. Tal
fato, todavia, servira para atentar-se à ideia de que, ao mostrar tal movimentação em massa, o
autor, provavelmente, quisera, através da alegoria, discorrer sobre a coletividade ideal, pregada
por Zygmunt Bauman (2004, p.134) tão distante e escassa na Pós-Modernidade:

Ao contrário do que tínhamos suposto, a multidão não se dispersou, a manifestação


prossegue, e agora avança em massa, a toda a largura das ruas, em direcção, segundo
se está vozeando, ao palácio do chefe do estado... As pessoas chegaram e encheram a
praça, estevem meia hora a olhar em silêncio para o palácio fechado, depois
dispersaram-se(SARAMAGO, 2004, p.132-136).

Como foi visto no capítulo anterior, os indivíduos pós-modernos tendem a aglutinar-se,


apenas visando o próprio bem-estar, tal qual a pretensa sensação de segurança e estarem
próximos de quem compartilha perfis identitários em comum consigo, por exemplo
(ANDRADE E HIME, 2008, p.170). Porém, grande parte da sociedade da capital do país de O
ESL agira com unidade, tal qual um corpo, tomando em grupo decisões que, geralmente, seriam
tomadas por um único ser pensante. Na ocasião da manifestação dos mortos pelo atentado a
bomba na estação do metrô, José Saramago apontou para este fato, chamando, inclusive, a linha
de frente da manifestação de cabeça: “A cabeça da manifestação tinha rodado um quarto de
volta sobre si mesma, agora subia a íngreme calçada em direcção a uma avenida comprida e
larga ao fim da qual viraria à direita” (SARAMAGO, 2004, p.156)

Embora a percepção de comunidade ideal se dê através de uma alegoria, ou seja, foi


necessário utilizar-se de uma sequência de fatos, além de conhecimento prévio de mundo e/ou
histórico para tal feito, a presença da figura da cabeça, mencionada por José Saramago para
identificar a parte inicial da manifestação chamara a atenção por ter um conceito extratextual
implícito, conceito este que independe da obra do escritor português para apresentar o mesmo
significado que foi dado à ela dentro do universo de ESL. A cabeça, dentro do contexto
mencionado, teve valor simbólico.
31

Um símbolo, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa significa “1.


O que representa ou substitui outra coisa. 2. O que evoca, representa ou substitui algo abstrato
ou ausente” (FERREIRA, 2010, p.700). A Doutora em Educação Regina Claire Monteiro, no
artigo intitulado O Símbolo na Literatura: Um Estudo sobre o Conteúdo Arquetípico de Textos
Literários, corrobora com a definição do dicionário, afirmando que o símbolo é metafórico e
que a linguagem metafórica foi herança dos mitos transmitidos oralmente para relatarem antigas
práticas ritualísticas e carregados de sonhos e sentimentos humanos. A autora afirma ainda que,
“no mito, o conteúdo simbólico revela sua plenitude. A certeza do símbolo é comprovada pela
constante repetição em diversos mitos” (MONTEIRO, 2005, p.57). Ora, à luz destas asserções,
e também de acordo com o Dicionário de Símbolos, que afirma que a cabeça inclui a autoridade
para governar (CHEVALIER, 1986, p.221), pode-se afirmar que o símbolo da cabeça com o
mesmo valor utilizado por José Saramago em ESL foi utilizado em outras obras, como, por
exemplo, a Bíblia Sagrada, que no Livro de 1 aos Coríntios, Capítulo 11, versículo 3, afirmou
que “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da
mulher; e Deus a cabeça de Cristo”.

A ideia de unidade coletiva foi reforçada por José Saramago na conversa do então ex-
presidente da câmara com um repórter no advento da manifestação silenciosa. Quando
interpelado sobre os motivos, rumos e os organizadores de não somente daquele, mas de todos
os eventos ocorridos até ali, o ex político disse “Pergunte aos organizadores, Onde estão, quem
são eles, Suponho que todos e ninguém” (SARAMAGO, 2004, p.136). Além disso, no advento
do retorno dos que não votaram em branco para suas casas após desastrosa fuga da Capital, os
“brancosos”, como o escritor chamara os cidadãos que optaram por assim votarem, auxiliaram
seus congêneres a descarregarem seus pertences dos carros e voltarem em segurança para suas
residências, novamente exercendo o comunitarismo proposto por Zygmunt Bauman.

os caluniados e insultados brancosos desceram a ajudar os vencidos da facção


adversária, cada um decidiu por sua conta e a sós com a sua consciência, não se deu
fé de qualquer convocatória vinda de cima nem de palavra de ordem que fosse preciso
aprender de cor (SARAMAGO, 2004, p.160).

Pode-se observar que, embora prevaleça o ideal individualista na pós-modernidade, José


Saramago apelara para o espírito de unidade e coletividade, pregando que a sociedade pode
funcionar como bloco organizado em prol de seus ideais e objetivos e, contrariando a maioria
dos estudos e publicações dos teóricos literários acerca da época atual. Saramago abre brechas
nos consensos dos atuais estudos literários: “a pós-modernidade do fragmento, da pluralidade
32

e da indeterminação esvai-se em uma proposta de “resumo ficcional” dotado de visão de mundo


globalizante” (LOPES, 2010, p.219).

3.2. Símbolos identitários em Ensaio sobre a Lucidez

A sociedade apresentada por José Saramago, embora alegórica, possui alguns símbolos
identitários cuja existência e atitudes representaram bem o comportamento fragmentado do
homem pós-moderno. No início da obra, há menção aos representantes dos três partidos
(esquerda, centro e direita), bem como aos representantes do Estado daquele país, a saber: o
presidente da república, o primeiro-ministro, o ministro da cultura, o ministro da defesa, o
ministro do interior e também o presidente da câmara de vereadores da capital, além do
comissário de polícia, do homem de gravata azul de pintas brancas, da mulher do médico e do
cão das lágrimas. Embora não possuam nome de batismo, cada qual possuíra uma
personalidade-símbolo na história, permitindo ao leitor ter uma melhor visão do desenrolar dos
fatos.

O primeiro político-símbolo que chamara a atenção pelo perfil identitário apresentado


na trama foi o ministro do interior, descrito na obra como “homem de barba dura”
(SARAMAGO, 2004, p.52). De acordo com o Dicionário de Símbolos, a barba representa
virilidade e experiência (CHEVALIER, 1986, p.177). Em outro ponto da trama, este mesmo
ministro foi descrito como “um pouco menos sanguinário que drácula, mas muito mais teatral
que Rambo” (SARAMAGO, 2004, p.190), dois personagens conhecidos no mundo da literatura
e do cinema como símbolos de guerra, conflitos e mortes. Ora, pode-se inferir que este ministro
se apresentara como um homem proposto a exibir toda a sua virilidade através de atitudes
atrozes e carregadas de violência. De fato, na trama de José Saramago, o ministro do interior
foi o responsável ideológico da prisão e provável tortura de habitantes da capital, a fim de
descobrir os supostos líderes do movimento dos votos em branco, da contratação do homem da
gravata branca e azul e do atentado ao metrô de superfície: “À semelhança do que havia dito há
dias o ministro do interior quando teve de explicar ao chefe do governo as razões da diferença
de potência entre a bomba que se tinha mandado colocar e a bomba que efectivamente viria a
explodir” (SARAMAGO, 2004, p.140)

Outro político-símbolo de ESL foi o ministro da defesa. Este foi apresentado por José
Saramago como um “civil que não havia ido à tropa” (SARAMAGO, 2004, p.36) e descrevera
33

a experiência deste “como inesquecível experiência de um histórico passeio submarino de meia


hora em águas mansas” (SARAMAGO, 2004, p.56), mostrando-o como um político sem
experiência, a exemplo do que comumente ocorre nos dias atuais, uma vez que muitos políticos
ocupam cargos e desempenham funções sem o mínimo de preparo para tais prerrogativas.

Ainda no âmbito político, o presidente da câmara também figurara como um dos


símbolos de suma importância na obra. O personagem, que iniciou sua participação na trama
como elo entre a população – brancosa ou não – e os representantes do Estado, depois que estes
foram embora da capital, juntamente com as forças policiais e o exército, foi bastante
hostilizado por alguns ministros da trama desde o início das ações que tentaram restabelecer a
ordem política em vigência na capital até o dia anterior à primeira votação, sendo considerado
por estes como subalterno: “Em primeiro lugar, a mim ninguém me mandaria pentear macacos,
em segundo lugar, não estou nem estarei nunca no seu lugar, sou ministro, não sou presidente
de câmara” (SARAMAGO, 2004, p.102)

Além das constantes – e crescentes – atitudes hostilizadoras por parte dos políticos de
primeiro escalão e também devido à percepção de que de fato a população da capital que votou
em branco estava apenas cansada de ser ludibriada pela classe política daquele país, o fatídico
atentado a bomba no metrô de superfície da capital fizera o presidente da câmara tomar uma
atitude radical: abandonar o cargo e juntar-se ao grupo do brancosos descontentes
(SARAMAGO, 2004, p.121-122). A atitude do então ex-presidente da câmara foi de encontro
à proposição de Zygmunt Bauman para a forja de identidade do homem pós-moderno: o
confronto de identidades (BAUMAN, 2004, p.17). Ao presenciar o sofrimento da população
afetada por aquela explosão, a identidade deste personagem foi confrontada e modificada,
trazendo-o, enfim, para o lado dos cidadãos dotados de lucidez da trama. A declaração ao
repórter na manifestação silenciosa apresentada no subitem anterior foi a última menção ao
personagem como presidente da câmara. Tal atitude de José Saramago, provavelmente, foi
tomada, simbolicamente, para endossar o ingresso do personagem à comunidade ideal de ESL.

Outro personagem-símbolo que despertara sua identidade comunitária na trama foi o


comissário de polícia. Inicialmente escalado para encontrar a fotografia na qual estavam a
mulher do médico e seus amigos na ocasião da cegueira branca, o comissário optara por revelar
à mulher a real intenção do ministro do interior após conhecê-la e ser apresentado a parte da
história que se desenrolara quatro anos antes. “O ministro do interior exigiu-me que lhe fizesse
chegar a fotografia em que a senhora está com o seu marido e com os seus amigos, esta manhã
fui a um posto da fronteira para a entregar’ (SARAMAGO, 2004, p.258). O comissário, após
34

ser apresentado aos descalabros patrocinados pelos políticos do alto escalão de ESL e as
tentativas destes de transformarem cidadãos comuns em bodes expiatórios, criara um plano para
denunciar os desmandos do estado num dos jornais de grande circulação na capital, porém, ao
ser identificado pelo ministro do interior como um estranho às ambições do estado, o
personagem foi morto pelo homem de gravata azul de pintas brancas: “O homem da gravata
azul com pintas brancas veio por trás e disparou-lhe um tiro na cabeça.” (SARAMAGO, 2004,
p.310).

Enquanto as ações do Estado do país fictício apresentado por José Saramago para
controlar a população fracassavam, o ministro do interior, na tentativa desenfreada de encontrar
os responsáveis pela onda de lucidez que despertara nos habitantes da capital o desejo de
votarem em branco, contratara um mercenário, apresentado em ESL como homem da gravata
azul de pintas brancas. A função deste personagem, além de encontrar – e dar cabo – dos
cidadãos presentes na fotografia entregue a ele pelo então comissário, foi representar o lado
mais obscuro do ministro do interior: o de executor dos estranhos ao Estado. A gravata,
enquanto símbolo, representara a virilidade e o poder masculino, sendo já utilizada pelos
soldados do exército chinês no século III a.C como parte do uniforme9. Ora, percebe-se que os
símbolos do ministro do interior e do homem da gravata azul de pintas brancas se cruzam, uma
vez que ambos possuíram perfis voltados para a guerra.

Saindo da área política e adentrando na esfera civil, têm-se a presença de dois símbolos
já mencionado por José Saramago no universo de Ensaio Sobre a Cegueira, uma de suas obras
icônicas: trata-se da mulher do médico e do cão das lágrimas, personagens que, na segunda
metade da obra, acabaram por tornar-se bodes expiatórios dos políticos do estado fictício de
ESL. A primeira, trouxe consigo o título de estranha visto no capítulo anterior deste trabalho de
monografia. Afinal, foi a única que não cegara na ocasião da cegueira branca e, mesmo
ajudando várias pessoas naquela ocasião, foi denunciada como possível orquestradora dos
eventos dos votos em branco:

há quatro anos...fiz casualmente parte de um grupo de sete pessoas que, como tantas
outras, lutou desesperadamente por sobreviver...mas o que ninguém sabe é que uma
das pessoas do grupo nunca chegou a cegar, uma mulher casada com um médico
oftalmologista...o Senhor presidente da república, consinta que lhe diga que me
sentiria ofendido se esta carta fosse lida como uma denúncia, embora...talvez o
devesse ser...um crime de assassínio foi cometido naqueles dias precisamente pela
pessoa de quem falo...eu contento-me com cumprir o meu dever de patriota pedindo

9
Disponível em http://g1.globo.com/Sites/Especiais/Noticias/0,,MUL968964-16107,00-
GRAVATA+SURGIU+PARA+LIMPAR+SUOR+E+VIROU+SIMBOLO+DO+PODER+MASCULINO.html.
Acessado em: 17/05/2017.
35

a superior atenção de vossa excelência para um facto até agora mantido em segredo
(SARAMAGO, 2004, p.180).

O denunciante, justamente um dos integrantes do grupo da mulher do médico,


provavelmente fizera a denúncia após ter tido a sensação de segurança posta em xeque devido
às sanções impostas à população da capital do país fictício. Deve-se ressaltar que, a exemplo
do que foi visto no capítulo anterior, na pós-modernidade a segurança é um dos sonhos buscados
– e distantes – dos homens. Além disso, para manter-se a falsa sensação de que se a tem, o
cidadão pós-moderno não pensara duas vezes em denunciá-la e, como foi visto no capítulo
anterior, uma vez identificada como estranha, esta estará sujeita às ações de controle do Estado
por supostamente despertar nos demais cidadãos pós-modernos o desejo pelo fruto proibido
(BAUMAN, 1998, p.27). O processo de controle, mencionado no final do livro, foi a morte
provocada pelo homem de gravata azul de pintas brancas.

O homem da gravata azul com pintas brancas escolhe o sítio donde disparará e põe-
se à espera. E uma pessoa paciente, leva nisto muitos anos e sempre faz bem o seu
trabalho. Mais cedo ou mais tarde a mulher do médico terá de vir à varanda... A mulher
aproxima-se da grade de ferro, põe-lhe as mãos em cima e sente a frescura do metal.
Não podemos perguntar-lhe se ouviu os dois tiros sucessivos, jaz morta no chão e o
sangue desliza e goteja para a varanda de baixo. (SARAMAGO, 2004, p.329)

Além da mulher do médico, utilizada como símbolo – ainda que involuntário – daquela
onda de lucidez, seu animal de estimação, o cão das lágrimas, também utilizado por José
Saramago como símbolo de fidelidade em Ensaio Sobre a Cegueira, uma vez que passara a
acompanhar a mulher do médico foi morto pelo homem da gravata azul de bolinhas brancas em
ESL. A figura simbólica do cão na ocasião da morte de sua dona pode ter ligação com um dos
mitos acerca dessa espécie animal, tal qual descrita no Dicionário de Símbolos: “l. A função
mítica do primeiro cão, universalmente aceita, é a de guiar o homem na noite da morte depois
de ter sido seu companheiro no dia...o cão tem emprestado sua figura para todos os principais
guias de almas” (CHEVALIER, 1986, p.816), afinal, após ser atingida pelos tiros disparados
por seu algoz, o primeiro a chegar foi seu cão de estimação. Ligando-se a cena ao mito, o cão
das lágrimas servira como guia para a alma de sua dona após a morte desta. A exemplo da
mulher do médico, o cão das lágrimas também foi vítima do homem de gravata azul com pintas
brancas: “Mas havia também um cão aos uivos, Já se calou, deve ter sido o terceiro tiro”
(SARAMAGO, 2004, p.829).
36

3.4. Símbolos naturais em Ensaio sobre a Lucidez

Além dos símbolos concernentes às identidades, José Saramago também utilizara


elementos naturais como símbolos para mostrar mais do que o texto aparentara aos leitores.
Paul Tillich, no livro Dinâmica da fé, afirmou que o símbolo indica algo que se encontra foi
dele, “que ele nos leva a níveis da realidade que, não fosse ele, nos permaneceriam inacessíveis.
Toda arte cria símbolos para uma dimensão da realidade que não nos é acessível de outro modo”
(TILLICH, 1985, p.32). Em ESL, a exemplo de outras obras do escritor português, deve-se ter
muita cautela durante a leitura, pois de fato, a exemplo do que disse Tillich, os fenômenos
naturais dificilmente indicarão somente o período do dia ou condição meteorológica.

“Mau tempo para votar, queixou-se o presidente da mesa da assembleia eleitoral número
catorze” (SARAMAGO, 2004, p.5). A narrativa de ESL teve início descrevendo intensa chuva
que caíra sobre aquele país fictício. Chuva que, instantes depois, seria o prelúdio de uma
revolução branca na capital daquele país. Segundo o Dicionário de Símbolos, “a chuva é graça
e sabedoria... A associação simbólica “lua-água-primeira chuva-purificação” aparece
claramente em cerimônias realizadas pela ocasião Inca da festa da Lua, de 22 de setembro à 22
de outubro” (CHEVALIER, 1986, p.671-672). A chuva descrita por Saramago representou o
início de um período de sabedoria e purificação de parte da população daquela capital,
elementos indispensáveis para a tomada de decisão pelo voto em branco, face ao
descontentamento com a situação política local. A associação entre chuva e água, seu elemento
formador, indispensável à manutenção da vida na Terra, reforçara a ideia de purificação e
regeneração, uma vez que, Jean Chevalier descrevera a água também como símbolo de
renovação e regeneração (CHEVALIER, 1986, p.52).

A partir da chuva de sabedoria, grande parte dos cidadãos daquela capital optaram por
votarem em branco, numa tentativa silenciosa de revolução, uma vez que os políticos daquele
país fictício, provavelmente, não atingiram as expectativas e anseios daquele povo. Na
simbologia, o branco representara o renascimento da alma, de pureza, de que algo não se
cumprira ainda (CHEVALIER, 1986, p.191). Sob esta ótica, pode-se inferir que o voto em
branco, mais do que um simples direito do cidadão, representara tentativa de renascimento, de
início de uma nova era. O branco, ainda sob a ótica do Dicionário de Símbolos, representara,
em algumas tribos africanas, a saída do corpo social, o preparo para o amadurecimento e para
a responsabilidade (1986, p191). Em ESL, após os eventos dos votos em branco, grande parte
da população mostrara-se foi do corpo representado por aquele país fictício, sendo tratada pelo
37

Estado deste como intrusos, estranhos àquele lugar. O voto em branco, naquela ocasião,
representara o amadurecimento daqueles eleitores que, preocupados com os rumos da política
nacional, optaram pela ruptura com o que estava estabelecido, tornando-se responsáveis por
uma onda de lucidez que assustara os poderosos – e os acomodados – daquela nação.

Associada à chuva, a noite também foi descrita por José Saramago em ESL na ocasião
do retorno dos cidadãos da capital favoráveis ao governo para casa após tentativa de fuga
frustrada por ele próprio:

Abriram-se as portas, os ocupantes saíram. Então as pessoas que esperavam no


passeio avançaram... e, sem mais, começaram a descarregar os carros e a transportar
para dentro dos prédios, à luz do dia, o que deles tinha saído sob a capa de uma negra
noite de chuva. Merda, exclamou o primeiro-ministro, e deu um soco na mesa
(SARAMAGO, 2004, p.160).

Segundo o Dicionário de símbolos, a noite pode representar “os sonhos e as ansiedades,


a ternura e o engano” (CHEVALIER, 1986, p.753), já a cor negra foi descrita pelo mesmo autor
como “a cor do caos, do nada, das angústias, da tristeza, do inconsciente” (1986, p.749). Se
analisadas sob o contexto de Jean Chevalier e à luz de José Saramago, pode-se inferir que, os
três elementos juntos, mostraram como a população favorável ao governo daquele país fictício
tentara realizar o sonho de sair do cerco imposto à capital, sonho que os deixara bastante
angustiados, característica também predominante na pós-modernidade, como foi visto no
capítulo anterior. Além disso, o caos de empreenderem fuga no meio da noite e serem
surpreendidos com o pedido de retorno de quem supostamente deveria protegê-los daqueles
estranhos gerou, provavelmente, tristeza e o sentimento de terem sido enganados. Essa
conjuntura de sentimentos negativos, porém, foi transformada pela chuva, novamente
simbolizando purificação e pelo nascer do dia, que, de acordo com Chevalier, representara “uma
etapa de ascensão espiritual” (1986, p.414) e, ao analisar-se sob a ótica da dicotomia manhã x
noite, o autor afirmou que “a palavra indica tempo dos favores divinos e da justiça humana...A
manhã é símbolo de pureza e da promessa...é símbolo da confiança em si mesmo, nos demais
e na própria existência” (1986, p.687). Os dois elementos associados corroboram a ideia que
José Saramago apresentara no trecho acima, afinal, o descontentamento e a angústia foram
superados pela confiança – e ajuda – no outro.

Além das menções que fizera à noite, ao dia e à chuva, José Saramago, em ESL, fizera
menção a um símbolo muito comum nos âmbitos astronômico e astrológico: a estrela. O
Dicionário de Símbolos apontou-a como “símbolo de conflito entre as forças espirituais, entre
38

a luz e as trevas, transpassando a escuridão e atuando como farol em meio à noite”


(CHEVALIER, 1986, p.484). A estrela de Saramago, na verdade, era a capital daquele país
fictício e, como tal, emanara as lâmpadas deixadas acesas pelos cidadãos que votaram em
branco. Além de utilizar a estrela como símbolo da luta, ainda que não no sentido de conflito
armado, José Saramago utilizou o símbolo das lâmpadas, descrito por Jean Chevalier como
“concentradoras de sabedoria” (1986, p.627). A capital, durante a saída das autoridades e das
forças policiais, transformara-se num local de luta através da sabedoria, em prol dos ideais de
sociedade justa e contra os desmandos políticos vividos até então.

Peço-lhe que olhe para trás, senhor presidente, por favor, Para quê, As luzes, Que têm
as luzes, Continuam acesas, ninguém as apagou, E que conclusões quer que eu tire
destas luminárias, Não sei bem, senhor presidente, o natural seria que as fossem
apagando à medida que fôssemos avançando, mas não, aí estão elas, imagino que
vistas do ar aparecerão como uma enorme estrela de vinte e sete braços, Pelos vistos,
tenho um primeiro-ministro poeta, Não sou poeta, mas uma estrela é uma estrela
(SARAMAGO, 2004, p.84)

O vento, outro importante fenômeno da natureza, também foi utilizado como símbolo
por José Saramago em ESL na ocasião da manifestação silenciosa após os atentados na estação
do metrô. Jean Chevalier, no Dicionário de Símbolos, apresentara o vento como suporte do
mundo e regulador dos equilíbrios cósmicos e morais (1986, p.1070). Ora, após o
estarrecimento do enterro das vítimas que sucumbiram à explosão da bomba naquele local e da
possível destruição do palácio presidencial que estava no caminho da manifestação que se
formara após o sepultamento daquelas vítimas, equilíbrio moral foi essencial para que aquela
população, já abandonada a própria sorte, não revidar a atrocidade do governo com mais
destruição.

As pessoas chegaram e encheram a praça, estevem meia hora a olhar em silêncio para
o palácio fechado, depois dispersaram-se e, uns andando, outros nos autocarros, outros
à boleia de desconhecidos solidários, foram para casa. (SARAMAGO, 2004, p.136)

No final da obra, houvera menção a dois cegos na ocasião da execução da mulher do


médico e do seu cão. Na simbologia, os olhos representam a percepção exterior, o
conhecimento. O olho esquerdo representa o futuro (CHEVALIER, 186, p.771-772). Os cegos
de ESL, de acordo com este contexto, seriam incapazes de perceber a situação instaurada
naquele país, sendo, provavelmente, desprovidos do conhecimento necessário para perceberem
os desmandos dos governantes daquele local. Esta máxima pode ser corroborada pela fala de
um dos cegos no final do livro, ao dizer “Ainda bem, detesto ouvir os cães a uivar”
(SARAMAGO, 2004, p.329). A conversa anterior representara o incômodo causado pelo uivo
39

do cão, que provavelmente representara o silencioso, porém eloquente, grito de revolução da


população que tentara, através do voto, galgar um futuro melhor e promissor.
40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta deste trabalho foi apresentar o universo simbólico à luz da pós-
modernidade em ESL, confrontando as principais características desta era com a vida do autor
e também com alguns dos elementos simbólicos utilizados na obra. Pôde-se observar que José
Saramago, enquanto jornalista, escritor e ativista político, transportara para suas obras as
vivências que teve e os fatos que presenciou não somente em Portugal, mas em outros países
do globo. O escritor levara para ESL sua ficção histórica, cujas vidas das massas representadas
no enredo se misturam à poética da obra (LOPES, 2010, p.218). José Saramago esteve
comprometido com os aspectos históricos e sociais da pós-modernidade a fim de fornecer aos
seus leitores conhecimento suficiente para estes mudarem suas vidas, afinal, um dos pilares da
pós-modernidade é justamente a capacidade do indivíduo de adquirir conhecimento para moldar
novas identidades ou modificar a estrutura das antigas (BAUMAN, 2014, p.17).

Ainda no âmbito deste trabalho, pode-se observar como ESL mostrara ao mundo como
a população de um local, independentemente de onde viva, pode romper com a situação política
vigente – dominada não apenas por políticos de carreira, como também por empresários,
especuladores do mercado financeiro e pela mídia – que, através da tecnologia, têm
disseminado ideais falsos de uma pretensa, e inalcançável, vida estável e feliz. (BAUMAN,
2014, p.42) e ainda como José Saramago apontou para um dos desejos mais profundos do
homem pós-moderno: a vontade de liberdade e como cada grupo populacional entendera esta
vontade. Um rompendo com tudo de errado que havia no cenário político, tais como promessas
falsas, vazias e corrupção, através do voto em branco, uma vez que “talvez, no fim de contas,
as pessoas só se tenham cansado das palavras” (SARAMAGO, 2004, p.136). Ainda no âmbito
pós-moderno descrito pelo Sociólogo Polonês Zygmunt Bauman, foi mostrado, à luz da análise
bibliográfica, uma das formas de forjar-se uma identidade, além dos fatos que propiciaram a
criação de estranhos, individualmente ou em grupo (SARAMAGO, 2004, p.132), além dos
métodos que os ditos normais utilizaram para lidarem com esses grupos de estranhos
(SARAMAGO, 2004, p.329).

Na pós-modernidade, apesar do apego à individualidade do ser humano, José Saramago


mostrara como a sociedade pode atingir, em meio a todo o caos disseminado nesta época de
tamanha fragmentação e hiper-realidade e insegurança, o ideal comunitário vivido por nossos
antepassados, cujo cuidado mútuo ajudaram o homem a prosperar. Saramago criara uma
41

comunidade que enfrentara o Estado de ESL de forma unida, coletiva e, provavelmente,


mantendo cada qual seu perfil identitário fragmentado, afinal, a socialização levara à formação
e potencialização da identidade pós-moderna (ANDRADE E HIME, 2008, p.169).

Para tornar a história mais rica de detalhes, José Saramago utilizara-se de alegorias e
símbolos que, à primeira vista, poderiam funcionar como meros adereços e enfeites na história.
Porém, o autor, devido à vivência que teve, percebera que o texto, ainda que rico e extenso,
precisara de elementos capazes de contar mais do que aparentaram (ROCHA, 2010, p.490), por
isso a utilização dos elementos citados anteriormente. O leitor de ESL, se não dotado de
conhecimento prévio de história, local ou global, além de noções de simbologia, provavelmente
não terá uma interpretação completa acerca dos fatos da narrativa.

José Saramago, tal qual a chuva e a luz em ESL, foi um símbolo de renovação e de
sabedoria, quebrando paradigmas em um período tão intenso e, ao mesmo tempo, tão carente
de escritores que atentem à população para as mazelas políticas e sociais vigentes. Ao contrário
da alegoria, que tem sentido mais restrito e menos abrangente, o autor não necessita de outros
contextos para ser entendido. O autor tornara-se símbolo da observância, da crítica e da
denúncia dos poderosos pós-modernos, além de um defensor incansável da revolução popular,
a qual acreditara o autor ser a porta de saída da cegueira na qual estamos imersos rumo à lucidez.
42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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