Você está na página 1de 19

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA, BIODIVERSIDADE E


CONSERVAÇÃO

DIETA ISOTÓPICA ANUAL (δ13C, δ18O) DE Notiomastodon platensis NA


REGIÃO INTERTROPICAL BRASILEIRA DURANTE O ÚLTIMO MÁXIMO
GLACIAL

GISELE APARECIDA DOS SANTOS NEVES

Jequié-BA
2023
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 3
PROBOSCÍDEOS 3
Ocorrência dos proboscídeos na Região Intertropical Brasileira 4
Dieta dos mastodontes 4
OBJETIVOS 5
MATERIAL E MÉTODOS 5
RESULTADOS E DISCUSSÃO 7
CRONOGRAMA 7
REFERÊNCIAS 7
Capítulo 1: Análise da dieta isotópica anual (δ13C, δ18O) de Notiomastodon
platensis na Região Intertropical Brasileira durante o Último Máximo Glacial 11

2
INTRODUÇÃO

Notiomastodon platensis (Ameghino, 1888) é uma espécie de proboscídeo sul-


americano extinta que viveu entre o Pleistoceno médio e Holoceno inicial (Alberdi et
al., 2008; Dantas et al., 2013a). Juntamente com os fósseis da preguiça gigante
Eremotherium laurillardi (Lund, 1842), fósseis de N. platensis são um dos mais
comumente encontrados nos afloramentos fossilíferos do Brasil (Asevedo et al., 2012).
Esta espécie apresentava dentes molares com lofos em formato cônico, ideais para
esmagar folhas, galhos, gramas, dentre outros alimentos (Asevedo et al., 2012). A
composição da sua dieta variava tendo como base o material vegetal, como folhas e
frutos (C3), e gramíneas (C4). Esta informação pôde ser obtida principalmente através da
análise de isótopos de carbono (C) e oxigênio (O), pois a ingestão de água e alimentos
bem como os processos fisiológicos de cada animal deixam uma impressão geoquímica
nos componentes inorgânicos (bioapatita) e orgânicos (colágeno) de seus ossos e dentes
(Koch, 2007; Fricke, 2007). As composições isotópicas podem variar conforme a dieta,
localização e ecossistema de determinada espécie.

PROBOSCÍDEOS

Gomphotheriidae é considerada a família mais diversificada da ordem


Proboscidea. Pertencentes a esta família temos os táxons: Rhynchotherium, Cuvieronius,
Stegomastodon, Notiomastodon, Sinomastodon e Gomphotherium.
Segundo Lucas et al. (2013), o istmo do Panamá soergueu durante o Plioceno
Superior (há cerca de 3 Milhões de anos - ma) unindo as Américas do Norte e do Sul,
derivando um dos eventos paleobiogeográficos mais importantes na história dos
mamíferos: o Grande Intercâmbio Biótico entre as Américas (GIBA). Os mamíferos
imigraram da América do Norte para a América do Sul, e vice-versa, e um dos grupos
de mamíferos mais importantes que participaram do GIBA foram os Proboscidea (e.g.
Lucas et al., 2013).
Durante o Quaternário Tardio (últimos 50.000 anos), os animais de grande porte
se extinguiram em todos os continentes, exceto na África (e.g. Koch & Barnosky, 2006;
2013; Lima-Ribeiro & Diniz-Filho, 2013). Os proboscídeos fizeram parte da expressiva
megafauna da América do Sul até a sua extinção, que ocorreu no início do Holoceno
(e.g. Mothé et al., 2012).

3
Pesquisadores sugerem duas causas para estas extinções: intervenções antrópicas e
mudanças climáticas (Haynes, 1991; Lima-Ribeiro & Diniz-Filho, 2013). Estes dois
processos que conduziram as extinções do Pleistoceno foram atualmente propostos por
correlações cronológicas entre eles, porque tanto as mudanças climáticas no final do
Pleistoceno quanto a chegada humana aos continentes correspondem com a última
ocorrência de muitos táxons da megafauna em várias partes do mundo.

Ocorrência dos proboscídeos na Região Intertropical Brasileira

Este grupo foi representado no continente sul-americano por duas espécies:


Cuvieronius hyodon (Fischer de Waldheim, 1814) e Notiomastodon platensis
(Ameghino, 1888) (Mothé & Avilla, 2015). N. platensis ocorreu na América do Sul
entre 530 mil (Pleistoceno médio) e 6 mil anos (Holoceno inicial) (e.g. Dantas et al.,
2013a), e viveu de 120 mil a 9 mil anos atrás (e.g. Dantas et al., 2017; 2022) na Região
Intertropical Brasileira (RIB).
A RIB é uma região zoogeográfica que tem sido uma área de interesse
paleontológico na América do Sul. Esta área foi definida por Cartelle (1999) de acordo
com a ocorrência de espécies de mamíferos endêmicos em alguns estados brasileiros,
como: Goiás (GO), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ), Espírito Santo (ES), Bahia
(BA), Sergipe (SE), Alagoas (AL), Pernambuco (PE), Rio Grande do Norte (RN),
Paraíba (PB), Ceará (CE) e Piauí (PI). A partir de descobertas de alto potencial
fossilífero no estado de Mato Grosso do Sul (fora dos limites da RIB), Oliveira et al.
(2017) sugerem uma reformulação que reconsidere os limites desta região devendo
incluir este estado.
Segundo Dantas et al. (2013b), estas espécies teriam convivido em simpatria com
a fauna autóctone da RIB, fauna esta que era adaptada para viver em matas secas (tipo
savana). Porém, vários autores concluíram que uma floresta sazonal seca, semelhante à
Caatinga atual, que domina o Nordeste brasileiro, já estava bem consolidada durante o
Último Máximo Glacial (Dantas et al., 2013a).

Dieta dos mastodontes

A fauna composta pelas populações de N. platensis apresenta diferentes dietas ao


longo da RIB, podendo ter uma dieta que varia desde exclusiva em plantas C 4 até mista,

4
composta tanto por plantas C3 quanto por C4. Os isótopos estáveis (como C e O) são
ferramentas importantes para obter informações sobre a paleoecologia de organismos
extintos, sendo grandes agentes em diferentes fatores ambientais que ajudam em
reconstituições ambientais do passado (e.g. MacFadden, 2005; Asevedo et al., 2012;
Pansani et al., 2019; Dantas et al., 2020).
Os isótopos estáveis de carbono em tecidos mineralizados de mamíferos são
derivados de seus alimentos, estando relacionados às vias fotossintéticas usadas pelas
plantas consumidas (C3, C4 e CAM) (Fricke, 2007; Koch, 2007). Já o isótopo estável de
oxigênio é derivado principalmente da água ingerida por bebida e comida e, assim, traz
inferências relacionadas a fatores climáticos dos habitats das espécies (Fricke, 2007;
Koch, 2007).
A análise da dieta anual de N. platensis é feita através de suas presas (dentes
incisivos). O crescimento deste incisivo acontece em camadas, assim, à medida que esse
incisivo vai crescendo, ele vai depositando uma nova camada sobre o dente anualmente.
Para a análise, é feito um corte sagital na presa que mostra as camadas de crescimento e
permite inferir a dieta de seis anos de vida do mastodonte para observar se a cada ano
ela variava, ou não (Dantas et al., 2022).

OBJETIVOS

O objetivo geral deste estudo foi realizar uma análise da composição isotópica de
carbono (δ13C) e de oxigênio (δ18O) de amostras resgatadas na RIB, mais precisamente
na Paraíba, para inferir a sua dieta e a sua largura de nicho, bem como seus objetivos
específicos, que foram resgatar dados paleoclimáticos desta localidade, apresentar
datação por radiocarbono e comparar os resultados com outros já publicados.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizada uma datação por radiocarbono (14C) via Espectrometria de Massas
com Aceleradores (AMS, na abreviatura em inglês) para confirmar a
contemporaneidade dos fósseis estudados. As datações por radiocarbono foram
calibradas de acordo com as idades antes do presente (BP) usando o software CALIB
8.1 (Reimer et al., 2020) e a curva de calibração revisada SHCal20 (Hogg et al., 2020).

5
As análises isotópicas foram realizadas em amostras extraídas da biopatia de dois
anéis de crescimento de um fragmento de presa de um indivíduo de N. platensis
(UGAMS 36484 e UGAMS 36485) encontrada em Sousa, na Paraíba. Os resultados
encontrados foram reportados usando notação delta, δ = [(Rsample/Rstandard − 1)*1000]
(Coplen, 1994), tendo como padrão V-PDB (Vienna - Pee Dee
Belemnite) para os valores de carbono e V-SMOW para oxigênio.
Comparamos nossos resultados de Sousa/PB com outros dados já publicados para
N. platensis por Dantas et al. (2022) de duas localidades na Bahia (Vitória da
Conquista, µδ13C = -0,45, µδ18O = 28,85; Coronel João de Sá, µδ13C = -3,31, µδ18O =
26,63).
Os valores de carbono foram interpretados baseando na média para as plantas C3
(-27±3 ‰) e para as plantas C4 (-13±2 ‰) (e.g. Dantas et al., 2017). A esses valores foi
adicionado um valor de enriquecimento que varia de acordo a massa corporal dos
mamíferos, e, de acordo com o cálculo (Ɛ*dieta-bioapatita), para N. platensis adiciona-se o
valor de +15 ‰. Com tudo isso, valores abaixo de -12 ‰ são referenciados a animais
com uma dieta composta exclusivamente por plantas C 3, enquanto valores acima de +2
‰ são considerados animais com dieta baseada em plantas C4. Valores médios são
associados a animais alimentadores mistos.
Usando as equações propostas por Phillips (2012) conseguimos calcular a
proporção da dieta, onde δ13Cmix é o valor de δ13C obtido da biopatia e δ13C3 e δ13C4 são
os valores enriquecidos de plantas C3 (-12 ‰) e plantas C4 (+2 ‰).

(1) δ13C3piC3 + δ13C4piC4 = δ13Cmix


(2) piC3 + piC4 = 1

A amplitude de nicho foi calculada usando a equação abaixo proposta por Pianka
(1973), onde B é a amplitude de nicho e pi é a proporção de recursos.

(3) B = 1/∑pi2

Esta medida foi padronizada (0 a 1) seguindo a fórmula proposta por Levins


(1968), onde BA é a amplitude de nicho padronizada e N é o número de recursos
consumidos, na qual o resultado poderá indicar que o indivíduo tenha sido um
especialista (0,00 - 0,50) ou generalista (0,50 - 1,00)

6
(4) BA = B - 1/N - 1

Para as análises estatísticas foi utilizado o teste de análise de variância (ANOVA;


1 fator, a = 0,05) para examinar se as diferenças entre os valores isotópicos de carbono
e oxigênio foram estatisticamente significantes para as espécies de N. platensis em
várias localidades da RIB, usando o programa Past 4.03 (Hammer et al., 2001).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados encontrados até o momento foram reportados em uma primeira


versão de um manuscrito, apresentado no Capítulo 1.

CRONOGRAMA

2023 2024

ATIVIDADE 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 01 02

Disciplinas X X X X

Participação em eventos X

Estágio em Docência X X X X

Revisão Bibliográfica X X X X X X X X X X X X X

Prova de proficiência X

Análise de Dados X X X X X X X X X X X X X

Exame de Qualificação X

Defesa da Dissertação X

REFERÊNCIAS

ALBERDI, M.T. et al. 2008. Stegomastodon platensis (Proboscidea, Gomphotheriidae)


en el Pleistoceno de Santiago del Estero, Argentina. Ameghiniana, 45: 257-271.

7
ASEVEDO, L. et al. 2012. Ancient diet of the Pleistocene gomphothere Notiomastodon
platensis (Mammalia, Proboscidea, Gomphotheriidae) from lowland mid-latitudes
of South America: Stereomicrowear and tooth calculus analyses combined.
Quaternary International, 255, 42-52
ASEVEDO, L. et al. 2021. Isotopic paleoecology (δ13C, δ18O) of late Quaternary
herbivorous mammal assemblages from southwestern Amazon. Quaternary Science
Reviews, 251, 106700.
CARTELLE, C. 1999. Pleistocene mammals of the Cerrado and Caatinga of Brazil.
Mammals of the Neotropics, 3, 27-46.
DANTAS, M. A. T. et al. 2013a. A review of the time scale and potential geographic
distribution of Notiomastodon platensis (Ameghino, 1888) in the late Pleistocene of
South America. Quat. Int. 317, 73 e 79.
DANTAS, M. A. T. et al. 2013b. Paleoecology and radiocarbon dating of the
Pleistocene megafauna of the Brazilian Intertropical Region. Quaternary Research,
v. 79, n. 1, p. 61-65.
DANTAS, M. A. T. et al. 2017. Isotopic paleoecology of the Pleistocene
megamammals from the Brazilian Intertropical Region: Feeding ecology (δ13C),
niche breadth and overlap. Quaternary Science Reviews, v. 170, p. 152-163.
DANTAS, M. A. T. et al. 2020. Isotopic paleoecology (δ13C, δ18O) of a late Pleistocene
vertebrate community from the Brazilian Intertropical Region. Revista Brasileira de
Paleontologia, 23(2), 138-152.
DANTAS, M. A. T. et al. 2022. Annual isotopic diet (δ13C, δ18O) of Notiomastodon
platensis (Ameghino, 1888) from Brazilian Intertropical Region. Quaternary
International, 610, p. 38-43.
FISCHER DE WALDHEIM, G. 1814. Zoognosia. Tabulis synopticis ilustrata, 3(24), 1-
694.
FRICKE, H. C. 2007. Stable isotope geochemistry of bonebed fossils: reconstructing
paleoenvironments, paleoecology, and paleobiology. Pp. 437–490 in R. R.
ROGERS, D. A. EBERTH, and A. R. FIORILLO, eds. Bonebeds: genesis, analysis,
and paleobiological significance. University of Chicago Press, Chicago.
HAMMER, Øyvind et al. 2001. PAST: Paleontological statistics software package for
education and data analysis. Palaeontologia electronica, v. 4, n. 1, p. 9.
HAYNES G. 1991. Mammoths, Mastodonts and Elephants: Biology, Behavior, and the
Fossil Record. Cambridge University Press. Cambridge, 424 p.

8
HOGG, A. G., et al. 2020. SHCal20 Southern Hemisphere calibration, 0–55,000 years
cal BP. Radiocarbon, 62(4), 759-778
KOCH, P. L., & BARNOSKY, A. D. 2006. Late Quaternary extinctions: state of the
debate. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, 37.
KOCH, P.L., 2007. Isotopic study of the biology of modern and fossil vertebrates. In:
Lajtha, K., Michener, B. (Eds.), Stable Isotopes in Ecology and Environmental
Science. Blackwell Scientific Publication, Boston, Massachusetts
LIMA-RIBEIRO, M. S. et al. 2013. Climate and humans set the place and time of
Proboscidean extinction in late Quaternary of South America. Palaeogeography,
Palaeoclimatology, Palaeoecology, 392, 546-556.
LIMA-RIBEIRO, M. S., & DINIZ-FILHO, J. A. F. 2013. American megafaunal
extinctions and human arrival: improved evaluation using a meta-analytical
approach. Quaternary International, 299, 38-52.
LIMA-RIBEIRO, M. S., & DINIZ-FILHO, J. A. F. 2013. Modelos ecológicos e a
extinção da megafauna: clima e homem na América do Sul. Cubo, São Carlos.
LOPES, R. P. et al. 2013. Late middle to late Pleistocene paleoecology and
paleoenvironments in the coastal plain of Rio Grande do Sul State, Southern Brazil,
from stable isotopes in fossils of Toxodon and Stegomastodon. Palaeogeography,
Palaeoclimatology, Palaeoecology, v. 369, p. 385-394.
LUCAS, S. G. et al. 2013. The palaeobiogeography of South American gomphotheres.
Journal of Palaeogeography, 2(1), 19-40.
MACFADDEN, B. J. 2005. Diet and habitat of toxodont megaherbivores (Mammalia,
Notoungulata) from the late Quaternary of South and Central America. Quaternary
Research, v. 64, n. 2, p. 113-124.
MOTHÉ, D. et al. 2012. Taxonomic revision of the Quaternary gomphotheres
(Mammalia: Proboscidea: Gomphotheriidae) from the South American lowlands.
Quaternary International 276:2-7.
MOTHÉ, D; AVILLA, L. 2015. Mythbusting evolutionary issues on South American
Gomphotheriidae (Mammalia: Proboscidea). Quaternary Science Reviews, v. 110,
p. 23-35.
OLIVEIRA, A.M. et al. 2017. Quaternary mammals from Central Brazil (Serra da
Bodoquena, Mato Grosso do Sul) and comments on paleobiogeography and
paleoenvironments. Revista Brasileira de Paleontologia, 20(1): 31-44.

9
OMENA, É. C. et al. 2021. Late Pleistocene meso-megaherbivores from Brazilian
Intertropical Region: isotopic diet (δ13C), niche differentiation, guilds and
paleoenvironmental reconstruction (δ13C, δ18O). Historical Biology, 33(10), 2299-
2304.
PANSANI, T. R et al. 2019. Isotopic paleoecology (δ13C, δ18O) of Late Quaternary
megafauna from Mato Grosso do Sul and Bahia States, Brazil. Quat Sci Rev.
221:105864. doi:10.1016/j.quascirev.2019.105864.
REIMER, P. J.,, et al. 2020. The IntCal20 Northern Hemisphere radiocarbon age
calibration curve (0–55 cal kBP). Radiocarbon, 62(4), 725-757.
SILVA, J. A. et al. 2019. Late Pleistocene meso-megamammals from Anagé, Bahia,
Brazil: Taxonomy and isotopic paleoecology (δ13C). Journal of South American
Earth Sciences, v. 96, p. 102362.

10
Capítulo 1: Análise da dieta isotópica anual (δ13C, δ18O) de Notiomastodon platensis
na Região Intertropical Brasileira durante o Último Máximo Glacial

RESUMO. Notiomastodon platensis, que pesava ~6.000 kg, viveu durante o


Pleistoceno, sendo um dos megamamíferos herbívoros presentes na Região Intertropical
Brasileira (RIB). Atualmente, existem algumas técnicas que nos permitem inferir
informações sobre a paleoecologia desta espécie, principalmente da sua dieta, e uma
delas é a análise isotópica. O objetivo do estudo foi analisar dados isotópicos δ13C e de
δ18O de mastodonte que viveu em Sousa/PB, a fim de descobrir a sua dieta, o
paleoambiente e a sua amplitude de nicho. A análise isotópica de carbono realizada
mostrou uma dieta mista, com um consumo um pouco maior de gramíneas C3 (66% para
UGAMS 36484; 64% para UGAMS 36485), sugerindo que fosse um animal com
tendência a um hábito generalista (BA = 0,81 e 0,86), similares aos resultados
encontrados em outras localidades da RIB. O resultado da análise isotópica de oxigênio
indicou um paleoambiente mais seco e uma preferência por savana fechada. Por fim, a
datação por radiocarbono mostrou que este mastodonte viveu na época final do
Pleistoceno. Dados como estes complementam lacunas sobre esta espécie em
localidades pouco investigadas na literatura.

Palavras-chave: Mastodonte; Região Intertropical Brasileira; Megamamífero


herbívoro; Isótopos estáveis.

ABSTRACT. Notiomastodon platensis, which weighed ~6,000 kg, lived during the
Pleistocene, being one of the herbivorous megamammals present in the Brazilian
Intertropical Region (IBR). Currently, there are some techniques that allow us to infer
information about the paleoecology of this species, mainly from its diet, and one of
them is isotopic analysis. The aim of the study was to analyze δ13C and δ18O isotopic
data from a mastodon that lived in Sousa/PB, in order to discover its diet,
paleoenvironment and its niche breadth. The carbon isotope analysis performed showed
a mixed diet, with a slightly higher consumption of C3 grasses (66% for UGAMS

11
36484; 64% for UGAMS 36485), suggesting that it was an animal with a tendency to a
generalist habit (BA = 0, 81 and 0.86), similar to the results found in other locations in
the RIB. The result of the oxygen isotope analysis indicated a drier paleoenvironment
and a preference for closed savanna. Finally, radiocarbon dating showed that this
mastodon lived in the late Pleistocene epoch. Data such as these complement gaps about
this species in locations little investigated in the literature.

Keywords: Mastodon; Brasilian Intertropical Region; Herbivorous megamammal;


Stable isotopes.

INTRODUÇÃO

Notiomastodon platensis é uma espécie extinta classificada na ordem Proboscidea


que poderia chegar a cerca de seis toneladas quando adulto (DANTAS et al., 2017).
Viveu em planícies e foi extinto há cerca de 10 mil anos na América do Sul (e.g.
ASEVEDO et al., 2012; DANTAS et al., 2022), chegando ao continente durante o
Grande Intercâmbio Biótico entre as Américas (GIBA). Durante o Pleistoceno foi um
dos megamamíferos herbívoros mais comuns encontrados na Região Intertropical
Brasileira (RIB; e.g. ASEVEDO et al., 2012; OMENA et al., 2021). Apresentava dentes
molares com lofos em formato cônico, ideais para esmagar folhas, galhos, gramas,
dentre outros alimentos (e.g. ASEVEDO et al., 2012).
A RIB (Fig. 1) é uma região zoogeográfica que tem sido uma área de interesse
paleontológico na América do Sul. Esta área foi definida por Cartelle (1999) de acordo
com a ocorrência de espécies de mamíferos endêmicos em alguns estados brasileiros,
como: Goiás (GO), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ), Espírito Santo (ES), Bahia
(BA), Sergipe (SE), Alagoas (AL), Pernambuco (PE), Rio Grande do Norte (RN),
Paraíba (PB), Ceará (CE) e Piauí (PI). A área da RIB foi adaptada por Dantas et. al (no
prelo) na Figura 1.
A sua dieta alimentar era diversa, e os resultados que podem ser encontrados a
partir dos isótopos estáveis ajudam a diferenciar em regiões tropicais a dieta entre os
diferentes recursos de plantas C3 (plantas arbustivas e arbóreas) e C 4 (gramíneas), além
de sugerir as suas rotas de migração, se havia competição por recursos, e a recuperação
de dados paleoambientais (e.g. ASEVEDO et al., 2012; DANTAS et al., 2020).

12
Atualmente, existem três técnicas principais que são utilizadas para sugerir a dieta
de organismos extintos: microdesgaste dentário (e.g. ASEVEDO et al., 2012), isótopos
estáveis (e.g. DANTAS et al., 2022; FRANÇA et al., 2014) e cálculo dentário (e.g.
ASEVEDO et al., 2012). A partir destas técnicas, existe a interpretação de que os
indivíduos de N. platensis que viveram no nordeste do Brasil durante o Pleistoceno
teriam um predomínio maior de consumo de gramíneas C4 (ASEVEDO et al., 2012;
OMENA et al., 2021), sendo, então, considerados animais pastadores. A análise a partir
dos isótopos ajudam na interpretação das mudanças na alimentação desses
proboscídeos, bem como na sua escolha por habitats.
A análise da dieta anual de N. platensis é feita através de suas presas (dentes
incisivos). O crescimento deste incisivo acontece em camadas, assim, à medida que esse
incisivo vai crescendo, ele vai depositando uma nova camada sobre o dente anualmente.
Para a análise, é feito um corte sagital na presa que mostra as camadas de crescimento
que totalizam seis (DANTAS et al., 2022). Essa análise permite inferir a dieta de seis
anos de vida do mastodonte para observar se a cada ano ela variava, ou não (DANTAS
et al., 2022).
Dessa forma, este estudo teve como objetivos 1) realizar uma análise da
composição isotópica de carbono (δ13C) e de oxigênio (δ18O) de amostras localizadas na
RIB, mais precisamente na Paraíba, para inferir a sua dieta e a sua largura de nicho, 2)
resgatar dados paleoclimáticos desta localidade e 3) comparar os resultados com outros
já publicados.

MATERIAIS E MÉTODOS

A biopatita foi extraída de duas amostras (dentina) de anéis de crescimento de


presas (incisivos) de N. platensis (UGAMS 36484 e UGAMS 36485) que foram
coletadas na localidade de Sousa, Paraíba (PB), que representam dois anos de vida deste
indivíduo, e enviadas ao Centro de Estudos Isotópicos Aplicados da Universidade da
Geórgia (EUA), para datação e análise de isótopos estáveis. A datação foi realizada por
Radiocarbono via AMS (Accelerator Mass Spectrometry). Os resultados encontrados
foram relatados com o auxílio da notação delta, δ = [(Rsample/Rstandard − 1)*1000]
(COPLEN, 1994), tendo como padrão para os valores de isótopos
de carbono (¹²C/¹³C) V-PDB (Vienna – Pee Dee Belemnite) e para
os valores de isótopos de oxigênio (18O/16O) SMOW.
13
Para a interpretação da dieta isotópica, serão utilizados os valores de isótopos de
carbono baseada na média para as plantas C3 (-27±3 ‰) e C4 (-13±2 ‰) (Dantas et al.,
2017), levando em consideração o enriquecimento (Ɛ*dieta-bioapatita) promovido pela
fisiologia dos herbívoros, que de acordo com Tejada-Lara et al. (2018) depende da
massa corporal em mamíferos (equação 1). Considerando que N. platensis pode ter
alcançado uma massa corporal em torno de 6 toneladas (Dantas et al., 2017), o valor de
Ɛ*dieta-bioapatita desta espécie seria de +15‰. Deste modo, valores de δ13C inferiores a -
12‰ são típicos de animais com dieta composta exclusivamente por plantas C 3 (folhas
ou frutos), valores superiores a +2‰ são consistentes com uma dieta baseada em
plantas C4 (DANTAS et al., 2022).
Para animais com dieta mista calculou-se a proporção das fontes alimentares (f1 e
f2) através das equações 2 e 3:

(2) δ13C1f1 + δ13C2f2 = δ13Cmix


(3) f1 + f2 = 1

onde δ13Cmix é o valor de δ13C obtido da biopatita e δ13C1 e δ13C2 são os valores
enriquecidos das plantas C3 (-12‰) e C4 (+2‰), respectivamente (PHILLIPS, 2012).
A largura de nicho ecológico foi calculada utilizando a equação (4), de Pianka
(1973):

(4) B = 1/∑pi2

Sendo B a largura de nicho e pi a proporção de recursos. Esta medida foi então


padronizada (0 a 1) seguindo a fórmula (5) proposta por Levins (1968)

(5) BA = B - 1/N - 1

onde BA é a largura de nicho padronizada, B é a largura de nicho ecológico e N é o


número de recursos consumidos. O resultado posteriormente encontrado indicará se o
indivíduo era especialista (0,00 – 0,50) ou generalista (0,51 – 1,00).
A proporção de isótopo de oxigênio presente no corpo de um animal é resultado
de fatores externos, como a temperatura, precipitação e evaporação de água em corpos
d’água locais (MacFadden et al., 1999; Sánchez et al., 2004; Lopes et al., 2013). Assim,

14
conforme a taxa de evaporação aumenta e a taxa de precipitação diminui, a proporção
de δ18O tende a aumentar.
Os resultados destas equações foram realizadas utilizando o software Excel
(Microsoft Corporation). Por fim, este espécime possui uma datação prévia já calibrada.

RESULTADOS

Paleoecologia isotópica (δ13C, δ18O)


UGAMS 36484 (δ13C = -7,6 ‰; δ18O = 27,6) apresentou um valor de consumo de
plantas C3 e C4 de 66% e 34%, respectivamente. E, a partir destes valores encontrados
podemos inferir a sua largura de nicho, BA = 0,81. Da mesma forma, UGAMS 36485
(δ13C = -7,3 ‰; δ18O = 26,8) teve seus valores de plantas C 3 de 64% e C4 de 36%. O
resultado de BA para este espécime foi de 0,86.

Datação por radiocarbono

Este tipo de datação pode ser realizada tanto no colágeno quanto no carbonato da
matriz óssea. É muito importante para entendermos em que época viveu o indivíduo e, a
partir disso, comparar com outros estudos, podendo construir uma linha do tempo
paleoecológica para estes animais. O C tem ~50 mil anos (que começam a ser
14

contados a partir do momento da morte do indivíduo), tendo uma meia-vida de 5.730


anos (SENTER, 2020), ou seja, só é possível utilizar este método de datação para
espécimes que não ultrapassem a margem de 50 mil anos de idade.
Assim sendo, o espécime em estudo possui uma datação de Cbiopatita de 17.250
14

anos, calibrada em 19.034-18.677 anos.

DISCUSSÃO

A partir dos resultados apresentados, podemos considerar que este animal possuía
um hábito generalista, tendo uma dieta mista (assim como os resultados encontrados por
Omena et al., 2021; Pansani et al., 2019), com um consumo um pouco maior (~65%) de
plantas C3 (como folhas e frutos).
À vista disso e da largura de nicho padronizada, podemos inferir a ocorrência de
um animal que viveu em áreas tanto de savana aberta quanto de floresta fechada, para o

15
município de Sousa/PB há 19.034-18.677 Cal yr, época final do Pleistoceno (o
Pleistoceno aconteceu ~2,5 milhões à 11 mil anos atrás; Stratigraphy Chart, 2022).
Estes dados corroboram os encontrados em outras localidades da Região Intertropical
Brasileira (RIB), por exemplo, em Ourolândia/BA (δ13C = -5,50 e -8,20; DANTAS, et
al., 2017) esta espécie apresentou uma dieta mista, com uma preferência maior (~70%)
por gramíneas C3.
Em relação aos valores de oxigênio encontrados, se compararmos ao estudo
realizado por Dantas et al. (2022), podemos notar que os espécimes da Bahia são mais
recentes (LPUFS 2652 = 9.229–9.117 Cal yr; LGUESB 0002 = 17.381–17.033 Cal yr) e
possuem um valor de δ18O menor do que o espécime de Souza/PB. Como foi dito antes,
a quantidade de isótopo de oxigênio presente no animal está relacionada ao clima em
que ele presenciou. Assim, como a alta precipitação e a baixa evaporação causam uma
diminuição na proporção de δ18O, podemos sugerir que os animais de Coronel João de
Sá e de Vitória da Conquista viveram em um período mais úmido do que o espécime
que viveu em Souza. Podemos comparar também a dieta destes animais, pois, a partir
das análises feitas de dois fragmentos de presas de momentos diferentes (10 e 6 Cal yr),
Dantas et. al. (2022) puderam notar que a maior precipitação promove menor consumo
de gramíneas C4. Ainda que em um curto espaço de tempo (dois anos), também
pudemos notar que a queda na proporção de δ18O provocou um aumento no consumo de
gramíneas C4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por isso tudo, este estudo apresenta subsídios para o reconhecimento da


paleoecologia de Notiomastodon platensis no nordeste do Brasil, pois o espécime
apresentado traz resultados que estão de acordo com as características alimentares
atribuídas à espécie. Com os valores de δ13C foi possível notar que este espécime
pertence à guilda alimentar de alimentadores mistos, possuindo hábitos generalistas,
indicando um paleoambiente tanto de savana aberta quanto fechada para o município de
Sousa/PB, semelhante aos resultados encontrados na literatura que envolvem a RIB. A
partir da variabilidade de δ18O foi possível notar que houve uma baixa queda, tendo
influenciado na dieta anual deste espécime. A partir deste resultado, sugerimos que o
indivíduo de Souza viveu em um paleoambiente mais seco, quando comparado a outros

16
estudos já realizados. Além disso, a datação por 14
C mostrou datas do final da época
pleistocênica, semelhante aos resultados referentes à RIB.

REFERÊNCIAS

ASEVEDO, L., WINCK, G. R., MOTHÉ, D., & AVILLA, L. S. 2012. Ancient diet of
the Pleistocene gomphothere Notiomastodon platensis (Mammalia, Proboscidea,
Gomphotheriidae) from lowland mid-latitudes of South America: Stereomicrowear
and tooth calculus analyses combined. Quaternary International, 255, 42-52
BOCHERENS, H. & DRUCKER, D. G. 2013. Terrestrial teeth and bones. In: S.A.
Elias (ed.) The Encyclopedia of Quaternary Science, Elsevierp. 304–314.
doi:10.1016/B0-44-452747-8/00353-7
CARTELLE, C. 1999. Pleistocene mammals of the cerrado and caatinga of Brazil. In:
EISENBERG, J.B., REDFORD, K.H. (Eds.), Mammals of the Neotropics. The
Central Neotropics. University of Chicago Press, Chicago, p. 27 a 46.
DANTAS, M. A. T. et al. 2020. Isotopic paleoecology (δ13C, δ18O) of a late Pleistocene
vertebrate community from the Brazilian Intertropical Region. Revista Brasileira de
Paleontologia, 23(2), 138-152.
DANTAS, M.A.T., COZZUOL, M. A. 2016. The Brazilian Intertropical Fauna from 60
to About 10 ka B.P.: Taxonomy, Dating, Diet, and Paleoenvironments. Marine
Isotope Stage 3 in Southern South America, 60 KA BP-30 KA BP, p. 207-226.
DANTAS, M. A. T. et al. 2022. Annual isotopic diet (δ13C, δ18O) of Notiomastodon
platensis (Ameghino, 1888) from Brazilian Intertropical Region. Quaternary
International, 610, p. 38-43.
DANTAS, M. A. T. et al. 2017. Isotopic paleoecology of the Pleistocene
megamammals from the Brazilian Intertropical Region: Feeding ecology (δ13C),
niche breadth and overlap. Quaternary Science Reviews, v. 170, p. 152-163.
FRANÇA, L. M. et al. 2014. Chronology and ancient feeding ecology of two upper
Pleistocene megamammals from the Brazilian Intertropical Region. Quaternary
Science Reviews, v. 99, p. 78-83.
LOPES, R. P. et al. Paleoecologia e paleoambientes do Pleistoceno tardio médio a
tardio na planície costeira do Rio Grande do Sul, Sul do Brasil, a partir de isótopos
estáveis em fósseis de Toxodon e Stegomastodon. Paleogeogr. Paleoclimatol.
Paleoeco., 369 (2013) , págs. 385 - 394.

17
MACFADDEN, B. J. et al. 1999 Ancient latitudinal gradients of C3/C4 grasses
interpreted from stable isotopes of New World Pleistocene horse (Equus) teeth.
Glob. Ecol. Biogeogr., 8 (1999), p. 137-149.
OMENA, É. C. et al. 2021. Late Pleistocene meso-megaherbivores from Brazilian
Intertropical Region: isotopic diet (δ13C), niche differentiation, guilds and
paleoenvironmental reconstruction (δ13C, δ18O). Historical Biology, 33(10), 2299-
2304.
PANSANI, T. R et al. 2019. Isotopic paleoecology (δ13C, δ18O) of Late Quaternary
megafauna from Mato Grosso do Sul and Bahia States, Brazil. Quat Sci Rev.
221:105864. doi:10.1016/j.quascirev.2019.105864.
SÁNCHEZ, B, et al. 2004. Ecologia alimentar, dispersão e extinção de gomphotheres
do Pleistoceno da América do Sul (Gomphotheriidae, Proboscidea). Paleobiologia ,
30 (2004), p. 146-161.
SENTER, P. J. 2020. Radiocarbon in dinosaur fossils: compatibility with an age of
millions of years. The American Biology Teacher, 82(2), 72-79.

Fig. 1: Mapa da Região Intertropical Brasileira (RIB). Localidade estudada: (quadrado


preenchido de preto) Sousa/PB (sensu Dantas et. al., no prelo).

18
Fig. 2: Valores de consumo de plantas C3 (linhas horizontais superiores) e C4 (linhas
horizontais inferiores) para UGAMS 36484 (vermelho) e UGAMS 36485 (azul).

19

Você também pode gostar