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Ressonância Schumann - Anexo 02

Transcrição parcial do artigo "23.1 - Ressonância Schumann"


Qual a Importância da Ressonância de Schumann?

Por Alberto Gaspar (Doutor em Educação pela USP, Prof. de Física da Unesp-
Guaratinguetá e autor da Ática)

  No âmbito da ciência, a Ressonância Schumann é um fenômeno de interesse quase


exclusivo dos meteorologistas - ele permite monitorar indiretamente o nível global de
incidência de descargas elétricas na atmosfera, pois grande parte delas ocorre em regiões
isoladas ou inacessíveis. Muitos pesquisadores da NASA utilizam medidas da Ressonância
Schumann rotineiramente para seus estudos da precipitação pluviométrica e do aquecimento
global.

  Como os relâmpagos estão associados às chuvas e tempestades e estas, por sua vez, à
temperatura do nosso planeta, o aumento da intensidade das ondas estacionárias detectadas
indica maior incidência de descargas elétricas e estas, de chuvas e tempestades. E, por fim,
o aumento da incidência destas últimas indica o aumento da temperatura do planeta.

  Assim, um acréscimo de cerca de 7% na incidência de descargas elétricas permite inferir


que há um aquecimento global da ordem de 1 ºC. Esta porcentagem deve ser tomada com
ressalvas, pois há uma discrepância muito grande nos valores encontrados por nós em
diferentes pesquisas. A mesma variação de temperatura, 1 ºC, está relacionada a diferentes
porcentagens de acréscimo na incidência de descargas elétricas, desde 5% até 40%.

  Mais recentemente, nos últimos dez anos, a Ressonância Schumann tem interessado
também aos biofísicos e neurocientistas. Uma razão para justificar esse interesse está
na coincidência entre as faixas de freqüências de ondas cerebrais detectadas nos
eletroencefalogramas (ondas teta, de 4 a 7 Hz; ondas alfa, de 8 a 13 Hz e ondas beta, de
14 a 30 Hz). Há várias pesquisas já realizadas e outras em curso buscando encontrar
possíveis relações e conseqüências decorrentes da proximidade entre os valores das
nossas freqüências cerebrais e das freqüências da Ressonância Schumann. Nenhuma
delas permite inferências muito relevantes, todas as que encontramos estão ainda ao
nível da especulação.

  Deve-se lembrar que a descoberta do fenômeno é recente mas o fenômeno não, pois ele
depende predominantemente de causas naturais - a radiação solar, os raios cósmicos e as
descargas elétricas na atmosfera - sobre as quais ainda temos pouca influência. Assim, se
existe alguma interação entre a Ressonância Schumann e os seres vivos ela deve ter se
mantido praticamente inalterável há séculos e, presumimos, ela já está incorporada a nossa
história genética.

  Por essa razão, presume-se que algo notável só poderia ocorrer se o fenômeno
apresentasse alguma alteração brusca e relevante. Essa é a hipótese em que se assentam os
estranhos vaticínios de Leonardo Boff, ou melhor, de sua fonte, o guru Gregg Braden,
50 anos, "rara mistura de cientista, visionário e sábio com a habilidade de falar para as
nossas mentes", como ele se apresenta em seu site: http://www.greggbraden.com/

As Incríveis Revelações de Gregg Braden

  Antes de ser um próspero conferencista, guia de viagens para locais sagrados do mundo,
autor de livros esotéricos, fitas, DVDs e outros produtos do gênero, Gregg Braden foi
projetista sênior de sistemas computacionais em uma empresa aeroespacial, geólogo
computacional em uma empresa petrolífera e, mais tarde, gerente técnico de operações da
Cisco Systems.

  Ainda segundo o seu site, ele é hoje "a principal autoridade capaz de estabelecer a ponte
da sabedoria entre o nosso passado e a ciência e a paz do nosso futuro. Em sua jornada por
remotos vilarejos nas montanhas, templos e monastérios, em tempos de paz, Braden uniu a
sabedoria e as antigas tradições com a ciência moderna para a melhoria de nossas vidas nos
dias de hoje".

  É bem provável que, buscando essa "união de sabedorias", Braden tenha descoberto a
Ressonância Schumann e inferido suas esotéricas implicações, publicando-as em 1997, em
Awakening to Zero Point: The Collective Initiation (Despertando para o ponto zero: a
iniciação cooperativa), um dos muitos livros de sua autoria.

  O livro contém as revelações por ele recebidas em 1987, enquanto orava e meditava
no deserto do Sinai, anunciadas pelo soar de sinos (esse som permaneceu em seus ouvidos
até a publicação do livro; não conseguimos saber se ainda os escuta). Em seguida, uma
torrente de informações atravessou todo o seu corpo. "Parecia que toda a eternidade se
passava em um instante", diz ele, enquanto recebia o instrumental para nos oferecer "a
informação do despertar".

  A idéia principal apresentada no livro é a aceleração do tempo: a impressão que


muitas pessoas têm de que o tempo atualmente passa mais depressa não é uma ilusão,
é realidade. O dia não tem mais 24 horas, mas 16, pois o coração da Terra está
acometido de uma taquicardia causada pelo aumento da freqüência da Ressonância
Schumann. Segundo Braden, desde a década de 1980, o valor inicial dessa freqüência,
7,83 Hz (ele só se refere ao valor da freqüência fundamental, como se fosse a única),
teria se elevado para 11 Hz e, mais recentemente, para 13 Hz.

  Seu livro não se limita a essa revelação, há uma verdadeira cascata de informações do
gênero, como a previsão de que a Terra vai inverter os seus pólos magnéticos (o que não é
novidade, isso já ocorreu centenas de vezes desde que o planeta se formou, não por vontade
do planeta, é claro) e o sentido do seu movimento de rotação (fisicamente, um completo
absurdo, pois nenhuma força age sobre a Terra; ela gira por inércia. Não é um ventilador de
teto que pode ter sua rotação invertida quando se aciona uma chavinha).

  Tendo em vista o nosso objetivo inicial, vamos nos restringir aos efeitos que Braden
atribui à Ressonância Schumann e sua possível variação repentina, divulgados entre nós
pelo artigo de Leonardo Boff. Para facilitar a argumentação, vamos resumi-la em quatro
itens:

  I) Do ponto de vista da física, como vimos, a origem desse fenômeno se restringe a uma
camada da atmosfera terrestre. Para uma primeira avaliação do possível efeito desse
fenômeno sobre o planeta como um todo, é interessante estabelecer uma relação entre as
dimensões da Terra e as dimensões da camada da ionosfera em que o fenômeno ocorre. Se
construirmos um modelo em escala da Terra com 1 m de diâmetro, essa camada teria 5 mm
de espessura; seria apenas uma espécie de penugem diáfana praticamente imperceptível
dentro da qual se formam as ondas estacionárias originárias da Ressonância Schumann.

  II) A irrelevância de suas dimensões, no entanto, não impede que a cavidade ressonante
terrestre seja um indicador dos males do "coração da Terra" - a medicina utiliza indicadores
tão ou até mais sutis para seus diagnósticos -, se fosse possível saber que órgão é esse, onde
está, como se manifesta e interage fisicamente com essa cavidade. Como a física, e todas as
demais ciências, não tem essas respostas, não é razoável aceitar cientificamente que essa
diáfana camada superficial possa refletir o pulsar de tal coração ou dele ser "uma espécie de
marca-passo", como diz Leonardo Boff.

  III) Supor que a passagem do tempo tenha alguma relação com a freqüência dessas
quase imperceptíveis ondas estacionárias é puro nonsense. Há quem imagine que a
passagem do tempo dependa da rotação da Terra - se um dia a Terra parar de girar o tempo
também pára (curiosamente só interessa a rotação, a translação relacionada diretamente ao
"Ontem foi Carnaval, dentro de pouco será Páscoa, mais um pouco, Natal", a que Boff se
refere, é completamente ignorada).

  É uma idéia absurda, mas até certo ponto compreensível, afinal utilizamos a rotação da
Terra como relógio (no cinema, o Super-homem, para salvar a sua amada, conseguiu fazer o
tempo voltar, invertendo a rotação da Terra), mas supor que as débeis oscilações dessa
quase imperceptível camada ressonante possam alterar o transcurso do tempo, que afinal
não se vincula apenas à Terra mas aos trilhões de trilhões de trilhões de astros que povoam
o universo, seria uma ingenuidade de causar pena.

  Seria, porque ao que tudo indica, a ingenuidade está em quem acredita nessas idéias, o
"cientista, visionário e sábio" que as divulga o faz com indiscutível má-fé. É pouco provável
que uma pessoa com a formação científica de Gregg Braden acredite no que diz, embora
venda - strictu e lato sensu - essa idéia ao seu ingênuo público. A prova da má-fé está na
principal causa por ele atribuída para a taquicardia terrestre, e este é o nosso quarto e
definitivo argumento.

  IV) Segundo Braden, a taquicardia terrestre se deve ao aumento recente da freqüência da


Ressonância Schumann. Essa afirmação é inteiramente falsa, um verdadeiro estelionato
científico. Como mostra a figura 8, desde que as medidas dessas freqüências começaram a
ser feitas, elas têm se mostrado absolutamente estáveis.
A figura mostra as variações dos valores da primeira
freqüência de ressonância da cavidade ressonante da
ionosfera terrestre, no período compreendido entre
1990 e 2000, obtidos em Arrival Heights, base
neozelandesa localizada na Antártica

Note que o período compreendido pelo gráfico, 1990 a 2000, é aquele que, segundo
Braden, a freqüência da ressonância estaria em 13 Hz ou mais. Essa freqüência,
sempre apresentada por ele no singular, é mais uma mostra da sua evidente má-fé. É
altamente improvável que ele não saiba que não há uma única freqüência de
ressonância, mas uma série delas e que 7,8 Hz, como diz a legenda do gráfico acima, é
apenas a primeira freqüência de ressonância.

  Restringir a argumentação a uma só, sabendo que há uma série delas, é um excelente álibi
para dissipar possíveis desconfianças de seus seguidores: se algum deles lhe perguntar se é
verdade que essas freqüências estão mesmo aumentando ele poderá dizer com esotérico
cinismo: "claro, já foram obtidas até freqüências de 45 Hz!". E não estará mentindo...

Uma Reflexão Final

  Quem conhece a história de vida de Leonardo Boff sabe que não se pode atribuir a
ele a desonestidade e o mau-caratismo de seu guru. Leonardo Boff é, sem dúvida, uma
pessoa honesta e bem intencionada. No entanto, acreditou e, o que é pior, avalizou e
deu credibilidade não só a uma hipótese absurda, mas a uma farsa científica.
Infelizmente as pessoas honestas e bem intencionadas costumam crer que todos são
como elas - se alguém se diz cientista e afirma que determinados resultados foram
obtidos é porque eles de fato foram obtidos.

  É bem provável que Leonardo Boff tenha sido traído por essas afirmações porque
elas vieram ao encontro de suas próprias convicções. Assim como inúmeras pessoas,
entre elas muitos cientistas, ele acredita que a Terra é um organismo vivo e, como tal,
deve ter um coração. É possível até que isso seja verdade, mas não é possível apoiar
essa crença na ciência, ao menos por enquanto. Nenhuma ciência atual é capaz de
encontrar fundamentos teóricos ou empíricos capazes de apoiar essa hipótese. Isso não
significa que a Terra não tenha vida nem coração, mas que vida e coração, conceitos
da ciência atual dos homens, não são aplicáveis a Terra.

  A física quântica é uma compreensível esperança, não pelo que se sabe dela hoje, mas por
ter-nos mostrado a imensa extensão da nossa ignorância: a natureza é extraordinariamente
mais complexa do que os físicos imaginavam no final do século XIX, quando, também
ingênuos, acreditaram ter descoberto todos os seus segredos. Mas isso é tudo.

  Ela mostrou aos físicos que o oceano do conhecimento que imaginavam dominar era
apenas um mar interior - o verdadeiro oceano do conhecimento era muito maior e cheio de
surpresas. Mas só agora ele começa a ser explorado. É possível que, com o tempo, nele se
descubram sinais de vida da Terra e se ausculte o seu coração. Por enquanto ainda estamos
limitados a um marzinho interior e nele, infelizmente, isso é impossível.

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