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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Niteroi – RJ
2022
INTRODUÇÃO
Uma massa primária desse tipo é uma quantidade de indivíduos que puseram um
único objeto no lugar de seu ideal do Eu e, em consequência, identificaram-se
uns com os outros em seu Eu. Essa condição admite uma representação gráfica:
Figura 1
1
“Marxismo cultural”, “viés ideológico”, “globalismo”, “extrema imprensa”, “dominação
comunista”, “despetização” “doutrinação”, “ideologia de gênero”, etc. (GLOSSÁRIO, 2019).
não é aprovado pelo líder (Ibidem).
Os relatos abaixo são situações e falas ouvidas entre junho de 2020 e setembro de
2021, no hospital referência para COVID-19 no Estado do Rio de Janeiro, na linha de
frente do combate ao Corona Vírus.
1. Uma paciente admitida no CTI, com a carga máxima de suporte de
Oxigênio, evoluiu com necessidade de suporte de ventilação não-invasiva –
VNI, com a finalidade de evitar intubação. O setor de psicologia foi solicitado para
auxiliar a equipe de fisioterapia na sensibilização do paciente que se negava a aderir aos
procedimentos necessários. O paciente relata: “Não tenho problemas com os
procedimentos, mas não vou fazer. Já tomei as medicações preventivas, não estou com
COVID-19. Trocaram meu diagnóstico para aumentar os números e prejudicar o capitão” –
Disse o paciente em franca dificuldade respiratória. O paciente foi intubado2 no mesmo
dia. Em menos de uma semana morreu.
2. As notificações de óbito são de responsabilidade da equipe médica que
recebem acompanhamento da equipe de psicologia e do serviço social. A paciente que
morreu tinha quadro sugestivo3 de COVID-19 o que justificou a regulação para o hospital
referência, mas o exame positivo para SARS-CoV-2 ainda não estava disponível no
sistema integrado4 no momento da notificação. O médico teria que notificar na declaração
de óbito, no campo causa da morte: “suspeita de COVID-19”, isso implicaria na limitação
do ritual de sepultamento5 devido as medidas sanitárias. O filho que acompanhava a
notificação negou-se a aceitar a declaração de óbito: “Sei que ela não tem essa doença. Isso
era coisa dessa ‘Petralhada’. Vocês não têm culpa. Vocês são pressionados para colocar
isso nos atestados para aumentar os números de mortos […]”. Ele relacionava o quadro
sugestivo de COVID-19 a uma suposta pressão nos profissionais de saúde para
diagnosticar os pacientes com a doença.
3. Durante uma comunicação de óbito de um idoso os familiares relataram que
o paciente se recusara a ser vacinado. A filha relata que o pai apenas recentemente, havia
tomado a primeira dose da vacina, pois apresentava forte resistência a receber a vacina:
“Ele recebia mensagens de WhatsApp dizendo que, caso fosse vacinado, ‘viraria jacaré’”.
2
Quando os pacientes perdiam a consciência ou quando ocorria rebaixamento de consciência por hipóxia
devido a COVID-19 o médico realizava o procedimento de intubação independente da vontade do
adoecido.
3
Quadro sugestivo é exame de imagem, desaturação e dependência de oxigênio.
4
GAL – Gerenciador de Ambiente Laboratorial, plataforma da FIOCRUZ, onde são registrados os
resultados de exames COVID-19.
5
Caixão lacrado e limite do tempo e de pessoas no velório.
Reproduzindo uma conhecida frase do presidente da República (ALFANO, 2021, p.4).
A prática na linha de frente do hospital de referência em COVID-19 possibilitaria
o reconhecimento de discursos orientadas por uma política de morte que afetaria o
tratamento e os rituais de morte a partir do campo teórico psicanalítico?
A partir desta questão, revisitaremos os conceitos psicanalíticos que
possibilitariam a concatenação entre a teoria e a prática da psicanálise no hospital,
identificando o lugar do analista nessa dinâmica.
JUSTIFICATIVA
OBJETIVO GERAL
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Figura 2
Tal temática de controle sobre os corpos através das instituições de saúde será
articulada ao que Foucault (1988, p. 130) chamou de “bio-política da população”,
disciplinas do corpo que regulam vida, revertendo a lógica medieval do poder sobre a vida,
pelo sangue, que encaram pelas tecnologias “anatômica e biológica, individualizante e
especificante, os desempenhos do corpo e encarando os processos da vida”.
As articulações desses dois campos poderão servir como base para a avaliação do
que chamaremos de discurso de morte, Mbembé (2016, p. 146) propõe o conceito de
necropolítica: “formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte
(necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e
terror”. Esse modo representa o poder de promover a morte como o modo de controle
territorial e do direito do Estado para matar utilizando-se das tais tecnologias
desenvolvidas pela biopolítica. Isso vai ao encontro com o que Freud nos trouxe numa
reflexão em 1927: “A insegurança na vida, perigo igual para todos, junta os homens numa
sociedade que proíbe ao indivíduo o assassinato e se reserva o direito de assassinar
comunalmente aquele que desrespeita a proibição. Temos aí, então, justiça e castigo”
(FREUD, 1927/2014, p. 280). Essa reserva de direito de o Estado matar foi evidenciada
por mais de meio milhão de mortes causadas pela COVID-19 e dessas mais de cem mil
poderiam ter sido evitadas, somente no primeiro ano de pandemia (WERNECK; BAHIA;
MOREIRA, 2021).
Para este trabalho partiremos da ideia a necropolitica que por sua vez ficou
caracterizada pelo discurso de morte produzido pela presidência da república.
Extrapolando a esfera da política, tal discurso refletiu na vida cotidiana da massa, na mesa
de jantar da família, no boteco, no trabalho etc.
Segundo Freud (1921/2010), o objeto externo, na figura do líder, é introduzido e
catexado pela libido através da substituição da própria vontade pela vontade do líder que,
não sendo satisfeita, leva ao sentimento de culpa, caracterizado pela agressividade
(1923/2011). Segundo Beteille (2019, p. 26):
Nesse caso, ao vociferar contra aqueles que não se mantêm submersos na massa,
o condutor brinda o eu de cada indivíduo nela presente com a possibilidade de
converter suas pulsões recalcadas em pulsão de destruição. E, nesse caso, a
identificação dos componentes da massa entre si, poupa o eu de ter que frear o
ímpeto de aniquilar o objeto externo, como ocorre na neurose obsessiva.
Poderíamos dizer que “a sombra do objeto recai sobre o ego (FREUD, 2010/1921,
p. 69)” introjetado como ideal do Eu, fazendo surgir a pulsão de morte, através da
destrutividade do Supereu, punindo-o?
Freud em relação ao estado de enamoramento diz: “o ego se torna cada vez mais
despretensioso e modesto e o objeto cada vez mais sublime e precioso, até obter finalmente
a posse de todo o autoamor do ego, cujo auto sacrifício decorre, assim, como consequência
natural” (FREUD, 1996e/1921, p. 72).
Aproxima-se do que Alberti e Ribeiro (2012, p.199) aponta sobre a relação da
fantasia e do delírio paranoico. Enquanto a fantasia serviria para enlaçar o objeto perdido
para o neurótico, no delírio paranoico o objeto perdido é sustentado como sendo ele
próprio.
Nesse sentido, a massa ao remeter o discurso na figura de um líder, referido as
vezes como messias e outras como mito e se essa abstração é possibilitada no automatismo
repetitivo, que recrudesce ao discurso do líder e o delírio possibilita uma espécie de
automutilação. Afinal o Eu do Lider introjetado na negação do tratamento, tratamento este,
que poderia descobrir o véu do delírio.
Sendo assim, essa abstração, tida como causa do desejo, introjetado como objeto,
poderia ser responsável pela cegueira que acomete o seguidor nesses grupos?
A crítica exercida por essa instância silencia; tudo que o objeto faz e pede é
correto e inocente. A consciência não se aplica a nada que seja feito por amor do
objeto; na cegueira do amor, a falta de piedade é levada até o diapasão do crime.
A situação total pode ser inteiramente resumida numa fórmula: o objeto foi
colocado no lugar do ideal do ego. (FREUD, 1996e/1921, p. 64)
METODOLOGIA
A pesquisa será realizada pelo método psicanalítica, isso pressupõe que serão usados
os encontros de inconsciente inerente a prática do analista, como forma de desdobramento
de possibilidades acarretadas pelas associações possíveis no encontro entre os desejo do
analista e do analisando (SILVA E MACEDO, 2016). As autoras sugerem que tal método
deve considerar o texto colhido da análise um documento a ser pesquisado, referindo-se a
metodologia psicanalítica como pesquisa documental. Os discursos colhidos serão
respectivamente dos usuários, familiares e de trabalhadores da unidade hospitalar
referência em Covid-19, os discursos das principais lideranças consideradas produtoras da
política de morte e por último os seguidores do presidente da república em redes sociais:
Facebook, Instagram, Youtube e Twiter.
Os discursos da unidade hospitalar serão colhidos pela entrevista aberta com os
trabalhadores, gravadas as falas e transcritas. Os discursos dos familiares e usuários serão
colhidos dos textos transcritos dos profissionais e dos atendimentos rememorados
transcritos pelo autor da pesquisa.
Os discursos das lideranças e dos seguidores serão colhidos pela transcrição de
entrevistas e processamento de publicações em rede sociais citadas.
O Processamento se dará pelo uso de aplicativo de leitura de texto e que também seja
capaz de converter os prints de tela em texto de leitura, exemplo do aplicativo capaz de
fazer isso é o Acrobat Pro DC. Tal funcionalidade serviria para conseguirmos realizar
pesquisar de termos e frases dentro do texto convertido.
Esse modo de processamento servirá para a etapa da pesquisa que utilizará da
metodologia quali-quantitativa para o surgimento de termos que marcam o modo de
expressão de grupos apoiadores da política de morte. Contribuindo para verificas as marcas
de diferença dos grupos antagônicos.
Para a compilação desses termos os discursos serão printados em tela, e salvos em
arquivo de extensão .pdf, usando a ferramenta de pesquisa de que se repetem com
frequência nos discursos. Os termos serão selecionados e disposto em tabela numa planilha
de extensão .ods ou .xlsx e analisados por metodologia quantitativa para avaliação da
repetição, e de forma qualitativa, construindo uma linha do tempo em relação aos termos
repetitivos, podendo ser usado como banco de dados no que se fizer necessário. A linha do
tempo servirá para distinguir o perfil dos usuários e a relação entre a coesão e o uso dos
termos antes e depois o aparecimento do discurso do líder.
Após o tratamento dos dados os termos serão evidenciados em discursos da pesquisa
participante para determinar de forma qualitativa o modo de expressão e de coesão grupal.
Somente serão considerados perfis das redes sociais, entrevistas e mídias em geral,
na pesquisa exploratória, preservando as identidades a fim de garantir a devida proteção
dos indivíduos, ocultando nomes a fim de proteger os dados pessoais.
REFERÊNCIA
ALFANO, Bruno. Veja sete vezes em que Bolsonaro desestimulou vacinas contra
a Covid-19: Antes de dizer que 2021 seria o ano da vacinação no Brasil, como fez em
pronunciamento de rádio e TV nesta terça-feira, presidente criticou imunizantes e
farmacêuticas. G1 – Saúde, p. 4-6, mar. 2021. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/saude/vacina/veja-sete-vezes-em-que-bolsonaro-desestimulou-
vacinas-contra-covid-19-24938536. Acessado em: 30 ago. 2021.
EM MATO Grosso, Bolsonaro diz que ficar em casa durante a pandemia de
COVID-19 ‘é para os fracos’: Em discurso para produtores rurais em Sorriso, presidente
voltou a criticar o isolamento social, apontado por cientistas como uma das formas para
conter o avanço da corona vírus. Brasil tem mais de 135 mil mortes pela doença e é um dos
países com maior número de infectados (4,4 milhões de pessoas). G1 – Mato Grosso, Mato
Grosso, set. 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/09/18/em-mato-grosso-bolsonaro-diz-
que-ficar-em-casa-durante-a-pandemia-de-covid-19-e-para-os-fracos.ghtml. Acessado em:
28 ago. 2021.
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