Você está na página 1de 2

arece que hoje em dia impera um certo senso comum entre nós de que fé e conhecimento são coisas

opostas, mutuamente excludentes como luz e escuridão – se você tem conhecimento você não tem fé, e
vice-versa. Há, no entanto, para contrariar essa noção, uma afirmação muito contundente na Bhagavad-
Gita acerca da relação entre esses dois princípios: “shraddhavan labhate jñanam – aquele que tem fé
ganha conhecimento.” De acordo com Krishna, o autor dessa afirmação, conhecimento e fé não só não
são opostos como mantêm entre si uma relação muito peculiar de dependência: fé é condição sine qua
non do conhecimento. Vamos entender o que isso significa.

Em primeiro lugar, o que é conhecimento? Parece-me que é algo cuja força de evidência acaba com
quaisquer dúvidas ou desconfianças com relação àquilo que está se mostrando com tanta clareza, e faz
com que possamos relaxar e prosseguir com o que quer que estejamos fazendo sem pensar mais
naquilo. Agora mesmo enquanto escrevo este texto há uma enormidade de conhecimentos envolvidos
nessa ação, um dos mais essenciais deles sendo o de que as palavras estão sendo realmente escritas no
processador de textos, o que me permite relaxar e apenas escrever. E o que é que me concede a certeza
de que de fato as palavras estão sendo escritas? São os meus olhos, com os quais tenho uma relação de
plena confiança, fé.

Eu dou aos meus olhos o status de serem meios válidos de conhecimento com relação à forma e cor das
coisas. E a única coisa que faz com que eu dê aos olhos esse status é a minha boa fé. Não é nenhum
outro órgão de percepção que valida ou prova a autoridade dos meus olhos. Se eu mostrasse a vocês um
objeto preto e perguntasse de que cor é o objeto vocês me responderiam corretamente: preto. E se em
seguida eu pedisse para vocês me provarem que o objeto é preto, o que vocês fariam? Como vocês
provariam? Está claro que nenhum órgão dos sentidos fora os olhos pode dizer qualquer coisa sobre a
cor, e tampouco a lógica pode fazê-lo. Que raciocínio você poderia desenvolver para provar ou negar o
fato visto de que o objeto é preto? Nenhum, porque cor é assunto do olho apenas, e o olho é a prova
única e suficiente para cores.

Tendo a fé de que meus olhos são meios válidos de conhecimento eu posso interagir com o mundo
razoavelmente bem. E se eu não tivesse essa fé, o que seria de mim? Há muitas pessoas no mundo com
um transtorno de fé chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo, TOC. Existem muitos graus de
manifestação desse transtorno, e nos mais sérios a pessoa fica, por exemplo, lavando as mãos por horas,
acreditando que elas estejam sujas ainda que seus olhos e narinas lhe mostrem que elas estão limpas e
perfumadas.

Nesses casos, existe uma condição para o alcance do conhecimento que não está sendo cumprida, e que
não tem nada ver com os meios de conhecimento envolvidos, pois os olhos da pessoa com o transtorno
descrito estão funcionando perfeitamente bem. A condição faltante é a fé, shraddha, sem a qual o
conhecimento não ocorre. Ou alguém estaria disposto a dizer que aquela pessoa sabe que suas mãos
estão limpas? Não sabe, pois se soubesse fecharia a torneira. É tudo que ela quer.

Ao autoconhecimento, sendo apenas um tipo particular de conhecimento, se aplica a mesma


necessidade: é necessária fé no meio de conhecimento que o produz. E qual o meio de conhecimento
que o produz? Chama-se Veda, ou, mais precisamente, Vedanta. Sem a fé de que as palavras de Vedanta
são um meio válido de conhecimento não é possível obter o conhecimento que elas pretendem revelar.

Você também pode gostar