Você está na página 1de 4

O Vírus e o Voo da Borboleta: Saindo do Casulo

Brasília, 12 de setembro de 2020.

Os pacientes e perseverantes leitores que têm me acompanhado durante


estes já longos meses de pandemia por certo perceberam, pelo título desta mensagem,
que é uma continuação. É um pequeno truque da minha parte, para induzir alguns de
vocês a uma nova leitura da anterior para refrescar a memória, como foi o meu caso,
ou mesmo provocar uma primeira leitura daquele texto, se você somente agora
começou a ler meus escritos.

Naquela mensagem comparamos nosso período de isolamento com o


processo de metamorfose que leva uma lagarta a transformar-se em uma borboleta,
depois de certo tempo confinada em um casulo fechado. Quem já viu uma filmagem
de uma borboleta saindo do casulo, decerto percebeu que é um momento que
demanda muito esforço, a tal ponto que, por vezes, chegamos a pensar que ela não
conseguirá. Contudo, essa demanda extraordinária de esforço que a nova borboleta
precisa fazer é a última parte da sua capacitação para a nova fase. Graças a esse
trabalho extenuante suas asas terminam de secar, ela se fortalece e pode finalmente
fazer seu primeiro voo, algo impossível para a lagarta.

Já houve quem tentasse ajudar uma borboleta a sair do casulo, ao cortar as


paredes do invólucro para facilitar a saída. A intenção parece boa, mas, ao ser privada
do trabalho agonizante para romper o casulo, a borboleta não termina de secar suas
asas, nem ganha as forças necessárias. Sai do casulo, mas fica incapacitada para voar,
e morre.

Ainda não voltamos ao pleno funcionamento de todas as atividades


habituais, mas já vemos claros sinais de retorno parcial. Nem temos certeza se
retornaremos à mesma situação que vivíamos em 2019, mas é evidente que muitos de
nós já nos movimentamos e deslocamos com mais desembaraço do que nas primeiras
semanas da quarentena.

Então estamos começando a sair do casulo, do isolamento total ou parcial a


que fomos submetidos. É oportuno meditar sobre esse momento, de modo que, após
superar as restrições ainda pendentes, possamos alçar voos que antes nos eram
impossíveis. Quanto das transformações descritas no parágrafo seguinte, que copio da
mensagem anterior, temos experimentado?

Deus nos colocou em uma espécie de casulo, para nos transformar, nos
tornar semelhantes a Jesus. Entramos portando ainda muitas características de
lagartas, cheias de espinhos do orgulho, mas sairemos refletindo a beleza da
humildade de Jesus. Entramos no casulo ainda marcados pela feiura da
desobediência e da rebeldia contra o Criador, sairemos mansos e obedientes como o
nosso Bom Pastor. Entramos ainda valorizando em demasia coisas passageiras,
símbolos de vaidade e de alegrias transitórias, mas sairemos amando ao Senhor
acima de tudo e a nossos irmãos como Jesus nos amou. Entramos carregando muitas
bagagens desnecessárias, sairemos libertos delas e enriquecidos com a vida eterna.
Entramos com muitos rancores e amarguras, sairemos libertos pelo perdão e com
um novo cântico de louvor. Entramos com frieza e indiferença em relação ao
próximo, talvez até com desprezo pelos que consideramos inferiores, mas sairemos
cheios de misericórdia pelos que se perdem e de compaixão pelos que sofrem.
Entramos sem valorizar o suficiente a preciosa comunhão, o convívio com os irmãos,
mas sairemos diferentes, prontos a reconhecer quão precioso e agradável é que
vivamos em unidade com os irmãos.

Sei que será difícil dizer que alcançamos tudo isso plenamente, mas espero
que, pela graça de Deus e pelo Seu poder transformador que opera em nós, possamos
ver que progresso significativo ocorreu, e sairmos aptos a voos mais elevados no
caminhar com nosso amado Mestre. Assim como a metamorfose da lagarta depende
de processos metabólicos automáticos, o que nos faz lembrar que aquele que em vós
começou a boa obra a aperfeiçoará [completará] até o dia de Jesus Cristo (Fil. 1:6),
também é indispensável o esforço da borboleta para sair do casulo, para completar o
processo, de modo que temos nossa parte no cooperar com o Senhor, como está
escrito: Fazendo sempre com alegria oração por vós em todas as minhas súplicas,
pela vossa cooperação no evangelho desde o primeiro dia até agora (Fil. 1:4-5).

Persevere em toda boa mudança que você tem experimentado! Se tem


orado mais, não retroceda nessa prática. Se está mais solidário com os que sofrem,
aprofunde essa experiência, e não dê lugar à indiferença! Se está mais desapegado de
coisas materiais, tanto das que vemos como necessárias como das supérfluas, não
contamine novamente sua alma com amor ao dinheiro ou consumismo descontrolado!
Valorize, com ações de graças e expressões de amor fraterno, cada oportunidade de
comunhão com os irmãos, em especial as que doravante novamente se darão em
caráter presencial! Prossiga no caminho da mansidão, na vivência da humildade, e
experimente mais e mais da graça de Deus.

O mundo que nos aguarda fora do casulo não é o mesmo que havia antes,
então nós também não devemos voltar com as mesmas velhas atitudes. Esperar que a
pandemia passe por completo, o que talvez nunca ocorra, apenas para reativar os
velhos projetos e retroceder à antiga maneira de viver, é sair de um difícil casulo para
não voar, mas para voltar a se arrastar como a lagarta. Como seria estranho ver uma
borboleta rastejando sobre o ventre, ao invés de voar! Em nome do Senhor, quero
convidar você a um voo mais elevado, inspirado pelo que vejo ilustrado nas plantas e
flores do meu bairro e do meu jardim, e pela profecia de Isaías, que diz:

Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor; endireitai no


ermo vereda a nosso Deus. Todo vale será aterrado, e nivelados todos os montes e
outeiros; o que é tortuoso será retificado, e os lugares escabrosos serão aplanados.
A glória do Senhor se manifestará, e toda carne a verá, pois a boca do Senhor o
disse. Uma voz diz: Clama; e alguém pergunta: que hei de clamar? Toda a carne é
erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva e caem as flores,
soprando nelas o hálito do Senhor. Na verdade, o povo é erva; seca-se a erva, e cai
a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente (Isaías 40:308).

A erva que vive no vaso tem seu momento de


beleza e glória, com sua exposição de flores de belas cores
tão agradáveis à vista e de textura macia como a mais
suave seda. Essas flores são como a glória que existe nas
pessoas. Refletem beleza e esplendor, mas duram pouco.
Algumas horas depois, assumem outra forma, vazia e sem
beleza.

Estão murchas, sem aparência de


vida ou beleza. A planta segue viva, mas sua
glória, estampada nas flores, se esvaneceu.
Assim é a glória humana. Pode ter um breve
momento de fulgor e brilho, mas logo passa.
A diferença de tempo entre as duas fotos é
de apenas algumas horas, elas começam o
dia esplendorosas, mas no entardecer estão despidas de toda beleza.

Também nos ipês do meu bairro vi a mesma mensagem. Vejam o mesmo


ipê, em momentos separados por apenas duas semanas.
Deus nos chama para refletirmos o brilho da Sua glória, a beleza do seu
refulgente ser. Há todo um conjunto de forças e de influências sedutoras que tentam
nos seduzir para a busca de várias formas de glória humana, desconectadas da pessoa
do Criador. Deus enviou essa pandemia, com a clausura prolongada que ela ainda
está nos impondo, pelo menos em parte, para nos fazer pensar em que tipo de glória
estamos buscando. A glória das realizações intelectuais? O brilho da fama? O culto à
beleza? A busca da saúde a qualquer preço? A busca do prazer em todas suas
possibilidades? O orgulho de uma vida independente e rebelde contra o Criador?

A glória humana é como a flor da erva, que murcha em questão de horas,


ou como as florações dos ipês amarelos na nossa região do Planalto Central. Por
alguns poucos dias florescem exuberantes, belos e atraentes. Mas logo passam. Todas
essas glórias representam voos rasos, de baixa altitude e pouca duração. Não valem o
esforço, passam logo. Nosso Salvador nos chama a voos em alturas sublimes, porque
assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais
altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos
pensamentos, diz o Senhor (Isaías 55:9). Mas os que esperam no Senhor subirão
com asas como águias (Isaías 4031), e serão levados pelo sopro do Espírito Santo aos
elevados altares da presença de Deus! O sopro do Senhor que faz secar as flores da
insensatez humana é o mesmo vento que conduz os que nele esperam à rocha que é
alta demais para nós! (Salmo 61:2)

Jesus é essa rocha, que estava fora do nosso alcance, mas à qual agora
podemos ascender pela Sua graça e misericórdia. Estamos saindo do casulo. É a etapa
final desses longos meses de prisão, na qual deve ser completada a obra de Deus em
nós, e quando poderemos ser capacitados a voar. Que glórias buscaremos nesse novo
mundo que nos aguarda? A que alturas voaremos? Sairemos para voar ou para
continuar a rastejar?

Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória
do Senhor, somos transformados [metamorfoseados] de glória em glória na mesma
imagem, como pelo Espírito do Senhor (2a. Coríntios 3:18).

Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos
manifestareis com ele em glória (Colossenses 3:4).

Horácio Saboia Vieira.

Você também pode gostar