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FIGURA 1 – Principais biomas do Brasil, baseados nas ecorregiões terrestres definidas por Dinerstein (1995). Informações
adicionais da Digital Chart of the World (DCW).
ecologia e habitats da maioria das espécies já identifi- gráfica da maioria das espécies continuam escassas.
cadas. Por exemplo, no Brasil, sete novas espécies de Agostinho e colaboradores discutem a necessidade de
primatas e 18 novas espécies de pássaros foram identi- avaliar a biodiversidade das águas doces nas áreas pro-
ficadas nos últimos dez e 12 anos, respectivamente. tegidas (amplamente estabelecidas por sua biodiversi-
Lewinsohn & Prado registram que podemos esperar um dade terrestre) e da realização de pesquisas sobre a
impressionante número de espécies, pertencentes a diversidade e distribuição das espécies de água doce.
grupos taxonômicos menos evidentes, a serem encon- O grau de conhecimento sobre táxons, habitats e biomas
tradas e identificadas nas próximas décadas, como re- é heterogêneo. Peres fornece um excelente resumo de
sultado de pesquisas de campo. áreas prioritárias para realização de pesquisas na Ama-
A descrição de novos táxons é essencial, mas, além zônia. As ações de conservação podem ser melhor evi-
disso, informações adequadas sobre a distribuição geo- denciadas pelo aumento de pesquisas que enfoquem
(Tabarelli e colaboradores) em uma região onde 40% das nia. Cullen e colaboradores demonstram como as inva-
20 mil espécies vegetais são endêmicas. sões de terra podem divergir dos objetivos conservaci-
Ainda que os níveis de ameaça e suas causas imedia- onistas, na falta de um planejamento rural de uso da
tas sejam primeiramente apontados nos artigos sobre terra. A diminuição de recursos para a conservação, li-
biomas e espécies, outros artigos discutem algumas das gado à forte dependência do setor público e à redução
prováveis causas da perda de biodiversidade em um da ajuda estrangeira é descrita por Young.
futuro próximo. O futuro da conservação no Brasil de- Apesar dos desafios, da falta de conhecimento e do
penderá enormemente de como essas questões serão alto grau de ameaças presentes em todos os biomas do
solucionadas. Fearnside descreve forças subjacentes que país, um senso de oportunidade surge da maioria dos
estimulam o desmatamento da Amazônia – especial- artigos presentes nessa edição especial, como aponta-
mente, políticas governamentais relacionadas à taxa- do por Fearnside: “Um dos maiores impedimentos para
ção, crédito, subsídios, posse de terras, e assentamen- a ação efetiva é o fatalismo. O fatalismo age como um
tos; falta de coordenação intergovernamental; e a for- dissuasor na tomada de decisões que envolvem o com-
ma como tratados e acordos internacionais são estru- prometimento de recursos financeiros substanciais e
turados. Os artigos de Schwartzman & Zimmerman, Sil- na aceitação de riscos políticos percebidos ou reais”.
va e colaboradores e Peres enfocam a função e a neces- As oportunidades de reação a esse fatalismo são des-
sidade de manter reservas grandes e complementares critas a seguir.
para os povos indígenas e para a proteção estrita da Em terceiro lugar, são abundantes as oportunidades
biodiversidade. Alguns especialistas comentam que, atu- para se identificar soluções criativas contra as ameaças
almente, tais modelos são tratados como opostos, quan- e para explorar as áreas nas quais o Brasil tem demons-
do, na realidade, eles se reforçam mutuamente e, jun- trado liderança. Ainda que muitos autores nessa edi-
tos, podem trazer resultados para a conservação em ção especial apontem os altos níveis de ameaça comuns
larga escala. As reservas indígenas, por exemplo, além à biodiversidade brasileira, eles também apresentam
de sua contribuição intrínseca para os objetivos con- inúmeras razões para um otimismo cauteloso desde que
servacionistas, podem agir como barreira à invasão das as autoridades de poder decisório façam escolhas que
áreas de proteção integral. Reciprocamente, as unida- favoreçam a sustentabilidade ambiental e econômica,
des de conservação podem ajudar a manter os serviços em vez de ganhos em curto prazo. Mittermeier e cola-
ambientais e servir como fonte colonizadora de ani- boradores resumem brevemente a história da conser-
mais silvestres utilizados pelos ameríndios. No contex- vação no Brasil e esclarecem os fatores que o diferenci-
to amazônico existem argumentos convincentes para am dos outros países megadiversos, incluindo a vigo-
tais tipos de estratégias, porque a região, primordial- rosa aptidão para a ciência da conservação, uma forte
mente, precisa de megareservas para assegurar sua con- e ágil rede de organizações não-governamentais (ONGs)
servação em longo prazo (Peres). Os argumentos são que mantém bom relacionamento com ciência e gover-
examinados detalhadamente por Tabarelli & Gascon, no e um promissor programa de proteção das espé-
que apontam as conseqüências da fragmentação do cies. Tais direcionamentos são reforçados pela ação
habitat, talvez como a mais traiçoeira das ameaças à decisiva em relação à expansão do sistema de unidades
elevada biodiversidade dos trópicos, depois da com- de conservação mencionado por Rylands & Brandon, e,
pleta conversão das terras. especialmente, na explanação da ministra Marina Silva.
Junto com as maiores alterações dos habitats estão A criação de parques nacionais, estaduais e municipais
as políticas públicas, apoiando o desenvolvimento de é inspiradora. O estado do Amapá, por exemplo, com-
infra-estruturas de transporte, energia e comunicações, prometeu-se, recentemente, a estabelecer um corredor
que abrem áreas para conversão, colonização e outros de biodiversidade que se estende por 10 milhões de
usos. O Brasil tem bilhões de dólares em projetos pú- hectares, incluindo nele a maior área protegida em flo-
blicos em elaboração. Reid & Sousa discutem se e como resta tropical do mundo, o Parque Nacional das Monta-
eles podem ser implementados. O espectro de novas nhas do Tumucumaque, com 3.882.376ha.
áreas sendo abertas e a urgência dos sem-terra reivin- O nível de otimismo dos autores em relação à con-
dicando tais locais é legítima. Os donos de grandes e servação no Brasil depende dos enfoques de cada área.
médias propriedades são responsáveis, atualmente, por Para aqueles que trabalham com conservação das es-
70% do desmatamento da Amazônia (Fearnside). Porém, pécies, a megadiversidade brasileira é intimidante, por-
estimados em milhões, os sem-terra brasileiros podem que o conhecimento sobre a situação taxonômica e dis-
também tornar-se uma importante ameaça à Amazô- tribuição das espécies é limitado e o grau de ameaças
na natureza crescente. Em contraste, autores que tive- Mesmo que o país tenha, recentemente, desenvolvido
ram como tema os biomas são, em geral, mais positi- um trabalho melhor que muitos outros países no apoio
vos na sua percepção, devido aos vários exercícios de aos povos indígenas e seus territórios, ainda resta mui-
definição de prioridades realizados recentemente, que to trabalho a fazer. Schwartzman & Zimmerman apre-
forneceram uma sólida referência para o progresso das sentam argumentos para que os conservacionistas au-
medidas de conservação. mentem o apoio às reservas e aos territórios indíge-
As ações e oportunidades de conservação, freqüen- nas, particularmente, ajudando a identificar maneiras
temente, surgem quando há uma crise aparente pelas quais os serviços ambientais possam ser valoriza-
(Brandon, 1998; Tabarelli & Gascon). Até pouco tempo, dos e os povos indígenas compensados pela proteção
a Mata Atlântica era um lugar onde as chances de su- dos seus territórios e da vida selvagem. Cullen e cola-
cesso pareciam baixas: a propagação do desmatamen- boradores analisam como organizações conservacionis-
to e as severas alterações e fragmentações no habitat tas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
levaram à maior concentração de espécies ameaçadas podem trabalhar juntos para influenciar políticas pú-
do país. Porém, muitas áreas estão agora no caminho blicas, por meio da identificação de terras que melhor
da recuperação, prioridades para as espécies podem, se adéquem a agricultura de pequena escala, a geração
na maioria dos casos, serem tratadas em nível local, e a de emprego, a preservação de habitats, e ajudem na
consciência do problema estendeu-se por diferentes se- conexão entre os fragmentos de floresta.
tores da sociedade. Iniciativas vêm sendo executadas Em termos de conservação, o Brasil tem muitos fa-
em múltiplas escalas, apoiadas por políticas públicas, tores que o recomendam, mas é primordialmente im-
ONGs e, em alguns casos, até mesmo com a influência portante que a ligação entre ciência e governo seja
política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem fortalecida. Vários artigos nesta edição destacam a for-
Terra. As habilidades institucionais estão em desen- ça dos estudos brasileiros sobre conservação. Em julho
volvimento e múltiplos setores estão cada vez mais de 2005, o Brasil sediará não somente o encontro in-
dispostos a colaborar. Em uma imprevista mudança de ternacional da Society for Conservation Biology, mas
rumos, a Mata Atlântica, o bioma que já esteve nas mais também o encontro da Association of Tropical Biology
horríveis condições, pode ser o único com o mais sóli- and Conservation. Eles complementam encontros
do e favorecido contexto para o futuro. regulares, com boas audiências, das sociedades cientí-
O panorama também é de esperança em outros ficas brasileiras, como a Sociedade Brasileira de Orni-
biomas. As estruturas institucionais e as iniciativas de tologia, a Sociedade Brasileira de Mastozoologia, a
conservação na Mata Atlântica estão fornecendo um Sociedade Brasileira de Primatologia, a Sociedade
modelo de como proceder na Caatinga. O forte traba- Brasileira de Zoologia, a Sociedade Brasileira de Her-
lho de relacionamento entre as ONGs e o Ministério do petologia, a Sociedade Brasileira de Limnologia e a So-
Meio Ambiente levou a pesquisas, a formação de um ciedade Brasileira de Ecologia. Na maioria dos casos,
grupo de trabalho e recomendações por ações urgen- entre 500 e 1 mil participantes comparecem a tais en-
tes de conservação do Cerrado (Klink & Machado). contros, a maior parte estudantes e jovens profissio-
A situação no Pantanal depende, em grande parte, do nais, o que confirma a capacidade brasileira de cresci-
balanço das decisões de infra-estrutura a serem toma- mento científico e conservacionista. O mesmo fenôme-
das (Harris e colaboradores). As chances de conserva- no ainda precisa desenvolver-se quando o assunto são
ção dos táxons previamente negligenciados também as ciências sociais relacionadas às questões ambientais,
estão melhorando. Um recente decreto, por exemplo, mas existem sinais de esperança como o crescimento
listou invertebrados aquáticos e peixes reconhecidos da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. O de-
como espécies ameaçadas de extinção e como espé- safio será transportar os resultados científicos para a
cies sobrexplotadas ou ameaçadas de sobrexplotação esfera das políticas públicas. Vários artigos, especial-
(Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente mente os escritos por Silva e colaboradores e Mittermeier
nº 5, de 21 de maio de 2004). A captura de espécies e colaboradores, identificam o surgimento de uma ge-
ameaçadas é proibida, e o decreto instrui que planos ração de líderes conservacionistas no Brasil, que estão
de recuperação sejam desenvolvidos e implementados abertos a novas idéias. Young registra que alguns líde-
para todas as espécies listadas. res locais estão querendo tentar novos mecanismos de
Todos os artigos sobre os desafios e as oportunida- financiar a conservação ambiental, como os instrumen-
des de conservação no Brasil destacam ações pró- tos econômicos para o manejo ambiental, fundos de
ativas – a maioria, mas não todas, do setor público. compensação dos projetos, incentivos fiscais e direitos
negociáveis de desenvolvimento. Isso ajudou o Brasil a ternacional da Society for Conservation Biology, em
tornar-se um dos países mais inovadores do mundo em Brasília. Também agradecemos M. Flagg e E. Main, que
financiamentos para a conservação ambiental. trabalharam, incansavelmente, para fazer isso aconte-
O ritmo inspirador e exuberante de criação dos par- cer. Nosso trabalho e o de outros membros da equipe
ques, o grande tamanho de algumas das novas áreas da Conservação Internacional, junto aos custos das
criadas, a utilização da ciência no direcionamento da publicações associadas, foram financiados pela Moore
expansão do sistema de unidades de conservação e a Family Foundation, a Gordon and Betty Moore
consciência da necessidade de ações em escala de pai- Foundation, e vários outros generosos doadores. Inú-
sagem para complementar as estratégias nas áreas pro- meros colegas, dispersos pelo mundo revisaram deta-
tegidas serão todas colocadas à prova pela disposição lhadamente artigos entregues em um curto prazo, ao
do governo, além do Ministério do Meio Ambiente, de que também agradecemos. À N. Linderman do Centro
adotar uma agenda mais verde, particularmente em re- de Ciências Aplicadas à Biodiversidade, da Conserva-
lação ao desenvolvimento da infra-estrutura e às políti- ção Internacional, que disponibilizou um valoroso apoio
cas de agricultura. Grandes áreas permanecem intactas editorial. Nossas esposas e filhos, que foram deixados
em todos os biomas, e é possível “harmonizar desen- de lado nos dias de descanso e feriados, quando muito
volvimento da infra-estrutura e conservação da nature- desse trabalho foi realizado, merecem um reconheci-
za” (Reid & Souza). Talvez, nós devêssemos começar mento especial.
a acreditar em alguns sinais promissores, como a
11ª colocação do Brasil no ranking de 2005 do
Environmental Sustainability Index (Esty et al., 2005). R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Brasil foi classificado acima da média por seu produ-
to interno bruto, que pode ser largamente atribuído ao Amigos da Terra-Amazônia Brasileira. 2005. Forest fires increase
by 36% and reveal environmental negligence in Mato Gros-
crescente aumento da capacidade e aos vigorosos pro- so. Disponível em http://www.amazonia.org.br/english/noti-
gramas de combate às atividades madeireiras ilegais. cias/noticia.cfm 143977 (acessado em fevereiro de 2005).
O Brasil é a terra natal da Convenção sobre Diversi- Brandon, K. 1998. Perils to parks: the social context of threats.
dade Biológica, a principal realização da Conferência In: K. Brandon; K.H. Redford & S. Sanderson (eds.). Parks in
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- peril: people, politics, and protected areas. pp. 415-439.
Island Press, Washington D.C.
mento – a Eco 92 (1992 Earth Summit) –, no Rio de Ja-
Dinerstein, E., E. Olson, D. Graham, A. Webster, S. Primm, M.
neiro, o maior encontro de líderes de Estado na histó-
Bookbinder & G. Ledec. 1995. A conservation assessment of
ria moderna. A proeminência na agenda de conserva- the terrestrial ecoregions of Latin America and the Caribbean.
ção global, como um dos principais países megadiver- World Bank and World Wildlife Fund, Washington D.C.
sos, e sua manifesta vantagem comparativa em relação Eken, G. et al. 2004. Key biodiversity areas as site conservation
à capacidade científica, associadas aos imensos desa- targets. BioScience 544: 1110-1118.
fios à frente, fazem do Brasil um solo fértil de testes Esty, D.C. et al. 2005. Environmental Sutainability Index:
para estratégias inovadoras de conservação. O país tem benchmarking national environmental stewardship.
Environmental Performance Measurement Project, Yale
uma oportunidade iminente de recuperar a liderança
Center for Environmental Law and Policy, Yale University, New
na biodiversidade global utilizando a capacidade de- Haven, EUA. Disponível em http://www.yale.edu/esi/#
senvolvida, ao longo de 13 anos, de estimular o com- (acessado em janeiro de 2005).
prometimento com o desenvolvimento da conservação Mittermeier, R.A., P. Robles-Gil & C. G. Mittermeier (eds.). 1997.
e da sustentabilidade. Essa oportunidade é representa- Megadiversity: Earth’s biologically wealthiest nations.
da pelo papel do Brasil como sede do 8º Encontro da CEMEX, Agrupación Serra Madre, S.C., Mexico.
Conferência das Partes da Convenção sobre Diversida- Rodrigues, A.S.L. et al. 2004. Effectiveness of the global
protected area network in representing species diversity.
de Biológica, nos dias 20 a 31 de março de 2006. A Nature 428: 640-643.
ciência da conservação pode ter o papel principal na Stuart, S. N., J. S. Chanson, N. A. Cox, B. E. Young, A.S.L. Rodri-
orientação desses novos potenciais compromissos. gues, D. L. Fischman & R.W. Walker. 2004. Status and trends
of amphibian declines and extinctions worldwide. Science
306: 1783-1786.
A GRADECIMENTOS
Agradecemos G. Meffe por ter adotado, desde o co-
meço, a idéia de produzir essa edição especial sobre a
conservação no Brasil, em antecipação ao encontro in-