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Conservação brasileira: desafios e oportunidades


KATRINA BRANDON1*
GUSTAVO A. B. DA FONSECA1, 2
ANTHONY B. RYLANDS1, 2
JOSÉ MARIA C. DA SILVA3
1 Center for Applied Biodiversity Science, Conservation International, 1919 M Street NW, Washington, D.C., 20036, U.S.A.
2 Departamento de Zoologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, 31270-901, Minas
Gerais, Brasil.
3 Conservação Internacional, Avenida Nazaré, 541/310, Belém, 66035-170, Pará, Brasil.
* e-mail: k.brandon@conservation.org

I NTRODUÇÃO dades de conservação no país. Talvez, a melhor notícia,


descrita por Mittermeier e colaboradores, é que uma
O Brasil, que em estimativas conservadoras contém mais forte, competente e crescente base científica existe
de 13% da biota mundial (Lewinsohn & Prado [citações agora no Brasil, ultrapassando, efetivamente, a de to-
sem data referem-se à artigos desta edição especial]), dos os outros países tropicais. A capacidade do Brasil
inspirou o conceito de um país megadiverso de pesquisar uma grande variedade de temas que tra-
(Mittermeier et al., 1997). De fato, com cinco importan- tam da conservação é substancial, e os brasileiros são
tes biomas e o maior sistema fluvial do mundo, o Bra- também fortes participantes da ciência da conservação
sil, indiscutivelmente, tem a mais vasta biota continen- em nível internacional. Essa capacidade surgiu, princi-
tal da Terra. Embora a biodiversidade brasileira seja palmente, nas duas últimas décadas, a partir de inicia-
impressionante, os artigos nessa edição especial indi- tivas bastante incipientes, que demonstravam o valor
cam que ela é, sem dúvida, mais notável do que nós de se investir em programas acadêmicos e nos treina-
sabemos atualmente. A bacia amazônica, responsável mentos em países em desenvolvimento. A pior notícia,
pela maior biodiversidade terrestre e de água doce do por outro lado, é a quantidade dos desafios que res-
Brasil, representa cerca de 40% das florestas tropicais tam, especialmente, em face da antiga busca brasileira
remanescentes no mundo (Peres). O Brasil também con- pela integração nacional, crescimento econômico e re-
tém dois hotspots de biodiversidade (o Cerrado e a Mata dução da pobreza.
Atlântica) e a maior área úmida tropical do mundo Mesmo que os artigos focalizem o Brasil, eles desta-
(o Pantanal). Ele é o quinto maior país do mundo e o cam muitos desafios e oportunidades importantes que
maior entre os países tropicais, com um território de estão associados com a conservação nos trópicos.
8.514.877km² e jurisdição sobre mais de 3,5 milhões Os presidentes do Brasil e do Peru fecharam um acor-
de km² de águas costeiras. No Brasil vivem mais de 183 do, em dezembro de 2004, para a construção de uma
milhões de pessoas e, atualmente, é a décima primeira rodovia transoceânica, da costa Atlântica brasileira até
maior economia do mundo. os portos do Pacífico, no Peru. Ela irá atravessar a Ama-
Nesta edição especial sobre a conservação brasilei- zônia e os Andes, e cortar, no Peru, algumas das flores-
ra, preparada para marcar o XIX Encontro da Society tas tropicais de maior diversidade biológica. Conside-
for Conservation Biology em Brasília, vários especialis- rando essa intervenção, a estrada mudará para sempre
tas – a maioria residente no Brasil – destacam temas a vida de milhões de pessoas das comunidades próxi-
que refletem sobre o que será ou não conservado nas mas à rota proposta. Os interesses de grupos indígenas
próximas décadas e discutem os desafios e as possibili- não contactados, de prostitutas, de madeireiros, de

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pequenos fazendeiros, de criadores de gado, de produ- continentais (Agostinho e colaboradores), anfíbios


tores de soja convergirão para um caminho de prová- (Silvano & Segalla), répteis (Rodrigues), aves (Marini &
vel insustentabilidade. A estrada também trará impac- Garcia) e mamíferos (Costa e colaboradores). Tais arti-
tos globais – os preços da carne, da ração para gado e gos ressaltam a proeminência global da biodiversidade
do tofu cairão, e as grandes queimadas da Floresta brasileira, destacando, por exemplo, a extraordinária
Amazônica, provavelmente, levarão o Brasil além da sua diversidade de mamíferos (mais de 530 espécies iden-
atual oitava posição no ranking mundial dos maiores tificadas), de plantas (60 mil espécies) e de anfíbios (765
emissores de gás de efeito estufa. O provável impacto espécies).
da estrada na emissão de gás carbônico é particular- O Brasil tem cinco biomas principais (Figura 1), além
mente preocupante, levando em consideração dados das áreas marinha e costeira. Mas o país é mais conhe-
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur- cido internacionalmente pelas questões da Amazônia,
sos Naturais Renováveis (Ibama), que mostram um au- discutidas nos artigos que tratam da biogeografia e dos
mento de 36% nas queimadas florestais, comparadas modelos de endemismo amazônico (Silva e outros au-
com os níveis 2003, no estado do Mato Grosso (Ami- tores), da dinâmica do desmatamento na Amazônia
gos da Terra – Amazônia Brasileira, 2005). (Fearnside) e da necessidade de ampliar a escala dos
esforços de conservação e aumentar o número de par-
ques e reservas no bioma (Peres).
C ONSERVAÇÃO NO B RASIL – O QUÊ , ONDE E COMO Os artigos subseqüentes enfocam os biomas onde
os impactos humanos têm sido maiores. A Mata Atlân-
Nesta edição especial, ensaios introdutórios são segui- tica, apontada por Tabarelli e colaboradores, é um
dos por artigos sobre a conservação no Brasil: o quê, hotspot de floresta tropical com alto nível de endemis-
onde e como fazê-lo. Essa estrutura organizacional de- mo, e muito fragmentada pela agricultura e pela pre-
monstra nossa visão de que “o quê” e “onde” são os sença de centros urbanos, como o Rio de Janeiro e São
componentes da conservação que mais claramente si- Paulo. A Caatinga – um mosaico de arbustos espinho-
tuam-se no âmbito das ciências biológicas e ecológi- sos e florestas secas sazonais (Leal e colaboradores) –
cas, enquanto que o “como” é norteado em grande parte tem relativamente, poucos endemismos, e ainda não
pelas dimensões humanas e pelas ciências sociais. Os atingiu altos níveis de degradação como do Cerrado e
primeiros três artigos oferecem uma breve visão geral da Mata Atlântica.
da história, do contexto e do estado atual da conserva- O Cerrado, o outro hotspot brasileiro, é a savana mais
ção no país. Mittermeier e colaboradores destacam rica em diversidade botânica do mundo e abriga mui-
muitos dos projetos e pessoas influentes que têm afe- tas espécies de plantas, aves, peixes, répteis, anfíbios e
tado significativamente a conservação no Brasil, e dis- insetos endêmicos (Klink & Machado). A planície do
cute as características distintas dos esforços brasilei- Pantanal contém a mais rica avifauna das áreas úmidas
ros para a conservação. O passado e o presente das do mundo (Harris e colaboradores).
áreas protegidas brasileiras são o tema dos dois arti- O Brasil tem 7.637km de litoral, que abrigam uma
gos: Marina Silva, a atual ministra do Meio Ambiente enorme flora e fauna litorânea. Com extensos estuá-
do Brasil, apresenta uma perspectiva governamental rios, lagoas costeiras, e mangues, mais de 3.000km de
sobre as realizações do Governo Lula, no que diz res- recifes de coral e habitats bentônicos que atravessam
peito à criação e consolidação das áreas protegidas, uma ambientes tropicais, subtropicais e temperados, o Bra-
tarefa que tem estado na linha de frente dos esforços sil tem enfrentado desafios na conservação marinha que
nacionais de conservação nas últimas duas décadas. estão se tornando significativos (Amaral & Jablonski).
Rylands & Brandon enfatizam a evolução do sistema de O grupo final de artigos trata especificamente dos de-
unidades de conservação. safios e oportunidades de conservação no Brasil, que
Outros oito artigos tratam de temas diversos rela- nós brevemente resumimos nos parágrafos seguintes.
cionados à conservação das espécies no Brasil. O pri- Primeiramente, apesar de um crescente nível de co-
meiro posiciona a questão “Quantas espécies existem nhecimento sobre a biodiversidade brasileira, muitas
no Brasil?” (Lewinsohn & Prado). Logo depois, sete ar- lacunas de conhecimento precisam ainda ser enfoca-
tigos falam do estado do conhecimento, ameaças, status das para que a ciência tenha uma influência positiva
de conservação e da avaliação do habitat das plantas nas ações de conservação. Na prática, todos os artigos
(Giulietti e colaboradores), invertebrados terrestres nas seções sobre espécies e biomas enfatizam os limi-
(Lewinsohn e colaboradores), biodiversidade em águas tes das informações existentes sobre história natural,

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FIGURA 1 – Principais biomas do Brasil, baseados nas ecorregiões terrestres definidas por Dinerstein (1995). Informações
adicionais da Digital Chart of the World (DCW).

ecologia e habitats da maioria das espécies já identifi- gráfica da maioria das espécies continuam escassas.
cadas. Por exemplo, no Brasil, sete novas espécies de Agostinho e colaboradores discutem a necessidade de
primatas e 18 novas espécies de pássaros foram identi- avaliar a biodiversidade das águas doces nas áreas pro-
ficadas nos últimos dez e 12 anos, respectivamente. tegidas (amplamente estabelecidas por sua biodiversi-
Lewinsohn & Prado registram que podemos esperar um dade terrestre) e da realização de pesquisas sobre a
impressionante número de espécies, pertencentes a diversidade e distribuição das espécies de água doce.
grupos taxonômicos menos evidentes, a serem encon- O grau de conhecimento sobre táxons, habitats e biomas
tradas e identificadas nas próximas décadas, como re- é heterogêneo. Peres fornece um excelente resumo de
sultado de pesquisas de campo. áreas prioritárias para realização de pesquisas na Ama-
A descrição de novos táxons é essencial, mas, além zônia. As ações de conservação podem ser melhor evi-
disso, informações adequadas sobre a distribuição geo- denciadas pelo aumento de pesquisas que enfoquem

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os invertebrados da Caatinga e do Pantanal, enquanto do nível de ameaça às espécies conhecidas e seus


que uma melhor compreensão da distribuição e diver- habitats. Os impactos ambientais diretos (p. ex., des-
sidade da vegetação ajudará a localizar as prioridades truição, fragmentação ou distúrbio do habitat; exaus-
para a conservação do Cerrado. tão dos recursos; alteração dos regimes de incêndio;
Uma nação megadiversa como o Brasil será sempre modificação no regime de águas; contaminação) são
um território fértil para pesquisas sobre a biodiversi- resultado de uma longa lista de ameaças comuns (p.ex.,
dade, mas devido à urgência da necessidade de ações desenvolvimento e infra-estruturas em grande escala;
de conservação, estudos estratégicos devem ser priori- conversão dos usos da terra; energia e mineração; ações
zados e implementados o quanto antes. Um caminho humanas não-sustentáveis; poluição; urbanização; tu-
particular é aumentar nossa compreensão acerca de rismo) que resultam na perda da biodiversidade ao lon-
grupos sobre os quais nosso conhecimento permanece go de toda a região tropical. Esses problemas não são
fragmentado, porém crescente (p. ex., vertebrados e exclusivos do Brasil.
vegetação). Essa estratégia pode facilitar o refinamen- A ameaça aos biomas é altamente heterogênea.
to das prioridades para proteção do habitat. Por exem- Fearnside discute o desmatamento na Amazônia, colo-
plo, os resultados da recentemente finalizada Avalia- cando em perspectiva reportagens que fazem parecer
ção Global de Anfíbios (Global Amphibian Assessement banais perdas florestais equivalentes a, digamos, o ta-
– GAA) pode ser usado para ajudar a identificar áreas- manho da Bélgica. Em contraste, Fearnside observa que,
chave de biodiversidade (KBA – Key Biodiversity Areas) embora ainda uma imensidão, o nível atual de ameaça
(Eken et al., 2004; Stuart et al., 2004). Além disso, inves- à Amazônia permite-nos construir cenários futuros que
timentos relativamente modestos podem tornar aces- vão desde uma significativa degradação da floresta até
síveis as informações existentes sobre grupos seletos o seu desmatamento maciço. Os padrões de desmata-
de invertebrados, como as ordens Lepidoptera e mento também refletem de forma diferenciada os al-
Odonata, o que permitiria a realização de análises com- vos da conservação da biodiversidade, porque a Ama-
plementares àquelas realizadas utilizando-se dados zônia é cada vez mais compreendida não como uma
sobre vertebrados. Também é provável que o tipo e a floresta homogênea fechada que circunda um grande
profundidade dos estudos necessários em algumas áreas rio, mas que engloba pelo menos oito áreas de
variem substancialmente. Por exemplo, a Amazônia, a endemismos distintas separadas por rios principais que,
Mata Atlântica e o Cerrado precisam de mais pesquisas por sua vez, são formados por centenas de outros cur-
orientadas para a biodiversidade e a biogeografia. Em sos d’água importantes, que têm funcionado como me-
contraste, no Pantanal e na Caatinga precisamos en- canismos de especiação (Silva e colaboradores).
tender melhor a dinâmica do ecossistema para instruir Outros biomas também estão diante de desafios im-
o manejo do local. portantes. Embora as estimativas variem, as alterações
Existem pelo menos cinco importantes exercícios que humanas na Caatinga estão entre 30,4% e 51,7%, e o
priorizaram áreas de acordo com a relevância biológica que ainda resiste está altamente fragmentado (Leal e
em todos os biomas brasileiros e o ambiente marinho, colaboradores). Usos impróprios da terra custaram sua
mas a identificação de prioridades baseada na intensi- desertificação, que já ameaça 15% da região e que, pro-
dade das ameaças e na insubstuibilidade das áreas per- vavelmente, levará os agricultores familiares que vivem
manece necessário (Rodrigues et al., 2004). O Brasil, re- em uma dada área a outros locais ainda não cultivados.
centemente, comprometeu-se, por meio da Convenção Mais da metade do Cerrado (1 milhão km²) foi transfor-
sobre Diversidade Biológica, a construir um abrangen- mado em pasto e agricultura extensiva nos últimos 35
te sistema de unidades de conservação terrestres até anos, e a conversão agrícola para a soja e a criação de
2010 e um sistema marinho até 2012. Ainda que tenha gado em larga escala ainda são sua maior ameaça (Klink
havido muito progresso nessa arena (Rylands & & Machado). Embora o Pantanal tenha sido afetado por
Brandon), muitas lacunas permanecem no atual siste- importantes alterações das áreas adjacentes, as maio-
ma, que merecem atenção especial. Isso também exigi- res ameaças são agora o desmatamento do habitat e a
rá investimentos focados em pesquisas biogeográficas introdução de gramíneas exóticas – que estima-se ter
sobre espécies ameaçadas e outras tantas com interes- afetado 40% das savanas e florestas (Harris e colabora-
se de conservação. dores). Finalmente, a Mata Atlântica exemplifica o con-
Em segundo lugar, o nível de ameaça às espécies e ceito de hotspot – uma região de biodiversidade muito
aos ecossistemas é considerável e crescente. A maioria alta, que se encontra sob ameaça extrema. Somente 7%
dos artigos dessa série retrata um quadro moderado do bioma permanece como fragmentos isolados

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(Tabarelli e colaboradores) em uma região onde 40% das nia. Cullen e colaboradores demonstram como as inva-
20 mil espécies vegetais são endêmicas. sões de terra podem divergir dos objetivos conservaci-
Ainda que os níveis de ameaça e suas causas imedia- onistas, na falta de um planejamento rural de uso da
tas sejam primeiramente apontados nos artigos sobre terra. A diminuição de recursos para a conservação, li-
biomas e espécies, outros artigos discutem algumas das gado à forte dependência do setor público e à redução
prováveis causas da perda de biodiversidade em um da ajuda estrangeira é descrita por Young.
futuro próximo. O futuro da conservação no Brasil de- Apesar dos desafios, da falta de conhecimento e do
penderá enormemente de como essas questões serão alto grau de ameaças presentes em todos os biomas do
solucionadas. Fearnside descreve forças subjacentes que país, um senso de oportunidade surge da maioria dos
estimulam o desmatamento da Amazônia – especial- artigos presentes nessa edição especial, como aponta-
mente, políticas governamentais relacionadas à taxa- do por Fearnside: “Um dos maiores impedimentos para
ção, crédito, subsídios, posse de terras, e assentamen- a ação efetiva é o fatalismo. O fatalismo age como um
tos; falta de coordenação intergovernamental; e a for- dissuasor na tomada de decisões que envolvem o com-
ma como tratados e acordos internacionais são estru- prometimento de recursos financeiros substanciais e
turados. Os artigos de Schwartzman & Zimmerman, Sil- na aceitação de riscos políticos percebidos ou reais”.
va e colaboradores e Peres enfocam a função e a neces- As oportunidades de reação a esse fatalismo são des-
sidade de manter reservas grandes e complementares critas a seguir.
para os povos indígenas e para a proteção estrita da Em terceiro lugar, são abundantes as oportunidades
biodiversidade. Alguns especialistas comentam que, atu- para se identificar soluções criativas contra as ameaças
almente, tais modelos são tratados como opostos, quan- e para explorar as áreas nas quais o Brasil tem demons-
do, na realidade, eles se reforçam mutuamente e, jun- trado liderança. Ainda que muitos autores nessa edi-
tos, podem trazer resultados para a conservação em ção especial apontem os altos níveis de ameaça comuns
larga escala. As reservas indígenas, por exemplo, além à biodiversidade brasileira, eles também apresentam
de sua contribuição intrínseca para os objetivos con- inúmeras razões para um otimismo cauteloso desde que
servacionistas, podem agir como barreira à invasão das as autoridades de poder decisório façam escolhas que
áreas de proteção integral. Reciprocamente, as unida- favoreçam a sustentabilidade ambiental e econômica,
des de conservação podem ajudar a manter os serviços em vez de ganhos em curto prazo. Mittermeier e cola-
ambientais e servir como fonte colonizadora de ani- boradores resumem brevemente a história da conser-
mais silvestres utilizados pelos ameríndios. No contex- vação no Brasil e esclarecem os fatores que o diferenci-
to amazônico existem argumentos convincentes para am dos outros países megadiversos, incluindo a vigo-
tais tipos de estratégias, porque a região, primordial- rosa aptidão para a ciência da conservação, uma forte
mente, precisa de megareservas para assegurar sua con- e ágil rede de organizações não-governamentais (ONGs)
servação em longo prazo (Peres). Os argumentos são que mantém bom relacionamento com ciência e gover-
examinados detalhadamente por Tabarelli & Gascon, no e um promissor programa de proteção das espé-
que apontam as conseqüências da fragmentação do cies. Tais direcionamentos são reforçados pela ação
habitat, talvez como a mais traiçoeira das ameaças à decisiva em relação à expansão do sistema de unidades
elevada biodiversidade dos trópicos, depois da com- de conservação mencionado por Rylands & Brandon, e,
pleta conversão das terras. especialmente, na explanação da ministra Marina Silva.
Junto com as maiores alterações dos habitats estão A criação de parques nacionais, estaduais e municipais
as políticas públicas, apoiando o desenvolvimento de é inspiradora. O estado do Amapá, por exemplo, com-
infra-estruturas de transporte, energia e comunicações, prometeu-se, recentemente, a estabelecer um corredor
que abrem áreas para conversão, colonização e outros de biodiversidade que se estende por 10 milhões de
usos. O Brasil tem bilhões de dólares em projetos pú- hectares, incluindo nele a maior área protegida em flo-
blicos em elaboração. Reid & Sousa discutem se e como resta tropical do mundo, o Parque Nacional das Monta-
eles podem ser implementados. O espectro de novas nhas do Tumucumaque, com 3.882.376ha.
áreas sendo abertas e a urgência dos sem-terra reivin- O nível de otimismo dos autores em relação à con-
dicando tais locais é legítima. Os donos de grandes e servação no Brasil depende dos enfoques de cada área.
médias propriedades são responsáveis, atualmente, por Para aqueles que trabalham com conservação das es-
70% do desmatamento da Amazônia (Fearnside). Porém, pécies, a megadiversidade brasileira é intimidante, por-
estimados em milhões, os sem-terra brasileiros podem que o conhecimento sobre a situação taxonômica e dis-
também tornar-se uma importante ameaça à Amazô- tribuição das espécies é limitado e o grau de ameaças

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na natureza crescente. Em contraste, autores que tive- Mesmo que o país tenha, recentemente, desenvolvido
ram como tema os biomas são, em geral, mais positi- um trabalho melhor que muitos outros países no apoio
vos na sua percepção, devido aos vários exercícios de aos povos indígenas e seus territórios, ainda resta mui-
definição de prioridades realizados recentemente, que to trabalho a fazer. Schwartzman & Zimmerman apre-
forneceram uma sólida referência para o progresso das sentam argumentos para que os conservacionistas au-
medidas de conservação. mentem o apoio às reservas e aos territórios indíge-
As ações e oportunidades de conservação, freqüen- nas, particularmente, ajudando a identificar maneiras
temente, surgem quando há uma crise aparente pelas quais os serviços ambientais possam ser valoriza-
(Brandon, 1998; Tabarelli & Gascon). Até pouco tempo, dos e os povos indígenas compensados pela proteção
a Mata Atlântica era um lugar onde as chances de su- dos seus territórios e da vida selvagem. Cullen e cola-
cesso pareciam baixas: a propagação do desmatamen- boradores analisam como organizações conservacionis-
to e as severas alterações e fragmentações no habitat tas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
levaram à maior concentração de espécies ameaçadas podem trabalhar juntos para influenciar políticas pú-
do país. Porém, muitas áreas estão agora no caminho blicas, por meio da identificação de terras que melhor
da recuperação, prioridades para as espécies podem, se adéquem a agricultura de pequena escala, a geração
na maioria dos casos, serem tratadas em nível local, e a de emprego, a preservação de habitats, e ajudem na
consciência do problema estendeu-se por diferentes se- conexão entre os fragmentos de floresta.
tores da sociedade. Iniciativas vêm sendo executadas Em termos de conservação, o Brasil tem muitos fa-
em múltiplas escalas, apoiadas por políticas públicas, tores que o recomendam, mas é primordialmente im-
ONGs e, em alguns casos, até mesmo com a influência portante que a ligação entre ciência e governo seja
política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem fortalecida. Vários artigos nesta edição destacam a for-
Terra. As habilidades institucionais estão em desen- ça dos estudos brasileiros sobre conservação. Em julho
volvimento e múltiplos setores estão cada vez mais de 2005, o Brasil sediará não somente o encontro in-
dispostos a colaborar. Em uma imprevista mudança de ternacional da Society for Conservation Biology, mas
rumos, a Mata Atlântica, o bioma que já esteve nas mais também o encontro da Association of Tropical Biology
horríveis condições, pode ser o único com o mais sóli- and Conservation. Eles complementam encontros
do e favorecido contexto para o futuro. regulares, com boas audiências, das sociedades cientí-
O panorama também é de esperança em outros ficas brasileiras, como a Sociedade Brasileira de Orni-
biomas. As estruturas institucionais e as iniciativas de tologia, a Sociedade Brasileira de Mastozoologia, a
conservação na Mata Atlântica estão fornecendo um Sociedade Brasileira de Primatologia, a Sociedade
modelo de como proceder na Caatinga. O forte traba- Brasileira de Zoologia, a Sociedade Brasileira de Her-
lho de relacionamento entre as ONGs e o Ministério do petologia, a Sociedade Brasileira de Limnologia e a So-
Meio Ambiente levou a pesquisas, a formação de um ciedade Brasileira de Ecologia. Na maioria dos casos,
grupo de trabalho e recomendações por ações urgen- entre 500 e 1 mil participantes comparecem a tais en-
tes de conservação do Cerrado (Klink & Machado). contros, a maior parte estudantes e jovens profissio-
A situação no Pantanal depende, em grande parte, do nais, o que confirma a capacidade brasileira de cresci-
balanço das decisões de infra-estrutura a serem toma- mento científico e conservacionista. O mesmo fenôme-
das (Harris e colaboradores). As chances de conserva- no ainda precisa desenvolver-se quando o assunto são
ção dos táxons previamente negligenciados também as ciências sociais relacionadas às questões ambientais,
estão melhorando. Um recente decreto, por exemplo, mas existem sinais de esperança como o crescimento
listou invertebrados aquáticos e peixes reconhecidos da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. O de-
como espécies ameaçadas de extinção e como espé- safio será transportar os resultados científicos para a
cies sobrexplotadas ou ameaçadas de sobrexplotação esfera das políticas públicas. Vários artigos, especial-
(Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente mente os escritos por Silva e colaboradores e Mittermeier
nº 5, de 21 de maio de 2004). A captura de espécies e colaboradores, identificam o surgimento de uma ge-
ameaçadas é proibida, e o decreto instrui que planos ração de líderes conservacionistas no Brasil, que estão
de recuperação sejam desenvolvidos e implementados abertos a novas idéias. Young registra que alguns líde-
para todas as espécies listadas. res locais estão querendo tentar novos mecanismos de
Todos os artigos sobre os desafios e as oportunida- financiar a conservação ambiental, como os instrumen-
des de conservação no Brasil destacam ações pró- tos econômicos para o manejo ambiental, fundos de
ativas – a maioria, mas não todas, do setor público. compensação dos projetos, incentivos fiscais e direitos

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negociáveis de desenvolvimento. Isso ajudou o Brasil a ternacional da Society for Conservation Biology, em
tornar-se um dos países mais inovadores do mundo em Brasília. Também agradecemos M. Flagg e E. Main, que
financiamentos para a conservação ambiental. trabalharam, incansavelmente, para fazer isso aconte-
O ritmo inspirador e exuberante de criação dos par- cer. Nosso trabalho e o de outros membros da equipe
ques, o grande tamanho de algumas das novas áreas da Conservação Internacional, junto aos custos das
criadas, a utilização da ciência no direcionamento da publicações associadas, foram financiados pela Moore
expansão do sistema de unidades de conservação e a Family Foundation, a Gordon and Betty Moore
consciência da necessidade de ações em escala de pai- Foundation, e vários outros generosos doadores. Inú-
sagem para complementar as estratégias nas áreas pro- meros colegas, dispersos pelo mundo revisaram deta-
tegidas serão todas colocadas à prova pela disposição lhadamente artigos entregues em um curto prazo, ao
do governo, além do Ministério do Meio Ambiente, de que também agradecemos. À N. Linderman do Centro
adotar uma agenda mais verde, particularmente em re- de Ciências Aplicadas à Biodiversidade, da Conserva-
lação ao desenvolvimento da infra-estrutura e às políti- ção Internacional, que disponibilizou um valoroso apoio
cas de agricultura. Grandes áreas permanecem intactas editorial. Nossas esposas e filhos, que foram deixados
em todos os biomas, e é possível “harmonizar desen- de lado nos dias de descanso e feriados, quando muito
volvimento da infra-estrutura e conservação da nature- desse trabalho foi realizado, merecem um reconheci-
za” (Reid & Souza). Talvez, nós devêssemos começar mento especial.
a acreditar em alguns sinais promissores, como a
11ª colocação do Brasil no ranking de 2005 do
Environmental Sustainability Index (Esty et al., 2005). R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Brasil foi classificado acima da média por seu produ-
to interno bruto, que pode ser largamente atribuído ao Amigos da Terra-Amazônia Brasileira. 2005. Forest fires increase
by 36% and reveal environmental negligence in Mato Gros-
crescente aumento da capacidade e aos vigorosos pro- so. Disponível em http://www.amazonia.org.br/english/noti-
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mento – a Eco 92 (1992 Earth Summit) –, no Rio de Ja-
Dinerstein, E., E. Olson, D. Graham, A. Webster, S. Primm, M.
neiro, o maior encontro de líderes de Estado na histó-
Bookbinder & G. Ledec. 1995. A conservation assessment of
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fios à frente, fazem do Brasil um solo fértil de testes Esty, D.C. et al. 2005. Environmental Sutainability Index:
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uma oportunidade iminente de recuperar a liderança
Center for Environmental Law and Policy, Yale University, New
na biodiversidade global utilizando a capacidade de- Haven, EUA. Disponível em http://www.yale.edu/esi/#
senvolvida, ao longo de 13 anos, de estimular o com- (acessado em janeiro de 2005).
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e da sustentabilidade. Essa oportunidade é representa- Megadiversity: Earth’s biologically wealthiest nations.
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de Biológica, nos dias 20 a 31 de março de 2006. A Nature 428: 640-643.
ciência da conservação pode ter o papel principal na Stuart, S. N., J. S. Chanson, N. A. Cox, B. E. Young, A.S.L. Rodri-
orientação desses novos potenciais compromissos. gues, D. L. Fischman & R.W. Walker. 2004. Status and trends
of amphibian declines and extinctions worldwide. Science
306: 1783-1786.
A GRADECIMENTOS
Agradecemos G. Meffe por ter adotado, desde o co-
meço, a idéia de produzir essa edição especial sobre a
conservação no Brasil, em antecipação ao encontro in-

MEGADIVERSIDADE | Volume 1 | Nº 1 | Julho 2005

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