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permissão da editora e/ou autor.

S5861 Silva, Michel


Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade/Michel Silva (Org.).
Jundiaí, Paco Editorial: 2015.

280 p. Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-8148-876-9

1. Maçonaria 2. Processos históricos 3. Contribuição social I. Silva, Michel.

CDD: 360

Índices para catálogo sistemático:


Serviço social. Associações e instituições 360
Maçonaria 366.1

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Sumário
Apresentação.......................................................................................5

Capítulo 1 Michel Silva

Por uma história da Maçonaria no Brasil........................................7

Capítulo 2 Françoise Jean de Oliveira Souza

Organização, Preceitos e Elementos da Cultura Maçônica:


fundamentos para a introdução aos estudos da Maçonaria.......17

Capítulo 3 Bruna Melo dos Santos

Hipólito José da Costa, a sociabilidade maçônica e a (re)


construção da memória...................................................................39

Capítulo 4 hiago Werneck Gonçalves

A imprensa maçônica da Corte imperial brasileira na década


de 1870: alguns apontamentos........................................................57

Capítulo 5 Berenice Abreu de Castro Neves

A Maçonaria no Ceará: “Os intrépidos romeiros do


progresso”...........................................................................................75

Capítulo 6 Luaê Carregari Carneiro Ribeiro

A Maçonaria e a formação do Partido Republicano


Paulista............................................................................................103
Capítulo 7 Milena Aparecida Almeida Candiá

“A instrução do povo pelo povo”: a Maçonaria e o movimento


associativista pela expansão da educação popular no Brasil
(1870–1889)...................................................................................137

Capítulo 8 Marcelo Freitas Gil

Trabalhadores, Maçonaria e Espiritismo em Pelotas


(1877-1937).....................................................................................167

Capítulo 9 Marcos José Diniz Silva

“A democracia liberal em face das ideologias dissolventes”: a


Maçonaria cearense frente à Aliança Nacional Libertadora e
ao Integralismo em 1935...............................................................189

Capítulo 10 Tatiana Martins Alméri

A Maçonaria na ditadura militar brasileira (1964)....................211

Capítulo 11 Luiz Mário Ferreira Costa

A Maçonaria e a antimaçonaria no interior de Minas Gerais:


o “Culto ao Dever” em Rio Novo.................................................235

Referências......................................................................................251

Sobre os autores..............................................................................275
Apresentação
Este volume reúne um conjunto de textos que sistematizam
as mais recentes pesquisas acerca da Maçonaria realizadas em
âmbito acadêmico no Brasil, especialmente nas áreas de His-
tória, Educação e Sociologia. De forma geral, compõem a co-
letânea artigos que se utilizam dos resultados de pesquisas re-
alizados em dissertações de mestrado e teses de doutorado, em
diferentes estados do país, abordando temas como a relação da
Maçonaria com diferentes governos, a atuação da instituição na
imprensa, suas possíveis relações com movimentos sociais, entre
outras temáticas.
O volume procura, principalmente, ser uma forma de difusão
dessas pesquisas, que guardam enorme importância para a histó-
ria social e política do Brasil, na medida em que abordam as ações
de uma das mais antigas instituições atuantes no país. Por outro
lado, os textos evitam fazer uma propaganda ufanista da Maçona-
ria e, principalmente, estão longe de reproduzir os discursos que
demonizam a instituição.
Os autores, em sua maioria, são jovens pesquisadores que, ao
longo de sua atuação acadêmica, enfrentaram todos os problemas
possíveis em relação à pesquisa sobre a Maçonaria, seja a dii-
culdade em acessar documentos ou pessoas, seja o olhar curioso
de colegas e amigos que acreditam que falar em Maçonaria se
resume a investigar conspirações ultrassecretas que supostamen-
te visam à tomada do poder mundial. Se este volume contribuir
para ajudar as pessoas a olharem a Maçonaria como um fenôme-
no sociopolítico inerente à sociedade moderna, e não como uma
seita ultrassecreta, terá cumprido um papel fundamental.

5
Michel Silva (Org.)

Este volume constitui-se em uma pequena contribuição que


tenta lançar algumas luzes para compreender essa complexa ins-
tituição, que, embora controversa, tem papel fundamental para a
História do Brasil.

Michel Silva

Blumenau, junho de 2014.

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Capítulo 1
Por uma história da Maçonaria no Brasil

Michel Silva

Na década de 1990, as pesquisas acerca da Maçonaria ganha-


ram força, devido ao crescimento na quantidade de trabalhos rea-
lizados e à qualidade apresentada por estes, geralmente de caráter
regional, procurando utilizar como fontes ou jornais ou outros
documentos produzidos pela Maçonaria que estivessem com
acesso livre em acervos públicos. Assim, se na década de 1990 as
pesquisas buscaram identiicar a participação da Maçonaria no
interior dos movimentos de mudança política no século XIX, na
década seguinte, os pesquisadores procuraram analisar o papel da
Maçonaria como agente político público em diferentes espaços de
sociabilidade, como a imprensa, o movimento operário ou mes-
mo a política institucional do século XX1. O período também está
marcado pelo surgimento de historiadores dentro da própria Ma-
çonaria, mesmo que não tenham alcançado expressão acadêmica2.
No Brasil, entre os escritores maçons que se dedicaram à nar-
rativa histórica, destaca-se nome de José Castellani, autor de uma
vasta obra, dentre as quais se destaca História do Grande Oriente
do Brasil, originalmente publicada em 1993. Essa obra aborda a

1. Entre outros, são destacáveis os seguintes trabalhos produzidos nas Ciências Hu-
manas: Azevedo (2010), Barata (1999), Barata (2006), Colussi (1998) e Silva (2007).
Entre os trabalhos acadêmicos não publicados, pode-se destacar Alméri (2007), Cos-
ta (2009), Gonçalves (2012) e Santos (2012).
2. Podemos destacar entre os trabalhos produzidos por pesquisadores maçons, todos
com diferentes formações acadêmicas e proissionais: Castellani (2001), Castellani;
Carvalho (2009), Costa (1999) e Schüler Sobrinho (1998).

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Michel Silva (Org.)

trajetória da Maçonaria brasileira nos séculos XIX e parte do XX,


podendo ser considerado um dos trabalhos mais completos pu-
blicados a respeito da Maçonaria no Brasil. Nessa obra narram-
-se os eventos que marcaram a trajetória do Grande Oriente do
Brasil (GOB), obediência maçônica nacional mais antiga do país,
fundada em 1822, e sua atuação em importantes acontecimentos
políticos e sociais, como a Independência do Brasil (1822), Aboli-
ção da Escravatura (1888), a Proclamação da República (1889), a
ascensão do governo de Getúlio Vargas (1930) e o golpe civil-mi-
litar (1964). Pode ser considerada uma espécie de “história oi-
cial” do GOB, o qual, inclusive, detém os direitos de publicação.
José Castellani, falecido em 21 de novembro de 2004, exerceu
os cargos de Secretário de Cultura e Relações Públicas no Grande
Oriente de São Paulo. No GOB foi Secretário-Geral de Educação
e Cultura e Presidente do Conselho Federal de Cultura. Fundou
a Associação Brasileira de Imprensa Maçônica e a Academia Ma-
çônica de Artes, Ciências e Letras. Entre muitos outros textos,
escreveu os livros A ciência maçônica e as antigas civilizações
(1980), Os maçons na independência do Brasil (1993) e A ação
secreta da maçonaria na política mundial (2001).
Em História do Grande Oriente do Brasil, Castellani apresenta
os acontecimentos considerados mais relevantes desde a criação
das primeiras lojas maçônicas no Brasil, antes mesmo da fun-
dação do GOB, a consolidação dessa obediência e sua atuação
política nos séculos XIX e XX, mostrando (e destacando) a par-
ticipação da Maçonaria em diferentes segmentos da sociedade
brasileira. Em sua narrativa utiliza um tom bastante eloquente e
apaixonado, evidenciando seu estreito vínculo com a obediência,
que, nas palavras de José Castellani, foi “partícipe dos grandes
acontecimentos político-sociais da história do Brasil” (Castellani;
Carvalho, 2009, p. 20).
Castellani se preocupa em narrar os acontecimentos que con-
sidera “portadores de futuro” relacionados ao GOB, bem como

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Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

sua dinâmica sociopolítica interna e a relação estabelecida entre


as lojas maçônicas e delas com o restante da sociedade. Segundo
o próprio Castellani, a obra não “se limita aos fatos e atos inter-
nos”, também “analisando os externos, ou seja, aqueles advindos
da atividade político-social dos maçons”. O autor também airma
que entende a Maçonaria como “uma instituição eminentemente
política, atuando dentro de padrões éticos, consubstanciados na
própria essência sociológica da política, no sentido da manutenção
das grandes conquistas sociais da Humanidade e da defesa do libe-
ralismo e das ideias libertárias” (Castellani; Carvalho, 2009, p. 15).
Pode-se perceber a estruturação da narrativa em dois eixos
paralelos. De um lado, descreve-se o desenvolvimento do GOB
enquanto obediência maçônica nacional, citando e transcrevendo
documentos como atas, discursos, boletins, relatórios, publicações,
entre outros. Por outro lado, identiica-se de que forma a Maçona-
ria atuou em processos políticos relevantes para as mudanças na
situação política do Brasil, como a Proclamação da República.
O texto de José Castellani foi escrito com bastante luidez.
Sua narrativa estabelece uma clara diferenciação entre o cotidia-
no da Maçonaria e a política profana, embora procure perceber
de que forma a ordem está inserida em cada um dos contextos
especíicos. Mostra-se, por exemplo, que o GOB não saiu ileso do
golpe civil-militar que derrubou o presidente João Goulart, no
ano de 1964, ao qual se seguiu vinte anos de ditadura. Embora a
posição majoritária dentro do GOB, tenha sido de defesa ao mo-
vimento golpista, aderindo ao discurso de que estava em marcha
uma tentativa golpista por parte dos comunistas, havia maçons
progressistas que defendiam as reformas de base e a política de
desenvolvimento econômico baseada na intervenção estatal, pro-
postas pelo presidente João Goulart.
Por outro lado, durante a própria ditadura, o imaginário anti-
comunista que permeou a sociedade brasileira desde a década de
1920, também se fez sentir na Maçonaria. Um dos antecedentes

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Michel Silva (Org.)

da cisão de 1973, considerada uma das mais longas da maçonaria


brasileira e que deu origem à Confederação Maçônica Brasileira
(Comab), foi justamente a acusação de “iniltração comunista”
no GOB. Em 1970, José Castellani, então Secretário de Educação
e Cultura do GOB, levou ao público maçom um conjunto de efe-
mérides, dentre as quais os aniversários de nascimento de Friedri-
ch Engels e Vladmir Lênin, líderes do movimento comunista de
suas respectivas épocas. Esse documento motivou a impetração
de inquérito policial, o que afetou a intimidade das lojas sem que
os resultados almejados pelos acusadores fossem alcançados, na
medida em que foi provada a inexistência da suposta iniltração.
Percebe-se na obra de Castellani a predominância de uma
concepção tradicional de História, na forma de historia magistra
vitae, ou seja, da história como “mestra da vida”. Inclusive, o livro
traz como epígrafe uma frase de Marco Túlio Cícero, que airma:
“a História é a testemunha dos tempos, a luz da verdade, a vida da
memória, a mestra da vida, a mensageira da antiguidade” (Cas-
tellani; Carvalho, 2009, p. 13). Nessa concepção, criticada desde
pelo menos o século XIX, “a história seria um cadinho contendo
múltiplas experiências alheias, das quais nos apropriamos com
um objetivo pedagógico”, ou seja, “a história deixa-nos livres para
repetir sucessos do passado, em vez de incorrer, no presente, nos
erros antigos” (Koselleck, 2006, p. 42).
Essa compreensão da História por parte do autor se eviden-
cia de diferentes formas, como no entendimento de que os do-
cumentos possibilitariam conhecer a verdade acerca do passado.
Para José Castellani, “diante do complexo drama da história, o
historiador deve, muito humildemente, compreender e explicar a
documentação dos arquivos. Fora daí, ele será apenas intelectual
ou escritor literário” (Castellani; Carvalho, 2009, p. 14). Para o
autor, os documentos não são fragmentos que, ao trazerem in-
formações acerca de acontecimentos passados, possibilitam ao
historiador contar uma narrativa o mais verossímil possível. Para

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Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Castellani, os documentos utilizados como fontes são eles pró-


prios o passado, cabendo ao historiador apenas reproduzir o que
eles contam. Castellani toma como ponto de partida o desejo de
escrever a verdade, como se os fatos falassem por si, pressupondo
que citar uma quantidade abundante de documentos seria garan-
tir uma escrita iel ao que “realmente aconteceu”. Segundo Cas-
tellani, sua obra “apenas registra os fatos e suas consequências,
sem pretender fazer julgamento dos atos ou dos homens que des-
ilam por suas páginas” (Castellani; Carvalho, 2009, p. 14).
Em sua obra constrói uma narrativa linear, pressupondo que
a organização cronológica dos documentos e dos fatos garanta
que a escrita histórica não distorça o passado que se pretende res-
gatar. Portanto, o livro acaba se tornando uma crônica que enu-
mera alguns acontecimentos relacionados ao GOB, narrando os
fatos tidos como “portadores de futuro” e apresentando uma série
de documentos que visam provar a veracidade do que é dito. Não
é, portanto, uma obra histórica que visa problematizar a consti-
tuição e consolidação do GOB enquanto obediência maçônica ou
a atuação da Maçonaria na política brasileira, mas uma tentativa
de contar a história de forma panorâmica e neutra, utilizando-se
da citação iel de documentos e da narrativa linear que se limita a
apresentar os acontecimentos.
Inclusive, a proposta de trabalhar uma história de quase dois
séculos, procurando narrar eventos que poderiam “eternizar” os
homens que os realizaram, pouco dialoga com as inovações histo-
riográicas das últimas décadas. Além disso, tal proposta não ex-
pressa os avanços nas pesquisas a respeito da Maçonaria no Brasil
realizadas por historiadores maçons ou profanos, destacando-se
nomes como o de Alexandre Mansur Barata e Eliane Lucia Colussi.
Nesse sentido, o próprio Castellani alerta que “esta obra não pre-
tende esgotar um assunto presumidamente inesgotável, deixando
campo aberto para outras, mais abrangentes e especíicas. Por isso,
ela é sintética, panorâmica” (Castellani; Carvalho, 2009, p. 15).

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Michel Silva (Org.)

Em âmbito acadêmico, uma síntese da produção bibliográica


dessas últimas décadas pode ser encontrada no livro O poder da
maçonaria, escrito pelos historiadores Marco Morel, doutor em
História pela Universidade de Paris, e Françoise Jean de Oliveira
Souza, doutora em História do Brasil pela UERJ. Nessa obra, os
autores procuram descrever a trajetória da Maçonaria na história
do Brasil, principalmente nos séculos XIX e XX, enfatizando em
especial sua atuação política nesse período, “para compreender a
maçonaria não de uma maneira isolada da sociedade, mas como
forma de associação presente em diferentes situações históricas”
(Morel; Souza, 2008, p. 9-10). Trata-se, segundo os autores, de
uma pesquisa histórica destinada ao leitor que tenha curiosidade
sobre tema, ao público maçom e a pesquisadores universitários.
O livro estrutura-se em sete capítulos. O primeiro está dedi-
cado à discussão das possíveis “origens” da Maçonaria, mostran-
do, principalmente, a impossibilidade de delinear um momento
em que surge essa associação e, em especial, como se misturam
nessa discussão elementos míticos e literários. Nesse capítulo são
discutidas as tradições esotéricas antigas, as práticas dos pedrei-
ros-livres das corporações medievais, o surgimento das primei-
ras lojas entre os séculos XVII e XVIII, a formação da Grande
Loja de Londres, as perseguições da Igreja Católica, os mitos dos
complôs relacionados à Maçonaria, a constituição de narrativas
antimaçônicas a partir do século XVIII e, nesse período, a ini-
ciação maçônica tanto de nobres e monarcas como de ilósofos e
revolucionários.
Nos capítulos seguintes discute-se a inserção da Maçonaria
no Brasil. Os autores discutem, por exemplo, a polêmica de que
Tiradentes era maçom e de que a Inconidência Mineira teria sido
um projeto maçônico de emancipação. O terceiro capítulo é de-
dicado à discussão acerca da Independência do Brasil, no qual
os autores realizam uma revisão historiográica, demonstrando
a presença de diversas “maçonarias”, suas contradições políticas

12
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

expressas nas divergências entre lideranças como José Bonifácio


de Andrada e Gonçalves Ledo, além da proliferação de lojas e
de Grandes Orientes (instituições que reuniam várias lojas) e da
iniciação de Dom Pedro. Os autores também destacam Muniz
Barreto, um personagem do movimento de independência pou-
co conhecido, que, diferente dos membros mais conservadores da
Maçonaria, também foi pioneiro na luta contra a escravidão. Este
personagem, segundo os autores, “não foi coberto de glória, nem
em vida, nem pela posteridade: sofreu, após 1822, prisão, perse-
guições e perseverou na pregação maçônica, mesmo quando esta
se encontrava proibida” (Morel; Souza, 2008, p. 105).
Os autores discutem as atividades maçônicas em associações
políticas, ilantrópicas, educacionais e econômicas, bem como nas
próprias lojas maçônicas que, entre outras coisas, possibilitavam
condições para a ascensão social de mulatos e descendentes de
escravos que entravam para a Ordem3. Os autores também obser-
vam o acirramento das divergências políticas dentro da própria
Maçonaria, ao longo do século XIX. Em 1831, conforme destacam
os autores, registrou-se a existência de cinco Grandes Orientes.
Entre essas instituições, a principal foi o Grande Oriente do Brasil,
fundado em 1822, em funcionamento ainda hoje. Outros Grandes
Orientes se constituíram nas décadas seguintes, como o Grande
Oriente do Vale dos Beneditinos, sob a liderança de Saldanha Ma-
rinho, em 1863. No interior dessas associações confrontavam-se,
de um lado, republicanos, abolicionistas e radicais e, de outro,
conservadores e defensores da neutralidade política dos maçons.
Por outro lado, na década de 1870, a Maçonaria agregaria à sua
história a oposição da hierarquia da Igreja Católica, quando esta
resolveu punir os sacerdotes católicos maçons, episódio conhecido
como Questão Religiosa. Nesse processo colocava-se outro campo
de confronto, ainal “a luta maçônica contra o conservadorismo

3. Essa temática da iniciação maçônica de mulatos e descentes de escravos é discuti-


da em Azevedo (2010).

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Michel Silva (Org.)

católico acabou por ganhar a simpatia dos segmentos liberais da


sociedade, o que atraiu muitos desses homens para a iniciação”
(Morel; Souza, 2008, p. 160). Paralelamente, “do lado católico con-
servador, importantes setores das camadas populares sensíveis à
pregação clerical ultramontana passaram a compartilhar a repulsa
à maçonaria” (Morel; Souza, 2008, p. 160).
Os dois últimos capítulos tratam da Maçonaria brasileira
na República, período no qual, segundo os autores, a Maçona-
ria “tornou-se guardiã da ordem e do progresso” (Morel; Souza,
2008, p. 179). Uma das consequências disso, na década de 1960,
se manifestou no que os autores chamam de “guinada conserva-
dora” da Maçonaria (Morel; Souza, 2008, p. 228-36). Trata-se não
apenas dos esforços de participar das instituições do Estado, mas
também de intervir politicamente na própria sociedade, seja por
meio da ilantropia, como vinha fazendo desde o século XIX, seja
pelo diálogo com ideologias das mais diversas, difundidas nas
primeiras décadas do século XX, como o anarquismo, o comu-
nismo, o integralismo e as diversas expressões do autoritarismo.
Por outro lado, certas elaborações nacionalistas produzidas no
seio da Maçonaria levaram membros da ordem a se aproxima-
rem do discurso conservador das Forças Armadas e da Doutrina
de Segurança Nacional (DSN) no contexto da Guerra Fria, como
Golbery do Couto e Silva, maçom e principal ideólogo da Escola
Superior de Guerra (ESG)4. Em função dessa guinada conserva-
dora, procurou-se reforçar o cuidado com o perigo de uma possí-
vel “iniltração comunista” nas lojas.
O livro de Morel e Souza apresenta uma contribuição funda-
mental ao campo da historiograia ao apresentar alguns elemen-
tos de estudo acerca da atuação política da Maçonaria no século
XX, temática pouco estudada nas pesquisas acadêmicas. Muitos
dos acontecimentos conhecidos desse período foram narrados

4. Embora não seja citada por Morel e Souza, essa discussão é realizada de forma
mais aprofundada por Alméri (2007).

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Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

de dentro da Maçonaria, especialmente por meio dos textos com


pretensões historiográicas, como os de José Castellani.
O livro de Morel e Souza, ao ser escrito a partir de uma pers-
pectiva acadêmica e externa à Maçonaria, conforme esclarecem
seus autores nas primeiras linhas do livro, consegue escapar da
narrativa ufanista e parcial escrita por maçons, na qual todas as
ações empreendidas pelos maçons são encaradas como algo po-
sitivo, mesmo que seja, por exemplo, o golpe de 1964. Os livros
de Castellani conseguem dar um olhar um pouco mais crítico
às ações maçônicas, contudo sua narrativa se limitava ao apoio
aberto a certas tendências políticas internas da Maçonaria, da
qual era simpático, principalmente a partir da cisão que deu ori-
gem à Confederação Maçônica Brasileira (COMAB), em 1973.
José Castellani manteve-se como membro do Grande Oriente do
Brasil durante toda a sua vida maçônica.
Essas duas obras, seja pelo panorama produzido de dentro
da Maçonaria, seja pela síntese acadêmica, contribuem para as
pesquisas acerca da Maçonaria. Uma, por apresentar fatos e do-
cumentos aos quais os historiadores acadêmicos não possuem
acesso. Quanto à outra, organiza e sistematiza os avanços das
pesquisas da Maçonaria, especialmente a partir das análises que
tomam como ponto de partida os conceitos de sociabilidade e
cultura política. Com isso, os historiadores mais jovens podem
dar novos passos de modo a enriquecer a história da Maçonaria
no Brasil, não se limitando a descrever os acontecimentos “porta-
dores de futuro”, como pretendia Castellani, mas problematizan-
do os diferentes processos sociais e políticos e as diferentes forças
que neles atuaram.
Nesse sentido, compreendendo os limites de seu texto, o pró-
prio José Castellani airmou: “Outras obras virão. Outros autores.
A aprofundar a análise dos fatos antigos e a relatar os novos. Por-
que a história não para!” (Castellani; Carvalho, 2009, p. 15). Essa
escrita da História, que nos últimos anos possibilitou a numero-

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Michel Silva (Org.)

sos pesquisadores desenvolver pesquisas de fôlego a respeito da


Maçonaria, pode aprofundar o conhecimento que temos a respei-
to das contribuições dos maçons brasileiros para a política e para a
cultura no Brasil, mostrando-os como sujeitos históricos, embora
tendo o cuidado de não confundir a ação individual de alguns ma-
çons em processos históricos com os momentos em que os ma-
çons coletivamente tomaram posição e atuaram politicamente.

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Capítulo 2
Organização, Preceitos e Elementos da Cultura
Maçônica: fundamentos para a introdução aos
estudos da Maçonaria

Françoise Jean de Oliveira Souza

Introdução

Nas últimas décadas, a Maçonaria tem se tornado objeto de


estudo de inúmeras áreas do conhecimento. No campo da histó-
ria, a emergência de novos trabalhos nos quais a Maçonaria i-
gura como tema principal de pesquisa apresenta-se como conse-
quência dos avanços obtidos pela renovação da história política.
Por longo tempo, a política, sob inluência da escola francesa dos
Annales, esteve relegada à situação de mero apêndice da História.
Criticada por sua supericialidade, a tradicional história políti-
ca caracterizava-se pela defesa do trinômio: narrativa, crônica e
acontecimento, estando aprisionada em uma visão centralizada
e institucional do Estado. Contudo, a partir da década de 1970,
a política voltou a assumir um lugar de destaque na historiogra-
ia ao tomar para si métodos e abordagens oriundos das ciências
sociais. Este fenômeno de renovação, chamado de “nova história
política”, permitiu a abertura dos estudos para novos objetos e
novos enfoques que, até então, não eram encarados e nem trata-
dos como parte do político. Em meio às inúmeras tendências e
variações ocorridas nesse movimento de renovação historiográ-
ica, destacam-se algumas temáticas novas, tais como os poderes,
os saberes enquanto poderes, as instituições supostamente não

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Michel Silva (Org.)

políticas, as práticas discursivas (Falcon, 1997), bem como o es-


tudo do político a partir das representações e imaginários sociais,
das mentalidades, das simbologias e das memórias coletivas.
A renovação dos objetos e das visões da história acerca do
político tem incitado inúmeros estudos da Maçonaria, sobretudo,
nas linhas de pesquisa de história e cultura política. Cada vez mais,
a dimensão política da sociabilidade – característica constituinte
da Maçonaria – vem sendo apreendida. Antes negligenciada como
um detalhe da vida privada, o pesquisador da Maçonaria, Maurice
Aguilhon, defende a sociabilidade como um estimado objeto de
relexão social, psicológica e política (Aguilhon, 1984). Em con-
sonância com este autor, René Remond reforça a importância de
a história política abrir-se para pesquisas sobre a sociabilidade, a
socialização e o fato associativo (Remond, 1998).
Igualmente importantes para a eleição da Maçonaria como
tema da história política foram os trabalhos que, nesse movimen-
to de renovação historiográica, propuseram abordar as relações
de poder para além do aparelho do Estado. Encontrado em lu-
gares menos auspiciosos como a família, a escola, os asilos, as
prisões, ou seja, no cotidiano de cada indivíduo e grupo social, o
poder deixa de ser percebido como exclusivamente exercido pelo
Estado para ser visto como algo que permeia todas as relações
sociais (Foucault, 1979).
Com base no exposto acima, a temática da Maçonaria sur-
ge como mais uma possibilidade de compreensão das inúmeras
relações de poder que perpassam as sociedades. Ao conigurar
um modelo de sociabilidade próprio baseado na ilantropia, na
rede de solidariedade entre os pares, nos juramentos e rituais que
criam laços de pertencimento, percebe-se, na Maçonaria, a exis-
tência de mecanismos próprios de dominação, constituindo-se
em um dos espaços, fora do domínio direto do Estado, por onde
o poder circulava e os homens faziam política.

18
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Todavia, uma sólida investigação da temática da Maçonaria


e de suas múltiplas relações com a sociedade e seus espaços de
poder exige um conhecimento profundo da complexidade da
natureza maçônica, isto é, dos fundamentos e preceitos desta
instituição e do processo histórico pelo qual ela se organizou e
se ressigniicou. Do contrário, incorre-se seriamente no erro de
tomá-la como uma instituição monolítica, a-histórica e com uma
capacidade de atuação superdimensionada.

1. Os Preceitos Maçônicos

A Maçonaria considera a si mesma como uma instituição uni-


versal e composta de um corpo de doutrinas acabadas, que perma-
neceram imutáveis através dos tempos. Entretanto, foi justamen-
te a realidade idiossincrática, assumida pela ordem nas diversas
partes do mundo, que diicultou, por vezes, a tarefa de demarcar
o campo conceitual maçônico. Não obstante tal diiculdade, é pos-
sível buscar no texto primeiro da Maçonaria, ou seja, na Consti-
tuição de Anderson, e em vários outros escritos, ideias recorrentes
que nos apontam os preceitos fundamentais da instituição. Com
base neste levantamento, identiicamos como principais compo-
nentes desse fundo comum teórico as divisas do progresso, da ra-
zão, da liberdade, da igualdade, da moral e da fraternidade.
Antes, contudo, acreditamos ser importante ressaltar que o
processo de elaboração das divisas e dos preceitos maçônicos
encontra-se intimamente vinculado à história sóciopolítica da
Inglaterra. Já as divergências relativas à interpretação e imple-
mentação deste corpo teórico reletem as turbulências europeias
dos séculos XVIII e XIX, período no qual formam elaboradas,
inúmeras e variadas propostas para a civilização humana, bem
como as diferentes demandas impostas à Maçonaria pelas con-
junturas nacionais. A constituição histórica da Maçonaria nada
mais é do que fruto da soma destes fatores.

19
Michel Silva (Org.)

Embora o pensamento iluminista do século XVIII tenha se


desenvolvido em direções várias, podemos perceber, na base das
investigações cientíicas e ilosóicas da época, algumas ideias re-
correntes. Muito comum era a noção de que o espírito huma-
no, ou a natureza humana, possuía uma estrutura fundamental e
invariável, independentemente do tempo e do espaço. O caráter
imutável da natureza humana permitiria não apenas explicar a
sua essência, mas também chegar, através de uma argumentação
racional, a conclusões indiscutíveis que prescreveriam aos ho-
mens a melhor forma de se organizarem. À luz desta premissa,
os fenômenos humanos foram entendidos como sujeitos a leis
veriicáveis e, logo, susceptíveis de um tratamento similar ao das
ciências naturais (Gardiner, 1995).
Ao interpretarem a história humana sob o ponto de vista
acima descrito, os pensadores iluministas chegaram à conclusão
de que esta história não poderia ser um mero agregado de fatos
aleatórios, ao contrário, ela deveria seguir um padrão passível de
compreensão por meio de leis gerais. Todavia, embora a razão
tenha sido apreendida como principal instrumento de domínio
do homem sobre a natureza e, logo, sobre a sua própria histó-
ria, a emancipação das concepções morais e metafísicas não foi
completa. A crença num padrão teleológico subjacente aos fatos
da história humana foi explicitamente sustentada. Em conformi-
dade com um modelo préestabelecido, postulava-se que a his-
tória se movia rumo a uma inalidade, a uma direção especial,
moralmente aceitável. Em síntese, acreditava-se que “o homem
é ou contém em si mesmo algo e valor absoluto, de modo que o
processo da natureza, na sua evolução, tem sido um progresso,
na medida em que tem sido um processo ordenado, conduzindo
a existência humana” (Collingwood, 1986, p. 386). Surge, daí, a
fé na perfectibilidade humana e na inevitabilidade do progresso.
O pensamento maçônico, organizado no contexto das luzes,
mostra-se herdeiro da crença escatológica do progresso, visto

20
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

que elaborou para si uma cosmovisão que prevê uma idade de


ouro, quando, enim, o homem atingirá sua plenitude moral. O
preâmbulo do Código Maçônico brasileiro de 1914 apresenta os
objetivos da Maçonaria como sendo “o aperfeiçoamento mate-
rial, moral e intelectual da humanidade, por meio da investiga-
ção constante da verdade cientíica, do culto inlexível da moral
e da prática desinteressada da solidariedade” (Código Maçônico,
1914, p. 5). Para a Maçonaria, a razão e a ciência são tidas como
os principais instrumentos que levarão a humanidade a atingir
um futuro de moral e virtudes que são certos e comuns a todos
os povos, uma vez que se crê na unicidade da natureza humana.
Contudo, se os instrumentos que levam ao futuro são de base ob-
jetiva e cartesiana, este futuro utópico a que se acredita chegar é
essencialmente de caráter subjetivo, uma vez que se sustenta em
valores (moral e virtude) histórica e culturalmente construídos.
Além disto, a sociedade maçônica aproxima as modernas crenças
na razão e na ciência a valores, tais como o respeito à hierarquia e
o culto ao passado, cuja origem e sustentação datam das tradições
dos ofícios medievais.
Todavia, mais do que simplesmente acreditar na evolução da
humanidade rumo a um futuro determinado, a Maçonaria ex-
prime-se como a instituição de vanguarda responsável por guiar
os homens rumo à civilização. A passagem abaixo elucida bem a
visão que os maçons nutrem de si próprios:

A única lei da vida é o progresso: progresso indeinido, su-


cessivo em todas as manifestações do ser, sob todas as fases
de sua existência.

Cremos que infalivelmente devem cumprir-se as leis do pro-


gresso, porém cremos também que, tendo-nos a missão de re-
alizá-lo como obra nossa, devemos consagrar nossa liberdade,
utilizando o tempo e o espaço que nos estão cedidos, de manei-
ra que sua aceleração ou atraso dependam de nós, segundo nos-
so mérito ou demérito. (Boletim do GOB, 1872, n° 6, p. 194).

21
Michel Silva (Org.)

Analisando alguns periódicos maçônicos publicados no Bra-


sil, no século XIX, observa-se que a Maçonaria atribuía a si uma
missão de tamanha importância, ao se apresentar à sociedade
profana como “A guarda avançada do progresso da humanidade”
(Boletim do GOB, 1872, n° 6, p. 187), “Anjos Tutelares do Pro-
gresso” (Noticiador de Minas, 1872, n° 422, p. 2), “Estrela Dalva
que anuncia a madrugada da civilização” (Boletim do GOB, 1873,
n° 4, p. 237), dentre outros títulos. Tendo conseguido demons-
trar à humanidade os ins aos quais a Maçonaria se propõe, a im-
prensa Maçônica airma que a instituição “[...] se recomendará à
posteridade por relevantes serviços em prol da civilização” (Bole-
tim do GOB, 1872, n°6, p. 194). Sustentando esta posição, os pe-
dreiros livres assumem o papel de guias, vanguarda e tutores dos
profanos, acreditando-se conhecedores de uma verdade absoluta
acerca da humanidade e só acessível aos iniciados nas luzes. Tal
atitude, além de valorizar o papel da instituição perante a socie-
dade, investe a Maçonaria de poderes, uma vez que esta se torna,
por princípio, o lugar do saber.
Em consonância com o discurso do progresso, a Maçonaria
mantém a liberdade de consciência como uma de suas divisas ca-
pitais. Airmando-se como um espaço onde os homens colocam
suas ideias e opiniões sem nenhuma restrição, a Maçonaria aca-
bou por constituir-se numa escola de formação política, na me-
dida em que permitia e estimulava o livre debate e a deliberação.
Esta característica da sociabilidade maçônica, aliada ao seu cará-
ter secreto, levou muitos pensadores a procurá-la como abrigo,
em diferentes contextos de perseguição.
Ressalta-se que a liberdade de consciência preconizada pela
Maçonaria apresenta-se como corolário do liberalismo inglês,
surgido no bojo dos embates políticos e religiosos do inal do
século XVII, e que tinha como pilares a tolerância religiosa e a
expansão da liberdade civil. O fato de a Inglaterra haver conse-
guido refrear a arbitrariedade do poder político, não obstante este

22
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ainda estivesse restrito a uma oligarquia, e ter conquistado mais


liberdade geral do que em qualquer outra parte da Europa, é de
fundamental importância para a compreensão das razões que le-
varam os primeiros maçons modernos a elaborarem preceitos de
natureza liberal (Merquior, 1991, p. 16).
A liberdade de culto e a tolerância foram, dos conceitos ima-
nentes à liberdade de consciência, os que mais repercutiram nos
séculos XVIII e XIX. Evidenciando sua herança moderna e ilumi-
nista, a Constituição de Anderson airma que “seja qual for a reli-
gião de um homem, ou sua forma de adorar, ele não será excluído
da ordem, se acreditar no glorioso Arquiteto do céu e da terra”
(Castellani; Rodrigues, 1995, p. 53).
A liberdade de expressar uma fé, bem como de conviver com
pessoas de credos diferentes foi, sem dúvida, um dos principais
responsáveis pela espantosa expansão da ordem pelo mundo, bem
como pelas ferozes críticas a ela remetidas. Não seria equivocado
airmar que, no contexto setecentista, a Maçonaria constituiu-se
numa das primeiras instituições ecumênicas do mundo, criando
um novo espaço de convívio social onde são suspensas as barrei-
ras religiosas que, até então, segregavam os povos e os encerra-
vam em comunidades naturais às quais eles deveriam pertencer,
sem possibilidade de escolha. Lançavam-se, assim, os fundamen-
tos das futuras organizações internacionais de caráter laico.
Entretanto, a modernidade Maçônica encontra seus limites
no próprio texto da sua Constituição. Se a maçonaria postula a li-
berdade de culto, por outro lado, ela estabelece que “um maçom é
obrigado por seu título, a obedecer à lei moral e, se compreender
bem a arte, nunca será um ateu estúpido, nem libertino irreligio-
so [...]” (Castellani & Rodrigues, 1995, p. 53). Deste modo, um
dos pré-requisitos para a entrada na ordem é possuir uma religião
e crer em um princípio criador, expresso na linguagem dos pe-
dreiros livres, como o Grande Arquiteto do Universo. Tal princí-
pio criador não passa por uma visão deísta, baseada na crença em

23
Michel Silva (Org.)

um Deus sem atributos morais e intelectuais, como apregoavam


muitos iluministas. Ao contrário, a Constituição de Andersom
refere-se a um Grande Arquiteto que, baseado em valores e prin-
cípios morais, intervém providencialmente no universo. Por im,
além da imposição da crença em um princípio teísta, os maçons
devem prestar juramento sobre o Livro Sagrado da lei. Este, no
entanto, pode ser a Bíblia, como em geral o é, ou qualquer outro
livro religioso como o Corão, a Torá, etc.
É fundamental, todavia, não tomar as proposições estabele-
cidas pela Constituição como sendo um relexo da realidade ma-
çônica em seus múltiplos lugares e tempos históricos. No que se
refere à posição da ordem em relação à religião, por exemplo, esta
variou conforme a tendência maçônica de cada país, a obediência
à qual pertencia e o contexto religioso preponderante. A Maçona-
ria francesa, por exemplo, foi considerada irregular pela Grande
Loja de Londres, por repudiar as exigências de caráter religioso
e metafísico. Também a Maçonaria portuguesa do século XVIII,
em parte, afastou-se do cristianismo e do catolicismo tradicional,
preferindo outras crenças menos organizadas, deuses mais “ilo-
sóicos”, próprios de pensamentos religiosos panteístas (Marques,
1990, p. 28). Conclui-se, assim, que a relação da Maçonaria com
a religião mostrou-se possuidora de múltiplas facetas, sendo a
instituição mais teísta e conservadora nos países britânicos, mais
laica na França e nos países de sua inluência e, até mesmo, parti-
dária de segmentos religiosos especíicos, como o protestantismo,
no caso de algumas lojas latino-americanas, no período áureo da
perseguição católica do século XIX (Bastian, 1990).
A liberdade de consciência ecoou, também, no relaciona-
mento da Maçonaria com a política profana. Na medida em que
postula o direito dos homens de expressarem-se livremente e di-
vergirem uns dos outros, a Maçonaria acabou acolhendo, em seu
interior, homens de diferentes convicções políticas. Assim, com o
intuito de evitar que questões não maçônicas perturbem as boas

24
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

relações entre os obreiros, a Constituição de Anderson proíbe as


discussões de caráter político dentro das lojas, devendo os ma-
çons submeterem-se às leis do seu país e não tomar parte em ne-
nhuma conspiração ou motim (Castellani; Rodrigues, 1995).
As lojas britânicas, sempre próximas do trono e da nobreza,
foram as que mais primaram pela defesa do caráter apolítico da
instituição e de sua inalidade puramente ilantrópica e ilosói-
ca, embora, em muitos casos, a própria defesa do não compro-
metimento com o jogo político apresente-se como uma maneira
particular de realizá-lo (Morel, 2001). Entendemos, todavia, que,
à exceção do caso inglês, este princípio recebeu múltiplas inter-
pretações ao longo da história maçônica, sendo, inclusive, motivo
para a cisão de muitas obediências.
Antônio H. Marques (1990) argumenta que a sujeição aos go-
vernos estabelecidos foi considerada, por vários maçons, como
mais de caráter teórico e geral do que prático e aplicável a todos
os países. Pedreiros livres de diferentes lugares interpretaram tal
exigência como sendo anacrônica, uma vez que o maçom deve
defender a legitimidade do poder político. No caso de sistemas
políticos despóticos, nos quais a liberdade individual e coletiva
encontra-se cerceada, não só pertenceria ao maçom o direito de
rebelar-se, como lhe caberia o papel de vanguarda nessa rebelião.
Assim, enquanto algumas lojas, na tentativa de escapar do con-
trole absolutista, optaram por conquistar a adesão dos monarcas
e dos nobres à ordem maçônica, outras, por sua vez, apostaram
numa intervenção política direta, como por exemplo, no caso dos
movimentos de independência das colônias americanas. O fato é
que, nas inúmeras disputas políticas que marcaram a história dos
povos, maçons e Maçonaria encontraram-se presentes nos dois
lados dos campos de batalha.
Outra divisa bastante propagada pela ordem dos pedreiros
livres diz respeito às “virtudes” maçônicas. A loja é entendida,
antes de tudo, como um local de aperfeiçoamento moral de seus

25
Michel Silva (Org.)

homens. Assim, ao adentrar a ordem, o membro é instruído acer-


ca da “moral universal”, terminologia maçônica referente a um
conjunto de virtudes as quais se vê obrigado a praticar, tais como
a bondade, lealdade, honra, honestidade, amizade, tranquilida-
de, obediência, fraternidade, etc (Marques, 1990). A prática das
virtudes deve reletir-se no modelo de vida adotado pelos ma-
çons fora das lojas. Assim, o maçom virtuoso deve, por exemplo,
santiicar a família e o lar, sendo um bom pai, um bom ilho ou
um bom esposo, condenando o vício do jogo e do álcool e insur-
gindo contra a imoralidade das modas e divertimentos nocivos
(Regulamento Particular da Aug. Bem. e Benef. Loj. Cap. Estrella
Caldende, 1934). A “moral universal” maçônica, além de preten-
der nortear a conduta dos maçons, é também apresentada como
parâmetro para a humanidade profana que, ainda em processo de
evolução, deverá um dia alcançá-la plenamente. Deste modo, as
lojas maçônicas desejam apresentar-se como um prenúncio des-
se mundo perfeito e virtuoso e, aos olhos do mundo profano, os
maçons devem possuir uma conduta exemplar.
A fraternidade, entendida como auxílio mútuo, ilantropia
e um modo de convívio entre os irmãos, corresponde à virtu-
de mais associada à sociabilidade maçônica. Diz a Constituição
de Anderson que os maçons devem “praticar a caridade frater-
nal, que é a pedra fundamental, a chave, o cimento e a glória” da
antiga confraria (Castellani; Rodrigues, 1995). Percebe-se que a
Maçonaria, apresentada como uma associação de socorro mútuo,
encontra na fraternidade a essência da instituição. Foi justamente
esta concepção ampla de uma fraternidade que ultrapassa frontei-
ras internacionais e as barreiras religiosas e culturais que tornou a
Maçonaria uma organização sui generis no contexto histórico em
que foi constituída. Finalmente, comportando dois signiicados –
a ajuda entre os irmãos da ordem e o socorro aos necessitados em
geral –, a ilantropia subjacente à noção de fraternidade tornou-se
um instrumento de coesão entre os maçons, bem como a base de
sustentação da instituição no mundo profano.

26
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

A fraternidade propalada pela Maçonaria dá-se, primeira-


mente, entre os irmãos da ordem. Em caso de vários necessitados
em igual situação, o ato de caridade deve ter como alvo prioritário
o iniciado na Maçonaria (Castellani; Rodrigues, 1995). De modo
geral, a ajuda prestada aos irmãos corresponde ao auxílio material,
em contexto de carestia, e o socorro às viúvas e órfãos de maçons
que passaram para o “Grande Oriente Eterno”1. Os maçons vêem-
-se, também, obrigados a acolher, proteger e ajudar da melhor ma-
neira, os irmãos que, devidamente identiicados enquanto mem-
bros da ordem, provierem de outras regiões ou países. Por im,
a solidariedade maçônica relete-se nas inúmeras outras relações
estabelecidas entre os obreiros em espaços profanos. Ao fecharem
acordos comerciais, por exemplo, os pedreiros livres são orien-
tados a darem preferência ao elemento maçônico (Regulamento
Particular da Aug. Bem. e Benef. Loj. Cap. Estrella Caldende,
1934). Frente a isto, parece-nos claro que a estrutura de ajuda mú-
tua, criada dentro da ordem maçônica, acabou por representar um
importante instrumento de cooptação de homens para dentro da
instituição, o que, por vezes, gerou distorções sobre o verdadeiro
propósito da iniciação nas lojas (Barata, 1998, p. 159).
A fraternidade entre os irmãos pode também ser entendida
como uma nova proposta de convívio entre os homens, pautada
na cordialidade, no respeito e na conduta pacíica dos membros.
A loja deve ser um lugar de harmonia, sendo proibidos qualquer
palavra ofensiva e atos que interrompam a reciprocidade das
boas relações (Castellani; Rodrigues, 1995). Contudo, caso haja
alguma querela entre os maçons, estas devem ser submetidas a
um júri maçônico, nunca sendo levadas ao mundo profano. A
história, todavia, demonstra o quanto este preceito vem sendo
desrespeitado, não sendo incomum a intervenção da justiça pro-
fana em questões maçônicas, bem como as cisões no interior de
obediências e lojas.

1. Terminologia maçônica referente aos casos de falecimento.

27
Michel Silva (Org.)

No que concerne à beneicência para com os não iniciados,


percebemos a constante colaboração da Maçonaria na implan-
tação de creches, asilos, escolas e hospitais, além da presença de
maçons no próprio gerenciamento destas instituições, muitas das
quais, de caráter para-maçônico2. Além da ajuda material, a ca-
ridade maçônica é entendida também como colaboração para o
aperfeiçoamento intelectual e moral da humanidade. Neste caso,
cabe aos iniciados levarem as luzes do saber aos despossuídos,
guiando-os, pela via da instrução, rumo às ideias mais elevadas.
É importante destacar que a ilantropia conigurou-se como um
instrumento de aceitação dos pedreiros livre e de sua ordem por
parte da sociedade, principalmente, em momentos nos quais a
Igreja radicalizou sua condenação às atividades maçônicas. Por-
tanto, a ilantropia pode ser entendida como um mecanismo de
divulgação e enaltecimento da ordem que lhe garante um legiti-
mado espaço de atuação. Mais do que isto, ela cria redes de poder
e laços de clientelismo que garantem a inluência da instituição
e de seus membros em importantes círculos do mundo profano.
Finalmente, o último preceito maçônico, por nós analisado,
corresponde ao da igualdade entre os homens. Todos os obrei-
ros, diz a Maçonaria, “consideram-se iguais entre si e irmãos, só
havendo entre eles as diferenças que decorrem da prática da vir-
tude” (Código Maçônico, 1914, p. 6). A Maçonaria pretende ser
um espaço de encontro onde os homens veriam anuladas suas
diferenças provenientes do nascimento, da classe, da religião ou
da nacionalidade, havendo, como único critério de diferencia-
ção, o mérito individual. Dentro da loja, homens de diferentes
posições no mundo profano, sentariam, comeriam e cantariam
juntos, sem distinção. Todavia, vale ressaltar que a dimensão da
igualdade maçônica encontrou inúmeras oscilações ao longo da

2. A Instituição par-maçônica caracteriza-se por ser criada, fomentada ou dirigida


pela Maçonaria e estruturada dentro dos preceitos da ordem, embora possua pro-
fanos dentre seus componentes e seja administrativamente autônoma em relação à
ordem maçônica.

28
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

história, sendo que as hierarquias e distinções do mundo profano,


por vezes, reletiram-se no interior das lojas. Antônio H. Mar-
ques, ao analisar a Maçonaria portuguesa do século XVIII, ressal-
ta que a indistinção entre ordens e classes não ocorria de forma
absoluta. Diz o autor que “a maçonaria portuguesa discriminava
em termos sociais, surgindo como união entre nobreza, clero e
burguesia e não como uma sociedade cem por cento democráti-
ca” (Marques, 1990, p. 291), o que, segundo ele, seria consequên-
cia mais da realidade objetiva da sociedade portuguesa naquele
tempo do que de uma discriminação de princípio.
Os pré-requisitos exigidos para que um homem adentrasse
na Maçonaria mantiveram, principalmente ao longo do século
XVIII e XIX, aspectos excludentes, uma vez que seus critérios ul-
trapassavam as questões do mérito pessoal. Segundo o texto da
Constituição de Anderson, “as pessoas admitidas na qualidade de
membros das lojas devem ser homens bons e leais, de nascimento
livre, de idade madura e razoável, de boa reputação, sendo proibi-
do admitir na maçonaria, escravos, mulheres e homens imorais,
cuja conduta seja motivo de escândalo” (Castellani; Rodrigues,
1995, p. 41). Aproximando-se do texto citado, a Maçonaria bra-
sileira no século XIX estabelecia como requisitos mínimos para
pertencer à ordem: ser homem, ter 21 anos de idade, instrução
primária, reputação de bons costumes, ter ocupação livre e de-
cente, meios suicientes de subsistência, estar isento de crime e
não possuir nenhum defeito físico (Barata, 1998).
É importante, todavia, não negligenciarmos a dimensão
histórica da instituição maçônica. Seria anacrônico exigirmos
que a Maçonaria, nos séculos XVIII e XIX, atribuísse ao conceito
de igualdade o mesmo sentido que lhe é dado nos dias atuais. É
preciso termos em mente que as sociedades que elaboraram os dois
textos acima citados, isto é, a inglesa e a brasileira, encontravam
limites para a efetiva implantação de novos modelos e valores
sociais. José Guilherme Merquior, por exemplo, ao analisar o li-

29
Michel Silva (Org.)

beralismo inglês, demonstra que, no século XIX, os privilégios


aristocráticos ainda não haviam sido completamente superados.
Do mesmo modo, as elites brasileiras oitocentistas ainda demons-
travam um profundo apego aos valores nobiliárquicos herdados
da cultura ibérica (Merquior, 1991). Diante do exposto, é possí-
vel airmar que a igualdade preconizada pela Maçonaria, embora
não tenha sido implementada de modo absoluto, apresentou-se
como uma proposta inovadora em meio a seu contexto histórico.
Por im, Marco Morel (2001) chama-nos a atenção para a
verdadeira incoerência do discurso igualitário maçônico. Funda-
mentando-se sobre uma forma aguda de distinção: os iniciados e
os não iniciados, os que habitam as luzes e os que se mantêm nas
trevas, a Maçonaria acaba por colocar seus obreiros como quali-
tativamente superiores aos profanos.

2. A maçonaria e sua linguagem simbólica

Diferentemente de outras organizações sociais, não há na


Maçonaria um conjunto de escritos que contenham e traduzam
todos os seus preceitos, ilosoias, normas e ritos. Embora a Cons-
tituição de Anderson seja ainda uma referência para a Maçona-
ria e seus estudiosos, a simplicidade e a objetividade de seu texto
não lhe permitem esgotar toda a riqueza da cultura maçônica. De
fato, o cerne da ilosoia maçônica vem sendo transmitido e per-
petuado entre as gerações por meio de uma linguagem não tex-
tual, mas, sim, simbólica, baseada em mitos, rituais e alegorias.
Esta linguagem simbólica constituiu-se no principal instrumento
pedagógico adotado pela Maçonaria com o propósito de inculcar
entre seus membros os preceitos e as divisas da ordem.
O corpo simbólico maçônico foi alimentado por elementos
culturais múltiplos, advindos da cultura grega, egípcia, oriental e,
principalmente, judaico-cristã. O mito de origem da ordem, bem
como a base do ritual maçônico, giram em torno do personagem

30
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

bíblico de Hiram, o arquiteto chefe da construção do templo de


Salomão. Já os graus simbólicos (aprendiz, companheiro e mes-
tre), os ornamentos e insígnias maçônicas (esquadro, compasso,
prumo, malhete, trolha, etc) aludem à cultura medieval das anti-
gas corporações de construtores (Naudon, 1968).
Faz-se necessário ressaltar que os mitos, os símbolos e os ritos
não são privilégios do pensamento e das culturas religiosas. Ao
contrário, eles correspondem aos ingredientes vitais da civiliza-
ção humana, permitindo-lhe expressar o desejo quase inato do
homem de saber cada vez mais acerca do mundo e de si próprio.
Na busca pela compreensão do mundo em sua totalidade, da sua
signiicação e de sua ordenação de forma coerente, o ser humano
encontra na simbologia uma forma de falar, ver e sentir dimen-
sões da realidade que são inatingíveis racionalmente e de difícil
apreensão de modo direto pela consciência discursiva. Em outras
palavras, a linguagem simbólica exprime, em planos diferentes e
meios que lhe são próprios, um complexo sistema de airmações
coerentes sobre a realidade última das coisas (Eliade, 1969).
Diante dos anseios humanos acima referidos, a Maçonaria
construiu em torno de sua simbologia e da fábula capital de Hi-
ram, não só um mito de origem que explica e legitima sua insti-
tuição, mas, também, uma ilosoia própria que tem como escopo
dar coerência e propósito à existência do ser humano.
O poder de inluência de um mito sobre uma comunidade
encontra força na sua ininita repetição, no seu eterno recontar.
Desse modo, cada vez que se realiza um ritual maçônico, a lenda
de Hiram é rememorada e sua lição moral introjetada. Na narra-
tiva lendária, os maçons encontram o exemplo de idelidade, de
nobreza e de respeito às hierarquias, isto é, os valores e virtudes
que todo membro da ordem deve resguardar:

A lenda de Hiram continua a ser uma das pedras simbóli-


cas da franco-maçonaria atual.[...] Tendo cessado para nós a
arte operativa (a construção de edifícios materiais) nós, en-

31
Michel Silva (Org.)

quanto mações especulativos, simbolizamos o trabalho de um


templo espiritual em nossos corações, templo puro e sem má-
cula [...] Essa espiritualização do templo de Salomão é a pri-
meira das instruções da Franco-maçonaria. (Naudon, 1968)

Os mitos, além de estabelecerem modelos de comportamen-


to, possuem a importante função de legitimar instituições, uma
vez que constroem uma explicação de suas origens. Relatando
algo fabuloso, que se supõe acontecido num passado remoto, o
mito estabelece uma relação de continuidade entre este momento
fundador, normalmente perfeito, com uma instituição ou socie-
dade do momento presente. No caso da Maçonaria, a legitimi-
dade da instituição é dada por uma narrativa que parte de uma
referência bíblica – II livro de Crônicas, capítulo 2 – portanto,
sagrada e irrefutável.
Finalmente, é preciso ressaltar que a linguagem simbólica
instituída pela Maçonaria, o compartilhamento de rituais, mitos
e alegorias decodiicadas apenas pelos irmãos da ordem, favorece
a identiicação e a coesão do grupo. A linguagem simbólica apro-
xima os homens de uma maneira mais eicaz e real do que a lin-
guagem analítica. Para Mircea Eliade (1968, p.13), “se existe uma
solidariedade total do gênero humano, ela só pode ser sentida e
“atuada” no nível das imagens”. Em um raciocínio próximo, Eric
Hobsbawm lembra-nos como o compartilhamento de signos, si-
nais, toques, rituais de iniciação, isto é, de “tradições inventadas”
que se dão a partir da continuidade com um passado histórico,
inculcam normas de comportamento e criam sentimentos de
identidade coletiva (Hobsbawn; Ranger, 1984).
Frente ao que foi demonstrado até agora, chama-nos atenção
a complexidade da natureza maçônica. Se, por um lado, entende-
mos a Maçonaria como um espaço propiciador da liberdade de
expressão, das práticas representativas e do culto à razão, valores
típicos das sociedades modernas, por outro, encontramos, tam-
bém, uma instituição com uma reinada cultura ritualística e um

32
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

apego às tradições, à mística, à hierarquia e aos princípios mo-


rais. A Maçonaria especulativa é fruto da mistura do pensamento
medieval, renascentista e iluminista. Diante disto, percebemos a
coniguração de uma instituição que relete em suas estruturas
o espírito progressista da época das luzes, ao mesmo tempo em
que se mantém carregada de valores e simbologias medievais. Os
preceitos maçônicos são, assim, fruto da interação entre o tradi-
cional e o moderno, o racional e o mítico.
Todavia, não acreditamos haver incoerência nesta consti-
tuição, ao mesmo tempo moderna e tradicional da Maçonaria.
Tampouco, seu apego à tradição e a um passado místico nega ou
inviabiliza seu projeto progressista. Inúmeras foram as ideologias
modernas e progressistas que se inspiraram nos sublimes tem-
pos do começo ou, em outras palavras, poucas foram as visões
do futuro que não se apoiaram em referências do passado (Gi-
rardet, 1987). A modernidade também necessita estabelecer com
um passado ou com uma determinada tradição, uma relação de
continuidade para se legitimar, sendo que, as inovações não se
tornam menos novas ao revestirem-se de um caráter de antigui-
dade. Diante disto, pessoas ou instituições progressistas, tal como
a Maçonaria, podem, frequentemente, agir de modo tradiciona-
lista, sem cair em contradição.

3. Cultura e subculturas maçônicas

Uma instituição formada por um corpo sagrado de crenças e,


ao mesmo tempo, historicamente remoldável. É assim que deini-
mos a Maçonaria, a partir da análise até aqui realizada.
O estudo da formação e da organização da Maçonaria pelo
mundo revela-nos uma história marcada por abalos, cisões, ir-
rupções e conlitos. Do mesmo modo, a análise dos preceitos que
a fundamentam denuncia menos uma essência maçônica profes-
sada universalmente, e mais um conjunto de normas e valores

33
Michel Silva (Org.)

passíveis de interpretações e apropriações múltiplas. A maioria


dos pesquisadores da Maçonaria, todavia, já é unânime em ad-
mitir a impossibilidade de se pensar em uma instituição unívo-
ca e coesa. Marco Morel, por exemplo, defende que a Maçonaria
constitui-se muito mais em uma concepção de organização do
que numa entidade monolítica ou portadora de uma visão de
mundo especíica (Morel, 2001). Em raciocínio semelhante, Fer-
rer Benimeli, um dos maiores estudiosos da Maçonaria na atua-
lidade, fala-nos da diiculdade em deinir esta sociedade de ma-
neira precisa, abrangendo-a em toda a sua extensão. Ao destacar
os inúmeros desvios, abusos e subdivisões surgidas no interior da
instituição, o autor ressalta que “nem sequer se pode falar de uma
maçonaria única, dados os seus múltiplos ritos, obediências e ins
diametralmente opostos, embora se sirvam de uma terminolo-
gia e de uma forma de organização idênticas” (Benimeli, 1983, p.
246). Frente a estas observações, Eliane Colussi (1998) conclui ser
mais coerente, historicamente, falar em maçonarias.
No presente texto demonstramos a existência de um fundo
teórico comum que orienta e estrutura todos os discursos maçô-
nicos e que se pauta em ideias próximas às do movimento ilus-
trado, tais como a do progresso, da razão, da universalidade da
natureza humana, etc. Entretanto, é preciso ter em mente que o
uso em comum de um discurso não garante que ele esteja sendo
compreendido e instrumentalizado da mesma maneira. Roger
Chartier, a partir do estudo das práticas de leituras, ajuda-nos a
pensar a questão aqui colocada. Segundo ele, não existe um senti-
do intrínseco, absoluto, único do texto, ou seja, suas ideias não se
apresentam como categorias universais de interpretação (Char-
tier, 1990). Ao contrário, seu sentido é construído historicamen-
te. Embora os autores de um discurso queiram mantê-lo sujeito a
um sentido único, a aceitação de uma mensagem opera-se sem-
pre através de desvios e reempregos singulares. Em síntese, cada
leitor, a partir de suas próprias referências, individuais ou sociais,

34
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos singular,


mais ou menos particular, ao texto de que se apropria.
A liberdade ou o poder que o receptor tem de atribuir senti-
do a uma ideia que lhe foi lançada mostra-se clara na análise das
inúmeras interpretações que as divisas e proposições maçônicas
receberam. Conforme explicitado anteriormente, o entendimen-
to acerca do caráter apolítico da ordem ou de sua relação com a
religião, por exemplo, ganhou formas diversas a partir do con-
texto histórico-cultural das maçonarias nacionais. Até mesmo os
mitos e símbolos maçônicos foram decodiicados de maneiras di-
ferentes, o que não nos causa estranhamento, uma vez que o mito
é fundamentalmente polimorfo e ambivalente, estando suscetível
às numerosas ressonâncias e signiicações, por vezes opostas.
A potencialidade de se conferirem sentidos múltiplos aos pre-
ceitos maçônicos é ampliada pela natureza vaga e subjetiva de mui-
tos deles, tal como o discurso da moral, da virtude e do progresso.
A concepção de progresso, por exemplo, não carrega consigo um
sentido único, tendo sido, por isto, apropriada por diferentes agen-
tes discursivos. Embora partam de um mesmo fundamento – a
humanidade, que, possuidora de uma natureza comum, caminha,
linearmente, rumo a níveis mais avançados de desenvolvimento
–, as teorias progressistas elaboraram diferentes modelos de so-
ciedades utópicas. A cultura socialista, por exemplo, vislumbra, a
partir de uma revolução proletária, uma sociedade sem classes. Já
os positivistas projetavam, para o inal do processo evolutivo, uma
ditadura republicana. A Maçonaria, por sua vez, entrevê para o
futuro uma humanidade unida e aperfeiçoada intelectual, moral
e materialmente. Todavia, quando chega a hora de se deinir em
que consiste este aperfeiçoamento ou este progresso, quais seriam
os ins a serem alcançados por eles, bem como o caminho a seguir
para atingi-los, não faltam dissensões. Traduzidas para o plano da
organização efetiva das sociedades ou da política de um Estado,
as divisas maçônicas fundamentaram propostas as mais variadas,
quando não, díspares (Morel; Souza, 2008).

35
Michel Silva (Org.)

Conclui-se, portanto, que a Maçonaria não se conigura


como uma instituição acabada e passível de deinição a partir de
um modelo explicativo único. Ao contrário, ela vem assumindo
múltiplas feições, em diferentes épocas e lugares, e que vão sen-
do construídas a partir de ininitos arranjos entre suas divisas e
preceitos e as resigniicações a eles impostas pelas necessidades e
anseios de determinados contextos históricos.
Após levantarmos a possibilidade de serem realizadas dife-
rentes leituras e instrumentalizações dos preceitos maçônicos,
uma incômoda indagação reclama-nos uma resposta: é ainda
possível pensarmos na existência de uma cultura maçônica?
Uma Cultura corresponde a um conjunto complexo de lin-
guagens, comportamentos, valores, crenças, representações e
tradições partilhadas por um determinado grupo humano e que
lhe conferem uma identidade. Frente a tal deinição, todavia, é
importante guardar o cuidado de não estabelecermos uniformi-
zações exageradas. Rodrigo Patto Sá Motta lembra-nos que as
sociedades, principalmente as complexas, são marcadas por nu-
anças, particularidades e divisões internas. Nesse sentido, suas
estruturas culturais podem não ser partilhadas por toda a coleti-
vidade (Motta, 1996).
Diante do exposto acima, forjou-se o conceito de subcultura
para dar conta da complexidade cultural. Deste modo, as forma-
ções sociais podem ser compostas de subculturas que partilham
de alguns elementos da cultura mater, ao passo que mantêm ca-
racterísticas próprias (Motta, 1996). Acreditamos que este mo-
delo explicativo aplique-se corretamente à cultura maçônica.
Neste caso, a sua cultura mater fundamenta-se numa estrutura
organizacional típica e num corpo simbólico, mítico e ritualístico
responsável por conferir às várias subculturas maçônicas, isto é,
às várias expressões e formatos assumidos pelas lojas maçônicas,
um sentimento recíproco de identiicação, uma noção de perten-
cimento a um grupo maior e, por im, uma diferenciação em re-
lação à cultura e à sociedade profana.

36
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Isto posto, torna-se importante elencar, rapidamente, os ele-


mentos que, ao nosso entender, dão consistência à identidade
maçônica. Todas as lojas, independente do rito, obediência ou
nacionalidade às quais pertençam, compartilham um mesmo
passado mítico, isto é, um mesmo marco fundador, percebendo-
-se como herdeiras da arte e dos valores do emblemático Hiram.
Também, os símbolos de reconhecimento maçônico são sempre
os mesmos, o que permite a uma loja maçônica ser identiicada
como tal em qualquer lugar do mundo. Do mesmo modo, a ter-
minologia maçônica, os toques e os sinais empregados, dentro e
fora das lojas, possibilitam aos obreiros, em qualquer lugar em
que estejam, reconhecerem-se em meio aos profanos. Os elemen-
tos de identiicação maçônicos são tão poderosos que possuem
a capacidade de levar pessoas de diferentes nacionalidades, que
jamais se encontraram e nem se encontrarão, a sentirem-se pos-
suidoras de vínculos que as fazem iguais e comprometidas umas
com as outras. Tais homens, iniciados nos mesmos mistérios e
conhecedores dos mesmos segredos, embora não convivam dia-
riamente e tampouco dividam o mesmo espaço físico, compõem
uma única comunidade que ganha existência no nível do imagi-
nário. Por im, cabe ressaltar que o próprio fundamento teórico
maçônico atua como elemento uniicador, na medida em que di-
ferentes homens, ao propalarem preceitos comuns, mesmo que
só em sua forma, consideram-se agentes de uma mesma causa.
Os maçons, por exemplo, são unânimes em se airmarem como
os maiores defensores da liberdade, igualdade e fraternidade, ain-
da que estas bandeiras, em diferentes contextos, assumam signi-
icados diversos.
Cabe destacar que para a compreensão do que seja uma cul-
tura, mais importante do que se constituir, concretamente, como
uma comunidade coesa, homogênea e universal, é a imagem que
os indivíduos alimentam da coletividade à qual pertencem. Os
maçons, de modo geral, sentem-se efetivamente ligados a um

37
Michel Silva (Org.)

agrupamento de homens que, embora não visíveis no plano do


olhar, encontram-se “lá”, conscientes da existência uns dos ou-
tros. São estes sentimentos de identidade, de comunidade e de
pertencimento, não explicados apenas pelo plano da razão, mas
também da tradição, do costume e do imaginário, que nos permi-
te airmar a existência de uma cultura maçônica.
Por im, a constatação da existência de uma cultura maçôni-
ca, subdividida em várias subculturas, leva-nos à associação da
Maçonaria a um longo tecido que, visto por um olhar distancia-
do, aparenta possuir forma e cor homogênea. Analisado de perto,
entretanto, o tecido maçônico revela-nos um entrecruzamento de
diferentes matizes que se mantêm unidos por pontos de inter-
seção, que nada mais são do que os elementos constitutivos da
identidade maçônica. Deste modo, a cultura mater da Maçonaria
corresponde aos liames que impedem o total esgarçamento deste
tecido e, consequentemente, o surgimento de instituições com-
pletamente distintas.

38
Capítulo 3
Hipólito José da Costa, a sociabilidade maçônica
e a (re)construção da memória

Bruna Melo dos Santos

Introdução

Hipólito José da Costa, redator do Correio Braziliense (1808-


1822), primeiro jornal brasileiro, atuou em dois importantes
campos de sociabilidades: a Imprensa e a Maçonaria, que contri-
buíram para as transformações do espaço público no contexto de
transição do absolutismo para os liberalismos e as novas formas
de liberdades. Hipólito é uma personagem com muitas facetas,
aqui interessa destacar a sua faceta maçônica e, consequentemen-
te, sua posição diante desta rede de sociabilidade, que, em sua
concepção, era muito útil às nações pelo fato de polir os costu-
mes, fomentar virtudes patrióticas e algumas morais aos homens
que faziam parte dela.
Antes de prosseguirmos com as discussões acerca da socia-
bilidade e da (re)construção da memória maçônica de Hipólito
da Costa, faz-se necessário uma breve exposição da trajetória de
vida do redator do Correio Braziliense.
Hipólito nasceu em 1774 na Colônia do Sacramento, uma
região que ainda não tinha “domínio” deinido. A região teve
sua colonização iniciada por Portugal nos idos de 1718, quando
casais oriundos da região portuguesa de Trás-os-Montes foram
levados para lá com a inalidade de ocupar o território, que já
estava sendo reivindicado pela Espanha. No ano de 1777, iniciou-
-se uma disputa entre Espanha e Portugal sobre a região e, com a

39
Michel Silva (Org.)

assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, icou registrada a posse


da Espanha sobre a Colônia de Sacramento.
Várias famílias, oriundas da colonização portuguesa, dentre
elas a família de Hipólito, tiveram que deixar a região e se abriga
na parte meridional do Rio Grande do Sul, mais especiicamente
na vila de Rio Grande, território espanhol que havia sido con-
quistado pelos portugueses.
Hipólito passou parte da adolescência no Rio Grande do Sul
e o resto da vida como um cosmopolita. Começou cedo nos es-
tudos. Aos 18 anos de idade, matriculou-se na Universidade de
Coimbra, em 1796 já estava formado em Filosoia e, no de ano de
1798, aos 24 anos, formava-se, também, em Leis.
Esse foi um caminho trilhado por muitos ilhos da elite colo-
nial brasileira, que depois de formados passavam a fazer parte do
grupo dos homens letrados nascidos no Brasil, que gravitavam
em torno da igura de D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro
e secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de
Portugal. Sem ter muitas escolhas, já que o contexto social acaba-
va lhes impondo esse caminho para alcançarem o status de “esta-
belecido” na sociedade de letras, Hipólito também fez parte desse
grupo, o qual Kenneth Maxwell chamou de “geração de 1790”
(Maxwell, 1990, p. 90).
De fato, Hipólito não demorou muito para se estabelecer
dentro do grupo dos letrados e ser patrocinado pela Coroa de
Portugal. Em 1798, seguiu para os Estados Unidos da América,
onde icou até 1800, pesquisando técnicas agrícolas, do comércio
e da indústria, que pudessem contribuir para o desenvolvimento
do Império português e seus reinos. Segundo o próprio Hipólito,
foi durante esse período que fez sua iniciação na Maçonaria, na
cidade de Filadélia.
Ao cumprir a missão cientíica, retornou a Portugal, onde
assumiu o cargo de diretor da Impressão Régia de Lisboa, anti-
ga Casa Literária do Arco do Cego. Já em posse do novo cargo,

40
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

seguiu em 1802 para Londres, a pedido de D. Rodrigo de Souza


Coutinho, para adquirir material tipográico para a Impressão
Régia. Aproveitando-se da oportunidade, Hipólito da Costa deu
andamento às negociações para uniicar e organizar as maçona-
rias de Portugal, que estavam enfraquecidas por conta das inú-
meras perseguições empreendidas pelos poderes conservadores
do mundo luso-brasileiro, mais precisamente pelo Intendente
Geral de Polícia, Pina Manique (Marques, 1990, p. 80).
No entanto, a atitude ousada de Hipólito foi descoberta e de-
nunciada à Coroa portuguesa, que ordenou sua prisão assim que
retornou de Londres. No momento da prisão, alguns papéis que
conirmavam as suspeitas da Inquisição do envolvimento com a sei-
ta diabólica foram apreendidos com Hipólito. Com tantas evidên-
cias, o destino de Hipólito não podia ser outro, dentro de um país
atrasado e que ainda mantinha um processo arcaico de julgamento.
A acusação que recaía sobre o réu Hipólito José da Costa era
de pertencer à sociedade maçônica. Hipólito questionou inúme-
ras vezes essa acusação, uma vez que sua iliação à Maçonaria
ocorreu em Filadélia, Estados Unidos, onde não era crime algum
alistar-se nesta ordem e que, portanto, não podia ser julgado por
algo que fez em outro país. Além do mais, não havia em Portugal
lei alguma que proibisse a Maçonaria, portanto, não era crime
pertencer à ordem maçônica, pois o cidadão livre pode obrar
tudo o que não é proibido pelas leis (Costa, 2009, p. 33).
Pelo seu pertencimento à Maçonaria, Hipólito da Costa
amargou quase três anos na prisão, de 1802 a 1805, pelo crime de
pertencimento a esse tipo de conventículo que era proibido pelas
leis canônicas. Porém, como airma o próprio, diante da Inquisi-
ção não negou ou se arrependeu de pertencer a essa “sociedade
de homens, que não tem outro im senão fazer bem às famílias
consternadas; cujo símbolo é a caridade, principal virtude da re-
ligião” (Correio Braziliense, 1816, p. 781).

41
Michel Silva (Org.)

Muito pelo contrário, após fugir dos cárceres da Inquisição e


se estabelecer em Londres – sob a proteção de Duque de Sussex,
grão-mestre da Maçonaria e membro da Família Real Inglesa –,
Hipólito saiu em defesa da Maçonaria e fez saber ao público as
virtudes maçônicas que orientavam e davam coesão às Lojas.
Em diversas oportunidades, seja no Correio Braziliense, na
Narrativa da Perseguição ou nas Cartas sobre a Framaçonaria,
discorreu sobre a utilidade da sociabilidade maçônica e, ainda
que qualquer tipo de sociedade pudesse trazer às nações, desde
que não fosse para ins criminosos, como criar vínculos fraternos
entre os cidadãos. Além das utilidades de polir os costumes, as
sociedades eram muito úteis por fazer aumentar a sociabilidade
entre os homens e intensiicar o amor que eles possuíam pela pá-
tria; e este era maior quanto fossem maiores e mais numerosas as
relações de amizade e parentesco; em uma palavra, quanto maior
fosse a sociabilidade dos cidadãos, maiores seriam suas virtudes
patrióticas (Costa apud Guimarães, 2000, p. 68).
Para Hipólito, as sociedades maçônicas, assim como as so-
ciedades literárias, também deviam ser incentivadas como for-
ma de instruir os cidadãos sobre os bons costumes e a moral.
Sinalizava que, além da sua utilidade para a nação, a Maçonaria
também se encarregava da educação e “arrumação dos órfãos” de
seus membros, estimulando, dessa forma, as virtudes do socorro
mútuo quando um ou outro irmão vivenciava situação de apuros.
Com o discurso de exaltação da fraternidade, da beneicência, da
observância das leis, entre outros princípios, legitimava a impor-
tância da Maçonaria na missão de levar a civilização aos homens.

[...] a utilidade da sociedade ou se pode considerar relativa-


mente à nação, ou relativamente aos indivíduos, membros da
sociedade. Se a considerarmos pela utilidade que dela pode
resultar à nação, não pode chamar-se inútil; visto que, ica
provado que todas as sociedades particulares, que não são
para maus ins, são úteis; porque aumentam a sociabilidade

42
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

entre os homens, [...] e fomentam as virtudes patrióticas e


ainda algumas morais. (Correio Braziliense, 1809, p. 269)

A mesma visão sobre a Maçonaria é encontrada no contem-


porâneo de Hipólito, o jornalista José Liberato Freire de Carvalho,
que também fez parte da sociabilidade maçônica. Em suas memó-
rias, José Liberato relata que a sua iniciação se deu pela curiosi-
dade em descobrir o que havia naquela sociedade tão perseguida
pelo Estado e pela Igreja, mas que, ao mesmo tempo, era composta
por vários homens honestos. Ao ser iniciado na Loja Fortaleza re-
latou que encontrou ali “não só homens honestos, mas até virtuo-
sos, e de costumes os mais puros” (Liberato, 1855, p. 30).
A justiicativa da curiosidade, como um motivador para per-
tencer à Maçonaria, foi utilizada também por Hipólito da Costa.
Dessa forma, ele explicou ao presidente da Inquisição, Manuel
Estanislau Fragoso, que pelo motivo de ter acompanhado:

[...] o funeral e enterro de um pedreiro-livre, bastantemen-


te [sic] numeroso dos membros daquela sociedade, e com
os aventais, e insígnias que correspondiam aos seus graus e
representações, se lhe animou pela referido objeto o desejo,
e curiosidade de querer indagar de mais perto o misterio-
so segredo com que se cobriam os ins e procedimentos da
mesma sociedade [...]. (ANTT, n.17981, p. 12)

As acusações que a Igreja e o Estado faziam à Maçonaria não


condiziam com a realidade desta associação que era “a mais justa,
a mais bem imaginada, e mais útil para a humanidade de quantas
se têm formado no mundo”. Para Liberato, a deinição da ordem
maçônica estava intimamente relacionada à prática de caridade,
portanto ela “é toda humanitária, e ilantrópica; é toda de cari-
dade, e a sua caridade é universal, porque se estende a todas as
crenças, e a todos os povos do mundo” (Liberato, 1855, p. 33).

43
Michel Silva (Org.)

Além do caráter ilantrópico, Liberato ainda ressaltou o prin-


cípio de socorro mútuo que existia entre os maçons, pois em
qualquer lugar do mundo o maçom é socorrido por outro, sendo
isto uma obrigação e um dever da Maçonaria. Assim, ele citou
como exemplo D. Pedro, que sendo “Imperador do Brasil e Rei
de Portugal, os conheceu [pedreiros-livres] bem de perto, e quais
eram as suas leis, e as suas intenções”, quando foi aceito maçom
no Rio de Janeiro, alcançando o degrau maior de Grão-Mestre
(Liberato, 1855, p. 33).
Como podemos observar, a defesa de José Liberato em prol
da Maçonaria em muitos pontos se confunde com o próprio dis-
curso maçônico de Hipólito da Costa. Na realidade, não se trata
de uma coincidência, mas sim de um pensamento típico do re-
formismo ilustrado e estava em concordância com o pensamen-
to maçônico emergido do contexto iluminista, que se propagava
dentro das Lojas.
Hipólito da Costa e José Liberato izeram parte dos mesmos
espaços de sociabilidade: a Maçonaria e a Imprensa, importantes
locais de reunião dos homens letrados do oitocentos. Portanto,
é interessante analisar a obra Memórias da vida de José Liberato
Freire de Carvalho como fonte para se compreender algumas la-
cunas que ainda não foram preenchidas na trajetória de vida do
maçom Hipólito José da Costa.
Liberato, por meio de suas memórias, narrou fatos que, co-
mumente, se repetem acerca da vida do redator do Correio Bra-
ziliense como, por exemplo, a sua fuga, no mínimo suspeita, dos
cárceres da Inquisição, pelo portão da frente. Esta ocorreu em um
dia em que Hipólito, percebendo que havia apenas um guarda
para vigiar toda cadeia, ingiu uma forte dor na barriga solicitan-
do assim que o guarda aquecesse um pouco de água para ele. As-
sim este o fez, deixando o prisioneiro sozinho e ao seu alcance o
molho de chaves que fechava as portas do cárcere. Foi então que:

44
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

[...] descalçando as botas, e eniando-as nos braços, pegou


nas chaves, e com elas foi abrindo as portas, que já bem co-
nhecia, e chegou são e salvo até a da rua, porque a cozinha
estava longe, e não podia ser percebido pelo guarda. Ali é
que esteve por um momento arriscada a sua fuga, porque
metendo a chave na fechadura da porta da rua, e vendo que
não dava volta, icou na maior ansiedade e susto. Sucedeu,
porém, e sem saber como, que tocou no fecho da porta, e
esta se abriu. Deu um salto de alegria no Rocio, e se achou
respirando o ar livre [...]. (Liberato, 1855, p. 43)

A fuga de Hipólito é um tema, ainda hoje, pouco explorado


na historiograia, talvez por isso se aceite o relato feito por José Li-
berato em suas memórias, que, de certa forma, é conirmado pela
descrição que o próprio Hipólito fez na Narrativa da Perseguição.

Depois, podendo eu, como podia e efetivamente executei,


sair sem arrombamento, escalamento ou violência alguma,
não tinha nisto o menor crime, visto que o crime do preso
que foge consiste no arrombamento, escalamento de pare-
des, e eu saía sem violência alguma. Nenhum jurisconsulto
reputa crime a fuga simples pela porta principal do cárcere;
eu não estava preso debaixo da minha palavra, para se po-
der dizer que eu havia quebrado a homenagem; a guarda da
minha pessoa estava cometida a outros e não a mim mesmo;
ninguém me pôs preceitos de não fugir, tanto assim que da
multiplicidade de grades e chaves, da fortaleza das paredes,
e dos cuidados dos guardas, é que eles tinham coniado a
minha segurança. (Costa, 2009, p. 84)

Em ambos os relatos, devido à facilidade em que se deu a


fuga, pode-se conjecturar que, provavelmente, houve um favo-
recimento para isto. O socorro mútuo como parte do princípio
maçônico parece ter contribuído para a fuga do futuro redator,
que saiu da prisão pelo portão da frente. Os boatos que ocorre-
ram à época da fuga de Hipólito também davam conta da suposta

45
Michel Silva (Org.)

ajuda da Maçonaria. Sobre tal aspecto, José Liberato não corro-


bora. Assim, ele airma que “esse boato se acreditou, e deu muita
reputação à maçonaria, porque se dizia ao mesmo tempo, que
era ela quem tinha feito este milagre, que se supunha ser obra de
grande dinheiro, e de grande inluência”; porém para José Libera-
to “a fuga não havia custado um real, e todo [sic] havia sido obra
do acaso” (Liberato, 1855, p. 44).
Destarte, se levarmos em consideração os relatos feitos por
José Liberato, a lista de possíveis colaboradores para a fuga de
Hipólito pode ser um pouco maior.

Entre os que forte e descobertamente advogavam a sua cau-


sa era o Duque de Sussex [...]. Devo também dizer, que o
Príncipe Regente não era avesso a Hipólito, porque sempre
o tinha protegido e ao irmão, e tinha concorrido para irem
frequentar a Universidade de Coimbra. Nem D. Rodrigo era
também seu inimigo, ou lhe queria mal. Se foi causa de o
prenderem, teve por motivo o arredar de si suspeitas de ser
seu cúmplice nas indiscrições que tinha cometido em Lon-
dres. (Liberato, 1855, p. 44)

Contudo, é mais comum encontrar na historiograia que foi


com a ajuda da rede bem organizada da sociabilidade maçônica,
tanto portuguesa como inglesa, que Hipólito deixou Portugal e se
exilou em Londres, sob a proteção do Duque de Sussex. A partir
de então, o Duque assumiu papel importante na vida de Hipólito.
A relação de amizade entre Hipólito da Costa e o Duque de
Sussex foi bem sólida. O redator luso brasileiro mostrou sua ad-
miração pelo duque fazendo-lhe uma homenagem ao colocar o
nome de seu ilho de Augusto Frederico. A admiração era recí-
proca, como se conclui das palavras que Duque de Sussex man-
dou cunhar na lápide do túmulo de Hipólito da Costa:

Dedicado à memória do comendador Hipólito José da Costa,


falecido a 11 de setembro de 1823 com a idade de 46 anos.

46
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Um homem não menos distinto do que pela inteireza do seu


caráter e atitudes. Descendia de uma nobre família do Brasil,
e na Inglaterra residiu nos últimos dezoito anos durante os
quais, por seus numerosos e valiosos escritos, difundiu entre
os habitantes daquele imenso Império o gosto pelos conheci-
mentos úteis, a inclinação pelas artes que embelezam a vida e
o amor pela liberdade constitucional, fundada na obediência
às leis e nos princípios de mútua benevolência e boa vontade.
Um amigo que conheceu e admirou suas virtudes, assim as
recorda, para o culto da posteridade. (Lustosa, 2002, p. 15)

Os amigos maçons se conheceram em Lisboa no ano de


1801. Naquela ocasião Hipólito acabara de retornar de Filadélia
e iniciava em Portugal uma intensa atividade maçônica. Prova-
velmente, o contato com o Duque aconteceu dentro do espaço
de sociabilidade das Lojas. De certo, o “laço de irmandade”, que
começou em Lisboa, deu proteção a Hipólito da Costa para que
de Londres iniciasse o projeto que o inseriu em outra forma de
sociabilidade: a imprensa.
Essa forma de proteção e de ainidade era recorrente nos an-
tigos regimes europeus, quando membros da nobreza acolhiam
intelectuais; essa prática continuou ao mesmo tempo em que
surgiam novas formas de sociedades modernas e liberais, o que
demonstra a permanência e complexidade da superação do an-
tigo regime. Hipólito viveu nesta época híbrida. Era um homem
ilustrado em consonância com as novas formas de sociabilidade,
que defendiam, sobretudo, a liberdade de expressão, pensamento
e opinião; no entanto, era patrocinado por um mecenas (Morel;
Souza, 2008, p. 83).

47
Michel Silva (Org.)

1. Em pauta: a intensa atividade maçônica, a prisão e o


processo inquisitorial do réu Hipólito José da Costa

Em 1802, quando Hipólito viajou para Londres em missão


oicial para comprar material tipográico para a Impressão Régia
de Lisboa, aproveitou para tratar de assuntos particulares que en-
volviam a uniicação e organização das maçonarias de Portugal,
que haviam se desmantelado após a queda do marquês de Pombal.
Dentre os muitos objetivos de sua viagem, Hipólito estava
em busca da iliação das lojas maçônicas portuguesas: “Amor e
Razão”, “Virtude”, “Concórdia” e “União”, ao Grande Oriente de
Londres. Segundo Oliveira Marques, o Duque de Sussex inluen-
ciou nesse processo, resultando na criação do Grande Oriente
Lusitano e que contou com o apoio da Grande Loja da Inglaterra
(antigos), decretando por meio da Acta Latomorum que “enquan-
to as lojas portuguesas se conformassem às antigas Constituições
da ordem, estariam autorizadas a ter um representante na Loja-
-Mãe da Inglaterra [...] e que os irmãos pertencentes [às Lojas] te-
riam igual direito aos privilégios da outra” (Marques, 1990, p. 80).
Essa suposta negociação de Hipólito com a Maçonaria che-
gou ao conhecimento dos Governadores do Reino de Portugal,
causando um desconforto para a igura de D. Rodrigo de Souza
Coutinho, ministro e secretário de Estado da Marinha e Domí-
nios Ultramarinos de Portugal, uma vez que Hipólito era “ailha-
do” do ministro.
Para não se comprometer diante da Coroa portuguesa, D.
Rodrigo ordenou ao Secretário da Polícia, Antonio Christovão
da Silva, que prendesse Hipólito da Costa e todos os papéis que
estivessem em sua posse. A ordem foi cumprida e Hipólito foi
preso em julho de 1802, cerca de três dias depois da chegada a
Londres. Conforme relatou o Secretário da Polícia, no momento
da prisão, foram encontrados junto com o preso alguns avisos em
que convocava “a dignidade da loja que se denomina Cavalheiros

48
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

da Espada no Oriente para se ajuntarem ao dia de segunda-feira


tratando os pela dignidade que cada um representa na infame
seita dos Pedreiros Livres” (Marques, 1990, p. 80).
Nos autos do processo Inquisitorial de Hipólito da Costa, es-
ses papéis foram citados diversas vezes pelo inquisidor ao ques-
tionar a relação do réu com a Maçonaria, pois o conteúdo destes
dava conta de uma negociação maçônica em que Hipólito tinha
sido nomeado o comissário. Sobre essa acusação, o Inquisidor
proferiu que

[...] consta em juízo documentos que [Hipólito] reconheceu


como seu e que se mostra tão afeiçoado da mesma socieda-
de e propagador desta na Corte portuguesa quisera com di-
versos sócios estabelecer uma loja mestra ou grande oriente
lusitano que regesse como superior as lojas iliais que já se
achavam estabelecidas em número de seis com os diversos
nomes manifestos nos mesmos papeis formalizando o có-
digo de leis para o governo particular de uma e outra loja,
até o ponto de ser escolhido para ir como comissário do
grande oriente lusitano a tratar com o de Londres uma re-
cíproca correspondência Maçônica munidos de tratado di-
plomaticamente escritos, e manejados com as particulares
credenciais, instituições, procurações, e responsabilidade de
comunicar ao mesmo supremo conselho todos os passos da
sobredita. (ANTT, n. 17981, p. 109)

No entanto, Hipólito recusava tal acusação airmando que os


papéis que lhe foram apreendidos na ocasião de sua prisão ha-
viam passado pelas mãos de diversas pessoas que podiam tê-los
alterado. Cogitando que até mesmo seu amigo José Joaquim Viei-
ra Couto pudesse ter alterado seus papéis “para algum im que
ele respondente ignora, e talvez com boas intenções, porque não
supõem outra coisa da sua amizade”. Assim, consta na resposta
do réu Hipólito da Costa nos autos da Inquisição:

49
Michel Silva (Org.)

Mas disse [o réu] que soube antes de ser levado para os cár-
ceres da inquisição que os papeis apreendidos pela polícia
tinha passado por 8 pessoas pelo menos e que não conhe-
cendo o caráter delas pode se presumir que poderia ter sido
forjado papeis que de alguma maneira se referisse ao dele
[...]. (ANTT, n. 17981, p. 106)

O nome de José Joaquim Vieira Couto, residente da capita-


nia de Minas Gerais, foi citado no processo de Hipólito da Costa
por ter sido encontrada entre seus papéis uma carta escrita pelo
próprio Couto, que também pertencia à sociabilidade maçônica,
tendo sido iniciado numa Loja de Lisboa em 1799, para onde foi
em busca da aprovação de uma petição contra o Intendente dos
Diamantes João Inácio do Amaral Silveira. Em 1803, foi preso
devido à sua condição de maçom, permanecendo por quase dois
anos nos cárceres da Inquisição.

No ato de sua prisão, foram achados em sua casa vários aven-


tais e papéis maçônicos. No inal de 1805, já bastante doente
pelos anos de prisão na Inquisição, foi entregue de volta à
Intendência Geral da polícia. Quando os franceses entraram
em Lisboa, Couto foi libertado. Mas, com a expulsão dos
franceses acabou sendo novamente preso e mandado pelos
Governadores do Reino para a Ilha Terceira, no Arquipélago
dos Açores, onde faleceu em 1811. (Barata, 2006, p. 56)

Quando ocorreu a prisão, Hipólito estava hospedado na casa


de “José Joaquim Vieira Couto situada na rua da Prata, freguesia de
São Nicolau em Lisboa, escrevendo os avisos de convocação para
uma reunião com as principais lideranças maçônicas de Lisboa”.
A casa de Vieira Couto tornou-se local de reunião maçônica e era
frequentada por José Saturnino da Costa, irmão de Hipólito, padre
Antonio Gomes de Carvalho, entre outros (Barata, 2006, p. 90-101).
Ao que parece, os inquisidores procuraram instigar o réu
questionando se não havia alguma possibilidade dele ter sido tra-

50
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ído por José Joaquim Vieira Couto. Talvez isto tenha sido um jogo
de cena para fazer Hipólito entregar Couto e vice-versa. A tática
parece não ter dado muito certo, pois Hipólito não acreditou que
o amigo o pudesse trair. Porém, torna-se suspeito pensar que a
amizade entre eles era tão verdadeira, se se levar em consideração
os relatos feitos por José Liberato de que na ocasião da fuga de
Hipólito, estava na mesma prisão outro brasileiro, cujo nome José
Liberato não recordou, mas Rizzini airma que esse brasileiro era
o mineiro José Joaquim Vieira Couto (Rizzini, 1957, p. 14). Logo,
se Hipólito teve acesso às chaves das prisões, porque não abriu a
cela do amigo para fugirem juntos?
De acordo com o relato de José Liberato, a Inquisição na-
quela época já estava quase vazia “e já era tanta a liberdade que
lá tinham que Hipólito sabia todos os cantos [da] casa”. Então,
conclui-se que não havia empecilho algum para Hipólito ter li-
bertado também seu amigo, caso desejasse (Liberato, 1855, p. 42).
Enim, o interesse aqui não é julgar a intensidade da amizade
de Hipólito e Couto, mas sim analisar o contexto de sociabili-
dade maçônica de que ambos izeram parte. Por isso, cabe res-
saltar que, por meio das páginas do Correio Braziliense, Hipólito
estreitava seus laços de amizade e sociabilidade, publicando os
textos escritos pelos seus pares, fazendo referências e homena-
gens a pessoas de seu circulo pessoal. Dessa forma, como era de
se esperar, Hipólito fez uma homenagem à memória de José Joa-
quim Vieira Couto, homem honrado, que se atreveu a queixar-se
contra as injustiças dos governadores da colônia e, portanto, foi
logo marcado para ser vítima do Governo Português.

Procurou-se pois meio de prendê-lo, e não achando outro,


descobriu-se, que o desgraçado procurador dos povos do
Brasil tinha desejado ser Framaçon, para saber o que tal
sociedade era. Não foi preciso mais, foi Couto preso, e en-
tregue ao furor da Inquisição para que esta livrasse ao Go-
verno Português do importuno procurador dos direitos bra-

51
Michel Silva (Org.)

silienses. [...] É morto o Couto; mas a sua memória deve ser


honrada, como um dos mártires dos direitos de sua pátria.
(Correio Braziliense, 1810, p. 705)

2. O “achamento” do Processo Inquisitorial e a


(re)construção da memória maçônica de Hipólito
José da Costa

Ao analisar a trajetória de vida de um indivíduo, o historia-


dor-biógrafo se depara com inúmeras facetas que podem ser res-
saltadas, ou não, de seu objeto de estudo. No entanto, ao destacar
uma faceta em detrimento de outras, o biógrafo estará realizan-
do um “enquadramento de memória” que deseja construir/forjar
para o seu biografado. Assim, tem-se para a igura de Hipólito da
Costa alguns enquadramentos de memória, tais como: o patriar-
ca da imprensa, o abolicionista, o precursor da Independência,
etc. Porém, o enquadramento da “memória maçônica” de Hipóli-
to, ainda hoje, carece de relevância.
Talvez isso se explique pelo fato de que o trabalho de enqua-
dramento da memória “se alimenta do material fornecido pela His-
tória” (Pollak, 1989, p. 10). Esse enquadramento é algo constante-
mente construído, reconstruído e reinterpretado que se conigura
na relação do passado em função dos combates do presente e do
futuro. Então, se se leva em consideração que esse “material” até
pouco tempo não existia, ou melhor, ignorava-se a sua existência,
torna-se compreensível a ausência de disputas para a construção de
uma “memória maçônica” do redator do Correio Braziliense.
A descoberta do processo inquisitorial de Hipólito é algo
muito recente, foi localizado no Arquivo Nacional da Torre do
Tombo no ano de 2009, e ainda não resultou em nenhuma análise
dessa fonte que venha dialogar, ou melhor, se contrapor com a
escrita, de certa forma, autobiográica que Hipólito da Costa fez
em sua obra Narrativa da Perseguição. Nesta, valendo-se apenas

52
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

de sua memória, de suas lembranças que se distanciavam cerca de


oito anos da experiência vivida nos cárceres da Inquisição, Hipó-
lito pretendeu narrar os horrores que sofreu durante os quase três
anos em que foi réu do Tribunal do Santo Ofício.
É consenso que toda narrativa em primeira pessoa coloca o
fato narrado sob o signo da suspeição, uma vez que “a narração
inscreve a experiência numa temporalidade que não é a de seu
acontecer [...] mas de sua lembrança” (Sarlo, 2007, p. 25). Dessa
perspectiva, torna-se relevante comparar a Narrativa da Perse-
guição como uma construção da memória de Hipólito da Costa
com o seu processo inquisitorial, enquanto fonte, resultante de
sua condenação, não só pelo crime de pertencimento à Maço-
naria, como Hipólito sinalizou diversas vezes em sua Narrativa,
mas também pelo crime de ter sido o correspondente dos maçons
portugueses nas negociações maçônicas com o Grande Oriente
Inglês que colaboraram para a fundação do Grande Oriente Lusi-
tano, descumprindo dessa forma as leis canônicas que proibiam e
condenavam como heresia a participação nos conventículos dos
Pedreiros-Livres.
Também é consenso que a utilização dos processos inquisito-
riais como fonte exige do historiador uma série de cuidados, uma
vez que ali está retratada a fala do réu, transcrita por um media-
dor, que, por sua vez, pode intencionalmente fazer a manipula-
ção desta fala. Assim, fazendo referência ao texto de Ginzburg
(1994), pode-se airmar que o historiador ao trabalhar com fonte
inquisitorial se comporta como um arqueólogo, não no sentido
de decifrar camadas de terra, mas sim com a tarefa de decifrar
as diferentes camadas de iltragens que se interpõem entre o réu
e o mediador (que em verdade representa a Instituição, isto é, a
Inquisição). Então, o historiador deve observar e se indagar sobre
as intenções do mediador em realizar a transcrição da fala do réu
com autenticidade e veracidade, ou seja, o que o leva a dar efetiva
voz ao acusado.

53
Michel Silva (Org.)

Quando Hipólito narrou as indagações feitas na sessão genea-


logia, ele chamou atenção para um pequeno incidente que ocorreu
naquela sessão, quando foi mandado icar de joelhos perante o in-
quisidor para dizer a doutrina cristã. Relata que não acatou a ordem,
por que aprendeu na doutrina cristã que dos “três cultos de latria,
hiperludia e dulia se devia dar só a Deus o culto da latria, no que se
compreende ajoelhar com ambos os joelhos; e que era um dos maio-
res pecados tributar este culto à criatura” (Costa, 2009, p. 52).
No entanto, o mesmo episódio é retratado nos autos do pro-
cesso, consta na sessão genealogia feita no dia 4 de fevereiro de
1803 conduzida pelo presidente da Inquisição, Manuel Estanislau
Fragoso, que o réu “logo posto de joelhos se presignou e ben-
zeu [...]” (ANTT, n.17981, p. 27). Aqui vale ressaltar que são dois
discursos completamente diferentes: do réu e do mediador, po-
rém de ambos os lados pode ter havido manipulação dos acon-
tecimentos, mas acreditamos que não é a função do historiador
emitir julgamentos, portanto, o objetivo aqui delineado é apenas
rastrear essas fontes a im de veriicar a memória produzida por
Hipólito na sua Narrativa, ao mesmo tempo comparando-a com
os relatos produzidos pelos autos da Inquisição.
Há algumas passagens da Narrativa que constam igualmente
nos autos do processo. A riqueza de detalhes com que Hipólito
as descreve parece mesmo indicar que estava com o processo em
mãos. Por exemplo, o libelo de justiça que o promotor proferiu
contra o réu acusando-o de participar das negociações maçôni-
cas com o Grande Oriente de Londres, sendo munido para este
im com credenciais, instituições e procurações, que constam nos
seus papéis, e por isso, assegurava o promotor, o réu deve ser jul-
gado por negativo e totalmente diminuto em suas conissões; a
mesma passagem pode ser observada tanto na Narrativa como
no processo do Tribunal Santo Ofício.
Ao mesmo tempo, há trechos do seu processo inquisitorial
que não aparecem em sua Narrativa, como é o caso de seu amigo

54
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Hauthes, citado várias vezes no processo como sendo a pessoa


que estava com Hipólito em Londres. Juntamente com este, Hi-
pólito escreveu vários papéis simulando uma negociação maçô-
nica para iludir (se divertir) com o mestre francês que lhes estava
ensinando o idioma. Sobre os papéis que continham informações
da Maçonaria, Hipólito expôs na sua Narrativa que havia escolhi-
do aleatoriamente matérias diversas, e, coincidentemente, alguns
tratavam do tema Maçonaria, mas que a única inalidade era trei-
nar os idiomas francês, inglês e alemão.

Considerações inais

Da análise dos discursos de Hipólito da Costa tanto da Nar-


rativa da Perseguição como dos autos do processo, vemos alguns
pontos que foram silenciados, talvez propositalmente por parte
de Hipólito ou do mediador (durante todo o processo, a fala de
Hipólito foi registrada pelo padre Manuel Figueiredo Ribeiro
Martins). Isto ica evidenciado na tentativa de Hipólito em cons-
truir uma memória maçônica que engrandece sua imagem pe-
rante a sociedade maçônica, mesmo que para tal tivesse que desa-
iar seu inquisidor, como ica evidente no trecho da Narrativa no
qual ele airma que durante as audiências, quando as perguntas
se referiam à sua iniciação à Maçonaria, respondia que havia sido
iniciado em Filadélia, Estados Unidos, onde lá não é crime al-
gum alistar-se nesta. Porém, na fala de Hipólito registrada pelo
mediador, a resposta dada ao inquisidor quando instado sobre o
seu pertencimento à Maçonaria não transmite tanta segurança:

[o réu disse que] havendo entrado em tal projeto pelas sim-


ples razão de curiosidade que declarou tendo precedido as
circunstâncias de ser informado por um eclesiástico cató-
lico, que nada havia, que temer, nem perigo de religião em
semelhante sociedade daqueles ritos e cerimônias, que nela
praticou e tornaram mais desgostoso, que satisfeito, por não

55
Michel Silva (Org.)

encontrar coisa alguma séria e digna de entreter ao homem


sisudo e grave. Se com os ditos procedimentos ao seu parecer
indiferentes, cometeu como católico alguma culpa da mesma
se acha bastantemente [sic] arrependido e pede que se use
com ele de piedade e misericórdia. (ANTT, n. 17981, p. 22)

Destarte, a partir da leitura do processo inquisitorial vê-se


que Hipólito não foi tão “audacioso” como quis airmar na sua
Narrativa da Perseguição, mas obviamente isto não anula a cons-
tante atividade pró-maçônica desenvolvida por ele ao longo de
sua vida enquanto homem de letra, redator e, sobretudo, maçom.
Em suma, com o “achamento” do processo inquisitorial chegou
o momento de retirar o pó dos arquivos. A partir desse “documen-
to monumento” abre-se um leque de possibilidades para a (re)-
construção da memória de Hipólito, principalmente em sua faceta
maçônica, no que diz respeito aos dois lados do discurso, isto é, o
da Narrativa da Perseguição e dos autos do processo inquisitorial.
Ao confrontá-los, é possível perceber que alguns pontos foram
silenciados, talvez propositalmente, por parte de Hipólito ou por
parte do inquisidor (durante todo o processo, a fala de Hipólito
foi registrada pelo padre Manuel Figueiredo Ribeiro Martins). Isto
ica evidenciado na tentativa de Hipólito em construir uma memó-
ria maçônica que engrandecesse sua imagem perante a sociedade
maçônica, mesmo que para tal tivesse que desaiar seu inquisidor.
Assim, quis mostrar na Narrativa uma postura irme e con-
iante em suas convicções de que não havia crime algum perten-
cer à Maçonaria. Postura bem diferente da qual consta na escrita
do processo, que mostra a igura de Hipólito um pouco menos
herói, a ponto de pedir perdão aos inquisidores por ter sido
membro da Maçonaria.

56
Capítulo 4
A imprensa maçônica da Corte imperial brasileira
na década de 1870: alguns apontamentos1

hiago Werneck Gonçalves

1. Notas introdutórias sobre o periodismo maçônico


oitocentista

A trajetória do periodismo maçônico oitocentista deve ser com-


preendida a partir de sua inscrição em um fenômeno histórico de
maior amplitude, que diz respeito ao desenvolvimento, à valoriza-
ção e à consolidação das funções e atividades da imprensa no Brasil.
O surgimento dos impressos no país está vinculado ao pro-
cesso de transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro
em 1808. Mudanças signiicativas ocorreram no rastro do estabe-
lecimento da sede do reino no território de sua colônia america-
na, a exemplo da implantação da tipograia oicial, cujo objetivo
era publicar os atos governamentais e divulgar informações con-
venientes à Coroa.
Com isso, surgiu o primeiro jornal impresso no Brasil: a Gazeta
do Rio de Janeiro, lançado em setembro de 1808 pela Impressão

1. Este capítulo é parte de um trabalho desenvolvido pelo autor no âmbito do Progra-


ma de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-U-
FF), apresentado sob a forma de dissertação de mestrado. Nela analisamos, através
do uso de periódicos maçônicos e católicos, a presença da imprensa maçônica di-
fundida na Corte imperial brasileira, especialmente no período compreendido entre
1871 e 1874, buscando revelar o seu papel tanto na difusão da cultura impressa quan-
to na construção dos espaços públicos modernos (Gonçalves, 2012).

57
Michel Silva (Org.)

Régia. No entanto, diversos autores atribuem a Hipólito da Costa,


e ao seu Correio Brasiliense, o marco de fundação da imprensa bra-
sileira2. Este periódico foi direcionado, sobremaneira, aos assuntos
relacionados aos portugueses e suas colônias. De acordo com as his-
toriadoras Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca (2008, p. 7):

Oposicionista e crítico, o periódico era feito na Inglaterra,


mas discutia os problemas da Colônia e atravessava o oceano
Atlântico para circular por aqui. Assim, no mesmo ano em
que a Corte portuguesa transferiu-se para o Rio de Janei-
ro fugindo de Napoleão, o jornal idealizado e realizado por
Hipólito da Costa, disponível a nobres e plebeus do Novo
Mundo, estava longe de ser um beija-mão dos poderosos.

Em virtude de suas características críticas, o Correio Brasi-


liense sofreu diversas perseguições das autoridades portuguesas,
visto que desde o decreto de 13 de maio de 1808, que instituiu a
Impressão Régia, vigorava no país a “censura prévia”, sendo essa
responsável por “examinar os papéis e livros que se mandaram
publicar, e de vigiar que nada se imprimisse contra a religião, go-
verno e bons costumes” (Araújo, 1836, p. 28-30 apud Ferreira,
2013). De 1808 a 1821, apenas os jornais oiciais ou aqueles que
eram considerados inócuos pelo crivo da censura governamental
circularam livremente no Brasil.
A partir do contexto da “Revolução Liberal do Porto”3, cujo
efeito signiicativo foi a publicação do decreto da liberdade de im-
prensa das Cortes de Lisboa, a cena impressa brasileira foi altera-
da: em 1821, D. João VI dissolveu a censura prévia no país. Assim,
notamos um verdadeiro aumento da circulação de impressos, es-

2. Ver, por exemplo, Lustosa (2004) e Rizzini (1988).


3. A chamada “Revolução Liberal do Porto” de 1820, entre seus desdobramentos,
contribuiu para o processo de independência do Brasil, já que entre as reivindicações
do movimento estava o imediato retorno de D. João VI para Portugal e a recondução
do Brasil à condição de colônia.

58
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

pecialmente no calor dos dilemas e dos debates que fomentaram o


processo de separação política deinitiva de Portugal4.
A imprensa atuou como um importante canal para a divul-
gação e a legitimação dos diferentes projetos formulados para o
Brasil independente. Os impressos eram, enquanto instrumentos
das práticas culturais e políticas, típicos representantes das mo-
diicações ocorridas em meados do século XIX. Robert Darnton
(1996, p. 15) argumentou que em um mundo “sem telefone, rá-
dio e televisão [...] a única maneira de comover a opinião pública
numa escala nacional é o tipo móvel”.
Em relação aos jornais maçônicos, apesar da existência de al-
guns folhetos panletários a partir da primeira metade do século
XIX, foi somente na década de 1870 que surgiram os primeiros
órgãos de imprensa de propriedade dos Grandes Orientes5, vol-
tados para um público mais amplo, embora especíico. Os seus
principais interlocutores eram os maçons e os seus simpatizantes,
apesar dos seus inimigos, especialmente os católicos de orienta-
ção ultramontana6, também contarem com um espaço privilegia-
do nessas publicações.
Durante esse período, no qual os debates oriundos da im-
prensa passaram a repercutir de maneira signiicativa na socie-
dade – posto que a palavra impressa, registrada, concorria como
um forte instrumento para a delineação de identidades políticas
e culturais (Morel; Barros, 2003, p. 8) –, uma fase de crescimen-
to e consolidação das maçonarias brasileiras deve ser assinalada
como vital para as suas futuras pretensões.

4. Para o resumo dos primeiros jornais independentes da censura régia, consultar


Lustosa (2004, p. 20-43). Sobre o panorama da imprensa brasileira entre o processo
de independência e o Primeiro Reinado, ver Ribeiro (2007, p. 17-32).
5. Os Grandes Orientes e/ou Supremos Conselhos formavam as “instâncias que abri-
gam diversas lojas maçônicas, que constituem, por sua vez, a aglomeração de base
nas maçonarias” (Morel, 2001, p. 19).
6. O termo ulrtramontano remete aos “cristãos que buscavam a liderança de Roma
(do outro lado da montanha), ou que defendiam o ponto de vista dos papas, ou da-
vam apoio à política dos mesmos” (Vieira, 1980, p. 32).

59
Michel Silva (Org.)

Conforme citado por Alexandre Mansur Barata (1999, p. 68),


“pressionada, sobretudo com os confrontos com a Igreja católica,
ela se transformou em palco de debates entre as diversas concep-
ções sobre o propósito de sua atividade na sociedade brasileira”.
Partilhamos da premissa de que o periodismo maçônico re-
presentou o principal meio de ação dessas instituições no que
tange às suas estratégias de penetração e intervenção na esfera
pública (no sentido de Habermas)7. Para o estabelecimento desse
processo, o advento de um tipo de jornalismo engajado, contes-
tador do status quo vigente, foi preponderante, mesmo que sua
organização e difusão estivessem limitadas à participação de par-
celas diminutas da população.

2. Os boletins maçônicos oiciais da década de 1870 e a


busca pela construção de uma sociedade moderna

Mais do que simples discursos, ao analisarmos as páginas dos


boletins maçônicos oiciais, veriicamos a existência de verdadei-
ros projetos de poder, indicando as diferentes visões de mundo
e os mais variados ideais difundidos, bem como as lutas trava-
das no interior das próprias maçonarias no sentido de angariar o
apoio de amplos setores da sociedade brasileira.
Foram abordados os impressos das duas correntes maçôni-
cas que rivalizavam na década de 1870, já que, desde 1863, o
Grande Oriente do Brazil encontrava-se dividido8. Desse modo,

7. Sobre o conceito de esfera pública de poder, ver Habermas (1991) e Calhoun (1997).
8. Alegando a ocorrência de irregularidades durante o processo eleitoral para a esco-
lha dos postos de comando do Grande Oriente, Joaquim Saldanha Marinho decidiu
fundar o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos. O núcleo original, por sua vez,
icou conhecido como Grande Oriente do Vale do Lavradio, tendo como grão-mes-
tres, inicialmente, o barão de Cairu e, posteriormente, o visconde do Rio Branco. Tal
divisão durou até o ano de 1883, com um pequeno intervalo em 1872, quando em
meio à “Questão Religiosa” (1872-1875) deu-se uma união provisória, por meio da
formação do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil.

60
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

o Boletim do Grande Oriente do Brazil estava relacionado ao


“Vale do Lavradio”9 e o Boletim do Grande Oriente Unido e Su-
premo Conselho do Brazil, ao “Vale dos Beneditinos”10. Ambos
podem ser consultados no acervo da Fundação Biblioteca Na-
cional (Seção de Periódicos)11.
Indo além da circulação e da divulgação de ideias, os jor-
nais maçônicos representaram espaços privilegiados para as
disputas políticas e ideológicas existentes no seio da Corte im-
perial brasileira. Essa premissa acompanhou a atuação da im-
prensa no século XIX, quando teve destacado papel como pro-
pagandista de diversos posicionamentos políticos (Camisasca;
Venâncio, 2007, p. 7).
Através de um inventário temático, realizado na Seção de Pe-
riódicos da Fundação Biblioteca Nacional, foi possível observar
que as obras selecionadas como objeto de nosso estudo devem
ser entendidas como um dos pilares da divulgação de um projeto
“modernizador” para o Brasil12.

9. Surgido em dezembro de 1871 e com periodicidade mensal, foi um dos meios de


comunicação maçônicos mais importantes do século XIX. No ano seguinte, quando
da fusão temporária dos dois Orientes, teve o seu título modiicado para Boletim do
Grande Oriente Unido do Brazil (números 7 e 8, de junho a julho de 1872). Porém, a
partir de agosto, as Potências maçônicas se separaram novamente, publicando cada
uma o seu próprio boletim. Por esta razão, o periódico regressou à sua denomina-
ção original, mas sofreu uma nova alteração em dezembro de 1872, ocasião em que
recebeu o título de Boletim do Grande Oriente do Brazil ao Valle do Lavradio, o qual
manteve nos anos seguintes.
10. Devido à sua indisponibilidade na coletânea de microilmes da Fundação Bi-
blioteca Nacional, não foi possível realizar a pesquisa histórica para o ano I (1872).
Em seus anos subsequentes, o jornal teve periodicidade irregular, alternando entre
edições bimestrais e quadrimestrais, à exceção do volume único de número 8 a 12, de
agosto a dezembro de 1874, que levou cinco meses para ser publicado.
11. Os nomes “Vale do Lavradio” e “Vale dos Beneditinos” tiveram origem a partir
dos espaços geográicos situados na Corte imperial brasileira, onde as sedes dos gru-
pos maçônicos dissidentes passaram a funcionar após a grande cisão de 1863.
12. O conceito de processo modernizador remete às “transformações das sociedades
consideradas tradicionais – em outra terminologia, subdesenvolvidas – em direção

61
Michel Silva (Org.)

Segundo os ideais maçônicos, para trilhar o caminho rumo


à modernidade, era necessário instruir e “civilizar” a nação. Jean
Starobinski (2001, p. 11) investigou o surgimento do vocábulo
“civilização” e destacou que o mesmo adquiriu sentidos diferen-
ciados desde o seu surgimento na história do pensamento oci-
dental. Apenas de forma paulatina é que o termo passou a aludir
ao signiicado de “levar à civilidade, tornar civis e brandos os cos-
tumes e as maneiras dos indivíduos” (Starobinski, 2001, p. 11).
Nos boletins maçônicos oiciais, as concepções de “civilização” e
“progresso” se ergueram vinculadas à racionalidade moderna e foram
reciprocamente associadas pela ilosoia iluminista, com relexos per-
manentes no vocabulário político da imprensa do século XIX.
De acordo com esses pressupostos, para superar a ignorância,
a sociedade brasileira deveria ser guiada pela razão, a qual faci-
litaria o acesso popular ao conhecimento e conduziria o país ao
“progresso”. Nessa circunstância, o conceito de “progresso” é po-
lissêmico e foi usado “para referir-se a toda uma galáxia de ideias,
nem todas coerentes entre si, e apresentadas em combinações
variadas” (Bock, 1980, p. 66). Essa enorme gama de concepções
encerra uma imagem de “mudança social e cultural que pode,
por motivos históricos, ser mais comodamente designada como a
ideia de progresso” (Bock, 1980, p. 65).
Por sua vez, a década de 1870 caracterizou-se pela inluên-
cia das correntes positivistas e cientiicistas, as quais valorizavam
as invenções tecnológicas e o desenvolvimento material das so-
ciedades. No Império brasileiro, as concepções de “civilização” e
“progresso” foram construídas a partir de um conjunto de valores
e conceitos que estabeleciam o aprimoramento da ciência como
uma das condições necessárias para o aperfeiçoamento da nação:

O CABO TELEGRÁFICO SUBMARINO entre a Europa e


a capital deste Império. – À praia de Copacabana, um dos

ao modelo urbano-industrial [...]. O termo é amplamente empregado pelos historia-


dores para indicar as tentativas de incorporar as inovações do capitalismo industrial
europeu” (Faria, 2002, p. 537-539).

62
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

arrabaldes do Rio de Janeiro, ao sul da barra deste porto,


aportou, felizmente, o cabo conduzido pelo Hooper, desde o
Pará, pela costa do Brasil, até esta cidade. É com imenso jú-
bilo que saudamos este novo motor de civilização e riqueza.
A Europa pode falar ao Brasil rapidamente; pode saudá-lo
pelas conquistas de sua civilização e pela sua incessante ge-
nerosidade. (Boletim do Grande Oriente do Brazil ao Valle
do Lavradio, ano II, n. 12, p. 200, dez. 1873, grifos do autor)

Por essa breve exposição, observa-se a apreensão maçônica


das noções de “civilização” e “progresso” em seu sentido moder-
no, ou seja, associada às novas descobertas cientíicas e referida
nas propagandas industriais que se tornaram comuns com o ad-
vento da “Revolução Industrial”.
Para o pesquisador Kenneth Bock, essa compreensão da re-
alidade foi, em grande medida, fruto da “querela” surgida na se-
gunda metade do século XVII entre o antigo e o novo, o passado
e o presente, quando os “modernos procuraram mostrar logo que
não só as produções mais recentes eram superiores às mais anti-
gas, mas também que deveriam ser” (Bock, 1980, p. 75).
Nos impressos maçônicos oiciais, o “antigo” aparecia relacio-
nado à ideia de “atraso”, situação que fomentou inúmeras críticas
ao tradicionalismo de muitas instituições, especialmente ao da
Igreja católica em sua versão ultramontana. Em contrapartida,
o “novo” era representado pelo trinômio “ciência, civilização e
progresso”. A esse respeito publicou um dos boletins maçônicos:

Segundo estes princípios [ultramontanos], a educação da


mocidade pertence ao clero, a ciência das coisas ilosóicas
e morais está sujeita à inluência da autoridade eclesiásti-
ca; os meios temporais diretos e indiretos cabem à Igreja;
a soberania popular é um erro. Destes princípios o que re-
sulta? Resulta por certo o desaparecimento da liberdade do
ensino, da liberdade de consciência e da liberdade política,
surgindo o monopólio da ciência, o encadeamento da razão

63
Michel Silva (Org.)

e a supressão dos governos populares. Assim o mundo re-


trogradaria cinco séculos em vantagem da teocracia, hoje
fatalmente impossível ao gênero humano. O que seria da ci-
vilização moderna e das grandes conquistas do pensamento?
Tudo desapareceria; porque lá está escrito no Syllabus, que
essa civilização e o progresso da humanidade são males com
que o Pontíice romano não transige. Prevalecendo a doutri-
na ultramontana, o homem despojar-se-ia da liberdade civil
e religiosa, aniquilar-se-iam os grandes inventos modernos,
e o vapor e o telégrafo não realizariam mais os prodígios da
velocidade na comunicação entre as cidades e os povos. A
ciência seria escrava das leis ferrenhas que o poder clerical
quisesse promulgar, e todas as nobres conquistas do pensa-
mento seriam condenadas, porque o domínio teocrático só
pode subsistir ante a ignorância, que debilita a razão e entre-
ga o homem ao alheio arbítrio. O cidadão desaparecia para
existir apenas o servo do clero. Mas esse regresso do mundo
é impossível, portanto, o ultramontanismo, travando luta
contra as ideias de civilização em nome da religião cristã,
arrisca a nobre causa do catolicismo. (Boletim do Grande
Oriente do Brazil ao Valle do Lavradio, ano II, n. 9 e 10, p.
716-717, set./out. 1873, grifos do autor)

Nos impressos oiciais de ambas as correntes maçônicas, ob-


servamos que o “fundamentalismo” dos ultramontanos era apon-
tado pelos maçons como um verdadeiro entrave ao “progresso”
e à “civilização”. Em outra ocasião, um dos editores maçônicos
argumentou que os católicos romanizadores atuavam de forma
análoga aos jesuítas, e que o ultramontanismo era uma espécie
de associação

[...] perigosíssima, na qual a ignorância, a calúnia, o ódio,


a injúria, e a satânica propaganda andam como armas, de
envolta com o punhal, o bacamarte, o veneno, a miséria e a
excomunhão [...]. Blasfema e horrenda, pôs em prática tudo
que muda e calculadamente a desonesta cabala é capaz de

64
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

engendrar. Apoderou-se da instrução pública. A criança for-


mada à sua feição prometeria um futuro ultramontano. Apo-
derou-se da credulidade da mulher, de seus escrúpulos de
consciência, e insinuou-lhe o desrespeito ao pai, o desamor
ao marido, o desapego ao ilho, insulando-a de vaidade e de
fúteis desejos de agradar pelo sexo. Apoderando-se desses ca-
ros entes, entendeu que era chegado o momento de aniquilar
a potência que se lhe opôs sempre – a maçonaria. (Boletim
do Grande Oriente do Brazil, ano I, n. 11, p. 386, out. 1872)

Contrárias à visão de mundo ultramontana, as maçonarias de-


fendiam a liberdade de crença. Com efeito, a liberdade religiosa foi
descrita como a ferramenta mais importante para o avanço da “ci-
vilização” e das religiões: “É que esta liberdade é necessária ao ho-
mem e sem ela todas as outras liberdades podem dizer-se ictícias”
(Boletim do Grande Oriente do Brazil, ano I, n. 2, p. 47, jan. 1872).
O artigo intitulado “Liberdade de cultos” chamou atenção
para o desenvolvimento percebido nas sociedades que izeram
da tolerância religiosa uma norma social, a exemplo dos Estados
Unidos e da Inglaterra:

Nos países onde a religião é oicial e em que não se admite


outro culto, o catolicismo, quase que o podemos asseverar,
é apenas uma fórmula [...]. Em nações em que não há liber-
dade de cultos, como acontece em Portugal e no Brasil, a re-
ligião católica não alcança um único triunfo sobre as outras
religiões; os sacerdotes não procuram mostrar a excelência
de suas crenças pela prática e pelo exemplo porque lhes falta
o estímulo, o qual não pode existir sem permitir-se o exercí-
cio da liberdade moral. Na Inglaterra, porém e nos Estados
Unidos, a religião católica loresce de dia em dia; as conver-
sões se reproduzem de uma maneira admirável, numerosos
e magníicos templos se erguem ao lado das escolas católicas,
grandes mosteiros se fundam; e o catolicismo falando em
nome de Cristo, adquire nesses grandes países, segundo a
frase do prelado da diocese do Rio de Janeiro por ocasião

65
Michel Silva (Org.)

do sermão de despedida quando partiu para Roma, crédito,


força, vigor e glória. O porquê não o disse S. Ex., mas nós va-
mos dizê-lo aqui. É que na Inglaterra e nos Estados Unidos,
os católicos são católicos por convicção e não porque a lei o
determina; é porque ali os corações e as almas escolhem li-
vremente os altares para oferecerem a Deus suas preces [...];
é porque inalmente a liberdade de cultos não permite que
hipócritas se ajoelhem diante do estandarte da cruz, nem
que apareçam, como diz o padre Antonio Vieira, católicos
do credo e hereges dos mandamentos. (Boletim do Grande
Oriente do Brazil, ano I, n. 2, p. 50-51, jan. 1872)

As referências aos Estados Unidos e à Inglaterra não foram


meras divagações, visto que naquele momento os chamados inte-
lectuais brasileiros tinham a ideia de que o Império deveria atin-
gir o “elevado patamar das nações civilizadas”.
Além desses dois países, os modelos civilizatórios dessas eli-
tes nacionais também envolviam a França, sobretudo em relação
ao seu sistema educacional, apontado como verdadeiro sinal de
distinção e civilidade. Para o historiador Humberto Fernandes
Machado (jul./set, 2010, p. 47-48):

A partir de 1870 [...] “progresso”, “civilização” e “ciência”,


palavras até então desconhecidas, começaram não só a pe-
netrar no círculo restrito das elites intelectuais brasileiras,
como também a frequentar as páginas dos jornais. Com os
olhos e ouvidos voltados para a Europa, essas camadas ilus-
tradas podiam deliciar-se no manancial das “novas” ideias,
algumas aparentemente desconectadas da realidade do país.
[...] Além do processo de urbanização, intensiicou-se a me-
lhoria nas comunicações através da criação das primeiras
ferrovias, que facilitaram também o contato da população
do interior com os jornais publicados nos centros urbanos,
em especial os da Corte [...]. A introdução do telégrafo, já em
1852, e a interligação do Império com a Europa através do
cabo submarino, em 1874, permitiram que as informações

66
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

chegassem às redações de forma mais rápida, facilitando a


divulgação dos acontecimentos diários. Enim, uma verda-
deira “revolução” estava sendo gestada no “século do pro-
gresso”, através das novas descobertas da “ciência”.

Nos impressos maçônicos, as noções de “progresso” e “civili-


zação” foram diretamente vinculadas ao cientiicismo e ao ilumi-
nismo. Desse modo, o “século das luzes” teria despertado a ilo-
soia da história e, a partir de então,

[...] a energia acumulada por tantos séculos cede a sua po-


tência a essa locomotiva que devora o espaço social e que
faz os povos atravessarem em um dia distâncias que sem
ela levariam milhões de anos a percorrer; a essa locomotiva
chama-se revolução das ideias. Os cérebros da Enciclopédia
operaram esse prodígio. As suas ideias derramaram-se pelos
caracteres dos livros e iniltraram a Europa. Um dia a loco-
motiva marchou, os trilhos foram assentados em França,
mas em seu bojo ela trazia a humanidade inteira. (Boletim
do Grande Oriente do Brazil, ano I, n. 3, p. 77, fev. 1872)

Contudo, a ilustração não havia atingido plenamente o nosso


país. No dizer das maçonarias, a intolerância tolhia o despertar
do povo, já que no Brasil a liberdade era uma simples palavra,
“um som que nada exprime” (Boletim do Grande Oriente do Bra-
zil, ano I, n. 3, p. 77, fev. 1872). Sendo assim:

Propagar ou reanimar as luzes da ilosoia no espírito dos


homens, que não as possuem, as desconhecem ou despre-
zam; inspirar a todas as classes de cidadãos os verdadeiros
princípios da liberdade, que não pactua, da liberdade legal,
porque não conhecemos outra; recordar sempre aos podero-
sos as leis da igualdade natural, consagradas também pelas
leis civis: eis as doutrinas maçônicas que devem continuar
a ser desenvolvidas. (Boletim do Grande Oriente Unido do
Brazil, ano I, n. 7, p. 227, jun. 1872)

67
Michel Silva (Org.)

Para alcançar a “civilização” era imperioso, na visão maçô-


nica, difundir as “luzes”. De fato, as maçonarias se colocavam
como cumpridoras dessa missão, tanto é que seus boletins oi-
ciais enfatizavam o dever maçônico de promover o “progresso”
e aprimorar a cultura brasileira. Imprescindível, portanto, era a
necessidade de instruir o povo, pois os maçons acreditavam que
assim levariam a população a ser capaz de ser orientada para o
“progresso” intelectual e material.
Outro dos principais objetivos das maçonarias era inserir as
ditas classes populares no rol dos benefícios relacionados à prá-
tica da “inteligência” e da razão, fortalecendo, desse modo, “a
marcha ascendente do progresso e da civilização” (Boletim do
Grande Oriente Unido do Brazil, ano I, n. 7, p. 225, jun. 1872).
Nesse sentido, a defesa pela universalização do ensino primário
e a crença na renovação da humanidade através da expansão das
ciências – base de sustentação da ilosoia positivista – estiveram
muito presentes no periodismo maçônico do século XIX.

No presente século, será a ciência ainda o direito de todos


nos países civilizados? [...]. Não exigirá a civilização moder-
na, com os mesmos direitos que tinha a Antiguidade para os
membros privilegiados da sociedade, uma educação nacio-
nal e livre, que não pode ser dada senão gratuita? O privilé-
gio nos campos da inteligência parece ser o maior obstáculo
que se opõe ao desenvolvimento dos destinos da sociedade e
uma causa poderosa da ignorância dos espíritos e da inferio-
ridade moral das classes menos abastadas [...]. A propagação
da instrução pelo povo é uma ideia que a instituição maçô-
nica, que abraça a causa da humanidade, deve sempre sus-
tentar e executar com o intuito de auxiliar a administração
da sociedade na realização de medidas de que depende o seu
progresso. A civilização que o 18º século legou-nos escrevia
em suas bandeiras a paz e a liberdade. (Boletim do Grande
Oriente do Brazil, ano I, n. 1, p. 7-8, dez. 1871)

68
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Os pedreiros livres brasileiros revestiam a proissão docente


com uma “missão civilizatória” de grande importância social,
com a condição de que ela estivesse isenta das “nefandas” inlu-
ências jesuíticas. Naquele período, a educação brasileira estava
muito ligada ao catolicismo, já que “das 4.600 escolas secundárias
existentes, 60% pertenciam a Igreja”, apresentando o ensino uma
feição “centrada na manutenção do modelo familiar cristão tradi-
cional” (Nunes, 1997, p. 494-495). Conforme observado a seguir,
os argumentos maçônicos foram em prol do ensino laico:

[Defendemos] as escolas elementares entregues à direção


de homens livres, que, munidos de seu diploma, possuam o
amor da família e da sociedade; sejam por parte dos maçons
os meios poderosos empregados para realizar a sua missão
humanitária e patriótica: a salvação da sociedade brasileira
do inluxo pernicioso do lazarismo, da devoção boçal e dos
desregramentos da superstição e do fanatismo. (Boletim do
Grande Oriente Unido do Brazil, ano I, n. 7, p. 228, jun. 1872)

A generalização do ensino laico era vista como um dos re-


cursos necessários para sustentar suas teses de combate aos ad-
versários do “progresso”. As maçonarias atuaram na construção
de uma ampla rede de escolas “libertadoras da consciência dos
homens e suas iéis escudeiras no combate às trevas, representa-
das pelo fanatismo da Igreja Católica” (Barata, jul./out, 1994. p.
95). Por este motivo, a instrução seria concedida a todos como
um dos instrumentos mais importantes para:

[...] fazer penetrar a civilização nos lugares afastados, de


tornar os homens mais justos e tolerantes e de conquistar o
triunfo da santa causa da liberdade, traída e insultada pelo
charlatanismo e a hipocrisia [...]. Façamos votos para que
a pátria progrida na senda das nações civilizadas, tornan-
do obrigatória a instrução primária e livre o ensino, sem a
dependência das congregações denominadas religiosas. O

69
Michel Silva (Org.)

estado de ignorância que nos oprime, reclama a necessidade


da obrigação do ensino como único remédio eicaz ao desfa-
lecimento moral em que jaz a sociedade; e não devendo tal
princípio ser considerado como bandeira de partido político
e sim como ideia de ilustração e de progresso do século atu-
al. (Boletim do Grande Oriente Unido do Brazil, ano I, n. 7,
p. 227, jun. 1872)

As instituições maçônicas se consideravam portadoras de


uma missão institucional, tanto através da conquista das liberda-
des quanto por intermédio da universalização do ensino e da di-
vulgação das ciências. Desse modo, para que o “progresso” fosse
atingido de forma plena e satisfatória, era vital instruir também
as mulheres.
Outro aspecto comum entre as correntes maçônicas rivais
brasileiras diz respeito aos modelos civilizatórios existentes em
alguns países, como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos,
nos quais as mulheres dominavam “desde a esfera mais abstrata
da matemática até a medicina, por meio da qual está prestando os
mais inapreciáveis serviços à humanidade” (Boletim do Grande
Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil, ano III, n. 4 a 7, p.
152, abr./jul, 1874).
Concluindo sua apreciação sobre o importante papel desem-
penhado pelo gênero feminino, o Boletim do Grande Oriente Uni-
do e Supremo Conselho do Brazil divulgou o seguinte comunicado:

A maçonaria brasileira, convidando as senhoras para abri-


lhantarem as suas festas solenes, tem dado já um grande
passo para a luz, fazendo desvanecer completamente essas
ideias aterradoras e malignas que os astutos jesuítas muito
de propósito lhes têm iniltrado no ânimo, para odiarem a
todos que fazem parte desta sublime instituição [...]. Ali têm
elas [as mulheres] tido ocasião de ver com os seus próprios
olhos, que através dos símbolos, que adornam nossos tem-
plos, o único mistério consiste em erguer um hino constante

70
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

a Deus, ao progresso humano, à liberdade e à caridade, esta


ilha predileta de Jesus, que ali vê-la dia e noite pelos des-
graçados que o pampeiro do infortúnio arrojara nas praias
da miséria, da ignorância e da escravidão [...]. É preciso,
pois, fazer despertar a mulher deste longo adormecimento
secular, chamá-la à vida do século pela instrução, torná-la
conidente dos augustos princípios que iluminam o céu da
ciência, da literatura, das artes, das indústrias, da economia
doméstica e social, nomeá-la enim, sacerdotisa da liberda-
de, da caridade e da fraternidade humana de que ela, já pelos
sublimes impulsos de seu generoso coração, tão predisposta
é a render-lhe o mais fervoroso culto. (ano III, n. 4 a 7, p.
152-153, abr./jul. 1874)

Além disso, outros artigos, notas e comentários publicados


nos boletins de ambas as correntes maçônicas também aponta-
ram para um suposto “atraso” representado pela ação dos mem-
bros da Companhia de Jesus. Por conseguinte, a conexão in-
trínseca dos ultramontanos (“jesuítas”) à decadência do Brasil
autorizava a reação da ordem maçônica, entendida pelos maçons
como a verdadeira protetora do “progresso”, da cultura, da razão
e da “civilização”.
Assim, no decorrer da década de 1870, as maçonarias bra-
sileiras assumiram sentidos políticos indiretos ou diretos, com
variações e inluências moderadas ou radicais, conforme a sin-
gularidade de suas relações com os poderes políticos e religio-
sos do Império.
Mas a atração que essas instituições causaram, principalmen-
te, nos grupos mais instruídos, pode ser explicada, em boa medi-
da, em função de suas ligações com o movimento de propagação
das “luzes”, ou seja, com o iluminismo, com o liberalismo e com
os valores de “civilização” e “progresso” burgueses que as concla-
madas elites brasileiras desejavam para o país.

71
Michel Silva (Org.)

Considerações inais

A pesquisa sobre o periodismo maçônico da segunda metade


do século XIX buscou reairmar o alto grau de inluência que a
imprensa exercia sobre os acalorados debates que sacudiram a so-
ciedade brasileira naquele período. Ademais, foi possível indicar a
atuação dos maçons na arena política como sendo um dos grupos
sociais dotados de poderosos instrumentos de propaganda e difu-
são de seus ideais: os boletins publicados pelos Grandes Orientes.
Apesar da multiplicidade de ideologias que surgiram no último
terço do século XIX, muitas vezes caminhando em direções opos-
tas, as maçonarias brasileiras, grosso modo, se mantiveram iéis aos
seus princípios fundamentais. Na verdade, foram as suas especiici-
dades e os seus métodos de ação, a exemplo do seu caráter iniciáti-
co e secreto, dos seus ritos e símbolos e do seu discurso iluminista,
que fomentaram uma concepção de organização em torno de um
projeto comum: propagar as “luzes” no território brasileiro.
Nossos indícios apontam que o periodismo maçônico atingiu
um amplo e diversiicado público leitor, como os intelectuais libe-
rais, os protestantes e uma parcela considerável do clero. Assim,
situando o periodismo maçônico enquanto uma das mais impor-
tantes práticas culturais, políticas e sociais do Império brasileiro
na década de 1870, foi possível compreender o propalado proces-
so de “difusão das luzes”. Os textos maçônicos foram publicados
visando principalmente veicular um sentido ideológico, que cor-
respondia às suas maneiras de entender o mundo.
As apreensões desses signiicados dependeram da inserção de
seus leitores em uma mesma comunidade interpretativa, de acor-
do com a concepção do crítico literário Stanley Fish (1980), na
qual, por intermédio do compartilhamento de um conjunto de
crenças e valores, eles puderam ser capazes de atribuir atos inter-
pretativos particulares.
De fato, nos dois modelos existentes de maçonarias no sécu-
lo XIX (Círculo do “Lavradio” e Círculo dos “Beneditinos”), os

72
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

objetivos giraram em torno de uma plataforma política comum:


a divulgação da ação ilantrópica e a defesa do “progresso”, da ci-
ência, da difusão do conhecimento cientíico e ilosóico como
qualidades indispensáveis para “civilizar” e “modernizar” o país.
A produção intelectual oriunda das maçonarias brasileiras
expressava os princípios liberais e iluministas em contraposição
ao pensamento conservador difundido na época, principalmen-
te, pelos órgãos de imprensa católica, identiicados pelos maçons
com o obscurantismo e com o “atraso” civilizatório veriicado
por eles no Brasil.
As principais bandeiras desfraldadas pelos maçons tinham
em seu âmago a recorrente ideia de uma sociedade laica e a enfá-
tica defesa das “liberdades”, sobretudo a liberdade de cultos, que
foram ielmente apresentadas no episódio da “Questão Religiosa”
(1872-1875).
Esses pressupostos, que em quase todos os momentos estive-
ram presentes nas edições dos boletins dos Grandes Orientes, se
transformaram em “proissão de fé” para que os maçons-jornalis-
tas da década de 1870 divulgassem as suas convicções e os seus
anseios em prol de um Brasil soberano e “moderno”.
Por im, devemos ressaltar que o campo de estudo das práticas
de leitura do periodismo maçônico oitocentista tem se mostrado
vasto e inesgotável, encontrando-se este ainda aberto a novas in-
terpretações e sendo marcado pelo “paradoxo fundador de toda a
história da leitura, que deve postular a liberdade de uma prática da
qual só podemos capturar as determinações” (Chartier, 1994, p. 27).

73
Capítulo 5
A Maçonaria no Ceará: “Os intrépidos romeiros
do progresso”

Berenice Abreu de Castro Neves

1. Os “clubs secretos” na Capitania do Ceará Grande

As primeiras notícias de Maçonaria no Ceará, ou daquilo que


chamo de “espírito maçônico”, parecem estar relacionada ao ou-
vidor João Antonio Rodrigues de Carvalho, que toma posse na
Capitania do Ceará Grande, segundo anota o Barão de Studart,
em 8 de maio de 1815 (Studart, 2001). O baiano Carvalho chega
ao Ceará em 1812 com o objetivo de tratar-se de uma enfermida-
de. No Ceará, Rodrigues de Carvalho se junta a outros maçons,
igurando, na capital, Manuel Caetano de Gouveia, Naturalista
Feijó, Antonio Gomes da Silva, José Ferreira Lima Sucupira, os
padres Antonio Moreira e Luís Inácio de Azevedo e, no interior,
os também padres Mororó, Ibiapina, Manuel Pacheco Pimentel,
além de outros (Aragão, 1987, p. 142).
Desde a transferência da corte portuguesa à sua principal Co-
lônia, o Brasil, havia um clima de insatisfação em algumas capi-
tanias que passaram a conspirar e lutar por autonomia. É nesse
contexto que esteve residindo no Ceará, em 1812, o comerciante
Domingos José Martins, que, segundo Silva Nobre, possuía liga-
ções com lojas maçônicas e que, apesar do pouco tempo de resi-
dência nessa localidade, já podia avaliar as possibilidades de uma
revolução ali, talvez pelo grau de recepção do ideário liberal entre
a incipiente elite da vila. Talvez, nesse período, Martins também
tivesse lançado entre os comerciantes de seu meio algumas se-

75
Michel Silva (Org.)

mentes da Maçonaria, mas, com certeza, não passou disso (No-


bre, 1996, p. 135).
O Ouvidor Rodrigues de Carvalho parece ter sido realmen-
te um entusiasmado propagador do “iluminismo maçônico”1
no Ceará, fermentando entre os cearenses as bases de apoio ao
movimento revolucionário de 1817. Segundo Montenegro, esse
iluminismo era acolhido com simpatia pela elite local, tanto a in-
telectual como a governante, e ainda entre aqueles engajados no
comércio (Montenegro, 1996, p. 135).
Keile Felix, rastreando o comportamento e ideias das elites
locais no contexto de formação e consolidação do Brasil como
um Estado-nação, se depara com a documentação que sugere a
existência de “clubs secretos”, passando a analisar suas vincula-
ções com os movimentos rebeldes em que estiveram envolvidos
membros das elites locais. Analisando carta do então governa-
dor Manuel Antonio de Sampaio, dando conta do movimento de
1817, ressalta a sua ação conspiratória desde a chegada à Capita-
nia, atraindo pessoas para suas ideias e para a “maçoneria”2. Dife-
rente do ouvidor, que possuía sólida formação no ambiente euro-
peu, no qual esse espírito maçônico e a ideologia que o sustentava
era disseminada, a elite local interpretava essas ideias a partir de
seus próprios interesses. Segundo Felix (2010), interpretando a
preocupação de Sampaio:

Para o governador, as conferências de Carvalho, que se “van-


gloriava de ser pedreiro livre” com as pessoas “que podiam
mais inluir nos espiritos dos povos” seriam tão graves por-
que nesses “clubs”, Carvalho “tratava dos direitos dos homens

1. Esse termo é utilizado por Montenegro no sentido de demonstrar o papel que teve
a Maçonaria, ou os maçons, como fermentadora das estratégias emancipacionistas,
particularmente a de 1817 (Montenegro, 1992, p. 14).
2. Ofício enviado pelo governador da capitania do Siará grande, Manuel Inácio de
Sampaio, ao Ministro e Secretário de Estado Encarregado dos Negócios Estrangei-
ros, em 21 de janeiro de 1818 (Revista do Instituto do Ceará, 1919, p. 300-301).

76
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

e dos cidadãos explicados de uma maneira pouco convenien-


te, em paizes felismente monarchicos”, a ponto de que pessoas
que sempre criticavam a “maçoneria” passaram a “elogial-a”.

O envolvimento do Ouvidor Carvalho com a causa e a pro-


paganda revolucionária, através da divulgação de folhetos e peri-
ódicos de propaganda iluminista/liberal, lhe valeu perseguições
rigorosas do Governador do Ceará, Manuel Inácio de Sampaio,
culminando com sua prisão em Portugal. Sobre a natureza desses
impressos, sua relação com a propaganda revolucionária e o en-
volvimento do Ouvidor Carvalho, airmava o Governador:

Seria bem para desejar que V. Excia se dignasse também


dar-me as competentes ordens a respeito dos exemplares do
Correio Brasiliense, Português e outros papéis incendiários
impressos em Londres, que foram sem dúvida a causa prin-
cipal da rebelião de Pernambuco. Esses impressos têm nestes
últimos tempos sidos lidos com entusiasmo e satisfação pe-
los habitantes destes sertões, que para este im, os recebiam
francamente da mão do Ouvidor, que foi desta Comarca
João Antonio Rodrigues de Carvalho, da mão do Capitão-
-mor Antonio José Moreira Gomes, e da mão do Tenente-
-Coronel João da Silva Feijó, que também ai se acha. (apud
Montenegro, 1992, p. 15)

A relação de pedreiros livres do Ceará com os movimentos


de 1817 e 1824 é provável. Por um lado, uma característica do
movimento maçônico em seus primórdios era justamente a vul-
garização do ideário liberal/iluminista de cunho emancipacionis-
ta, funcionando também as lojas como espaço de preparação dos
movimentos revolucionários. Apesar de não possuirmos provas
mais concretas da existência de lojas maçônicas no Ceará nesse
período, o segredo, característica da loja maçônica, orientava o
processo de preparação desses movimentos conspiratórios. Esses
“clubs” ou “reuniões secretas” referidos nas fontes citadas podem

77
Michel Silva (Org.)

ser vistos como primeiros ensaios da sociabilidade maçônica


exercitada, posteriormente, nas lojas.
Por outro lado, havia os contatos com Recife que já vivencia-
va a experiência da sociabilidade maçônica nas várias socieda-
des e instituições de saber e mesmo através de lojas, oicializadas
desde 1817. A relação da capitania do Ceará com Pernambuco
era intensa, tanto do ponto de vista econômico, já que a comer-
cialização com outras capitanias e com o exterior da maior parte
da produção local se fazia pela via do porto de Recife, como tam-
bém cultural, devido a ser essa localidade o maior centro urba-
no/cultural do “Nordeste”, propiciando a formação intelectual da
elite cearense. Mesmo estando formalmente desfeita a vinculação
administrativa com Pernambuco, em 1799, esta permanece em
menor grau, no plano econômico, principalmente na região do
Cariri e Aracati, e, no plano cultural, até ins do século XIX. Daí
ser possível que alguns integrantes das camadas abastadas do Ce-
ará tivessem tido algum tipo de contato com a Maçonaria antes
mesmo da instalação da primeira loja em solo cearense.
Os movimentos de 1817 e 1824 tiveram a liderança local do
padre cearense José Martiniano de Alencar. Ao que tudo indica,
Alencar já vivenciara uma experiência em uma sociedade seme-
lhante à Maçonaria em 1822, o Apostolado da Nova Ordem dos
Cavaleiros de Santa Cruz, liderada por José Bonifácio e, na época
de seminarista, em Olinda, contagiado que estava pelo ideário li-
beral/emancipacionista, também é possível que já tivesse travado
contato direto com lojas maçônicas (Rizzini, 1946, p. 4).
Descrevendo as lutas em que esteve envolvido o “povo” brasi-
leiro, os redatores do jornal maçônico Fraternidade, que circulou
em Fortaleza na década de 1870, airmam a condição maçônica das
lideranças dos movimentos de 1817 e 1824, a quem chamam, se-
gundo denominação própria de maçons, de “pedreiros livres” (Jor-
nal Fraternidade, 12.05.1874, p. 1). Em outro momento, lembrando
aqueles que implantaram a Maçonaria no Ceará (Jornal Fraterni-

78
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

dade, 30.06.1874, p. 1), citam o nome de um certo padre Sucupira,


dentre outros, que acredito seja José Ferreira Lima Sucupira, que to-
mou parte da Confederação do Equador, sendo indicado deputado
pelo Ceará ao Congresso de Recife (Nobre, 1994, p. 370).
É o intelectual católico Manoel Soares Bezerra que, escrevendo
no jornal Tribuna Católica, dá notícias de uma loja maçônica em
Aracati, no provável ano de 1833. É respondendo às provocações
do maçom José Avelino Gurgel do Amaral, que, como Soares Be-
zerra, também passou pela Faculdade de Direito, em Recife, que
o católico justiica-se do “deslize” de ter se iniciado na Maçonaria:

É certo que, de passagem pelo Aracaty, como acadêmico,


nas férias de 1833, salvo erro, sendo visitado e convidado
para entrar na Maçonaria daquela cidade pelo seu venerável,
o respeitável Sr. Coronel João Tibúrcio Pamplona, e outras
pessoas distintas, como o Sr. José Teixeira de Castro e José
de Castro e Silva, recusei-me por julgal-a contra a religião
Christã; mas instando o Sr. Pamplona, e dando-me pela sua
palavra honrada não só a segurança de não haver nella nada
contra o cristianismo, mas também a liberdade plena de
abandonal-a no momento em que me convencesse do con-
trário, eu, moço ignorante e inexperto, iado nesta liberdade
que me foi dada, tive a desgraça de ceder para satisfazêl-o.
(Jornal Tribuna Católica, 05.07.1874)

O fato de a primeira loja maçônica do Ceará ter sido cria-


da em Aracati, pode, em parte, ser explicado pela importância
econômica dessa localidade, até meados do século XIX. Sendo
essa instituição tipicamente urbana e seus quadros formados a
partir de segmentos proissionais característicos da cidade – co-
merciantes, proissionais liberais e membros da camada dirigente
–, é bem possível que tenha aparecido primeiramente em Aracati,
uma das poucas localidades da capitania cearense até meados do
século passado em que se podia respirar ares urbanos.

79
Michel Silva (Org.)

É nesse contexto de prosperidade urbana de Aracati e no


surgimento de uma camada social abastada e reinada que se
pode entender a criação da loja que nos dá notícia Soares Bezerra.
Para essa elite, mais precisamente para os homens, a loja ocupava
um espaço essencial de sociabilidade, ao mesmo tempo em que
também exercia a possibilidade do exercício do debate político.
Certamente, não havia no período em que funcionou a loja
maçônica de Aracati, “incompatibilidade” explícita com os cató-
licos. É o que se pode depreender da iniciação de Soares Bezerra,
já comentada no primeiro capítulo, e da garantia recebida dos
maçons que o convidaram a entrar na instituição de não haver
nenhuma incompatibilidade entre a Maçonaria e o cristianismo.
Infelizmente, nesse único indício que encontrei da loja do
Aracati, não há referência ao seu período de funcionamento. Em
1874, época em que Bezerra escreveu esse desabafo, a loja já havia
sido extinta, o que lhe serviu de justiicativa para não se sentir
mais vinculado à Maçonaria3.
É José Ferreira Lima Sucupira que, escrevendo a seu “amigo”
e “compadre”, José Martiniano de Alencar, em 28 de março de
18334, nos dá mais informações sobre as disputas entre os vários
grupos na política local e o lugar que a Maçonaria ocupava.

Parece-me que o único meio, que resta para diminuir a in-


triga será uma sociedade maçônica, V. veja se arranja com
o Grande Oriente ante Caramuru as credenciaes para a
instalação dela e remeta para cá com a brevidade possível.

3. Bezerra justiicou que não sabia realmente o que era a Maçonaria naquele período
em que se iniciou, alegando que cedeu à insistência de alguns “distintos senhores”
(Jornal Tribuna Católica, 05.07.1874). Tornou-se, em ins da década de 1860, o maior
teórico do conservadorismo católico no Ceará, travando intensos debates com os
maçons através das páginas do jornal Tribuna Católica.
4. Agradeço a Gustavo Magno Barbosa Alencar a indicação do trabalho de Keile So-
corro Leite Felix aqui utilizado, como também das cartas de Martiniano de Alencar,
recebidas e enviadas, publicadas respectivamente nos anais da Biblioteca Nacional e
na Revista do Instituto do Ceará, de 1908.

80
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Cambuci veio authorisado para instalar huma, para que fui


convidado, mas vendo, que eu não dou p.a Caramuru e re-
trogrado, declarou-me guerra sem eu o ofender. Há quem
assevere, que Ella icou instalada; porem se assim he, traba-
lha com tanta cautella, que ainda não foi percebida. Como he
coiza, que os adeptos não entrão logo no conhecimen.to do
im da sociedade, movida por alcançarem hum mistério, que
ignorão vão-se contendo melhor e fasem por adequirirem a
estima dos sócios. O que não acontece, quando se conhece
logo os ins, e que nada se encontra de misterioso. (Alencar,
1966, p. 191-192)

Paulino Nogueira nos dá notícias da loja criada pelo então


Senador Martiniano de Alencar, em 1835, provavelmente aquela
que foi reclamada pelo amigo e compadre Sucupira. Sobre essa
loja, informa Nogueira (1899, p. 201):

O Senador José Martiniano de Alencar era Maçom e chegan-


do ao Ceará criou uma loja – União e Beneicência – ilial do
Grande Oriente, a qual associou todos os padres e o pessoal
mais selecto da capital e funcionava sem mystérios nem re-
servas. Funcionava em um sobradinho de Manoel Caetano
de Gouveia, na Rua da Boa Vista, mais tarde demolido, onde
hoje está a loja [comercial] Notre Dame. (grifos nossos)

O Fraternidade também deu notícia dessa loja maçônica cria-


da pelo presidente Alencar, segundo ele denominada Beneicên-
cia e União ao Vale da Fortaleza, da qual foi venerável o major
João Facundo de Castro Menezes, além do referido senador5.

5. João Facundo era de família tradicional do Aracati; era ilho do Capitão-mor José
de Castro Silva e irmão do seu homônimo, referido por Manuel Soares Bezerra, que
foi venerável da loja do Aracati. Juntamente com Alencar, foi líder do Partido Liberal
local. Foi vice-presidente da província desde 1831, assumindo algumas vezes a pre-
sidência, como na oportunidade em que os conservadores substituíram os liberais,
no período regencial, e Alencar foi destituído da Presidência da Província. Após vá-
rias ameaças de morte que recebeu, em grande parte devido à posição ambígua que

81
Michel Silva (Org.)

Refere-se também aos padres Manoel Severino Duarte6, Hollan-


da, Sucupira, como já referi anteriormente, e Carlos e Saboia,
outros integrantes da Beneicência e União (Jornal Fraternidade,
30.06.1874, p. 2).
Fortaleza, a partir dos anos 30 do século passado, inicia o seu
processo de hegemonia na província do Ceará (Lemenhe, 1991).
Em grande parte, essa hegemonia se dará com o desenvolvimen-
to da produção e da demanda pelo algodão, que, produzido em
grande parte nas áreas circunvizinhas, será agora escoado em
maior volume pelo porto de Fortaleza. Esse processo de ascensão
econômica coincide com a diminuição da importância da char-
queada na economia cearense, devido em grande parte à con-
corrência do Rio Grande do Sul, e consequentemente da vila do
Aracati, que também perderá para Fortaleza a exclusividade no
comércio do couro. É certo que essa última também se beneiciou
com o incremento da agricultura do algodão, mas em menor
escala do que Fortaleza7.
Por outro lado, esse processo hegemônico iniciado nos anos
30 também se justiica pela crescente valorização das vilas-capi-
tais pela política Imperial. Como sugere Lemenhe (1991, p. 67):

assumiu, como Vice-presidente, do “conservador” José Joaquim Coelho, o fato foi


consumado em 8 de dezembro de 1841, quando o Major Facundo foi assassinado em
sua casa (Studart, 1910, p. 470-474).
6. Pertencente a uma família pobre de Aracati, formou-se padre pelo seminário de
Olinda. “Foi Capelão do Batalhão de 1 Linha , parocho interino de Aquiraz, Quixe-
ramobim e Fortaleza e professor de Latim do Lyceu Cearense por occasião de sua
criação”. Parece ter tido participação na sedição de Pinto Madeira, sendo seu adver-
sário (Studart, 1910, p. 354).
7. Com o desmembramento de Pernambuco, em 1799, a Capitania do Ceará passou
a comercializar diretamente com o estrangeiro, se sobressaindo Fortaleza nessas
transações; do total de 26.462 arrobas de algodão exportadas do Ceará, 11.354, por-
tanto 42,9%, saíram do porto de Fortaleza, sendo 2.128 (18,7%) para Pernambuco
e 9.226 (81,3%) para a Inglaterra; quanto a Aracati, exportou 9.249 arrobas apenas
para Pernambuco (Santos, s.d., p. 182-183).

82
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Dizemos que a cidade é reforçada pela nova ordem porque


a constituição do Estado Nacional num universo sócio eco-
nômico e político desarticulado e fragmentado em unida-
des locais (aqui entendido como o domínio do proprietário
rural) e regionais de poder (as oligarquias regionais com
interesses conlitantes com a ordem nacional em formação)
necessitou das cidades para efetivar-se, apesar de estar no
campo a base de sua sustentação econômica.

Não seria, então, acidental a criação da Beneicência e União


em Fortaleza nos anos de 1830. Já havia uma camada de comer-
ciantes em franca ascensão, uma camada dirigente informada,
mesmo que supericialmente, pelo liberalismo econômico, além
de diversos clérigos recém-egressos de Olinda, sequiosos por es-
paços de convivência e debate a im de exercitarem a sociabilida-
de e a política.
Entendo que a loja maçônica representou, para essa elite,
talvez o único, ou pelo menos o principal, espaço de convivên-
cia masculina, numa vila que, apesar de capital e de já se inclinar
para uma ascensão, ainda tinha um incipiente desenvolvimento. A
grande maioria dos equipamentos urbanos que poderia propiciar
esses momentos de convivência só seria criada no inal do século
XIX, quando a hegemonia de Fortaleza já estava consolidada.

2. As elites intelectuais e o campo de batalhas dos anos


de 1870

A sociedade Maçônica universalmente reconhecida como


uma sociedade beneicente, caridosa, abrasada no sagrado
amor da liberdade, do progresso e da civilização, e consi-
derada como uma muralha robusta, onde se vão quebrar as
furiosas ondas do despotismo, e da escravidão, foi sobre ella
que esta seita maldita, apontou os seus canhões, e vomitou
os seus projectis. (Jornal Fraternidade, 02.12.1873)

83
Michel Silva (Org.)

Fortaleza, novembro de 1873. Tem início, nessa data, a publi-


cação do jornal semanal Fraternidade, que prometia abalar for-
temente a católica e provinciana sociedade cearense de então. A
loja Fraternidade Cearense, fundada em 1 de dezembro de 1859,
segundo informa Batista Aragão (1987)8, congregava em seus
quadros intelectuais com grande capital cultural para defender
seus princípios. O ideário liberal/ilustrado e positivista orienta-
va as relexões dos jovens redatores do Fraternidade acerca das
bandeiras que passarão a defender – liberdade religiosa, Estado e
ensino laicos, casamento civil, educação popular e muitas outras.
Mas a entrada em cena do Fraternidade não signiicava, sim-
plesmente, que aparecia na arena política mais um veículo de
propaganda liberal, como era o caso do já existente jornal Cea-
rense. O Fraternidade possuía a singularidade, que considero de
fundamental importância, de veicular os princípios de uma ins-
tituição internacional, a Maçonaria, consolidada na Inglaterra no
início do século XVIII. Singrando oceanos, essa instituição pas-
sou a alimentar as utopias de Igualdade, Liberdade e Fraternidade,
9
tríade já consagrada pela Revolução Francesa de 1789 .
A imprensa no período imperial se constituía em um espaço
fundamental, talvez um dos mais importantes, de comunicação
e divulgação de ideias, e é justamente nesse período da história
do Brasil que, segundo Carvalho (1996, p. 46), ela foi mais livre.
Os maçons cearenses, através de um segmento social que
concentrava maior capital cultural para o campo que então se de-
lineava – os intelectuais –, passaram a construir, pela imprensa
maçônica, um instigante sistema de representações sobre a so-
ciedade, sobre a época em que viviam, sobre as reformas sociais

8. Nesse período, havia, no Ceará, uma única loja maçônica: a Fraternidade Cearense,
fundada em 1859.
9. Enfatizo essa singularidade porque a historiograia cearense, principalmente as
produções mais recentes, costuma desconsiderar essa particularidade analisando o
Fraternidade como um veículo da Academia Francesa do Ceará (Cordeiro, 1997;
Abreu, 2009).

84
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

necessárias para o progresso do país e, particularmente, sobre o


lugar que cabia à instituição maçônica para a sociedade brasileira
e ainda sobre os papéis a serem desempenhados na orientação/
condução das transformações que esperavam ver realizadas.
O irrompimento dos maçons cearenses na imprensa nesse pe-
ríodo não é, contudo, um fato isolado, nem do ponto de vista geo-
gráico nem tampouco histórico. Nessa década, o Brasil Imperial
foi marcado por uma intensa crise entre o Estado Monárquico
e a Igreja Católica, através dos representantes do conservadoris-
mo romano – a chamada Questão Religiosa, que eclodiu, em seus
momentos mais dramáticos, entre 1872 e 1875. O motor desse
conlito era, justamente, a resistência desses segmentos conser-
10
vadores, denominados ultramontanos , aos princípios liberais
defendidos, em grande parte, por indivíduos identiicados com
a Maçonaria brasileira. Da delagração do conlito, surgem como
adversários, por quase todo o país, a imprensa maçônica, de um
lado, defendendo as ideias ilustradas e liberais, e os “ultramonta-
nos”, de outro lado, combatendo-as e pregando a supremacia do
poder espiritual.
Fortaleza, a partir de meados do século XIX, começa a ga-
nhar, de fato, aspectos de cidade; digo isso porque, juridicamente,
desde 1823, pela Carta Imperial de 17 de março, esse estatuto já
lhe era garantido. A capital da província do Ceará já se consolida-
ra, então, como o maior entreposto comercial, tanto na comercia-
lização e exportação da maior parte do que era produzido na Pro-
víncia, mas, também, na comercialização dos artigos importados
que para cá eram trazidos, para satisfação das camadas urbanas

10. A origem do termo remete, segundo o dicionário Aurélio, à “doutrina e política


dos católicos franceses (e outros) que buscavam inspiração e apoio além dos montes,
os Alpes, i. e., na Cúria Romana”. Como desdobramento dessa identiicação, deno-
minava-se Ultramontanos aqueles que pregam a autoridade absoluta do Papa em
assunto de fé e disciplina e/ou os que proclamam a superioridade do poder espiritual
sobre o temporal.

85
Michel Silva (Org.)

emergentes, sequiosas de se equipararem na estética e no gosto à


burguesia europeia.
No ramo do comércio, seja ele de exportação ou importação,
começam a chegar, desde a primeira década do século XIX11, ne-
gociantes estrangeiros que aqui estabelecem suas irmas, passando
a residir na capital, exercendo inluência nos hábitos da população
local. Junto com os segmentos comerciais nativos irão, durante
todo o Império, formar uma categoria social preponderante na
Maçonaria cearense, sendo possível que muitos destes capitalistas
já fossem iniciados na Maçonaria em seus países de origem12.
Louis Sand, Adolfo Hoerth, Richard P. Hugges, Charley Har-
dy e Achille Boris13 são alguns negociantes estrangeiros que se
estabeleceram em Fortaleza e iguraram – juntamente com Abel
da Costa Pinheiro, Manuel Vieira Bastos, José Martins Arêas,
Francisco Luís Carneiro, Bernardo José Pereira, João Antônio do
Amaral, Antônio Coelho M. da Fonseca, José Maria de Moraes e
Bernardino Plácido de Carvalho, dentre outros comerciantes lo-
cais – na Maçonaria Cearense, representada, na década de 1870,
pela Loja Fraternidade Cearense.
A hegemonia de Fortaleza na província e os modos cada vez
mais reinados e ansiosos por “civilidade” de sua elite passaram a
exigir um conjunto de melhoramentos urbanos que irão se inten-
siicar a partir de meados do século XIX, ganhando maior vigor
nos últimos anos daquele século; merecem destaque as obras de
calçamento, iniciadas em 1857, o abastecimento de água, sob a
responsabilidade da irma inglesa Ceará Water Work Co. Ltd, em
1865, as obras da Estrada de Ferro de Baturité, iniciadas em 1870,

11. O primeiro estabelecimento comercial fundado por um estrangeiro no Ceará data


de 1811, dirigido pelo irlandês William Wara (Girão, 1959, p. 150; Takeya, 1997).
12. Não consegui conirmar essa hipótese porque não mais existem, nos arquivos
do Grande Oriente Estadual, atas ou demais documentos da Loja Fraternidade Cea-
rense. A relação dos obreiros dessa loja pode ser encontrada no Almanak do Ceará
(Fortaleza, 1973, p. 419-422).
13. Constatei a iniciação de Achille Boris em ata da Loja Igualdade, de 25.09.1882.

86
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

as linhas de bonde de tração animal, iniciadas em 1877, o telégra-


fo, em 1881, e o telefone, em 1883, dentre outros.
Isso demandava, também, a presença de especialistas para a
efetivação desses melhoramentos urbanos, que, em alguns casos,
eram proissionais estrangeiros e, em outros, brasileiros vindos
de Pernambuco ou cearenses que voltavam de estudos em outros
lugares do país. É o que acontece, por exemplo, com as obras pú-
blicas provinciais, que, a partir de 1856, passaram a ser dirigidas
pelo engenheiro pernambucano Adolfo Herbster, mandado bus-
car de Recife com essa inalidade.
Herbster teve uma atuação bastante destacada no processo de
reordenamento urbano que a cidade passou a sofrer no período re-
ferido. É o que se pode constatar pelas plantas de 1859, 1875 e 1888,
elaboradas por ele, que se constituíram, principalmente a segunda,
em importantes instrumentos de disciplinarização do crescimento
da cidade. Esse engenheiro foi responsável ainda por vários proje-
tos arquitetônicos na cidade e no interior, como o prédio da antiga
Assembleia Provincial, hoje o prédio que abriga o Museu do Ceará,
e ainda vários melhoramentos que a cidade ganhou, como as obras
de calçamento iniciadas em 1857 (Castro, mar. 1979/maio. 1982;
Girão, 1993; Ponte, 1993; Neves, 1995, p. 267-276).
Há ainda mais um aspecto relativo a esse pernambucano que
merece, em minha opinião, certo destaque: Herbster, no ramo
em que atuou, passou a combater certos costumes aqui existen-
tes, clamando por uma maior racionalidade nas obras públicas,
respaldado nas mais novas descobertas da ciência e da técnica
naquele momento, conhecidas, em grande parte, pela aquisição
de obras de arquitetura lançadas na Europa, que adquiriu para a
biblioteca das “Obras Públicas”. Seus relatórios, do tempo em que
estava à frente dessa repartição pública, são um testemunho des-
sa “nova mentalidade”, ilustrada, que ele tentou airmar em seu
ramo de atuação, e também da resistência às mudanças propostas
que aqui encontrou.

87
Michel Silva (Org.)

Acredito que Adolfo Herbster representa um dos tipos carac-


terísticos de indivíduos que iliavam-se à Maçonaria brasileira,
e, particularmente da cearense, na segunda metade do século
passado. Era um “técnico”, que procurava sempre direcionar suas
ações a partir de padrões de racionalidade e de progresso em
voga na Europa.
Realmente, Herbster, – como outros engenheiros: – o tam-
bém pernambucano, mas residente desde criança no Ceará, Hen-
rique heberge14, e Luiz Manoel de Albuquerque Galvão – foram
obreiros da Loja Fraternidade Cearense, chegando a ser, o primei-
ro, 2º Vigilante, escolhido em escrutínio ocorrido em decorrência
da renúncia de Victoriano Augusto Borges, em sessão extraordi-
nária da loja em 16 de janeiro de 1874, comentado pelo Fraterni-
dade no dia 20 do corrente mês, página 3:

Corrido o escrutínio obtiveram votos os nossos ir.: major


Antonio Belarmino Bezerra de Menezes, engenheiros Drs.
Luiz Manoel de Albuquerque Galvão e Adolpho Herbster,
Joaquim Domingues da Silva e Pedro Nava; havendo porém
empate na votação, correu novamente o escrutínio, sendo
eleito pela maioria absoluta o i.: Dr. Herbster. Foi bem mere-
cida essa prova de coniança que a loj.: Frat.: Cear.: acaba de
dar ao nosso irmão.: Herbster, que se tem mostrado sempre
um obreiro incançavel e dedicado.

Mas a cidade carecia também de jovens médicos e sanitaris-


tas capazes de orientar a população a assumir hábitos de higiene
e saúde e de também reordenar o espaço urbano de modo mais
salubre, de acordo com os normas e costumes civilizados em voga
na Europa. Essa foi uma preocupação realmente assumida pelas
camadas dominantes locais, principalmente nos anos que antece-
deram a República. Para Sebastião Ponte (1993, p. 17),
14. heberge estudou na Escola Militar e de Agronomia do Rio de Janeiro e traba-
lhou à frente das Obras Públicas provinciais, da Estrada de Ferro de Baturité, da Cia.
Ferro Carril, além de também ter atuado no Liceu do Ceará e na Academia Cearense
de Letras (Nobre, 1996, p. 378-379).

88
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

atuando em várias instâncias da realidade urbana, o saber


médico-social local concorreu para o surgimento do pri-
meiro hospital da cidade (a Santa Casa de Misericórdia, em
1861); de um Lazareto contra as várias epidemias do perío-
do; de leis e normas de preservação da higiene pública e pri-
vada; da transferência de curtumes, matadouro e cemitério
para além do perímetro urbano central (a partir de 1870), e
do serviço de canalização de água.

Essa camada de “ilustrados” atuava não apenas nas esferas


médico-sanitárias acima referidas, mas também tinha que estar
preparada para vencer, ou pelo menos dominar, o espectro das
epidemias que grassavam soltas por esses tempos, agravando-se
nos períodos de seca.
O médico Antônio Mendes da Cruz Guimarães representa
bem essa camada de médicos ilustrados, que assumem lugar de
destaque na vida pública da cidade. Formou-se no Rio de Janeiro,
em 1859, e trabalhou na Santa Casa de Misericórdia, Cadeia Pú-
blica e Câmara Municipal de Fortaleza, além de ter sido 2º cirur-
gião-tenente do Corpo de Saúde do Exército e capitão cirurgião-
-mor do Comando Superior da Guarda Nacional de Fortaleza.
Foi Venerável da Loja Fraternidade Cearense na década de 1870,
tendo atuado ainda de forma intensa na Irmandade de São José,
vinculada à Santa Casa de Misericórdia, uma das arenas de poder
onde se digladiaram maçons e católicos neste exato momento.
Outros proissionais relacionados com a esfera da saúde pú-
blica também participaram da Maçonaria cearense no período
do Império, como são os casos do médico Antônio Feijó de Melo,
pertencente aos quadros da Fraternidade, e os irmãos Carlos e
Guilherme Studart, respectivamente, farmacêutico e médico,
que se iniciaram na loja Igualdade em 29 de outubro de 188315, e
outros. O farmacêutico Rodolpho heophilo, igura fundamen-

15. Esses dois profanos eram irmãos do Barão de Studart, e suas iniciações, junta-
mente com a de Leopoldo dos Santos Brígido, parente do também maçom jornalista

89
Michel Silva (Org.)

tal para se compreender esse “humanismo ilustrado” do século


passado, que, por conta própria, empreendeu uma campanha de
vacinação da população pobre, recebeu uma homenagem dos
maçons cearenses por ocasião de seu sepultamento, o que leva
a supor que ele tenha participado dos quadros da ordem ou que
ele representava o ideal de intelectual e cidadão projetado pelos
princípios maçônicos16.
Os membros dessa camada “distinta” de Fortaleza, até aqui
examinada, participaram de várias esferas da vivência pública
que a cidade começa a ver intensiicada a partir da segunda me-
tade do século XIX. O exercício proissional já era uma oportuni-
dade de exercitar essa interferência no espaço público.
Mas acredito que a condição de irmão maçom e o tipo de
sociabilidade que pressupõe o exercício do debate político eram
os atrativos encontrados na loja maçônica, possibilitando a esses
indivíduos o reencontro com os ideais iluministas – pautados nas
ideias de humanidade, progresso e civilização – conjugados ainda
com o ideal ilantrópico que sustenta a instituição.
Por ocasião da seca de 1877, descrita pela historiograia (he-
óphilo, 1922; Neves, 2000) e por aqueles que viveram na época
como um quadro pavoroso de miséria e degradação humana, os
maçons do Ceará também exercitam, por intermédio da loja, uma
interferência nesse caso de calamidade pública, enviando pedidos
de socorro aos Grandes Orientes Brasileiros e às demais lojas do
Império para assistir aos lagelados da tragédia.

A miseria, que se há declarado nesta província, e nas circun-


vizinhas, obriga-nos a vos dirigir uma palavra em nome dos
nossos deveres de maçom que nos conduzem aos sacrifícios

e historiador João Brígido, estão na ata da loja Igualdade, de 29.10.1883, encontrada


nos arquivos do Grande Oriente Estadual do Ceará.
16. O nome desse farmacêutico não consta na lista dos obreiros da loja Fraternidade
Cearense, de 1873, nem também o encontrei nas atas das lojas Igualdade e Caridade,
de 1882 a 1885.

90
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

mais arduos, em prol da humanidade. A perda total das colhei-


tas, por efeito de uma secca rigorosisssima, fez perder o pão a
mais de quinhentas mil pessoas que nesta provincia se movem
em todos os sentidos, procurando salvar a vida, e enchem as
estradas ou atulham as ruas das cidades do litoral, fugindo à
calamidade. [...] Todos os recursos para salvar tão numerosa
população escasseiam de dia para dia, e a caridade heróica das
classes abastadas da província e do exterior já vai se tornando
impotente para remediar tamanho mal. Faltando-nos, pois,
esforço suiciente para satisfazer tão imperiosa exigência da
lei maçonica, nós vossos irmãos consocios, nos vimos pedir,
que nos ajudeis, promovendo subscripções no valle, em que
tende erguido a vossa bandeira, para mandar-nos o producto
dellas, que será applicado á salvação dos fragellados. [...] O
vosso donativo e dos profanos que commungam dos nossos
princípios, terá a aplicação mais sancta que a ocasião depara.
(Boletim do Grande Oriente do Brasil, s.d., p. 458-460)

Mas acho importante insistir que o trânsito que essa elite


tinha pelos espaços públicos e de sociabilidade que a cidade de
Fortaleza oferecia nesse período – sejam eles espaços mais pro-
fanos como os saraus literários no Palácio da Presidência ou das
sessões às terças-feiras de toda semana na loja maçônica, como
também os espaços vinculados de algum modo à esfera religiosa
oicial, como nas irmandades e confrarias – foi modiicado pela
delimitação do campo de oposições que se estabeleceu nos anos
de 1870, por ocasião do conlito religioso.
Nesse sentido é que entendo que deixar-se reconhecer como
maçom durante esses anos signiicava posicionar-se explicita-
mente nesse campo e vivenciar todas as consequências que esse
posicionamento implicava. Se, por um lado, a Maçonaria era um
espaço da sociabilidade masculina de elite e, portanto, poderia
conferir mais status àqueles que lá ingressavam, por outro lado,
ser maçom nesses tempos de “conlito” signiicava também sofrer
algumas restrições e experimentar momentos de atrito com os

91
Michel Silva (Org.)

que se posicionavam do “outro lado”, ou, como queriam os re-


datores do Fraternidade, os que defendiam ideias “caducas” e se
colocavam contra o “progresso”.
Nas folhas do jornal Fraternidade, de 25.11.1873, já se clama-
va pela necessidade de modiicação dos costumes da população
pobre, ação recorrentemente cobrada aos padres católicos. Sobre
o povo cearense e seus costumes, sugeriam os maçons: “Continua
embrutecido, os costumes cada vez mais derrancados, e por con-
sequência o crime triunfante por toda parte”.
No Império brasileiro, a riqueza nacional estava concentrada
nas mãos de segmentos ligados à agricultura, pecuária, comércio
e inanças. No Ceará, essa concentração também era uma reali-
dade, sendo que, em Fortaleza, como demonstrei anteriormente,
são as camadas ligadas ao comércio que possuíam maior capital
econômico. Além do mais, os empregos melhores, em remune-
ração e importância, que iam aparecendo eram ocupados pelas
camadas intermediárias, os proissionais liberais principalmente,
que eram, em grande parte, provenientes das camadas dominan-
tes, fechando assim o círculo das elites.
O censo de 1872, analisado por Boris Fausto, fornece alguns
dados para a análise da situação da instrução no Brasil imperial.
O analfabetismo alcança índices absurdos, sendo de 99,9% en-
tre a população escrava e 80% na população livre. Aqueles que
possuíam formação superior, constituindo uma ilha de letrados,
eram estimados em oito mil pessoas (Fausto, 1995, p. 237). Pode-
-se concluir, apesar das limitações desses dados, que a instrução
era mais um elemento, no período, que também reforçava os pri-
vilégios das elites. No Ceará, em 1872, o percentual de analfa-
betos em relação à população total da província era de 88,46%
(Brasil, 1893, p. 200).
A caracterização social, que venho fazendo no decorrer desse
artigo, conirma o caráter elitista da Maçonaria. Mas se essa cons-
tatação reairma o caráter desigual da sociedade brasileira, e da

92
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

cearense em particular, não diminui em signiicação o papel so-


cial que teve o segmento mais ilustrado da Maçonaria brasileira.
Esses homens – médicos, engenheiros, farmacêuticos, advoga-
dos, jornalistas e ilantropos –, através de sua atuação proissional
e sua participação social e política com as várias bandeiras que
levantaram, dentre elas a da instrução popular e pública, alimen-
taram e, por que não dizer, lutaram por maior justiça social. Essa
ação se desenvolvia dentro de limites tipicamente iluministas, o
que os fazia acreditar que, formando o segmento mais ilustrado
da sociedade, possuíam o dever e o poder de conduzir e decidir
a forma que deveria assumir esse processo de transformações so-
ciais que culminaria em uma diminuição das injustiças e desi-
gualdades existentes.
Os bacharéis atuaram de forma decisiva na vida da província,
assumindo, na maioria dos casos, posições de destaque na esfera
política e participando ativamente dos grandes debates que ali-
mentavam a imprensa local. A formação desses intelectuais cea-
renses era iniciada principalmente nas escolas locais, no Liceu do
Ceará, criado desde 1848, no Ateneu, de 1863, ou no Seminário
Episcopal, que data de 1864. Depois seguiam para fazer os cursos
preparatórios para o ingresso na Faculdade de Direito de Recife;
obtendo sucesso nos preparatórios, ingressavam nesse curso aos
16 anos e formavam-se geralmente aos 21 anos (Carvalho, 1996).
De volta ao Ceará, apesar dos vários melhoramentos que a
capital passa a vivenciar na segunda metade do século XIX, as
oportunidades de exercício intelectual para esses jovens eram por
demais limitadas. A sede de leitura era razoavelmente satisfeita
pela Livraria Oliveira, de propriedade de Joaquim José de Oli-
veira, que providenciava, desde 1848, dentro das condições da
época, as encomendas feitas pelo público local.
O exercício proissional como advogado ou como juiz, cargo
que muitos vieram a exercer em Fortaleza e no interior da provín-
cia, era complementado com a atividade do magistério, voltando

93
Michel Silva (Org.)

assim, na condição de professores, às mesmas escolas em que ha-


viam estudado. Mas era mesmo na imprensa que tentavam dar
melhor sistematização àquelas ideias novas que, nos bancos da
Faculdade, solitariamente em seus gabinetes ou em rodas mascu-
linas, reletiam e debatiam.
A loja maçônica, em tempos que ainda não loresciam facil-
mente as academias ilosóicas e literárias, talvez tenha oferecido
a esses indivíduos mais uma oportunidade do debate no nível
das ideias. Principalmente porque a concepção ilosóica e po-
lítica que embasa a sociabilidade da loja, liberal e iluminista, se
mostrava compatível com as novas ideias assumidas por esses in-
telectuais. Apesar das novidades da ilosoia positivista, seja em
suas vertentes comtiana, evolucionista ou darwinista, que passou
a animar os jovens pensadores a partir de 1870, estas concepções
continham na sua raiz o ideário das luzes, pautadas nas ideias de
progresso, civilização e humanidade que também estava a infor-
mar, combinadas com as ideias liberais de liberdade, igualdade e
fraternidade, a Maçonaria.
Na loja Fraternidade Cearense, nos anos de 1870, percebe-se
a preponderância de advogados entre os proissionais liberais que
formavam suas colunas. Muitos destes notabilizaram-se na políti-
ca como deputados, senadores e mesmo presidentes de província.
Outros terão destaque na atividade ilosóica e literária e, depois
de iniciarem-se na imprensa local, prosseguiram compondo os
grêmios dessa natureza que se constituíram a partir dos anos de
1870 – Academia Francesa (1872), Gabinete Cearense de Leitura
(1875), Clube Literário (1886), Instituto do Ceará (1887), Padaria
Espiritual (1892), Academia Cearense de Letras (1894) e o Centro
Literário, do mesmo ano dessa última (Girão, 1984, p. 225).
Dos bacharéis que foram dos quadros da Fraternidade Cea-
rense e que enveredaram pela política, constam, entre outros, José
Liberato Barroso – bacharelou-se em Pernambuco (1852), foi de-
putado provincial (1858 a 1861), deputado geral (1864 e 1874),

94
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ministro do Império, Presidente da Província de Pernambuco


(1882) e senador pelo Ceará (1879)17 – e Antonio Pinto Nogueira
Accioly – bacharelou-se em Pernambuco (1864), foi promotor pú-
blico em Fortaleza, depois de o ter sido em vários lugares do inte-
rior da província, exercendo ainda o cargo de Juiz em Baturité; na
carreira política, foi deputado geral (1880), senador (1889), pre-
sidente do estado (1904, 1908), tendo dominado a política local,
através da poderosa oligarquia que liderou, por quase vinte anos18.
Merecem maior destaque, para os objetivos desse artigo,
aqueles bacharéis que, através da imprensa maçônica (jornal Fra-
ternidade), passaram a fazer a defesa da instituição e das ideias
liberais modernas, de 1872 a 1875.
João Brígido dos Santos não passou pelos bancos de qualquer
curso superior, fez o primário em Jucás, estudou Latim em Qui-
xeramobim, lecionou em Jardim, Barbalha, Crato e no Liceu em
Fortaleza; teve atuação marcante na política cearense, tendo sido
deputado geral (1878-1881), senador (1892) e deputado estadual
(1893-1894). Mas foi pela imprensa que essa atuação se veriicou
de modo mais marcante, pelas campanhas que impulsionou e pe-
las críticas impiedosas que a seus adversários lançou; foi redator
e, em alguns casos, fundador, do jornal O Araripe, no Cariri, Ce-
arense, Fraternidade e Unitário (Câmara, 1970; Leite Filho, 1988).
O estilo jornalístico de João Brígido, polemista e virulento,
sugere que as sessões do Fraternidade dedicadas às denúncias,
no plano mais pessoal, sobre os representantes do clero – padres,
irmãs de caridade e redatores da Tribuna – eram de sua respon-
sabilidade. Ora eles são incriminados como mercadores, superfa-
turando na “comercialização” dos sacramentos – como é o caso
do “Verdeixinha”, vigário de Maranguape, que “negociou” um ca-

17. Liberato Barroso também enveredou pelo jornalismo, redigindo o Aracaty e ain-
da publicou vários trabalhos literários (Studart, 1913, p. 134-137).
18. Accioly participou da Fraternidade Cearense nos anos 70 e passou na década
seguinte para os quadros da Loja Caridade (Atas da Loja Caridade, 1882-1885).

95
Michel Silva (Org.)

samento por 10 alqueires de farinha, ou do vigário de Pacatuba,


que “cobrou” 10$000 (dez mil réis) por um casamento e, como o
noivo não tinha a quantia, foi parar na cadeia –, ora os párocos
apareciam envolvidos em comportamentos amorais como o de
confessar mulheres à noite e sem véu, ou em casos amorosos com
freiras ou moças do interior da província, vítimas das persegui-
ções de alguns religiosos (Jornal Fraternidade, 18.11.1873, p. 03;
Jornal Fraternidade 06.01.1874, p. 03).
Outros bacharéis que participaram ativamente pela imprensa
do conlito travado entre a Maçonaria local e os ultramontanos
tiveram trajetórias semelhantes. Tal é o caso de homas Pompeu
de Sousa Brasil, ilho do senador de mesmo nome, de Tristão de
Alencar Araripe Júnior, ilho homônimo do senador do Império,
também maçom, que teve atuação destacada na Questão Religiosa,
de Xilderico de Faria e de José Avelino Gurgel do Amaral. Os três
primeiros veicularam suas ideias através do órgão maçônico Fra-
ternidade e o último através de O Futuro, do qual foi redator-chefe.
Pompeu Filho estudou no Ateneu, em 1865, fez os “preparató-
rios” no Rio de Janeiro e, em 1868, entrou na Academia de Direito
do Recife, tornando-se também correspondente do Cearense. De
volta ao Ceará, foi redator no Cearense, Fraternidade e Gazeta do
Norte; lecionou a disciplina de Geograia no Liceu, em 1876, fez-se
deputado da Assembleia Legislativa, em 1878-1886, e envolveu-se
diretamente com a causa da Instrução Pública, elaborando seu re-
gulamento em 1880 e dirigindo-a em 1889 (Studart, 1910).
Araripe Júnior e Xilderico de Farias bacharelaram-se em Re-
cife, em 1869 e 1873, respectivamente, e, de volta ao Ceará, foram
nomeados juízes, o primeiro em Maranguape e o segundo no es-
tado do Pará e, posteriormente, em Viçosa do Ceará; entraram
nos quadros da Maçonaria nos anos de 1870 e participaram da
defesa da instituição pelo jornal Fraternidade.
José Avelino Gurgel do Amaral concluiu o curso de Direito
em Recife, em 1864, doutorando-se em 1872; exerceu os cargos

96
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

de Promotor Público em Aquiraz e de secretário da Presidência


em São Paulo, além de ter sido deputado pelo Ceará mais de uma
vez. Participou ativamente da imprensa, tanto no Ceará como em
outras províncias. No Ceará, atuou nos jornais Progressista, Jornal
do Ceará e O Futuro. Atuou ainda na literatura e no teatro.
Há, também, que se fazer referência a uma igura que teve
uma atuação marcante na imprensa cearense e nos vários movi-
mentos literários que se desenvolveram na segunda metade do sé-
culo XIX: João Lopes Ferreira Filho. Este jornalista foi contempo-
râneo de Xilderico de Farias, Pompeu Filho e Domingos Olimpio
no Ateneu Cearense, nos anos de 1870, como relembra Rodolpho
heophilo, mas não chegou ao curso superior como os outros
(heóphilo, 1969, p. 109-119). Exerceu vários cargos públicos na
“Repartição dos Correios e na Secretaria do Governo do Ceará” e
foi também “professor de português do Liceu Provincial e secre-
tário do governo do Amazonas”. Foi redator nos jornais: Cearense,
Fraternidade, Gazeta do Norte, Libertador e República. Foi secretá-
rio de uma escola para homens pobres e operários, a Escola Popu-
lar, que funcionou entre 1874 e 1875 (Studart, 1913, p. 494-495).
Joaquim Mendes da Cruz Guimarães, autor do Almanach
Administrativo, Mercantil e Industrial do Ceará, de 1870 e 1873,
também foi outro bacharel que participou da loja Fraternidade
Cearense, assim como seu irmão Antônio Mendes, que era o ve-
nerável dessa loja nos mesmos anos. Bacharelou-se em Recife,
em 1955, e, de volta ao Ceará, foi nomeado promotor público
em Quixeramobim, passando, em 1864, a exercer essa função em
Fortaleza. Assumiu ainda outros cargos públicos na Província,
como o de secretário do Governo e da Junta Comercial do Ceará,
e Cônsul dos Países Baixos em 1876 (Studart, 1910, p. 39-40).
A imprensa, nesse momento, era o local por excelência onde
ideias e concepções de mundo distintas se apresentavam e se di-
gladiavam. Djacir Menezes sugeriu que ela se assemelhava a um
espelho que reletia a sociedade da época (Menezes, 1968, p. 9).

97
Michel Silva (Org.)

Além do Fraternidade e do Tribuna Católica, que estiveram


mais em evidência nos anos de 1870, pelos motivos já expostos,
havia ainda o Cearense, jornal mais identiicado com as ideias li-
berais, ligado às iguras de seus fundadores – Senador Pompeu,
Frederico Pamplona e João Brígido dos Santos – e aqueles jor-
nais vinculados ao conservadorismo local, como o Pedro II e o
Constituição. Com o incremento das campanhas abolicionistas e
republicanas, surgiram o Libertador e A República.
É possível, como sugere grande parte da historiograia
cearense, que alguns desses intelectuais, participantes ativos do
conlito dos anos de 1870, não permaneceram por muito mais
tempo na Maçonaria. Pelo que pude constatar nas atas dos anos
de 1880, das lojas Igualdade e Caridade, as exceções icaram por
conta de João Brígido dos Santos e João Lopes Ferreira Filho19.
No entanto, a loja maçônica representou um signiicativo es-
paço de conluência dos vários segmentos ilustrados da sociedade
cearense, que, mesmo por um período pequeno, assumiram-se
como parte da instituição, vivenciando toda a sociabilidade que
ela possibilitava20. O que é a história de uma instituição senão o
resultado das diferentes posturas assumidas pelos vários segmen-
tos que a compõem ao longo de sua existência e dos novos desa-
ios que a ela são colocados? O “iluminismo maçônico” alimentou
diversos projetos políticos e sociais por onde se disseminou. No
Brasil colônia, parece ter sido responsável pela vulgarização das
concepções liberais/ilustradas, fomentando a ira em relação ao
governo monárquico português e, por conseguinte, alimentan-
do o ideal emancipacionista. No movimento revolucionário de
1817, em Pernambuco, é possível airmar uma relação mais direta

19. Xilderico de Farias se suicidou ainda em meados dos anos de 1870.


20. Estou querendo realmente enfatizar a participação dos principais redatores do
Fraternidade na vivência cotidiana da loja (Abreu, 2009). Segundo Câmara (1969, p.
69), Pompeu Filho ingressou na Maçonaria logo que retornou de Recife, em 1872,
através de José Avelino e Nogueira Accioly, e a abandonou em 1875, quando deixa
de circular o Fraternidade.

98
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

da Maçonaria, já que grande parte dos envolvidos eram maçons,


como é o caso, no Ceará, do Ouvidor Rodrigues de Carvalho e do
padre José Martiniano de Alencar, dentre outros.
Pernambuco, na primeira metade do século XIX, era o prin-
cipal centro intelectual do Norte do Império. A Faculdade de
Direito e o Seminário de Olinda recebiam a cada ano estudantes
provenientes de outras províncias próximas, inclusive do Ceará.
Em sua maioria, eram jovens provenientes das elites que trava-
vam pela primeira vez contato com as ideias liberais que eram
veiculadas abertamente nesses centros educacionais. Havia em
Pernambuco, portanto, um clima propício para a recepção desse
“iluminismo maçônico”, não só por sua condição de centro edu-
cacional, mas pelas várias experiências de agremiações que aí se
veriicaram, como O Areópago de Itambé, a Academia Suassuna
etc. Loja maçônica propriamente dita só se constituiu em 1817 –
Pernambuco Oriente.
No encaminhamento da independência política do Brasil,
a Maçonaria teve uma atuação destacada, buscando atrair para
seus quadros as pessoas com maiores possibilidades de inluen-
ciar no processo, inclusive o próprio Imperador Pedro I; nesse
sentido, pode-se atribuir a ela a função de um partido político.
Depois dessa inserção direta em questões de natureza política, a
Maçonaria brasileira pretendeu um maior distanciamento desses
assuntos, só voltando a reassumir nova visibilidade no cenário
político a partir da eclosão da Questão Religiosa, em 1872. As
questões que se colocavam naquele momento, entretanto, eram
outras, como outra também foi sua postura.
A participação dos cearenses nos movimentos revolucioná-
rios de 1817 e 1824, o intercâmbio constante com os pernambu-
canos e ainda a emergência de uma pequena burguesia urbana
no Ceará, composta principalmente de comerciantes e segmentos
letrados – médicos, farmacêuticos, bacharéis em direito e jorna-

99
Michel Silva (Org.)

listas – reuniam as condições favoráveis para a aceitação e adesão


dos cearenses ao “iluminismo maçônico”.
Acredito que as lojas maçônicas aqui existentes na primeira
metade do século XIX, tanto em Aracati como em Fortaleza, pre-
encheram um espaço vazio, não ocupado pelos partidos políticos
ou por qualquer outra agremiação, na formação política e intelec-
tual dos homens dessa pequena burguesia urbana.
Quando explode a Questão Religiosa, em 1872, já havia em
Fortaleza uma certa tradição no envolvimento da pequena bur-
guesia, inclusive dos segmentos letrados, com a loja maçônica, no
caso a Fraternidade Cearense. O jornal maçom, que circulou de
1873 a 1875, foi um instrumento fundamental no confronto a que
se lançaram os maçons com os ultramontanos, e que, como eles
mesmos enfatizavam, se constituía numa luta de ideias.
Apesar de alguns dos maçons que participaram ativamente
da redação do Fraternidade também escreverem em outros jor-
nais, como é o caso de João Brígido e Pompeu Filho no jornal
Cearense, o momento reclamava uma airmação da condição ma-
çônica, caso contrário, eles poderiam ter permanecido na defesa
dos princípios liberais, a que me referi anteriormente.
Havia nesse período no Brasil um campo de luta claramente
deinido, colocando-se os maçons dentre aqueles que defendiam
uma maior liberdade de consciência e a laicização das institui-
ções e das várias esferas da vivência social, indo contra, portanto,
diretamente, à Igreja que, vinculada ao Estado, assumia o papel
que – pensavam os maçons liberais/ilustrados – deveria caber às
instituições civis.
Esse confronto direto com os conservadores ultramontanos,
aberto com a Questão Religiosa, forçou de ambos os lados uma re-
deinição dos seus próprios espaços de atuação. Apesar de Roma
condenar a Maçonaria desde o século XVIII, aqui no Brasil, e
também no caso do Ceará, a realidade era bem outra: os padres
eram presenças certas nas lojas maçônicas. Durante o conlito, os

100
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

segmentos ligados ao catolicismo, dentro do processo de roma-


nização do clero brasileiro, passaram a elaborar um conjunto de
representações sobre a incompatibilidade que havia entre a Igreja
Católica e a Maçonaria, na tentativa de impedir que os padres
brasileiros continuassem a fazer parte das duas instituições21.
Os maçons cearenses também deiniram suas posições nesse
campo e passaram a reclamar a liberdade, limitada pela Igreja, de
participar de rituais católicos e agremiações, como as irmandades
religiosas, e, através do jornal Fraternidade, construíram repre-
sentações sobre as mudanças sociais a serem efetuadas no senti-
do da laicização das várias instâncias sociais. Nesse movimento
de ideias, reconheci uma postura preponderante, mais pautada
no liberalismo clássico, que reconhecia na esfera jurídica a única
possibilidade de diminuição das desigualdades entre os homens.
Esse igualitarismo jurídico dos maçons cearenses, que denomi-
no liberal/ilustrado, não se posicionava, de modo algum, a favor
da abolição das desigualdades de fato, que distinguiam a posição
dos indivíduos na esfera econômica e política. Ao contrário, ha-
via uma rejeição explícita às concepções socialistas e comunistas
que abalavam o fundamento liberal da propriedade individual
privada, considerado por eles como legítima22.
Era com base naquelas concepções que sustentaram as ban-
deiras do casamento e do registro civil, da laicização dos cemité-
rios, da liberdade religiosa, da separação entre Estado e Igreja e
da educação popular laica. Quanto à questão do regime político
vigente no Brasil, o monárquico, preferiram silenciar, já que, nes-
se momento de conlito, o apoio do Imperador, ou sua conivência

21. Até aquele momento, o caráter deísta da Maçonaria fazia com que nela estivessem
segmentos de várias religiões – católicos, protestantes e espíritas (já mais no inal do
século XIX). A Maçonaria exige do iniciante a crença em Deus, para eles pensado
como uma instância natural, criadora do universo, o Grande Arquiteto do Universo.
22. Havia também uma postura cientiicista nesses escritos, mas optei por chamá-los
de “liberais ilustrados”, por compreender que tinham por premissa central a crença
na Razão moderna, com as características que assinalei ao longo do trabalho.

101
Michel Silva (Org.)

implícita, era um fator estratégico para vencer o inimigo imedia-


to, os conservadores ultramontanos. Além do mais, esse deve-
ria ser um assunto em que não poderia haver consenso, já que
alguns maçons eram francamente a favor da monarquia, como
era o caso de Pompeu Filho, enquanto outros, como João Brígido,
eram republicanos.
Para os maçons, esse era um momento decisivo que lhes exi-
giu redeinições de posturas e uma exposição pública diferente da
prática comum de sociabilidade maçônica, mais presa à loja. De-
pois dos intelectuais maçons da loja Fraternidade Cearense, ainda
outros continuaram a buscar abrigo nas Colunas de Salomão23.
As transformações históricas e as circunstâncias especíicas
de cada época levam as instituições a se modiicarem e isso ocor-
reu também com a Maçonaria. Apesar de tudo, permaneceu o
estigma em torno daqueles que um dia se proclamaram os volun-
tários da ideia, os cruzados da humanidade, enim, os Intrépidos
Romeiros do Progresso (Jornal Fraternidade, 10.02.1874, p. 3).

23. O termo Colunas de Salomão é utilizado no linguajar Maçônico, querendo sig-


niicar a loja ou o templo maçônico; isso porque na imagem do templo maçônico se
quer fazer alusão ao templo construído por Salomão em Jerusalém.

102
Capítulo 6
A Maçonaria e a formação do Partido Republicano
Paulista1

Luaê Carregari Carneiro Ribeiro

Durante muito tempo julgou-se irrelevante do ponto de vista


acadêmico um estudo mais aprofundado sobre a trajetória e as
características da ordem maçônica no Brasil e sobre os signiica-
dos da participação de personagens políticos importantes dentro
dessa associação.
A intenção deste capítulo é contribuir para uma análise mais
detalhada sobre as características e as articulações das lojas ma-
çônicas em São Paulo, em meio a um período político eferves-
cente de questionamentos ao governo imperial a partir do inal
da década de 1860 e 1870.
Dessa maneira, a questão que se coloca é entender quem eram
os principais maçons da província de São Paulo, em especial da
Loja América, por que optaram pela vertente republicana da Ma-
çonaria e como puderam utilizar as lojas maçônicas em um mo-
mento importante de formação do Partido Republicano Paulista
(PRP), por exemplo, por ocasião da Convenção de Itu, em 1873.
As lojas maçônicas formavam um espaço que servia para
criar ou intensiicar os laços sociais e políticos entre os membros
da nova elite econômica da província paulista na segunda metade
do século XIX. A construção de redes clientelares via Maçona-
ria era utilizada como uma estratégia para o fortalecimento desse

1. Para um estudo mais detalhado, ver: Ribeiro, 2011. Disponível em: <http://www.
teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09112012-091354/pt-br.php>.

103
Michel Silva (Org.)

novo grupo social que ambicionava maior inluência política no


contexto provincial e nacional.

1. A Maçonaria republicana e a criação da Loja América

Entre ins da década de 1860 e 1880, os fazendeiros do Oeste


Paulista buscavam uma forma de inluenciar mais diretamente a
política nacional e procuravam uma solução para isso. Ao mes-
mo tempo, a Maçonaria lorescia no Segundo Reinado, com as
questões mais prementes do período se fazendo sentir em suas
reuniões. Entre essas questões destacavam-se as críticas à forma
de organização do governo, a situação precária da educação, a
relação com a Igreja católica, o abolicionismo e a questão da subs-
tituição da mão de obra.
Sendo a Maçonaria uma organização formada por homens do
seu tempo, essas questões inluenciaram diretamente a organização
da ordem maçônica. As décadas de 1860 e 1870 foram de secessio-
nismo dentro da Maçonaria, os grupos se dividiam quanto às possí-
veis soluções para os problemas enfrentados pelo governo imperial.
A partir de 1863, a Maçonaria encontrava-se dividida em
duas vertentes principais, a partir do Grande Oriente do Brasil
formaram-se: o Grande Oriente da rua do Lavradio, sendo con-
siderado o legítimo, e o Grande Oriente da rua dos Beneditinos,
o dissidente. Os posicionamentos políticos e ideológicos podem
ser considerados as causas da cisão. O Oriente dos Beneditinos,
durante todo o período de separação, teve como Grão-Mestre Jo-
aquim Saldanha Marinho2, conhecido por suas posições anticle-

2. Joaquim Saldanha Marinho nasceu em Olinda (PE), em 1816, e faleceu no Rio de


Janeiro em 1895. Matriculado no Curso Jurídico de Olinda em 1832, bacharelando-
se em 1835. Em três legislaturas consecutivas foi deputado provincial do Ceará e,
em 1848, deputado à Assembleia Geral. Indo para o Rio de Janeiro e transferindo-se
para Valença, foi eleito presidente da câmara municipal, juiz de paz e deputado pro-
vincial. Em 1860, mudou-se para o Rio de Janeiro, a im de dirigir o Diário do Rio de
Janeiro. Deputado à Assembleia Legislativa, reelegeu-se até 1867, quando foi eleito

104
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ricais e republicanas, foi um dos signatários do Manifesto Repu-


blicano de 1870; enquanto o Oriente do Lavradio manteve, como
Grão-Mestre, o Visconde do Rio Branco (José Maria da Silva Pa-
ranhos), então presidente do Conselho de Ministros pelo Partido
Conservador (de 7 de março de 1871 a 26 de junho de 1875).
Essa divisão entre o Lavradio e os Beneditinos permaneceu
até 1883. Durante esse período de divisão, o Grande Oriente dos
Beneditinos recebeu adesão de um maior número de lojas e de
membros. Segundo os dados apresentados pelo Boletim do Gran-
de Oriente do Brasil, no ano de 1872 havia 122 corpos maçônicos,
sendo 51 pertencentes aos Beneditinos, e 31 ao Lavradio, os ou-
tros 40 foram criados no curto período de uniicação3 entre maio
e setembro de 1872 (Colussi, 1998, p. 129).
Ainda em 1872, os dois Orientes voltaram a se separar, os
motivos seriam os mesmos da primeira cisão, divergências po-
líticas e problemas eleitorais quanto ao cargo de Grão-Mestre. O
Correio Paulistano informou o que fora noticiado pelo jornal A
República acerca dessa eleição, apontando para o apoio do gover-
no imperial à candidatura do Visconde do Rio Branco,

Os leitores da Republica estão informados acerca da escan-


dalosa intervenção do governo imperial na eleição do grão-
-mestre do Oriente Unido.[...] O que nem todos sabem ain-
da é que, annullada a eleição do sr. Rio Branco, e tendo de
proceder-se ante-hontem á nova eleição, andou-se de porta
em porta recrutando votantes, dizendo-se abertamente que
a questão já não era do sr. Paranhos, mas do próprio impera-
dor, que impuzera ao presidente do Conselho de Ministros a
obrigação de vencer. Nada foi poupado: mataram-se os vivos
e desenterraram-se os mortos.

pelo 1º distrito de Pernambuco. Durante 1865 a 1867, governou a província de Minas


Gerais. Em 1868 assumiu a presidência da província de São Paulo, e em 1870 foi um
dos signatários do Manifesto Republicano.
3. Esse breve período de uniicação ocorreu no contexto da chamada Questão Religio-
sa quando a Maçonaria e a Igreja católica se enfrentaram, formou-se o Grande Orien-
te Unido e Supremo Conselho do Brasil, que tinha como grão-mestre Antônio Félix.

105
Michel Silva (Org.)

[...] no meio d’uma scena de tumulto e desordem, em que


foram feridos e contusos vários maçons por alguns capangas
introduzidos no templo pelo agente de policia incumbido da
eleição do sr. Rio Branco.
Eis o espetáculo dado pelo governo e particularmente pelo
snr. Presidente do Conselho de Ministros [...]. Especulou-se
com tudo: apregou-se urbi et orbi, que a candidatura repu-
blicana, que todos os amigos da ordem deveriam guerreal-a
de morte, e como o bom senso de maioria da associação per-
sistiu em enxergar nessa candidatura conseqüência natural
dos proprios acontecimentos, o sr. Presidente do Conselho
julgou poder continuar a impor o seu nome, já de sabejo
repellido pela maçonaria brasileira. [...] Se o sr. Seu amo in-
sistia na sua eleição, era melhor dizer-lhe que elle tudo pode
fazer neste paiz, menos dobrar caracteres que prestam culto
sincero á dignidade humana.
Que lhe aproveite a lição!4

A partir destas notícias é possível perceber que os debates


políticos nacionais reletiam na cisão maçônica5. O Oriente do
Lavradio alegou que as razões para o rompimento foram as ambi-
ções pessoais dos dissidentes, referindo-se a radicalidade política
do grupo liderado por Saldanha Marinho6. Em um boletim publi-
cado pelo Lavradio sobre a dissidência, alegavam que:

Sois falsos maçons, porque não estais constituídos regu-


larmente, porque sois um partido de homens políticos [...]
Suas sessões são estéreis; suas congregações são do domínio

4. Correio Paulistano, 11 de setembro de 1872.


5. “[...] na verdade, o rompimento revelava o conlito de posicionamentos políticos
diferentes e que se manifestavam também na vida política profana, ou seja, centra-
lização e descentralização constituíram-se no binômio característico da política do
século XIX” (Colussi, 1998, p. 127-8).
6. “Que a vaidade pessoal entrou sempre em jogo é do que ninguém duvida. Mas
também, é certo, que a política profana inluiu poderosamente no ânimo dos oposi-
cionistas” (Boletim do Grande Oriente do Brasil, 1873, ano 2, n. 8, p. 623-624).

106
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

de idéias subversivas; suas conversações são desprovidas de


amor à Ordem e denunciadamente agitadas de questões pro-
fanas ambiciosas 7.

O Oriente do Lavradio assumiu uma posição de apoio ao


governo imperial e muitos maçons do Oriente dos Beneditinos
criticavam o governo. Enquanto o primeiro grupo procurava
se manter iel ao governo monárquico, o segundo estimulava a
expansão das ideias republicanas. Apesar de o Oriente dos Be-
neditinos ser considerado como “ilegítimo” pelos membros do
Lavradio, sempre obteve um maior número de adeptos, em 1876,
contava com 170 lojas maçônicas, enquanto o Lavradio possuía
apenas 91 lojas (Colussi, 1998, p. 134).
Em meio a um período de instabilidade política, com a que-
da do gabinete Zacarias de Góes em 1868 e o im da Liga Pro-
gressista8, tem início a organização do movimento republicano
na província de São Paulo. Esse contexto político inluenciou a
formação de novas lojas maçônicas, principalmente ligadas ao
grupo dos Beneditinos, que tinham como um dos seus objetivos
a articulação de novos projetos políticos. Dentre elas, destacou-se
a fundação da Loja América, em São Paulo, em ins de 1868, um
dos polos difusores do ideal republicano na província.
A Loja América reunia parte da liderança do movimento re-
publicano paulista, como Américo Brasiliense, que era a igura
aglutinadora dos republicanos espalhados pela província, foi se-
cretário da Convenção de Itu e organizador dos Congressos Re-
publicanos posteriores, ocupava o cargo de venerável (presidente)
da Loja América entre 1870 e 1874; outro exemplo era Américo
de Campos, um dos organizadores do Clube Republicano de São
Paulo e do Partido Republicano Paulista (PRP), ocupava o cargo
de 1º vigilante (vice-presidente) da Loja América, entre 1870 e

7. Boletim do Grande Oriente do Brasil ao Vale do Lavradio, jan. 1873, citado por:
Barata,1999, p. 71.
8. Ver: Holanda, 2005.

107
Michel Silva (Org.)

1874. O fato de a Loja América ter como administradores esses


republicanos apontou para o fato de que pertencer à Maçonaria
não tinha apenas uma conotação social, mas demonstrou tam-
bém que através dela era possível estabelecer laços políticos.
Para analisar o contexto de fundação da Loja América, é preci-
so fazer um breve histórico das lojas que já existiam em São Paulo.
A primeira loja maçônica da província paulista foi a Loja Inteligên-
cia, de Porto Feliz, fundada em 1831 no contexto de rearticulação
da Maçonaria após a abdicação de D. Pedro I (Bandecchi, 1978).
A Loja Amizade foi a segunda loja da província paulista, fundada
em 13 de março de 1832, pelo estudante de Direito, José Augus-
to Gomes de Menezes, que havia recebido autorização do Grande
Oriente do Passeio9 para criar uma loja na cidade de São Paulo10.
Segundo o pesquisador maçom Antonio Giusti, a Loja Amizade
tornou-se uma espécie de “loja mãe” subordinada ao Grande Orien-
te do Passeio, com poderes para fundar outras lojas na província
paulista. Sendo assim, a Loja Amizade esteve envolvida na instala-
ção das Lojas Piratininga11 e Sete de Setembro12, em São Paulo.
No momento da fundação da Loja América, a Loja Piratinin-
ga se encontrava inativa (ou no vocabulário maçônico: “adorme-
cida”), enquanto a Loja Amizade e a Sete de Setembro estavam
iliadas ao Grande Oriente do Lavradio (Castellani, 2000).

9. Sobre as diversas cisões maçônicas ao longo do século XIX ver: Colussi, 1998.
10. Por ser a Loja Amizade a primeira da capital paulista, era constituída, desde a
sua fundação, por membros ligados à Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Giusti, Antonio (editor). A Maçonaria no centenário. São Paulo: Revista A Maçonaria
no Estado de S.Paulo, 1922, p. 49. Ver também: Bandecchi, 1978, p. 109-110.
11. A Loja Piratininga foi fundada em 28 de agosto de 1850 por iniciativa dos maçons
Joaquim Ignácio Ramalho (futuro barão de Ramalho), tenente-coronel José Antonio
da Fonseca Galvão, cônego Joaquim Anselmo de Oliveira e capitão José Maria Ga-
vião Peixoto. Ver: Castellani, 2000.
12. A Loja Sete de Setembro foi fundada em 7 de setembro de 1862. O primeiro Ve-
nerável foi Vicente Mamede de Freitas, entre os fundadores destacavam-se Francisco
Rangel Pestana, Manoel Ferraz de Campos Salles, Jorge Miranda, Francisco Quirino
dos Santos, entre outros. Ver: Bandecchi, 1978; Giusti, Antonio (editor), op. cit.

108
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

No que se refere aos motivos que levaram à fundação de mais


uma loja maçônica em São Paulo, é preciso atentar ao fato de que
a Loja América desde o princípio se iliou ao Grande Oriente dos
Beneditinos, e se tornou a principal articulação desse Oriente na
província de São Paulo. A Loja América se tornou um centro de
debate político, no qual o movimento republicano estava sendo
construído pelos principais líderes republicanos paulistas, a dis-
cussão abolicionista também foi efervescente, assim como a ques-
tão da necessidade da laicização do Estado.
Segundo o levantamento feito pelo maçom Amadeu Ama-
ral, a Loja América foi fundada em 9 de novembro de 1868 por
Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, lente da
Faculdade de Direito; Vicente Rodrigues da Silva, negociante; Ig-
nácio Achilles Betholdi, médico; Salvador Furtado de Mendonça
Drumond, advogado; Ruino Marianno de Barros, negociante;
José Maria de Andrade, advogado; Olympio da Paixão, advogado;
Cyriaco Antonio dos Santos e Silva, empregado público; Antonio
Louzada Antunes, empregado público; Joaquim Tavares Guerra,
estudante; e Jeronymo José de Andrade, negociante13.

13. A primeira e a segunda administração da Loja América, entre 9 de novembro de


1868 e 22 de agosto de 1870, era composta pelo Venerável Antonio Carlos; 1º Vigi-
lante Vicente Rodrigues Silva; 2º Vigilante Ignacio A. Betholdi; Orador Olympio da
Paixão; Secretário Cyriaco Antonio dos Santos e Silva; Tesoureiro Antonio Louzada
Antunes. Giusti, Antonio (editor), op. cit., p. 103. Quando se trata de reconstruir a
história de uma loja maçônica do século XIX, um dos maiores problemas é a exis-
tência da coleção do Livro de Atas. A Loja América, que continua em atividade até
os tempos atuais, manteve guardados alguns dos seus Livros de Atas. A coleção dos
Livros de Atas da Loja América está disposta em dois volumes, o primeiro inicia em
26 de agosto de 1874 e termina em 19 de julho de 1881 e o segundo inicia em 4 de
maio de 1886 e termina em 9 de maio de 1890. As atas do período da fundação e dos
primeiros anos de funcionamento da loja, entre 1868 e 1874, não foram conservadas,
assim como as do período entre julho de 1881 e maio de 1886. Sendo assim, para
a recuperação da história da Loja América foi necessário recorrer a outras fontes;
como uma resenha histórica da loja escrita para a obra A Maçonaria no Centenário e
os Almanaques publicados na Província de São Paulo.

109
Michel Silva (Org.)

A loja foi regularizada em 17 de julho de 1869, pertencendo ao


Grande Oriente dos Beneditinos. No ano de 1870 juntaram-se à Loja
América três iguras importantes para a história da loja nos anos
1870 e 1880: Américo de Campos, Luiz Gama e Américo Brasiliense.
Américo de Campos, tido como um dos republicanos histó-
ricos, foi jornalista e político. Nasceu em Bragança Paulista, em
1838, e faleceu em Nápoles (Itália), em 1900. Formado em ciên-
cias jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo em
1860, foi promotor público de Itu até 1863. Em 1865, veio para
São Paulo, onde assumiu a redação do Correio Paulistano. Esta-
va entre os fundadores do Partido Republicano Paulista (PRP),
e também dos jornais A Província de S. Paulo, em 1875, e Diário
Popular, em 1884. Filiou-se à Loja América em 15 de julho de
1870, aos 33 anos, foi eleito para o cargo de 1º vigilante (vice-
-presidente), ocupando esta função de 1870 até 1874, depois foi
eleito orador da loja no período entre 1875 e 1876, e venerável
(presidente) entre 1888 e 1890.
Luiz Gama foi um dos fundadores do Clube Radical de São
Paulo, juntamente com Zoroastro Pamplona, Américo de Cam-
pos, Jorge de Miranda, Bernardino Pamplona de Menezes e Rui
Barbosa, entre outros. Em 1º de agosto de 1870, Luiz Gama se
ilou à Loja América, ocupando o cargo de venerável de 1874 até
188014. Tomou parte na fundação do PRP; preocupou-se em di-

14. A sétima administração da Loja América, a partir de agosto de 1874, possuía o


Venerável Luiz Gama; Venerável de Honra Américo Brasiliense e Antonio Carlos;
1º Vigilante Américo de Campos; 2º Vigilante Vicente Rodrigues; Orador Bethol-
di; Orador Adjunto José Ferreira de Mello Nogueira; Secretário Jesuíno Antonio de
Castro; Secretário Adjunto José A. de Sousa Ramos; Tesoureiro Antonio Joaquim de
Araujo. A oitava administração, entre 1875 e 1876, manteve como Venerável Luiz
Gama; e era composta também pelo 1º Vigilante Joaquim Roberto de Azevedo Mar-
ques; 2º Vigilante Manfredo Meyer; Orador Américo de Campos; Orador Adjunto
Carlos Ferreira; Secretário José Luiz Flaquer. Giusti, Antonio (editor), op. cit., p. 103.
O Indicador de São Paulo: administrativo, judicial, industrial, proissional e comercial
para o ano de 1878, informava que a Loja América, situada na Ladeira do dr. Falcão,

110
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

vulgar o ideário republicano, mas preocupou-se ainda mais em


defender a abolição da escravidão, tendo atuado como advogado
comissionado pela Loja América na libertação de escravos.
Américo Brasiliense, uma das iguras centrais no que tange à
articulação do PRP na província de São Paulo, foi maçom da Loja
América. Sobre este líder republicano, Rangel Pestana, que tam-
bém pertenceu ao quadro da América, escreveu que após gradu-
ar-se bacharel pela Faculdade de Direito em 1855, aos 22 anos15,
iniciou sua vida pública em Sorocaba, advogando por lá em 1856
e 1857. Naquele período, iniciou também sua carreira política,
estando à frente do partido Liberal de Sorocaba, sendo eleito de-
putado à Assembleia provincial, em 1857, da qual se tornou 1º
secretário. Depois disso foi nomeado juiz municipal e de órfãos
na vila de Faxina, mas em 1859 pediu demissão e foi residir na
capital. Tornou-se vice-presidente da Assembleia provincial em
1863 e presidente no ano seguinte. Durante o ministério do Mar-
quês de Olinda foi convidado para administrar a província da
Paraíba do Norte, lá permanecendo até 1867. Em 1868, recebeu
um convite de Zacarias de Góes e Vasconcelos para ocupar a pre-
sidência da província do Rio de Janeiro. Após a queda do gabinete
Zacarias, retornou a São Paulo, abriu um escritório de advocacia,

tinha a sua administração composta pelo Venerável Luiz Gama; 1º Vigilante Jesuíno
Antonio de Castro; 2º Vigilante José Rodrigues de Barros; Tesoureiro José Antonio
do Amaral; Secretario Alfredo Gerard. Marques, Abílio A. S. Indicador de São Paulo:
administrativo, judicial, industrial, proissional e comercial para o ano de 1878. São
Paulo: IHGSP, Edição Fac-similar, 1983, p. 146-148.
15. Rangel Pestana fez referência à sua iniciação maçônica durante este período di-
zendo “Também elle que vira a luz nesta capital”, “ver a luz” nesse contexto signiica
ingressar na ordem maçônica. Lisboa, José Maria. Almanach Litterario de São Paulo
para o anno de 1877. São Paulo: IHGSP, Edição Fac-similar, 1983.

111
Michel Silva (Org.)

se iliou à Loja América16 em 22 de agosto de 1870, quando tinha


37 anos, e foi eleito venerável em 187117.
Outras iguras importantes no cenário político do Segundo
Reinado e do período republicano passaram pela Loja América.
Rui Barbosa foi iniciado na Loja América em 1º de julho de 1869,
ainda estudante, com 22 anos de idade; Joaquim Aurélio Barreto
Nabuco de Araújo foi iniciado em 1º de dezembro de 1868, ainda
estudante da Faculdade de Direito, com 22 anos de idade; Ber-
nardino Pamplona de Menezes foi iniciado em 19 de março de
1869, já advogado, morando no Rio de Janeiro, sendo represen-
tante junto ao Grande Oriente; José Ferreira de Menezes iliou-
-se à Loja América em 31 de outubro de 1869, aos 28 anos de
idade; Antonio Francisco de Paula Sousa, foi iniciado em 11 de
dezembro de 1872, residia em Rio Claro; Martinho da Silva Prado

16. Rangel Pestana completou que “A Loja América, o coventiculo de utopistas como
chamavam-nas uns – e o antro de revolucionários abolicionistas como qualiicavam-
na outros, fel-o seu venerável. Moderado por índole, por estudo, por experiência e
educação, o dr. Américo Brasiliense assumiu sempre francamente a responsabilidade
do que a Loja fazia solidariamente em nome da democracia e da humanidade.” Lis-
boa, José Maria. Almanach Litterario de São Paulo para o anno de 1877. São Paulo:
IHGSP, Edição Fac-similar, 1983, p. 87.
17. A terceira administração da Loja América, entre agosto de 1870 e agosto de 1871,
era formada pelo Venerável Américo Brasiliense; Venerável de Honra Antonio Car-
los; 1º Vigilante Américo de Campos; 2º Vigilante Luiz Gama; Orador José Ferreira de
Menezes; Orador Adjunto Vicente R. da Silva; Secretário Cyriaco Antonio dos Santos
Silva; Secretário Adjunto José Maria de Azevedo Marques; Tesoureiro João Antonio
da Cunha. A quarta administração, entre agosto de 1871 e agosto de 1872, tinha como
Venerável Américo Brasiliense; 1º Vigilante Américo de Campos; 2º Vigilante Luiz
Gama; Chanceler José Antonio do Amaral; Secretário Carlos Ferreira. Giusti, Antonio
(editor), op. cit., p. 103. O Almanak da Província de São Paulo para 1873 informava
que a Loja América funcionava na ladeira de São João, e que a administração da loja
era composta pelo Venerável Américo Brasiliense; 1º Vigilante Américo de Campos;
2º Vigilante Luiz Gama; Orador bacharel Luiz Alves Leite de Oliveira Belo; Secretario
Antonio Figueira; Tesoureiro Francisco Antonio de Moura. Luné, Antonio José Bap-
tista de; Fonseca, Paulo Delino da (orgs.). Almanak da Província de São Paulo para
1873. São Paulo: Typographia Americana, 1873, p. 112-113.

112
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Junior foi iliado em 1871, residindo em Araras. Nos quadros de


1875 iguram como irmãos honorários Bernardino de Campos,
residente em Amparo; Francisco Rangel Pestana; Ubaldino do
Amaral, residente no Rio.18
O Boletim do Grande Oriente do Lavradio, ao descrever a
situação da Maçonaria em São Paulo, em 1872, dirigiu muitas crí-
ticas à atuação da Loja América:

É singular o espetáculo que á nossa ordem apresentão alguns


nucleos maçônicos da cidade de S.Paulo e de Campinas, que
se obstinão a ser maçônicos, quando outra cousa poderião
representar.

Para que a denominação de lojas, quando não o são?

[...] Centros democráticos não são Lojas; porque nestas a


política não tem entrada; essa especialidade profana assenta
melhor cá fora nos arraiaes de todas as paixões e de todas as
ambições a satisfazer.
[...] Não conviria melhor a essas associações paulistas intitu-
larem-se centros, clubs, meetings, soirées, reuniões, phalanste-
rios, estacadas, arenas, arraiaes, palcos?
Lojas!?
Mas os paulistas são teimosos em classiicar taes reuniões, só
políticas, de lojas maçônicas, e usarem de nossos Ritos, sem
se importarem com a moral da Ordem.
Não os levou a ignorância a esse desproposito, mas de certo
o abuso.
No paiz possue-se tanta somma de liberdades, que até se
chega frequentemente ao abuso.19

A principal acusação do Lavradio quanto à atuação da Loja


América era que esta utilizava a organização maçônica para arti-
18. Giusti, Antonio (editor), op. cit., p. 104-105.
19. Boletim do Grande Oriente do Brazil ao valle do Lavradio, n. 11, outubro de 1872,
ano 1, p. 437- 439.

113
Michel Silva (Org.)

culação política. A Loja América se empenhava em difundir um


projeto político republicano, auxiliando na abertura de novas lo-
jas no Oeste Paulista, iniciando novos membros, fundando esco-
las e bibliotecas populares, sendo pioneira nesse tipo de projeto e
incentivando outras lojas a fazerem o mesmo.

2. A Loja América e o uso da imprensa

Uma das melhores formas de se analisar a estrutura de fun-


cionamento das lojas maçônicas paulistas e os objetivos políticos
que pretendiam alcançar é por meio da leitura das notícias publi-
cadas sobre elas nos anos 1870 nos principais jornais que circula-
vam na capital paulista.
A Maçonaria, de modo geral, procurava utilizar a imprensa
para sua organização cotidiana, como a convocação de reuniões,
a prestação de informações e a publicização de suas ações. Desde
a sua criação, a Loja América utilizou a imprensa paulista como
um meio eicaz de comunicação entre seus membros e de propa-
ganda da sua atuação. Uma das questões que facilitava a publica-
ção de notícias sobre a Loja América era o envolvimento de al-
guns de seus membros como proprietários, diretores e redatores
destes jornais.
No que se refere ao jornal Correio Paulistano, foi o primeiro
jornal diário da província de São Paulo, fundado em 1854, pelo
tipógrafo Joaquim Roberto de Azevedo Marques, que era iliado
à Loja América, constando entre os membros da 8ª administra-
ção (período entre 1875 e 1876), ocupava o cargo de 1º vigilante,
sendo o venerável desta administração Luiz Gama, e o orador era
Américo de Campos. De 1865 a 1874, Américo de Campos foi di-
retor e redator do Correio Paulistano, de onde saiu para a redação
do recém-criado A Província de São Paulo.
O jornal A Província de São Paulo foi resultado da determi-
nação da Convenção de Itu de se criar um órgão de propaganda

114
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

republicana na província. Assim, em 4 de janeiro de 1875, publi-


cou-se o primeiro exemplar. O jornal pertencia a uma sociedade
formada por Américo Brasiliense, João Francisco de Paula e Sou-
za, Campos Salles, Tobias de Aguiar e Castro, João Tibiriça Pi-
ratininga, José Vasconcellos de Almeida Prado, Martinho Prado
Junior, Cerqueira César, Francisco Glicério de Cerqueira Leite,
Francisco Rangel Pestana, Américo de Campos, entre outros. O
administrador era o português José Maria Lisboa e os principais
redatores, Américo de Campos e Francisco Rangel Pestana.
Francisco Rangel Pestana também era considerado um dos
defensores da ideia republicana, graduou-se Bacharel pela Fa-
culdade de Direito de São Paulo em 1863. Em 1864, mudou-se
para o Rio de Janeiro, a convite do Conselheiro Zacarias de Góes,
para ser o redator do Diário Oicial. Em seguida, fundou o jornal
Opinião Liberal e, em 1868, o Correio Nacional. Após os aconte-
cimentos políticos de 1868, com a queda do gabinete Zacarias de
Góes, retornou à província de São Paulo e foi residir em Campi-
nas, exercendo a advocacia e fundando uma escola. Sua iniciação
maçônica deve ter sido na Loja Amizade, ainda no período de
estudante, pois quando da inauguração da Loja Sete de Setembro,
em 1862, apareceu entre seus fundadores, juntamente com Cam-
pos Salles, Jorge Miranda, Francisco Quirino dos Santos, entre
outros20. Na década de 1870, veio a se iliar à Loja América e, em
1875, constava como irmão honorário.
Sendo assim, os dois redatores do A Província de São Paulo
iguravam no quadro de membros da Loja América, e eram o elo
entre a loja e o jornal. A Província de São Paulo desde seu 1º nú-
mero faz menção à Loja América e nos dias subsequentes conti-
nua informando sobre suas principais atividades.
As notícias sobre a Loja América também são encontradas
no jornal A Gazeta de Campinas, como os relacionamentos entre
os membros da Loja Independência de Campinas e os da Loja

20. Giusti, Antonio (editor), op. cit., p. 166.

115
Michel Silva (Org.)

América estreitaram-se cada vez mais durante este período, eram


comuns notícias sobre suas atividades neste jornal.
O jornal A Gazeta de Campinas apareceu no inal de 1869,
reunindo em sua redação alguns bacharéis formados pela Fa-
culdade de Direito de São Paulo que mais tarde formariam um
importante núcleo do PRP. Eram eles: Francisco Quirino dos
Santos, que era o dono do jornal, Campos Salles, Jorge Miranda,
Francisco Glicério – todos membros da Loja Independência de
Campinas –, Américo Brasiliense e Rangel Pestana.
Analisando essa questão do uso da imprensa em Campinas
pelas lojas maçônicas daquela localidade, Carmen Sylvia Vidigal
Moraes (2006, p. 116-7) apontou que:

Tudo indica que o surgimento da Loja Maçônica [Loja Inde-


pendência] e sua deinição pelo Grande Oriente dos Benedi-
tinos representam, do ponto de vista político, o início do pro-
cesso de aglutinação das forças antimonárquicas da localidade.
O processo de airmação das forças políticas alcança um mo-
mento signiicativo com a criação da Gazeta de Campinas,
pois “como os fundadores da Loja Maçônica e do jornal são,
em última instância, os mesmos homens”, é de supor que a
fundação da Loja Maçônica complementa-se, do ponto de
vista da organização do grupo político, com a fundação do
jornal pouco tempo depois.

É bastante signiicativo o fato de que os jornais eram


utilizados pelas lojas para fazer anúncios das suas reuniões, ou
seja, a imprensa era um meio comum de chamar os irmãos para
as atividades das respectivas lojas. Esse fato ilustra o quanto a
Maçonaria queria se fazer conhecida, uma vez que se utilizava
dos jornais como meio de comunicação até mesmo para convo-
cação dos seus membros. É possível pensar, também, que havia
uma aceitabilidade por parte da sociedade em geral quanto a esse
tipo de associação.

116
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Os anúncios costumavam conter poucas palavras cifradas, as


mais comuns eram loj:. (loja), of:. (oicina), iir:. (irmãos), sess:.
(sessão). Assim sendo, qualquer pessoa que conhecesse um pou-
co do funcionamento das lojas e dos termos utilizados entre seus
membros rapidamente compreenderia a mensagem.
Geralmente, os anúncios das sessões nas lojas especiicavam o
caráter da reunião. O maior volume de anúncios se referia ao aviso
das reuniões semanais, como o anunciado no “Noticiário Geral”
do Correio Paulistano, informando que na Loja América “As ses-
sões ordinárias dar-se-hão de agora em deante ás quartas-feiras”21.
Outro tipo de sessão eram as de iniciação de novos membros,
os chamados de “profanos”, geralmente na mesma sessão de inicia-
ção ocorria a iliação do novo membro. As notícias de iniciação são
interessantes, pois atestam a difusão da Maçonaria neste período,
indicavam o crescente número de membros, uma vez que as de
sessões de iniciação apareciam constantemente nos periódicos22.
Alguns anúncios faziam referência a assuntos especiais, como
um dirigido aos acionistas da Loja América, contendo ricas in-
formações sobre sua estrutura de funcionamento. O anúncio de
6 de setembro de 1873 informava sobre a construção de uma bi-
blioteca e de uma escola ligadas à Loja:

Os iir:. que tomaram acções para a construcção do edifício


da bibliotheca e da eschola noturna da Loj:. América, são ro-
gados a mandarem satisfazer o importante da 1ª chamada de
capitaes, cujo praso está a indar-se em meados do corrente
mez, á rasão de 20 por cento ou 10$rs. por acção; as entradas
devem ser endereçadas ao thesoureiro da comissão que é o
Ir:. já indicado nas circulares que foram remettidas, S.Paulo
6 de setembro de 1873.23

21. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 13 de fevereiro de 1872.


22. Para uma análise mais detalhada do uso da imprensa pela Maçonaria, ver: Ribei-
ro, 2011, Capítulo 2.
23. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 6 de setembro de 1873.

117
Michel Silva (Org.)

Analisando os campos de atuação da Maçonaria, percebe-se


que a educação era um dos meios da Maçonaria divulgar as suas
ideias e inluenciar a formação das pessoas. A educação ocupava
um lugar central na mudança política que se pretendia articular,
para os maçons era preciso formar cidadãos esclarecidos, levar
a “Luz do conhecimento” para a população analfabeta, e, assim,
combater o obscurantismo, a ignorância, que eram representadas
pela situação política do império, com a excessiva centralização
defendida pela Igreja católica.

É instruindo as massas que se habilita a conhecerem a im-


portância de seus direitos. Uma população de analphabetos
é uma recua de escravos; e não merece o nome de nação.24

Alexandre Mansur Barata (1999), quando descreveu as esfe-


ras de atuação da Maçonaria no Brasil nesse período, destacou
que a construção de uma ampla rede de escolas primárias e de
bibliotecas poderia ser considerada o instrumento mais sólido
utilizado pela Maçonaria para a divulgação das suas ideias.

A criação de escolas e de aulas noturnas para os ilhos de


maçons e para as camadas populares procurava fortalecer
uma identiicação das lojas maçônicas como herdeiras das
“Luzes”, libertadoras da consciência dos homens e iéis escu-
deiras no combate às “Trevas”, representadas pelo fanatismo
da Igreja Católica. (Barata, 1999, p. 138-9)

Para Barata (1999), a discussão maçônica acerca da difusão


da educação no Brasil tinha um forte caráter anticlerical. “Assim,
a Maçonaria e Igreja disputavam no mesmo espaço: a formação
das mentes” (Barata, 1999, p. 141). Eliane Colussi (1998), anali-
sando a Maçonaria gaúcha no século XIX, também destacou a
estratégia maçônica no campo da educação. “Ao lado da atuação

24. Correio Paulistano, “Noticiario”, 27 de setembro de 1870.

118
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

na imprensa, nos meios culturais e na beneicência, o campo edu-


cacional foi uma das preocupações da maçonaria e que se tornou
um instrumento da sua luta anticlerical” (Colussi, 1998, p. 436).
A Loja América foi pioneira na fundação de escolas notur-
nas populares, mantinha uma escola noturna desde abril de 1869,
seu exemplo foi amplamente citado e exaustivamente aplaudido
pelo Correio Paulistano, que dedicou vários números da sua pu-
blicação à criação de novas escolas mantidas pela Maçonaria25. A
Loja América fundou uma escola noturna e depois uma diurna.
O Correio Paulistano publicou uma matéria detalhada sobre essas
duas escolas e fez a quantiicação dos alunos matriculados:

O sr. Secretario da loja maçonica America, estabelecida nes-


ta capital, coniou-nos os livros de matrículas das duas aulas
– uma nocturna e outra diurna – creadas e mantidas pela
mencionada loja, dos quaes extrahimos o seguinte resumo:
Eschola nocturna – matricularam-se 252 alumnos, a saber:
livres, 217; escravos 35. São: solteiros 231; viúvos 2; casados
16; de 5 à 10 annos 36; de 10 à 20, 132; de 20 à 30, 55; de
30 à 40, 16; de 40 à 70, 13. Brazileiros 222; portuguezes 18;
africanos 5; allemães 3; suisso 1; hespanhol 1; italiano 1; mi-
litares 6; alfaiates 25; sapateiros 10; pedreiros 13; carpinteiros
20; marceneiros 10; charuteiros 3; padeiros 4; confeiteiro 1;
commerciantes 4; correieros 5; chapeleiros 4; ourives 1; car-
roceiros 5; caixeiros 3; marchante 1; agentes 2; cocheiros 4;
ferreiros 8; barbeiro 1; canteiro 1; cosinheiros 2; oleiros 2;
typographo 1; pintores 3; serralheiro 1; lavradores 2; funilei-
ro 1; credaos 88; sem ofício 21. Os indivíduos notados sob
designação – sem oicio – são menores.

25. Uma transcrição do Correio Nacional, publicada no Correio Paulistano, discutiu


a instrução pública e perguntou quem iniciou essa prática “[...] quem estabeleceu a
primeira pedra deste gigantesco ediicio? Foi um punhado de homens desconheci-
dos, que viviam ignorados na capital da rica e esperançosa província de S.Paulo, foi,
enim, a Loja América. [...] Esse punhado de homens, apezar das diiculdades [...]
sobretudo das perseguições que a gente da ordem e da soberania divina dos reis lhes
apresentava [...]”. Correio Paulistano, “Transcripção”, 22 de abril de 1870.

119
Michel Silva (Org.)

Eschola diurna – para menores de ambos os sexos. Matricu-


laram-se 39 alumnos, sendo: do sexo masculino, 20. Destes
são escravos 2, estrangeiros 2, brazileiros 18. Do sexo femi-
nino 19, sendo estrangeiras 2, escrava 1, brazileiras 17.
A aula nocturna foi aberta a 22 de abril do anno passado:
funcciona à rua municipal, casa nº53, das 6 às 8 horas.
Os escravos somente são admittidos apresentando autori-
sacção escripta de seus senhores: e os menores com autori-
sação dos paes, tutores, etc.
A aula diurna foi aberta a 15 de junho do mesmo anno, e
funcciona das 8 horas ao meio dia.
São professores da primeira – os senhores: Antonio José
Cardoso, Henrique Antonio Barnabé Vicent, Vicente Rodri-
gues da Silva, Luiz Gonzaga Pinto da Gama. É professora da
segunda a senhora, D.Guilhermina de Santa Anna Junker.
A eschola diurna funcciona à rua 25 de março. Nestes esta-
belecimentos, além de ensino gratuito, é fornecido aos alu-
mnos todo o material do ensino.26

Um aspecto importante é que a ocupação proissional dos


alunos era caracterizada pelas classes populares, indicando que
o público-alvo da escola mantida pela loja eram as camadas po-
pulares. O público-alvo das escolas maçônicas era diferente do
público das escolas mantidas pela Igreja católica, estas eram de-
dicadas ao ensino da elite, enquanto aquelas se preocupavam em
formar mão de obra mais qualiicada.
Uma prática que aumentava ainda mais a propaganda maçô-
nica era que algumas lojas permitiam a participação de escravos
em suas escolas populares. Relacionando duas discussões impor-
tantes do período, a questão do acesso à educação e a questão
escravista, na maioria das escolas maçônicas eram admitidos es-
cravos, desde que apresentassem uma autorização por escrito de
seus senhores – o que evidenciava que o princípio da propriedade
era respeitado.

26. Correio Paulistano, “Noticiario”, 3 de abril de 1870

120
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Analisando as notícias publicadas nos jornais, é possível per-


ceber que algumas lojas maçônicas também estavam comprome-
tidas com o ideal abolicionista, e utilizavam a imprensa para fazer
propaganda de sua atuação27. Numa notícia do Correio Paulista-
no de janeiro de 1870, temos a descrição sobre as ações da Loja
América, que desejava espaço para publicar que era responsável
pelas despesas para libertação e manutenção de liberdade de 42
cativos, sendo a maior parte deles alforriados por ação judicial28.
Luiz Gama aparecia como advogado comissionado pela Loja
América libertando escravos29.
A Loja América deu prosseguimento ao seu projeto de difu-
são do conhecimento, em 1º de junho de 1871 noticiou a criação
de uma Biblioteca Popular por ela mantida. A notícia exaltava
essa iniciativa, “A Loj.˙. America, a incansável propugnadora da
instrucção popular” que já fundara escolas, agora criava uma bi-
blioteca pública que, segundo o jornal, era uma necessidade numa
“cidade civilizada”30. Segundo a opinião do jornal, o pensamento
da Loja América era uma semente que poderia ser transplantada,
sua iniciativa era um grande impulso para a instrução popular31.
27. Para uma análise mais detalhada sobre a Loja América e a questão abolicionista,
ver: Ribeiro, 2011, Capítulo 2 e 3.
28. Correio Paulistano, “Noticiario”, 12 de janeiro de 1870. Mas, é importante res-
saltar que, apesar de haver líderes republicanos abolicionistas como Luiz Gama, a
questão da mão de obra foi contornada dentro da formação do PRP; preservando
assim a adesão do meio rural que ainda possuía numerosa escravaria. Ver: Souza,
1976; Nogueira, 1954; Santos, 1942.
29. Ver: Azevedo, 1999.
30. Correio Paulistano, “Noticiario”, 1º de junho de 1871.
31. Correio Paulistano, “Noticiario”, 6 de junho de 1871. Além da criação de escolas e
da biblioteca, a Loja América utilizou outro meio para difundir a instrução popular,
criou Preleções Populares, convidando a população em geral para participar. “Por
deliberação dos operários da Loj.˙. America vão ser abertas prelecções populares no
recinto d’aquella Oicina, mas em reuniões absolutamente despidas do caracter ma-
çonico, feitas de modo a poderem ser assistidas por profanos”, poderiam participar
as senhoras e as primeiras preleções seriam feitas pelo “operário da America” , o sr.
Oliveira Bello. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 11 de maio de 1872.

121
Michel Silva (Org.)

A loja criou uma comissão para arrecadar livros e o próprio


escritório do Correio Paulistano recebia donativos para a Biblio-
teca Popular que estava sendo organizada, sendo que todos os
“bons cidadãos” deveriam contribuir. O jornal passou a publicar
os nomes dos doadores e dos livros doados para essa biblioteca,
a exemplo da notícia que segue, muitas outras foram publicadas:
“O sr. Dr. Belizerio Francisco Caldas enviou á bibliotheca 29 vo-
lumes. É o segundo prezente de livros que faz o dr. Caldas ao
estabelecimento”32.
O exemplo da Loja América foi seguido por outras lojas da
capital, como a Loja Sete de Setembro, que também fundou uma
escola popular em 186933. Outras lojas maçônicas da província
paulista passaram a instalar escolas e bibliotecas populares, com
o título de “Mais escola nocturna”, o Correio Paulistano noticiou
que em São José dos Campos fora criada uma escola noturna com
o nome América, em homenagem à Loja América. A escola era
gratuita, e sustentada por alguns homens desta localidade; acres-
centou ainda que seria criada uma loja maçônica, sob os auspí-
cios da Loja América34. Em outra notícia informaram a criação
de um gabinete de leitura anexo à escola, e o Correio Paulistano
se comprometeu em mandar seus exemplares para o gabinete de
leitura que seria inaugurado35.
De Sorocaba, que também possuía uma Maçonaria bastante
atuante, apareceu a notícia de que a Loja Perseverança 3ª susten-
tava há mais de um ano uma escola noturna frequentada por 36
alunos efetivos (Irmão, 1999). A notícia apresentou também da-
dos sobre esta loja, que era composta por mais de 80 irmãos, e
que além de atuar no campo da educação, estava dando quotas

32. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 28 de março de 1872.


33. Correio Paulistano, “Noticiario”, 11 de setembro de 1870.
34. Correio Paulistano, “Noticiario”, 28 de fevereiro de 1871.
35. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 9 de abril de 1872.

122
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

para alforrias de adultos e socorro a desvalidos36. Alguns anos


depois, o Correio Paulistano noticiou que foram aprovados os es-
tatutos para a criação de um Gabinete de Leitura em Sorocaba37.
As notícias publicadas sobre Franca agitaram os debates sobre
a liberdade de ensino. Uma das notícias contou que “uma alma no-
bre”, admirando a “patriótica iniciativa” da Loja América de criar
escolas noturnas, gratuitas e populares, propôs à Loja América que
abrisse uma escola noturna em Franca, pedindo que esta arcasse
com as despesas. A loja aceitou, pois esta era “a mais fecunda obra
do século”, o “apostolado a,b,c”. O problema foi que a criação dessa
escola noturna, em Franca, gerou uma grande polêmica com o
vigário daquela freguesia. O padre Candido Martins da Silveira
Rosa, vigário de Franca, marcou um terço para a mesma data e
horário da abertura da escola, fez discursos para que as pessoas
não fossem àquela solenidade, e “com a voz estridente e tremula
pintou ao povo com as mais terriveis cores a Maçonaria”38.
O Correio Paulistano publicou, durante meses, notícias refe-
rentes a essa polêmica. Como a Maçonaria era, naquele período,
permitida pelo governo, houve o apelo junto ao presidente de
província para que este intercedesse em favor da escola. O pro-
fessor de Franca, Antonio Joaquim Martins da Cunha, publicou
uma circular anunciando que reabria a escola noturna, mediante
autorização do presidente da província, e pedindo que se man-
dasse alguém para ver o que ensinava, se era o A,B,C ou matérias
“contra a religião do Estado”39.
A partir da década de 1870, a disputa por uma maior esfera de
poder, por áreas de inluência, se deu entre a Maçonaria e a Igreja

36. Correio Paulistano, “Noticiario”, 12 de novembro de 1870.


37. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 4 de abril de 1872. E, em 18 de janeiro de
1873, publicou a notícia da celebração do aniversário do Gabinete de Leitura Soro-
cabano, constando como presidente Ubaldino do Amaral Fontoura. Correio Paulis-
tano, Noticiário, 18 de janeiro de 1873.
38. Correio Paulistano, Editorial, 23 de outubro de 1870.
39. Correio Paulistano, “A Pedido”, 1 de fevereiro de 1871.

123
Michel Silva (Org.)

católica. As principais polêmicas envolveram o debate acerca da


separação entre Igreja e Estado, o ingresso de membros do clero
na Maçonaria e a disputa pelo campo da educação, que envolvia a
questão das lojas maçônicas sustentarem escolas populares.
Nos anos compreendidos entre 1870 e 1874, a quantidade de
matérias nos jornais paulistas que se referiam ao enfrentamento
entre a Maçonaria e a Igreja católica aumentou sensivelmente.
As polêmicas foram tornando-se cada vez mais constantes até o
desfecho da chamada Questão Religiosa, envolvendo os bispos do
Pará e de Pernambuco. A questão do enfrentamento entre a ordem
maçônica e a Igreja aos poucos deixou de ser uma simples troca de
acusações para transformar-se em uma verdadeira crise política,
suscitando o debate acerca da separação entre Igreja e Estado.
Em abril de 1872, um fato novo gerou grande movimenta-
ção na imprensa, tanto da Igreja católica quanto da Maçonaria,
a questão envolvia a participação de um membro do clero em
uma solenidade maçônica. O bispo do Rio de Janeiro, D. Lacerda,
suspendeu das ordens religiosas o padre Almeida Martins, por
este ter sido orador do Grande Oriente dos Beneditinos em uma
solenidade maçônica oferecida ao Visconde do Rio Branco em
relação à lei de 28 de setembro. O bispo suspendeu as licenças do
padre de pregar e confessar.
Com o crescente embate com os religiosos, as lojas maçônicas
publicaram manifestos de apoio ao padre Almeida Martins. As
lojas de São Paulo manifestaram seu apoio e no Correio Paulista-
no de 26 de abril de 1872 foi noticiado que a Loja América, por
meio de uma comissão, iria felicitar o padre maçom.

As oic.˙. maçonicas desta heróica e livre província de


S.Paulo não podiam assistir indiferentes aos gritos de alar-
me que chama a postos aos Filhos da Viúva em defeza de
seus direitos, que são os direitos do homem, a virtude, o
bem, a perfeição moral e a liberdade, ante a provocação ca-
thegorica dos apóstolos da ignorância e da superstição – os

124
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

negregados ilhos de Loyola. [...] Propomos mais que essa


Aug.˙. Loja prossiga com energia na lucta encetada desde
o momento da sua existência, de libertar a consciência dos
indivíduos, e de combater com tenacidade toda a tyrania po-
lítica e religiosa, seja qual for a sua origem.40

Nessa notícia, a Loja América deinia não só a sua função,


mas a da Maçonaria como um todo, esclarecendo que a Maçona-
ria não era apenas uma sociedade beneicente, mas que também
exercia uma grande função política.
Os jornais que se identiicavam com a causa maçônica acre-
ditavam que essa polêmica com o bispo do Rio de Janeiro serviria
para fortalecer a Maçonaria, aproveitando o embate para fazer
propaganda da sua atuação. Para comprovar o vigor da ordem, os
jornais estavam cheios de notícias de reuniões maçônicas, inicia-
ções de novos membros e instalação de novas lojas.
Sem dúvida, o ponto de maior tensão entre os maçons e a
Igreja aconteceu em 1873, quando o bispo de Pernambuco D.Vital
decidiu cumprir a bula Syllabus que determinava a expulsão de
todos os membros da Maçonaria que pertencessem a ordens re-
ligiosas. A Loja América mais uma vez tornou conhecido o seu
posicionamento através da imprensa:

A Loj:. maçônica América desta Capital deliberou em ses-


são de antehontem, por voto unânime de grande numero
de operários presentes, que fosse dirigida ao Gr:. O:. Unid:.
do Brazil, e por intermédio deste ás Oi:. maçônicas de Per-
nambuco, um voto de fraternidade e plena adhesão á causa
maçônica desvairadamente vilipendiada nas pessoas e di-
reitos dos Maçons de Pernambuco pelo diocesano frei Vital
de Oliveira, cégo representante dos jesuítas e das ambições
ultramontanas naquelle bispado.41

40. Correio Paulistano, “Noticiario Geral”, 26 de abril de 1872.


41. Correio Paulistano, “Noticiário”, 24 de janeiro de 1873.

125
Michel Silva (Org.)

É importante ressaltar que a Maçonaria brasileira não se


posicionou homogeneamente quanto à Questão Religiosa. O
Lavradio não acusava a instituição católica como responsável
pelos acontecimentos recentes, nem fazia críticas às autoridades
imperiais, mas atacava o jesuitismo. Já os Beneditinos defen-
diam uma posição mais radical, o próprio Saldanha Marinho
na publicação de seus artigos como Ganganelli atacava a Igreja
e criticava a política imperial. Nesses artigos, Saldanha Mari-
nho defendia a separação da Igreja e Estado, a instituição do
casamento e do registro civil, a secularização dos cemitérios e a
liberdade de culto 42.

3. As redes clientelares maçônicas e a formação do PRP

A Maçonaria pode ser analisada de diversas formas, mas


quando se trata do contexto paulista a partir da década de 1860,
percebe-se que o ambiente da loja maçônica constituiu-se, sobre-
tudo, em um espaço para construção de redes clientelares.
No que se refere ao conceito de redes clientelares, António
Manuel Hespanha e Ângela Barreto Xavier (1998), em um arti-
go intitulado As redes clientelares, analisaram a construção desse
tipo de relação em Portugal no século XVII, e constataram que
era comum em muitas situações sociais a predominância de laços
de interdependência sobre as relações institucionais formais. As
práticas informais de poder, a “economia do dom”, consistiam em
uma cadeia ininita de atos beneiciais, que estruturavam as rela-
ções políticas e formavam as tais redes clientelares. As relações
sociais estavam baseadas em uma tríade de obrigações: dar, re-
ceber e restituir. Assim, o prestígio político de uma pessoa estava
ligado à sua capacidade de dispensar benefícios, e também na re-

42. A série de artigos era composta por: “O poder irresponsável na questão religiosa”;
“A dialética dos ultramontanos”; “O partido do Syllabus”. A Província de São Paulo,
23 de fevereiro de 1875.

126
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

tribuição dos serviços recebidos (Hespanha, Antônio M.; Xavier,


Ângela B., 1998).
No que tange às transformações políticas e econômicas duran-
te o Segundo Reinado, percebe-se que as elites paulistas, especial-
mente aquelas do Oeste da província, procuraram construir novas
redes clientelares. O convívio social dentro da Maçonaria visava
não só a reiterar laços de amizade, mas também solidiicar laços
políticos que permitissem a esses grupos maior desenvolvimento
econômico e maior inluência política no contexto nacional.
Analisando a documentação produzida pelas próprias lojas
maçônicas, é possível observar como os maçons e as diferentes
lojas se relacionavam, o que signiicava pertencer a alguma delas,
quais eram os benefícios e obrigações envolvidas.
Ao considerar a difusão do movimento republicano na pro-
víncia de São Paulo, notou-se que o espaço da Loja América re-
presentava a possibilidade de ajuda mútua entre aqueles que se
empenhavam em aumentar sua inluência política e econômica.
A Loja América tornou-se uma espécie de aglutinadora das rei-
vindicações de grupos que se sentiam alijados do poder e que
precisavam encontrar uma forma de solucionar tal questão.
As relações de poder informais estabelecidas via Maçonaria
obedeciam uma lógica clientelar. As relações de natureza mera-
mente institucional ou jurídica coexistiam com outras relações
paralelas, igualmente importantes, baseadas em critérios de ami-
zade, parentesco, idelidade, honra.
As relações construídas dentro da Maçonaria coniguravam
uma economia de favores e interesses. Era muito comum que
uma loja izesse pedidos de proteção a algum de seus membros,
ou izesse recomendações sobre estes; em contrapartida, aqueles
maçons ou lojas maçônicas que recebessem essas solicitações fa-
riam tudo que estivesse ao seu alcance para que o pedido fosse
bem sucedido. Como apontado por Hespanha e Xavier, o pres-
tígio político de uma pessoa estava ligado à sua capacidade de

127
Michel Silva (Org.)

dispensar benefícios, e também de retribuir os serviços recebi-


dos. Sendo assim, na economia de favores a retribuição é inde-
inida. Quando uma loja maçônica ou um maçom concedia um
benefício, estabelecia-se uma relação de “crédito”, que poderia ser
reivindicada a qualquer momento.
Reinhart Koselleck (1999) analisou a formação das lojas
maçônicas como resposta a regimes absolutistas. Para o autor, a
Maçonaria serviu para unir pessoas que de outra forma teriam
permanecido distantes, funcionando como canal de ligação e arti-
culação entre pessoas que desejam maior inluência política. Além
da questão política, para muitos ingressar na Maçonaria era a pro-
messa de obter benefícios sociais e econômicos, além do fato de
que nesse período, segundo Koselleck (1999), seria visto como “de
bom tom” o ingresso em uma sociedade secreta. O segredo refor-
çava a ideia de pertencimento à ordem, e contribuía para a forma-
ção da consciência de uma elite da nova sociedade. A divisão dos
ritos maçônicos em diferentes graus estimulava um ímpeto cons-
tante de subir na hierarquia, de elevação permanente dos graus.
Assim, “Quanto mais iniciado no segredo, mais o maçom ganhava
– ou esperava ganhar – inluência e prestígio” (Koselleck, 1999).
A leitura das atas da Loja América revelou que os pedidos
de favores apareciam com certa frequência, indicando, de fato,
que o pertencimento à ordem poderia garantir alguns benefícios.
Quanto maior fosse a capacidade de um indivíduo ou de uma
instituição de garantir proteção, maior seria o seu poder políti-
co. A perspectiva de análise da Maçonaria que se propõe é de
sua capacidade de se organizar politicamente para inluenciar um
complexo jogo de interesses, que incluía tanto a troca de favores
e benefícios pessoais quanto a propagação ou implementação de
projetos coletivos, como a difusão do movimento republicano.
Nas cartas enviadas pelas lojas pedindo auxílio aos maçons
da América, constatou-se que as solicitações eram importantes
para aumentar a inluência política de alguns grupos no interior

128
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

da província. Na sessão de 28 de outubro de 1874, por exemplo,


a Loja Caridade 3ª, de Tatuí, enviou uma carta pedindo que a
Loja América apoiasse a nomeação de um maçom daquela loja
para o cargo de delegado de polícia daquela cidade, justiicando
que alguns irmãos estavam sendo alvo de perseguição. É impor-
tante ressaltar que, naquela época, as nomeações de delegados
eram feitas pelo presidente da província, e que, provavelmente, os
membros da Loja Caridade 3ª estavam então pedindo o auxílio de
seus irmãos da América, mais capazes de pressionar o governo da
província, no sentido da efetivação de uma nomeação.
Richard Graham (1997) investigou como a concessão de pro-
teção, cargos oiciais e outros favores aconteciam durante todo o
século XIX em troca de lealdade política e pessoal. A capacida-
de de preencher cargos com os clientes, amigos e parentes deles
constituía a essência da política nacional. Graham analisou seis-
centos pedidos escritos por particulares em favor de pretendentes
a cargos. Era por meio desse tipo de correspondência que a polí-
tica era feita e as transações de poder aconteciam.
Percebe-se, então, que as elites tinham clareza de que o con-
trole do judiciário e da polícia era fundamental para o controle
político da região. As disputas partidárias envolviam juízes, vere-
adores, delegados e subdelegados, escrivães e tabeliães; sendo que
o controle desses cargos se mostrava fundamental para a perma-
nência de um grupo no poder.
No que se refere ao contexto paulista das últimas décadas do
Império, nota-se que a sociabilidade construída dentro da Maço-
naria permitia, sobretudo, aos grupos do Oeste Paulista se articu-
larem para alcançar maior inluência política nas regiões. O pró-
prio funcionamento do meio maçônico era constituído por uma
sistemática de auxílio mútuo e proteção, permitindo, então, a
construção de redes clientelares que interligavam todo o interior
da província paulista. Os líderes republicanos que pertenciam à
Maçonaria teriam percebido, então, que era possível explorar es-

129
Michel Silva (Org.)

sas redes no sentido de expandir sua rede clientelar visando a um


fortalecimento político na província.
Outra carta da mesma Loja Caridade 3ª, de Tatuí, datada de 24
de outubro de 1874, pedia a proteção da América para que outro
irmão fosse nomeado deinitivamente para o cargo de Escrivão
de Órfãos da Vila de Paranapanema43. A mesma loja recorreu a
outros pedidos de proteção à Loja América, como na sessão de 11
de março de 1875, na qual o próprio Venerável Luiz Gama pediu a
palavra e apresentou uma proposição pedindo proteção ao irmão
da Caridade 3ª que pretendia a nomeação do cargo de Escrivão
de Órfãos da Faxina; o próprio Luiz Gama icou responsável para
“tratar de tudo que for relativo a pretensão daquele irmão”44. A
preocupação dos maçons de Tatuí em controlar os cargos de de-
legado de polícia e de escrivão garantiria maior inluência polí-
tica na região, inclusive sobre o processo eleitoral. O objetivo de
fortalecimento político e econômico não se restringia apenas aos
maçons de Tatuí, estando também no centro das preocupações
das demais lojas do Oeste Paulista, que viabilizaram esse fortaleci-
mento através de meios informais como a sociabilidade maçônica.
Na sessão de 8 de abril de 1875, foi a vez da Loja Amor à Vir-
tude, de Franca, pedir apoio e proteção da Loja América em favor
de um irmão que pretendia o ofício de “Tabelião do Público Ju-
dicial e Notas do Termo de Ribeirão Preto”; sendo comissionado
o próprio venerável da Loja América para fazer o necessário para
atender ao que fora requisitado pela loja de Franca45.
Outro pedido de proteção foi apresentado na sessão de 28
de maio de 1875, presidida, então, pelo 1º Vigilante Américo de
Campos (servindo de venerável), pela Loja Amor e Caridade, de
Ribeirão Preto. Solicitava-se a proteção da Loja América para que
fosse bem sucedida a comissão que enviariam a São Paulo para

43. Loja América, “Livro de Atas”, São Paulo, 28 de outubro de 1874.


44. Loja América, “Livro de Atas”, São Paulo, 11 de março de 1875.
45. Loja América, “Livro de Atas”, São Paulo, 8 de abril de 1875.

130
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

representar o governo da província e chefe de polícia “contra as


autoridades judiciaes d’aquella villa que estão exercendo perse-
guições e mesquinhas vinganças”. O secretário da Loja América,
Jesuíno Antonio de Castro, informou que, por ordem do vene-
rável, tudo seria feito para que aquela comissão tivesse justiça46.
Assim, as relações estabelecidas entre as lojas maçônicas, so-
bretudo entre a Loja América e as lojas do interior da província
paulista, constituíram redes clientelares que foram utilizadas no
contexto de construção do PRP, principalmente na arregimenta-
ção de uma clientela para obter as primeiras vitórias eleitorais47.
Em meio à crise do governo imperial, no inal da década de 1860,
especialmente depois da queda do gabinete Zacarias, em 1868, a
adesão à solução republicana se intensiicou e encontrou um ter-
reno fértil nas reivindicações dos fazendeiros do Oeste Paulista.
A expansão da cafeicultura pelo Oeste Paulista garantiu aos
fazendeiros dessa região um maior peso econômico, que, para
eles, não teria sido acompanhada por uma inluência política con-
dizente48. A formação de um novo partido que atendesse às neces-
sidades dos fazendeiros do Oeste Paulista se difundia ao mesmo
tempo em que a vertente republicana da Maçonaria se fortalecia.
Nesse contexto de busca por uma representação que atendesse
diretamente seus interesses, o ideal republicano mostrava-se um ca-
minho eicaz para a realização das aspirações de poder dos fazen-
deiros paulistas. Como coloca Emília Costa Nogueira (1954, p. 394):

Essa relativa receptividade às idéias republicanas, em cer-


tos meios rurais paulistas, parece-nos estar intimamente
relacionada com o desenvolvimento da cultura cafeeira no
Oeste; com as condições de organização social e psicológica
do chamado “pioneirismo”, da tão propalada marcha para
Oeste, que se revestiu de condições próprias, sob muitos as-
pectos às áreas urbanas.

46. Loja América, “Livro de Atas”, São Paulo, 28 de maio de 1875.


47. Ver: Ribeiro, 2011, Capítulo 4.
48. Ver: Alonso, 2002.

131
Michel Silva (Org.)

Nas cidades de São Paulo, Campinas, Sorocaba, Itu e outras


do Oeste Paulista, os clubes republicanos eram criados paralela-
mente à difusão das lojas maçônicas e as redes clientelares ganha-
vam contorno. A formação de uma nova elite econômica na pro-
víncia exigia novas estratégias de fortalecimento político e social;
sendo que a estrutura de funcionamento da Maçonaria garantia a
possibilidade de questionamento do governo imperial e ao mes-
mo tempo protegia seus membros.
Para Koselleck (1999), grupos que se sentiam alijados da to-
mada de decisões políticas que inluenciavam diretamente o de-
senvolvimento econômico das atividades que exerciam usaram
como estratégia, justamente, sua organização em uma sociedade
aparentemente “apolítica”, a Maçonaria, e que por ter este caráter
era permitida pelo Estado (Koselleck, 1999, p. 60)49.
Desta maneira, grupos com pequena representação política
podiam, de fato, exercer inluência “política”, ainda que de ma-
neira indireta. E, na medida em que os debates maçônicos e as
redes clientelares construídas ou reforçadas a partir da Maçona-
ria inluenciavam a política e a legislação do Estado, tornavam-se
forças políticas indiretas, mas eicazes.
Republicanismo e Maçonaria convergiram na província pau-
lista, o período de maior crescimento maçônico na província se
deu justamente entre 1872 e 1883, com a criação de 35 novas
lojas50. Paralelamente, ocorria um período de franco crescimen-
to econômico do Oeste Paulista, com o consequente desejo por
maior articulação política que conigurasse uma representação
política de peso mais substantivo, dando à fundação de novas lo-
jas maçônicas um caráter de organização política.
A busca por preponderância política, econômica e simbólica
levou à formação de redes de relacionamentos que garantissem

49. Ver também: Morel, 2005.


50. Para a listagem completa das lojas criadas na província de São Paulo nesse perío-
do, ver: Ribeiro, 2011, Capítulo 3.

132
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

tal poder. No processo de formação dessa nova elite econômica


associada ao café, havia a necessidade de reconhecimento social,
de maior acesso aos cargos administrativos e de maior inluência
política no âmbito provincial e nacional, os laços maçônicos po-
diam fornecer maior status social e político.
Para esse grupo de fazendeiros do Oeste Paulista, a estrutu-
ra do governo imperial era a responsável por sua diiculdade de
acesso ao poder; culpando ora o funcionamento do poder Mo-
derador e as constantes mudanças de gabinetes, ora a falta de re-
novação do Senado (por seu caráter vitalício), ou ainda o fato
de serem os presidentes de província nomeados pelo governo
central (iguras que consideravam alheias aos seus interesses ou
problemas). No momento de crise política dos próprios partidos
imperiais, como foi a década de 1860, com a formação da Liga
Progressista, e depois com a queda do gabinete Zacarias de Góes
e Vasconcellos em 1868, formar um novo partido autônomo em
São Paulo parecia a solução mais eicaz para esses fazendeiros
paulistas e seus representantes políticos.
A primeira reunião para organizar o Partido Republicano em
São Paulo foi realizada a 17 de janeiro de 1872, na residência da
mãe de Américo Brasiliense, no Largo da Sé, em São Paulo. Nes-
ta reunião estiveram presentes, do Clube de São Paulo, Américo
Brasiliense, Luiz Gama, Américo de Campos, Joaquim Roberto
de Azevedo Marques, Olympio Paixão, Vicente Rodrigues, Jayme
Serra e José Ferreira de Menezes; de Amparo veio Bernardino de
Campos; de Campinas, Jorge de Miranda, Francisco Quirino dos
Santos, Manoel Ferraz de Campos Salles; de Jundiaí, Francisco de
Paula Cruz; e, inalmente, de Itu, José Vasconcellos de Almeida
Prado. Todos eram maçons, sendo que Brasiliense, Gama, Cam-
pos, Azevedo Marques, Paixão e Rodrigues pertenciam especii-
camente à Loja América.
O marco político da formação do PRP foi a Convenção Re-
publicana de Itu, realizada em 1873, na qual estiveram presentes,

133
Michel Silva (Org.)

principalmente, representantes do interesse cafeeiro, quase todos


membros da Maçonaria paulista.
A Convenção de Itu realizou-se no dia 18 de abril de 1873 na
residência do maçom Carlos de Vasconcellos de Almeida Prado,
sendo presidida pelo maçom João Tibiriça Piratininga, e nome-
ado como secretário o também maçom Américo Brasiliense, ve-
nerável da Loja América. A reunião ituana tinha como objetivo
principal a difusão da propaganda republicana no Oeste Paulista,
além da uniicação dos republicanos espalhados pelos diversos
clubes da província e a organização das bases para eleição dos
representantes dos municípios no congresso republicano que se
realizaria em julho, na capital.
A presença das principais iguras maçônicas de São Paulo
no evento, que foi considerado o marco da fundação do PRP, era
signiicativa, tanto assim, que, no que tange aos participantes, a
reunião republicana mais parecia uma convocação maçônica. Da
Loja América estavam presentes o Venerável (presidente da loja)
Américo Brasiliense, além de Américo de Campos, Joaquim Ro-
berto de Azevedo Marques, José Luiz Flaquer e Antonio Francis-
co de Paula Sousa; da Loja Independência, de Campinas, estavam
o Venerável Francisco Quirino dos Santos, Francisco Glycério,
Jorge de Miranda, Antonio Benedicto Cerqueira César e Bento
Quirino dos Santos; da Loja Perseverança 3ª, de Sorocaba, Ubal-
dino do Amaral, entre outros; da Loja Trabalho, de Amparo, Ber-
nardino de Campos; além de Prudente e Manoel Moraes de Bar-
ros, que viriam a fundar a Loja Piracicaba em 187551.
Outro ponto que explicita a relação entre a presença de repre-
sentantes das lojas maçônicas paulistas e a Convenção de Itu foi o
fato de terem aproveitado a ampla presença maçônica para fundar
uma loja maçônica em Itu ao inal da Convenção. O Correio Pau-
listano de 24 de abril de 1873, ao mesmo tempo em que descrevia a

51. Para uma listagem mais detalhada dos maçons presentes na Convenção de Itu,
ver: Ribeiro, 2011, Capítulo 4.

134
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

reunião republicana do dia 18, também noticiava a criação da Loja


Beneicência Ituana, ligada ao Oriente dos Beneditinos52.
Portanto, o fato do grupo de republicanos paulistas escolher
a Maçonaria como uma das principais formas de difusão do mo-
vimento republicano e de sustentação política do PRP pode ser
visto como uma estratégia fundamental para a formação do par-
tido e a construção de uma coesão em um período tão agitado da
política imperial. As lojas maçônicas estavam fora do controle do
Estado, e, assim, podiam se constituir em um espaço de articu-
lação política e crítica ao governo imperial; especialmente para
grupos que, de acordo com as formas de representação vigentes
no período, tinham franca diiculdade para se imporem, fosse
em nível central, ou mesmo provincial e até municipal. Assim,
as redes clientelares construídas com a difusão e o relacionamen-
to entre as lojas maçônicas da província poderiam signiicar um
aumento da inluência política e econômica desse grupo social.

52. Correio Paulistano, Noticiário, 24 de abril de 1873.

135
Capítulo 7
“A instrução do povo pelo povo”: a Maçonaria e o
movimento associativista pela expansão da
educação popular no Brasil (1870–1889)

Milena Aparecida Almeida Candiá

O objeto de estudo deste trabalho1 foi constituído a partir do


mapeamento das iniciativas maçônicas em torno da defesa e da
expansão da escolarização popular no país, assim como das estra-
tégias de difusão e circulação de seu ideário político-pedagógico,
nas últimas décadas do século XIX.
À luz dos conceitos de rede de sociabilidade e de cultura política,
procurou-se compreender o papel da organização maçônica no
movimento associativista, entre 1870 e 1889, examinando-se a
composição social e os espaços de atuação dos maçons. Alguns
frutos do seu labor associativo foram examinados de perto, desde
o momento da sua gestação nos espaços culturais, pedagógicos e
de sociabilidade criados e cultivados por esses intelectuais, como
por exemplo, as Conferências Populares da Glória-RJ2 e a Associa-
ção Promotora da Instrução da Corte (1874).
A pesquisa nos apontou para certa coesão ideológica no to-
cante às propostas e iniciativas educacionais maçônicas. Nexo

1. As informações apresentadas neste texto são o resultado de pesquisa realizada


entre 2008 a 2012, com a inalidade de tese de doutoramento defendida em fevereiro
de 2013 intitulada: Projetos e realizações culturais e pedagógicas maçônicas: o asso-
ciativismo como terceira via para (re)pensar a educação popular no Brasil-Império
(1870-1889).
2. Para maiores detalhes, cf. Carula, Karoline. Darwinismo, Raça e Gênero: Conferências
e Cursos Públicos no Rio de Janeiro (1870-1889). 2012. Tese (Doutorado em História),
Faculdade de Filosoia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

137
Michel Silva (Org.)

tecido por um “liberalismo social”, eleito pelos maçons como via


alternativa às outras propostas liberais em andamento naquele
momento. Força motriz que foi, a nosso ver, capaz de fornecer-
-lhes não só uma visão compartilhada do passado, mas também
uma perspectiva comum de futuro 3.
Essas iniciativas municiaram legitimidade e reconhecimento
político e social aos seus organizadores maçons e criaram am-
biente para iniciativas concretas como a fundação e manutenção
de aulas diversas e escolas gratuitas, algumas das quais remanes-
centes no espaço das cidades, como a Escola Municipal Senador
Correia no Rio de Janeiro, a Biblioteca Municipal Pelotense (RS),
a Escola Pinto Júnior em Recife, entre outros exemplos.
Na verdade, nossas análises nos permitiram sustentar que o
pensamento krausista teria fornecido uma unidade ideológica
às iniciativas educacionais mapeadas pela pesquisa. Segundo os
pressupostos deste movimento ilosóico, era necessária a conju-
gação dos esforços de toda a sociedade civil, tendo o Estado um
papel suplementar. Dentro desta perspectiva, o associativismo
surgiu como uma “terceira via” para se pensar a relação entre So-
ciedade e Estado, tendo nas práticas associativas uma possibili-
dade de se difundir uma representação contratual da sociedade.
Além disso, o movimento associativista foi abordado neste
estudo como uma prática inserida no processo de criação dos Es-
tados-nações latino-americanos forjados na esteira do séc. XIX,
quando as experiências associativas são tomadas como um dos
instrumentos de pedagogia cívica, estando vinculadas à instaura-
ção do espaço público e às novas culturas políticas.
A partir dessas perspectivas de análise, percebemos, entre ou-
tros aspectos, que o discurso maçônico revelou adesão ao Ensino
Livre. A propagação da instrução pelas classes populares represen-
tava um direito a ser difundido, cabendo à associação maçônica

3. Sobre o termo “liberalismo Social”, Cf. Paim, Antonio. O Krausismo Brasileiro. 2.


ed. Londrina: CEFIL, 1999, p. 10.

138
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

também esta responsabilidade. Não raras vezes, a expansão da ins-


trução foi colocada pela Maçonaria como uma atividade de “rege-
neração da sociedade”, devendo esta combater os abusos decorren-
tes do fanatismo e da ignorância através da emancipação popular.
Assim, a Maçonaria, na tentativa de legitimar seu lugar na
sociedade como uma instituição progressista e ilantrópica, envidou
esforços no campo da beneicência, sobretudo, naqueles espaços
nos quais a Igreja tinha o monopólio. Tais estratégias ganharam
força, principalmente, após a expulsão dos maçons das Irmandades
e Confrarias religiosas em todo o país. Tendo a instituição maçônica
esforçado-se por consolidar uma imagem mais positiva frente às
acusações que sobrepujavam sobre ela, difundidas pela Igreja, na
sua maioria de cunho conspiratório (Barata, 1999).
Sem perder de vista a análise anterior, vale ressaltar, também,
que esses eventos não devem ser compreendidos apenas como
implicação dos contextos político e social decorrentes da Ques-
tão Religiosa. Na verdade, entendemos que tal análise pode ir
além, se tomarmos intelectuais maçons como sujeitos inseridos
em uma determinada cultura política a partir da qual os mesmos
se encontram ligados por uma tradição e ideal comuns, elemen-
tos garantidores de certa coesão e coerência entre suas ações, que
os orientaram para um fazer político voltado para a expansão da
educação popular no país.
Desse modo, foi possível pensá-los como “homens de ação”,
propagadores dos ideais universalistas apregoados pela associa-
ção maçônica e engajados diretamente nas causas defendidas em
sua época. Dito de outro modo, homens ilustrados que buscaram
a concretização de suas ideias, consolidando, em certa medida,
projetos educacionais voltados ao aperfeiçoamento moral e inte-
lectual de sua sociedade.
A pesquisa apoiou-se em múltiplas fontes documentais, pri-
vilegiando, no entanto, as publicações da imprensa maçônica em
diálogo com um rico material proveniente de diferentes arquivos

139
Michel Silva (Org.)

e que incluiu diversos tipos de documentos, como textos legais,


biograias, cartas, estatutos de associações, atas de assembleias,
balancetes orçamentários, dados relativos à matrícula e aprova-
ção em disciplinas, relatórios diversos, além de toda uma biblio-
graia nacional e internacional dedicada ao exame da relação en-
tre Maçonaria e educação e uma literatura historiográica voltada
tanto para a compreensão da Sociedade e do Estado quanto da
Maçonaria brasileira no inal do século XIX.
O efeito esperado do levantamento realizado e de sua dis-
cussão foi e ainda é preencher lacunas existentes no estudo das
iniciativas maçônicas no âmbito da historiograia da educação,
assim como relativizar o discurso recorrente em alguns trabalhos
que tratam as iniciativas de escolas para trabalhadores nesse perí-
odo histórico, sob o ângulo exclusivo do controle social das elites,
ao mesmo tempo criando o estereótipo de que as classes popula-
res, numa postura passiva, teriam vivido a experiência da escola-
rização como concessão. A nosso ver, as iniciativas educacionais
que surgiram das práticas associativas também difundiram uma
representação contratual da sociedade.
Apresentamos, nas próximas seções, as iniciativas maçônicas
mapeadas pela pesquisa no âmbito internacional e no território
brasileiro, demonstrando a dimensão concreta da política educa-
cional da Maçonaria nas décadas de 1870 até o inal dos anos 80,
revelada no dinamismo do associativismo maçônico neste período.

1. Maçonaria em Ação: As iniciativas em prol da educa-


ção popular (1870-1889)

Ao tomarmos a Maçonaria como um espaço de sociabilidade


moderna, em que seus interlocutores se associam voluntariamen-
te em torno de um ideal comum, e, tendo em vista os níveis de
organização e de distribuição das oicinas pelos territórios, po-
deríamos mapear as iniciativas maçônicas no âmbito educacio-

140
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

nal em duas categorias de ação: de um lado, de caráter disperso


e efêmero, observamos algumas ações de lojas ou membros que
buscaram, através de seus esforços isolados, fundar escolas ou bi-
bliotecas populares, as quais, muitas vezes, funcionaram nos pró-
prios templos ou prédios cedidos pelo poder público. De outro
lado, observamos, ainda, aquelas iniciativas que estiveram ligadas
à criação de sociedades ou associações voltadas para a difusão da
educação popular, tendo objetivos mais ambiciosos que irão ex-
trapolar, ainda que no campo das ideias, os limites daquela escola
de primeiras letras. Um projeto cultural e político que visava à
transformação da sociedade e à formação para a cidadania.
De acordo com Bernaldo (2003), a participação nesta forma
de sociabilidade constituiu-se em uma práxis política, através da
qual se forjou uma identidade discursiva também de ação patri-
ótica. Prática que teria funcionado como instrumento de ação
pedagógica por meio da qual a aprendizagem da nova moral cí-
vica contribuiu para a construção de novas identidades coletivas
(Bernaldo, 2003, p. 572).
Para a autora, ainda que circunscritas a um grupo reduzido
do setor médio urbano, estas práticas possibilitaram a ruptura
com a estrutura comunitária tradicional, oferecendo uma rede
de relações alternativas construídas a partir de novos vínculos e
valores. Seu enraizamento no imaginário da nova nação, susten-
tado por um conjunto de indivíduos livres e “iguais”, unidos por
uma vontade comum, o de transformar o universo relacional de
sua sociedade.
Segundo esta autora, o princípio iniciático foi impulsionador
deste novo instrumento de pedagogia cívica. Herdeiras do pen-
samento ilustrado, as lojas maçônicas tiveram papel fundamental
na difusão do movimento associativo moderno. A sociabilidade
maçônica, ao assimilar os novos valores e princípios, foi porta-
dora de uma dupla função simbólica: a de regenerar o homem e
formar o cidadão (Bernaldo, 2003).

141
Michel Silva (Org.)

Portanto, de acordo com Bernaldo (2003), foi dentro das asso-


ciações que se deu a aprendizagem do discurso revolucionário, das
práticas de igualdade, da aprendizagem da opinião pública e do
consenso. Em suma, a aprendizagem do exercício da Soberania.
Soberania, porém, que se deinirá menos pelo direito ao sufrágio e
mais pelo exercício de práticas restritas às elites que preiguraram
e serviram como veículos para uma nova forma de representação.
Nesse sentido, a especiicidade da pedagogia societária ma-
çônica no processo de construção das novas nações latino-ameri-
canas provém tanto da instituição das novas práticas associativas,
importante instrumento de ação pedagógica, como também das
transformações que estas práticas operaram sobre a estrutura re-
lacional da população (Bernaldo, 2003, p. 580).
Inserida neste contexto de transição e ruptura, vale ressaltar
a efervescência da atividade maçônica em torno da expansão da
educação popular a partir da década de 1870 com o acirramento
do debate entre o ideário conservador católico e o pensamento
liberal maçônico. Tal ebulição coincide, também, com a expan-
são das lojas maçônicas por todas as províncias brasileiras, tendo
como consequência maior circulação do ideário maçônico e a ex-
pansão de projetos educacionais.
Em nossa pesquisa, vários foram os registros encontrados nos
boletins4 maçônicos dos Grandes Orientes, através dos quais ob-
servamos uma pluralidade de frentes de atuação da Maçonaria no
campo educacional. Seja em âmbito internacional como nacio-
nal, essas iniciativas deixam entrever a centralidade dada à agen-
da política e educacional maçônica. Diríamos que tais iniciativas
extrapolaram o campo formal de escolarização, propriamente
dito, abrindo-se para um largo espectro de ações, que incluiu,
além das escolas maçônicas, fundadas nos próprios templos das
oicinas ou mantidas por associações ilantrópicas, também aque-

4. Boletim do Grande Oriente do Brasil e Boletim do Grande Oriente e Supremo


Conselho do Brasil.

142
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

las iniciativas ligadas à fundação de bibliotecas populares, liceus


de artes e ofícios, clubes literários, jornais e outros periódicos,
assim como da realização de conferências públicas e Congressos
Internacionais de Educação, entre outras atividades culturais que
visassem à conformação de uma nova sociedade.
O Congresso Internacional do Ensino de Bruxelas é um bom
exemplo deste dinamismo. Inserido no quadro das comemora-
ções do cinquentenário da Bélgica, teria, segundo Kuhlman Jr.
(2007), se tornado uma referência internacional tida como mo-
delo, tanto para a organização de instituições e sistemas de ensino
quanto para a realização de outros congressos.
Kuhlman Jr. (2007) assinala a presença marcante da atuação
da Maçonaria nesses eventos, evidenciando suas iniciativas de
criação e apoio às instituições propagadoras do ensino.
A Ligue de l´Enseignement foi criada em 1864, por iniciativa
de um grupo de liberais belgas maçons. A criação desta liga teve
como propósito trabalhar na difusão e aperfeiçoamento da edu-
cação e da instrução, na defesa da liberdade de consciência, de
uma cultura escolar livre de qualquer ensino dogmático, em opo-
sição ao catolicismo ultramontano. A maioria de seus fundadores
pertencia à Universidade Livre de Bruxelas, primeira instituição
belga de caráter laico a declarar a independência da ciência frente
à teologia (Kuhlman Júnior, 2007, p. 4).
Segundo Kuhlman Jr. (2007), é possível observar nos discur-
sos veiculados pelos participantes do evento a defesa de valores
próprios de uma “fraternidade universal”. Prezava-se a liberdade
de discussão e a igualdade de direitos, ressaltando-se, na dinâ-
mica deste encontro, o exercício desta fraternidade entre seus
interlocutores (Kuhlman Júnior, 2007, p. 7). Observa-se ainda
um “fazer político situado em instâncias sócio-culturais” que não
pertenciam diretamente às instituições políticas do Estado (Kuhl-
man Júnior, 2007, p. 13).
Vemos, ainda, que o debate em torno da polarização religião
e ciência foi contundente neste período, assumindo a escola pa-

143
Michel Silva (Org.)

pel fundamental no processo de modernização e secularização


da sociedade. As Lojas e Oicinas da Ordem sustentavam seus
projetos de ação a partir da ideia de que o ensino livre seria a pri-
meira alavanca para obter a união social dos homens e o principal
instrumento para se extinguir a rivalidade entre os partidários
religiosos, pois era somente por meio da tolerância e de uma sóli-
da instrução que a ciência seria desvinculada do dogma, o divino
do profano. Assim, a difusão das escolas livres e do ensino laico
deveria instrumentalizar a sociedade (o povo) contra as danosas
inluências do dogmatismo conservador ultramontano5.
No entanto, a defesa da exclusão do ensino religioso nas esco-
las não foi consenso. Para alguns mais afeitos ao materialismo po-
sitivista, dever-se-ia excluir toda e qualquer religião nos espaços
educativos, particulares e oiciais, enquanto outros mais afeitos
ao espiritualismo Krausista defendiam a dimensão religiosa da
educação do espírito humano, estando abertos a todos os tipos
de credos. A consequência deste debate, com a maior ou menor
permeabilidade, do pensamento positivista dentro das oicinas
maçônicas, teria levado, como nos aponta Reys (1995) e Alvarez
Lázaro (1999), à conjugação destes dois sistemas de pensamento
em um “Krauso-positivismo”6.
A despeito das dissonâncias apresentadas anteriormente, po-
demos airmar que os registros estudados pela nossa pesquisa
revelam uma conluência ideológica entre os projetos e iniciati-
vas realizados por lojas e oicinas maçônicas distribuídas em di-
ferentes pontos da Europa bem como em regiões distantes desta,
sobretudo, as recém-criadas nações latino-americanas. Dentre as
ações pretendidas ou executadas, observamos que a fundação de
escolas leigas (ou livres, como eram também chamadas) igurou

5. Cf. Boletim do Grande Oriente do Brazil. Rio de Janeiro: Typ. do Grande Oriente
do Brazil. Abril de 1872, p. 177.
6. Cf. Reyes, M. Ledesma. Krausismo y educaciónen Costa Rica: la inluencia de los
educadores canarios Valeriano y Juan Fernández Ferraz. Universidad de La Laguna.
Servicio de Publicaciones, La Laguna de Tenerife, 1995; Álvarez Lázaro, 1999.

144
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

como o principal instrumento da Maçonaria internacional, evi-


denciando, como apontado anteriormente, o papel dessas insti-
tuições em especial e da educação popular de um modo geral,
como os principais meios de se consolidar o processo de secula-
rização da sociedade pretendido pelos movimentos liberais que
marcaram o século XIX, dos quais a Maçonaria foi uma das prin-
cipais representantes.
No que tange às iniciativas estrangeiras, observamos nas
fontes maçônicas estudadas, sobretudo as referentes aos anos
de 1870, uma diversidade de projetos que extrapolaram a fun-
dação de instituições escolares. A criação de bibliotecas popula-
res, assim como a distribuição de livros para alunos de escolas
públicas (ou comunais), foi uma iniciativa bastante recorrente.
Outra forma de valorizar o ensino elementar e legitimar a ação da
Maçonaria perante a sociedade foi a prática de algumas lojas na
premiação de alunos através de cadernetas de poupança ou bolsas
para o ingresso em cursos superiores. Em geral, essas premiações
eram públicas e, algumas vezes, ocorriam nos templos das oici-
nas e lojas. Além dessas iniciativas, os registros revelam também
a importância que se dá a fundação de jornais e à realização de
conferências. A abertura de cursos nos próprios templos foi uma
prática comum, como pudemos mapear nas fontes sobre as esco-
las que funcionaram no prédio do Grande Oriente do Uruguai,
Montevidéu e os cursos criados pelo Grande Oriente da França
desde 1871, prática também observada na Maçonaria brasileira.
Outra iniciativa comum era a fundação e manutenção de asi-
los e escolas voltadas para ilhos de maçons. Apesar destas inicia-
tivas não atenderem a um público generalizado, elas tinham um
caráter beneicente, visto que assistiam a maçons pobres e a órfãos
de obreiros ligados à Loja ou Jurisdição mantenedora (Grande
Loja). Encontramos instituições quase centenárias como foram os
casos do Instituto Maçônico para Meninos de Dresden (Alema-
nha), o Instituto Maçônico Real de Meninas e o Instituto Real de
Meninos, estes últimos mantidos pela Grande Loja da Inglaterra.

145
Michel Silva (Org.)

Além das iniciativas citadas anteriormente, destacamos uma


prática bastante recorrente empreendida pelas Lojas e Grandes
Oicinas maçônicas no período. Trata-se da fundação e (ou) apoio
a sociedades e associações mantenedoras de escolas ou institutos
educacionais. Do que pudemos apreender sobre tais iniciativas,
acreditamos que a maioria delas, ainda que tivesse sido criada por
um grupo de maçons ou por uma loja ou grupo de oicina, manti-
nha-se em geral com recursos externos à Ordem, possuindo tam-
bém membros não maçons. Estas sociedades possuíam, em geral,
autonomia administrativa com relação aos seus fundadores. Mes-
mo que algumas associações garantissem sua subsistência através
do apoio de lojas em determinado período da história da institui-
ção, seu processo de constituição poderia não estar diretamente
ligado a um projeto de uma loja ou oicina maçônica, como foi o
caso da criação do Instituto Watt e Escola de Artes de Edimburgo,
hoje Heriot-Watt University, em Edimburgo na Escócia, cuja fun-
dação deu-se paralelamente do apoio da Ordem Maçônica. Outro
exemplo foi a criação da Faculdade Livre de Bruxelas, já citada
anteriormente, cuja fundação deu-se pela iniciativa de algumas
lojas belgas e também por intelectuais ainados com este projeto.
A igura de Verhargen, membro da Loja Amigos Filantropos, foi
decisiva. Ele teria deixado como legado, recursos utilizados para
a construção de um novo templo em meados dos anos de 18717.
Outras instituições podem ser citadas, como o Círculo Parisien-
se da Liga do Ensino, que recebia subscrições de várias lojas em
Paris, o Círculo para a Propagação da Instrução em Berlim e o
Círculo de Educação em Dresden na Alemanha.
Dentre as instituições mapeadas por nossa pesquisa, desta-
camos o caso chileno, que, segundo as fontes estudadas, teve sob
proteção da Maçonaria duas sociedades voltadas para educação
popular, a Sociedade de Instrução Primária de Santiago e a Socie-
dade de Instrução BlasCuevasem Valparaíso. Apesar dos boletins

7. Boletim do Grande Oriente do Brazil, abril de 1872, p. 173.

146
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

maçônicos nos apontarem tais instituições como de iniciativa di-


reta da Maçonaria, temos indícios de que eram associações que
possuíam membros não maçons, simpatizantes com a causa da
educação popular. A Sociedade de Instrução Primária de Santia-
go (SIP)8, fundada em julho de 1856, mantinha no ano de 1873,
sob sua direção, cinco escolas, as quais perfaziam um total de
nove cursos, quatro masculinos e cinco para o sexo feminino.
Sobre tal associação encontramos o seguinte registro no Bo-
letim do Grande Oriente Unido do Brasil:

Funciona também em Santiago, debaixo da proteção maçônica,


a Sociedad de Instruccion Primaria. Ela já possuía numerosas
escolas: mas acaba ultimamente de adquirir maior importân-
cia. Don LuisCousino, que não era maçom, legou à sociedade
100.000 piastras, com a condição de ai fundar-se uma escola.
Esta quantia considerável atraiu a cobiça do partido clerical,
que tentou tomar a si a direção da sociedade; porém as últi-
mas eleições deram a vitória aos nossos irmãos: pois, a exce-
ção de dois, todos os 17 membros do diretório são maçons.
A sociedade continuará sua marcha progressiva; e impelida
por essa força nova, é muito provável que produza magníi-
cos resultados. Foi o que aconteceu ao Instituto Americano,
colégio de instrução secundária, fundado por maçons.

Acreditamos que o recurso legado por Dom Cousino teria


sido destinado não somente à construção dos prédios para as es-
colas femininas Loretto Squella e Luz Gallo, conforme registrado
no opúsculo de Velázquez (1873), mas, provavelmente, destinado
à construção do prédio da Escola Itália. Em novembro de 1872, a
SIP já havia realizado em Santiago a cerimônia de colocação da
pedra fundamental do edifício dessa escola, em terreno doado

8. Esta Associação encontra-se ativa até hoje, sendo conhecida por SIP. Atual-
mente mantém 17 escolas particulares gratuitas. Cf: <http://www.biobiochile.
cl/2012/05/25/antiguo-establecimiento-de-santiago-es-inagurado-como-nuevo-
-liceo-bicentenario.shtml> (Acesso em: 31 de agosto de 2012).

147
Michel Silva (Org.)

por outro benfeitor Luis Sada, imigrante italiano. A intenção de


Dom Sada, a qual teria sido abraçada pela Sociedade, foi a de que
funcionasse no futuro prédio uma escola que oferecesse, além do
ensino primário, o ensino industrial.
O prédio da Escola Itália, hoje Liceu Itália de Santiago, fun-
dado em 1874, sob a direção da Sociedade de Instrução Primária,
até o presente momento encontra-se em atividade, sendo a SIP
responsável pela manutenção de dezessete escolas no Chile.
O projeto de construção de prédios próprios para as escolas
foi no período o principal objetivo da Sociedade, que angaria-
va seus recursos através de subscrições ordinárias dos seus 600
membros efetivos, dos recursos provenientes do Banco do Pobre,
mantido por esta instituição, por subscrições extraordinárias, em
geral, doações pecuniárias de personalidades da elite local ou
pelo angariamento de recursos através de exposições anuais de
pintura organizadas pela Sociedade.
Outra associação chilena mapeada por nossa pesquisa foi a
Sociedade de Instrução Blas Cuevas. O projeto de criação das
escolas primárias de Blas Cuevas em Valparaíso, Chile, deu-se
por iniciativa de um grupo de indivíduos desta região, entre as
quais se destacam Don Blas Cuevas Zamora e Don Ramón Al-
lende Padín, que pertenciam à Sociedade de Instrução Primária,
cujo principal im era a criação de escolas laicas no país. Com o
falecimento de Don Blas Cuevas Zamora, em 1870, Don Ramón
Allende Padín deu continuação ao projeto. Blas Cuevas teria sido
responsável também pela fundação da Loja Maçônica Progresso
nesta cidade no início da década de 18609.
Em outubro de 1871, foi fundada a primeira escola primária
na região de San Francisco, recebendo a denominação de Esco-
la BlasCuevas, em homenagem ao seu principal idealizador. No

9. Del Solar, Felipe Santiago. La Francmasoneríaen Chile: De sus orígenes hasta


suinstitucionalización. In: Estudios Historicos de la Masonería. Volumen2, número
1. Mayo-Noviembre 2010, p. 1-15.

148
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ano seguinte, inaugurou-se oicialmente a escola e constituiu-se a


Sociedade de Instrução Blas Cuevas, cuja principal missão seria a
de manutenção das escolas criadas pela Maçonaria de Valparaíso.
Seu primeiro presidente foi Don Ramón Allende e o primeiro di-
retor da escola, Don Ángel Custodio. Em novembro deste mesmo
ano, o governador eclesiástico do Chile promove a condenação
das Escolas Públicas de Instrução Primária de Blas Cuevas, de
Valparaíso, alegando sua ligação com a Maçonaria local, o que re-
vela o acirramento entre a Igreja Católica e a Maçonaria Chilena.
Encontramos no Boletim do Grande Oriente Unido, de 1873,
referência às escolas criadas em Valparaíso por iniciativa maçôni-
ca, a qual transcrevemos a seguir:

Existe em Valparaiso (Chile) um templo magníico, talvez


nesse gênero o mais belo monumento da América do Sul.
Esta cidade possui hoje três escolas maçônicas livres, sob a
denominação de escolas BlasCuevas, sendo uma para adul-
tos (diurna), uma noturna e outra para meninas. [...]
Com o im de tornar mais amena a tarefa da escola de adul-
tos e de aproveitarem seus resultados maior número de indi-
víduos, organizaram-se conferências ou leituras quinzenais,
que tem sido muito concorridas pelo povo e que se distri-
buem aos assistentes em fascículos. A biblioteca destinada
aos alunos, conta já um bom número de excelentes obras. 10

As duas associações buscaram junto à sociedade legitimar


seus projetos educacionais. Era necessário justiicar e exaltar as
ações e os ins aos quais se pretendia alcançar. Portanto, o contex-
to histórico no qual se inseriram os projetos de fundação das duas
associações liga-se ao progressivo enfraquecimento do poder da
Igreja Católica no oitocentos, frente à consolidação de uma opi-

10. Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil. Rio de Janeiro:
Typ. do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil, outubro a dezembro
de 1873, p. 793-794.

149
Michel Silva (Org.)

nião pública chilena intermediária entre o Estado e sociedade


civil, possibilitando ampliar o debate sobre a laicização de um
Estado de tradição católica e marcado por um forte regalismo.
Nesse sentido, sustentamos a ideia de que as iniciativas maçô-
nicas assinaladas anteriormente, voltadas para a difusão da edu-
cação popular nos diversos países, estiveram estreitamente liga-
das aos movimentos anticlericais e de livre pensamento próprios
deste momento histórico. Marcados por sistemas de pensamentos
diversos e por motivações também diversas, estes movimentos
visaram a laicização dos Estados e à secularização da sociedade.
Em países de forte tradição católica, tais movimentos seculari-
zantes foram mais evidentes, tendo a Maçonaria como um dos
principais vetores, por sua grande capacidade de articulação e de
mobilização política, acolhendo os liberais-ilustrados presentes
nos principais centros urbanos dos países.
Guardando as singularidades históricas e culturais, poderí-
amos airmar que tal dinâmica não se distinguiu muito dentro
do contexto da Maçonaria brasileira. Apresentaremos, a seguir,
como as lojas maçônicas nacionais, organizadas nas diferentes
províncias e submetidas a um dos dois centros de poder maçô-
nicos existentes, tomaram a bandeira da educação popular assim
como da secularização do estado como principal pauta de sua
agenda política.

2. As Iniciativas educacionais das Lojas Maçônicas em


prol da expansão da educação popular no Brasil
(1870–1889)

A exemplo do observado nos outros países, a atuação das lo-


jas e oicinas maçônicas brasileiras no período recortado por esta
pesquisa foi bastante efetiva com relação à expansão da educação
popular. Este movimento, em boa medida, não diferenciou em
natureza e em inalidades com relação às estratégias utilizadas

150
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

pela Maçonaria internacional, sobretudo, no tocante ao movi-


mento de secularização defendido pelas lojas maçônicas.
Empenhadas na fundação de escolas, bibliotecas, jornais,
conferências públicas ou comprometidas com a fundação e ma-
nutenção de associações civis voltadas para a educação, as lojas
maçônicas brasileiras, assim como seus propagandistas ilustra-
dos, sustentaram o discurso voltado não apenas para as questões
que envolveram o conservadorismo clerical, mas, sobretudo, para
a consolidação de um projeto de nação.
Segundo Barata (1999), a Maçonaria, no inal do Império, te-
ria assumido uma função pedagógica, no intuito de construir uma
nova identidade nacional. Em geral, os iniciados na Arte Real de-
fenderam de forma mais efetiva a ampliação dos investimentos em
beneicência e instrução, buscando expandir suas atividades na
imprensa e, sobretudo, no parlamento. Deste modo, o que estava
em jogo era sua capacidade de “inluir na estruturação da socieda-
de brasileira, barrando, portanto, o conservadorismo católico”11.
É importante salientar, ainda, que esta política de difusão
das luzes ocorreu de forma desigual nas diferentes províncias,
reletindo não somente o grau de desenvolvimento econômico
e social de cada região, mas, sobretudo, o nível de organização
política e a capacidade de produção e articulação cultural das
Lojas e de seus membros. Além disso, vale salientar o poder de
inluência do clero católico em determinadas regiões do país que
teria diicultado a penetração dos ideais liberais maçônicos12.
Tal dinâmica pode ser evidenciada, por exemplo, pelo núme-
ro expressivo de iniciativas observadas na província de São Paulo.

11. Barata, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira


(1870-1910). 1. ed. Campinas: Editora da Unicamp – Centro de Memória da Uni-
camp, 1999, v. 1, p. 133.
12. Em províncias em que a institucionalização da Igreja Católica foi mais tardia,
como por exemplo, a província do Rio Grande do Sul, observa-se uma maior dis-
persão destas iniciativas em todo território da província. Colussi, Eliane Lucia. A
maçonaria gaúcha no século XIX. 3. ed. Passo Fundo: Editora da UPF, 2003.

151
Michel Silva (Org.)

A Maçonaria paulista foi bastante atuante neste período, tanto no


que se refere às iniciativas propriamente ditas educacionais como
de intercâmbio e difusão de seu ideário entre suas Lojas.
Os trabalhos de Moraes (1998; 2003 e 2006), Ananias (2000)
e Carneiro (2011)13 denotam a estreita relação dessa Maçonaria e
o processo de consolidação do projeto republicano paulista.
Moraes (2006), ao analisar a concepção educacional que sus-
teve a criação do Colégio Culto à Ciência de Campinas/SP (1869-
1892), airma que a intensa militância política dos representantes
do setor cafeeiro campineiro, responsável, na sua maioria, pela
fundação do Partido Republicano Paulista em Campinas (PRP),
teria utilizado a Maçonaria como um verdadeiro partido político.
Além da fundação da Associação Culto à Ciência (1869), ins-
tituição responsável pela criação e manutenção do colégio citado,
foram criados a Sociedade Propagadora da Instrução, mantida
pela Loja Maçônica Independência, como também os jornais A
Gazeta de Campinas (1869), A Província de São Paulo, o Clube da
Lavoura e o Clube Republicano de Campinas.
Neste caso, sustenta a autora que a iniciativa de fundação do
Colégio viria suprir os anseios desse grupo em oferecer à elite da
região um modelo institucional que rompesse com a precarieda-
de do ensino secundário oferecido na província. Era preciso for-
mar uma nova geração de representantes competentes e capazes
para fazer valer as ambições dessa elite14.

13. Moraes, Carmen Sylvia Vidigal. O ideário republicano e a educação: uma contri-
buição à história das instituições. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2006; Ananias,
Mauricéia. As escolas para o povo em Campinas: 1860-1889. Origens, ideário e con-
texto. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Univer-
sidade de Campinas, Campinas; Carneiro Ribeiro, Luaê Carregari. Uma América
em São Paulo: a maçonaria e o partido republicano paulista (1868-1889). 2011. Dis-
sertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
14. Moraes, op. cit., p. 63.

152
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

De acordo com Moraes (2006), os nomes mais importantes


do movimento republicano paulista vieram de Campinas. Esses
republicanos, na sua maioria bacharéis, estiveram ligados à his-
tória do Colégio Culto à Ciência, sendo que a vinculação destes
à Maçonaria remonta o período que frequentaram o Curso de
Direito de São Paulo – espaço de fermentação e de circulação de
ideias do liberalismo e do cientiicismo da época15.
A educação popular também ganhou evidência com a criação
de várias escolas diurnas e noturnas para a classe trabalhadora.
Ananias (2000)16 ressalta o dinamismo da Maçonaria campineira
no tocante à expansão da educação para o povo, tomada como o
principal meio de modernização do país.
Segundo Ananias (2000), já no início de década de 1870, os
maçons de Campinas teriam envidado esforços em prol da edu-
cação popular, como a fundação em 1870 da Sociedade Promo-
tora da Instrução, que a partir desta data passa a manter aulas
gratuitas para o povo, entre outras iniciativas da Maçonaria.
A Sociedade já mantinha, desde o ano de sua fundação, uma
aula noturna para crianças e adultos, homens livres e também es-
cravos, estendendo suas iniciativas nos anos de 1880. Movimento
que se repetirá nas demais regiões da província de São Paulo.
Moraes (2003) e Carneiro (2011) mapeiam diversas escolas
fundadas pela Maçonaria em São Paulo, nos anos de 1870 e 1880,
associando também tais iniciativas ao projeto de expansão da edu-
cação realizado pelos maçons republicanos paulistas. Segundo es-
tas autoras, as lojas maçônicas paulistas teriam sido as primeiras
a criarem, na província, escolas ou aulas noturnas para adultos,

15. Dentre esses bacharéis militantes destacaram-se Manuel Ferraz de Campos Sales,
Prudente de Moraes de Barros, Bernardino de Campos, Francisco Rangel Pestana,
Francisco Quirino dos Santos e, posteriormente, Américo Brasiliense – todos signa-
tários do Manifesto republicano de 1870.
16. Ananias, Mauricéia. As escolas para o povo em Campinas: 1860-1889. Origens,
ideário e contexto.2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Edu-
cação, Universidade de Campinas, Campinas.

153
Michel Silva (Org.)

trabalhadores livres e também escravos. A precursora foi a Loja


América, que já em 1869 criou uma escola popular voltada para
operários e ilhos de operários, além de uma biblioteca popular.
Para Moraes, “a luta contra o analfabetismo e pela difusão
da instrução ao povo obedecia, assim, a objetivos políticos pre-
cisos: o alargamento das bases de participação política no país, a
conformação da cidadania, indispensáveis à legitimação do Es-
tado Republicano”17. Dentre tais iniciativas, destaca-se a criação
da Sociedade Propagadora da Instrução Popular de São Paulo
(1873), que, na década de 1880, formará o Liceu de Artes e Ofí-
cios de São Paulo.
No tocante às iniciativas empreendidas na província paulista,
a maior parte destas iniciativas fora encetada por lojas ligadas ao
Grande Oriente Unido, cujos maçons eram na sua maioria repu-
blicanos convictos, fato que não se repete com a mesma intensi-
dade em outras regiões.
No entanto, vale ressaltar que, apesar destas lojas possuírem
em seus quadros de iliados na sua maioria maçons ligados ao
partido republicano, não podemos esquecer que a Loja América,
tomada como difusora deste projeto, possuía na época em seu
quadro, além dos já reconhecidos republicanos históricos como
Luiz Gama, Antonio Carlos Machado de Andrada, Américo de
Campos, Joaquim Roberto de Azevedo Marques, também libe-
rais convictos que se mantiveram defensores da monarquia cons-
titucional até o inal do Império. Com exceção de Rui Barbosa,
republicano de última hora, destacamos os nomes de Joaquim
Nabuco, os irmãos Andradas, José Bonifácio (o moço) e Martim
Francisco, este último, companheiro inseparável de Leôncio de
Carvalho à frente do projeto de criação e manutenção da Socie-
dade Propagadora da Instrução Popular de São Paulo (1873).

17. Moraes, Carmen Sylvia Vidigal, A maçonaria republicana e a educação: um proje-


to para a conformação da cidadania. In: Sousa, Cynthia Pereira de (org.). História da
educação: processos, práticas e saberes. 3ª ed. São Paulo: Escrituras Editora, 2003, p. 10.

154
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Desse modo, concordamos com a airmação de Andrade


(2004)18, a de que no tocante aos projetos empreendidos pela Ma-
çonaria, ainda que pese o furor republicano da maioria das lojas
paulistas, é preciso ter cuidado ao estabelecer relações imediatas
entre a agenda política destas lojas com as iliações políticas de
alguns de seus membros, pois a Maçonaria neste período abarcou
liberais de todas as estirpes, republicanos, positivistas, cientiicis-
tas, liberais radicais, liberais conservadores, como bem deiniu
Roque Spencer de Barros ao tratar do liberalismo brasileiro.
É importante salientar ainda que a maior parte dos trabalhos
publicados até o momento é referente às maçonarias destas pro-
víncias. A presença de uma imprensa dinâmica e bem articula-
da, assim como a existência de acervos bem preservados, teria
facilitado o acesso a esta produção historiográica. Com exceção
do trabalho de Alexandre Barata (1999), poucos são os trabalhos
historiográicos sobre o tema Maçonaria e Educação, que explo-
raram a imprensa maçônica oicial. Entendemos, portanto, que
muito ainda há a historiar sobre a atuação da Ordem Maçônica
em outras províncias no período recortado por esta pesquisa.
Com relação à atuação dos dois círculos, vemos, também, que
em algumas regiões como a província do Rio de Janeiro, a maio-
ria das iniciativas voltadas para a educação popular, foi oriunda
de lojas vinculadas ao Grande Oriente do Brasil. Isso pode ser
explicado tanto pela proximidade destas lojas com este Oriente
Central quanto pela distribuição de suas lojas no território na-
cional. A maioria das Lojas do GOB situava-se na Corte, tendo
este uma boa inserção no interior luminense e nas províncias do
Norte e Nordeste do país.
No entanto, a grande parte dos trabalhos publicados sobre
a atuação da Maçonaria na expansão da escolarização popular

18. Andrade, Alex Moreira. Maçonaria no Brasil (1863-1901): Poder, Cultura e Idéias.
Dissertação. Instituto de Filosoia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. 2004. 2v.

155
Michel Silva (Org.)

aponta para a natureza secularizadora e modernizadora destas


ações, através das quais as lojas maçônicas buscaram garantir
maior inluência, rivalizando-se com o projeto católico de forma-
ção da elite. Por outro lado, estes estudos também apontam que
tais iniciativas estiveram pautadas em dois aspectos, o primeiro
no tocante à preocupação com a modernização das técnicas pe-
dagógicas e dos conteúdos, com enfoque no ensino laico e cien-
tíico; o outro aspecto revela-se na preferência de suas ações diri-
gidas à classe trabalhadora, o que pode ser observado no grande
número de aulas noturnas instaladas por lojas maçônicas em vá-
rias regiões do país.
De fato, o que pudemos observar em nosso levantamento foi
uma pulverização de iniciativas, de caráter muitas vezes efêmero
e disperso, desconectadas de um projeto educacional mais amplo.
Em contrapartida, observamos também que aqueles projetos que
extrapolaram os limites da Ordem, tendo sua fundamentação e
apoio de uma parcela da sociedade profana, através de movimentos
associativistas, revelaram-se mais ambiciosos e perenes, sustentan-
do não apenas a manutenção de aulas noturnas para a classe traba-
lhadora, mas expandindo seu âmbito de ação tanto no que se refere
aos ins e aos meios de propagar a educação popular, seja criando
escolas que ofereciam o ensino primário e secundário gratuitos,
seja criando bibliotecas populares, organizando conferências, fun-
dando revistas e jornais de caráter pedagógico ou político.
Desse modo, sem a pretensão de esgotarmos o tema, apresen-
tamos na próxima seção deste trabalho o lugar que os intelectuais
maçons ocuparam no movimento associativista no inal dos oi-
tocentos, voltado para a expansão da educação popular no Brasil,
com atenção às experiências de Campinas, Recife e São Paulo e a
fundação da Biblioteca Pública Pelotense, e por im, a Associação
Promotora da Instrução da Corte (1874), principal instituição
mapeada por nossa pesquisa.

156
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

3. O Movimento Associativista em prol da educação


Popular no Brasil (1880-1890)

No Brasil, percebe-se a escassa produção acadêmica sobre a


temática do associativismo, em especial, aquele voltado para o
campo de difusão cultural. Entretanto, alguns estudos têm nos
chamado a atenção para esta dimensão social, denotando o di-
namismo da prática associativa e signiicativo esforço de organi-
zação dos grupos sociais no Brasil do século XIX (Vicente, 2012;
Alonso, 2010; Carvalho, 2007).
Sérgio A. Vicente (2012) ressalta a necessidade da realização
de pesquisas empíricas capazes de revelar novas perspectivas so-
bre as formas de organização da sociedade brasileira. Para este
autor, leituras apressadas das representações construídas sobre o
caráter livresco e personalista da intelectualidade brasileira aca-
bam por obscurecer a temática da prática associativa no Brasil,
revelando naturalizações, não raras vezes reducionistas e pouco
documentadas, que justiicariam, em parte, este diminuto inte-
resse pela temática do associativismo no país.
De acordo com sua pesquisa, Vicente (2012) aponta o dina-
mismo das práticas associativas dos chamados “homens de letras”,
à frente de associações de caráter cientíico, literário e de instrução
existentes na Corte, nas décadas de 1860 e 1870 do século XIX.
Tais intelectuais, na sua maioria, escritores, bacharéis em Di-
reito, médicos, engenheiros, políticos, arrogavam para si a missão
de discutir questões relativas ao progresso das ciências, da cul-
tura letrada e difundir as luzes no país. Para este autor, a prática
associativa oitocentista também acabava por assistir ao Estado
apoiada na noção de utilidade pública, demonstrando signiicati-
va capacidade organizacional, quesitos importantes para o reco-
nhecimento formal por parte do Estado Imperial.
Para além da dimensão simbólica dessas práticas revelada na
lógica de enaltecimento de seus atores, representando um fator

157
Michel Silva (Org.)

importante para a conquista de status Vicente (2012) revela que a


constituição destas associações dava-se pela ação de particulares,
exercendo, porém, funções públicas. Portanto, comprometidas
com a manutenção da ordem e com alguns interesses demanda-
dos pelo Estado (Vicente, 2012, p. 140).
O trabalho de Ângela Alonso (2010) reforça as assertivas an-
teriores quando contesta a tese da fragilidade da vida associativa
no Brasil oitocentista, refutando a ideia do “insolidarismo” da so-
ciedade brasileira em torno das principais questões sociais emer-
gentes no país, sobretudo em torno da abolição da escravatura
nos anos de 1980.
Murilo de Carvalho (2007) salienta, também, a necessidade
de repensar as análises clássicas sobre a deiciência da vida asso-
ciativa no Brasil oitocentista. Para o autor, é necessário tomar-
mos a concepção de cidadania sob uma perspectiva mais ampla,
concebendo-a para além da noção de identidade coletiva, mas
que abranja sua dimensão ativa (política) revelada nas diferentes
formas de envolvimento do cidadão com o Estado. Mais do que
uma identidade coletiva, o conceito de cidadania assume tam-
bém uma dimensão política, dentre as quais podem ser incluídas
as diversas sociabilidades, religiosas, ilantrópicas, culturais, etc.
As ideias defendidas por Carvalho conirmam em boa medida
as posições de Alonso (2011) e Vicente (2012), bem como a hi-
pótese levantada em nossa pesquisa, denotando a necessidade
de compreender as práticas associativas oitocentistas a partir de
um projeto político e cultural mais amplo, cujo foco recai sobre a
participação da iniciativa particular na expansão da escolarização
popular, tendo o Estado um papel suplementar.
Vale ressaltar ainda que a temática da livre associação em prol
da educação do povo é uma temática praticamente ausente na
historiograia da educação brasileira. Como uma das principais
exceções cito o trabalho pioneiro de Alessandra Martinez (1997),
que mapeia a atuação de associações e suas escolas fundadas na

158
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Corte, no inal do Império, sobretudo, aquelas mantidas pela As-


sociação Protetora da Infância Desvalida, impulsionada pela Câ-
mara Municipal e pela Sociedade Propagadora da Instrução das
Classes Operárias da Lagoa.
Apesar de estas instituições guardarem semelhanças com as
instituições mapeadas em nossa pesquisa, elas também guardam
algumas peculiaridades que ajudam a sustentar nossa hipótese,
visto que tais associações estabeleceram vínculo muito estreito
com a instância governamental, na medida em que dependiam
substancialmente das subvenções desta para sua subsistência. Ca-
racterística que não identiicamos nas associações mapeadas em
nosso estudo.
Portanto, compartilhamos, empiricamente, a hipótese defen-
dida pelos estudos apontados anteriormente, de que as práticas
associativas do século XIX teriam ultrapassado, em boa medida,
os limites de uma cultura livresca e personalista, permitindo a
concretização de projetos culturais a partir da criação de escolas e
outros espaços de difusão cultural, cujo contexto caracterizou-se
pela tímida iniciativa estatal.
Para tanto, buscamos, a partir do entrelaçamento de traba-
lhos historiográicos com algumas fontes primárias mapeadas
pela pesquisa, sustentar o envolvimento da Maçonaria em pro-
jetos para educação popular no país, a partir da década de 1870.
Além da já citada Sociedade Promotora da Instrução de Campi-
nas (1871), pioneira neste movimento, apresentamos quatro ins-
tituições que, a exemplo das sociedades chilenas, izeram história
no campo da educação popular em sua região, tendo à frente de
seus projetos vários maçons, a saber, a Sociedade Propagadora da
Instrução Pública de Pernambuco (1872), a Sociedade Propaga-
dora da Instrução de São Paulo (1873), a Sociedade Mantenedora
da Biblioteca Pública Pelotense (1875) e, por im, a Associação
Promotora da Instrução da Corte (1874).

159
Michel Silva (Org.)

O levantamento da história destas instituições foi movido


pelo fato de serem as únicas associações com maior visibilidade e
profusão de fontes sobre sua trajetória histórica, valendo ressaltar
também a perenidade dessas instituições educacionais fundadas
por tais sociedades. Muitas destas instituições marcaram signi-
icativamente o contexto da educação popular em suas regiões,
como foi o caso da Escola Pinto Júnior (Pernambuco), primeira
escola normal particular e não subvencionada criada no Brasil,
mais tarde denominada Ginásio Pinto Júnior, o Liceu de Artes e
Ofícios (São Paulo), Biblioteca Pública Pelotense (Pelotas/RS) e a
Escola Senador Correia (RJ).
Apoiados nas iniciativas associativistas de outros países, com
especial atenção à experiência estadunidense, os intelectuais en-
volvidos na criação destas associações buscaram exaltar a gene-
rosidade de seus concidadãos, ressaltando o inluxo positivo da
ação individual bem dirigida em prol da educação popular. Pois,
era necessário o envolvimento da sociedade a im de se susten-
tar uma “associação vasta e eminentemente ‘civilizadora’ que, ao
auxiliar direta ou indiretamente o poder público, forneceria e di-
fundiria por toda a parte ‘a instrução do povo pelo povo’”19.
Vemos, ainda, que os instituidores de tais associações busca-
ram angariar adeptos ao seu projeto, ao mesmo em tempo que
procuravam sustentar na imprensa as suas iniciativas institu-
cionais dentro dos princípios da ordem e da tolerância, pois seu
papel se fundamentava na formação de cidadãos aptos a gover-
narem a si e ao seu país, ressaltando o papel da mulher como
coadjuvante na vulgarização e aperfeiçoamento da instrução do
povo, meio mais profícuo para reconstrução social.
De fato, várias mulheres, a maioria esposas e ilhas de mem-
bros, inscreveram-se como sócias efetivas da Sociedade, adjetiva-
das pelo codinome de brasileiras, ainda que, sob a tutela de seus
“responsáveis”, as mulheres deveriam assumir neste momento não

19. Relatório de Pinto Junior, A Nação, 22 de dezembro de 1873, p. 3 e 4, Ed. 271.

160
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

somente seu papel de ilhas, esposas ou de fervorosas iéis, mas,


sobretudo, de cidadãs responsáveis pela “missão patriótica” que ali
se principiava. Na verdade, ganham, ainda que de forma restrita,
lugar de destaque no projeto de nação que se desejava consolidar.
Assim, no discurso dos idealizadores dessas associações, as
mulheres foram eleitas como suas principais interlocutoras, “re-
velando a existência de outro processo, o da redeinição da posi-
ção da mulher na sociedade da época”20.
No entanto, não foi apenas às mulheres que estes intelectuais
voltaram suas atenções, no sentido de consolidar seu projeto ci-
vilizador. Desde o início, as associações procuraram apoio junto
à imprensa. O que vemos é um esforço conjunto dos intelectuais
de sustentar os projetos, aos quais estavam envolvidos através da
imprensa de maior circulação.
Vários envolvidos ou simpatizantes de tais iniciativas atua-
vam diretamente nesta imprensa, seja como redatores ou até pro-
prietários de periódicos. Como foi o caso do Correio Paulistano,
cujo proprietário e redator-chefe foi também membro fundador
da Sociedade de Instrução de São Paulo, outro exemplo foi o Jor-
nal do Commercio, tendo seu proprietário sido membro atuante
da Associação Promotora da Instrução da Corte, Conde de Ville-
neuve. Outro periódico a dar visibilidade a esta associação, assim
como a do Recife, foi o Jornal A Nação. Todos esses periódicos
publicavam, em geral, as datas das reuniões das Diretorias, relató-
rio anuais, notiicações sobre a fundação e o andamento das esco-
las mantidas e, até mesmo, a publicação de resumos e transcrições
de Conferências realizadas por tais Associações. A Sociedade de
Recife era representada na imprensa pela Revista Instrução Pú-
blica, responsável pela publicação regular de diversos artigos so-
bre a educação. Teve como redator o professor e maçom Vicente
de Moraes Mello. A revista Instrução Pública da Corte também
deu visibilidade a quase todas as iniciativas mapeadas por nossa

20. ibidem.

161
Michel Silva (Org.)

pesquisa, em especial as iniciativas da Associação Promotora da


Instrução da Corte.
Observamos, portanto, que estes atores estavam inseridos em
diferentes espaços de sociabilidade, constituindo uma rede de ami-
zade e de inluência, o que teria ajudado a garantir a sustentabili-
dade dessas associações no decorrer das duas décadas estudadas.
Outro aspecto que merece ser destacado refere-se à maior ou
menor proximidade destas instituições com o Estado. Dimensão
que acaba por deinir a medida do papel deste último para com a
educação popular, o que denota a natureza da relação entre Esta-
do e Sociedade, ora buscando maior autonomia, ora maior estrei-
tamento entre estas duas instâncias.
Para os intelectuais paulistas, na sua maioria de iliação repu-
blicana e liberal, o Estado seria um mero auxiliar nesta emprei-
tada. A persistência das empresas criadas pela força da iniciativa
privada tornava essencial iniciativas associativas que, ao difundir
as luzes e semear as “sublimes verdades da religião e da moral, for-
mariam ‘operários inteligentes’, morigerados, amigos do trabalho
e, como infalível corolário de tais premissas, melhores produtores
e de mais fácil direção”21. Sobre a ótica dos intelectuais paulistas
envolvidos na criação da Sociedade Promotora da Instrução de
São Paulo, por exemplo, cabia ao cidadão a responsabilidade com
a educação, sobretudo aquele ensino capaz de formar o espírito
do povo, apontando-lhe os seus direitos e deveres, “limitando-se
o governo a posição de mero auxiliar”.
Em contrapartida, o caso da Associação Promotora da Ins-
trução da Corte é emblemático no que tange o embricamento
destas duas dimensões, Estado e Sociedade. Já na assembleia de
inauguração desta instituição foi lida uma carta, datada de 29
de dezembro de 1873, endereçada ao seu presidente e fundador
Conselheiro Manoel Francisco Correia, pelo então Ministro do
Império, João Alfredo. Nesta mensagem, o ministro parabeniza

21. Correio Paulistano, 29 de novembro de 1873, p. 1.

162
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

a iniciativa e ao mesmo tempo sugere o nome da Associação as-


sim como a indicação da futura instituição para auxiliá-lo em seu
projeto de criação da Casa de Asilo para meninos desvalidos da
Corte, já prevista na Reforma Couto Ferraz de 185422.
Observamos, portanto, congruência entre o projeto do go-
verno com a iniciativa de criação destas associações, pois, como
vimos, o Ministro João Alfredo empreendeu, nos quatro anos de
atuação no Gabinete Rio Branco, uma expansão signiicativa da
rede de escolas públicas do Município da Corte assim como de
escolas subvencionadas. Sabemos também que as relações entre
o Ministro e o Conselheiro foram estreitas, visto que o segundo
também participou do mesmo gabinete, além de serem membros
do Supremo Conselho do Grande Oriente do Brasil naquele pe-
ríodo, elementos que nos permitem justiicar o empenho de João
Alfredo na consecução do projeto de criação das primeiras esco-
las da Associação, ao disponibilizar espaços públicos para o fun-
cionamento provisório de aulas fundadas por esta. Pode-se dizer
que, no ano de criação da API, icou nítida a diluição das frontei-
ras entre público e privado no que tange à expansão da educação
popular. No entanto, apesar da estreita relação entre estes dois
atores, poucos foram os indícios que nos permitissem sustentar
uma relação direta entre a Associação e a Casa de Asilo nos anos
subsequentes à sua instalação, em janeiro de 1875.
Nesse sentido, é importante não perder de vista que, apesar
de haver consensos com relação à modernização do Estado no
inal do Império e sobre a importância da expansão da educação
popular como via alternativa de solucionar as principais questões

22. A instalação da Casa de Asilo, mais tarde Asilo dos Meninos Desvalidos, ins-
talada em março de 1875, inseriu-se em um projeto mais amplo de modernização
do Estado empreendida a partir da década de 1870, especialmente, pelo Gabinete
do Visconde do Rio Branco (1871-1875). Tal projeto visou, entre outras reformas, a
laicização do atendimento às camadas mais pobres e desvalidas da população, sobre-
tudo no campo da assistência e da Educação, cujo alvo era a formação do cidadão.
Martins, op. cit., p. 5.

163
Michel Silva (Org.)

do período, quais sejam as questões da emancipação e da forma-


ção de trabalhadores livres, as duas instâncias, Estado e sociedade
civil, que, não raras vezes, se confundiam promovendo projetos
comuns, também se viram em disputas por monopólios e interes-
ses distintos, dinâmica sob a qual se encobriam diferentes con-
cepções de povo e de sociedade23.
Vale ressaltar ainda que este esforço de modernização con-
vergiu para o crescente rompimento entre o Estado e a Igreja,
concorrendo em contrapartida para a aproximação cada vez mais
estreita entre o governo e a iniciativa particular (Martins, 2004).
Guardadas as peculiaridades de cada projeto, do que pude-
mos mapear, em geral, as instituições pesquisadas apresentaram
em seus estatutos, como ins sociais, auxiliar e desenvolver o ensi-
no primário, secundário e superior em sua região, através da fun-
dação de escolas primárias (diurnas e noturnas, aulas secundárias
ou cursos, conferências, bibliotecas, publicações, etc), difundin-
do “por todos os meios ao seu alcance a instrução pelas massas
populares”. Visavam, portanto, atender a demanda mais urgente
do ensino elementar estendendo paulatinamente sua ação ao en-
sino secundário e superior.
Nota-se um projeto ambicioso já que previa a ampliação de
seus serviços a todos os níveis de educação e além do espaço
formal de escolarização. Assim, para esses cidadãos ilustrados,
as publicações, a criação de bibliotecas e a realização de confe-
rências também deveriam fazer parte do projeto de expansão da
instrução do povo pelo povo. Esta preocupação em ampliar os
níveis e os meios deixa entrever que os idealizadores de tais as-
sociações não estabeleceram necessariamente uma relação dire-
ta entre educação popular e instrução elementar, pelo contrário,
pensaram além.

23. Martinez, Alessandra Frota. Educar e Instruir: A Instrução Popular na Corte


–1870 a 1889. 1997. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, p. 48.

164
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Para a realização de tais empreendimentos, a Sociedade con-


tava com os recursos angariados através das joias e mensalidades
de seus associados, de doações em dinheiro, de doações de li-
vros e materiais didáticos e a oferta do produto de espetáculos de
Companhias de teatro, de concertos, de recitais e de leilões.
Além destes recursos, foram frequentes as ofertas para lecio-
nar gratuitamente nas escolas fundadas pelas sociedades. Foram
registradas, ainda, doações de edifícios, salas e terrenos para a
construção de prédios escolares. De acordo com os registros pes-
quisados, em geral, as acomodações oferecidas pelas associações
estavam munidas dos móveis necessários (carteiras, bancos, me-
sas), bem como de livros e materiais indispensáveis ao funciona-
mento das aulas. Não raras vezes, eram oferecidos vestuários para
os alunos mais pobres que as frequentassem.
Alguns estatutos previam nomear comissões paroquiais que
deveriam auxiliar a realização dos “ins sociais” da instituição, em
especial, o levantamento estatístico em cada quarteirão das crian-
ças pobres que deveriam ser atendidas nos estabelecimentos de
ensino das sociedades. Não há, no entanto, nos estatutos, especi-
icação sobre os critérios de admissão destas crianças.
Não encontramos, também, registros que pudessem conir-
mar a participação de pais ou tutores no andamento das aulas e
cursos mantidos pela maior parte das associações mapeadas.
No caso da Associação Promotora da Instrução da Corte, iden-
tiicamos a função do superintendente das escolas mantidas por
essa associação que, normalmente, deveria ser um morador e re-
presentante dos habitantes da localidade atendida pela instituição.
A despeito das ausências e contradições, ica claro que tais as-
sociações foram pensadas inicialmente sob o princípio da partici-
pação de uma parcela da comunidade (escola paroquial). Isso, em
certa medida, relativizaria um discurso presente na historiograia
da educação, através do qual iniciativas semelhantes são tomadas
como um movimento deliberado das elites para o controle so-

165
Michel Silva (Org.)

cial. Uma experiência apreendida de forma passiva pelos atores


protagonistas do processo de escolarização popular, que é sempre
compreendida como dádiva24.
Acreditamos que a instalação e manutenção das escolas da
API, sejam elas situadas na periferia ou no centro da cidade,
acabaram por chamar a atenção da comunidade em seu entor-
no, como uma possibilidade, em certa medida, de se obter esco-
larização de qualidade, com baixo custo, visto que a Associação
garantia todo o material didático necessário aos alunos (papéis,
penas, tinta, compêndios, vestimentas, etc), além da expectativa
de certiicação e formação mais especializada para as classes tra-
balhadoras. Assim, as escolas mantidas pela associação acabaram
servindo como uma estratégia de escolarização para famílias da
classe trabalhadora na periferia da cidade.
Para inalizar, poderíamos sustentar que a difusão das práti-
cas associativas foi fundamental também para a transmissão de
uma representação contratual da sociedade. A expansão do mo-
vimento associativista, neste sentido, responderia mais à vontade
de assegurar uma maior coesão do corpo social do que de ixar
novos mecanismos de participação da sociedade na política. O
homem, sem abrir mão de sua individualidade, deveria aprender
a respeitar os interesses da coletividade, aprendizagem esta que o
faz um cidadão da nação que se projetava construir25.

24. Conferir como exemplo o trabalho de Costa, Ana Luíza Jesus da. À Luz das
Lamparinas: As escolas noturnas para trabalhadores no Município da Corte (1860-
1889). Rio de Janeiro. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de
Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
25. Bernaldo, Pilar González. Pedagogia Societaria y aprendizaje de la nación en el
Río de la Plata. In: Guerra, François- Xavier. Inventando lanación: Iberoamérica. Siglo
XIX. 1. ed. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 2003, p. 578.

166
Capítulo 8
Trabalhadores, Maçonaria e Espiritismo em
Pelotas (1877-1937)

Marcelo Freitas Gil

Introdução

Em princípio pode parecer estranho que se associe a Maçona-


ria e o Espiritismo ao contexto vivido pelos trabalhadores urba-
nos na cidade de Pelotas1 no período que vai de 1877, ano em que
o Espiritismo chegou à cidade, a 1937, data em que teve início a
ditadura civil de Getúlio Vargas no Brasil. No entanto, essas duas
instituições, que, em Pelotas, tiveram e têm grande importância
e presença social profundamente marcante no desenvolvimento
histórico da cidade, inluenciaram, senão o movimento operário
pelotense, ao menos alguns de seus mais importantes líderes, es-
tando presentes no seu cotidiano e na formação do seu pensa-
mento social e político, bem como de muitos artesãos e proissio-
nais liberais da cidade no período em estudo.
É importante que se diga que nesta categoria de trabalhadores
urbanos não incluo apenas operários, mas também proissionais
liberais e pequenos artesãos que viviam de seu trabalho no con-
texto social urbano entre os anos de 1877 e 1937.
A Maçonaria, através de várias lojas espalhadas pela cidade,
marcou a sua presença em movimentos importantes no contex-
to nacional, como a abolição da escravidão (1888) e a proclama-
1. Pelotas é atualmente a terceira cidade em população no estado do Rio Grande do
Sul, com mais de 320 mil habitantes e o mais importante centro urbano da região
onde está situada.

167
Michel Silva (Org.)

ção da República (1889) e em outros tantos fatos relacionados ao


contexto local, como a fundação da Faculdade de Direito hoje
pertencente à Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a orga-
nização do Colégio Pelotense, atualmente gerenciado pelo poder
público municipal (Amaral, 1999).
Quanto à Doutrina Espírita, hoje presente em Pelotas através
de um movimento forte organizado em torno da Liga Espírita Pe-
lotense (LEP), sua penetração na sociedade local se fez a partir do
trabalho de divulgação de dois proissionais liberais espanhóis,
que para a cidade imigram em 1877, trazendo com eles os prin-
cípios doutrinários espíritas que estavam se transformando em
verdadeira febre entre os europeus, nas diversas camadas sociais.
A divulgação desses ideais fez da cidade a segunda no Rio Grande
do Sul com maior número de pessoas que se dizem espíritas ao
Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística (IBGE).
No presente estudo considero como Espiritismo a doutrina
que surgiu na França, através da codiicação de mensagens atri-
buídas a diversos espíritos, que teriam se utilizado de inúmeros
médiuns. O organizador da doutrina foi o pedagogo, discípulo de
Pestalozzi2, Hyppolite Léon Denizard Rivail, que adotou o pseu-
dônimo de Allan Kardec, pelo qual icou conhecido.
Allan Kardec teve a sua atenção voltada para o fenômeno das
mesas girantes3, verdadeira coqueluche em Paris entre os anos de
1853 e 1856, graças aos seus estudos sobre o magnetismo. Em
1857, após vários meses de estudos sobre esse fenômeno, ele pu-
blicou O Livro dos Espíritos, no qual airma que a força inteligente
que produzia o movimento das mesas era a ação dos espíritos e
apresenta os princípios básicos do Espiritismo, que são a crença

2. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827): pedagogo suíço que se notabilizou como


um dos pais da educação popular.
3. Fenômeno magnético descrito por vários estudiosos e que consiste em magne-
tizar-se uma mesa e em fazê-la girar. O fenômeno chegou a chamar a atenção de
diversos cientistas importantes ao longo da segunda metade do século XIX.

168
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

em Deus, na sobrevivência da alma após a morte, na reencarna-


ção, na pluralidade dos mundos habitados e na possibilidade de
haver comunicação entre os vivos e os mortos, através de indiví-
duos chamados de médiuns.
A inluência dessa obra parece ter sido bastante signiicativa,
a julgar pelo número de reedições, quinze desde o seu lançamen-
to até a morte de Kardec, ocorrida em 1869, e inluência na litera-
tura da época (Stoll, 2003). Depois de O Livro dos Espíritos, várias
outras obras foram publicadas por Allan Kardec, completando a
organização da Doutrina Espírita4.
A razão que me leva a adotar essa objetivação do que seria o
Espiritismo é o rigor metodológico, já que foi o próprio Kardec
quem empregou o termo “Espiritismo”, justamente para distin-
guir a nova doutrina do espiritualismo, termo mais genérico e
que abarca a concepção espiritualista como um todo, dentro da
qual o próprio Espiritismo está contido.
No entanto, vários outros grupos espiritualistas se utilizam
das obras kardequianas em seus estudos, principalmente no que
se refere às pesquisas em torno da mediunidade, o que levou ao
uso indiscriminado do termo “Espiritismo”.
Sem dúvidas, foi Allan Kardec quem melhor deiniu as ques-
tões relativas à mediunidade, o que causou certa identiicação
entre mediunismo e Doutrina Espírita. Hoje, em função disso,
embora o Espiritismo não seja a única religião mediúnica a lidar
com o que seriam espíritos, existe uma tendência de se identiicar
práticas mediúnicas com Doutrina Espírita, o que explica, a meu
ver, a generalização do termo “Espiritismo” e a sua utilização por
outras correntes espiritualistas, como a Umbanda.
Essa generalização possibilitou a criação de termos como
“Espiritismo de mesa”, “Espiritismo de terreiro”, “Espiritismo de

4. Na sequência, Kardec publicou: O Livro dos Médiuns; O Evangelho Segundo o Espi-


ritismo; O Céu e o Inferno Segundo o Espiritismo e A Gênese, os Milagres e as Predições
Segundo o Espiritismo.

169
Michel Silva (Org.)

Umbanda”, “alto e baixo Espiritismo”, que encontramos frequen-


temente na literatura.
Tais expressões são, no meu ponto de vista, preconceituosas,
na medida em que pretendem estabelecer uma relação hierárqui-
ca entre essas diversas correntes religiosas. Quando falamos em
“alto e baixo Espiritismo”, “Espiritismo de mesa e Espiritismo de
terreiro”, estamos emitindo um juízo de valor e classiicando de
modo preconceituoso tais sistemas de crença. Portanto, não vejo
razão para que se continue utilizando esses termos, sendo melhor
que se chame de “Espiritismo” a doutrina organizada por Allan
Kardec e de “Umbanda” a religião desenvolvida no Brasil a partir
de elementos próprios do Catolicismo, do Candomblé e do pró-
prio Espiritismo, num processo de sincretismo, o que, aliás, em
nada diminui o seu valor e importância.
Portanto, optei pelo rigor etimológico, considerando o Espi-
ritismo como sendo a doutrina organizada na França por Allan
Kardec e cujo corpo doutrinário encontra-se expresso nas cha-
madas obras básicas editadas pelo organizador da doutrina.
No Brasil, ao longo do século XX, a doutrina organizada por
Kardec conquistou inúmeros adeptos e o seu conteúdo doutriná-
rio difundiu-se amplamente graças, entre outros fatores, ao tra-
balho de divulgação realizado pelo médium Francisco Cândido
Xavier (1910-2002), que deixou mais de 400 livros editados, com
mais de 30 milhões de exemplares vendidos.
Estas duas instituições, a Maçonaria e o Espiritismo, embora
tenham penetrado em Pelotas como movimentos próprios das
classes mais altas, acabaram por desempenhar um papel impor-
tante junto aos trabalhadores urbanos, seja pela inluência direta
de seus líderes e por sua presença educacional e social marcante,
como aconteceu em relação à Maçonaria, seja pelos seus precei-
tos doutrinários voltados, ao menos em parte, para a explicação
da dinâmica social, como é o caso do Espiritismo. Além disso,
conforme veremos mais adiante, em diversos momentos histó-

170
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ricos maçons e espíritas buscaram atingir os seus objetivos de


forma conjunta e articulada, principalmente no que se refere ao
combate da inluência católica na cidade.

1. Maçonaria, Espiritismo e trabalhadores urbanos em


Pelotas

Pelotas tem a sua origem associada à indústria do charque,


que começou as atividades na região em 1780, quando José Pinto
Martins, vindo da Região Nordeste do Brasil, instalou a primeira
charqueada junto ao Arroio Pelotas.
O êxito do empreendimento acabou por incentivar a instala-
ção de outras charqueadas na região e gradativamente a indústria
saladeril se irmou no território do Sul do país. Durante o século
XIX, o povoado formado ao redor das charqueadas acabou por
se desenvolver e, em 1812, recebeu a denominação de freguesia,
com o nome de São Francisco de Paula. Logo a seguir, em 1832,
a freguesia emancipou-se de Rio Grande, a cuja Câmara estava
subordinada, adquirindo o status de vila.
A posição estratégica da vila junto ao canal São Gonçalo, que
dá acesso a duas lagoas, numa região protegida, por ser um pou-
co afastada do litoral, conjugada ao pioneirismo na produção de
charque, permitiu o desenvolvimento de uma indústria poderosa,
geradora de grandes somas de capitais e de apreciável concen-
tração de renda na região, com a consequente formação de uma
camada social privilegiada.
Apesar da crise na produção saladeril, que acabou por pro-
vocar a Revolução Farroupilha (1835-1845), na qual a Província
do Rio Grande do Sul se opôs ao restante do Brasil, em Pelotas
de 1835:

Localizavam-se mais de 300 negociantes, graças ao grande


número de charqueadas situadas nos arredores. A vila se

171
Michel Silva (Org.)

destacava pelo ativo comércio, luxo de suas casas, ruas bem


construídas e intensa vida cultural. (Flores, 1994, p. 9)

Contudo, segundo Magalhães (1993), com a Revolução


Farroupilha e as disputas políticas nas quais a província do Rio
Grande do Sul foi mergulhada, Pelotas sofreu uma interrupção
em seu crescimento a partir de 1835. Esse hiato econômico, que
também acabou por afetar o desenvolvimento cultural da locali-
dade, durou aproximadamente até o inal da Revolução, quando
o crescimento foi retomado aos poucos.
A partir de 1843, com a chegada dos primeiros imigrantes
franceses, vindos da região do Rio da Prata, a vida cultural da
cidade tomou novo impulso. Esses imigrantes fundaram, por
exemplo, a primeira loja maçônica de Pelotas, conforme veremos
mais adiante.
Assim, a década de 1840 foi marcada pelo início da constru-
ção do Mercado Público e pela fundação da Santa Casa de Miseri-
córdia, num claro aceno no sentido de que o progresso havia sido
realmente retomado na cidade. Por sua vez, o desenvolvimento
dos negócios do charque passou a permitir que os estancieiros,
enriquecidos com a pecuária, pudessem residir na zona urba-
na, onde tinham a oportunidade de exercer atividades políticas
com maior êxito e vivenciar outras experiências próprias da zona
urbana, como as ligadas à cultura, por exemplo. A acumulação
de capital se intensiicou e, com ela, as operações de crédito e as
transações bancárias. Como consequência, a vida cultural tam-
bém pôde se desenvolver com maior pujança.
Ainda de acordo com Magalhães (1993), esses fatores, combi-
nados ao êxito econômico dos negócios do charque e a uma certa
diversiicação na economia local, izeram com que Pelotas tivesse
a sua Belle Époque entre os anos de 1860 e 1890, período em que
se veriicou um grande apogeu econômico, social e cultural.
O Conde d’Eu (1981, p. 134-135), marido da princesa Isabel,
em visita a Pelotas em 1865, assim descreve a cidade:

172
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Depois de ter percorrido por duas vezes em toda a sua largu-


ra a Província do Rio Grande do Sul, depois de ter estado em
suas pretensas vilas e cidades, Pelotas aparece aos olhos can-
sados do viajante como uma bela e próspera cidade. As suas
ruas largas e bem alinhadas, as carruagens que as percorrem
(fenômeno único na Província), sobretudo os seus edifícios,
quase todos de mais de um andar, com as suas elegantes
fachadas, dão ideia de uma população opulenta. De fato, é
Pelotas a cidade predileta do que eu chamarei a aristocracia
rio-grandense, se é que se pode empregar o termo aristocra-
cia falando-se de um país do novo continente. Aqui é que o
estancieiro, o gaúcho cansado de criar bois e matar cavalos
no interior da campanha, vem gozar as onças e os patacões
que ajuntou em tal mister.

Magalhães (1993) refere que a Pelotas da década de 1870 era


uma cidade com pouco mais de 12 mil habitantes, marcada por
inovações não apenas físicas, mas também intelectuais. Seu prin-
cipal farmacêutico era formado em Londres, o engenheiro res-
ponsável pela construção de um novo aqueduto era alemão e um
dos artistas que mais chamava a atenção da comunidade na época
era um jovem inglês.
Em relação à infraestrutura, a década de 1870 também foi
marcada por inovações. Três chafarizes vieram da França, junta-
mente com a caixa-d’água que foi instalada na Praça Piratinino de
Almeida, o que possibilitou a implantação do serviço de água, que
começou a funcionar logo a seguir. As obras para o funcionamen-
to do gás encanado foram concluídas em 1875, como também o
calçamento das ruas do centro. Entre os anos de 1868 e 1875, foi
feita a desobstrução do canal São Gonçalo, permitindo o acesso ao
porto e a consequente exportação de charque por meio de navios
de grande porte diretamente para outros países, como os EUA.
No início da década de 1880:

173
Michel Silva (Org.)

Não era só para os pelotenses que Pelotas se aigurava a


“Princesa dos campos do Sul” daqueles versos originais.
Nesse período já chamava a atenção da Província e para a
Província, identiicada que estava, de um modo especial,
com as artes e com as letras, numa espécie de desdobramen-
to do seu apogeu econômico-urbano. Mas não menos famo-
sa pelos seus barões, as suas damas, os seus doces, as suas
festas, os seus sobrados, os seus monumentos públicos, as
suas lojas. (Magalhães, 1993, p. 106)

Dessa forma, pode-se airmar que relativamente cedo Pelotas


conigurou-se como uma localidade em que os valores sociais ti-
nham características iminentemente urbanas, relacionadas com as
artes, as letras, as ciências e os negócios comerciais e inanceiros.
As transações comerciais feitas a partir do porto colocaram a
cidade em contato com os grandes centros comerciais e culturais
da América e da Europa:

O que ocorria é que os navios que levavam o charque para


a Bahia e para o Rio de Janeiro, para a Europa e para os Es-
tados Unidos, não haveriam de voltar vazios. Pelo contrário:
os charqueadores mantinham agentes comerciais nos dife-
rentes portos, de torna-viagem esses navios vinham carrega-
dos de mantimentos, móveis, louças, quadros, modas, livros,
igurinos e magazines dos grandes centros. Proporcionavam
um contato permanente com as civilizações do século XIX,
além daquele que era feito por iniciativa dessa própria ci-
vilização, quando as companhias líricas da Corte e de ou-
tras capitais do mundo chegavam a essa cidade quase que
em primeira mão, para depois excursionar pela Província.
(Rio Grande era a porta de entrada; Porto Alegre o terceiro
centro a ser visitado; na volta as companhias costumavam
reapresentar-se em Pelotas). Isso sem falar, é claro, nas via-
gens empreendidas pelos próprios industrialistas, ou nas no-
tícias e encomendas que mandavam os seus ilhos, aqueles
que estudavam fora, sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro,

174
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Lisboa e Coimbra – mas também, como seu viu, na Fran-


ça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. (Magalhães, 1993,
p. 137-138)

Contudo, outros autores chamam a atenção para o contras-


te que existia entre essa opulência e a situação dos escravos, tra-
balhadores urbanos, imigrantes pobres e moradores dos bairros
mais afastados do centro da cidade no mesmo período histórico.
Lorena Gill (2007) descreve a situação de insalubridade des-
ses bairros e a precariedade dos serviços urbanos nesses locais,
afetados por constantes epidemias. Segundo ela, a situação das
habitações populares, concentradas em vilas e cortiços e a falta de
tratamento para os dejetos urbanos e para a água consumida por
essa população, eram causas frequentes da proliferação de diver-
sas doenças, como a tuberculose.
Marcos Hallal dos Anjos (2000) analisa a presença estrangei-
ra na cidade no último quartel do século XIX e a situação social,
principalmente dos trabalhadores imigrantes, frente ao processo
de modernização urbana pelo qual Pelotas passou naquele perí-
odo, destacando a inluência desses imigrantes na economia e na
cultura pelotense, bem como as suas condições de vida, muitas
vezes penosas diante da opulência vivenciada pela elite local.
Beatriz Loner (1999, p. 56) ressalta que o espaço reservado na
aristocrática sociedade pelotense para aqueles que trabalhavam
como escravos, operários ou pequenos artesãos era muito reduzi-
do. Segundo ela, esses grupos tendiam a manter-se numa atitude
de “respeito e deferência frente à elite”, sendo “inluenciados por
sua cultura e seus valores, o que, em alguns momentos, podia
inibir uma atitude ou um comportamento mais classista”.
Portanto, esse cenário social marcado pelo contraste entre ri-
cos e pobres e por uma abastada vida econômica e cultural era fa-
vorável para a penetração do Espiritismo, uma novidade surgida
na França em 1857 e que já atraía a atenção de intelectuais, tanto
em Salvador quanto no Rio de Janeiro (Damazio, 1994).

175
Michel Silva (Org.)

Isto também ocorreu em relação à Maçonaria. Pode-se dizer


que a colonização tardia do Rio Grande do Sul com relação ao
restante do Brasil implicou num estabelecimento igualmente tar-
dio da Igreja Católica em terras gaúchas, o que explica a difusão
de um pensamento anticlerical nesta região, especialmente na
primeira metade do século XIX, quando a elite local passa a so-
frer forte inluência do pensamento liberal, presente e divulgado
através da Maçonaria, que, em função da sua organização e disci-
plina, conquistou um número relativamente grande de membros
no seio desta mesma elite regional (Colussi, 1998).
Em Pelotas, a presença oicial da Maçonaria se faz notar desde
1841, com a criação da “Loja Maçônica Protetora da Orfandade”.
Por outro lado, o bispado da cidade só foi instalado em 1911. Até
então a presença da Igreja Católica em Pelotas era precária quan-
do comparada a outras cidades importantes do interior do Brasil,
particularmente no que diz respeito à região central do país. A
sua presença mais signiicativa antes da fundação do bispado era
através do Colégio São Luiz Gonzaga, criado pelos jesuítas em
1894 e dedicado à educação de meninos.
Já em 1847, foi fundada a “Loja Maçônica Comércio e In-
dústria’” a segunda da cidade. As duas lojas então existentes em
Pelotas tiveram os seus templos construídos ainda antes do inal
da primeira metade do século XIX, o que demonstra a articulação
dos maçons pelotenses.
Contudo, em 1853, as duas lojas se fundiram, dando origem à
“Loja Maçônica União e Concórdia”, que passou a funcionar no anti-
go prédio da “Loja Comércio e Indústria”, enquanto o prédio da “Loja
Protetora da Orfandade” foi vendido para o pagamento de dívidas.
Com a fusão das duas lojas, os maçons pelotenses puderam
planejar a criação de uma obra assistencial permanente na cidade,
o que foi conseguido em 7 de setembro de 1855, com a fundação
do “Asilo de Órfãos Desvalidas Nossa Senhora da Conceição”. A
concretização desse ideal marca de forma inequívoca a presença e

176
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

a importância da Maçonaria no cenário social pelotense no início


da segunda metade do século XIX.
Em 25 de agosto de 1855 foi fundada a “Loja Honra e Huma-
nidade”, que teve entre os seus diretores homens proeminentes na
política do Rio Grande do Sul, como Domingos José de Almeida.
Quase todos os membros dessa nova loja faziam parte da “Loja
União e Concórdia”, que desde então deixou de existir. O prédio
ediicado para abrigar o templo da “Loja Honra e Humanidade”
ainda existe no centro de Pelotas, à Rua Andrades Neves, e atual-
mente abriga a “Loja Maçônica Fraternidade”.
Com a vinda de muitos imigrantes para a cidade a partir do
inal do século XIX, muitos deles ligados a proissões liberais e ao
artesanato, novas lojas maçônicas surgiram, a im de abrigar os
adeptos da irmandade que se encontravam entre esses imigran-
tes, o que se traduziu em uma maior abertura da entidade a esses
segmentos da sociedade. Exemplos disso são: a criação da “Loja
de Artistas de Pelotas” em 1871, posteriormente transformada
em “Loja Rio Branco”, e a criação de uma loja de italianos em
1901, sendo vários deles artesãos e alguns até mesmo socialistas.
O pensamento maçom, fortemente marcado por valores
como o anticlericalismo, o liberalismo e o cientiicismo, levou a
instituição a uma disputa com a Igreja Católica no mesmo perí-
odo histórico, principalmente em relação à questão educacional,
quando então os católicos dominavam o sistema de ensino. Essa
disputa estendeu-se por todo o período do Segundo Reinado
(1840-1889) e nos primeiros anos da República, levando os ma-
çons a organizarem diversas instituições educacionais, nas quais
era estabelecido um ensino laico, em oposição às escolas religio-
sas mantidas pela Igreja Católica.
Em Pelotas essa tensão encontrou seus pontos de culminância
com a criação do Ginásio Pelotense em 1903 e das Faculdades de
Direito, Farmácia e Odontologia e Agrimensura na década seguinte.

177
Michel Silva (Org.)

No Ginásio Pelotense os maçons passaram a oferecer um


ensino laico, baseado no racionalismo, no cientiicismo e no
método experimental, voltado para a vida prática do aluno, em
oposição aos métodos católicos de ensino, baseados no desen-
volvimento da moral de natureza religiosa, presentes em Pelotas
no Colégio Gonzaga, então já tradicional instituição de ensino na
cidade. Para tanto, implantaram um sistema de ensino que, em
1915, já admitia a matrícula de meninos e meninas, contrariando
o modelo de educação masculina, na época adotado pelo
catolicismo (Amaral, 1999).
Imediatamente, os ilhos de famílias ligadas à Maçonaria em
toda a região de Pelotas passaram a buscar matrícula na escola.
Eram principalmente de famílias pertencentes à classe média, ao
meio industrial emergente, e a uma parcela da intelectualidade da
cidade, então ligada ao Espiritismo, doutrina que, importada da
França, já havia penetrado em Pelotas durante o último quartel
do século XIX, fazendo inúmeros adeptos na cidade. Através da
escola, os maçons também pretendiam atuar junto aos ilhos de
muitos trabalhadores urbanos, minimizando a inluência católica
nas famílias pelotenses.
Certos elementos doutrinários presentes no Espiritismo,
como o ideal cientiicista e racionalista e a sua estrutura despro-
vida de clero, aproximaram-no da Maçonaria e contribuíram de-
cisivamente para que essa doutrina tivesse ampla aceitação entre
os maçons pelotenses.
Um número considerável de espíritas do passado foi maçom
em Pelotas, alguns de grande prestígio na cidade. Através da lei-
tura do jornal maçônico pelotense O Templário é possível perce-
ber que, durante a década de 1920, a Maçonaria demonstrou uma
forte simpatia pelo Espiritismo na cidade, com o assunto sendo
reiteradamente tratado pelo jornal (Amaral, 1999).
Durante os anos de 1920, O Templário chegou mesmo a ter
uma seção dedicada ao Espiritismo, em que os princípios ilo-

178
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

sóicos defendidos pela Doutrina Espírita eram realçados como


sendo fruto de um sistema racional de ideias.
Vários dirigentes espíritas de Pelotas em décadas passadas eram
maçons, alguns com atuação signiicativa também dentro na Ma-
çonaria. É o caso de Honorino Francisco Lopes, presidente da Liga
Espírita Pelotense (LEP) de 1949 a 1950 e que voltou à presidência
da entidade de 1956 a 1957. Cognominado de “pai da tolerância”,
Honorino Lopes foi também várias vezes presidente da hoje cente-
nária “Sociedade União e Instrução Espírita” e venerável mestre da
“Loja Maçônica Fraternidade” em três gestões (Gil, 2011).
Outro nome de destaque nesse sentido é o do advogado ma-
çom Djalma Paulino de Mattos, segundo presidente da LEP, um
dos fundadores do Sanatório Espírita de Pelotas e várias vezes
presidente do “Centro Espírita Jesus”, um dos centros espíritas
mais antigos da cidade, fundado em 1919. Djalma também foi
importante conferencista local e articulista de vários jornais es-
píritas do Brasil.
De acordo com os apontamentos de Alberto Coelho da Cunha
(1927), cronista pelotense do início do século XX, foi Djalma de
Mattos quem proferiu a palestra comemorativa à inauguração da
sede própria do “Centro Espírita Jesus”, solenidade que contou com
a presença de uma pequena multidão. Sua atuação na Maçonaria
foi igualmente destacada, tendo ele ainda participado da fundação
do “Centro Espírita Nazareno”, do qual foi presidente. Essa socie-
dade espírita existiu durante a década de 1920 e era formada, quase
que exclusivamente, por maçons, funcionando em um prédio alu-
gado, ao lado da sede da “Loja Maçônica Fraternidade”.
Ainda no campo educacional, graças à reforma implantada
em 1911 pelo ministro Rivadávia Correa, foi possível aos maçons
pelotenses criarem três cursos superiores ligados ao Ginásio Pe-
lotense. Ocorre que a referida reforma educacional, inspirada em
ideais positivistas, concedia ampla autonomia aos estabelecimen-
tos de ensino para, inclusive, criarem cursos superiores. Apro-

179
Michel Silva (Org.)

veitando-se disso, os dirigentes do Ginásio Pelotense criaram


a Faculdade de Farmácia e Odontologia em 1911 e a Escola de
Agrimensura e a Faculdade de Direito em 1912 (Amaral, 1999).
Em 1915, a Reforma Carlos Maximiliano reestruturou o sis-
tema brasileiro de ensino e restabeleceu a inluência do governo
federal sobre a educação, determinando que a partir daquela data
o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, passaria novamente a ser
considerado estabelecimento modelo. As escolas secundárias em
todo o país deveriam buscar a equiparação ao Colégio Pedro II,
o que implicava, necessariamente, na estatização desses estabele-
cimentos de ensino, já que a lei vetava a equiparação de escolas
particulares. Em decorrência disso, o Ginásio Pelotense foi muni-
cipalizado em 1916. Na esteira dessas reformas, as faculdades de
Odontologia e Direito, juntamente com outros cursos, acabaram
por ser absorvidas pela Universidade Federal de Pelotas.
Por outro lado, muito embora a Maçonaria não tivesse um
conteúdo doutrinário e mesmo uma política voltada para a classe
operária, o fato é que muitos dos líderes do movimento operário
em Pelotas, no período histórico que está sendo abordado, eram
maçons, o que se reletiu em certa inluência nesse meio e numa
consequente penetração da instituição entre o proletariado.
Procurando estender a sua inluência junto aos operários,
na busca de minimizar a ação católica junto a este segmento so-
cial, já no período inal do Império a Maçonaria pelotense teve
destacada inluência e participação na organização de entidades
com esse im, como a criação do Centro Agrícola Industrial e do
Congresso Operário em Pelotas, ocasiões em que os maçons bus-
caram articular-se com os espíritas na tentativa de fortalecerem a
sua ação anticatólica.
A presença da Maçonaria em movimentos dessa natureza,
bem como no campo educacional, se explica em razão do esforço
depreendido no sentido de inluenciar a formação dos cidadãos,
na perspectiva de libertá-los em relação aos valores católicos,

180
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

considerados como sendo dogmáticos e simbolizadores de um


atraso intelectual.
Em relação ao movimento operário, nota-se uma preocu-
pação disciplinadora nas ações da Maçonaria voltadas para este
segmento social, como, por exemplo, se vê claramente no texto a
seguir, presente no Boletim nº 1 do Grande Oriente do Rio Gran-
de do Sul, de março de 1904, em que estão sendo analisadas as
prioridades de ação da entidade apontadas pelo desembargador
Antunes Ribas, um dos principais líderes maçônicos no estado do
Rio Grande do Sul naquele momento:

O operariado também mereceu-lhe amorosa atenção. Viu


como, na falta de mestres do socialismo racional, o opera-
riado, acenado pelos falsos propugnadores do bem-estar dos
proletários, estava sujeito a ser vítima do anarquismo, viu
também o trabalho sorrateiro dos jesuítas, junto da família
do operário, a roubar-lhe a consciência dos ilhos. (apud Lo-
ner, 1999, p. 157)

Antunes Ribas procurou imprimir na Maçonaria uma maior


abertura para elementos do operariado, através do incentivo à
criação de lojas de artistas com vistas a eliminar a inluência não
apenas do catolicismo junto a esse segmento, como também dos
anarquistas, por ele considerados nocivos aos interesses dos tra-
balhadores. Para tanto, exigia-se que tais elementos se dispuses-
sem a permanecer livres da inluência da Igreja Romana.
Em Pelotas esse esforço traduziu-se também pela atuação ar-
ticulada da Maçonaria com a Liga Operária. Em 1912, surgiu a
proposta de criação conjunta de uma escola para os operários,
sob a orientação dos princípios laicizantes da Ordem Maçônica
e na década de 1930 as duas entidades, Maçonaria e Espiritismo,
estiveram novamente juntas na criação e manutenção do Comi-
tê Pró-liberdade de Consciência. Tal comitê dispunha-se a lutar
pelo ensino laico e por uma sociedade livre do dogmatismo im-

181
Michel Silva (Org.)

posto pela intransigência do Catolicismo, que pretendia se fazer


religião oicial do Estado brasileiro, aos moldes do Império.
Além disso, vários intelectuais maçons atuaram em meio
ao operariado pelotense e mesmo vários dos líderes desse mo-
vimento eram maçons, alguns dos quais tinham ligação com o
socialismo, com o anarquismo e mesmo com o comunismo. A
presença da entidade em meio aos operários e a posição que por
vezes assumiu diante das questões que lhes diziam respeito pode
ser percebida na seguinte notícia vinculada no jornal pelotense
Diário Popular de 04/01/1927:

Maçonaria protesta contra extradição de espanhóis: O Gran-


de Oriente realizou sessão de protesto contra a possível ex-
tradição de três espanhóis libertários, pedida pela República
da Argentina. A assistência era composta, em sua maioria,
por operários e protestou contra a extradição, resolvendo
pedir ao ministro da justiça a revisão do processo e a liberta-
ção dos presos. (apud Loner, 1999, p. 158)

Na notícia transcrita acima, ica claro não apenas o posiciona-


mento da Maçonaria em relação aos espanhóis libertários, como
também o fato de que a assistência da assembleia era constituí-
da por muitos operários, sem dúvida maçons, que protestavam
com relação à decisão da Argentina, não deixando dúvidas sobre
a presença de um bom número de trabalhadores urbanos no seio
da Ordem, como também a respeito da inluência da mesma em
meio aos operários do período em Pelotas.
Em relação ao Espiritismo, para que se possa entender a aini-
dade dessa doutrina com a Maçonaria e a sua inluência sobre os
operários pelotenses, é preciso compreender o contexto histórico
de seu surgimento na Europa na segunda metade do século XIX
e sua chegada ao Brasil. Logo a seguir é preciso ressaltar o caráter
geral do Espiritismo, enquanto doutrina que se apresenta como
ciência e ilosoia de consequências religiosas.

182
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

A Europa da segunda metade do século XIX era um conti-


nente modiicado pela Revolução Industrial na sua segunda fase.
O aumento do número de fábricas proporcionou um grande de-
senvolvimento da vida urbana, fazendo aumentar o êxodo rural
e o consequente crescimento das cidades. O desenvolvimento in-
dustrial, por sua vez, acarretou numa expansão do número de
operários e acirrou o conlito de classes, permitindo o desenvol-
vimento de doutrinas sociais nascidas alguns anos antes, como o
socialismo e o anarquismo.
Ao mesmo tempo, os avanços cientíicos e tecnológicos pro-
porcionaram o surgimento de novas doutrinas cientíicas, como
o darwinismo, como uma nova maneira de compreender o de-
senvolvimento da espécie humana.
No campo intelectual desenvolveu-se o positivismo, preconi-
zando o método experimental e a objetividade para a análise dos
diversos fenômenos, desde os meramente físicos até os sociais.
Na esfera social, enquanto a classe operária ansiava por algo
que acenasse com a possibilidade de mudança em relação ao qua-
dro de exploração sofrida, a burguesia buscava a manutenção do
status quo.
Em matéria religiosa, o surto de cientiicismo provocou um
desinteresse pelas doutrinas tradicionais, profundamente mar-
cadas pelo misticismo, numa época em que a racionalidade e a
objetividade passaram a ser endeusadas.
A Europa vivia um clima de urbanização, modernidade e de
grandes transformações e efervescência social. É neste contexto
histórico que surge o Espiritismo, profundamente marcado pelas
características centrais que assinalavam a segunda metade do sé-
culo XIX, ou seja, as ideias de evolução, de progresso, de objetivi-
dade, de cientiicidade e de transformação social.
De acordo com os preceitos formulados e apresentados por
Allan Kardec em sua obra, não haveria incompatibilidade entre
religião, ilosoia e ciência, desde que estes três ramos do saber

183
Michel Silva (Org.)

fossem apresentados através de uma forma articulada. Sendo as-


sim, de acordo com ele o Espiritismo seria ao mesmo tempo ciên-
cia e uma ilosoia de consequências morais-religiosas.
No seu aspecto cientíico, o Espiritismo trataria da relação
entre o mundo físico e o “mundo espiritual”, tendo como objeto
de estudo os fenômenos mediúnicos. Allan Kardec se esforça por
determinar uma metodologia própria para a realização de tais es-
tudos, publicando em 1862 O Livro dos Médiuns como resultado
desse esforço.
Nos aspectos ilosóico e religioso, a Doutrina Espírita pro-
cura apresentar um conjunto de ideias e princípios através dos
quais busca formular toda uma concepção acerca do universo,
do homem e da sua relação com a sociedade e com a divindade.
É justamente no seu aspecto ilosóico, principalmente no
que diz respeito aos princípios que norteiam a relação do homem
com a sociedade, que o Espiritismo se aproxima, de certa forma,
do socialismo utópico.
Ao lado de uma preocupação em limitar o trabalho, conde-
nando a exploração do fraco pelo forte, a doutrina espírita apre-
senta não apenas uma preocupação de cunho social, compatível
com a época de crescimento das camadas proletárias na qual a
sua formação está inserida, como também advoga a noção de
evolução social e histórica, preconizada pela ideia de reencarna-
ção, segundo a qual os costumes se aprimoram no decorrer do
tempo, levando a um consequente melhoramento social.
Esse posicionamento é interessante, especialmente se o ana-
lisarmos em consonância com o quadro de efervescência social
que a Europa estava atravessando em meados do século XIX, com
o crescimento das camadas proletárias. Por um lado, a doutri-
na reencarnacionista, ao propor o renascimento das almas sob
o jugo da lei do carma5, interpretada sob uma ótica conformista,
5. Segundo a Doutrina Espírita, o carma seria uma espécie de consequência daquilo
vivido em existências passadas. Assim, para os espíritas, os atos de vidas passadas
podem ter consequências na vida presente.

184
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

servia aos interesses da burguesia, na medida em que estabelece


a conformidade com as condições sociais adquiridas pelo nasci-
mento, que seriam fruto de uma lei justa e soberana, devendo ser
assim mantido o status quo social.
Por outro lado, certos intelectuais do mesmo período históri-
co, alguns de grande prestígio, como os europeus Victor Hugo6 e
Léon Denis7, viam na doutrina reencarnacionista ensinada pelo
Espiritismo uma característica revolucionária e passaram a apos-
tar na ideia de progressão dos espíritos e melhoria moral do ser
humano como forma de revolucionar a sociedade e pôr um im
a problemas sociais como a exploração e luta de classes. Denis
(1987), que também era maçom, chegou a propor que a Doutrina
Espírita complementava a ideia socialista de evolução histórica,
oferecendo a chave para a compreensão do processo na sua inti-
midade, através da noção de progresso através da reencarnação.
Portanto, a Doutrina Espírita, que se inseriu no cenário euro-
peu numa época tão marcada por grandes conlitos sociais, não
deixa de se posicionar diante deles, abordando temas como re-
lações de trabalho, divisão social, conlitos de classe e evolução
histórica, tudo segundo a ótica reencarnacionista.
Desse modo, o Espiritismo, ao mesmo tempo em que se equi-
librava em meio aos conlitos sociais tão presentes na sociedade
europeia da época de seu surgimento, atendendo, conforme a in-
terpretação dada aos seus postulados, a interesses tanto da bur-
guesia quanto do proletariado, encontrou na efervescência social
daquela época o campo fértil para se desenvolver, conquistando
adeptos tanto entre burgueses como entre proletários.
Se é certo que alguns burgueses viam nos postulados da Dou-
trina Espírita uma forma de controlar o crescente descontenta-

6. Victor Hugo (1802-1885): romancista francês de grande destaque no século XIX.


Durante o seu exílio na ilha de Jersey estudou ardentemente o Espiritismo, escreven-
do sobre o assunto uma monograia.
7. Léon Denis (1846-1927): ilósofo espírita e um dos principais continuadores da obra
de Allan Kardec na França. Teve pronunciada participação na Maçonaria Francesa.

185
Michel Silva (Org.)

mento do operariado, freando os seus anseios libertários através


do conformismo implícito na interpretação que faziam da ideia
reencarnacionista, o proletariado, por sua vez, via nos mesmos
postulados uma esperança de suavização da exploração sofrida.
O Espiritismo chegou a Pelotas em 1877, através da atuação
de dois proissionais liberais espanhóis que vieram residir na ci-
dade naquele ano, um dentista de nome José Aquilera e um ar-
quiteto, chamado Antônio Baxeras. Analisando-se os escritos do
cronista pelotense Alberto Coelho da Cunha, percebe-se a atua-
ção da Doutrina Espírita, através de grupos organizados, ainda
antes do inal do século XIX em Pelotas. Tais grupos acabaram
por se fundir e dar origem à “Sociedade União e Instrução Espí-
rita”, fundada em 1901, numa primeira tentativa de organizar um
movimento espírita coeso na cidade de Pelotas, devidamente re-
presentado. Essa liderança, numa etapa posterior, passou às mãos
da Liga Espírita Pelotense, fundada na década de 1940. É digno
de registro que entre os frequentadores e fundadores de diversas
sociedades espíritas nesse período, um bom número de pessoas
pertencia às classes populares, além, é claro, de ilustres pelotenses
da época, muitos deles maçons (Gil, 2011).
Veja-se que na década de 1920 o crescimento do Espiritismo
na cidade de Pelotas, principalmente entre populares, chamava a
atenção, como o demonstra este trecho de um dos escritos de Al-
berto Coelho da Cunha (1927) que, utilizando-se dos resultados
do censo de 1911, airma:

[...] dessa data para cá, pelo que se pode observar da con-
corrência aos centros em que se reza o ‘Pai Nosso’ e se aceita
as incorporações nos médiuns dos espíritos desencarnados,
se conclui que entre as massas populares, essa doutrina de
amor, paz e piedade, talvez brecha abrindo no ateísmo, vai
fazendo carreira vitoriosa.

Osório (1998) cita um bom número de sociedades espíritas já


na virada do século XIX para o século XX em Pelotas e Gill (2007)

186
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

chama a atenção para a importância do Espiritismo no contexto dos


tratamentos alternativos de saúde no mesmo período na cidade,
principalmente em relação a doenças crônicas, para as quais a me-
dicina convencional, na época, não tinha tratamentos satisfatórios.
Loner (1999) aponta a estrutura hierárquica menos rígida da
religião espírita, juntamente com a falta de uma estrutura clerical,
como elementos responsáveis pela difusão dessa doutrina entre
as camadas populares em Pelotas. Além disso, segundo ela, a con-
cepção de evolução das almas, presente no Espiritismo através da
doutrina da reencarnação, seria realmente um elemento de liga-
ção em relação ao darwinismo e o socialismo da época. Em face
disso, ainda segundo a autora citada, muitos militantes operários
do período que está sendo aqui estudado inclinaram-se em di-
reção a essa religião e mesmo alguns dos líderes sindicais e do
movimento operário pelotense da época em apreço iliaram-se ao
Espiritismo, como o sindicalista Guedes Coutinho.
Da mesma forma que a Maçonaria, o Espiritismo em Pelo-
tas também se preocupava com a inluência do Catolicismo na
formação educacional e social dos cidadãos pelotenses. Este foi,
provavelmente, o motivo que levou a Doutrina Espírita a partici-
par, juntamente com lojas maçônicas, da fundação do já citado
Comitê de Liberdade de Consciência, órgão que procurava mini-
mizar a inluência católica junto à sociedade e em especial junto
aos trabalhadores urbanos.
Muito embora a inluência do Espiritismo não tenha ocorri-
do num nível mais profundo junto ao operariado pelotense pro-
priamente dito, a sua presença junto aos trabalhadores urbanos
de um modo geral ica claramente demonstrada nos exemplos
acima apontados, donde se depreende que a Doutrina Espírita
atuou nesse contexto, seja através da fomentação de uma visão
conformista de mundo, atendendo aos anseios burgueses, seja
através de sua feição transformista em relação à sociedade, em
razão de sua visão evolutiva, decorrente das concepções reencar-
nacionistas que já foram antes apontadas e discutidas.

187
Michel Silva (Org.)

Considerações inais

Com a instalação do Estado Novo pelo presidente Getúlio


Vargas em 1937, tanto a atuação da Maçonaria quanto a do Es-
piritismo se retraíram em relação aos trabalhadores urbanos. O
caráter secreto dos trabalhos maçônicos e a sua atuação anterior
de combate à inluência católica junto aos operários despertam a
desconiança das autoridades estatais. Da mesma forma, os gru-
pos espíritas passaram a ser vistos como locais passíveis de abri-
gar comunistas, fomentadores de ações contra o governo ditato-
rial de Vargas, o que resultou numa retração das atividades dessas
entidades, chegando mesmo a haver casos de lojas maçônicas que
fecharam em Pelotas após o golpe de 1937.
Essa preocupação do governo, ao mesmo tempo em que
determinou uma diminuição da atuação social da Maçonaria
e do Espiritismo, prova a inluência, mesmo que indireta, des-
sas entidades sobre os trabalhadores urbanos. De outra forma,
não haveria motivos para a vinculação por parte da ditadura de
maçons e espíritas com agentes socialistas e comunistas, possíveis
criadores de desordens e fomentadores de campanhas contra a
ditadura recém implantada no país.
Portanto, muito embora essa inluência das lojas maçônicas
e dos centros espíritas em Pelotas não tenha sido determinante
na formação da classe operária pelotense e na formação de uma
ideologia entre os trabalhadores urbanos da cidade, não há como
negar que os ideários maçom e espírita estiveram presentes na
vivência social desses trabalhadores no período aqui em estudo,
senão participando diretamente da elaboração de seu modo de
vida, ao menos colaborando, através de ações educativas e de
cunho religioso, na formação de seu modo de ver o mundo e
compreender a sociedade.

188
Capítulo 9
“A democracia liberal em face das ideologias dis-
solventes”: a Maçonaria cearense frente à Aliança
Nacional Libertadora e ao Integralismo em 1935

Marcos José Diniz Silva

Nos primeiros anos da década de 1930, após a vitória do mo-


vimento liberal-tenentista sobre as oligarquias tradicionais, à me-
dida que se estabelece a necessidade de uma reorganização cons-
titucional do país, recrudesce o debate sobre os limites da relação
entre religião e política. Nesse contexto, aloram as contradições
entre, de um lado, os interesses ideológicos dos grupos liberais,
progressistas e tenentistas mais à esquerda, e, de outro lado, as
frações conservadoras das antigas oligarquias em que despontava
a atuação orgânica da intelectualidade e do clero católico.
Há um clima de “incertezas do regime” (Pandoli, 2007), do
futuro do “movimento revolucionário” de 1930 e de seu suposto
papel reconstrutor e modernizador, pesava-se também uma nova
concepção de Estado e uma deinição do caráter nacional brasi-
leiro. Diferentemente do ocorrido no inal do século XIX, quando
houve uma “questão religiosa” entre dois segmentos especíicos
(Vieira, 1980), nesse momento, o papel da religião na sociedade
passa a integrar a pauta das discussões com foros bastante privi-
legiados de questão da nacionalidade.
Religião, no Brasil, era sinônimo de cristianismo, e cristia-
nismo era sinônimo de catolicismo; muito embora a implantação
da República positivista e laica, em 1889, tenha obrigado a Igre-
ja católica a “rearmar-se” institucionalmente (Miceli, 1979) de

189
Michel Silva (Org.)

modo autônomo, a reaproximar-se das elites políticas oligárqui-


cas (Azzi, 1994) e a concorrer com as demais religiões e crenças
no espaço público (Isaia, 2006).
Desponta, aqui, um importante contexto de embates entre
setores políticos, intelectuais e religiosos em que se coniguram
dois conjuntos de valores: de um lado, grupos liberais, democra-
tas, progressistas, nacionalistas e esquerdistas em defesa de refor-
mas políticas e modernização da sociedade, num arco ideológico
que vai do liberalismo, da social-democracia e aos movimentos e
frentes de esquerda nacional-popular; de outro, setores conserva-
dores e tradicionalistas, adeptos do Estado integral e corporati-
vista, do exclusivismo religioso e das soluções autoritárias.
Dos agentes envolvidos nesses dois lancos, podem-se consi-
derar, respectivamente, os oriundos da Maçonaria e os da Igreja
católica, organizações privilegiadas pelo poder de atração, inlu-
ência e apoio das elites. A primeira por ter sido, desde o século
XVIII, núcleo fundamental de acolhimento e desenvolvimento
das ideias liberais, do livre-pensamento e das ideias modernas
(Koselleck, 1999; Ferrer-Benimeli, 2001); a segunda, por ter-se
colocado como adversária inconteste de todos os “modernismos”,
especialmente na segunda metade do século XIX.
A chegada de Getúlio Vargas à presidência da República pro-
porciona um efetivo espaço de negociação da hierarquia católica
com o governo, em direção à legitimação do novo regime, sob a
liderança do cardeal Sebastião Leme, beneiciando-se, já em 30
de abril de 1931, do Decreto que autoriza o ensino religioso nas
escolas públicas de todo o país1. Em outubro daquele ano, Getúlio

1. Esse Decreto foi solicitado pelo Ministro da Educação e Saúde Pública do Go-
verno Provisório, Francisco Campos, e depois incorporado à Constituição de 1934.
Este já militara como deputado federal, nos embates da reforma constitucional de
1926, em favor do ensino religioso. Contradizendo a tese da “educação moral e cívi-
ca como sucedâneo do ensino religioso”, defendia: “Certamente a educação moral e
cívica pode concorrer para a formação e o esclarecimento da consciência nacional.
Mas quais os fundamentos dessa educação moral, no meio da anarquia de doutrinas

190
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Vargas e seu ministério celebram, com cardeal Leme, a inaugura-


ção da estátua do Cristo Redentor, momento em que o líder cató-
lico consagra a nação brasileira “ao coração santíssimo de Jesus,
reconhecendo-o para sempre seu Rei e Senhor”.
Passados mais de quarenta anos de República sob os preceitos
laicos da Constituição de 1891, reairmados na Reforma Consti-
tucional de 1926, mesmo com a acirrada campanha de oposição
do grupo católico, o debate sobre o papel e o lugar da religião na
sociedade brasileira tornou-se mais plural.
No Ceará, as análises históricas e sociológicas postas até o
momento, que se debruçam sobre essa conjuntura, a têm visto
restritamente como um campo que estaria polarizado entre for-
ças religiosas e conservadoras, capitaneadas pela Igreja Católica
e suas organizações civis versus forças progressistas-materialistas
de esquerda, especialmente comunista (Miranda, 1987; Monte-
negro, 1989; 1989a).
Entretanto, para além da relexão sobre o movimento de re-
catolização da sociedade brasileira, por meio da Ação Católica,
dentro e fora do Estado, deve-se sublinhar a atuação das correntes
liberais, socialistas e espiritualistas de matriz alternativa – como
os adeptos da Maçonaria, espiritismo, teosoia – movidas por
simpatias e aversões tanto ao catolicismo quanto ao comunismo,
e que lutaram pela preservação dos estatutos laicos da primeira
Constituição republicana e pela preservação do regime liberal.
A aproximação crescente da hierarquia católica junto ao “go-
verno revolucionário” de Getúlio Vargas, e sua militância em prol
da reformulação do art. 72 da Constituição de 1891 ainda em vigor,
foi, sem dúvida, marcante no acirramento do debate sobre o laicis-

contemporâneas e na desorientação geral das inteligências, sem pontos de mira ou


de referência por que orientar-se ou dirigir-se só a religião pode oferecer ao espírito
pontos de apoio e motivos e quadros de ação moral regulada e eiciente. [...] O de que
precisamos, se precisamos de educação moral, como não se contesta, é de educação
religiosa” (apud Horta, 2005, p. 148).

191
Michel Silva (Org.)

mo da Republica brasileira. Assim, logo no primeiro semestre do


referido governo, é assinado o Decreto nº 19.941, de 30 de abril de
1931, autoriza o ensino religioso facultativo nas escolas públicas.
Esse Decreto foi solicitado pelo Ministro da Educação e Saú-
de Pública do Governo Provisório, Francisco Campos, e depois
incorporado à Constituição de 1934. Anteriormente, Campos ha-
via militado em favor do ensino religioso, como deputado federal,
nos embates da Reforma Constitucional de 1926. Contrapondo-
-se à tese da “educação moral e cívica como sucedâneo do ensino
religioso”, das correntes laicistas, airmava:

Certamente a educação moral e cívica pode concorrer para


a formação e o esclarecimento da consciência nacional. Mas
quais os fundamentos dessa educação moral, no meio da
anarquia de doutrinas contemporâneas e na desorientação
geral das inteligências, sem pontos de mira ou de referência
por que orientar-se ou dirigir-se só a religião pode oferecer
ao espírito pontos de apoio e motivos e quadros de ação mo-
ral regulada e eiciente. [...] O de que precisamos, se precisa-
mos de educação moral, como não se contesta, é de educa-
ção religiosa. (apud Horta, 2005, p. 148)

Em resposta imediata a esse decreto, organizou-se, em 17 de


maio de 1931, no Rio de Janeiro, a Coligação Nacional Pró-Esta-
do Leigo, sob a direção do almirante Artur hompson.
No Ceará, a notícia dessa iniciativa repercute na imprensa. O
jornal A Razão, em sua “Coluna Religiosa”, estampa artigo “Coli-
gação Nacional Pró-Estado Leigo”2, de autoria do pastor presbite-
riano Natanael Cortez (Delegado da Coligação), divulgando sua
criação, objetivos e esclarecendo o que entendia como “o proble-
ma religioso no Brasil”, já apresentado em diversos outros escritos
na imprensa local.
2. Coligação Nacional Pró-Estado Leigo. A Razão. Fortaleza/CE, 22 out. 1931. Entre
1929 e 1931, A Razão será um “Jornal independente, político e noticioso”. Entre 1936
e 1937, A Razão será “órgão Integralista”.

192
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Em novembro, o jornal comunica a futura instalação da seção


cearense da Liga, acrescentando, comprometidamente, que:

Trata-se da arregimentação dos homens libertos, católicos


ou protestantes – de qualquer credo religioso ou sem ele –
e de qualquer cor política ou sem ela também contrários
à oicialização de ensino religioso nas escolas públicas [...]
pleitearão o respeito aos dispositivos do Art. 72 da Consti-
tuição de 91, referentes à separação da Igreja e do Estado e
ao laicismo do ensino nas escolas públicas.3

Também o jornal O Povo daria ampla divulgação à instalação


da Liga Cearense Pró-Estado Leigo – vinculada à Coligação Na-
cional Pró-Estado Leigo – “em prol dos sagrados princípios de
liberdade e justiça no que respeita à laicidade do ensino público e
à separação completa entre o Temporal e o Espiritual no Brasil”4.
Segundo esse periódico, de propriedade do maçom Demócrito
Rocha, seriam ouvidos vários oradores que apreciariam

[...] o problema sócioreligioso no Brasil em face do art. 72


da Magna Carta de 1891, fundamentando a campanha pró-
-Estado leigo sustentada hoje por uma forte plêiade de re-
presentantes ilustres de mais de 20 correntes religiosas, ilo-
sóicas e sociais, inclusive católicos romanos e protestantes.5

Portanto, insistindo na “separação completa entre o Tempo-


ral e o Espiritual”, não apenas se congregavam os elementos con-

3. Liga Cearense Pró-Estado Leigo. A Razão. Fortaleza-CE, 14 nov. 1931.


4. Liga Cearense Pró-Estado Leigo. O Povo. Fortaleza-CE, 23 dez. 1931.
5. Idem. A “Comissão Executiva” da Liga, segundo o mesmo jornal, era assim for-
mada: “Dr. Álvaro Fernandes, presidente [maçom, ex-venerável da Loja Igualdade];
Dr. João Marinho de Andrade, 1º vice; senhorita Rachel de Queiroz [então, mili-
tante comunista], 2º vice; prof. Natanael Cortez [pastor presbiteriano], secretário
geral; cap. José Rodrigues da Silva [maçom], 1ºsecretario; Dr. Cândido Meireles
[maçom, liderança espírita], 2º dito; Antonio Ferreira Braga, 1º tesoureiro; Otávio
Ferreira, 2º dito”.

193
Michel Silva (Org.)

trários à investida do clero católico na estrutura jurídica e política


do Estado, como também elementos da esquerda, das correntes
“sociais”, que eram contrários mesmo à religião, e que contribuí-
am para robustecer o movimento.
Embora conquistando espaços cada vez mais signiicativos,
os católicos preparam-se para a batalha das eleições constituin-
tes de 1933. Num momento de intensa polarização ideológica,
em que as forças liberais, progressistas e de esquerda formavam
frentes contra a expansão do reacionarismo nazifascista na Eu-
ropa e do Integralismo no Brasil; alinha-se a Igreja católica às
tendências direitistas em nome da ordem, a favor do Estado cor-
porativista e em condenação ao socialismo, ao comunismo e à
liberal-democracia.
Não era ausente, no seio da intelligentzia leiga, o desejo de
fundação de um partido católico; todavia, a hierarquia eclesiástica
optou por concentrar sua força política na Liga Eleitoral Católica
(LEC) – organização semipartidária fundada em ins de 1932, sob
a orientação pessoal de Dom Sebastião Leme. A LEC “Estava or-
ganizada em juntas, sendo a nacional localizada no Rio de Janeiro,
as estaduais nos diversos Estados, as regionais na sede de cada bis-
pado e as locais em cada paróquia” (Miranda, 1987, p. 71). Tinha
uma dupla tarefa, segundo Amoroso Lima (1936, p. 111):

1º - despertar os católicos da indiferença em que viviam,


em face dos problemas políticos e; 2º - obter dos partidos e
candidatos indiferentes ou hesitantes, em matéria de orien-
tação social superior (problemas de família, educação, re-
ligião) compromissos formais de votarem com a doutrina
social católica [...].

Desse modo, nos anos seguintes, com as disputas eleitorais de


1933 (Constituinte Federal), de 1934 (Constituinte Estadual) e de
1935 (Governador do Estado), dera-se uma polarização entre anti-
gos partidos políticos cearenses e as “novas forças políticas”. As fac-

194
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ções conservadoras alinham-se em torno da Liga Eleitoral Católica


(LEC) e as novas facções, adeptas do ideário da Revolução de 30,
fundam o Partido Social Democrático (PSD)6. Nesses embates, a
questão religiosa, antes centrada no laicismo, terá como motivação
central a política partidária, em virtude, sobretudo, das pretensões
eleitorais dos novos segmentos políticos. A polêmica passa a girar,
de um lado, em torno da participação direta de sacerdotes católicos
na propaganda política e arregimentação de eleitores e, de outro
lado, na presença, conirmada ou presumida, de “maçons, espíritas
e ateus” nas chapas eleitorais de ambos os grupos.
Uma demonstração dessa nova orientação pode ser vista no
editorial do O Povo, às vésperas das eleições de 1934, onde o par-
tido faz apelo aos “católicos de boa-fé”, airmando que o “PSD é
tão amigo da Igreja quanto qualquer outro partido que o seja”. Ex-
plicita trechos de seu programa para a questão religiosa, ainados
com o programa lecista, e a obrigatoriedade de, apesar de suas
opções religiosas e ilosóicas particulares, cumprirem as deter-
minações partidárias. E, inaliza o editorialista:

Se a Liga Eleitoral Católica, que diz não ser um partido, in-


clui em sua chapa vários maçons, um espírita e pessoas até
agora alheias ou indiferentes ao catolicismo (mesmo com
prejuízos de expoentes puramente lecistas) os eleitores cató-

6. “No Norte, cabe a Juarez Távora e aos interventores a tarefa de mobilização das
forças revolucionárias, para organização de partidos políticos integrados nos prin-
cípios de defesa do movimento de 30. [...] A ‘Revolução de 30’, no Ceará, desarticula
os antigos partidos locais, sendo os mais expressivos eleitoralmente, O Democrata
e o Conservador, que são representativos das oligarquias fundiárias. [...] A tarefa
de organização do PSD (Partido Social Democrático) cabe aos revolucionários cea-
renses. Diferentemente da posição assumida pelos interventores Nortistas, Carneiro
de Mendonça mantém-se alheio à arregimentação política que está ocorrendo no
Estado. [...] É assim que o ‘apoliticismo’ de Carneiro de Mendonça faz com que os
elementos civis da ‘Revolução’ liderados pelo Grupo Tavorista e os Tenentes do Colé-
gio Militar e 23º BC de Fortaleza, articulem a fundação do PSD cearense, nos moldes
de seus congêneres nortistas” (Sousa, 1989, p. 320-321).

195
Michel Silva (Org.)

licos estão inteiramente à vontade para votar nos candidatos


de sua preferência, dentro da chapa do P. S. D. ou em toda
a chapa, porque o P. S. D além de defender as reivindicações
religiosas, prestigia a causa revolucionária e apoia o governo
que tão grandes benefícios fez ao Ceará e a todo o Nordeste.
Votar, pois, nas chapas completas do P. S. D (a federal e a es-
tadual) é um ato que visa servir à causa da Igreja, à causa da
Revolução e à causa do Ceará. (Grifo nosso) 7

Essa airmativa de que votar no PSD era o mesmo que “servir


à causa da Igreja” pode levar à conclusão de que esse grupo po-
lítico formado por oligarquias dissidentes, liberais, progressistas
e tenentistas abjurara os princípios que moveram, por exemplo,
na Liga Pró-Estado Leigo – no primeiro ano da “revolução” –
aderindo à bandeira da “unidade da fé” em nome da “religião da
maioria do povo brasileiro”.
Realmente ocorreram concessões, mas em parte, porque não
faltaram manifestações de setores políticos de orientação maçô-
nica contra alianças ou aproximações políticas de alguns de seus
membros com o programa lecista. “Vale a pena lembrar”, ressalta
Miranda (1987, p. 93),

[...] que somente no Ceará é que a Liga Eleitoral Católica


registra diretamente seus candidatos, como um partido polí-
tico. Isso ocorre, principalmente ante a impossibilidade dos
dirigentes da LEC aceitarem a proposta da chapa do PSD.
O partido tenentista queria apontar 7 dos 10 nomes que in-
tegrariam a bancada cearense, icando a LEC, o clube 3 de
outubro e a AIB, com o direito de apresentar 1 candidato
cada. Consciente da sua força, face ao intenso trabalho de
propaganda e organização, a Liga rejeita a proposta do PSD e
apresenta 6 nomes, todos eleitos na primeira apuração.

7. Aos católicos de boa fé. O Povo. Fortaleza-CE, 1 out. 1934.

196
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

O jornal A Rua – órgão de propaganda dos adeptos do Parti-


do Socialista Brasileiro –, em extensa matéria de propaganda do
crescimento das lojas maçônicas no Ceará, destaca a conveniente
liderança da Grande Loja estadual: “Em um momento em que pe-
rigam as conquistas liberais em nossa pátria, vai a Grande Loja do
Ceará, iel à inalidade histórica da Maçonaria, congregando sob
sua bandeira os homens livres do Ceará”8. E lamenta o resultado
das eleições cearenses à Constituinte:

Um triste exemplo [do “Ceará livre”] de ser o único Estado


em que toda a representação está de acordo com as pretensões
dos elementos retrógrados, que desejam ver-nos voltar aos
saudosos tempos da Idade Média. Dos dez deputados que o
Ceará mandou à Constituinte nem um só se oporá às preten-
sões dos que querem arrancar da futura Constituição os dis-
positivos liberais que faziam da Constituição de 91 o orgulho
dos brasileiros [...] Por convicções religiosas uns, por interes-
ses políticos outros, [...] estão todos ao lado dos que desejam
o cerceamento da liberdade de pensamento dos brasileiros.9

Nessa perspectiva, caberia à Maçonaria o papel precípuo –


“inalidade histórica” – de defender os “dispositivos liberais” do
nosso constitucionalismo contra as “pretensões dos elementos
retrógrados” clericais católicos, “saudosos” da “Idade Média”.
Acessando o imaginário das Luzes e das revoluções liberais,
que destronaram o “obscurantismo” e a “tirania”, esses maçons
que divergiam de “irmãos” locais clamavam: “É preciso mos-
trar ao resto do País que o Ceará não é reduto de fanáticos,
incapazes de viver ao Sol da Liberdade [...] disposto a auxiliar
seus irmãos de outros Estados na defesa das liberdades con-
quistadas por seus antepassados”10.
8. A Grande Loja do Ceará, prosseguindo em seu programa, funda mais duas lojas
no interior do estado. A Rua. Fortaleza/CE, 3 fev. 1934.
9. Idem.
10. Idem.

197
Michel Silva (Org.)

Quadro I. Lojas Adesas à Grande Loja do Estado do


Ceará (1928-1937)
Loja Fundação Localização
Deus e Camocim 07/07/1920 Camocim
Porangaba Nº 2 16/04/1905 Fortaleza
Fortaleza Nº3 07/02/1928 Fortaleza
Deus e Fraternidade Nº4 19/10/1929 Fortaleza
Deus e Acaraú 25/06/1932 Acaraú
Deus e Baturité 15/11/1933 Baturité
Nova Cruzada do Norte Nº7 03/08/1930 Fortaleza
Deus e Universo Nº8 03/12/1933 Quixadá
Deus e Caridade Nº9 26/12/1934 Senador Pompeu
Deus e Liberdade Nº10 24/01/1934 Iguatu
Deus e Justiça Nº11 24/01/1934 Cedro
Liberdade V Nº12 14/11/1934 Fortaleza
Deus e Fraternidade Sobralense 9/7/1936 Sobral
Deus e Harmonia Nº13 28/08/1936 Mossoró/RN
Deus e Humanidade Nº14 02/09/1936 Juazeiro do Norte
Deus e Maranguape Nº15 23/09/1936 Maranguape
Fraternidade Jaguaribana Nº16 16/01/1937 Russas
Liberdade Barbalhense Nº17 07/04/1937 Barbalha
(*) Data da emissão de “Carta Constitutiva” (Autorização para funcionamento
emitida por uma Potência maçônica)

Nas disputas eleitorais, as diferentes denominações religiosas


dos candidatos passam a ser objeto circunscrito de intriga eleito-
ral, substituindo um debate programático de interesse nacional.
Após o PSD praticamente igualar-se “religiosamente” à LEC, em
sua propaganda no jornal O Povo, o partido entabula uma polê-
mica com o jornal O Nordeste sobre a presença de “ateus, maçons
e espíritas” na chapa da LEC. Porém, ao ser convocado pelos le-

198
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

cistas d’O Nordeste a declinar os nomes daqueles, o jornal pesse-


dista se esquiva, alimentando mais um pouco a intriga eleitoral:

São eles tão conhecidos, até mesmo pelo eleitorado católi-


co, que nos dispensamos da antipática tarefa de apontá-los.
São os próprios lecistas que referem essa verdadeira circuns-
tância, ou, antes, essa transigência dos comandantes da Liga
com os elementos que ela vive a combater. [...] Devemos
adiantar que o fato de serem ateus, maçons, espíritas ou bu-
distas os candidatos não os diminui moral e civicamente.
E acreditamos que eles, obrigados pelos objetivos da Liga
Católica, podem ser tão bons defensores de seus postulados
como qualquer católico sincero.11

Nos dias seguintes, o matutino de Demócrito Rocha traria


mais duas matérias com o mesmo título, tentando capitalizar
apoio eleitoral ao PSD, atacando um ponto vulnerável da LEC.
Em outra frente, o jornal pessedista denuncia a “a ação violenta
dos padres políticos”, a “opressão espiritual” exercida pelos vigá-
rios, “a politicagem da LEC”, dentre outras, recorrendo à relexão
sobre os limites religiosos da ação dos sacerdotes. Nesses termos,
embora com apelos e manipulação de pertenças religiosas de po-
líticos não católicos, esse embate LEC/PSD, como ressalta Miran-
da (1987), se constituíra mais numa disputa política local entre
os dois grupos, do que uma marcada divisão decorrente de diver-
gências religiosas. Esse fato se comprova pelo apoio da bancada
do PSD cearense nas votações da maioria das propostas católicas
na Constituinte.
O arrefecimento do debate jurídico sobre o laicismo consti-
tucional, no Brasil, após a promulgação da Constituição de 1934,
causa e consequência do status político hegemônico da Igreja ca-
tólica junto ao Estado varguista, também pode ser explicado pelo
avanço da propaganda comunista declaradamente materialista-
-ateísta, como lembra Miceli (1979, p. 57):
11. Ateus, maçons e espíritas. O Povo. Fortaleza/CE, 3 out. 1934.

199
Michel Silva (Org.)

Valendo-se de formas organizacionais de inspiração corpo-


rativa e alardeando um programa de “reformas” que leva-
vam em conta os interesses de grupos sociais diferentes da
oligarquia do antigo regime, as organizações políticas ‘ra-
dicais’ (Ação Integralista Brasileira, o circuito das institui-
ções patrocinadas pela Igreja Católica, etc.) que passaram a
concorrer na arena política entre 1930 e 1937, conseguiram
atrair um número relativamente elevado de antigos quadros
políticos e intelectuais egressos dos partidos republicanos
do antigo regime cujas carreiras haviam sido truncadas mo-
mentaneamente pela derrota da oligarquia.

Assim, também se desenvolvia entre os elementos liberais


de orientação espiritualista, rejeitados pela hierarquia católica, a
exemplo dos maçons e espíritas, a política de defesa radical dos
postulados da liberdade e igualdade religiosas num Estado laico,
mas também de combate declarado ao “comunismo ateísta”.
Portanto, as disputas entre adeptos da Ação Integralista Bra-
sileira e da Aliança Nacional Libertadora mobilizaram grandes
contingentes, polarizando a sociedade de tal modo que atingiria
também o campo religioso. Se os integralistas apontavam para a
perspectiva espiritualista tradicional num Estado-integral, com
a clara ainidade e apoio do contingente católico; o movimento
político-ideológico aliancista agregava taticamente adeptos de di-
versas religiões, incluindo os adeptos do espiritualismo moderno
(maçons, espíritas, teosoistas, etc), como também elementos de
esquerda, adeptos do materialismo-histórico.
Congregando comunistas, socialistas, liberais, democratas,
livres-pensadores, os adeptos da ANL aludiam a reformas num
Estado-democrático, mas também nacional-popular, pois sua
orientação fundamental tinha por base a política de mobilização
de massas da Internacional Comunista, sob a liderança brasileira
de Luís Carlos Prestes.
Convém lembrar que, na bibliograia sobre a ANL, embora se
reconheça a participação de partidos políticos, sindicatos e diver-

200
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

sas organizações culturais, feministas, estudantis, proissionais


liberais e militares, tem-se restringido sua análise ao papel hege-
mônico dos comunistas e dos tenentes – mesmo considerando a
presença do “tenentismo” civil; não se teve, portanto, até o mo-
mento, estudos sobre os demais grupos da sociedade civil parti-
cipantes dessa que é considerada “a maior organização de massas
que o país já teve” (Vianna, 2007, p. 82).
A política de alianças daquele mundo polarizado ideologica-
mente ica patente também na relação entre catolicismo e inte-
gralismo. Amoroso Lima (1936, p. 200, grifo do autor), avaliando
o caráter “espiritualista” do Integralismo e sua conveniência ao
catolicismo naquelas lutas, conclui que:

Embora falso e perigoso em princípio, esse liberalismo reli-


gioso pode ser perfeitamente defensável, como movimento
de aliança temporária contra males mais graves e iminentes.
É o próprio Pio XI que, no caso particular da cruzada contra
os sem-Deus, apela para todos aqueles que tenham conser-
vado ou renovado em sua inteligência e em seu coração, não
o Deus abstrato dos ilósofos, mas o deus vivo da Revelação
Judaico-Cristã.

Ao menos até as quarteladas comunistas de novembro de


1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, muitos liberais, socialis-
tas, livres-pensadores e parcela dos maçons acreditaram na eicá-
cia de uma grande frente progressista (ANL) contra o avanço do
fascismo (AIB) no Brasil. Segundo Silva (1969, p. 173):

O movimento aliancista propagava-se por todo o País. O Ce-


ará fora o berço do integralismo [leia-se: Legião Cearense
do Trabalho (1931-1937)]. Era natural que a frente ampla
contra o fascismo procurasse contrapor a ANL ao movimen-
to dos camisas-verdes. No dia 25 de maio, no heatro José
de Alencar, em sessão solene com grande comparecimento,
instalou-se o núcleo da ANL.

201
Michel Silva (Org.)

Na seção cearense da ANL, muitos maçons engajaram-se ati-


vamente, como se pode depreender dos nomes em destaque dos
componentes de seu Diretório: José Edésio de Albuquerque, Cor-
nélio Diógenes, Josafá Linhares, Lincoln Aguiar, Teóilo Cordei-
ro, João Abreu do Nascimento, Euclides Aires, Milton Mamede,
Ernesto Pouchain, Torquatro Porto, João Bezerra, Manoel Isidro,
Vicente Carvalho Brito, Paulo Botelho e Américo Picanço12.
Ante o avanço do fascismo no Brasil, e com ele a hegemonia
do catolicismo, restava a esses elementos a alternativa da “frente
ampla” para a defesa do que consideravam as liberdades demo-
cráticas; talvez aí contemplando o perigo do retorno da religião
oicial, num Estado ditatorial e confessional, haja vista as alianças
recém-estabelecidas entre Mussolini e a Santa Sé.
O jornal O Povo dá amplo espaço à difusão da propaganda
aliancista, estampando em primeira página: “cerca de dez mil
pessoas assistem sua instalação” no heatro José de Alencar. Em
seu discurso, o orador capitão Walter Pompeu esclarece:

Somos uma aliança de caráter nacionalista, e queremos pug-


nar tenazmente, mas elevadamente, pelos nossos ideais e
pelo nosso programa, que representa uma média das aspi-
rações generalizadas das massas brasileiras. Realizando esse
programa da grande massa, cada qual, cada um dos membros
da Aliança, terá a liberdade de pugnar pelo regime político de
sua predileção: o socialista, o comunista, o social-democrata,
o liberal se esforçarão, respectivamente, pela organização do
estado segundo os princípios a que derem preferência. Somos
uma aliança que se bate por uma média de aspirações co-

12. Ribeiro (1989, p. 126) informa que: “Segundo informações prestadas por um mi-
litante comunista, que pede para não ser identiicado, a diretoria da ANL no Ceará
era toda formada por maçons, informação que ainda não pode ser checada”. Após
detalhada pesquisa em documentação maçônica, pude constatar os nomes grifados
como conirmadamente maçons.

202
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

muns e não nos impulsiona fanatismo algum por determina-


da forma de organização política ou religiosa.13 (Grifo nosso)

Apesar das observações quanto à escolha de “regime político”


e ao “fanatismo”, os desdobramentos desse movimento levaram à
airmação hegemônica da perspectiva comunista, e sua repressão,
ocasionando-lhe o afastamento da militância liberal-democrata,
maçônica, livre-pensadora, laica e espiritualista.
Na perspectiva desses setores, a Aliança Nacional Libertado-
ra passava a representar um exemplar do extremismo comunista,
tão prejudicial ao país quanto o extremismo integralista. É nesse
sentido que o jornal A Rua, dirigido pelo maçom Paes de Castro,
protagoniza irme oposição à ANL, denunciando sua orientação
comunista; muito embora o periódico houvesse noticiado com
garbo a fundação da ANL, como segue:

A Instalação da Aliança Nacional Libertadora. Incomputável


número de pessoas aclamou, no Teatro José de Alencar, os lí-
deres do novo movimento no Ceará [...] Ao ato compareceu
incomputável número de pessoas, que enchiam literalmente
todos os lugares do Teatro, fazendo-se notar, em seu meio,
numerosas famílias conterrâneas, às quais icaram reserva-
das as frisas e camarotes.14

Apenas dois meses depois passam à denúncia do comunismo


dos aliancistas. A pergunta era: “Aliancismo ou comunismo?”15 E,
respondendo: “Está em franco desenvolvimento, e vai ganhando
certo terreno, de preferência no seio dos incautos, o movimento
da Aliança Nacional Libertadora”16.

13. Aliança Nacional Libertadora. Cerca de dez mil pessoas assistem a sua instalação,
no heatro José de Alencar. O Povo. Fortaleza/CE, 23 maio 1935.
14. A instalação da Aliança Nacional Libertadora. A Rua. Fortaleza/CE, 24 maio
1935, (Grifo do autor).
15. Aliancismo ou comunismo? A Rua. Fortaleza/CE, 7 jul. 1935.
16. Idem.

203
Michel Silva (Org.)

Chamando a atenção para os “disfarces” que seus orientado-


res querem lhe emprestar, A Rua questiona se Luiz Carlos Prestes
abjurara “suas antigas ideias reconhecidamente comunistas”. E,
após criticar aspectos do programa econômico da ANL, o jor-
nal aconselha: “Aliás, essa gente do PSD, que tanto corteja a nova
cruzada de Carlos Prestes deveria deinir-se com clareza: icar na
democracia ou tomar resolutamente os seu afagados rumos co-
munistas [...]”17.
E prosseguem, nos meses seguintes, o combate ao aliancismo:

A todos aqueles que não quiserem abdicar de suas liberda-


des individuais, os que não desejarem ser escravizados a pior
das ditaduras, que é a tirania soviética, recomendamos cerra
ileiras contra os que se embuçam na sombra para dar com-
bate à liberal democracia. [...] Dentro da liberal democracia
podemos realizar as nossas conquistas sociais...18

Articulava-se, no seio da Maçonaria, inclusive com o apoio


oicial da Grande Loja do Ceará19, através de seu jornal Democra-
cia, amplo movimento de combate às duas orientações ideológi-
cas “dissolventes”, que atraíram diversos maçons comprometidos
com o combate ao fascismo.
Com o acirramento da repressão, tornou-se mais comum,
nos meios espírita e maçônico, a negativa aos “extremismos” in-

17. Idem.
18. Aliancistas, não – comunistas, sim. A Rua. Fortaleza/CE, 11 jul. 1935. Dias de-
pois o referido jornal fazia sua proissão de fé liberal contra os “dois extremismos: o
da esquerda e o da direita. Encontra-se resolutamente no centro, na defesa da liberal
democracia [...]. Essa a nossa diretriz em face do comunismo e do Integralismo” (A
democracia liberal em face da atuação de ideologias dissolventes. A Rua. Fortaleza-CE,
13 jul. 1935).
19. Também a outra potência maçônica, o Grande Oriente do Brasil (GOB), havia
emitido circular, em 1934, proibindo os maçons sob sua jurisdição de participarem
da ação integralista brasileira e do Partido comunista do Brasil (Cf. Morel; Souza,
2008, p. 211).

204
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

tegralista e comunista. Em julho desse mesmo ano, após o decre-


to de fechamento da ANL em todo o país, o próprio jornalista
Demócrito Rocha denuncia que esta decisão serviu, nos estados,
para a perseguição das oposições locais, caso “eloquente” do Cea-
rá, sob o governo Menezes Pimentel. Para o jornalista, “a polícia,
tanto quanto desejou, investiu contra cidadãos pertencentes ao
P.S.D. Ora, o PSD é um partido de centro [...]. Não há, em suas
reivindicações, um só postulado comunista”20.
O diário católico prossegue nas acusações de envolvimento
da Maçonaria com o comunismo, também em nível mundial.
Quando se deu, na Espanha, o apoio da Maçonaria à Repúbli-
ca da Frente Popular (liberais e esquerdistas) e sua atuação na
guerra civil (1936-1939), oportunizou-se o reforço do argumento
católico e conservador sobre uma aliança maçônico-comunista.
Reproduzindo noticiários de Portugal, França e Espanha, ou em
editoriais, O Nordeste veiculava matérias intituladas: “A Maçona-
ria francesa dá diretrizes aos comunistas espanhóis”, “Maçonaria
e comunismo aliados na Espanha contra Deus e Pátria [...]”, “A
Maçonaria aliada do Marxismo”21.
Nos meios maçônicos davam-se movimentações para anular
qualquer vínculo com os “extremismos” de “novembro” de 1935.
Assim, o jornal O Povo reproduz moção do “Conselho Geral da
Ordem”, presidido pelo General Moreira Guimarães, Grão-Mes-
tre do GOB, e publicada em jornal maçônico do Rio de Janeiro,
ainda em dezembro de 1935:

Não é nenhum partido político o Grande Oriente do Brasil.


Não se conserva, porém, de braços cruzados, em face dos
grandes interesses nacionais. Desta sorte, em toda a história
da Pátria sempre se revelou solidário com os defensores da
liberdade, do direito, da justiça, guardando o maior respei-
to às convicções políticas e religiosas [...]. Está, portanto, à

20. Governo extremista. O Povo. Fortaleza/CE, 26 jul. 1935.


21. O Nordeste. Fortaleza/CE, 29 set. 1936; 10 out. 1936; 9 dez. 1936, respectivamente.

205
Michel Silva (Org.)

vontade, protestando contra a violência dos perturbadores


da ordem aqui no Distrito Federal e ali no Rio Grande do
Norte, como no Estado de Pernambuco [...] tristíssima de-
sordem que encontrou veemente repulsa em todos os cora-
ções bem formados [...].22

Quadro II. Lojas Maçônicas do Ceará sob Jurisdição do Grande


Oriente do Brasil – GOB até 1927
Loja Fundação Desativação Localização
Fraternidade
05/10/1859 1916 Fortaleza
Cearense
Igualdade 27/06/1882 - Fortaleza
Caridade III 1882 1896 Fortaleza
Liberdade IV 27/05/1901 - Fortaleza
Lealdade II 1901 1910 Maranguape
Amor e Caridade III 1905 1906 Fortaleza
Porangaba 13/02/1905 - Fortaleza
Deus e Baturité 1905 1911 Baturité
Deus, Pátria e Liber- Senador Pom-
1905 1910
dade peu
Liberdade II 1906 - Maranguape
Ordem e Justiça 01/02/1918 1926 Quixadá
Caridade e Justiça* 1916 - Quixadá
Deus e Camocim 01/03/1921 - Camocim
(*) Há indícios documentais do funcionamento desta Loja até o ano de 1925, fato
que não nos autoriza a considerá-la extinta a partir dessa data (Cf. Silva, 2000, p. 49)

Em agosto de 1937, parte da Maçonaria local, obediente ao


Grande Oriente do Brasil, segue o exemplo dos irmãos da Grande
Loja e organiza o Grande Oriente Estadual do Ceará. No mesmo

22. A Maçonaria e os acontecimentos de novembro. O Povo. Fortaleza/CE, 17 jan.


1936.

206
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

mês, a Grande Loja do Ceará lança seu órgão oicial, o jornal De-
mocracia. Nele, os maçons defendem-se dos ataques dos adversá-
rios, sobretudo clericais, e alertam para os perigos do integralis-
mo e do comunismo.
Já em seu primeiro número mostram sua posição naquele
contexto polarizado:

A Maçonaria é uma instituição que tem como im precípuo


fazer o bem. Combate ao extremismo de qualquer das alas,
quer desfralde a bandeira rubra quer mistiique seus intui-
tos destruidores sob o manto dúbio da camisa verde. Acata o
princípio religioso de todas as seitas que tenham como inali-
dade o temor e a veneração a Deus, a quem cultua sob a invo-
cação sublime de Grande Arquiteto do Universo. Tem como
patronos espirituais os mais venerados Santos da Igreja.23

Diante das pressões dos integralistas, dos grupos católicos


e da política sinuosa de Vargas, só restava aos pedreiros-livres a
união de forças. Assim, nos festejos cívicos de 7 de setembro, no
salão da Loja Igualdade, os Grãos-Mestres José Mateus Gomes
Coutinho (Grande Loja) e José Ramos Torres de Melo (Grande
Oriente Estadual) assinam “convênio”, selando amizade e cola-
boração entre as duas potências maçônicas. E faziam questão de
tornar explícita a união em seu órgão oicial:

Não podia fugir às normas estabelecidas a Maçonaria cea-


rense, por isso que, nestes dias dos seus maiores triunfos,
com a aquisição dos mais lídimos representantes da Socieda-
de, no que tem ela de mais nobre e representativo nas forças
armadas, nos poderes judiciário e legislativo, na indústria,
na agricultura, no comércio e em todos os demais setores
da atividade humana há ela, a grande pioneira do bem [...] E
cresceu e avolumou-se o seu entusiasmo quando a mão oni-
potente do Grande Arquiteto do Universo, sempre pródiga

23. A Maçonaria e seus pequenos inimigos. Democracia. Fortaleza/CE, 22 ago. 1937.

207
Michel Silva (Org.)

em distribuir ricas benesses, trouxe a paz e a harmonia de há


muito suspiradas, aos dois Grandes Orientes que aqui fun-
cionam [...] E agora coesos e fortes, sentimo-nos plenamente
aparelhados, para combater com a força invencível da inte-
ligência e da sabedoria, todas as investidas e todas as agres-
sões injustas dos inimigos gratuitos da grande benemérita da
humanidade a sublime Instituição [...] Esteio forte que tem
sido ela no sustentáculo das autoridades legalmente consti-
tuídas, não fugirá ao dever indeclinável de pugnar pela Liberal
Democracia – única forma de governo que convém ao Brasil
ainda em formação.24 (Grifo nosso)

Em discurso que se tornaria recorrente, nos números seguin-


tes, embora já desenvolvido antes em outros órgãos da impren-
sa local, os maçons condenam o integralismo e o comunismo,
colocam-se como defensores das liberdades democráticas contra
as ditaduras e a intolerância.
No aspecto religioso, especialmente realçado pelos adversá-
rios católicos, reairmam seu teísmo, sua tolerância aos diversos
credos e sua admiração aos “mais venerados” santos da Igreja25.
É curioso, mas indicativo do clima tenso vivido na Maçonaria, o
fato de terem praticamente oicializado os nomes das lojas maçô-
nicas fundadas pela Grande Loja do Ceará, na década de 1930,
iniciando “com o distintivo DEUS para que a Igreja amenizasse
a impressão negativa que tinha da maçonaria como propagado-
ra em potencial do ateísmo” (Magalhães, 2008, p. 66). Ainda, se-
gundo o autor, também o Grande Oriente teria “trabalhado com

24. Gloria in excelsis Deo. Democracia. Fortaleza/CE, 12 set. 1937.


25. Note-se, todavia, que ainda se mantinha forte a pertença maçônico-teosóica e
maçônico-espírita de muitos desses agentes, caso exemplar aqui o do citado Grão-
Mestre da Grande Loja, José Mateus Coutinho, que também era membro da diretoria
da Federação Espírita Cearense (Cf. Klein Filho, 2000, p. 99; Silva, 2009).

208
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

mesma intenção”, ao instalar as lojas “Deus e Camocim” (1920) e


“Deus e Amor” (Crato, – 1934)26.
Contudo, defender liberdades democráticas naquele momen-
to parecia remar contra a maré. Não era situação muito cômoda
ser antifascista e anticomunista27. Assim, a 22 de outubro daquele
mesmo ano, o governo decretaria o fechamento de todas as lojas
maçônicas e centros espíritas do país.

26. Estabelecer comparativo de nomes de lojas entre os Quadros I e II, deste estudo.
Essa parece ter sido uma originalidade da Maçonaria cearense, pois, observando as
denominações das lojas maçônicas criadas pelas Grandes Lojas fundadas entre 1926
e 1932, nas outras pioneiras da grande cisão, como a da Bahia, Rio de Janeiro, Paraí-
ba, Amazonas e São Paulo, não houve essa prática.
27. A Espanha, naquele mesmo contexto, poderia servir de espelho: “É perigoso, entre
1936 e 1939, ser ao mesmo tempo antifascista e anticomunista: as democracias ociden-
tais o constataram, assim como os partidos revolucionários antistalinistas. É assim que
o conservadorismo e o tradicionalismo espanhóis adotaram os gestos, os métodos e a
aliança dos nazistas e dos fascistas, enquanto que a República espanhola só encontrava
apoio externo seguro e contínuo no comunismo no poder” (Vilar, 1989, p. 109).

209
Capítulo 10
A Maçonaria na ditadura militar brasileira (1964)

Tatiana Martins Alméri

Este capítulo apresenta a Maçonaria partindo de sua estru-


turação histórico-crítica na época da ditadura militar brasileira
que se iniciou em 1964. A Maçonaria é uma instituição que, his-
toricamente, prega a manutenção das grandes conquistas sociais,
tendo como base o Liberalismo. Porém, o entendimento de quais
seriam as grandes conquistas sociais depende da ilosoia política
de cada instituição e de cada contexto histórico em que está in-
serida. Desde o seu início, a Maçonaria, de uma maneira ou de
outra, participa e está presente nos acontecimentos sociais mar-
cados pela História.
No que tange aos propósitos deste capítulo, faz-se necessário
discorrer sobre a atuação da Maçonaria no contexto do Golpe Mi-
litar de 1964 e no Processo Político Militar Brasileiro, dessa ma-
neira, buscou-se revelar e interpretar o posicionamento da Ma-
çonaria durante o período da ditadura militar, entre 1960 e 1989.
Este estudo se propõe a desvendar pontos pouco esclarecidos na
estrutura maçônica em relação a esse delicado momento da His-
tória do Brasil. Dessa maneira, a relevância apresenta-se à medida
que contribui com novos dados para a História Social do Brasil e
evidencia o posicionamento da Maçonaria na sociedade brasileira.
É desnecessário dizer o quanto períodos ditatoriais são con-
litantes e inluenciam a sociedade como um todo. Este tópico
referencia tanto o governo totalitário de Getúlio Vargas quanto o
dos generais pós-1964; períodos em que os brasileiros se subme-
teram a ditaduras.

211
Michel Silva (Org.)

O que traz a relevância do golpe de Estado de 10 de novembro


de 1937 foi a dissolução do Congresso, dos partidos, a extinção da
Constituição de 1934 e a publicação de uma nova, elaborada por
Francisco Campos.
Talvez seja útil lembrar que a implementação do “Estado
Novo”, regime ditatorial autoritário, inevitavelmente repercutiu
em todas as instituições sociais brasileiras, e o Grande Oriente
do Brasil não foi uma exceção. O fechamento das Maçonarias
foi aconselhado ao governo, em 25 de novembro de 1937, pelo
general Newton Cavalcanti, membro do Conselho de Segurança
Nacional. A única Loja que se manteve em funcionamento foi a
do Distrito Federal (Castellani, 1993).
Por motivos argumentativos, cabe uma pequena descrição do
que ocorria, por exemplo, na cidade de São Paulo. Na Loja “Pi-
ratininga”, o livro de Atas n° 45 foi encerrado na folha 84, no dia
20 de outubro de 1937. Todavia, embora oicialmente fechadas,
as lojas continuaram a desenvolver seus trabalhos secretamente
e em outras locais.
Apesar do fechamento das lojas, o Grão-Mestre do Grande
Oriente do Brasil apoiou o regime autoritário imposto ao país, pu-
blicou esse apoio no Decreto n° 1.179, do dia 2 de junho de 1938, o
qual exigia que as Lojas que se mantiveram clandestinas eliminas-
sem os obreiros que professassem ideologia contrária ao regime.
Além do período totalitário de Getúlio Vargas, várias análises
podem ser feitas, no período totalitário pós-golpe de 1964, no
sentido de posicionamento da Maçonaria. Como é sabido, após a
renúncia de Jânio Quadros – maçom iniciado na Loja “Libertas”
de São Paulo –, desencadeou-se uma crise política sem preceden-
tes na história republicana. “O Grão-Mestre Cyro Werneck, em
nome do Grande Oriente do Brasil, manifestou-se, publicamente,
pelo respeito à Constituição, com a conseqüente posse de Goulart
na presidência” (Castellani, 1993). Apoiando, portanto, a posse
do vice ao cargo da presidência.

212
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

É reconhecido que, após a posse de João Goulart, nos agita-


dos dias que precederam o golpe de 1964, a maioria dos maçons
apoiou o movimento militar de “derrubada” do até então presi-
dente da República, embora, inicialmente, houvesse uma divisão
de opinião na Maçonaria brasileira. Em nenhum momento, no
período pós-revolucionário, o Grande Oriente do Brasil, como
instituição, foi molestado, embora a repressão que se seguiu à
queda de Goulart tenha agitado a intimidade dos templos ma-
çônicos. Isso ocorreu não diretamente, através do governo, mas
por meio da corrente que apoiara o movimento e que iniciava,
no seio da instituição, uma verdadeira “caça às bruxas”, que seria
incrementada a partir de 1968, quando foi fechado o Congresso
Nacional e editado o Ato Institucional n° 5 (Castellani, 1993).
Esse ponto é essencial à presente parte da pesquisa, pois a
situação de ditadura militar levou sérios problemas ao Grande
Oriente do Brasil. A partir de 1970, a Obediência enfrentou as
causas remotas da crise institucional, resultando na cisão de 1973.
Graças à ditadura militar (1964), a atividade maçônica externa
icou muito diminuída. Restringiu-se a fatos administrativos in-
ternos, icando os externos representados por lisonjas, como, por
exemplo, a “entrega da medalha comemorativa do IV Centenário
da cidade do Rio de Janeiro, por uma Comissão do Conselho Fe-
deral da Ordem, ao general Octacílio Terra Ururahy, em 1965 (o
Grande Oriente foi a única entidade privada que cunhou meda-
lhas para o evento)” (Castellani, 1993).
Houve outro fato importante nesse período da história: no
sexto mês de 1964, José Menezes Júnior assumiu o Grão Mestra-
do Estadual, sucedendo Aurélio de Sousa, que sofreu acusações
não comprovadas de fraudes eleitorais. Aurélio acaba deixando o
cargo e assumindo uma vaga no Conselho Federal.
No Grande Oriente, o ano de 1967 foi paupérrimo em fatos,
podendo-se destacar apenas decretos que publicavam uma nova
Constituição de Obediência; criaram a Delegacia Estadual do Rio

213
Michel Silva (Org.)

de Janeiro e o Grêmio de Radioamadores do Grande Oriente do


Brasil, e instalaram o Superior Tribunal Eleitoral.
Em 24 de junho de 1969, o Grão Mestre Geral, Moacir Arbex
Dinamarco, escreve em seu relatório anual o seguinte:

demonstramos o pensamento da Maçonaria sobre a relevân-


cia do papel das Forças Armadas na Defesa do regime Demo-
crático. Não nos acomodamos quanto à crise estudantil e, em
declaração incisiva, colocamo-nos como mediador da mes-
ma, procurando serenar o episódio. (Castellani, 1993, p. 290)

Com essa airmação, o Grande Oriente se posiciona de acor-


do com o papel das Forças Armadas, defendendo, assim, não um
regime democrático, como airma o Grão Mestre Moacir Arbex
Dinamarco, mas um regime autoritário. Airma ainda que a Ma-
çonaria posiciona-se a favor de sanar as reivindicações estudan-
tis, quadro importantíssimo de oposição à ditadura.
Apesar do formal apoio à ditadura e da não existência de per-
seguições explícitas à instituição maçônica, alguns homens da
Maçonaria, dessa época, como o secretário da cultura, sofreram
pressões do grupo, foram denunciados pela própria Ordem e jul-
gados como socialistas, portanto inadequados a pertencerem à
Maçonaria. Fica, consequentemente, claro que a Maçonaria como
instituição apoiou a ditadura militar formalmente, como será vis-
to a seguir; porém, isso não quer dizer que todos os membros da
Maçonaria tinham uma opinião unânime. Vários integrantes da
ordem eram contra a existência de uma ditadura; isso explica as
pressões que alguns maçons sofriam na época.
No ínterim dessa dissidência, percebia-se nas Lojas Maçônicas,
de um lado, o apoio institucional e, do outro, o desacordo de alguns
membros em relação à existência da ditadura. Esse fato provoca
disputas, uso da hierarquia, formação de grupos e consequente-
mente um “racha” dentro da Ordem Paulista, o chamado Cisma
Paulistinha (1973); uma cisão maçônica basicamente calcada em
disputas políticas internas na sucessão de cargos maçônicos.

214
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Fica bem claro, nessa parte da História, que a Maçonaria


deixa de buscar novas conquistas liberais – mesmo possuindo
membros dissidentes – e passa a ter um papel passivo em relação
à oposição governamental; abandona as posturas contrárias ao
governo, de busca e sustentação de novas conquistas, e muda para
um pilar de sustentação governamental e atuações conservado-
ras. A seguir, será visto que esse conservadorismo não vem dessa
data; no Brasil, ele está presente desde a adequação da instituição
maçônica ao positivismo comteano e da época da proclamação
da Independência. A discussão do papel dos Estados Unidos com
relação à ditadura militar e como isso reletiu na Maçonaria serão
abordados posteriormente.
O auge dessa fase de apoio institucional à ditadura militar se
dá em 15 de março de 1974. O Brasil tinha novo presidente, com
a posse do general Ernesto Geisel. Pouco depois, em 16 de maio,
o “... presidente da República recebia, em audiência, o Grão-Mes-
tre Geral e seu Adjunto, quando este, como senador do partido
situacionista, leu um ofício em que o Grande Oriente reairmava
o seu apoio ao governo que havia se instalado após o movimento
de 1964” (Castellani, 1993, p. 310). Cabe lembrar que, nessa oca-
sião, o Grão mestre era Osmame Vieira de Resende e o adjunto
era Osíris Teixeira (senador da República).
Em contrapartida, indando o regime, “Como outros setores
da sociedade, a voz do Grande Oriente do Brasil também se fez
ouvir em favor da anistia, já que, passados quinze anos, as puni-
ções eram passiveis de revisão” (Castellani, 1993, p. 314).
Essas observações se fazem necessárias na medida em que
este capítulo procura observar a instituição maçônica no período
ditatorial brasileiro pós 1964, porém, é importante ressaltar que
há uma lacuna muito grande entre o binômio que se instaura a
partir do apoio ou não da Maçonaria ao regime instaurado.
Entrevistas foram feitas para, além de em livros, buscar dados
sobre essa época. As entrevistas se diferenciaram para cada um

215
Michel Silva (Org.)

dos entrevistados, os quais relataram particularidades. O relato é


tomado como representante da consciência dos indivíduos que
interagem verbalmente durante o processo de coleta de dados. As-
sim, a análise do relato verbal permite o acesso inferencial do pes-
quisador aos processos subjetivos do participante. Esses processos
subjazem a versão da realidade que ele tem para si como relevante,
em dado contexto, e sobre a qual ele relata ao pesquisador.
As análises dos relatos utilizados nesta pesquisa visaram atin-
gir os objetivos propostos em busca de criar condições favoráveis
para o desenvolvimento in loco do fenômeno em estudo. Cabe res-
saltar que o sujeito entrevistado não é observador de si mesmo,
mas selecionador daquilo que, na sua realidade, ele recorta e rela-
ta. É de exímia importância, portanto, organizar o conteúdo das
falas do sujeito, atribuindo-lhes signiicado, de modo a estabelecer
condições para a emergência de novos relatos. Assim, o relato foi
utilizado para proporcionar o prosseguimento da pesquisa.
As entrevistas se concretizaram em treze pessoas, a faixa etá-
ria dos entrevistados é de 56 a 84 anos, todos pertencentes à clas-
se alta e cada qual com cargos e participações diferenciadas:

1) Maçom, fazia parte da cúpula política de João Goulart


2) Advogado e maçom.
3) Participante e construtor de críticas e sátiras políticas do sistema
brasileiro. Exilou-se no início de 1964, antes do golpe acontecer.
4) Maçom (grau 33) e escritor.
5) Médico, maçom e ilho de um militar que era autoridade na
época da ditadura.
6) Militar delegado de recrutamento em 1964.
7) Maçom pertencente ao GOB.
8) Maçom e militar (participante atuante na época da ditadura
militar).
9) Compositor, professor universitário, escritor e maçom.
10) Maçom, venerável mestre, delegado e grau 33.

216
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

11) Psicólogo, maçom e professor.


12) Engenheiro civil e maçom.
13) Político e maçom.

1. Poder

Um dos questionamentos aos entrevistados se refere à dei-


nição de poder, como eles o enxergam e se a Maçonaria pode
ser classiicada como mecanismo capaz de exercer inluências,
ou seja, poder. Neste ponto de relexão, há uma bipolarização de
classiicação de poder assim como de classiicação da Maçonaria,
ou seja, há o lado positivo e o negativo. Uns airmam que a Maço-
naria é uma forma de poder, outros negam esse fato. Além disso,
classiicam o poder também de duas maneiras.
Na classiicação de poder, o primeiro lado defende que poder
nada mais é que um propulsor para conquistas e crescimento in-
dividual perante parâmetros sociais; o poder proporciona a ação
e a modiicação de situações. Para esse grupo, a Maçonaria é uma
forma de poder, pois conquistou, agiu e transformou conjunturas.

Poder para mim é um objeto de conquista, de chegar a locais


diferentes do que você se encontra, é crescer. Nesse sentido,
a Maçonaria é um poder, ela se transformou e ocupou o lu-
gar que está hoje, é muito bem aceita atualmente e isso é sim
uma forma de poder (Entrevistado 4).

Dessa maneira, o poder passa a ser um meio de conquistas; é

... contagioso e alucinante [...] ; tem a capacidade de deinir


destinos do dominador e dos dominados, dá a sensação de
invencibilidade, chegando bem próximo a ser um Deus. Pe-
los conceitos lidos sobre a Maçonaria, pode ser considerada
um poder, mas nunca dominando e sim orientando
(Entrevistado 7).

217
Michel Silva (Org.)

Assim, nessa classiicação, o poder acaba sendo

... a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos,


podendo se referir a pessoas- indivíduos e/ou grupos sociais.
Pensando dessa maneira, a Maçonaria pode ser um poder,
pois ela parte do princípio relacionado à melhora da huma-
nidade, tentando produzir efeitos cabíveis ao contexto social
(Entrevistado 13).

Neste momento, mesmo classiicando a Maçonaria como


uma forma de poder, o que se evidencia é a classiicação da Ma-
çonaria como apartidária; um dos entrevistados aponta que:

Com relação à política, existem discussões dentro da Or-


dem, existem orientações, mas não são partidárias. Toma-
mos alguns pontos sociais, desde datas comemorativas a
participações na câmara e tudo mais (Entrevistado 13).

Esse apartidarismo não icou muito claro na época da ditadu-


ra militar pós 1964. O que se apresentou foi a perseguição pessoal
de maçons que se colocavam contra as atuações e princípios usa-
dos pelos militares, ou seja, pessoas que possuíam uma ideologia
socialista ou comunista tinham princípios partidários diferentes
do da Ordem Maçônica, isso demonstra que, mesmo pregando o
apartidarismo, ele não necessariamente existiu em todos os mo-
mentos da História. Já foi comentado anteriormente que a pró-
pria Ordem denunciava integrantes da Maçonaria que estavam
em oposição ao governo.
É muito difícil encontrar, hoje, uma Maçonaria que pregue
princípios políticos que estejam de acordo com ilosoias mar-
xistas. Apesar de os maçons realizarem a beneicência, isso não
signiica que desejem e preguem o im da sociedade de classe e,
consequentemente, o im da exploração social. Pelo contrário,
ressalta-se que estão locados no topo da hierarquia social, o que
diiculta, e muito, um pensamento com princípios marxistas.

218
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Além da classiicação de poder citada acima, esse grupo de


entrevistados não se esquece da legitimação do poder, assim
acreditam que “O poder está fundamentado na credibilidade das
pessoas, no potencial econômico e no medo” (Entrevistado 8). É
classiicado, dessa maneira, como uma forma de controle social:

Poder para mim nada mais é que uma forma de controle.


Naquela época, desenvolveram um trabalho de inteligên-
cia com espiões em tudo quanto era lugar, inclusive nas fa-
culdades e foi por isso que os estudantes perderam a força.
Nos anos 70, a gente chega à alienação total, você não tinha
informação alguma de fora do Brasil, não tinha jornais do
exterior, e aqui dentro tudo era censurado. Ficava-se ilhado!
A Maçonaria? Não é um poder, o poder daquela época era
explícito, pois entendíamos o que era e como funcionava, se
íamos contra sofríamos conseqüências. Em 1967, na passea-
ta do Rio de Janeiro, fui preso, colocaram muitas pessoas na
cela. Fiquei o dia todo lá no DOPS. (Entrevistado 12)

Evidencia-se, nesta conjuntura, que os entrevistados classii-


cam poder em um viés que diverge da classiicação de aparelhos
estatais. Portanto, conirmam a teoria de Foucault, na qual o po-
der se diferencia de um sentido de edifício jurídico da soberania,
dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham; o
orientam como dominação, operadores materiais, formas de su-
jeição, usos e conexões da sujeição. O poder é colocado “... fora
do modelo do Leviatã, fora do campo delimitado pela soberania
jurídica e pela instituição estatal” (Foucault, 1991, p. 186).
Para Foucault, “A teoria do Estado, a análise tradicional dos
aparelhos de Estado sem dúvida não esgotam o campo de exer-
cício e de funcionamento do poder. Existe atualmente um gran-
de desconhecido: quem exerce o poder?” (Foucault, 1991, p. 75).
Neste sentido, com a retirada do Estado como base da execução
do poder, torna-se possível perceber a conjuntura de relações que
inevitavelmente permeia todo o corpo social, constituída a partir

219
Michel Silva (Org.)

das relações de poder. Segundo essa análise, o poder não se aloca


em uma única instância, se anuncia de várias maneiras, se expres-
sa em micropoderes, assim, a Maçonaria é classiicada como uma
das várias formas de poder, exercido através de microrrelações.
Na outra parte do binômio classiicativo, segundo os entrevis-
tados nesta pesquisa, o poder se expressa através da formação do
Estado em uma macroestrutura que inevitavelmente é hegemôni-
ca. Fica explícito que, para essa perspectiva, a Maçonaria logica-
mente não é o poder, pois, ele se resume ao âmbito do Legislativo,
Executivo e Judiciário. “Existem vários tipos de poder: o legítimo,
o poder de fato, o poder legal, o arbitrário, o poder Judiciário, o
Executivo, etc. A Maçonaria pode ter o poder, mas ela não é ne-
cessariamente ele simbolizado” (Entrevistado 2). Dessa maneira,

A estrutura de governo é bem diferente da estrutura da Ma-


çonaria. A estrutura da Maçonaria é mais voltada para a
parte pessoal, a estrutura do governo é mais voltada para a
parte de comando. Os maçons, na época, que estavam liga-
dos à estrutura de governo poderiam trazer um apoio muito
grande por causa da ligação pessoal, dessa formação mais
genérica e mais política, etc. que eles tinham que os militares
não tinham. (Entrevistado 1)

Um outro exemplo que conirma esse segundo ponto de vista


são os relatos do entrevistado 10, para ele a Maçonaria não é um
poder:

... ela tem a sua organização; como toda organização ela tem
as suas leis, seus regulamentos, alguma coisa que faz com
que ela exista como uma forma legal, agora como um poder
governamental não, não vejo dessa forma. [...]. Pode ter até
um grupo de irmãos fazendo parte do governo, mas direta-
mente assim não, não vejo dessa forma.

220
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

A participação de maçons no governo tanto municipal, esta-


dual, quanto federal é muito grande; isso ocorre desde a época da
presença de D. Pedro no Brasil e se perpetua nos dias atuais não
só no governo, mas em cargos que possibilitam um poder social e
moral. Com essas participações, a Maçonaria acaba conquistando
espaços que possibilitam atuações conjuntas. Não aparecem ex-
plicitamente com a formação de grupos no poder justamente por
tentarem apresentar-se como uma instituição secreta.
Percebe-se, por conseguinte, que essas duas formas de enxer-
gar o poder trazem uma sintetização analítica que se conjectura
em dois pontos que se completam. A Maçonaria faz parte do mi-
cropoder social, o que proporciona capacidade de agir, modiicar
e intervir nas atuações públicas; de fato isso é uma grande forma
de poder. É interessante observar que, por outro lado, mesmo a
Maçonaria não sendo um poder no sentido de Leviatã, ela pos-
sui integrantes dentro dele, e cabe ressaltar que não são poucos.
Portanto, a instituição maçônica não só é um poder no sentido
micro como também se representa, em partes, no sentido macro.
Isso introduz relevantes considerações acerca da importância da
Maçonaria na conjuntura política social.
Querendo chamar atenção, particularmente, para o dado des-
ta variável que diz respeito à importância da Maçonaria na con-
juntura política social, abordou-se, nas entrevistas, sobre maçons
que estavam no poder, o que será discutido na seção seguinte.

2. Autoridades maçônicas

Julgou-se pertinente expor relexões no sentido de estabele-


cer um marco comparativo da pretensão da presente pesquisa.
Essa discussão foi realizada buscando isolar uma variável que se
julgou importante para as presentes relexões, ou seja, o estabe-
lecimento das possíveis relações entre os políticos que estavam
inseridos no sistema militar versus suas atuações pessoais na Ma-

221
Michel Silva (Org.)

çonaria. Com relação ao assunto “autoridades maçônicas”, optou-


-se por perguntar aos entrevistados se conheciam algum maçom
que era autoridade na época da ditadura militar.
Entre os maçons militares mais conhecidos historicamente,
estão: Barão do Triunfo; Benjamin Constant – professor (o pai
da República); Deodoro da Fonseca – proclamador da Repúbli-
ca; Duque de Caxias – patrono do Exército Brasileiro; Eduardo
Wandenkolk; Golbery do Couto e Silva – ministro de Estado; Go-
mes Carneiro; Inocêncio Serzedelo Correa; Lauro Sodré; Lauro
Müller – estadista; Moreira Guimarães, general; General Osório;
e Viriato Vargas.
Nesta parte, para uma melhor visualização dos resultados, foi
elaborado um gráico. Essa elaboração justiica-se de duas ma-
neiras: em primeiro lugar, na análise das respostas, ica evidente
que, mesmo a princípio alguns dos entrevistados respondendo de
forma negativa, a maioria deles acabou admitindo conhecer au-
toridades que eram maçons na época. No gráico abaixo, mesmo
essas pessoas que não responderam prontamente de uma manei-
ra positiva aparecem no bloco do sim, pois posteriormente air-
maram positivamente à pergunta.
Em linha diversa, apresentam-se os entrevistados que respon-
deram não. Apenas quatro dos entrevistados, em número absoluto,
admitem realmente não conhecer nenhuma autoridade maçônica
da época, mas, o restante, representado com “não responderam”,
traz a discussão de que seria antiético citar nomes, portanto, co-
nhecia alguma autoridade que era maçom. Assim, 70% dos entre-
vistados acabam se enquadrando na resposta positiva.
Entre os entrevistados, 47% conheciam autoridades políticas
da época da ditadura militar que eram maçons. Não eram pou-
cas pessoas que se enquadravam nesta classiicação. Das princi-
pais autoridades, pode-se destacar: Jânio Quadros, Lauro Sodré,
Humberto de Alencar Castello Branco, Emílio Garrastazu Médici
e Golbery Couto e Silva.

222
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Porém, isso não signiica que, necessariamente, por serem


maçons promoveram o golpe e a ditadura em si. Não se pode air-
mar que a instituição maçônica estava presente na cúpula gover-
namental simplesmente por algumas autoridades serem maçons.
Porém, percebe-se que os maçons estavam presentes de uma ma-
neira maciça nessa cúpula, e isso é uma das constatações impor-
tantes neste capítulo.
Como já foi dito acima, não há possibilidade de airmar que a
instituição maçônica estava presente nos acontecimentos ditatoriais,
mas pode-se certiicar que a ideologia maçônica estava. Essa airma-
ção pode ser feita através de análise das entrevistas realizadas.
Para o atendimento das discussões acerca desta temática,
quando foi questionado sobre o que seria caos e ordem, pergun-
tou-se, posteriormente, se a resposta que haviam dado seria a
mesma para a instituição maçônica. É surpreendente observar
que das pessoas que responderam somente uma disse que não,
as outras todas acreditam que sendo um maçom necessariamen-
te carrega-se consigo a ilosoia maçônica, independente de qual
for a loja a que a pessoa pertença. Dessa maneira, cada maçom é
um representante da ilosoia maçônica em todos os locais que se
apresenta; assim, um maçom necessariamente possui a ilosoia
maçônica na sua vida. Com essa airmação, conclui-se que na cú-
pula governamental da ditadura militar estava presente a ilosoia
maçônica, isso porque, neste contexto, várias autoridades, algu-
mas citadas acima, eram maçons.
O que não se pode descartar é que algumas autoridades não
pertenciam à Maçonaria, como: Ernesto Geisel, Artur Costa e Sil-
va e João Baptista Figueiredo.

3. Posição da Maçonaria na época da ditadura militar

Foi perguntado aos entrevistados sobre as atuações e a posi-


ção da Maçonaria na época da ditadura militar. As respostas po-

223
Michel Silva (Org.)

dem ser sintetizadas em duas partes. Oicialmente, a Maçonaria


estava a favor dos militares, andava conjuntamente e auxiliava na
cassação de pessoas que eram contra o governo. Isso possibilitou
que a instituição não sofresse “pressões” governamentais.
É explícito observar a argumentação dos entrevistados quanto
à posição da Maçonaria frente ao golpe.

A Maçonaria estava buscando uma coisa séria, frente ao caos


que estava, o Jango não (tenha) tinha mais o poder quando
aconteceu o comício na central do Brasil, foi a coisa mais di-
ferente que eu já vi na minha vida. A gente sentiu que não ti-
nha mais poder, não existia mais república, não existia mais
nada, ela caiu sozinha, se desfez, essa é a verdade. Então é
por isso que eu não aceito muito o termo golpe, eu aceito
mais em uma tomada de comando, uma tomada de controle,
então ela (a Maçonaria) estaria do lado de colocação da or-
dem, sem interesses de poder pessoal. (Entrevistado 1)

Para esse entrevistado, a ordem se apresenta nos mesmos


argumentos conservadores: disciplina, obediência, hierarquia e
submissão.
A Maçonaria como instituição não sofreu perseguições, o en-
trevistado 2 airma que: “... se compararmos com a ditadura de
Vargas, a Maçonaria só poderia estar a favor, pois não houve per-
seguições à instituição. Mas alguns maçons foram perseguidos,
isso era pessoal”.
O interessante é que todas as airmações sobre a posição da
Maçonaria frente à ditadura militar estão ligadas à recolocação da
ordem, à tentativa de solucionar o grande problema que havia na
época, ou seja, o caos. A Maçonaria “Pode ter participado do gol-
pe sim, pode ter pessoas ligadas a ela, em função desses conceitos,
em função do perigo que ela percebia que poderia ocorrer, ela en-
tão pode ter usado, mas é aquela coisa, por ser discreta, isso não
aparece muito” (Entrevistado 10). Essa airmação é conirmada

224
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

pelo entrevistado 6: “Acredito que sim, porque a Maçonaria, se


nós virmos na história, muitas coisas boas fez, tomou atitudes
muito boas, mas isso é o que nós lemos, saber diretamente não”.
Além dessas airmações positivas, o entrevistado 12 relatou que

Tudo depende do Grão Mestre de cada loja, ou no caso do


Grande Oriente do Brasil do Grão Mestre Geral. Ele eu sei
que formalmente apoiava a ditadura militar. É muito difícil
um maçom ser de esquerda, pode ser simpatizante, mas ser
realmente defensor da ilosoia de esquerda é muito difícil.

Outra airmação positiva é a do candidato número 7, que ex-


põe que

... o cabeça da Revolução, a meu ver, foi o Golbery, que pos-


suía muita inluência e era da Maçonaria. Vi também al-
gumas notas da própria Ordem assinada pelo Grão Mestre
Geral do GOB (Grande Oriente do Brasil) nas quais diziam
que ao maçons estavam a favor da nova forma de governo,
que além de estar a favor fariam o necessário para apoiá-la
e mantê-la. Isso para mim ica claro a comprovação de que
a Ordem estava a favor dos militares. Não se pode esquecer
que é óbvio que existiam maçons que eram contra, mas a
Ordem em si era a favor. Divergências de pensamento sem-
pre existem, mas quando você se refere à Maçonaria como
instituição está falando de seu representante.

No jornal Estado de São Paulo, a notícia do dia 15 de dezem-


bro de 1963 deixa claro que os maçons estavam a favor da im-
plementação da ditadura militar, julgavam que Cuba estava por
acabar com a democracia no Brasil. Isso se expressa na homena-
gem feita a Lacerda pela Ordem e no discurso feito pelo então
governador do Rio de Janeiro.

225
Michel Silva (Org.)

15/12/1963
Título: O Grande Oriente do Brasil rende a Lacerda home-
nagem inédita dentro da Maçonaria. p. 12.

Rio, 14 (Estadão). Pela primeira vez na história da maçonaria


um governador foi recebido com a maior honraria da asso-
ciação: a “Abobada de Aço”. O distinguido foi o governador
Carlos Lacerda, homenageado no Grande Oriente do Brasil.

O governador carioca foi recebido na maçonaria no mesmo


instante em que o presidente João Goulart fazia sondagens
através de várias pessoas para saber das possibilidades de
receber a mesma homenagem na maçonaria. As sondagens
fracassaram.

No discurso que pronunciou no Grande Oriente do Brasil,


o sr. Carlos Lacerda fez referência à mensagem que deixou
ao mundo o presidente Kennedy, e concitou os homens da
maçonaria a levantarem a voz, como outrora, na defesa da
liberdade e da convivência dos homens livres.

“A convivência – disse Lacerda – com a coexistência não se


confunde, pois a convivência exige co-participação e solida-
riedade, enquanto a coexistência é apenas tolerância entre
contrários que se excluem e que por vezes se quem destruir.”

O Discurso

“...volto ao exemplo do presidente Kennedy, do homem pru-


dente que a exemplo do apólogo famoso, tinha a prudência
de se atirar ao fogo para salvar uma criança que ameaça pe-
recer no incêndio. Esta é a prudência verdadeira, a prudên-
cia do bloqueio de Cuba para salvar a liberdade do mundo.
Este é o paciismo verdadeiro, o paciismo das nações que se
previnem e não chamam para intervir nos seus problemas
de base e não chamam para opinar sobre as suas indústrias,
sobre a sua energia, sobre os seus combustíveis, aqueles que

226
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

por vocação e por ideologia são obrigados a destruir a eco-


nomia e a estrutura das nações livres para lhes impor um
regime de escravidão.

A essa ocupação sem terra, a essa conquista sem guerra, a


essa tirania por via ideológica, respondem os homens livres e
responderá sem dúvida esta instituição – responsável princi-
palmente pela independência do Brasil e portanto hoje mais
do que nunca seladora de sua soberania.

É por isso que aqui compareço associando o governo a esta


demonstração de apreço pela declaração em boa hora votada
com a participação do Brasil. É por isso que aqui venho tra-
zer a minha solidariedade à homenagem que se presta a este
grande cidadão do mundo que foi o presidente John Kenne-
dy [...]. Queremos a convivência dos homens livres.”

O apoio da instituição maçônica à ditadura militar é conir-


mado, como já foi dito anteriormente, no governo de Ernesto
Geisel, o qual recebeu um ofício, na presença de Osmame Vieira
de Resende (grão mestre) e seu adjunto Osíris Teixeira (senador
da República), em audiência conirmando o apoio do Grande
Oriente do Brasil ao governo que havia se instalado após o movi-
mento de 1964 (Castellani, 1993, p. 310).
O segundo posicionamento que foi encontrado nas respostas
dos entrevistados se refere ao fato de que a maioria deles acredita
que mesmo a instituição estando oicialmente ao lado da ditadura
militar existiam maçons que se apresentavam contra a ditadura e
contra o apoio da instituição ao governo instituído pós 1964.
Na airmação do entrevistado 9 isso ica claro:

O respeito maçônico foi se degradando e icando sem atua-


ção política, a Maçonaria deixa de propor mudanças e dessa
maneira acaba saindo do jogo político. Um exemplo disso
foi em dezembro de 1968 quando Alberto Cury e o ministro
Gama Filho anunciaram, no dia 13 de dezembro, o Ato Insti-

227
Michel Silva (Org.)

tucional número 5. Meu pai, maçom, indignado com a situ-


ação colocou essa pauta em discussão na loja dele e, naque-
le momento, percebeu que mais da metade de seus irmãos
eram a favor do tal Ato anunciado, além disso, o venerável,
no momento da discussão, anunciou que se ele descobrisse
alguém lá dentro que fosse comunista denunciaria ao gover-
no.Uma das pessoas que, naquela época, foi presa e denun-
ciada pela Maçonaria foi José Castellani. A Maçonaria, na-
quela época, dividiu-se, alguns pensavam de uma maneira,
outros de outra, está até hoje com uma visão conservadora,
apesar de possuir uma teoria diferente disso, na prática, o
materialismo, as posses e o dinheiro se sobressaem.

O entrevistado cita episódios de perseguições a maçons que


se opunham à existência da ditadura militar e, desta maneira,
comprova o posicionamento político da instituição maçônica.
Tanto o discurso do venerável, ameaçando seus submissos, quan-
to o episódio da prisão de Castellani deixam claro a existência de
maçons que se apresentavam contra a ditadura militar, portanto,
contra os princípios políticos defendidos pela Maçonaria.
Para o entrevistado 5 ica “... difícil opinar sobre como que a
Maçonaria agiu, difícil formar uma opinião única numa institui-
ção que tem pessoas com as mais variadas formações, e um dos
princípios básicos da Maçonaria é a liberdade de pensamento, base-
ado nisso acredito que existiam alguns a favor e outros contra”. Essa
airmação é conirmada pelos entrevistados 2 e 11, os quais acredi-
tam que os maçons estavam tanto a favor quanto contra a ditadura.
Neste momento, ica evidente que se torna difícil constatar
uma inluência da Maçonaria nas atuações comandadas pelos
generais na época da ditadura militar. A ditadura não atuou de
forma homogênea, reletiu-se de diferentes formas e contextos
que chegaram a ser opostos. Dependendo da representativida-
de social e principalmente da ilosoia política que cada cida-
dão seguia, sentiam-se consequências diferenciadas dos atos

228
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

ditatorias. É possível deinir o posicionamento da instituição –


que era favorável à existência da ditadura –, mas não a inluência
que a Maçonaria teve sobre a ocorrência da ditadura; nem como
auxílio, realizando atos que possibilitaram a implementação da
ditadura pós 1964, nem como barreiras com atos que tentaram
impedir a realização do golpe militar.
Outra discussão que vem à tona é a que se refere ao fato de
que, além de existirem maçons que não apoiavam a ditadura
militar oicialmente, foi elaborado pelos maçons um pedido de
realização da anistia. O entrevistado 13 ressalta que houve uma
votação e “... aprovação por unanimidade, que surgiu entre nós
da loja Eterno Segredo, em São Carlos, do pedido de anistia com
relação ao im da ditadura militar. Foi o primeiro ato público a
dar apoio à anistia”.
Essa constatação cobra relevância no sentido de que o Gran-
de Oriente, além de estar a favor do governo ditatorial quando
ocorre a busca pela redemocratização, até mesmo pelos milita-
res (como foi discutido anteriormente), estava também a favor
da anistia, ou seja, apoiou institucionalmente o governo militar
em todas as fases governamentais no ínterim de exercer o poder.
A Maçonaria brasileira é hoje conservadora, como explica o
entrevistado 4. Existe uma grande diferença na ilosoia da Maço-
naria americana e da Maçonaria francesa; uma é de conservadora
e a outra liberal, respectivamente.

Os Estados Unidos têm uma ilosoia iluminista, com movi-


mento libertário para a construção de um mundo novo, vem
da colônia de povoamento, o espírito de comunidade era
maior que o de pátria, dessa maneira o povo foi se construin-
do com uma formação de direita, começam a criar Maçona-
rias independentes. No Brasil sofremos inluência principal-
mente da ilosoia dos Estados Unidos (como já é sabido)
dessa maneira temos na Maçonaria, um poder federativo e
também um poder regional. Para concluir, aqui no Brasil o
que prevalece é o pensamento de direta. (Entrevistado 4)

229
Michel Silva (Org.)

Com a airmação do entrevistado 4, pode ser realizado um


entrelaço da ditadura militar e o intenso apoio dos Estados Uni-
dos com os princípios da Maçonaria brasileira. O grande apoio
dos EUA à ditadura certamente se relete na aproximação da
Maçonaria à ditadura justamente por ambas seguirem a ilosoia
norte-americana. Assim, como a Maçonaria brasileira possui um
pilar de sustentação conservador herdado pelos Estados Unidos,
a ditadura militar pós-1964 também teve bases ixas na ilosoia
norte-americana. Essa é uma evidência que, por seguirem princí-
pios que provêm do mesmo alicerce, deixa claro o envolvimento
não somente indireto, mas uma posição explícita e direta.
Dentre todas as análises pode-se concluir que a existência de
um regime autoritário, ou seja, mais especiicamente de uma di-
tadura militar iniciada na década de 60, não foi resultado apenas
da necessidade política de combater o desgaste que o regime de-
mocrático vinha sofrendo diante do “inimigo interno”, simboli-
zado pelo presidente da República João Goulart, fundamentado
em Cuba; nem com relação ao desgaste que a política em atuação
vinha proporcionando diante da classe média e outros setores do
topo hierárquico da sociedade. A constatação de que foi elabora-
do o sentimento de caos político, econômico e social na popula-
ção brasileira para que fosse possível – com cabíveis explicações
– a realização do golpe militar com o apoio da população e sem
“derramamento de sangue” é bastante plausível, porém, não é a
única resposta para esta questão.
Além da existência da elaboração do caos, tudo indica que ao
objetivo de implementação de um regime autoritário aliavam-se
outras motivações e interesses, que, embora objetivassem uma legi-
timação imediata dos atos da cúpula militar, tinham expectativas de
mais longo alcance, as quais se sintetizam no domínio norte-ameri-
cano no mundo global. O apoio dos Estados Unidos da América foi
essencial para a realização do regime militar ditatorial que começou
a ser estruturado e elaborado muito anteriormente ao golpe.

230
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Além de interesses mais imediatos, como a “derrubada” de


João Goulart e o im da política de reformas de base, proposta por
ele, a estratégia de intervenção dos Estados Unidos, assim como
dos militares, procurava atingir ins mais densos e duradouros.
A partir de implementado um governo ditatorial, deu-se início
à desarticulação social, fundamentada em atrocidades já sobeja-
mente discutidas, e à reconstrução de saneamentos econômicos,
políticos, sociais e morais do Brasil. Todos os exímios atos esta-
vam calcados na fundamentação de que era necessário promover
o desenvolvimento global do país. Dessa maneira, conseguiram
relexos e consequências que hoje se apresentam no contexto po-
lítico, econômico e social. Uma grande consequência é a aliena-
ção política, educacional e cultural da população, sem citar outras
consequências que não cabem ao contexto conclusivo.
Diante da elaboração de uma nova consciência ideológica de
massa, construída conforme diretrizes governamentais, restavam
aos agentes sociopolíticos, pertencentes à elite, o domínio e a es-
colha dos legítimos objetivos a serem perseguidos pelo país, lo-
gicamente com o julgamento e a preferência dos autoritários que
estavam no poder.
Baseando-se na atuação da elite nos propósitos governamen-
tais autoritários pós-golpe de 1964, sugere-se o posicionamento
de uma instituição formada por homens pertencentes a ela, os
quais estavam entrelaçados nos ideais propostos pela classe social
a que pertenciam. Com o intuito de demonstrar posicionamentos
da Maçonaria, no contexto da ditadura militar brasileira, foi pos-
sível constatar o formal apoio dessa instituição aos atos ditato-
riais. Não é por acaso que essa importante posição apresentou-se
nesta pesquisa; a Maçonaria brasileira, após várias transforma-
ções desde seus primórdios até os dias atuais, inaliza por possuir
princípios políticos essencialmente de “direta” – ilosoia política
herdada pela Maçonaria norte-americana. Fica claro, neste ins-
tante, que por pertencer à camada que se apresentava literalmen-

231
Michel Silva (Org.)

te no poder e por possuir fundamentos políticos alicerçados nos


mesmos embasamentos dos ditadores, a Maçonaria possivelmen-
te apoiaria os atos ditatoriais.
Foi possível constatar que a Maçonaria brasileira posicionou-
-se oicialmente a favor da ditadura militar pós-golpe de 1964.
Ofícios realizados por grão-mestres da Maçonaria (GOB) foram
apresentados publicamente com o intuito de conirmar e apoiar
o governo que havia sido instituído posteriormente ao golpe. A
princípio, questiona-se o fato de a população estar completamen-
te alienada politicamente e acreditar na existência de um caos no
país. Com essa alienação, a princípio, vários setores sociais apoia-
ram o golpe e a ditadura militar. Porém, com o passar dos anos e
dos acontecimentos, os reais intuitos dos ditadores vieram à tona
e, ao mesmo tempo, constatou-se a existência não de uma demo-
cracia voltada para o crescimento econômico, como sugeriam,
mas sim a de uma férrea ditadura fundamentada em censura e
torturas em vários momentos.
Logo que se constataram as reais intenções dos militares, vá-
rias camadas populacionais voltaram-se contra as atuações au-
toritárias, porém isso não ocorreu com a Maçonaria. Ela conti-
nuava a elaborar ofícios que consentiam as atuações decorrentes
naquele momento.
Esse posicionamento de consentimento da Maçonaria levou
sérias complicações no Grande Oriente do Brasil, pois, se de
um lado a Maçonaria, como instituição, estava de acordo com
os acontecimentos políticos da época, por outro, vários maçons
não (consentiam) concordavam com o posicionamento da insti-
tuição. O grande problema era que a própria instituição servia de
chave para apontar ao governo maçons que possuíam um pensa-
mento que se divergia do aceito no momento.
Essa discordância entre parte da população maçônica e a ins-
tituição em si deu abertura à existência da crise institucional que a
Ordem enfrentou nos anos 1970. Essa crise resultou não somente

232
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

na cisão de 1973 – cisma paulistinha –, mas também em atuações


da Ordem. Nessa fase, a Maçonaria teve suas atividades muito
diminuídas, pois, o formal apoio à ditadura proporcionou como
consequência a existência de perseguições explícitas a maçons
que não estavam de acordo com o posicionamento da instituição.
Iniciou-se, na Maçonaria, o apoio ao governo com o intuito de
indar ilosoias contrárias ao autoritarismo instituído na época.
Esse é um episódio que demonstra a transformação da Ma-
çonaria de modo geral, que passa de liberal, com fundamentos
da Maçonaria francesa em busca de uma Igualdade, Liberdade e
Fraternidade, baseada em conquistas sociais, para uma outra Ma-
çonaria conservadora, de apoio a uma situação governamental
que contraria os seus princípios.
Isso icou claro tanto no momento do golpe quanto na anis-
tia. Assumindo o liberalismo francês dos eventos de 1789, teve
atuações marcantes na independência do Brasil; e, assumindo os
postulados positivistas, na proclamação da República, enredou-
-se nos anos 60 nas complexidades dos projetos de reforma de
João Goulart e orientou-se na oposição com visões conservado-
ras que resultaram no apoio ao golpe de 1964.
Conclui-se, dessa maneira, que a Maçonaria como instituição
esteve ao lado das atuações militares, do governo instituído pós-
-golpe de 1964. Porém, isso não exclui a existência de maçons
que eram contra as atuações militares; entretanto teriam que, ne-
cessariamente, abster-se de questionamentos, indagações e ains
dentro das lojas, pois a Ordem não hesitou em denunciar maçons
que estavam contrariando o governo.

233
Capítulo 11
A Maçonaria e a antimaçonaria no interior de
Minas Gerais: o “Culto ao Dever” em Rio Novo

Luiz Mário Ferreira Costa

Considerações iniciais

Hoje em dia é comum percebermos em Rio Novo um clima


de relativa cordialidade entre a Maçonaria e a Igreja Católica. No
entanto, ao ter conhecimento das inúmeras condenações feitas
aos maçons ao longo dos séculos e saber que estas críticas “con-
tribuíram”, ainda que de forma indireta, para a fundação da pri-
meira Loja rionovense, somos levados a questionar a “naturali-
dade” desta aparente tranquilidade. Confesso que desde o início
da minha pesquisa eu gostaria de ter encontrado em Rio Novo
uma “Silveira Martins”, aquela pequena cidade do interior do Rio
Grande do Sul onde o historiador Luís Eugenio Véscio (2001) re-
alizou um trabalho exemplar acerca da relação entre a Igreja Ca-
tólica e a Maçonaria local. Contudo, o primeiro grande problema
enfrentado foi a escassez de fontes, pois não se tem registros dos
momentos iniciais da Maçonaria em Rio Novo, com exceção de
uns poucos papéis avulsos e de alguns textos capitais escritos pe-
los próprios maçons.
Sendo assim, foi necessário lançar mão de recursos metodo-
lógicos característicos da história oral, com o intuito de recriar
uma narrativa a partir da memória das pessoas, especialmente
aquelas que tiveram uma vida inteira dedicada à Ordem (Alber-
tini, 2004). Conforme salientou Henry Rousso (2002, p. 94), a
memória no sentido básico do termo é a presença do passado, e

235
Michel Silva (Org.)

por isso pode ser entendida como subsídio indispensável para o


historiador do “tempo presente”. Neste sentido, as “fontes orais”,
assim como as fontes tradicionais, possuem uma importância
destacada uma vez que seu objeto de análise, o indivíduo, en-
quanto sujeito histórico é ao mesmo tempo “testemunha viva” do
acontecimento. A partir das entrevistas surgiu a possibilidade de
se observar a própria memória inserida num processo de auto-
construção e reinterpretação da realidade vivida. Na perspectiva
de Rousso (2002, p. 94-95), devemos compreender a importância
da versão de um indivíduo, ou de uma testemunha, pois estes de-
poimentos são legítimos e representativos de certa coletividade.
Neste sentido, a memória é, no seu entendimento, uma constru-
ção psíquica-intelectual e uma representação seletiva do passado,
assim como, o indivíduo é visto como membro de um contexto
familiar, social e até mesmo nacional.
A cada questionário completado tínhamos um ganho qua-
litativo imenso, com o surgimento de assuntos inicialmente não
abordados. Outro ponto crucial para o amadurecimento do mé-
todo de pesquisa foi a periodicidade dos encontros, pois a partir
do momento em que se fortaleciam os laços de coniabilidade,
entre o entrevistado e o entrevistador, os relatos ganharam mais
colorido e riqueza de detalhes. O principal exemplo deste proces-
so de iabilidade estabelecido com as pessoas entrevistadas acon-
teceu com o saudoso Sr. Ruy Almeida, um dos mais experientes
maçons do Brasil, com mais de sessenta anos dedicados à Ordem.
Entretanto, reconhecemos nossas limitações e que esta é apenas
mais uma tentativa de reorganização do passado e que nunca re-
presentará a complexidade da vivência das pessoas entrevistadas.

1. O início dos trabalhos maçônicos em Rio Novo

Em ins do século XIX, a principal luta da Maçonaria no


Brasil, sobretudo após os acontecimentos da “Questão Religio-

236
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

sa” (1872-1875), foi contra um inimigo praticamente invisível,


de múltiplas faces e interlocutores que icou conhecido como o
“antimaçonismo” ou a “antimaçonaria” (Costa, 2009). Com o in-
tuito de sair em defesa de sua honra e de sua legitimidade, as lojas
maçônicas, de maneira mais ou menos organizada, compreende-
ram que seria fundamental expandir a sua “voz”, com a instala-
ção de novas lojas, a criação de novos veículos de propaganda e
a ampliação das redes de apoio às instituições de ensino (Souza,
2004). Assim, a Maçonaria se irmou em Rio Novo justamente no
período mais crítico da “guerra de discursos”, uma batalha verbal
travada entre a Igreja Católica e a Maçonaria. Um dos principais
expoentes deste conlito foi o papa Leão XIII (1878–1903), o res-
ponsável por cristalizar a ideia do “complô maçônico”, a partir da
publicação da Encíclica Humanum Genus.

Na nossa época, os fautores parecem haver-se coligado num


imenso esforço, sob o impulso e com o auxilio de uma Socie-
dade difundida em grande numero de lugares e fortemente
organizada, a Sociedade dos mações. Estes, com efeito, já
não se dão o trabalho de dissimular as suas intenções, e ri-
valizam entre si em audácia contra a augusta majestade de
Deus. (Carte Encíclica Humanum Genus, 1960. p. 4)

Inserida neste processo mais amplo e como resultado práti-


co deste movimento de expansão que acontecia praticamente em
todo o país, mas não somente por essa razão, podemos enquadrar
a instalação da primeira loja maçônica de Rio Novo, chamada
de “União e Crença” (Lasmar, 1999). Segundo os raros registros
encontrados, sabemos que a “União e Crença” deu início aos tra-
balhos no dia 6 de setembro de 1873, sendo o Venerável fundador
Adholfo Elisio Teixeira Duarte e o seu Instalador, o Sr. José de
Souza Pereira. Esta primeira loja foi registrada sob o n° 253 no
Grande Oriente do Brasil e esteve aberta por apenas dez anos.
Uma efêmera existência ainda não completamente esclarecida,
como nos informa a entrevista do Sr. Ruy Almeida (2006).

237
Michel Silva (Org.)

Alguns dos antigos membros ajudaram a fundar a Culto ao


Dever, agora a respeito da União e Crença não se sabe quase
nada, a respeito dela, e eu acho que comentei com você...
existia alguns papéis num cômodo velho, então o assoalho
úmido apodreceu e naquela ocasião nós perdemos mui-
tos documentos tanto da Culto ao Dever como da União e
Crença [...]. (Almeida.DEP.II. 04-09-06)

Entretanto, mesmo tendo funcionado pouquíssimo tempo,


os irmãos da “União e Crença” não perderam os laços da viven-
cia maçônica. A relexão de Alexandre Mansur de Barata (2002)
acerca da ideia de sociabilidade se encaixaria perfeitamente nesta
situação, pois, ao que tudo indica, o prazer em estar reunido de
um maçom se encontrava intimamente ligado com o prazer de
outros maçons, a ponto destes continuarem a “associação” ainda
que fora da loja.

Além disso, esse período que a loja icou fechada não sig-
niica que esses homens deixaram de se associar. Aliás uma
coisa que eu ico admirado são certas coisas que acontecem,
por exemplo, quando foi inaugurado a Culto ao Dever, uma
grande parte do pessoal que compareceu a loja foi o pesso-
al de Cataguases, vieram alguns elementos de Juiz de Fora
também, mas a maioria era de Cataguases [...] pois a Loja
de lá mantinha uma ligação muito grande com a gente. O
Jr. José Baesso, aqui de Guarani, inclusive a Loja maçônica
de lá tem o nome dele [...] saia de Guarani a cavalo para ir
a São João Nepomuceno nas reuniões, e depois ele voltava
passando por Descoberto [...] Então você vê a dedicação [...].
(Almeida. DEP. II. 04-09-06)

As palavras do Dr. Brenildo Aires também corroboram a


ideia da permanência da sociabilidade maçônica e sinalizam que
a “União e Crença” foi mais do que simplesmente um movimento
de “resposta” às críticas da Igreja Católica. Porquanto, as moti-
vações dos maçons em permanecerem reunidos não tinham se

238
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

esgotado, o “impulso à sociabilidade” continuava a exercer sua


atração, seja ela qual fosse (Morel, 2001/2002).

[...] mas de qualquer forma os maçons às vezes continuam


existindo e não mais a loja [...] a loja poderia até ter termi-
nado mas os maçons continuavam com suas ideias [...] e
freqüentaram principalmente a Loja Fidelidade Mineira em
Juiz de Fora [...] mesmo sabendo que naquela época o quan-
to era difícil o deslocamento pelas estradas [...]. (Ayres, DEP.
III. 04-09-06)

A conirmação da “dedicação” desses homens com os trabalhos


maçônicos viria quinze anos mais tarde com a inauguração da Loja
“Culto ao Dever”. Convictos dos preceitos da Ordem, alguns rema-
nescentes da “União e Crença” ajudaram a fundar a nova loja, entre
eles estariam: José Carlos Paes Leme, João Pinto de Araújo, Mário
de Souza Lima e o Intendente Municipal, Cel. Francisco de Paula
Leopoldino Araújo. Este último, conhecido como “Chico Boticá-
rio”, ainda constaria na ata de 22 de maio de 1898:

O Ir.: Cel.: Francisco Leopoldino pediu a palavra e proferiu


uma bela oração, felicitando os IIr.: presentes pela fundação
desta Loja, tão brilhantemente levada em bom caminho. O
presidente, usando da palavra, agradeceu o Ir.: Cel.: Leopol-
dino as palavras amistosas dirigidas à loja e bem assim o
grande auxilio que teve para a realização deste desideratum
ao mesmo Ir.: Cel. Leopoldino e ao Major Olympio de Araú-
jo, agradecendo também aos IIr.: presentes a honra que lhe
haviam conferido, elegendo-o Venerável desta loja nascente,
a qual prometia forçar-se sempre pelo seu crescente desen-
volvimento e progresso. Ficou deliberado que a Loja conti-
nuaria a funcionar provisoriamente no mesmo edifício, nos
sábados às seis horas da tarde. (Ata da Primeira Diretoria da
Loja “Culto ao Dever”, 1898)

239
Michel Silva (Org.)

Esta segunda loja maçônica de Rio Novo mantém-se plena-


mente ativa ainda hoje e a seu respeito já se sabe um pouco mais,
devido principalmente ao esforço de alguns maçons para preser-
varem a memória da Ordem. Num desses documentos, o autor
tentou reconstruir a atmosfera social e cultural de Rio Novo no
ano de 1898, no momento em que a Loja “Culto ao Dever” nascia.

Imaginemos nossa cidade de Rio Novo com apenas 28 anos


de emancipação, contando mais ou menos trezentas casas e
com poucas ruas existentes, ainda sem qualquer calçamento,
iluminadas aqui e ali apenas por candeeiros. Naquela noite de
22 de maio de 1898, as 20:00 horas, um movimento diferente
e estranho certamente chamava a atenção dos moradores da
rua da Estação, hoje rua Arthur Bernardes. (Ayres, 1998)

No resumo histórico, produzido pelo Dr. Brenildo, a casa do


senhor Francisco José Gomes, o Agente da Estrada de Ferro, é
apontada como o primeiro locus onde se revitalizara a sociabili-
dade maçônica. Naquele local reservado e discreto passaram a se
agrupar pessoas conhecidas na cidade, como fazendeiros, comer-
ciantes, advogados, médicos, dentre outros. Ao todo seriam vinte
homens “bem conceituados e respeitáveis cidadãos”. Além disso,
não nos parece ter havido uma motivação exclusivamente parti-
dária para que começassem os encontros, uma vez que era grande
a heterogeneidade social e política daquele grupo, com a presença
de alguns conhecidos republicanos e outros simpatizantes da mo-
narquia derrubada há menos de dez anos (Ayres, 1998). Haveria
ainda em Rio Novo, por um curto período de tempo, uma tercei-
ra loja maçônica fruto da divergência interna de alguns membros
da “Culto ao Dever”, como foi relatado na segunda entrevista que
realizamos com o Dr. Brenildo:

[...] Durante algum tempo existiu uma loja que se chamava


Operários da Virtude [...] pois dentro da Culto ao Dever em
uma determinada época por razões de administração, houve

240
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

uma divergência de opiniões e alguns irmãos não concor-


daram com algumas coisas e resolveram sair e fundar outra
loja [...] na verdade isso durou muito pouco tempo e logo
eles voltaram para Culto ao Dever [...] um pequeno período
[...] eles tinham o nome de Operários da Virtude, dado pelo
Olympio Araújo [...]. (Ayres. DEP.III. 04-09-06)

Com estas noções preliminares e tendo em mente o peso cul-


tural e social que a loja atingiu em Rio Novo, sobretudo após as
comemorações do primeiro centenário em 1998, decidimos en-
tão aprofundar a questão e veriicar em que medida o “antima-
çonismo” deixou de ser uma realidade literária e passou a fazer
parte do cotidiano de alguns cidadãos rionovenses.

2. A antimaçonaria para além dos textos: Os relatos dos


maçons e dos não maçons

Muitas vezes a loja sofreu restrições [...] em 1898, um dos


seus fundadores (Olympio Araújo), um dos rionovenses mais
ilustres de nossa história [...] Sendo o primeiro secretário da
loja e cujo o nome “Culto ao Dever” foi sugestão sua [...] um
nome admirado pelos maçons, uma idéia fantástica [...] Não
pôde casar-se em Rio Novo porque ele era maçom, o padre
naquele tempo não aceitou realizar o seu casamento. (Ayres,
DEP.II. 22-08-06)

Depois de realizadas algumas entrevistas com as principais


lideranças maçônicas, o Sr. Rui Almeida e o Dr. Brenildo Ayres,
entendi ser mais fácil encontrar indícios de antimaçonismo em
Rio Novo do que eu imaginava. Foram vários os “episódios” re-
lembrados eventualmente que se referiam a pequenos “inciden-
tes” ou constrangimentos. O caso do cônego Ceslau Martiniak,
pároco da cidade entre os anos de 1947 a 1958, é muito signiica-
tivo da forma como a narrativa antimaçônica se manifestou em
Rio Novo.

241
Michel Silva (Org.)

Na verdade o padre Ceslau foi uma pessoa que acredito, nin-


guém chegou a compreender realmente quem foi o padre Ces-
lau. Acho até que já contei isso pra você, né? ele metia o pau
em mim e quando chegava lá no banco era sempre eu quem
ele procurava, (risos)... então ele era uma igura incoerente,
você não sabia como agir e por causa dessa dúvida que havia,
eu decidi me casar no civil para tentar não trazer problema
para a família da moça, porque como sucedeu-se e eu contei
isso pra você [...] aconteceu de outras pessoas aceitarem casar
na igreja e o padre chegar na hora e dizer [...] eu só faço o ca-
samento na sacristia [...]. (Almeida. DEP. I. 22-08-06)

A hierarquia católica, além de condenar à excomunhão os


maçons, também reairmava inúmeras outras restrições aos pe-
dreiros-livres, pois naquela altura a ideia da “conspiração maçô-
nica” já era uma característica intrínseca à Maçonaria. Por exem-
plo, o Código do Direito Canônico de 1917 deinia a relação entre
Maçonaria e Igreja como essencialmente incompatível. Segundo
Jesus Hortal (2002, p. 47), o maçom não poderia ser padrinho de
crisma ou batismo e estava proibido de utilizar sepultura eclesi-
ástica e missa exequial, assim como dos direitos de padroado que
eventualmente possuísse. Algo muito próximo daquilo que o Sr.
Ruy Almeida nos relatou numa das entrevistas.

[...] muitas vezes algumas pessoas chegaram a me pedir que


eu fosse padrinho de seu ilho [...] eu sempre respondia [...]
se vocês arranjarem um padre que deixe eu ser o padrinho
eu estarei lá [...] inclusive certa vez uma pessoa insistiu mui-
to e me disse que se não fosse eu o padrinho de seu ilho
ele não seria batizado [...] esta pessoa conseguiu isso lá em
Coronel Pacheco. Então é aquele negócio, porque que um
padre pode aceitar e outro não? (risos)... é curioso o negócio,
talvez isso seja por razão de uma formação, de uma rigidez
de professor [...]. (Almeida. DEP. I. 22-08-06)

242
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

O Sr. Ruy Almeida nos relatou também um fato que teria


ocorrido numa época em que ainda não era nascido, o episódio
talvez seja o ponto mais “emblemático” da relação dos maçons e
clérigos na cidade e ocorreu no início do século XX. Refere-se a
uma “revolta” por parte dos maçons com um grupo de missio-
nários católicos que tiveram uma conduta que inligia a moral
maçônica. Não encontramos documentos a respeito deste inci-
dente, o que nos impede de oferecer um desfecho melhor para
a crise, mas sabemos que a reclamação dos maçons foi atendida
pela hierarquia católica e os religiosos “desordeiros” foram reti-
rados de Rio Novo.

Eles alegam que por volta de 1914 e 1915 um bando de mis-


sionários vieram para cá e andaram praticando um diverso
tipo de coisa que não agradou muito a Maçonaria, e a turma
da Maçonaria protestou e exigiu do bispo a retirada dos mis-
sionários, eu acho que houve este incidente com a Loja, nós
não temos muita coisa a respeito pois como eu te disse muita
coisa se perdeu... isso teria sido por volta de 1914 e 1915 [...].
(Almeida. DEP. II. 04-09-06)

O entrevistado ainda nos ofereceu outros exemplos de “anti-


maçonismo” ocorridos em Ponte Nova, uma cidade das redonde-
zas. Lá, os maçons foram proibidos pelo padre local de enterrar
um “irmão” no cemitério municipal, o dilema só foi resolvido
quando o juiz de direito foi acionado. Sobre este episódio, o en-
trevistado forneceu alguns detalhes muito signiicativos, como o
fato de que o juiz que resolveu o impasse a favor dos maçons era
também membro da Ordem.

[...] Morreu um maçom, providenciarão o enterro, quando


chegou lá uma pessoa falou com o pessoal... Oh! O padre
Rafael não vai deixar enterrar... ele não vai concordar com
o enterro... Ué mas porquê? Oh no cemitério vocês não vão
enterrar não! ...eles [maçons] então levaram uma pessoa

243
Michel Silva (Org.)

conceituada e voltaram lá pra procurar esclarecer isso, foi


então que na porta do cemitério lhe disseram a mesma coi-
sa e ainda estariam dispostos a resistir... Não tem problema
não, desceram e procuraram o juiz de direito, ai comentaram
com o juiz de direito...oh tá acontecendo isso... Ué desde que
houve a separação da igreja do Estado, a igreja não tem mais
domínio nenhum sobre o cemitério, vou dar ordem para o
pessoal lá e se preciso for vai até o policiamento! Chegaram
lá e disseram ao responsável pelo cemitério...Oh! Fala com o
padre Rafael se ele for homem mesmo (risos), é pra ele vir
aqui e impedir o enterro, ninguém compareceu, isso aconte-
ceu em Ponte Nova, agora o mais importante do negócio é
o seguinte, o juiz de direito lá era maçom, era daqui de Rio
Novo, pai do Aristóteles Ateniense (risos). (Almeida. DEP. I.
DEP.II. 04-09-06)

De volta a Rio Novo, o Sr. Ruy Almeida relembrou ter viven-


ciado uma situação muito parecida como esta ocorrida em Ponte
Nova. Neste caso, porém, o padre não queria deixar o corpo de um
maçom passar pela Igreja, o que para o Sr. Ruy estava “correto”. O
experiente maçom airmava claramente que a Igreja era contrária
à Maçonaria e por isso o padre estava no seu direito. Sendo assim,
se a família queria passar com o corpo antes do enterro era proble-
ma deles e não da Maçonaria enquanto instituição.

Aliás, houve ainda um caso muito interessante aqui em Rio


Novo, foi quando morreu o José Mateus [...] vieram aqui em
casa algumas pessoas uns três ou quatro, ai falaram comigo:
Oh Ruy! Está acontecendo um negócio muito curioso, o
padre Ceslau disse que não deixa o corpo do José Mateus,
passar na igreja, e o pessoal está muito bravo.
Eu disse: Que pessoal?
Lá da maçonaria.
Mas porquê?
Porque o pessoal acha que o padre não pode fazer isso [...]
Eu virei pra eles e disse: O padre Ceslau está correto [...]

244
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Mas por quê?


Uma ele é maçom, e a igreja condena a maçonaria, quem
tem que brigar é a família do defunto e não agente [...] Foi o
mesmo que aconteceu comigo quando eu fui me casar com a
Lucia, eu disse, Lucia eu caso com você no civil e se sua famí-
lia quiser casamento no religioso é problema de vocês com o
padre, eu não interiro, pois eu sei que a igreja é contrária a
Maçonaria. (Almeida. DEP. II. 04-09-06)

A ação da Igreja local, como observou com muita lucidez


o Sr. Ruy Almeida, era coerente com a posição defendida pelo
Vaticano. Deste modo, todos os constrangimentos sofridos pela
“Culto ao Dever” deveriam ser vistos com naturalidade e como
uma atitude compreensível entre dois inimigos históricos. As en-
trevistas do Dr. Brenildo também caminharam nesta perspectiva
e acabaram por reforçar alguns detalhes do costume da antima-
çonaria em Rio Novo, sobretudo, quando é questionado sobre as
restrições sofridas pelos maçons na cidade.
Assim como aconteceu com o Sr. Ruy Almeida, o Dr. Brenil-
do também foi testemunha ocular de uma situação problemática
que envolvia as duas instituições. Entretanto, o Dr. Brenildo am-
pliou sua observação e nos ofereceu uma questão bastante pecu-
liar da antimaçonaria que ultrapassava os limites literários, prin-
cipalmente porque estes casos aconteciam numa cidade “isolada”
dos grandes debates políticos e intelectuais.

[...] o padre Ceslau foi apenas um padre a mais que era con-
tra a Maçonaria, mas por outro lado ele era muito amigo dos
maçons [...] eu era garoto na ocasião, mas eu me lembro de
bastante coisa [...] tem coisas boas do padre e coisas que no
valem a pena lembrar e por isso não devem ser contadas a
realidade é essa [...] Agora com referência ao que ele pensa-
va sobre a Maçonaria estava de acordo na época com o que
a maioria dos padres pensavam [...] era contra, falava mal,
e levantava injúrias [...] o padre Ceslau, tinha uma perso-

245
Michel Silva (Org.)

nalidade muito controvertida [...] eu me lembro que minha


irmã quando foi coroar [...] o padre Ceslau mesmo teve um
dia que cismou de não ir benzer a coroa [...] e então icou
aquele auê dentro da igreja [...] ele tem birra com os maçons,
diziam, né!? [...] pois sabemos que os maçons pela igreja fo-
ram excomungados por várias gerações [...] e a excomunhão
signiica que você não vai comungar dos preceitos da igreja.
(Ayres. DEP. II, 22-08-06)

O Dr. Brenildo também relembrou situações mais recentes


que aconteceram durante as décadas de 60 e 70. Desta vez os as-
pectos da narrativa antimaçônica apareceram nas ações do padre
Antônio das Mercedes Gomes.

[...] quando eu estudei ginásio aqui em Rio Novo, durante


um ano pelo menos, eu tive aulas com o padre Antônio, ele
era contra a maçonaria, mas falava uma barbaridade, acusa-
ções inindáveis [...] aquilo icou na minha cabeça, será que
meu pai participou de uma instituição tão horrível, e demo-
nizada como diziam? Já adulto eu fui convidado a pertencer
a Ordem, iquei muito feliz e tive uma reação por coinci-
dência do próprio padre [...] que dizia estar decepcionado
comigo, porque ele não foi consultado, eu falei o seguinte: O
padre eu só entrei com uma condição, se algum dia aconte-
cesse algo contra o meu modo cristão de pensar ou agir, eu
me afastaria [...] nunca acreditei naquelas coisas que o se-
nhor falava [...] de que quem entrasse lá nunca mais poderia
sair [...]. (Ayres. DEP. III, 04-09-06)

Este episódio de antimaçonaria em Rio Novo aconteceu depois


da Igreja Católica ter ensaiado uma aproximação com a Maçonaria
através do Concilio Ecumênico Vaticano II. Porém, este foi o últi-
mo caso que temos notícia. Na opinião dos maçons, de lá pra cá, a
convivência melhorou muito, o que demonstraria um amadureci-
mento crítico de ambas as partes. Entretanto, mesmo que se tenha
“aliviado” a tensão entre as duas instituições, o fato é que para al-

246
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

guns não maçons ou profanos perdura ainda certa “desconiança”


em relação à Ordem. Ou seja, ainda hoje existe uma “intuição” de
que a Maçonaria, por ser uma entidade cercada de segredos e mis-
térios, sempre agia de forma sorrateira e às escondidas.
Aliás, o princípio do segredo sempre foi o mais caro a todos os
maçons ao longo da história, e, por isso mesmo, um tema muito
revisitado pela narrativa antimaçônica. Em ins do século XIX, por
exemplo, foi traduzida para a língua portuguesa uma importante
obra escrita pelo Mons. Amandio José Fava (1885), bispo de Gre-
noble, com o título de O segredo da Maçoneria. Entre todas as re-
velações trazidas pelo bispo, uma parece ser a fundamental, exata-
mente aquela que esclareceu que o objetivo principal da Maçonaria
era derrotar o cristianismo e no seu lugar impor o racionalismo.

O leitor encontrará n’esta citação uma prova bem positiva do


que nós asseveramos, a saber: que o segredo da Maçoneria con-
siste no projecto de destruir o reinado de Jesus Christo na terra.
John Robison vae ainda mais longe, pois diz de toda a religião.
Dar-se-há caso que a seita se convertesse, desde aquella época?
Não, não se converteu. Farta de destruição, pôde deter-se um
momento, como n’outr’ora os carrascos, cançados de ferir os
martyres christãos, deixavam cahir os braços; porem conser-
va a sua doutrina e nunca depõe as armas. (Fava, 1885, p. 59)

A desconiança quanto às intenções da Maçonaria é algo rele-


vante nos relatos de alguns entrevistados. Por exemplo, o Sr. João
Pinheiro, que além de falar de supostas “artimanhas” empregadas
para o favorecimento de alguns maçons, também nos acrescen-
tou elementos do universo místico e obscuro da Maçonaria.

Eu vejo a Maçonaria como sendo um canal de favorecimento


de emprego dentro de Rio Novo, possuem mais vantagens
do que o resto da população, além disso, são muito separatis-
ta, fora outras coisas lendárias relativo ao medo e pavor que
já tive deles... Pois teve uma época em que eu estudei na Loja

247
Michel Silva (Org.)

de Rio Novo... eu icava lembrando aquelas histórias sinis-


tras que me contavam, eles [os maçons] adoravam o bode,
e era o bode preto que comandava. De tanto medo de ver o
“bicho”, muitas vezes eu deixava de ir ao banheiro com medo
de encontrar com os bodes, o demônio o coisa ruim. Vejo a
Maçonaria também como um dos órgãos controladores de
estado como é a igreja católica. Mas dentro de Juiz de Fora
eu pude observar uma diferença brutal em comparação com
o que eu observava dentro de Rio Novo. Observei uma coisa
fantástica... uma viúva de um maçom que foi solidariamente
auxiliada pelos outros maçons. (Pinheiro. DEP. II. 22-08-06)

A despeito da desconiança em relação à Ordem, o Sr. João Pi-


nheiro também recuperou uma lembrança de solidariedade cris-
tã entre aqueles homens. O que nos sugere que os não-maçons
operam certa diferenciação entre as representações da Maçonaria
e as representações que fazem dos maçons. Existe uma preocupa-
ção consciente e/ou inconsciente para se distinguir a instituição
Maçonaria dos homens que dela participam. Neste sentido, a en-
trevista do Sr. Luiz André Xavier Gonçalves, foi bastante elucida-
tiva, pois além de operar tal distinção também indicou o quanto
é complexo o fenômeno do antimaçonismo, quando este é anali-
sado para além das limitações textuais.

Uma imagem que eu tenho da Maçonaria é uma imagem


negativa... um grupo de pessoas que se reúnem sobre uma
instituição centenária que desde que eu me entendo por
gente só trabalha em beneicio próprio haja vista a grande
inluência que ela exerce em diversos setores da sociedade”
Agora com respeito aos maçons, são pessoas boas... Não te-
nho nada contra... Nada contra a pessoa de nenhum deles, só
contra a igura da Maçonaria... tenho realmente uma certa
resistência contra ela. (Gonçalves. DEP. II. 20-08-06)

Se por um lado a Maçonaria, enquanto uma instituição, é


imaginada com todos aqueles elementos criadores do mito do

248
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

complô, o que na opinião de Raoul Girardet (1987) determinava


em primeiro lugar uma imagem temida da “Organização Secreta”,
por outro, os pedreiros-livres parecem escapar, pelo menos em
Rio Novo, do peso das acusações, restando a eles o reconheci-
mento pelas boas obras de fraternidade e ilantropia.

A Maçonaria foi a responsável pela dissociação desta cen-


tralização católica. Em contrapartida os maçons ganharam
força, muita força... a Maçonaria prestou grande ajuda para
libertar a consciência humana, reconheço isso mas não con-
cordo com o distanciamento em relação a Deus...os maçons
possuem uma imagem positiva no sentido de cooperativa,
se unem por um mistério muito forte e isso é de se admi-
rar, a força desse laço é incrível... A Maçonaria se opõem a
Igreja, pois pretende impor a toda a sociedade sua doutrina
material, sua verdadeira causa mística. A fraternidade dos
maçons para com a comunidade é realmente valorosa, eles
realmente ajudam muito as pessoas, no entanto pecam no
demasiado favorecimento interno e ajuda assistencial (Fabri,
DEP. III. 14-09-06)

Deste modo, é possível escutar num mesmo relato denúncias


sobre a ideologia da Maçonaria e, ao mesmo tempo, elogios so-
bre a ação daqueles homens, conforme nos relatou o Prof. Jamir
Vicenti Fabri.

Considerações inais

Finalmente diante dos fatos nos resta somente salientar que


a aparente contradição de imagens nesses relatos manifesta-se de
forma coerente com o nosso mundo contemporâneo, de maior
informação e acessibilidade ao conhecimento. O que torna per-
feitamente aceitável esta diferenciação feita pelos entrevistados
não maçons entre a ideia de Maçonaria e a imagem que fazem dos
maçons. Se de um lado temos uma visão repleta de preconcei-

249
Michel Silva (Org.)

tos e estereótipos, com a Maçonaria insurgindo sempre como a


principal inimiga do cristianismo, de outro temos um olhar mais
sensível às boas ações praticadas pelos maçons. Concluímos, por-
tanto, que em Rio Novo se revelou um complexo jogo de imagens
e relexos sobrepostos acerca da Maçonaria local, processo este
dinâmico e repleto de novas interpretações.

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Bulla do santíssimo padre Leão XII contra os pedreiros livres (sei-


tas ocultas e secretas) mandada publicar pela piedade, e decidido
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Gráo de Aprendiz, primeiro gráo da Maçoneria. Azul ; organi-
zados segundo o original francez, a traducção e annotações de
Hypolito (Londres), e adoptados aos trabalhos da Loja Brazileira
Commercio e Artes, pelo seu Veneravel J. da C. B. Rio de Janeiro:
Typ. dos IIrm. Seignot-Plancher e C.ª, 1833.

273
Michel Silva (Org.)

Instrucções Maçonicas, ou Cathecismo e Regulamento Geral do


Gráo de Mestre, terceiro gráo da Maçoneria. Azul; organizados
segundo o original francez, a traducção e annotações de Hypolito
(Londres), e adoptados aos trabalhos da Loja Brazileira Commer-
cio e Artes, pelo seu Veneravel J. da C. B. Rio de Janeiro: Typ. dos
IIrm. Seignot-Plancher e C.ª, 1833.

Instrucções Maçonicas, ou Cathecismo e Regulamento Geral do


Gráo de Companheito, segundo gráo da Maçoneria. Azul; orga-
nizados segundo o original francez, a traducção e annotações de
Hypolito (Londres), e adoptados aos trabalhos da Loja Brazileira
Commercio e Artes, pelo seu Veneravel J. da C. B. Rio de Janeiro:
Typ. dos IIrm. Seignot-Plancher e C.ª, 1833.

274
Sobre os autores
Berenice Abreu de Castro Neves
Possui graduação em História pela Universidade Federal do
Ceará (1988), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal
do Ceará (1998), doutorado em História pela Universidade Federal
Fluminense (2007), com estágio pós-doutoral no CPDOC/FGV
(2013). Professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará.

Bruna Melo dos Santos


Doutoranda em Memória Social na UNIRIO. Mestra em
História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Dedica-se ao estudo do periódico Correio Braziliense e a relação
de seu redator, Hipólito da Costa, com a maçonaria.

Françoise Jean de Oliveira Souza


Possui graduação em História pela Universidade Federal de
Minas Gerais (1997), Mestrado em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2004) e Doutorado em História pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2010). Chefe do De-
partamento de Identiicação, Registro e Promoção da Diretoria
de Patrimônio Cultural, na Fundação Municipal de Cultura de
Belo Horizonte.

Luaê Carregari Carneiro Ribeiro


Possui graduação em História pela Universidade de São Pau-
lo (2007) e mestrado em História Social pela Universidade de São
Paulo (2011). Professora no Colégio e Curso Poliedro.

275
Michel Silva (Org.)

Luiz Mário Ferreira Costa


Doutorando do Programa de Pós Graduação em História
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2009). Possui gradua-
ção (2006) e mestrado (2009) pela mesma instituição.

Marcelo Freitas Gil


Possui graduação em História (1999) e graduação em Direito
(2005) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista
em Mídias Integradas à Educação (2010) pelo Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL)
e mestre em Ciências Sociais (2008) pela Universidade Federal
de Pelotas (UFPel). Doutorando em Educação da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel). Professor do IFSUL, Campus Pelotas-
-Visconde da Graça.

Marcos José Diniz Silva


Graduado em História pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE-1988), especialista em Questões Teóricas e Metodológi-
cas da História pela Universidade Federal do Ceará (UFC-1994),
Mestre em Sociologia (UFC-2000) e Doutor em Sociologia (UFC-
2009), com tese versando sobre atuação de maçons, espíritas e
teosoistas no Ceará. Professor adjunto da Universidade Estadual
do Ceará (UECE), desde 1992, lotado no Curso de História da
Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FE-
CLESC/Quixadá-Ce).

Michel Goulart da Silva


Doutorando em História na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto
Federal Catarinense (IFC). Possui graduação e mestrado em His-
tória pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

276
Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade

Milena Aparecida Almeida Candiá


Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense
(2013) e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Esta-
do do Rio de Janeiro (2007). Graduada em Pedagogia pela Uni-
versidade Federal de Juiz de Fora (2004) e graduação em Odon-
tologia pela mesma Universidade (1988).

Tatiana Martins Alméri


Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2004) e Mestre em Ciências Sociais pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Professora da
Universidade Paulista, coordenadora do setor de estágios e pro-
fessora da Faculdade de Tecnologia de São José dos Campos.

hiago Werneck Gonçalves


Mestre em História Social pela Universidade Federal Flumi-
nense (PPGH-UFF). Membro do Laboratório Cidade e Poder
(LCP-UFF). Possui graduação em História (licenciatura e bacha-
relado) pela Universidade Federal Fluminense – UFF (2008).

277
Título Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade
Organizador Michel Silva
Coordenação Editorial Kátia Ayache
Assistência Editorial Augusto Pacheco Romano
Capa e Projeto Gráfico Renato Arantes Santana de Carvalho
Assistência Gráfica Bruno Balota
Preparação Stephanie Andreosi
Revisão Isabella Pacheco
Formato 14 x 21 cm
Número de Páginas 280
Tipografia Minion Pro
Papel Alta Alvura Alcalino 75g/m2
Impressão Psi7
1ª Edição Abril de 2015
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