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Flor do cerrado: Brasília noite, passava o dia trabalhando, ele construía

Para lá e para cá estradas de ferro, com trilhos para os trens.


[1] Criança não gosta de mudar de [10] Tínhamos babá, cozinheira,
casa. Assim, com o meu coração apertado arrumadeira e moças que minha mãe criava
recebi a notícia de que íamos para Brasília. Eu desde pequenas. As vizinhas e as amigas de
nunca tinha ouvido falar nessa cidade, Brasília, mamãe vinham conversar, tomar um café com
jamais tinha escutado esse nome, e fiquei tapioca, ou ouvir minha irmã chorar quando
sabendo que a cidade ainda nem existia. mamãe botava na vitrola a música “Clair de
[2] “Mas se a cidade não existe, como lune”, e a Chiquitinha gritava: “Traz um lenço
é que vamos nos mudar para lá?” para enxugar as lágrimas”. Todo mundo ria.
[3] Brasília ainda não existia, mas ia ser [11] Era uma casa também sempre
construída, e ia ser construída por meu pai. cheia de crianças, meus primos gostavam de
Achei papai um herói, construir uma cidade de vir, diziam que só na casa de mamãe tinham
verdade não devia ser nada fácil. Eu imaginava liberdade. Rolavam lágrimas na nossa casa, mas
que ele ia construir Brasília sozinho. Mas ele muito mais alegrias. As costureiras vinham
disse que estava indo muita gente para o cortar e costurar nossos vestidos, as rendeiras
centro do Brasil, onde ia ser construída a nova vinham vender suas rendas, os nossos vestidos
capital. eram de renda feita à mão. As bordadeiras
[4] Eu tinha quatro anos, era uma vinham bordar os vestidos de mamãe,
menina de olhos grandes e duas tranças, que sentavam em roda e estendiam a saia sobre os
usava vestidos de renda. Muito tímida, calada, joelhos, como uma brincadeira de roda, subiam
eu gostava de olhar livros, ouvir histórias, e e desciam as mãos pregando as contas,
desenhar. E sonhava. formando flores ou arabescos de brilho.
Saudades do Ceará Cantavam, riam, falavam da vida alheia. Uma
[5] De noite fiquei inquieta, virei na casa feminina, muitas janelas, luz nas cortinas.
cama para um lado e para o outro, demorei a [12] Mamãe gostava de ir aos bailes.
dormir, e sonhei com Brasília. Brasília era um Saía de unhas pintadas, colar de ouro e brincos,
deserto cheio de lobos uivando e uma lua ou pérolas, ou brilhantes, de cabelos em cachos
vermelha no céu. Mas o sonho não me deu ela se envolvia num xale de seda e saía com
medo, era até bonito. Acordei de madrugada e papai, deixando um perfume na sala. A casa
fui olhar pela janela o mar de Fortaleza, as então ficava vazia, escura, e eu sentia medo de
estrelas, os coqueiros na praia. que mamãe e papai nunca mais voltassem.
[6] No dia seguinte fiquei horas com a Minha babá, Odete, me consolava com
minha irmã fazendo uma cidade toda de papel histórias, beijos, até eu adormecer. Eu
recortado, em cima de uma cartolina: as ruas, precisava dormir cedo para ir de manhã à
os prédios e casas, a igreja, até os carros, as escola.
árvores e as pessoas andando. [13] O Instituto Christus era a minha
[7] Minha irmã me disse que, de noite, escola, onde eu estava aprendendo a ler e a
Nossa Senhora veio ao seu quarto, entrou pela escrever as primeiras letras, a desenhar e a
janela e ficou parada, em pé, olhando para ela, colorir, a cantar e a tocar instrumentos. Eu
e contou que Nossa Senhora era fria e adorava a aula de música, saltava sobre
nevoenta. Minha irmã também estava com rodinhas coloridas, cada uma de uma cor, que
medo de ir embora. representavam as notas musicais. Cantava o
[8] Ia ser difícil deixar a nossa casa em bê-á-bá, decorava os números, dançava
Fortaleza, todos os nossos amigos, primos, tios, quadrilha na festa de São João e fazia ginástica
tudo ia ficar para trás. Nossa casa era um com bambolês ou lenços.
bangalô, tinha sala disso, sala daquilo, [14] Nos fins de semana íamos ao
varandas, e no quintal eu podia correr em linha clube Ideal, onde nos divertíamos na piscina, no
reta até perder o fôlego. A casa tinha andar de escorrega, ou comíamos no restaurante. No
baixo e de cima, escada, quartos e mais clube, faziam as nossas festas de aniversário. A
quartos, e um quarto todo meu, com duas casa, as pessoas, a escola, o clube, tudo isso ia
janelas. Tinha árvores no quintal, o jardim da ficar para trás.
frente era rodeado por uma cerca viva de [15] Ia ficar para trás o quintal da casa
benjamim, e o chão, coberto de grama. do vovô e da vovó, os pés de pinha, os galhos
[9] Mamãe cuidava da casa, ficava o onde eu trepava e colhia ciriguelas. As
tempo inteiro perto de nós. Papai só chegava à ciriguelas eram as frutas mais gostosas do
mundo, porque eram as frutas da minha
infância. Tudo perdido... As redes de dormir das Local de publicação.
minhas tias, onde eu costumava me balançar, e
que tinham um cheiro gostoso de perfume e
cabelo... A minha madrinha, que me enchia de 2.Encontre todos os verbos dos parágrafos 4 e
presentes – pulseira de pedrinhas azuis, 5, em seguida anote-os no quadro.
corrente com medalha de Nossa Senhora,
parágrafo Verbos Tempo verbal/modo
talismã da sorte... encontrados ou forma nominal.
[16] Será que nunca mais eu ia ver a 4° Tinha Pretérito/indicativo
vovó? Vovó Joaninha era cega, e por isso eu
podia ficar olhando para ela muito tempo. Eu
olhava a vovó cortando o cigarro pela metade e
acendendo, como se enxergasse, ela fazia tudo
como se enxergasse, e parece que sabia que eu
estava ali perto dela, calada, olhando. Eu ia
perder a vovó para sempre?
[17] E as comidas do Ceará? A
rapadura, a tapioca branca e fina, o feijão-de-
corda, os cajus que deixavam um travo na boca.
Será que em Brasília tinha cajueiro? Eu gostava
tanto de pôr as castanhas de caju para estourar
dentro de uma lata numa pequena fogueira... e
minha babá cantava:

Cajueiro pequenino
Carregadinho de flor
À sombra das tuas folhas
Venho cantar meu amor.

Cajueiro pequenino
Carregadinho de flores
Também sou pequenininha
Carregadinha de amores...
3. Faça uma análise do texto, respondendo ás
seguintes questões no caderno:
[18] E aquele vento sempre
soprando... a. Que acontecimento vivido na infância da
[19] Os jangadeiros que enfrentavam o autora mudou tadicalmente sua vida?
alto-mar cheio de barracudas, pavoroso...
[20] E o meu umbigo seco, que minha b. Por que ela achou que seu pai era um herói?
babá jogara no telhado depois que eu nasci... c.Após a leitura do parágrafo 8, indique dois
[21] E a lua... Será que nas outras
motivos que faziam que a narradora não
cidades tinha a mesma lua? [...]
quisesse deixar sua casa em fortaleza.
MIRANDA, Ana. Flor do cerrado: d.A partir da leitura dos Parágrafos 16 e 17,
Brasília. São Paulo: Companhia das Letrinhas, indique um motivo que causa temor na
2004. p. 9-15.
narradora, quando pensa que mudará de casa e
cidade.

1. Individualmente, elabore um quadro


recuperando do texto lido informações gerais: 4.Encontre no texto palavras que marcam
tempo.
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Nome do autor
Gênero textual

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