Você está na página 1de 17

UM TIRO NAS SUAS CABEÇAS É A SOLUÇÃO PARA CURAR

SUA FOME ETERNA1

ONE SHOT IN THEIR HEADS IS THE SOLUTION TO THEIR


ETERNAL HUNGER

Monstros ou ciborgues? Mortos vivos e pós-humanidade em Resident Evil e The Walking


Dead, duas produções audiovisuais.

W. Julián Aldana*

ABSTRACT: The image of the living dead will probably appear first in the cinema with the
film White Zombie (1932). From there it made a large number of films, novels, sitcoms and
comic books; however the analysis of them as fictional characters is not very common in
academia. This century once again experiencing a taste for these characters; they invade
people's imagination. In this age where the interdependence between technology and human
development and their body are so connected, we ask if these characters of series B have a
place worthy of being studied in our reality where the post-human condition is everywhere.

KEYWORDS: Monsters, cyborgs, post-humanism

1
Para curtir melhor deste artigo se recomenda fazer uso dos links; é preciso ter acesso à internet.

*
Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Doutorando em Literatura Comparada. julianaldana@gmail.com
RESUMO:

A imagem dos mortos vivos aparece provavelmente pela primeira vez no cinema com o filme
White Zombie (1932). A partir daí se fizeram um número importante de filmes, romances,
seriados televisivos e histórias de quadrinhos, mas seu estúdio como personagens ficcionais
não é muito comum na academia. Este século XXI mais uma vez experimenta um gosto por
estes personagens que invadem o imaginário das pessoas. Nesta era onde a interdependência
entre a tecnologia e o desenvolvimento do ser humano e seu corpo estão tão ligados, surge a
pergunta de se esses personagens de serie B têm um lugar digno de serem estudado na nossa
realidade onde o pós-humano está no cardápio do dia.

PALAVRAS-CHAVE: Mortos vivos - monstros, ciborgues - pós-humanidade

O que pode acontecer num campo de uma cidade a 2600 metros sob o nível do mar
Sempre que vou para a casa da minha mãe, desço do ônibus e atravesso um campo. Minha
mãe mora num bairro popular de Bogotá, no meio da cidade, e para os pedestres deste campo,
não é estranho caminhar entre as vacas que comem pasto, nem entre os terneiros que pulam
ou mamam ou ficam quietos. Uma das últimas vezes eu atravessei este lugar pela noite e senti
a minha pele se arrepiar. Era tarde e não tinha mais ninguém. No meio da escuridão olhei uma
sombra se aproximando muito devagar. Eram passos de jeito estranho, quebrados. Depois
olhei outras sombras e escutei sons estranhos mais parecidos com gemidos. Logo senti o pior
cheiro que já experimentei: apodrecido, antigo, surrado, mofo. Duas sombras, ou três,
estiveram muito perto e numa pequena luz olhei seus olhos sem vida, sem cor nenhuma
conhecida. Eram mortos vivos.

Quando não pensava nessa história me perguntava “E que vou fazer agora se um grupo de
mortos vivos se levanta?” Mas todos sabemos que os mortos vivos não existem. Porém, estes
personagens moram no imaginário das pessoas, na literatura, nos quadrinhos, nos filmes e nos
seriados televisivos. Isso aí, não é um jeito de existir? Todo isso eu falava com um amigo
antes de voltar no Brasil. E como falamos sobre o caráter do pós-humano ele me perguntou
sobre a possibilidade dos zumbis fazer parte desta categoria. Eis meu ponto central, o caráter
pós-humano dos mortos vivos.

Mortos vivos contemporâneos: filmes ou seriados televisivos no cardápio do dia


O que eu mais gostei na consulta de informação para este artigo, é o fato de procurar na
internet alguns filmes e um seriado televisivo. Quando os achei, foi só me dispor, no conforto
de meu apartamento a assistir uma tarde inteira deles. Eu já tinha visto a primeira temporada
de seis capítulos de The Walking Dead, mas nesse momento somente curti dos capítulos e não
pensei em outra coisa. Este seriado foi estreado nos Estado Unidos no canal AMC, o 31 de
outubro de 2010. Na América Latina, o 1 de novembro do mesmo ano, pelo canal FOX. Foi
criado por Frank Darabont, baseado no romance gráfico de Robert Kirkman e Tony Moore.
Depois, continuei com Resident Evil (2002), filme dirigido por Paul W.S. Anderson e
protagonizado por Milla Jovovich e Michelle Rodríguez. Este filme está baseado no jogo de
vídeo do mesmo nome, produzido por Capcom em 1996. O filme foi seguido por outros três
(2004, 2007 e 2010) que continuam desenvolvendo a história (mas agora em 3D) e tem mais
um que virá no 2012.

Em The Walking Dead, um policial tem um acidente, entra em coma e se acorda não se sabe
quanto tempo depois, num hospital. Sai desse lugar e acha no chão do pátio, um monte de
mortos com um furo na frente. O mais estranho é que não tem ninguém vivo lá fora. Vai à sua
casa e esta vazia, mas todo parece indicar que sua mulher e seu filho foram embora. O policial
se encontra com um homem que mora com seu filho, ele lhe fala que a cidade está cheia de
mortos vivos. Então vai para Atlanta em busca de sua família, pois lá tem um lugar para se
refugiar. Depois de muitos acontecimentos e de encontros nojentos com mortos vivos Rick
Grimmes encontra sua família morando escondida com um grupo de pessoas nos morros perto
dessa cidade. Lá, conhece uma informação que pode salvar a vida de todos: a existência de
um centro de pesquisas sobre os mortos vivos; convence a maioria para ir nele. Conseguem
chegar no CDC, mas só há um científico, o resto se suicidou ou fugiram. Depois de um breve
descanso e uma curta esperança, o Dr. Edwin Jenner confessa que não existe possibilidade de
encontrar uma cura. Além disso, o prédio vai explodir em poucas horas e é melhor para todos
morrer assim e não ser presa dos mortos vivos. Grimmes e alguns de seus amigos conseguem
sair, olham a destruição do lugar e vão embora.

No caso de Resident Evil, o filme, uma infecção é desatada no prédio de Umbrella Company.
Esta empresa é a principal no campo da tecnologia informática, produtos médicos, tecnologia
militar, pesquisas genéticas e armas biológicas. A protagonista principal se acorda no
banheiro de uma mansão sem se lembrar de seu passado. É encontrada por uns militares cuja
missão é recuperar o prédio subterrâneo de Umbrella, que está sendo controlado por um
programa de computador: Red Queen. A entrada do lugar sobre a cidade está fechada por isso
eles têm de entrar pela entrada segreda da mansão, onde é também encontrado um policial que
não conhece muito dessa empresa e outro homem que também não lembra nada. Entanto o
grupo avança muitas coisas vão se revelando, aqueles que tinham amnésia lembram imagens
isoladas, o policial sabe mais do que se acreditava e os mortos vivos aparecem. O grupo vai
diminuindo por causa dos zumbis e das armadilhas que a Red Queen faz. Alice, a
protagonista, consegue desativar o programa informático, mas eles têm pouco tempo para sair
do prédio antes de explodir (como gostam das explosões nas histórias de mortos vivos!).
Neste ponto só sobreviveram três pessoas, mas uma delas está infetada. Quando conseguem o
antídoto é tarde, vira morto vivo e recebe um disparo na cabeça, única forma de terminar com
eles. No final, quando os dois sobreviventes estão saindo (Alice e Matt), uma força especial
protegida contra a contaminação, pega eles. Ele foi infetado por um ente produto de um
experimento genético, então começa a mutação. Um tempo depois a mulher acorda de novo,
esta vez num hospital. Quando sai, a cidade está desolada: os mortos vivos tem dominado
(este ponto final é o começo do jogo que inspirou o filme).

Ciborgues e monstros
No primeiro capítulo de Linguagens Líquidas na era da Mobilidade, “Os múltiplos sentidos
do Pós-humano”, Lucia Santaella apresenta a “Emergência do Pós-humano”. Ela considera
que só até 1980 alguns jovens escritores recorrem à tecnologia nos seus textos. Fala que se
começa fazer uma narrativa ciberpunk onde, citando a Sterling, a invasão do corpo está
presente: membros protéticos, circuitos implantados, cirurgias plásticas e alterações genéticas,
entre outras. Isso no nível do corpo. Mas no nível cerebral, se tem interfaces cérebro-
computador, inteligência artificial, neuroquímica, etc.
O termo “ciberpunk” começa a ser usado na década dos 80 e se caracteriza por ser um tipo de
ficção científica cuja ação se desenvolve numa sociedade caótica do futuro. Megacidades,
gangues de rua, mercenários, e pobreza extrema misturada com alta tecnologia que é acessível
para todas as pessoas. Eis o meio de liberação que facilita a sobrevivência física e financeira
dos seres humanos deste futuro ficcional (SANTAELLA, 2007, p. 36). Assim, a tecnologia se
mistura com o biológico como veremos mais adiante com Oehlert.

Até o momento o termo ciberpunk vai sendo explanado desde o ciber. A outra parte da
palavra, o punk, é apresentado por Santaella se baseando em Kellner: “a rispidez e a atitude
dura da vida urbana em aspectos como o sexo, as drogas, a violência e a rebeldia contra o
autoritarismo no modo de viver, na cultura pop e na moda” (ibid,. p. 36). Quer dizer que uma
subcultura high-tech se mistura com as culturas marginalizadas da rua. É a tecnoconsciência e
a cultura alterando os sentidos com tecnologia de ponta.

Depois disso, Santaella mostra que a partir do ciberpunk, em 1988 Hans Moravec2 cunha a
expressão “pós-biológico”: liberação do pensamento da escravidão de um corpo mortal. Bem
logo, em 1990, o artista Sterlac faz performances onde o “pós-evolucionismo” e o “pós-
humano”, são cada vez mais evidentes. Mas é Jeffrey Deitch quem fala do pós-humano pela
primeira vez numa exposição itinerante em 1991. Daí outros termos se tem usado, dando à
idéia do pós-humano um contexto de maior amplitude, todas elas do lado da cibercultura:
“autômata bioinformático”, “biomaquinal”, “pós-biológico”; uma mistura entre o humano e o
maquínico, e a ideia daquilo que está depois do corpo biológico do homem.

No entanto, quando Santaella fala de ficção só faz referência à literatura, esquecendo, ou não
se importando, pelos quadrinhos, que já desde 1932, com Superman, criado por Joe Shuster e
Jerry Siegel, recorria à tecnologia sendo usada pelos humanos. Nesta história, não é o típico
herói de vestimenta azul e capa vermelha quem é um exemplo da hibridez entre o cibernético
e o biológico, o assunto ciborgue. Ao contrário, é seu archi-inimigo Lex Luthor quem, às
vezes, usa uma armadura verde com a qual causa muitos problemas para o sujeito do planeta
Kripton. Se bem é verdade que nesta época ainda não se tinha o conceito de ciberpunk, a idéia
de um mundo com estas características já rondava nas cabeças de alguns desenhistas e
roteiristas de histórias em quadrinhos.

2
No texto Mind Children este autor junto com Rodney Brooks e Marvin Minsky criam o Paradoxo de Moravec: é fácil,
comparativamente, fazer que os computadores consigam ter capacidades de inteligência similares às de um ser humano
adulto (tão complexo para nós); mas muito difícil, ou impossível, conseguir que as máquinas possuam as habilidades
perceptivas e motrizes de um bebê de um ano (aquilo que fazemos quase sem pensar).
Aliás, se bem Santaella faz sua pesquisa tomando como corpus a literatura, Mark Oehlert
baseia-se nos quadrinhos, em “From Captain América to Wolverine” (1995), no livro The
Cyborg Handbook (editado depois no ano 2000 em The Cybercultures Reader). Lá ele vai
falar de um grande número de super-heróis tipo ciborgue, enumerando tanto aqueles de DC
(Detective Comics) quanto os de Marvel, e começando seu inventário desde a década dos
anos 30, nos Estados Unidos. No que interessa desse texto para chegar ao objetivo deste artigo
é a categorização que Oehlert faz sobre os ciborgues: simple controllers, bio-tech integrators
e genetic cyborgs.

Tem dois classes de simples controllers, aqueles que são implantados dentro do corpo dos
homens, e aqueles que são usados como vestimenta (OEHLERT, 2000, p. 114). Para ter uma
idéia sobre o primeiro, é só lembrar um dos personagens principais dos X Men: Wolverine.
Fazendo uso da tecnologia, este ser humano é submetido a um procedimento de alta cirurgia e
tecnologia: nos seus ossos é introduzido adamantium um metal fictício que faz deste homem,
um sujeito “irrompível”. Alem disso, por causa desta modificação tecnológica, todas suas
feridas fecham-se e curam-se sozinhas segundos depois de serem feitas. Também, umas
garras deste metal saem dentre os nós dos dedos de suas mãos. É assim um ciborgue com
verdadeiras modificações estruturais internas. A outra classe de simple controller (ibid, p.
115), é o suit cyborg, ou vestido ciborgue, tem dois modelos: aquele que só dá poderes ao ser
humano, como é o caso de Lex Luthor, Iron Man, Dr. Octopus, etc.; e aquele que amplifica as
habilidades ou os poderes mentais dos usuários, como o veste de Battalion, um mutante com
poderes telecinéticos, mas fraco de corpo. Com sua armadura, ele consegue aumentar seus
poderes mentais, além de fortalecer seu corpo.

A segunda categoria de ciborgues é denominada bio-tech integrator. Estes ciborgues são bem
mais complexos, pois seus corpos são híbridos entre o cibernético e o biológico. Eles podem
re-configurar partes de seus corpos para virar a vontade máquina ou organismo (ibid, p. 115).
É o caso de Cable, um mutante filho de dois membros do time dos X Men. Quando criança,
ele foi infetado com um vírus tecno-orgânico e foi enviado ao futuro para ser curado. A
doença terminou, mas ele ficou com essa modificação molecular tecno-orgânica que lhe
permite re-estruturar seu corpo.

A terceira categoria é a dos genetic cyborgs. Eles podem ter ou não algum implante artificial,
mas seu poder principal devém da alteração dos seus códigos genéticos (ibid., p. 116). Super-
hérois desta classe, são por exemplo Spiderman, Hulk, Flash o Capitão América, etc. Na
maioria dos casos estes cyborgs estiveram em contacto com radiação de jeito algum, o que fez
mudar seus códigos genéticos. Nenhum dos exemplos deste parágrafo têm armas externas,
mas são considerados ciborgues porque só a tecnologia conseguiu o desenvolvimento para
criar uma radiação tal que pudesse alterar eles geneticamente.

Mas, por que falar de ciborgues se este breve artigo tem como objetivo apresentar os mortos
vivos desde o pós-humano? Porque em muitos dos estudos feitos por autores que já falaram
do pós-humano se faz referência aos ciborgues com todas suas características da cibercultura
e do ciberpunk como o já falado linhas antes do autômata bioinformático, o biomaquinal, o
pós-biológico etc. Além disso, porque na cultura contemporânea muitas pessoas tem
conhecimento dos ciborgues e conhecem os super-heróis já falados, sem necessariamente
sabê-lo. Quer dizer que idéias simples ou elaboradas estão no imaginário da cultura. Estas
ideias vêm-se fortalecidas, por exemplo, pelo marketing de restaurantes que dão de presente
para as crianças bonequinhos com a forma de seus heróis preferidos e das capas dos cadernos
para usar nas escolas, etc. Também, dentro dos mesmos médios de comunicação tem seriados
nos quais seus personagens são fãs de ciborgues. Por exemplo em The Big Bang Theory, que
além de ser geeks, gostam muito de Flash, Star Trek etc., ou como nos Simpson, cujas
crianças tem seu próprio ciborgue: o Homem Radioativo.

Nestes casos, todos os ciborgues conservam uma aparência humana, mesmo se sua intenção é
fazer o mal: Lex Luthor, Magneto (o maior vilão dos X Men), Dr. Octopus, etc. No entanto,
Eric White em “Once They were Men, now They’re Land Crabs: Monstrous Becomings in
Evolution Cinema”, último capítulo de Posthuman Bodies, apresenta uma classe bem
particular de pós-humanos: os monstros. Neste texto, White mostra que as idéias que as
pessoas tiveram dos monstros era de seres fantásticos mitológicos ou entes vindos do além,
emissários de outros mundos ou do futuro. E sempre eles apresentavam formas maiores ou
muito diferentes à dos seres humanos; seus corpos estão alem da noção da unidade orgânica
humana (HALBERSTAM, LIVINGSTON, 1995, p. 244).

Mas o importante do texto de White fica no fato que ele faz a análise de quatro filmes onde os
monstros não devêm de seres míticos ou de outros mundos ou do futuro, mas de nosso planeta
e da nossa espécie na maioria dos casos. São homens cujos corpos perdem sua qualidade
física humana e suas consciências mudam, se animalizam ou desaparecem. Dos quatro
filmes3, só vou levar em conta dois. Em Attack of the Crab Monsters (1957), dirigida por
3
Attack of the Crab Monsters (1957), diretor Roger Corman. Five Million Years to Earth (1967), diretor Ro Ward Baker. My
Uncle in America (1980), diretor Alain Resnais. Matango; Attack of the Mushroom People (1963), diretores Honda e Eiji
Roger Corman, um grupo de científicos chega numa ilha que apresenta tremores por causas
desconhecidas. Eles têm o objetivo de saber o que aconteceu com outro grupo de científicos
desaparecido. Descobrem que na ilha mora uma quadrilha de caranguejos gigantes e que as
pessoas desaparecidas foram devoradas por os monstros. Estes animais, além de ter um
tamanho desproporcionado, têm uma inteligência maior à comum dos crustáceos. Com o
passo do tempo descobrem que cresceram de mais por causa da radiação. Também, que a
inteligência pouco comum vem do fato de comer os humanos e poder ficar com a informação
de seus cérebros. Os corpos dos caranguejos não apresentam modificações, mas eles têm a
capacidade de absorver a mente das vítimas. Eis a causa de sua super inteligência, que neste
caso são é aproveitada com fins destrutivos: destruir a ilha, matar os humanos e se reproduzir.

Em Attack of the Mushroom People (1963), dirigida por Honda e Eiji Tsuburaya, um grupo de
pessoas faz uma viagem em um bote que por causa de uma tormenta se perde no mar. Eles
chegam numa ilha esquecida e dias depois de tentar consertar o bote a comida termina (E
como gostam das ilhas nos filmes de monstros!). Procuram alimentos, mas a ilha só tem uma
classe de cogumelos. Algumas das pessoas que comeram esses fungos começam a ser
violentos. Alguns dos membros do grupo desaparecem e outros aparecem mortos. Uma das
protagonistas encontra um ser muito estranho que quer matá-la. Descobrem que os que
comeram esses fungos estão virando “fungoshomens”. Finalmente, uns dos protagonistas
conseguem escapar da ilha. Neste caso, segundo White, se descobre que o bote esteve em
contacto com um material atômico o que explica o fato dos fungos provocarem a
transformação (HALBERSTAM, LIVINGSTON, 1995, p. 261).

Caranguejos e fungoshomens com corpos além da noção da unidade orgânica humana. È claro
então que os monstros, desde este olhar, são produto da tecnologia radioativa ou atômica; é
por isso que têm um componente de ciborgues. No entanto, como já falei, o ponto principal é
o fato dos monstros não ter ou perder a forma humana e lá fica a grande diferença com os
ciborgues no jeito em que são explanados por Oehlert e da forma em que Santaella os
concebe.

Monstros e mais monstros; eles mudam e a teoria também. No sétimo capítulo de Body
Works, Peter Brooks se pergunta What is a Monster?, e para responder se baseia em
Frankenstein. A criação do Dr. Frankenstein sempre é chamada por Brooks como Monstro,
com maiúscula, e chama a atenção sobre algumas das características que o constituem. Para

Tsuburaya.
ele a ideia do monstro está relacionada com a forma humana. O primeiro é que o monstro, do
latim monstro, “indicar” ou “mostrar”, existe para ser olhado (BROOKS, 1993, p. 199).
Vemos nele algo que produz receio e, às vezes, por mais que tentemos ignorá-lo nosso olhar
cai de novo nele e é mais forte que qualquer vontade. Quantos homens caíram vitimas do
olhar da Medusa, quantas pessoas rejeitaram a criatura de Frankenstein só pelo olhar?

O monstro é normalmente relacionado com a transgressão de parâmetros físicos, mentais e


comportamentais; por isso a bestialidade é uma característica de fácil inferência, clara mesmo
nos caranguejos gigantes e nos fungoshomens. Brooks não fala disso, mas é enfático no fato
dos monstros carecerem ou ter dificuldade na comunicação por meio da linguagem. Daí que o
Monstro no romance ao se saber uma anomalia menos que humana, apreende a falar e ler
porque acha que isto fará de ele menos monstro. Sua desconcertante verdade, bem sabemos, é
outra, e sua monstruosidade não termina nem diminui com o domínio da linguagem; sua
bestialidade não decresce ainda que tenha consciência disso. É o lugar dos mortos vivos neste
ponto, cujo cérebro não lhes permite consciência nenhuma, menos uma ideia tal como aquela
de articular sons. Neles nem se comunicar nem ter consciência, ou não, de sua
monstruosidade é importante, isso não calma a fome.

Enquanto à existência dos monstros eles parecem devir tanto da natureza quanto do
sobrenatural (ibid, p. 201). Natural seria o aparente caso dos zumbis de A noite dos Mortos
Vivos que saem dos túmulos sem explicação nenhuma. Sobrenatural, o de White Zombie onde
são criados por meio da bruxaria vudu. Quando Brooks fala do natural está também o fato dos
monstros ter componentes orgânicos, que seria o caso de todos os monstros e zumbis aqui
referidos. Ainda que Brooks não exprima o termo sobrenatural, aqui concebo que não só se
refere às práticas escuras de magia e bruxaria, mas também a tudo aquilo que vai além da
natureza e suas leis. É verdade que a curiosidade do ser humano é já um fato de sua natureza,
e as técnicas, desenvolvimentos e inventos passam a ser só extensões do seu corpo, mas no
comum dificilmente se relaciona o sobrenatural com a ciência. Acaso por isso Brooks não se
importou com que o Monstro do romance entra no campo do tecnológico, pois retorna à vida
por causa do experimento científico e a eletricidade. Está, na verdade, mais do lado ciborgue
que outra coisa.

Logo depois, Brooks afirma que o monstro é tanto natural quanto antinatural (ibid, 216 - 217),
é feito 100 % com “ingredientes” da natureza, mas por ser um produto da criação humana por
meios sobrenaturais perde tal característica. De esse jeito qualificá-lo como algo post-natural
e pré-cultural; é, primeiro, alheio à natureza e não criado por ela, e, segundo, quebra os
parâmetros culturais éticos e religiosos, entanto se profana o corpo do ser humano e se dá
vida, aquilo que no passado só era privilégio de Deus. O desejo do Dr. Frankenstein
transcende os limites e toda coação imposta pela cultura é rejeitada. Nele os processos de
autocoação não funcionam e quando acha que cometeu um erro é tarde e já não tem maneira
de solucionar ou regredir o que fez. Sem dúvida é o que acontece na maioria de exemplos
dados e em todas as obras do corpus: os zumbis produto da manipulação humana mágica ou
tecnologicamente.

São os monstros então uma consequência da curiosidade humana que não pode ser localizada
em ponto nenhum dos esquemas taxonômicos (ibid, 218). São corpos que não podem ser
compreendidos nem organizados pela natureza. Mais uma vez, estão além dela. Se bem é
verdade que na realidade estas construções fantásticas não existem do jeito em que aqui são
descritos, no momento em que obtém vida por meio da linguagem, mais nunca poderão ser
eliminados nem da linguagem mesma nem do imaginário cultural (ibid, 218). É a típica piada
quando se fala “não imagine uma casa vermelha”; que o morto vivo não passe por meu lado
quando caminho, não impedi você, leitor, imaginar eles de princípio ao fim deste artigo.

A gênese dos mortos vivos


Em muitas das ficções aparecidas no campo criativo, se apresentam mortos vivos, zumbis,
com toda a decomposição normal de um morto e com um funcionamento motor, embora
parcial, como a maioria dos vivos. O cinema zumbi começa em 1932 com o filme White
Zombie, produzido pelos irmãos Edward e Victor Halperin e protagonizado por Bela Lugosi.
Está baseada na obra de Broadway Zombie, de 1932, que é uma versão livre do livro The
Magic Island, de W.B. Seabrook escrito depois da viagem de pesquisa no Haiti. Eis a origem
provável dos mortos vivos. Além de Seabrook, autores como Zora Neale Hurston e Wade
Davis escreveram textos sobre a criação de mortos vivos no Haiti. Acha-se que faz parte de
um ritual de bruxaria no qual o bokor, ou bruxo, dá às pessoas um pó feito de tetrodotoxina
que causa nelas uma aparente morte. Horas depois dos corpos serem enterrados os túmulos
são abertos para tirar o corpo; o efeito do pó passa e a partir daí são alimentados com uma
massa de atropina e escopolamina o que deixa ao “zumbi” num constante letargo. Era uma
forma fácil de ter trabalhadores sem pago para as labores das plantações na ilha. No entanto,
estas teorias já foram rejeitadas e desmentidas e nenhuma fonte confiável existe sobre o
assunto.

Mas a verdade detrás dos zumbis é coisa sem importância por causa de serem entes ficcionais.
No entanto, sobre eles já se fizeram estúdios científicos, como o trabalho do doutor em
Filosofia e neuro-cientísta Bradley Voytek da Universidade de California em San Francisco,
USA. Além de suas pesquisas e várias publicações sobre o funcionamento do cérebro na
memória, na aprendizagem, na imaginação e mais outras atividades, Bradley e Timothy
Vestynen fizeram um estudo sobre o que acontece no cérebro dos mortos vivos. Em termos
clínicos os zumbis padecem de um transtorno hipoativo de déficit da consciência (CDHD,
Consciousness Deficit Hypoactivity Disorder). Trata-se de um cúmulo de doenças que causa a
perda da razão manifestada no aumento de agressividade, perda da memória, impossibilidade
para usar a linguagem, impulsividade e dificuldades motrizes.

Em uma palestra feita em 2011, Bradley exprime a razão de cada doença. A agressividade
acontece pelo deterioro do lobo frontal que não consegue regular as funções do tálamo, do
hipotálamo e das amígdalas cerebolosas causando uma hiperatividade evidente na fúria
constante e na impossibilidade de controlar o apetite. O dano no lobo temporal, tira deles toda
possibilidade de memória, por isso nunca poderão lembrar o que aconteceu um minuto antes,
nem que já comeram. É uma amnésia acompanhada pela Síndrome de Capgras, um distúrbio
que produz uma falsa crença na qual as pessoas que eles acham conhecer são substituídas por
impostores que vão lhes fazer mal. Os problemas motores obedecem a uma ataxia do
cerebelo: movimentos lerdos, balançar constante e tremores. A impossibilidade de usar a
linguagem é por a afasia que envolve várias zonas do cérebro como a Área de Broca, a de
Wernicke, o Giro Supramarginal, o Giro Angular e o Cortex auditivo primário. Finalmente, os
mortos vivos tem a Síndrome de Bálint, uma doença acontecida no lobo parietal que causa
déficit de atenção, por causa da dificuldade de mover os olhos, fixar o olhar e ver mais de um
objeto por vez. Bradley termina a palestra de jeito engraçado dando dicas para evitar ser
atacado pelos zumbis, mas lembra da impossibilidade destes entes existir no que achamos a
nossa realidade. Quer dizer que eu nunca poderei encontrar eles no caminho para a casa da
minha mãe, embora aqui fale principalmente deles.
Entre ciborgues e monstros. Podem os mortos vivos pertencer à categoria do pós-
humano?
Desde o filme dos irmãos Halperin até o seriado televisivo The Walking Dead os mortos vivos
apresentam características similares: caminhar devagar, gemer e não falar, estar no processo
de apodrecimento, e não pensar. Mas com o passo do tempo em filmes como A noite dos
Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero, novas características se sumam às anteriores:
procurar seres animados para comer, infetar aos vivos mordendo-os ou quando seu sangue
putrefato entra em contacto com as mucosas (olhos e boca, por exemplo) ou uma ferida, e
ganhar uma segunda e definitiva morte quando o que fica do cérebro é destruído.

O que não é comum em todas as manifestações que apresentam zumbis é a razão pela qual os
mortos voltam na vida. No filme de Romero de 1968, não é possível saber isso. O carro de um
casal de irmãos uma tarde se estraga na frente do cemitério e os mortos começam sair dos
seus túmulos. O filme dá para saber isso e que o único protagonista que logra sobreviver á
noite dos mortos vivos é morto no final pela bala de um policial. Mas não tem explicação
nenhuma sobre o fato que deu vida aos mortos. No remake de 1990 se faz uma referência
breve a um experimento militar, mas não tem transcendência nenhuma. Mesmo acontece
numa outra seqüela, onde se fala de uma nave espacial vinda de Vênus: não se aprofunda
nunca na origem do despertar dos mortos.

No entanto, em Resident Evil tem um momento onde Red Queen, o programa informático que
comanda o prédio desde que o vírus foi liberado, fala com as pessoas que tentam desativá-lo.
O programa, com o holograma de uma menina, enuncia que o corpo humano continua vivo
depois de morto, pois o cabelo e as unhas seguem crescendo e o cérebro conserva uma energia
que se demora em se sumir.

Além disso, a Red Queen fala que a praga dos mortos vivos foi desencadeada por o vírus T,
um avance médico de uso militar que mata as pessoas que entram em contacto com ele, mas
produze uma descarga massiva tanto no crescimento celular quanto nos impulsos bio-
elétricos. Quer dizer que reanima o corpo. Não se trata de voltar à vida aos mortos da maneira
em que os seres humanos vivem. Mas o vírus consegue manter as funções motoras simples,
sem conseguir conservar a memória nem a inteligência. Além disso, os mortos têm o impulso
de se alimentar, a necessidade básica de comer.

O interessante deste acontecimento fica no fato de ser provavelmente a primeira explanação


de maior verossimilhança no tema dos mortos vivos. De jeito similar, no último capítulo da
primeira temporada de The Walking Dead, “TS-19”, tem um momento onde o Dr. Jenner
explica para os poucos sobreviventes o que acontece com os zumbis. Num telão se olha uma
imagem radiográfica de um cérebro, com um zoom in, a imagem vai se ampliando e
consegue-se ver a sinapse: umas luzes pequenas que são o movimento da energia entre os
neurônios. A tela amostra um midsagittal view do sujeito teste 19 que foi mordido e infetado
por um morto vivo. O doutor fala que o processo de contaminação tem dois momentos. No
primeiro, a infecção invade o cérebro e faz sangrar as glândulas supra-renais. Logo o cérebro
se paralisa, depois os principais órgãos ficam quietos e o sujeito morre.

O segundo evento é o processo de ressurreição que tarda entre 3 minutos e 8 horas e depende
de cada sujeito. No caso do TS-19 foi de 2 horas, 1 minuto e 7 segundos. A informação é
dramática, pois neste momento o espectador sabe que era a esposa do Dr. Jenner. Quando o
morto acorda, uma pequena energia re-inicia o tronco cerebral o que permite o movimento.
No entanto, o cérebro segue morto: o lobo frontal e o neocórtex já não funcionam. É como
uma casca vazia dirigida por instintos irracionais: o lado humano está perdido. É verdade que
em The Walking Dead só se conhece o processo, mas não a causa da doença. No entanto, a
explicação é muito clara e permite complementar a informação de Resident Evil.

Com todo o anterior, será possível atribuir algo de pós-humano nos mortos vivos? Porque, de
um lado, segundo a explicação dada em Resident Evil, os zumbis são o resultado de um vírus
produzido por uma empresa dedicada, entre outras coisas, à experimentação genética e o fato
de eles serem produto de uma sustância produzidas com altas tecnologias faria deles, no
princípio, ciborgues (Além disso, lembremos que neste filme também acontece a criação de
um monstro, aquele que desencadeia o processo de mutação de Matt no final do filme. Este
monstro – para usar a forma em que Eric White denomina os corpos humanos deformados
com qualquer tipo de tecnologia – tem garras, todos os dentes como comilhos, uma língua
muito longa e carece de olhos. Também é produto do vírus T, más usado de jeito diferente).
De outro lado, A agressividade e a impossibilidade de controlar os impulsos faz parecer como
si o estado zumbi produzira neles uma força maior a dos humanos comuns, o que poderia ser
visto como um tipo de poder. Isto faz que estes corpos apresentem algumas características dos
ciborgues, uma sorte de genetic cyborgs. Embora na ficção conhecida e consultada nesta
pesquisa não se soube de algum ente cujo estado híbrido entre tecnologia e biologia perdesse
a razão e ficasse no gume entre vida e morte, orgânico e inorgânico, o fato dos mortos vivos
chegar nesse estado por causa da manipulação genética ou a pesquisa tecnológica dar-lhes-ia
caráter ciborgue.
Agora lembremos ao artista Robert Pepperell, citado por Santaella, quem em 1995 expressou
três sentidos do termo pós-humano em The Postuman Condition. O primeiro deles surge do
período de desenvolvimento social conhecido como humanismo, o pós-humano significa,
então, o que vem depois desse humanismo ideológico. Em segundo lugar, está o fato de que a
visão daquilo que constitui o humano está sendo profundamente transformado: o que hoje
pensamos do caráter de ser humano, é diferente do pensado nos tempos passados. Finalmente,
o pós-humano refere-se à convergência dos organismos com as tecnologias ao ponto de se
tornarem indistinguíveis: realidade virtual, comunicação global, prostética e nanotecnologia,
redes neuronais, algoritmos genéticos, manipulação genética e vida artificial (SANTAELLA,
2007, p. 44). Além disso, Santaella faz sua interpretação sui generis do pós-humano, parte da
idéia freudiana de pulsão de morte, essa tendência à repetição, aquilo que não sai do lugar, a
tendência para a inércia (ibid, p. 52), contrapondo-se ao curso normal da vida e da natureza: o
movimento do devir. A idéia anterior problematizada por Santaella é o fato dos organismos
cair constantemente nessa pulsão de morte, na repetição de hábitos, nos costumes que
obrigam a passar pelos mesmos lugares vez trás vez. O que acho mais interessante desta
proposta é a oposição que faz com o não orgânico e sua tendência ao caos. O inorgânico que
pode se desenvolver no caos tem comportamentos auto-organizativos que, segundo a teoria do
caos ou “ciência da complexidade”, tem origem na entropia. Esta entropia é a lei física que
determina uma ordem dentro do caos. Quer dizer que não existe algo que seja completamente
caótico. Sempre haverá uma ordem, uma entropia que começa a gerar algum padrão. Assim, a
entropia “é um dispositivo que conduz o mundo para uma complexidade crescente, e não para
a morte” (ibid, p. 53). Deste jeito aquilo que é considerado como não-orgânico está muito
próximo às formas de vida. E postula que a vida não é uma propriedade da matéria orgânica
per se, mas uma organização da matéria (SANTAELLA, 2007, p. 54). É uma espécie de
paradoxo no qual em tanto o orgânico tem comportamentos que ficam perto da inação da
pulsão de morte, a entropia do inorgânico gera modelos com alguma organização que os põe
perto da ação do vivo.

A partir do anterior é possível achar nos mortos vivos um caráter de pós-humano? É claro já
que na maioria dos casos os zumbis chegam nesse estado por causa de alguma manipulação
que transgredi os parâmetros culturais e naturais: o zumbi é pré-cultural e pós-natural, e é pós-
humano no fato de eles transgredirem a lógica do pensamento do humanismo que ainda tenta
caminhar só pelo relvado da razão. A ciência dita que quando toda energia do corpo termina e
os signos vitais desaparecem a vida se consume. Carece de toda lógica e toda razão um morto
vivo, mas na ficção eles caminham como o fazem nos filmes aqui falados e no principio deste
artigo. Além disso, transforma o que se achava do caráter do ser humano, entanto os mortos
vivos ficam num estado tal que só as características mais primitivas do ser humano são
evidentes. Sobreviver é a consigna. Sobreviver a quê se de eles continuarem sem comer não
morreriam de novo? Mas neles o instinto está vivo embora seus corpos estejam apodrecendo.
Neles governa uma sorte de Id, normal no ser humano que, no entanto, luta por controlar da
mão do Ego e do Super Ego. Aquele ser humano que hoje não consegue se controlar e só quer
soltar seus instintos é normalmente confinado na cadeia ou no manicômio. Viver desse jeito
seria outra forma de ir além da humanidade regulada pelas coações sociais e culturais: é uma
forma de pós-humanidade desde o olhar daquilo “normal” ou canônico.

É claro também que o zumbi é um monstro. Se para White, já citado, a corporalidade


monstruosa “está além da noção da unidade orgânica humana”, e a forma monstruosa está
fora da humana, teríamos de estabelecer o que o orgânico é. O orgânico é aquilo que contém
carbono, mas quando o halito de vida se perde o orgânico começa se desmanchar, ainda que o
cabelo e as unhas continuem seus processos de vida. Então essa vida do corpo morto que bem
logo começa gerar outras vidas no meio do apodrecimento e, que no caso, dos mortos vivos,
ainda lhes permite conter uma forma e satisfazer seu instinto voraz de comer, faz deles uma
unidade orgânica ainda concebível já não humana, mas pós-humana.

Desde o olhar de Santaella os mortos vivos ficam de novo no “entre”. Neles a tendência à
repetição é total. Poderiam ficar no mesmo lugar, como um pássaro numa gaiola, se sempre
tem um braço ou uma perna ou o que for “vivo” para comer. Mesmo assim, eles apresentam
comportamentos auto-organizativos inconscientes como acontece com o inorgânico. Mais
uma vez é só um reflexo instintivo, mas é comum neles se agrupar para caçar; não há um
chefe que dê ordens nem uma armadilha por trás disso, mas certa entropia organizá-los para
pegar alguém e comer. Com a certeza com que o caráter zumbi foi desenvolvido na ficção,
eles não agarram alguém para sua família zumbi comer, mas nesse comportamento
organizado inconsciente quando um deles come outros podem o fazer também. Por isso,
orgânicos ou inorgânicos os mortos vivos estão se dúvida perto da vida. Santaella diz que “a
vida não é uma propriedade da matéria orgânica per se, mas uma organização da matéria”, E
se bem é verdade que os mortos vivos não apresentam uma organização humana e consciente,
a de eles é instintiva e evidente.
White resalta uma ideia quase sinônima do conceito do monstro: a maldade. Os dicionários de
várias línguas dão à palavra monstro a significação de “pessoa perversa e desnaturada”. Aqui
não vamos falar que no fundo o verdadeiro monstro do romance de Mary Shelly é o doutor
que faz a criatura, porque aqui não vamos nos importar com este significado metafórico. O
que importa com relação ao monstro ficcional é o fato dele fazer mal. Caranguejos que
comem pessoas, fungoshomens que fazem o mesmo, zumbis que comem seres vivos. O
Monstro que nasce bom, mas ao ser abandonado por sue pai e criador, e ante a rejeição da
maioria das pessoas ganha uma segunda monstruosidade agora atitudinal e vira mau. A
Medusa, os titãs e o Kraken. Todos monstros e todos maus, com seu comportamento ruim são
o inimigo do ser humano, a maldade é sua sina. E Se o morto vivo nem tem consciência da
maldade que possui isso não tira dele o mal que causa.

Finalmente, eis é a resposta para meu amigo: entre ciborgue e monstro o zumbi é um ente
pertencente à categoria do pós-humano pela origem sobrenatural, pelo caráter pré-cultural,
pelo fato de estarem além do conceito comum de humanidade e por a vida que mantém depois
da perda das características do humano racional. Eles seguem com seu caminhar devagar pelo
mundo procurando alguém para se alimentar sem estar vivos vivos ou mortos mortos: eis a
maldição de ser um morto vivo. Um tiro nas suas cabeças é a solução para curar sua fome
eterna.

BIBLIOGRAFIA

- BELL, David; KENNEDY, Barbara ed. The Cyberculture Reader. London: Routledge,
2000.

- BROOKS, Peter. The Body Work. Object of Desire in Mondern Narrative. London: Harvard
University Press, 1993.
- HALBERSTAM, Judith; LIVINGSTONE, Ira ed. Posthuman Bodies. Indiana: Indiana
University Press, 1995.

- RESIDENT EVIL. Paul W.S. Anderson (Dir.). Inglaterra, Alemanha, Constantin Film,
2002. 1° filme (100 min), som, cor. Lendas em espanhol.

- SANTAELLA, Lucia. Linguagens Líquidas na era da Mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

- VOYTEK, Bradley. Scanning the Zombie Brain. Palestra disponível em


http://vimeo.com/19716014 Acesso em: 08 abril 2012.

- WALKING DEAD. Frank Darabont (Prod.). Estados Unidos, AMC, 2010 – 2013. Três
temporadas (28 episódios), som, cor. Lendas em espanhol.

Você também pode gostar