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Os último de nós?

Tendo estreado no dia 15 de janeiro pelo canal HBO, a série The last of us (Os
últimos de nós em tradução livre) já é um dos principais sucessos de público e crítica de
2023. Adaptada a partir de um jogo de vídeo game com o mesmo nome, a série narra
acontecimentos de uma história alternativa; por causa do aquecimento global, um fungo
chamado Cordyceps evoluiu ao ponto de infectar seres humanos, transformando-os em
zumbis canibais. O espalhamento da infecção pelo fungo levou ao colapso da
civilização, fundando um mundo onde os sobreviventes vivem em meio a ruínas e
brutalidade.
Entre os sobreviventes, descobre-se que a adolescente Ellie é imune ao fungo e,
sendo assim, designam o habilidoso Joel, interpretado pelo sempre excelente Pedro
Pascal, para levá-la à uma quarentena onde cientistas poderão estudá-la e, talvez,
desenvolver uma cura ou vacina contra o Cordyceps. Joel e Ellie iniciam assim uma
desventura na qual precisam cuidar um do outro para sobreviver diante de zumbis e
inimigos humanos.
A premissa de The last of us, pessoas lutando pela sobrevivência num pós-
apocalipse povoado de mortos-vivos canibais e pessoas atrozes, é um subgênero da
cultura pop, o do apocalipse zumbi. O sucesso dessa temática é estrondoso no cinema,
TV, quadrinhos, vídeo games e jogos de tabuleiro e há uma explicação psíquica e
sociológica para tamanha adesão do público a esse subgênero.
A contação de histórias encontra no apocalipse zumbi um dos principais meios
de se metaforizar e exagerar uma gama imensa de ansiedades sociais: pandemias, fome,
violência, rupturas na comunidade, o receio de que nossas autoridades e compatriotas
possam estar sob controle de forças querendo se alimentar de nossas vidas e várias
outras coisas. Os zumbis são monstros bem próximos do real, para entender isso, basta
relembrarmos a deplorável e degradante cena na qual milhares de terroristas
bolsonaristas vandalizaram a sede dos três poderes em Brasília, esse acontecimento
mostra que manadas de criaturas acéfalas atacando a sociedade não é algo exclusivo da
ficção.
As histórias de zumbis também brincam com desejos reprimidos, pulsões de
morte e violência bastante enraizadas em nós que vivemos um mundo sob constante
pressão de doenças psíquicas, violência, catástrofes ambientais e ausência de cuidados
para com o outro. Em diversas histórias do subgênero, valores como a brutalidade, a
frieza, o atirar primeiro e o sobreviver às custas de crueldade autoritária são exaltados,
retratados como dignos e desejáveis. Essa característica torna narrativas como The
Walking Dead e Extermínio uma espécie de prazer macabro por parte de quem as
consome. O sucesso de The last of us se explica pela série estar indo na contramão
desses prazeres doentios.
A nossa sociedade já exalta a frieza e a desumanização, já vivemos como os
protagonistas dos apocalipses de zumbis, basta, por exemplo, dar uma olhada na
estatística de “erros policiais” para perceber que minorias podem ser executadas
impunemente como se fossem os mortos-vivos e antagonistas dos filmes de zumbis. O
ponto nisso tudo é, nossos valores de capitalismo contemporâneo não estão ajudando na
nossa sobrevivência, pelo contrário, cada dia mais eliminamos as condições de
existência social do ser humano no planeta Terra. E é percebendo isso que os criadores
de The last of us roteirizaram tanto o vídeo game quanto a série.
Em The last of us, a necessidade de lutar, portar armas e ser esperto existe, mas a
força do roteiro está no outro, na empatia, no cuidar, amar, proteger, no estabelecer
comunidade e no guiar-se pela esperança, mesmo mínima, de que as coisas podem
mudar para melhor. The last of us não é a primeira história do subgênero de apocalipse
zumbi a inovar lançando luz sobre valores mais humanos e fazendo críticas a como se
conduz a sociedade presente, produções como Train to busain, The sadness e a trilogia
dos mortos de George A. Romero já tinham nos alertado sobre os cuidados necessários
para com o outro, sobre os perigos do consumismo, do militarismo, do racismo, do
armamentismo e da falta de humanidade por parte de autoridades e massas de pessoas.
The last of us, assim como outras produções do mesmo subgênero, deve muito
ao livro A estrada, do genial Cormac Mccarthy. Embora não tenha zumbis, A estrada é
uma história de pós-apocalipse na qual o foco se encontra na luta por elevar a
humanidade ao cuidado com o outro e à empatia. Se estiver sem tempo de ler, tudo bem,
basta procurar pela adaptação cinematográfica do livro, ela foi lançada em 2009, tem o
mesmo nome e é protagonizada por Viggo Mortensen.
Fica aqui a recomendação para você assistir e pesquisar sobre os filmes citados e
usá-los para pensar um pouco por si próprio, nossos valores realmente estão produzindo
a nossa sobrevivência?
Paz entre nós, guerra aos nossos senhores

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