Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTIGO
Submissão: 30/11/2022 | Aprovação:15/01/2023
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv13nespeciala2
RESUMO
Objetivo: Compartilhar, por meio de um relato de experiência, a mudança necessária no papel da docência para
a promoção de uma Aprendizagem Transformadora no contexto do ensino remoto.
Escopo: O artigo relata a forma como os autores, responsáveis pela condução de uma disciplina de graduação,
fizeram a transição do ensino presencial para o ensino remoto emergencial, durante a pandemia da Covid-19.
Originalidade: O relato identifica e discute as atitudes pedagógicas inovadoras necessárias para garantir que os
princípios da Aprendizagem Transformadora sejam preservados em ambiente virtual.
Relevância: A pandemia da Covid-19 marcou um novo momento para o sistema educacional. As escolas de
Administração têm que se repensar e incorporar modalidades remotas de ensino de maneira permanente.
Palavras-chave: aprendizagem transformadora, ensino remoto, migração, adaptação.
ABSTRACT
Purpose: To share, through an experience report, the changes that are necessary in the role of teachers to promote
transformative learning in the context of remote learning.
Scope: The paper describes how the authors, who teach an undergraduate course, made the transition from face-to-
face to emergency remote learning during the Covid-19 pandemic.
Originality: The report identifies and discusses a number of innovative pedagogical attitudes that are necessary to
guarantee that the principles of transformative learning are preserved in the virtual environment.
Relevance: The Covid-19 pandemic marked a new moment for the educational system. Management schools have
to rethink themselves and incorporate remote learning on a permanent basis.
Keywords: transformative learning, remote learning, migration, adaptation
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 1
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
INTRODUÇÃO
Devido à pandemia da Covid-19, universidades do mundo todo migraram em 2020 para o Ensino
Remoto Emergencial (ERE). Diferentemente do já conhecido Ensino a Distância (EaD), o
ERE adquiriu outra escala e implicações (Oliveira et al., 2020; Williamson et al., 2020). Foi
uma solução temporária para um problema imediato, que eventualmente se beneficiou das
experiências de EaD, mas que deve ser utilizado com cautela (Bozkurt & Sharma, 2020; Pokhrel
& Chhetri, 2021). O ERE é um modelo de ensino com aulas síncronas mediadas pelo uso de
tecnologias digitais interativas via internet, cuja pedagogia se assemelha ao ensino presencial,
com horários fixos de aulas por períodos e com a mesma quantidade de estudantes do modelo
presencial nas salas virtuais (Bozkurt & Sharma, 2020; Oliveira et al., 2020; Pokhrel & Chhetri,
2021; Williamson et al., 2020).
Quase dois anos depois, quando da retomada das aulas presenciais, as instituições de
ensino passaram a olhar para o Ensino Remoto (ER) como uma tendência, fazendo com que
ele deixasse sua característica emergencial para começar a se consolidar como prática recorrente.
Os pontos de similaridade e de diferença entre o EaD, o ER e o ERE (Quadro 1) tornaram-se
objeto de debate. Nesse contexto, diversos estudos e pesquisas começam a ser conduzidos em
diferentes campos para discutir questões mais críticas sobre educação e tecnologia (Williamson
et al., 2020); desafios e oportunidades para as escolas de Administração (Beech & Anseel, 2020;
Brammer & Clark, 2020; Pokhrel & Chhetri, 2021); e adaptações necessárias dos conteúdos e
pedagogias aplicados presencialmente (Carreira et al., 2023).
Ensino a Distância (EaD) Ensino Remoto (ER) Ensino Remoto Emergencial (ERE)
Caracteriza-se pela distância no Caracteriza-se pela sincronia das Oferecido em caráter temporário
tempo e/ou espaço entre estudantes aulas. e emergencial diante de uma
e recursos de aprendizagem. circunstância sui generis.
Mediado pelo uso de tecnologias
Mediado por canais distintos para digitais interativas via internet. Segue as mesmas características
permitir mais engajamento no do ER quanto à tecnologia e ao
Semelhante ao ensino presencial, com
processo de aprendizagem. espelhamento na organização do
horários fixos de aulas por períodos
ensino presencial.
e com a mesma quantidade de
estudantes do modelo presencial nas
salas virtuais.
Os debates preconizados pela adoção do ERE na pandemia dão luz a questões evidenciadas
há anos no campo do ensino em Gestão no modelo presencial, tais como o engajamento, o
protagonismo, a autonomia e a pedagogia centrada no estudante (Bozkurt & Sharma, 2020;
Oliveira et al., 2020). Em especial, a teoria da Aprendizagem Transformadora (AT) permeia
as discussões propondo que o ensino de Gestão desenvolva nos estudantes a capacidade de
questionar pressupostos e aprender por meio de dilemas coletivos; fazer reflexões críticas; saber
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 2
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
improvisar, adaptar-se, inovar e criar (Brunnquell & Brunstein, 2018; Brunstein & King, 2018;
Cunliffe, 2016; Cunliffe et al., 2020). Somam-se a isso as crescentes críticas ao Management
Education, que apontam para uma perda de relevância epistemológica, curricular e pedagógica
nos cursos de Administração (Akrivou & Bradbury-Huang, 2015; Gröschl & Gabaldon, 2018)
e para uma perpetuação de práticas destrutivas dos gestores por meio do ensino de Gestão
(Ghoshal, 2005).
Partimos das reflexões trazidas por Carreira et al. (2023) sobre como promover um Ensino
Remoto Transformador (ERT), realizado em ambiente virtual, que se utilize de arranjos
tecnológicos para possibilitar a AT e o desenvolvimento de novas competências e papéis nos
estudantes, em especial aqueles ligados a uma gestão responsável e ética. Três elementos centrais
para promover o ERT foram identificados por esses autores: explorar diferentes janelas de
conhecimento; adaptar ferramentas a serviço do processo de ensino-aprendizagem; e repensar
o papel docente.
Este artigo focará justamente a docência, apresentando como nós, autores e responsáveis
pela condução de uma disciplina fundamentada na AT em um curso de graduação de uma escola
de Administração de São Paulo, fizemos a transição do ensino presencial para o ERE durante
a pandemia da Covid-19. O objetivo é compartilhar, por meio de um relato de experiência,
a mudança necessária no papel da docência para a promoção de uma AT no contexto do
ERE. Esperamos que esse relato contribua para o avanço da prática docente nas escolas de
administração em contextos de ER, seja ele emergencial ou não.
REVISÃO DA LITERATURA
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 3
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
lidar com ele de maneira crítica e adequada (Sterling, 2001). Na AT, o processo de educação
também acontece ao ouvir pessoas de fora da instituição de ensino, ao experienciar o mundo
real (Figura 1).
Figura 1. Da educação transmissiva à Aprendizagem Transformadora (AT)
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 4
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 5
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
docente se coloca como facilitador, mais do que detentor de conhecimento (Brunnquell &
Brunstein, 2018; Brunstein & King, 2018; Chory & Offstein, 2017; Gur-Ze’ev, 2010). No ER, é
preciso ainda que a docência esteja atenta a aspectos emocionais e de infraestrutura que podem
criar barreiras no processo de aprendizagem (Carreira et al., 2023).
O conceito de EC vem das discussões sobre a interface entre educação e comunicação, e toma
forma na proposta de Martín-Barbero (2000), que identifica EC como a relação entre sujeitos
e todo tipo de tecnologia envolvida no processo de aprendizagem. Diferentes autores propõem
atualizações do conceito, como a perspectiva das trocas simbólicas e qualidades de interação
(Soares, 2004); e as qualidades de diálogo, experiências, vivências culturais, relações interpessoais
e modos de expressão, às quais se adiciona ainda a perspectiva das dinâmicas de constituição
de comunidades como mais um elemento definidor do EC (Consani, 2018).
Barretto (2019) reconhece nessas atualizações uma conexão com um elemento do conceito
original de Martín-Barbero (2000) que não tem recebido a devida referência: a mudança do
sensorium – conceito de Walter Benjamin, que expressa os modos de perceber e sentir, reunindo
em uma mesma ideia as dimensões da sensibilidade e da sensorialidade. Martín-Barbero destaca
que esse é um fenômeno evidente nos mais jovens, pois desenvolvem empatias cognitivas e
expressivas com as tecnologias, além de novos modos de reconhecer o espaço e o tempo, o que
é lento e o que é veloz, o que está próximo e o que está distante.
Essa mudança de sensorialidade e sensibilidade vem se alastrando por diferentes espectros
da sociedade, indicando um novo modo de estar no mundo que integra virtual e presencial nas
formas de as pessoas interagirem, interpretarem estímulos e situações, expressarem impulsos e
reações, construírem e difundirem pensamento (Felice, 2017). Assim, da variedade de tecnologias
à diversidade de comportamentos humanos, a abrangência e complexidade do conceito de EC
acaba por identificar justamente a interface entre educação e comunicação na qual opera e da
qual depende a AT, em especial na perspectiva do ER.
A experiência relatada neste trabalho trata justamente dessa conexão AT-EC na migração
para o ERE.
METODOLOGIA
Para relatar a experiência na transição de uma disciplina presencial fundamentada na AT para o
modelo de ERE, no contexto da pandemia da Covid-19, conduzimos uma pesquisa qualitativa
de caráter exploratório (Denzin & Lincoln, 2018). O relato de experiência como método
é pouco comum nas pesquisas sobre ensino da Administração, apesar de ser uma forma de
compartilhar práticas educacionais inovadoras (Ching et al., 2014; Escrivão & Ribeiro, 2008).
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 6
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
Ele busca descrever o contexto pesquisado e qualificar as ações observadas para permitir que
cheguemos a conclusões sobre a experiência na qual quem pesquisa se inseriu como participante,
possibilitando que outras experiências semelhantes possam refletir e balizar-se a partir do que
está descrito no relato (Fortunato, 2018).
A disciplina em questão denomina-se Formação Integrada para a Sustentabilidade (FIS)
e é ofertada aos cursos de graduação de Administração de Empresas, Administração Pública,
Direito, Economia e Relações Internacionais. Por sermos docentes da disciplina, o relato da
experiência parte da observação participante e engajada, contando também com a colaboração
dos discentes da disciplina (Merriam, 1988; Thiollent, 2000). Sendo a migração um fenômeno
recente, mas que pode vir a ser uma tendência, toda a experiência foi transformada em um ciclo
de pesquisa-ação, em que a produção de conhecimento acontece por meio da busca de soluções
de problemas em situações práticas e reais (Thiollent, 2000). Assim, buscamos contribuir para
a geração de conhecimento teórico com base no empirismo.
Figura 3. Ciclo de pesquisa-ação da experiência de migração da disciplina FIS para o ER
Estruturamos o relato da experiência da seguinte forma: (1) breve descrição do caso; (2)
a experiência docente da vigésima turma da disciplina (FIS20), que foi a primeira migrada
para o ERE; (3) a implementação do ER nas turmas subsequentes (FIS21 e FIS22); e (4)
as contribuições para o aprimoramento do ER à luz da AT. O relato da experiência traz os
aprendizados obtidos a partir da análise dos dados coletados das seguintes fontes:
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 7
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
Criada em 2009, quando a FGV EAESP aderiu aos Principles for Responsible Management
Education (PRME), a disciplina FIS propõe um processo que busca ampliar o paradigma de
percepção da realidade da(o) aluna(o), promover as condições necessárias para fazer emergir
um sujeito mais consciente de si e de sua interdependência com o mundo, preparado para
lidar com desafios complexos. É uma disciplina que apresenta ao grupo dilemas coletivos e que
trabalha a reflexão de pressupostos, crenças e modelos mentais ao longo do percurso formativo,
fundamentado na AT. Sua equipe de docentes tem formações multidisciplinares e foi, ao longo
do tempo, se especializando formalmente e por meio da experiência adquirida ao viver cada
turma nas competências da AT, Educação para Sustentabilidade e Transdisciplinaridade –
outras duas teorias que fundamentam a disciplina.
O FIS possui dois pilares fundamentais e indissociáveis: o Projeto Referência – um desafio
real e complexo apresentado à turma no início do curso e que muda a cada semestre, com uma
entrega final coletiva e prática – e o Projeto de Si Mesmo – que se realiza a partir de atividades
autorreflexivas e experienciais ao longo do semestre. Também fazem parte da metodologia duas
viagens de campo, a participação de pessoas de fora nas aulas, dois eventos abertos ao público
planejados e conduzidos pela turma, atividades de corpo, mindfulness e arte.
Quando as mais diversas instituições de ensino no Brasil adotaram o ERE devido à pandemia
da Covid-19, em março de 2020, a vigésima turma da disciplina (FIS20) estava em curso. As
aulas presenciais foram canceladas e retomadas virtualmente, via plataforma Zoom, em 23 de
março de 2020. Das 28 aulas do semestre, 10 foram presenciais, duas, canceladas e 16 migraram
para o on-line, e uma das viagens e um dos eventos da disciplina foram transformados em
atividades virtuais. Assim, os alunos dessa turma experienciaram ambos os formatos num curto
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 8
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 9
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
O depoimento aponta que há, nesse modelo de AT, uma mudança de atitude docente no
que diz respeito ao controle da disciplina, que foi reforçado no contexto do ERE. Tínhamos
que estar a serviço das necessidades do grupo, e não apenas do conteúdo. Como esse “abrir
mão do controle”, da mesma forma que o improviso e a permeabilidade às mudanças, já faziam
parte da essência da metodologia do FIS, a transição para o ERE foi um pouco mais suave, mas
certamente ficou evidente a necessidade de sua ampliação.
Outra adaptação diz respeito ao que Carreira et al. (2023) chamam de “outras janelas de
conhecimento”, pois, na AT, conhecimento não significa apenas transmissão de conteúdo, mas
contempla outras fontes. No nosso caso, uma das janelas de conhecimento bastante explorada é
a que traz o corpo, a arte e práticas de atenção plena, que trabalham a cognição de uma forma
diferente e complementar às outras janelas, como a reflexividade crítica e questionamento de
pressupostos, a colaboração e a prática e vivência de questões reais. Nesse exercício de adaptação,
reconhecemos a complexidade do EC com o qual estávamos lidando, integrando em uma mesma
experiência estímulos mais sensoriais e sensíveis – normalmente associados ao agir de corpo presente
– à potência da tecnologia, não como ferramenta, mas como um modo de interação e interatividade
(Felice, 2017), de estabelecimento de espaços de confiança e de aprofundamento de relações.
Emergiu desse processo a sensação de que, apesar de distantes, estávamos vivendo juntos a
experiência. Tratava-se, portanto, de desafiar a possível comodidade de estar em casa, conferindo
maior qualidade de interação no ambiente virtual e revelando um sensorium híbrido, ao mesmo
tempo virtual e corporalizado, no EC. As fotos da Figura 4 ilustram a necessidade de usarmos
a criatividade e experimentarmos trazer elementos “analógicos” para o on-line.
Quanto ao conteúdo que estávamos trabalhando na disciplina, tivemos que estabelecer
pontes com a pandemia, como forma de os alunos poderem ampliar sua percepção da realidade e
fazer uma reflexão crítica de como a Covid-19 estava afetando a tomada de decisão na perspectiva
da Gestão. Afinal, a proposta da AT no ensino de Gestão é justamente aproximar o que se ensina
– e como se ensina – dos dilemas coletivos do mundo real. Com isso, possibilitamos não só a
oferta de repertório aos futuros gestores (teórico, técnico, emocional, relacional, tecnológico),
mas também constituímos um laboratório de como lidar – de modo crítico, integrado, vivo –
com questões coletivas e individuais que atravessam a exploração de um assunto específico ou
a formulação e execução de um projeto.
Após esse primeiro esforço de migração, conduzimos, ao final do semestre, uma avaliação
da experiência a partir da escuta dos discentes (ver Figura 3 e Quadro 2), para capturar melhorias
para a próxima turma, que se iniciaria já no ER. Destacaram-se as seguintes sugestões:
• Estabelecer, principalmente no início da disciplina, momentos e atividades para a
construção das relações do grupo e do espaço de confiança, seja promovendo conversas
em salas paralelas, em grupos menores ou duplas, seja com dinâmicas em plenária
que permitam integração.
• Iniciar as aulas sempre que possível com algum estímulo audiovisual ou corporal para
ativar a sensorialidade e a sensibilidade.
• Aproveitar a facilidade do virtual para trazer pessoas de fora, especialistas convidadas.
• Usar a tecnologia sempre como forma de promover interatividade e interação.
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 10
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 11
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
Um dos primeiros ajustes feitos para essas turmas foi estabelecer um Projeto Referência
bastante conectado ao dia a dia dos estudantes, inclusive no contexto de pandemia. Com
isso, foi possível equilibrar as aulas em que traríamos pessoas de fora com aulas mais voltadas
para dinâmicas de grupo, visando o estreitamento de laços afetivos e o compartilhamento do
conhecimento que cada um tinha sobre o tema, conforme sugerido pelo FIS20. Tais encontros
foram fundamentais, uma vez que as relações sociais estabelecidas nos espaços físicos não
estavam mais ocorrendo. E, em comparação à turma do FIS20, que entrou no ERE já tendo
uma vivência presencial prévia com a turma – incluindo uma viagem de campo e um evento
aberto ao público –, nas duas turmas seguintes, éramos todos desconhecidos, o que trouxe a
necessidade de ampliarmos os espaços para nos conhecermos.
Também implementamos na rotina das aulas o hábito de começar e terminar com músicas,
cujas letras ora se remeteram ao tema da disciplina, ora a algum sentimento que o grupo estava
tendo. A música também funcionava, segundo depoimentos da turma, como um momento de
transição de uma aula para outra, de chegada à “sala do FIS” e de conexão com a nossa prática
de AT. Com o passar dos meses, os próprios estudantes passaram a pedir músicas ou a querer
dedicar uma música a alguém, apontando para um engajamento e apropriação do EC.
Uma particularidade dessas turmas foi o uso das redes sociais: dessa vez, o Instagram
tornou-se uma ferramenta importante de fortalecimento de vínculos. A turma do FIS21 sugeriu
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 12
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
que a cada dia uma pessoa tomaria conta do perfil privado criado por eles, e mostraria seu dia a dia,
abrindo espaço para perguntas dos colegas e docentes de uma forma descontraída. Nosso papel
como docentes foi participar da brincadeira proposta com horizontalidade, mostrando também
o nosso cotidiano, e dessa forma estreitando as relações e criando o espaço de confiança que é
fundamental em processos de AT. A atividade foi tão bem-sucedida que a repetimos no FIS22.
Por fim, destacamos uma diferença fundamental entre as turmas 21 e 22: após um ano em
isolamento social e sem perspectivas de um retorno perene às aulas presenciais, a 22ª turma já se
apresentava mais cansada do ER. Isso pôde ser observado de maneira sutil – câmeras desligadas
nas primeiras aulas, maior dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais, além de
depoimentos de vários alunos. Tal cenário exigiu de nós ainda mais investimento nas atividades
direcionadas ao desenvolvimento de vínculos, e trouxe à tona uma nova distinção entre ER e
EaD: a necessidade de avaliar a conjuntura e adaptar-se a partir dela.
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 13
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia da Covid-19 marca um novo momento para o sistema educacional mundial. A
migração para o ERE acelerou uma tendência que agora faz com que as escolas de Administração
tenham que se repensar e incorporar o ER como um dos modelos possíveis. Junto desse imperativo
do ER, uma crise estrutural de caráter sistêmico foi desvelada e potencializada, ao mesmo
tempo que suspendeu os modos habituais de vida, convivência e, claro, de ensino-aprendizagem,
colocando-nos diante de um contexto de incertezas e instabilidades. À luz desse contexto,
faz-se necessário revisitar as experiências educadoras para que não somente sejam adaptadas
ao ambiente virtual, mas que dialoguem profundamente com as premissas que sustentam os
paradigmas fundantes dessa crise sistêmica, bem como com seus impactos, vividos coletivamente
e individualmente, e que não findarão, necessariamente, com o fim dessa pandemia.
Este relato de experiência buscou não somente apresentar uma experiência de AT migrada
para o ERE, apontando as adaptações criativas que possibilitaram manter o caráter transformador
da disciplina no ambiente on-line, mas principalmente compartilhar que ela faz ainda mais
sentido no ER e que vem acompanhada da emergência de um EC que precisa ser considerado
e explorado pela docência.
As mudanças e adaptações na atitude da docência, que tiveram como ponto de partida o
diálogo sobre o uso de ferramentas tecnológicas e o reconhecimento das potências e limites do
EC que envolve o ER para promover a AT, tiveram como questões centrais participação, troca,
relações – dinâmicas típicas da interação presencial.
A docência no contexto da disciplina FIS é sustentada por premissas que possibilitam
e estimulam sua própria transformação, além da transformação dos percursos formativos, a
depender das necessidades e demandas dos sujeitos implicados e das incertezas resultantes dos
sistemas relacionais. A abordagem transformadora também está presente no fazer da docência
e aquilo que foi planejado está aberto, constantemente, a adaptações, mesmo sem o contexto
da pandemia. Portanto, é característica da disciplina e de sua docência muita criatividade,
tanto para a definição de cada Projeto Referência quanto para estruturação do percurso e seu
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 14
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
planejamento. O advento da pandemia, que trouxe a migração abrupta para o ER, encontrou
na metodologia, nos facilitadores, um campo aberto e disponível às transformações emergentes
dessa crise e, como resposta, apesar das dúvidas, das inseguranças e do desconhecimento, uma
elevada capacidade adaptativa e criativa para mudar o que fosse necessário e, ao mesmo tempo,
manter a entrega dos pilares da disciplina. Contudo, cabe apontar a importância da atenção
das escolas de Administração do ponto de vista técnico, emocional e de apoio na formação de
docentes que venham a atuar ou já estão atuando no ER.
Finalmente, promover um ERT parece ser um terreno fértil para escolas de Administração
formarem gestores aptos a lidar com a complexidade, a volatilidade e os altos níveis de incerteza,
presentes em qualquer sistema vivo e interconectado, reconhecidos na atualidade em desafios
coletivos como pandemias, mudanças climáticas e digitalização das relações humanas. O
conhecimento empírico gerado neste relato de experiência convida a comunidade do ensino
de Gestão a refletir sobre uma educação que precisa acontecer, talvez na mesma emergência
que o ER.
REFERÊNCIAS
Akrivou, K., & Bradbury-Huang, H. (2015). Educating integrated catalysts: Transforming business
schools toward ethics and sustainability. Academy of Management Learning and Education, 14(2),
222-240. https://doi.org/10.5465/amle.2012.0343
Barretto, R. (2019). O corpo nos ecossistemas comunicativos: Desdobramentos para a educomunicação.
42o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom. https://portalintercom.org.br/anais/
nacional2019/resumos/R14-0670-1.pdf
Beech, N., & Anseel, F. (2020). COVID-19 and its impact on management research and education:
Threats, opportunities and a manifesto. British Journal of Management, 31(3), 447-449. https://doi.
org/10.1111/1467-8551.12421
Bozkurt, A., & Sharma, R. (2020). Emergency remote teaching in a time of global crisis due to
CoronaVirus pandemic. Asian Journal of Distance Education, 15(1), 1-6. https://doi.org/10.5281/
zenodo.3778083
Brammer, S., & Clark, T. (2020). COVID-19 and management education: Reflections on challenges,
opportunities, and potential futures. British Journal of Management, 31(3), 453-456. https://doi.
org/10.1111/1467-8551.12425
Brunnquell, C., & Brunstein, J. (2018). Sustainability in management education: Contributions from
critical reflection and transformative learning. Metropolitan Universities, 29(3), 25-42. https://doi.
org/10.18060/21466
Brunstein, J., & King, J. (2018). Organizing reflection to address collective dilemmas: Engaging students
and professors with sustainable development in higher education. Journal of Cleaner Production, 203,
153-163. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2018.08.136
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 15
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 16
ARTIGO | AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Fernanda Carreira | Gabriela Alem Appugliese | Ricardo Barretto Barboza | Isabella Cruvinel Santiago | Mario Monzoni
Gur-Ze’ev, I. (2010). Critical theory, critical pedagogy and diaspora today. In I. Gur-Ze’ev (Org.),
The possibility/impossibility of a new critical language in education (pp. 15-38). Brill. https://doi.
org/10.1163/9789460912726_003
Hoggan, C. D. (2016). Transformative learning as a metatheory: Definition, criteria, and typology.
Adult Education Quarterly, 66(1), 57-75. https://doi.org/10.1177/0741713615611216
Martín-Barbero, J. (2000). Retos culturales: De la comunicación a la educación. Nueva Sociedad, 169,
33-43.
Merriam, S. B. (1988). Case study research in education: A qualitative approach. Jossey-Bass.
Mezirow, J. (1997). Transformative learning: Theory to practice. New Directions for Adult and
Continuing Education, 74, 5-12. https://doi.org/10.1002/ace.7401
Oliveira, R. M. De, Corrêa, Y., & Morés, A. (2020). Ensino remoto emergencial em tempos de
COVID-19: Formação docente e tecnologias digitais. Revista Internacional de Formação de
Professores, 5, 1-18.
Pokhrel, S., & Chhetri, R. (2021). A literature review on impact of COVID-19 pandemic on teaching and
learning. Higher Education for the Future, 8(1), 133-141. https://doi.org/10.1177/2347631120983481
Soares, I. Alfabetização e Educomunicação: O papel dos meios de comunicação e informação na
educação de jovens e adultos ao longo da vida. In: III TELECONGRESSO INTERNACIONAL
DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. 2004. São Paulo: USP, 2004.
Sterling, S. (2001). Sustainable education: Re-Visioning learning and change. Green Books.
Thiollent, M. (2000). Metodologia da pesquisa-ação (10a ed.). Cortez Autores Associados.
Thomas, I. (2009). Critical thinking, transformative learning, sustainable education, and problem-
based learning in universities. Journal of Transformative Education, 7(3), 245-264. https://doi.
org/10.1177/1541344610385753
Williamson, B., Eynon, R., & Potter, J. (2020). Pandemic politics, pedagogies and practices: Digital
technologies and distance education during the coronavirus emergency. Learning, Media and
Technology, 45(2), 107-114. https://doi.org/10.1080/17439884.2020.1761641
FGV EAESP | GVcasos | Volume 13 | Número especial | 2023 | Doc. A-2 | ISSN 2179-135X 17