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GVcasos | Revista Brasileira de Casos de Ensino em Administração

ARTIGO
Submissão: 30/11/2022 | Aprovação:15/01/2023
DOI: https://doi.org/10.12660/gvcasosv13nespeciala2

AGORA TUDO ON-LINE: ANÁLISE DA MIGRAÇÃO


DE UMA DISCIPLINA BASEADA NA
APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Everything online now: analysis of the migration of an
undergraduate discipline based on transformative learning
Fernanda Carreira¹ | fernanda.carreira@fgv.br
Gabriela Alem Appugliese¹ | gabriela.alem@fgv.br
Ricardo Barretto Barboza² | ricardo@conecsoma.com.br
Isabella Cruvinel Santiago² | isabellacruvinelsantiago@gmail.com
Mario Monzoni¹ | mario.monzoni@fgv.br

¹Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV EAESP (FGVces), São Paulo - SP


²Pesquisador(a) autônomo(a), São Paulo - SP

RESUMO
Objetivo: Compartilhar, por meio de um relato de experiência, a mudança necessária no papel da docência para
a promoção de uma Aprendizagem Transformadora no contexto do ensino remoto.
Escopo: O artigo relata a forma como os autores, responsáveis pela condução de uma disciplina de graduação,
fizeram a transição do ensino presencial para o ensino remoto emergencial, durante a pandemia da Covid-19.
Originalidade: O relato identifica e discute as atitudes pedagógicas inovadoras necessárias para garantir que os
princípios da Aprendizagem Transformadora sejam preservados em ambiente virtual.
Relevância: A pandemia da Covid-19 marcou um novo momento para o sistema educacional. As escolas de
Administração têm que se repensar e incorporar modalidades remotas de ensino de maneira permanente.
Palavras-chave: aprendizagem transformadora, ensino remoto, migração, adaptação.

ABSTRACT
Purpose: To share, through an experience report, the changes that are necessary in the role of teachers to promote
transformative learning in the context of remote learning.
Scope: The paper describes how the authors, who teach an undergraduate course, made the transition from face-to-
face to emergency remote learning during the Covid-19 pandemic.
Originality: The report identifies and discusses a number of innovative pedagogical attitudes that are necessary to
guarantee that the principles of transformative learning are preserved in the virtual environment.
Relevance: The Covid-19 pandemic marked a new moment for the educational system. Management schools have
to rethink themselves and incorporate remote learning on a permanent basis.
Keywords: transformative learning, remote learning, migration, adaptation

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INTRODUÇÃO
Devido à pandemia da Covid-19, universidades do mundo todo migraram em 2020 para o Ensino
Remoto Emergencial (ERE). Diferentemente do já conhecido Ensino a Distância (EaD), o
ERE adquiriu outra escala e implicações (Oliveira et al., 2020; Williamson et al., 2020). Foi
uma solução temporária para um problema imediato, que eventualmente se beneficiou das
experiências de EaD, mas que deve ser utilizado com cautela (Bozkurt & Sharma, 2020; Pokhrel
& Chhetri, 2021). O ERE é um modelo de ensino com aulas síncronas mediadas pelo uso de
tecnologias digitais interativas via internet, cuja pedagogia se assemelha ao ensino presencial,
com horários fixos de aulas por períodos e com a mesma quantidade de estudantes do modelo
presencial nas salas virtuais (Bozkurt & Sharma, 2020; Oliveira et al., 2020; Pokhrel & Chhetri,
2021; Williamson et al., 2020).
Quase dois anos depois, quando da retomada das aulas presenciais, as instituições de
ensino passaram a olhar para o Ensino Remoto (ER) como uma tendência, fazendo com que
ele deixasse sua característica emergencial para começar a se consolidar como prática recorrente.
Os pontos de similaridade e de diferença entre o EaD, o ER e o ERE (Quadro 1) tornaram-se
objeto de debate. Nesse contexto, diversos estudos e pesquisas começam a ser conduzidos em
diferentes campos para discutir questões mais críticas sobre educação e tecnologia (Williamson
et al., 2020); desafios e oportunidades para as escolas de Administração (Beech & Anseel, 2020;
Brammer & Clark, 2020; Pokhrel & Chhetri, 2021); e adaptações necessárias dos conteúdos e
pedagogias aplicados presencialmente (Carreira et al., 2023).

Quadro 1. As diferentes modalidades de ensino on-line

Ensino a Distância (EaD) Ensino Remoto (ER) Ensino Remoto Emergencial (ERE)

Caracteriza-se pela distância no Caracteriza-se pela sincronia das Oferecido em caráter temporário
tempo e/ou espaço entre estudantes aulas. e emergencial diante de uma
e recursos de aprendizagem. circunstância sui generis.
Mediado pelo uso de tecnologias
Mediado por canais distintos para digitais interativas via internet. Segue as mesmas características
permitir mais engajamento no do ER quanto à tecnologia e ao
Semelhante ao ensino presencial, com
processo de aprendizagem. espelhamento na organização do
horários fixos de aulas por períodos
ensino presencial.
e com a mesma quantidade de
estudantes do modelo presencial nas
salas virtuais.

Os debates preconizados pela adoção do ERE na pandemia dão luz a questões evidenciadas
há anos no campo do ensino em Gestão no modelo presencial, tais como o engajamento, o
protagonismo, a autonomia e a pedagogia centrada no estudante (Bozkurt & Sharma, 2020;
Oliveira et al., 2020). Em especial, a teoria da Aprendizagem Transformadora (AT) permeia
as discussões propondo que o ensino de Gestão desenvolva nos estudantes a capacidade de
questionar pressupostos e aprender por meio de dilemas coletivos; fazer reflexões críticas; saber

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improvisar, adaptar-se, inovar e criar (Brunnquell & Brunstein, 2018; Brunstein & King, 2018;
Cunliffe, 2016; Cunliffe et al., 2020). Somam-se a isso as crescentes críticas ao Management
Education, que apontam para uma perda de relevância epistemológica, curricular e pedagógica
nos cursos de Administração (Akrivou & Bradbury-Huang, 2015; Gröschl & Gabaldon, 2018)
e para uma perpetuação de práticas destrutivas dos gestores por meio do ensino de Gestão
(Ghoshal, 2005).
Partimos das reflexões trazidas por Carreira et al. (2023) sobre como promover um Ensino
Remoto Transformador (ERT), realizado em ambiente virtual, que se utilize de arranjos
tecnológicos para possibilitar a AT e o desenvolvimento de novas competências e papéis nos
estudantes, em especial aqueles ligados a uma gestão responsável e ética. Três elementos centrais
para promover o ERT foram identificados por esses autores: explorar diferentes janelas de
conhecimento; adaptar ferramentas a serviço do processo de ensino-aprendizagem; e repensar
o papel docente.
Este artigo focará justamente a docência, apresentando como nós, autores e responsáveis
pela condução de uma disciplina fundamentada na AT em um curso de graduação de uma escola
de Administração de São Paulo, fizemos a transição do ensino presencial para o ERE durante
a pandemia da Covid-19. O objetivo é compartilhar, por meio de um relato de experiência,
a mudança necessária no papel da docência para a promoção de uma AT no contexto do
ERE. Esperamos que esse relato contribua para o avanço da prática docente nas escolas de
administração em contextos de ER, seja ele emergencial ou não.

REVISÃO DA LITERATURA

Aprendizagem Transformadora e o Ensino Remoto Emergencial

Nascida na Andragogia, a AT tem fundamentos epistemológicos no Construtivismo e conceitua-se


como a aprendizagem que transforma padrões de referência problemáticos – hábitos da mente e
pontos de vista – em mais inclusivos, distintos, autorreflexivos, abertos, integrados à experiência
e emocionalmente capazes de mudar (Mezirow, 1997). A AT pode ser vista como um conjunto
de processos educacionais que geram mudanças significativas e irreversíveis na forma com que
uma pessoa experimenta, conceitua e interage com o mundo (Hoggan, 2016).
Um conceito central da AT é a reflexão crítica, pois ela abre a possibilidade de transformar
perspectivas (Cunliffe, 2016; Thomas, 2009). No ensino de Gestão, isso envolve criticar os
pressupostos tradicionais do ensino, prognosticar uma ação colaborativa, responsável e ética,
rompendo as práticas destrutivas e a fundamentação taylorista (Akrivou & Bradbury-Huang,
2015; Ghoshal, 2005). Diferentemente da educação transmissiva, a AT entende o processo
de aprendizagem como mais construtivo do que instrutivo, em uma jornada mais coletiva e
orientada para a prática, para a solução de dilemas coletivos e reais (Freire, 1998; Mezirow,
1997; Thomas, 2009). O foco não está em acumular conhecimento, mas na habilidade de

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lidar com ele de maneira crítica e adequada (Sterling, 2001). Na AT, o processo de educação
também acontece ao ouvir pessoas de fora da instituição de ensino, ao experienciar o mundo
real (Figura 1).
Figura 1. Da educação transmissiva à Aprendizagem Transformadora (AT)

Fonte: Carreira et al. (2023).

Assim como na AT, o ERE conduzido no contexto da pandemia também colocou em


xeque a educação transmissiva. Para Bozkurt e Sharma (2020), quando as pessoas estão sob
trauma, estresse e pressão psicológica, o foco do ensino deve ser compartilhar, colaborar e
apoiar em vez de se concentrar exclusivamente no conteúdo. No caso do ERE conduzido
na pandemia da Covid-10, em momento pós-pandêmico, segundo os autores, as pessoas se
lembrarão principalmente de como se sentiram, como foram cuidadas e apoiadas. Já para
Oliveira et al. (2020), no ERE, os alunos devem adotar uma postura mais ativa, protagonista
e autônoma em relação ao seu processo de aprendizagem. Ainda, para Brammer e Clark
(2020), o ER tem possibilitado um papel mais proeminente de atores de fora, devido ao baixo
custo envolvido na participação, o que significa uma boa oportunidade para as escolas de
Administração se reinventarem.
Porém, como destacam Pokhrel e Chhetri (2021), não existe uma “pedagogia tamanho
único” para a aprendizagem on-line (p. 135), já que há uma variedade de assuntos com
necessidades diversas, estudantes e docentes com perfis diferentes, que se adaptam melhor ou
pior ao modelo. E é nessa mesma linha que a abordagem da AT no ER deve ser entendida:
não como receita de bolo, mas como algo a ser desenvolvido e implementado levando em
conta seus contornos.

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Papéis da docência na Aprendizagem Transformadora e no


Ensino Remoto

Na AT, o papel da docência muda sensivelmente: afasta-se do lugar de detentora do conhecimento


e passa a ser uma facilitadora do processo de aprendizagem, que reflete criticamente e se
engaja na solução dos dilemas abordados em sala de aula (Brunnquell & Brunstein, 2018;
Brunstein & King, 2018; Chory & Offstein, 2017; Gur-Ze’ev, 2010; Sterling, 2001). Vale a
pena aqui destacar diferentes papéis que cabem aos docentes de ER na perspectiva da AT, e
que se encontram explicados na Figura 2: o “professor-improvisador”, o “professor-construtor”,
o “professor-facilitador” e “professor-conector”
Figura 2. Papéis docentes na AT e no ERE

Fonte: Carreira et al. (2023).

Esses papéis acontecem ao mesmo tempo e, no contexto do ER, são complementados


por mais dois: a atuação docente para impulsionar a integração entre pessoas e dispositivos
tecnológicos; e a conciliação das ferramentas educacionais que estimulam a reflexão
crítica a uma trama relacional coletiva, constituindo um Ecossistema Comunicativo
(EC), definido adiante.
Falar para uma câmera não é o mesmo que interagir presencialmente, o que amplia a
importância de nutrir a qualidade das trocas virtuais e reconhecer suas especificidades (Felice,
2017). Para que isso aconteça de maneira respeitosa e fluida, é indispensável garantir uma
aprendizagem centrada no aluno, colaborativa e fundamentada na “descoberta”, na qual o

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docente se coloca como facilitador, mais do que detentor de conhecimento (Brunnquell &
Brunstein, 2018; Brunstein & King, 2018; Chory & Offstein, 2017; Gur-Ze’ev, 2010). No ER, é
preciso ainda que a docência esteja atenta a aspectos emocionais e de infraestrutura que podem
criar barreiras no processo de aprendizagem (Carreira et al., 2023).

Ecossistema Comunicativo: a relação entre sujeito e tecnologias

O conceito de EC vem das discussões sobre a interface entre educação e comunicação, e toma
forma na proposta de Martín-Barbero (2000), que identifica EC como a relação entre sujeitos
e todo tipo de tecnologia envolvida no processo de aprendizagem. Diferentes autores propõem
atualizações do conceito, como a perspectiva das trocas simbólicas e qualidades de interação
(Soares, 2004); e as qualidades de diálogo, experiências, vivências culturais, relações interpessoais
e modos de expressão, às quais se adiciona ainda a perspectiva das dinâmicas de constituição
de comunidades como mais um elemento definidor do EC (Consani, 2018).
Barretto (2019) reconhece nessas atualizações uma conexão com um elemento do conceito
original de Martín-Barbero (2000) que não tem recebido a devida referência: a mudança do
sensorium – conceito de Walter Benjamin, que expressa os modos de perceber e sentir, reunindo
em uma mesma ideia as dimensões da sensibilidade e da sensorialidade. Martín-Barbero destaca
que esse é um fenômeno evidente nos mais jovens, pois desenvolvem empatias cognitivas e
expressivas com as tecnologias, além de novos modos de reconhecer o espaço e o tempo, o que
é lento e o que é veloz, o que está próximo e o que está distante.
Essa mudança de sensorialidade e sensibilidade vem se alastrando por diferentes espectros
da sociedade, indicando um novo modo de estar no mundo que integra virtual e presencial nas
formas de as pessoas interagirem, interpretarem estímulos e situações, expressarem impulsos e
reações, construírem e difundirem pensamento (Felice, 2017). Assim, da variedade de tecnologias
à diversidade de comportamentos humanos, a abrangência e complexidade do conceito de EC
acaba por identificar justamente a interface entre educação e comunicação na qual opera e da
qual depende a AT, em especial na perspectiva do ER.
A experiência relatada neste trabalho trata justamente dessa conexão AT-EC na migração
para o ERE.

METODOLOGIA
Para relatar a experiência na transição de uma disciplina presencial fundamentada na AT para o
modelo de ERE, no contexto da pandemia da Covid-19, conduzimos uma pesquisa qualitativa
de caráter exploratório (Denzin & Lincoln, 2018). O relato de experiência como método
é pouco comum nas pesquisas sobre ensino da Administração, apesar de ser uma forma de
compartilhar práticas educacionais inovadoras (Ching et al., 2014; Escrivão & Ribeiro, 2008).

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Ele busca descrever o contexto pesquisado e qualificar as ações observadas para permitir que
cheguemos a conclusões sobre a experiência na qual quem pesquisa se inseriu como participante,
possibilitando que outras experiências semelhantes possam refletir e balizar-se a partir do que
está descrito no relato (Fortunato, 2018).
A disciplina em questão denomina-se Formação Integrada para a Sustentabilidade (FIS)
e é ofertada aos cursos de graduação de Administração de Empresas, Administração Pública,
Direito, Economia e Relações Internacionais. Por sermos docentes da disciplina, o relato da
experiência parte da observação participante e engajada, contando também com a colaboração
dos discentes da disciplina (Merriam, 1988; Thiollent, 2000). Sendo a migração um fenômeno
recente, mas que pode vir a ser uma tendência, toda a experiência foi transformada em um ciclo
de pesquisa-ação, em que a produção de conhecimento acontece por meio da busca de soluções
de problemas em situações práticas e reais (Thiollent, 2000). Assim, buscamos contribuir para
a geração de conhecimento teórico com base no empirismo.
Figura 3. Ciclo de pesquisa-ação da experiência de migração da disciplina FIS para o ER

Estruturamos o relato da experiência da seguinte forma: (1) breve descrição do caso; (2)
a experiência docente da vigésima turma da disciplina (FIS20), que foi a primeira migrada
para o ERE; (3) a implementação do ER nas turmas subsequentes (FIS21 e FIS22); e (4)
as contribuições para o aprimoramento do ER à luz da AT. O relato da experiência traz os
aprendizados obtidos a partir da análise dos dados coletados das seguintes fontes:

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Quadro 2. Fontes das coletas de dados


FIS20 FIS21 FIS22
(março/2020) (agosto/2020) (fevereiro/2021)
Grupo focal para obter feedbacks, Não conduzido, pois a
com perguntas abertas sobre a 20 dos 21 estudantes. 21 dos 21 estudantes. disciplina ainda estava
disciplina e o que funcionou no ER. em curso.
Entrevistas semiestruturadas sobre a
12 estudantes. - -
AT e o ER.
Como a turma ainda
Análise documental das duas
estava em andamento,
avaliações preenchidas pelas turmas,
21 formulários 21 formulários só pudemos analisar
com perguntas quanti e qualitativas.
analisados. analisados. 1 das avaliações de
Devido à migração, inserimos
formulário on-line.
perguntas sobre o ER.
Foram 21 respostas.
Observação participante: anotações,
fotos e vídeos feitos pelas(os)
professoras(es), analisados e Todos os materiais coletados foram analisados.
discutidos em reuniões semanais e ao
final do semestre.

RELATO DE CASO: MIGRAÇÃO DA FORMAÇÃO INTEGRADA PARA


A SUSTENTABILIDADE PARA O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL

Criada em 2009, quando a FGV EAESP aderiu aos Principles for Responsible Management
Education (PRME), a disciplina FIS propõe um processo que busca ampliar o paradigma de
percepção da realidade da(o) aluna(o), promover as condições necessárias para fazer emergir
um sujeito mais consciente de si e de sua interdependência com o mundo, preparado para
lidar com desafios complexos. É uma disciplina que apresenta ao grupo dilemas coletivos e que
trabalha a reflexão de pressupostos, crenças e modelos mentais ao longo do percurso formativo,
fundamentado na AT. Sua equipe de docentes tem formações multidisciplinares e foi, ao longo
do tempo, se especializando formalmente e por meio da experiência adquirida ao viver cada
turma nas competências da AT, Educação para Sustentabilidade e Transdisciplinaridade –
outras duas teorias que fundamentam a disciplina.
O FIS possui dois pilares fundamentais e indissociáveis: o Projeto Referência – um desafio
real e complexo apresentado à turma no início do curso e que muda a cada semestre, com uma
entrega final coletiva e prática – e o Projeto de Si Mesmo – que se realiza a partir de atividades
autorreflexivas e experienciais ao longo do semestre. Também fazem parte da metodologia duas
viagens de campo, a participação de pessoas de fora nas aulas, dois eventos abertos ao público
planejados e conduzidos pela turma, atividades de corpo, mindfulness e arte.
Quando as mais diversas instituições de ensino no Brasil adotaram o ERE devido à pandemia
da Covid-19, em março de 2020, a vigésima turma da disciplina (FIS20) estava em curso. As
aulas presenciais foram canceladas e retomadas virtualmente, via plataforma Zoom, em 23 de
março de 2020. Das 28 aulas do semestre, 10 foram presenciais, duas, canceladas e 16 migraram
para o on-line, e uma das viagens e um dos eventos da disciplina foram transformados em
atividades virtuais. Assim, os alunos dessa turma experienciaram ambos os formatos num curto

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espaço de tempo. Já as turmas do FIS21 (iniciada em agosto de 2020) e FIS22 (fevereiro de


2021) aconteceram integralmente no modelo de ER.
Importante destacar que nós, docentes da disciplina, apesar de nunca termos conduzido
cursos em ambiente virtual, já possuíamos familiaridade, abertura e entendimento sobre o uso
das tecnologias de ER. Porém, pelo fato de o FIS conter elementos que vão além das aulas
expositivas, tais como viagens, atividades de corpo e arte, dinâmicas de grupo, e por estar ancorada
na AT, a transição para o ERE exigiu um processo de pesquisa, experimentação, avaliação e
nova aplicação dos aprendizados.
Não se tratava, portanto, de apenas adotar aplicativos e softwares que possibilitassem a
transposição do conteúdo e da aula expositiva para o virtual, mas sim de costurar um EC por meio
de tecnologias que promovessem o engajamento nas atividades, a interação e a interatividade
com o conteúdo das aulas (Garcia et al., 2011), o estreitar das relações, o cuidado, a experiência,
o protagonismo e a autonomia dos alunos.

A experiência da primeira turma migrada para o Ensino Remoto


Emergencial
O primeiro momento foi o da transição emergencial para o ER, assim que entramos no isolamento
social em março de 2020. Tivemos apenas uma semana de recesso escolar para redesenhar o
percurso formativo, pensar como as aulas seriam adaptadas e buscar por Tecnologias Digitais
Interativas (Garcia et al., 2011) que pudéssemos usar para construir um EC que mantivesse o
estímulo à reflexão crítica, à colaboração e ao processo de autoconhecimento, preservando as
bases da disciplina. Lançamos mão de várias delas, tais como Mural, Jamboard, Mentimeter,
Youtube e Spotify. As aulas aconteceram na Plataforma Zoom, e o Facebook e o WhatsApp foram
canais de troca com a turma, algo que já fazíamos no formato presencial como meio de manter
a comunicação e as relações para além das aulas.
Para além disso, durante as primeiras aulas, tivemos que redobrar o cuidado com a turma:
havia fragilidades, medos, incertezas e frustrações na migração para o virtual e, assim, tivemos
que estabelecer um ambiente acolhedor, de escuta e de estreitamento das relações. Fizemos isso
abrindo tempo e espaço nas aulas para que todos pudessem dizer como estavam se sentindo –
incluindo nós, docentes, afinal estávamos vivendo uma situação de crise. O foco principal desse
primeiro momento foi o espaço do cuidar (Bozkurt & Sharma, 2020; Pokhrel & Chhetri, 2021).
Nosso papel de improvisadores-construtores-facilitadores (Carreira et al., 2023) foi essencial e
algo reconhecido pelas(os) estudantes. Nas palavras de um deles:

A capacidade de reinventar toda a disciplina dado o atual contexto


foi uma coisa genial. Imagino que não deve ter sido fácil abrir mão do
controle, replanejar o que já havia sido planejado e manter (ou pelo
menos transparecer) calma. Essa é uma habilidade que eu valorizo como
profissional e que quero muito desenvolver. Foi um semestre importante,
e único. Vivemos uma pandemia juntos. (Entrevistado 2)

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O depoimento aponta que há, nesse modelo de AT, uma mudança de atitude docente no
que diz respeito ao controle da disciplina, que foi reforçado no contexto do ERE. Tínhamos
que estar a serviço das necessidades do grupo, e não apenas do conteúdo. Como esse “abrir
mão do controle”, da mesma forma que o improviso e a permeabilidade às mudanças, já faziam
parte da essência da metodologia do FIS, a transição para o ERE foi um pouco mais suave, mas
certamente ficou evidente a necessidade de sua ampliação.
Outra adaptação diz respeito ao que Carreira et al. (2023) chamam de “outras janelas de
conhecimento”, pois, na AT, conhecimento não significa apenas transmissão de conteúdo, mas
contempla outras fontes. No nosso caso, uma das janelas de conhecimento bastante explorada é
a que traz o corpo, a arte e práticas de atenção plena, que trabalham a cognição de uma forma
diferente e complementar às outras janelas, como a reflexividade crítica e questionamento de
pressupostos, a colaboração e a prática e vivência de questões reais. Nesse exercício de adaptação,
reconhecemos a complexidade do EC com o qual estávamos lidando, integrando em uma mesma
experiência estímulos mais sensoriais e sensíveis – normalmente associados ao agir de corpo presente
– à potência da tecnologia, não como ferramenta, mas como um modo de interação e interatividade
(Felice, 2017), de estabelecimento de espaços de confiança e de aprofundamento de relações.
Emergiu desse processo a sensação de que, apesar de distantes, estávamos vivendo juntos a
experiência. Tratava-se, portanto, de desafiar a possível comodidade de estar em casa, conferindo
maior qualidade de interação no ambiente virtual e revelando um sensorium híbrido, ao mesmo
tempo virtual e corporalizado, no EC. As fotos da Figura 4 ilustram a necessidade de usarmos
a criatividade e experimentarmos trazer elementos “analógicos” para o on-line.
Quanto ao conteúdo que estávamos trabalhando na disciplina, tivemos que estabelecer
pontes com a pandemia, como forma de os alunos poderem ampliar sua percepção da realidade e
fazer uma reflexão crítica de como a Covid-19 estava afetando a tomada de decisão na perspectiva
da Gestão. Afinal, a proposta da AT no ensino de Gestão é justamente aproximar o que se ensina
– e como se ensina – dos dilemas coletivos do mundo real. Com isso, possibilitamos não só a
oferta de repertório aos futuros gestores (teórico, técnico, emocional, relacional, tecnológico),
mas também constituímos um laboratório de como lidar – de modo crítico, integrado, vivo –
com questões coletivas e individuais que atravessam a exploração de um assunto específico ou
a formulação e execução de um projeto.
Após esse primeiro esforço de migração, conduzimos, ao final do semestre, uma avaliação
da experiência a partir da escuta dos discentes (ver Figura 3 e Quadro 2), para capturar melhorias
para a próxima turma, que se iniciaria já no ER. Destacaram-se as seguintes sugestões:
• Estabelecer, principalmente no início da disciplina, momentos e atividades para a
construção das relações do grupo e do espaço de confiança, seja promovendo conversas
em salas paralelas, em grupos menores ou duplas, seja com dinâmicas em plenária
que permitam integração.
• Iniciar as aulas sempre que possível com algum estímulo audiovisual ou corporal para
ativar a sensorialidade e a sensibilidade.
• Aproveitar a facilidade do virtual para trazer pessoas de fora, especialistas convidadas.
• Usar a tecnologia sempre como forma de promover interatividade e interação.

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Figura 4. Adaptações das atividades presenciais para o ER


Atividade de atenção plena no ensino presencial Atividade de atenção plena no ER

Uso da arte como conector do grupo


no ensino presencial Uso da arte como conector do grupo no ER

Roda de histórias na fogueira no ensino presencial Roda de histórias na fogueira no ER

Atividade da Mandala no ensino presencial Atividade da Mandala no ER

Atividade do Iceberg no ensino presencial Atividade do Iceberg no ER

Fonte: Arquivo dos autores.

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Implementação do Ensino Remoto nas duas turmas subsequentes


A partir das análises dos dados coletados no FIS20 e já mais adaptados ao ER, implementamos
os aprendizados nas turmas do FIS21 (iniciada em agosto de 2020) e FIS22 (fevereiro de 2021),
que já começaram integralmente on-line. Como um primeiro gesto de acolhimento, montamos
um kit de materiais que seriam utilizados na disciplina (caderno para anotações, livreto com
informações sobre a disciplina, papéis coloridos, pincéis, tinta, giz de cera, etc.) e enviamos
por correio para cada integrante, com uma mensagem de que abriríamos o envelope juntos no
primeiro dia de aula (Figura 5). A intenção foi de garantir que alguns materiais “analógicos”
que utilizaríamos nas dinâmicas estivessem garantidos e padronizados, além de ser um gesto
de cuidado e afeto na recepção da turma.
Figura 5. Kit enviado para a turma do FIS 21 por correio e seu uso nas aulas virtuais

Fonte: Arquivo dos autores.

Um dos primeiros ajustes feitos para essas turmas foi estabelecer um Projeto Referência
bastante conectado ao dia a dia dos estudantes, inclusive no contexto de pandemia. Com
isso, foi possível equilibrar as aulas em que traríamos pessoas de fora com aulas mais voltadas
para dinâmicas de grupo, visando o estreitamento de laços afetivos e o compartilhamento do
conhecimento que cada um tinha sobre o tema, conforme sugerido pelo FIS20. Tais encontros
foram fundamentais, uma vez que as relações sociais estabelecidas nos espaços físicos não
estavam mais ocorrendo. E, em comparação à turma do FIS20, que entrou no ERE já tendo
uma vivência presencial prévia com a turma – incluindo uma viagem de campo e um evento
aberto ao público –, nas duas turmas seguintes, éramos todos desconhecidos, o que trouxe a
necessidade de ampliarmos os espaços para nos conhecermos.
Também implementamos na rotina das aulas o hábito de começar e terminar com músicas,
cujas letras ora se remeteram ao tema da disciplina, ora a algum sentimento que o grupo estava
tendo. A música também funcionava, segundo depoimentos da turma, como um momento de
transição de uma aula para outra, de chegada à “sala do FIS” e de conexão com a nossa prática
de AT. Com o passar dos meses, os próprios estudantes passaram a pedir músicas ou a querer
dedicar uma música a alguém, apontando para um engajamento e apropriação do EC.
Uma particularidade dessas turmas foi o uso das redes sociais: dessa vez, o Instagram
tornou-se uma ferramenta importante de fortalecimento de vínculos. A turma do FIS21 sugeriu

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que a cada dia uma pessoa tomaria conta do perfil privado criado por eles, e mostraria seu dia a dia,
abrindo espaço para perguntas dos colegas e docentes de uma forma descontraída. Nosso papel
como docentes foi participar da brincadeira proposta com horizontalidade, mostrando também
o nosso cotidiano, e dessa forma estreitando as relações e criando o espaço de confiança que é
fundamental em processos de AT. A atividade foi tão bem-sucedida que a repetimos no FIS22.
Por fim, destacamos uma diferença fundamental entre as turmas 21 e 22: após um ano em
isolamento social e sem perspectivas de um retorno perene às aulas presenciais, a 22ª turma já se
apresentava mais cansada do ER. Isso pôde ser observado de maneira sutil – câmeras desligadas
nas primeiras aulas, maior dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais, além de
depoimentos de vários alunos. Tal cenário exigiu de nós ainda mais investimento nas atividades
direcionadas ao desenvolvimento de vínculos, e trouxe à tona uma nova distinção entre ER e
EaD: a necessidade de avaliar a conjuntura e adaptar-se a partir dela.

CONTRIBUIÇÕES PARA O APRIMORAMENTO DO ENSINO REMOTO


À LUZ DA APRENDIZAGEM TRANSFORMADORA
Como docentes, a primeira contribuição que podemos dar a partir da nossa experiência de
migração de uma disciplina baseada na AT para o ER é que os fundamentos da abordagem
pedagógica devem ser preservados, ou seja, mesmo em ambiente virtual, a premissa continua
sendo a de promover uma experiência centrada no estudante, que promova a reflexividade crítica
e o questionamento de pressupostos. O ER exige a camada mais óbvia da adaptação tecnológica,
mas esta deve vir como um desdobramento da reconfiguração do EC (Barretto, 2019).
O que pudemos perceber na nossa experiência foi que professores e alunos se apropriaram de
ferramentas digitais para construir estímulos variados, organizar o conhecimento e influenciar a
qualidade sensorial no ER. Porém, tal adaptação demanda treinamento dos docentes, implicando
questões subjetivas para eles, que terão de lidar com suas resistências culturais, geracionais e
epistêmicas, sintonizando com o propósito da AT (Carreira et al., 2023). Como relatado, as
adaptações que fizemos deram-se em relação ao ambiente virtual e seu EC, aos conteúdos da
disciplina e à atitude docente, organizando-se conforme apresentado no Quadro 3:
Quadro 3. Adaptações feitas para um ERT
Adaptação ao ambiente virtual e ao EC Adaptação dos conteúdos da disciplina Adaptação da atitude docente
• Uso de tecnologias digitais interativas • Estabelecimento de pontes do • Ampliação da atenção
para trabalhos colaborativos. conteúdo das aulas com o cenário às questões referentes
• Início de aulas com estímulos pandêmico, comum a todos. a não estar apenas a
audiovisuais. • Uso do ambiente virtual para convidar serviço do conteúdo, mas
pessoas de diferentes regiões do também – e especialmente
• Uso de redes sociais e recursos da
Brasil e do mundo para participarem – das necessidades físicas e
plataforma de videoconferência para
dos encontros. emocionais do grupo.
fomentar a criação de vínculos com/
entre as(os) alunas(os). • Criação de atividades sensoriais e
sensíveis, utilizando o EC como meio de
interação e experimentando elementos
analógicos no ambiente virtual.

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Finalmente, toda a adaptação, ferramental e subjetiva, ao ER foi encarada no FIS como


parte do processo de aprendizagem – não como algo externo – evidenciando o caráter humano
da experiência virtual e promovendo a colaboração e o lugar do professor como construtor de
comunidade (Buber, 1971) da qual também faz parte. Essa comunidade é atravessada pelo
propósito do conhecimento formal e da experiência coletiva, permeada por afetos e interações
que não se restringem ao conteúdo de uma teoria (Brunstein & King, 2018; Cunliffe et al.,
2020; Gröschl & Gabaldon, 2018). Como resultado, essa abordagem centrada no aluno tira do
professor o peso de “ter que saber tudo” – algo relevante para modelos que migram da educação
transmissiva para a AT e, como vimos, também relevante e fundamental no ER (Bozkurt &
Sharma, 2020; Pokhrel & Chhetri, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia da Covid-19 marca um novo momento para o sistema educacional mundial. A
migração para o ERE acelerou uma tendência que agora faz com que as escolas de Administração
tenham que se repensar e incorporar o ER como um dos modelos possíveis. Junto desse imperativo
do ER, uma crise estrutural de caráter sistêmico foi desvelada e potencializada, ao mesmo
tempo que suspendeu os modos habituais de vida, convivência e, claro, de ensino-aprendizagem,
colocando-nos diante de um contexto de incertezas e instabilidades. À luz desse contexto,
faz-se necessário revisitar as experiências educadoras para que não somente sejam adaptadas
ao ambiente virtual, mas que dialoguem profundamente com as premissas que sustentam os
paradigmas fundantes dessa crise sistêmica, bem como com seus impactos, vividos coletivamente
e individualmente, e que não findarão, necessariamente, com o fim dessa pandemia.
Este relato de experiência buscou não somente apresentar uma experiência de AT migrada
para o ERE, apontando as adaptações criativas que possibilitaram manter o caráter transformador
da disciplina no ambiente on-line, mas principalmente compartilhar que ela faz ainda mais
sentido no ER e que vem acompanhada da emergência de um EC que precisa ser considerado
e explorado pela docência.
As mudanças e adaptações na atitude da docência, que tiveram como ponto de partida o
diálogo sobre o uso de ferramentas tecnológicas e o reconhecimento das potências e limites do
EC que envolve o ER para promover a AT, tiveram como questões centrais participação, troca,
relações – dinâmicas típicas da interação presencial.
A docência no contexto da disciplina FIS é sustentada por premissas que possibilitam
e estimulam sua própria transformação, além da transformação dos percursos formativos, a
depender das necessidades e demandas dos sujeitos implicados e das incertezas resultantes dos
sistemas relacionais. A abordagem transformadora também está presente no fazer da docência
e aquilo que foi planejado está aberto, constantemente, a adaptações, mesmo sem o contexto
da pandemia. Portanto, é característica da disciplina e de sua docência muita criatividade,
tanto para a definição de cada Projeto Referência quanto para estruturação do percurso e seu

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planejamento. O advento da pandemia, que trouxe a migração abrupta para o ER, encontrou
na metodologia, nos facilitadores, um campo aberto e disponível às transformações emergentes
dessa crise e, como resposta, apesar das dúvidas, das inseguranças e do desconhecimento, uma
elevada capacidade adaptativa e criativa para mudar o que fosse necessário e, ao mesmo tempo,
manter a entrega dos pilares da disciplina. Contudo, cabe apontar a importância da atenção
das escolas de Administração do ponto de vista técnico, emocional e de apoio na formação de
docentes que venham a atuar ou já estão atuando no ER.
Finalmente, promover um ERT parece ser um terreno fértil para escolas de Administração
formarem gestores aptos a lidar com a complexidade, a volatilidade e os altos níveis de incerteza,
presentes em qualquer sistema vivo e interconectado, reconhecidos na atualidade em desafios
coletivos como pandemias, mudanças climáticas e digitalização das relações humanas. O
conhecimento empírico gerado neste relato de experiência convida a comunidade do ensino
de Gestão a refletir sobre uma educação que precisa acontecer, talvez na mesma emergência
que o ER.

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