Você está na página 1de 51

Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Radiologia em aves de rapina selvagens

Inês Barros Ferreira de Sousa

Orientador: Professora Doutora Cláudia Sofia Narciso Fernandes Baptista


Co-orientadores: Drª. Irene López Márquez, Dr. Roberto Filipe Joaquim Sargo

Porto, 2023
Relatório Final de Estágio
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Radiologia em aves de rapina selvagens

Inês Barros Ferreira de Sousa

Orientador: Professora Doutora Cláudia Sofia Narciso Fernandes Baptista


Co-orientadores: Drª. Irene López Márquez, Dr. Roberto Filipe Joaquim Sargo

Porto, 2023
RESUMO
Existem em Portugal mais de 30 espécies de aves de rapina autóctones, pertencentes a
3 famílias distintas e a sua prevalência em centros de recuperação é bastante
significativa. Por este motivo, o conhecimento das suas características biológicas e
principais causas de ingresso é essencial para compreender o maneio e curso de
tratamento destes animais e encarar decisões como a eutanásia ou devolução à
natureza.

A radiologia é uma ferramenta muito útil na medicina de animais selvagens, podendo


ajudar no diagnóstico e determinação do prognóstico de várias situações recorrentes.
Para além disso, sendo a radiografia um dos exames de diagnóstico por imagem mais
utilizados em aves, existem inúmeras referências bibliográficas, na sua maioria, relativas
a aves exóticas. Deste modo, o objetivo da presente dissertação passa por, numa
primeira abordagem, demonstrar a importância deste método de diagnóstico num centro
de recuperação de animais selvagens. Posteriormente, foi realizada uma revisão
bibliográfica que pretende relacionar a radiologia das aves com as particularidades
anatómicas, fisiológicas e biológicas das aves de rapina e com os principais processos
patológicos de indivíduos selvagens. Por fim, encontram-se descritos três casos clínicos
assistidos ao longo do meu estágio, de forma a ilustrar situações relativamente comuns
em que a radiologia foi determinante para o seu desfecho.

PALAVRAS-CHAVE: Radiologia; Diagnóstico por imagem; Aves de rapina; Animais


Selvagens; Recuperação.

i
ABSTRACT

In Portugal, there are more than 30 native species of birds of prey, belonging to 3 distinct
families and their prevalence in rehabilitation centres is quite significant. For this reason,
knowledge of their biological characteristics and the primary cause of admission is
essential to understand the management and course of treatment for these animals and to
face decisions such as euthanasia or returning them to the wild.

Radiology is a very useful tool in wildlife medicine and can help in the diagnosis and
prognosis determination of several recurrent situations. Radiography is also one of the
most used diagnostic imaging exams in birds, therefore there are numerous bibliographic
references, mostly related to exotic birds. Thus, this dissertation aims to demonstrate the
importance of this diagnostic method in a wildlife rescue centre. Afterwards, a
bibliographic review was carried out, which tries to relate the radiology of birds with the
anatomical, physiological and biological particularities of raptors and the main pathologies
of wild animals. Finally, this thesis describes three clinical cases assisted during my
internship, to illustrate relatively common situations in which radiology was determinant for
their outcome.

KEYWORDS: Radiology; Diagnostic Imaging; Birds of Prey; Wild Animals; Recovery.

ii
Atividades desenvolvidas durante o Estágio Curricular

O presente relatório foi realizado no âmbito da unidade curricular “Estágio” do Mestrado


Integrado em Medicina Veterinária do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e
reflete parte do trabalho desenvolvido ao longo do meu estágio, realizado entre março e
dezembro de 2022. Este foi dividido em dois locais: a) o GREFA (Grupo de Rehabilitación
de la Fauna Autóctona y su Hábitat) em Madrid, onde completei dezasseis semanas, oito
das quais de estágio curricular; b) o CRAS-HVUTAD (Centro de Recuperação de Animais
Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) onde
realizei oito semanas de estágio curricular, além de quinze semanas extracurriculares.
Para a casuística do presente relatório, apenas serão contabilizados os animais e os
casos acompanhados durante as dezasseis semanas de estágio curricular nestes dois
centros.

Durante o período de estágio curricular no GREFA, foram admitidos um total de 302


animais, dos quais 244 (80,8%) eram aves, 35 (11,6%) mamíferos e 23 (7,6%) répteis. A
distribuição das aves por ordem taxonómica encontra-se discriminada na Figura I. Neste
centro, a maior parte do trabalho foi realizado na enfermaria, consistindo sobretudo no
tratamento dos animais internados e admissão de novos animais, tendo tido a
oportunidade de assistir e participar em diversos procedimentos nomeadamente cirurgias,
fisioterapia, exames oftalmológicos, exames imagiológicos, entre outros. Foi ainda
possível trabalhar nos departamentos de necrópsia, laboratório e reabilitação e participar
em revisões anuais de animais irrecuperáveis inseridos em programas de reprodução em
cativeiro e de educação ambiental do centro.

Durante o período de estágio curricular no CRAS-HVUTAD deram entrada no centro 23


animais selvagens, dos quais 17 (73,9%) eram aves, 5 (21,7%) mamíferos e 1 (4,3%)
anfíbio. A distribuição das aves por ordem taxonómica encontra-se esquematizada na
Figura I. Neste local foi possível participar ativamente na rotina diária do centro,
nomeadamente, na admissão de novos animais, realização de exames complementares,
fisioterapia e reabilitação de animais selvagens assim como em diversas cirurgias. Para
além disso, pude ainda auxiliar no serviço de animais exóticos do hospital, tendo
assistido e participado em consultas, cirurgias e exames complementares. Para a
casuística do presente relatório apenas são contabilizados ingressos e procedimentos
realizados em animais selvagens.

iii
GREFA CRAS-HVUTAD

10% 11%
Accipitriformes 18%
5%
Falconiformes
5%
Strigiformes 6%
47%
32% Passeriformes
Columbiformes
Outros
37% 29%

Figura I - Distribuição das aves ingressadas nos respetivos centros por ordem taxonómica. As aves
de rapina incluem-se nas ordens “Accipitriformes”, “Falconiformes” e “Strigiformes”, representando
aproximadamente 20% das aves recebidas no GREFA e 76% das aves recebidas no CRAS-HVUTAD.

Durante as dezasseis semanas de estágio curricular foram admitidas um total de 62 aves


de rapina, 47 diurnas e 15 noturnas. As respetivas espécies estão discriminadas na
Tabela I.

Tabela I – Organização por espécies da casuística de aves de rapina de ambos os centros

GREFA CRAS-HVUTAD Total


Accipiter nisus 2 2 4
Accipiter gentilis 3 1 4
Milvus milvus 5 0 5
Milvus Migrans 1 0 1
Buteo buteo 6 4 10
Gyps fulvus 3 0 3
Accipitriformes
Aegypius monachus 2 1 3
Circaetus gallicus 1 0 1
Aquila pennata 1 0 1
Aquila adalberti 1 0 1
Circus aeruginosus 1 0 1
Circus cyaneus 1 0 1
Falco tinnuculus 10 0 10
Falconiformes
Falco peregrinus 2 0 2
Strix aluco 4 2 6
Tyto alba 1 2 3
Strigiformes
Bubo bubo 5 0 5
Asio otus 0 1 1

iv
Ao longo do estágio curricular foram realizados um total de 311 exames imagiológicos,
cuja distribuição se encontra especificada na Tabela II. É de notar que estes números
dizem respeito não só aos exames realizados a animais ingressados, mas também
exames de controlo a animais que se encontravam já em recuperação ou reabilitação no
início do estágio e ainda exames realizados durante as revisões anuais dos animais
irrecuperáveis, anteriormente referidos.

Tabela II - Exames Imagiológicos realizados durante os meses de estágio curricular

Aves Mamíferos Répteis Total


Rapinas Total
Radiologia 147 249 17 12 278
Ecografia 20 20 5 0 25
Fluoroscopia 4 4 0 0 4
Tomografia 2 2 2 0 4
Computorizada

A escolha deste tema para a presente dissertação prendeu-se não só pelo grande gosto
pela imagiologia e paixão pelas aves de rapina, mas também pela percentagem
significativa de ingressos destas aves em ambos os centros de recuperação e a sua
importância a nível de conservação. Além disto, o recurso à radiologia tem bastante
importância aquando da entrada destes animais.

v
AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Cláudia Batista, por desde cedo despertar em mim o
gosto pela área da imagiologia e por toda a ajuda e disponibilidade que demonstrou na
fase final do meu percurso académico.

À equipa do CRAS-HVUTAD pela constante disponibilidade, amizade e por me fazerem


sentir parte da equipa. Foi um verdadeiro prazer trabalhar convosco. Ao Dr. Roberto, por
toda a partilha de conhecimento e nunca deixar que me restasse alguma dúvida. Ao Dr.
Luís e à Dra. Filipa, por partilharem comigo o “bichinho” da biologia, conservação de
espécies e do birdwatching. Ao Dr. Diogo, por estimular o meu interesse pelos animais
exóticos.

À equipa do GREFA por me acolherem tão bem e pela constante aprendizagem. A todos
os veterinários com quem tive a oportunidade de aprender, cada um na sua área de
conhecimento. A todos os voluntários pela amizade criada nesta experiência tão intensa
e enriquecedora.

Às pessoas incríveis com quem me cruzei neste mundo dos animais selvagens. Em
particular, à Sofia e à Catarina pela grande amizade que criámos e pelas constantes
trocas de experiências e conhecimentos. Foi uma sorte ter conhecido pessoas que
partilham esta paixão da mesma forma que eu. Esta viagem não teria sido a mesma sem
vocês.

Aos amigos que criei ao longo do curso, por estes 6 anos ao meu lado. Em especial, à
Gaspar, por acreditar sempre nos meus sonhos, por vezes mais do que eu, e me dar
aquela “forcinha” para os perseguir. Ao João, por viver comigo os momentos mais
caóticos da minha vida. À AEICBAS e todas as pessoas com quem tive o prazer de
trabalhar, por me fazerem crescer e aprender a pensar fora da caixa.

Aos meus amigos de sempre. À Sisi, à Mariana, ao Luís e ao João por passarem estes
anos ao meu lado e por aturarem tantas tardes de conversa sobre mil e uma curiosidades
de passarinhos.

Aos meus pais, por não me deserdarem quando lhes disse que ia prolongar o meu
estágio e por me apoiarem sempre nas minhas decisões. À minha avó, o meu maior
exemplo, por me ensinar a perseguir os meus sonhos e me demonstrar que, com
trabalho, tudo se consegue.

Ao Luís, por todos os sacrifícios deste último ano e pelo carinho e apoio incondicionais.

vi
A beleza desta área é não haver dois dias iguais, “a mesma lesão num Buteo e num Açor
pode ditar um grande investimento no Buteo e a eutanásia do Açor” – Dr. Luís Sousa,
CRAS-HVUTAD

vii
ÍNDICE

Atividades desenvolvidas durante o Estágio Curricular ....................................................iii


1. Importância do uso da Radiologia num Centro de Recuperação ............................ 1
2. Radiologia em Aves de Rapina Selvagens ..................................................................... 3
2.1. Considerações gerais .................................................................................................. 3
2.2. Projeções Radiográficas e Posicionamento .......................................................... 4
2.3. Avaliação Radiográfica das aves .............................................................................. 7
2.3.1. Sistema musculoesquelético ............................................................................. 7
2.3.2. Órgãos da cavidade celómica .......................................................................... 11
3. Casos clínicos .................................................................................................................. 15
3.1. Caso Clínico 1: Aspergilose ..................................................................................... 15
3.2. Caso Clínico 2: Intoxicação por chumbo .............................................................. 18
3.3. Caso Clínico 3: Lesões causadas por traumatismo .......................................... 23
Conclusão ..................................................................................................................................... 28
Referências ................................................................................................................................... 29
Anexo A – Caso clínico 1: Aspergilose ................................................................................. 33
Anexo B – Caso clínico 2: Intoxicação por chumbo .......................................................... 35
Anexo C – Caso Clínico 3: Lesões casadas por traumatismo ........................................ 36

viii
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura I – Distribuição das aves ingressadas nos centros por ordem taxonómica ............. iv

Figura 1 – Impacto da utilização da radiologia na recuperação de aves de rapina num


centro de recuperação ................................................................................................................... 2

Figura 2 – Posicionamento de uma ave para a projeção VD (a) e LL (b), com recurso a
um dispositivo de contenção ......................................................................................................... 5

Figura 3 – Posicionamento de uma Águia-d’asa-redonda (Buteo buteo) para realização


de uma projeção CdCr da asa....................................................................................................... 6

Figura 4 – Anatomia radiográfica do sistema esquelético de um Gavião-da-europa


(Accipiter nisus) nas projeções VD (a) e LL (b) .......................................................................... 8

Figura 5 – Anatomia radiográfica do sistema esquelético da asa de uma Águia-calçada


(Aquila pennata) nas projeções VD (a) e CdCr (b) .................................................................... 8

Figura 6 - Imagem radiográfica de um sequestro na porção distal do rádio ....................... 10

Figura 7 – Imagem radiográfica de uma não união na porção distal do rádio .................... 10

Figura 8 – Anatomia radiográfica dos órgãos da cavidade celómica de um Açor (Accipiter


gentilis) nas projeções VD (a) e LL (b) ..................................................................................... 11

Figura A 1 – Radiografias realizadas no dia de admissão do Açor (Accipiter gentilis).... 33

Figura A 2 - Proteinograma inicial do animal ........................................................................... 34

Figura A 3 – Cultura fúngica em meio “Rose Bengal Chloramphenicol Agar” ................... 34

Figura A 4 - Observação ao microscópio de estruturas fúngicas, compatíveis com fungos


do género Aspergillus ................................................................................................................... 34

Figura A 5 - Radiografia de controlo 10 dias após o ingresso do animal ............................ 34

Figura A 6 - Radiografias post-mortem do animal .................................................................. 34

Figura B 1 – Radiografia inicial do Grifo (Gyps fulvus) no momento da admissão ........... 35

Figura B 2 – Radiografia de controlo do Grifo, 3 dias após o início do tratamento ........... 35

Figura B 3 – Radiografia de controlo do Grifo, 10 dias após o início do tratamento ......... 35

Figura B 4 – Parte do conteúdo retirado do trato gastrointestinal ........................................ 35

Figura B 5 – Radiografia de controlo uma semana após a endoscopia .............................. 35

ix
Figura C 1 – Estudo radiográfico realizado no dia da admissão do animal (Strix aluco) .. 36

Figura C 2 - Osteossíntese da fratura do metacarpo maior com recurso à fluoroscopia.. 37

Figura C 3 - Estudo radiográfico da região do metacarpo esquerdo após osteossíntese


da fratura proximal do metacarpo maior .................................................................................... 37

Figura C 4 - Fluoroscopia da região do coracóide após redução da fratura ....................... 37

Figura C 5 - Estudo radiográfico após osteossíntese da fratura distal de coracóide ........ 37

Figura C 6 - Imagem ecográfica do olho esquerdo do animal .............................................. 37

Figura C 7 - Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, três semanas


após a cirurgia................................................................................................................................ 38

Figura C 8 - Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, após


remoção da cavilha intramedular do coracóide e do tie-in do metacarpo ............................ 38

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela I - Organização da casuística de aves de rapina por espécies .................................. iv

Tabela II - Exames Imagiológicos realizados durante os meses de estágio curricular ........v

Tabela 1 - Projeções radiográficas recomendadas para as várias regiões anatómicas a


investigar........................................................................................................................................... 6

Tabela A 1 – Hematologia e Bioquímica iniciais do animal, com valores de referência do


GREFA para a espécie (Accipiter gentilis) ................................................................................ 33

Tabela C 1 – Hematologia e Bioquímica do animal, com valores de referência para a


espécie (Strix aluco). .................................................................................................................... 36

x
ABREVIATURAS

% - Percentagem kg – Kilograma

ºC – Graus celsius Kv – Kilovoltagem

BID – Duas vezes por dia (a cada 12 L – Litro

horas) LL – Latero-lateral

bpm – Batimentos por minuto m – Metro

Ca-EDTA – Etilenodiaminotetra-acetato mA – Miliamperagem


de cálcio dissódico
mg – Miligrama
CC – Condição Corporal
ml – Mililitro
CdCr – Caudo-cranial
mm3 – Milímetro cúbico
CRAS - HVUTAD – Centro de
mmHg – Milímetro de mercúrio
Recuperação de Animais Selvagens do
Hospital Veterinário da Universidade de MP – Membros Posteriores
Trás-os-Montes e Alto Douro
pg – Picograma
CrCd – Cranio-caudal
PIO – Pressão intraocular
CRI – Infusão de taxa constante
PO – Via oral
dL – Decilitro
Rácio A/G – Rácio albumina/globulinas
DMSA – Ácido dimercaptossuccínico
rpm – Respirações por minuto
ELISA - Enzyme Linked Immuno Sorbent
SID – Uma vez por dia (a cada 24 horas)
Assay
TID – Três vezes por dia (a cada 8
FFD – Distância foco – filme
horas)
fL – Fentolitro
TRV – Tempo de repleção venoso
g – Grama
VD – Ventro-dorsal
GNR – Guarda Nacional Republicana
μg – Micrograma
GREFA – Grupo de Rehabilitación de la
Fauna Autóctona y su Hábitat

IV – Via intravenosa

xi
1. Importância do uso da Radiologia num Centro de Recuperação

A radiologia é um método não invasivo que, em conjunto com um bom exame físico e
alguns exames complementares, poderá ter um grande valor diagnóstico1.

Como indicado na Tabela II, ao longo do período de estágio foram realizados um total de
173 exames imagiológicos em aves de rapina, dos quais 147 recorreram à utilização da
radiologia, tendo sido este o método de diagnóstico complementar mais utilizado em
ambos os centros. Adicionalmente, das 62 aves de rapina ingressadas ao longo do
estágio, 44 (cerca de 71%) foram submetidas a pelo menos um exame radiográfico. A
decisão de não realizar exames radiográficos nas restantes 18 aves prendeu-se
maioritariamente com o facto de terem sido eutanasiadas no momento da admissão
devido à gravidade das lesões visíveis no exame físico (nomeadamente grandes áreas
de tecido necrosado), não sendo necessária posterior confirmação radiográfica. Outro
dos principais motivos para este número foi a extrema debilidade de algumas aves no
momento da admissão, tendo estas acabado por morrer antes de ser possível realizar
qualquer exame imagiológico.

De um modo geral, a radiologia é uma ferramenta muito útil na medicina de animais


selvagens, podendo auxiliar no diagnóstico de várias situações recorrentes num centro
de recuperação. Algumas das causas de ingresso mais comuns de aves de rapina
incluem emaciação, processos infeciosos, intoxicação por chumbo e lesões ortopédicas,
sendo que as mesmas podem beneficiar da utilização da radiologia para o seu
diagnóstico, caracterização e determinação de causas subjacentes2,3. Qualquer ave
vítima de um traumatismo beneficia de um estudo radiográfico completo, não só para
procurar possíveis danos colaterais, como para avaliar se o mesmo resultou de um
acidente agudo primário ou se será consequência de um processo debilitante que
impediu a ave de se desviar de algum obstáculo, por exemplo. Da mesma forma, quando
ingressa um animal emaciado devemos sempre procurar uma causa subjacente e, para
tal, a radiologia pode ser bastante útil3. Por este motivo, segundo David Scott (2020),
aquando da chegada de uma ave de rapina, esta deverá ser alvo de um exame
radiográfico sempre que possível2. Além de auxiliarem na obtenção de um diagnóstico, os
exames radiográficos poderão ser também importantes para o seguimento médico e
cirúrgico do animal e na sua avaliação previamente a ser libertado2,4.

Além dos animais ingressados e em reabilitação, no GREFA recorreu-se também à


radiologia nos animais irrecuperáveis que integram parte dos seus programas de
educação ambiental e reprodução em cativeiro. Estas aves devem ser submetidas a

1
exames de revisão anuais, realizando radiografias periódicas, além de exames físicos
completos e outros exames complementares5. Alguns processos patológicos que afetam
as aves residentes incluem pododermatite, artrites e aspergilose, sendo que a radiologia
nos pode ajudar a diagnosticar (no caso da artrite e aspergilose) e classificar as
mesmas5,6. Sendo estas patologias sobretudo relacionadas com o maneio ou com a idade
da ave (no caso das artrites)5,6, em centros de recuperação a sua prevenção e
identificação é de maior relevância em animais em recuperação prolongada ou mantidos
em cativeiro como irrecuperáveis.

Uma vez que a maioria das aves de rapina ingressadas foi alvo de um exame
radiográfico, havendo ou não uma suspeita clínica que o justificasse, foi analisado o
número de casos em que a realização de um exame radiográfico na admissão destas
aves teve impacto na recuperação do animal, na medida em que afetava ou não o
tratamento a aplicar. Para tal, foram definidos como critérios “diagnóstico de patologia” e
“caracterização de patologia”. Foi contabilizado como “diagnóstico de patologia” a
deteção de uma alteração radiográfica que auxiliou no diagnóstico de um determinado
processo patológico. Já a “caracterização de patologia” aplicou-se em casos nos quais
havia um diagnóstico prévio, mas as radiografias tiveram impacto na terapêutica a aplicar
(por exemplo a caracterização de uma fratura, na medida em que a radiografia nos diz se
é ou não uma fratura elegível para cirurgia e, em caso positivo, permite realizar o
planeamento cirúrgico). Como se pode observar na Figura 1, das 44 aves de rapina
ingressadas às quais foi feito um exame radiográfico, em 28 (63,6%) o recurso à
radiologia teve influência no tratamento.

Impacto da Radiologia na Recuperação de Aves de Rapina


18
16
14
12
10
Diagnóstico de patologia
8
Caracterização de patologia
6
4
2
0
Influenciou o tratamento Não influenciou o tratamento

Figura 1 – Impacto da utilização da radiologia na recuperação de aves de rapina num centro de


recuperação

2
Além dos exames radiográficos iniciais, várias radiografias de controlo tiveram impacto no
curso do tratamento de alguns animais. Alguns exemplos incluem a deteção de
complicações cirúrgicas em casos de ortopedia, o diagnóstico de uma osteomielite na
revisão anual de uma ave irrecuperável e uma reclassificação do grau de pododermatite
de um animal em recuperação, o que alterou o seu tratamento de médico para cirúrgico.

2. Radiologia em Aves de Rapina Selvagens

2.1. Considerações gerais

Nas aves os fatores de exposição radiográficos são mais críticos do que nos mamíferos e
uma imagem sobre ou subexposta poderá induzir a interpretações erróneas, sobretudo a
nível pulmonar e dos sacos aéreos7. Devido à elevada frequência respiratória das aves é
importante usar tempos de exposição reduzidos – nunca superiores a 0,05 segundos – e
valores de mA superiores, com o objetivo de promover o máximo de nitidez nas
radiografias1,7,8. Adicionalmente, a voltagem do ânodo deverá rondar os 45-55 Kv para
que as imagens apresentem um maior grau de contraste e uma escala de cinzentos
extensa8. De forma a reduzir a quantidade de radiação necessária, a distância foco-filme
deverá ser reduzida (não devendo, no entanto, ser menor que 76 cm)7. Para além disto,
no caso das aves, é utilizada a técnica “table top” de forma rotineira, podendo ser
utilizada mesmo nos animais de maiores dimensões, uma vez que há uma menor
quantidade de radiação dispersa devido ao ar contido nos sacos aéreos7.

Existem atualmente vários pontos de vista relativamente ao recurso a anestesia para


procedimentos radiográficos pelo que se deve avaliar a sua necessidade caso a caso1.
Por um lado, a sua utilização permite-nos obter imagens de maior qualidade (pela
ausência de movimento), um melhor posicionamento e menos riscos de exposição para o
clínico. Adicionalmente, caso necessário, permite a insuflação dos sacos aéreos através
de pressão positiva, melhorando a visibilidade dos órgãos da cavidade celómica7. Por
outro lado, alguns autores defendem que o exame radiográfico é um procedimento rápido
e que o stress induzido pela sua realização não é superior ao da indução anestésica.
Assim, segundo Michael Pees (2008), na maioria dos casos a radiografia pode ser
realizada sem anestesia, quer através de contenção manual, quer através de dispositivos
de contenção9. Para além disso, o risco anestésico de cada animal deve ser sempre
considerado1,7. Uma outra alternativa à anestesia é a sedação1,7,8. De forma a maximizar

3
a segurança do clínico durante a realização de um exame sem anestesia, para além da
proteção típica necessária, devemos escolher uma cassete de tamanho adequado ao
animal e colimar o feixe de radiação apenas às dimensões necessárias8. Idealmente, a
ave deve estar em jejum durante a realização dos estudos radiográficos,
independentemente da utilização de anestesia, de forma a evitar a regurgitação e
aspiração, além de que o conteúdo digestivo altera a aparência dos órgãos da cavidade
celómica7,10. Em ambos os centros onde decorreu este estágio curricular, a maioria das
radiografias foi realizada sem anestesia, excetuando-se situações em que o animal foi
anestesiado por outro motivo (nomeadamente procedimentos cirúrgicos e remoção de
dispositivos ortopédicos).

2.2. Projeções Radiográficas e Posicionamento

O valor diagnóstico de um exame radiográfico, além dos fatores de exposição referidos


anteriormente, está altamente dependente de um correto posicionamento do animal8,9. As
três projeções standard mais importantes em aves são a ventro-dorsal (VD), latero-lateral
(LL) e caudo-cranial (CdCr)9. De forma rotineira, a ave pode ser avaliada através de um
exame radiográfico de corpo inteiro sendo necessárias, no mínimo, duas projeções
ortogonais: VD e LL8.

Na projeção VD (Figura 2a), a ave é colocada em decúbito dorsal. Nesta, é importante


evitar que os membros posteriores (MP) fiquem sobrepostos à cavidade celómica e
garantir que a quilha fique perfeitamente alinhada com a coluna vertebral e com o feixe
central, de forma a garantir uma imagem simétrica1,8,9. A assimetria da imagem poderá
dificultar a avaliação dos ossos da cintura escapular3 e induzir a uma interpretação
errónea relativamente ao tamanho de vários órgãos (sobretudo do coração, fígado e
proventrículo)9. Através de contenção manual esta é conseguida segurando a cabeça da
ave com uma mão e esticando os MP com a outra8,9. As asas deverão ainda ser
abduzidas de forma a evitar sobreposições na região do ombro8.

Na projeção LL convencional (Figura 2b) a ave é colocada em decúbito lateral direito1,8,


embora em algumas ocasiões possa ser preferível o decúbito lateral esquerdo1. Nesta, os
MP não devem ficar sobrepostos à cavidade celómica e as articulações coxofemorais e
os ossos coracóides devem manter-se alinhados aos contralaterais9. A contenção manual
é conseguida de forma semelhante à da VD, com as asas estendidas dorsalmente, sendo
mantidas na sua posição pelo antebraço do clínico8. Para evitar a rotação do corpo,

4
coloca-se um objeto radiolucente com largura adequada entre as asas. Caso o animal
apresente alterações respiratórias este posicionamento deverá ser realizado
cuidadosamente, uma vez que uma tensão excessiva das asas poderá incrementar a
dificuldade respiratória1,8. Por fim, pretende-se que o feixe central da radiação esteja no
eixo longitudinal do corpo, junto à parte caudal do arco costal8.

Para ambas as projeções abordadas estão disponíveis dispositivos de contenção


adequados, que evitam a contenção manual e consequente exposição do operador à
radiação8,9. Por outro lado, estes dispositivos de contenção estão contraindicados em
animais em estado crítico e com depressão cardiorrespiratória já que, havendo um
agravamento do seu estado, o processo de colocar o animal numa posição fisiológica é
mais demorado. Para além disso, com a contenção manual há um menor risco de
movimentação por parte da ave, aumentando a qualidade da imagem8.

Figura 2 – Posicionamento de uma ave para a projeção VD (a) e LL (b), com recurso a um dispositivo de
contenção7.

Em caso de suspeita de lesão numa asa, para além das projeções descritas, deve
acrescentar-se um estudo radiográfico do membro. Para tal devem ser realizadas, no
mínimo, duas projeções da asa: VD (ou medio-lateral) e CdCr, sendo que a primeira
poderá não ser necessária caso a projeção VD do corpo inclua a totalidade do membro.
Sendo útil, para projeção VD da asa colocamos o animal em decúbito dorsal, estendendo
a asa a avaliar7,8. Para a realização da projeção CdCr (Figura 3) é necessária a
contenção manual: a ave é posicionada no bordo da mesa, em posição invertida e
perpendicular à mesma, com a asa a avaliar estendida e pousada sobre a cassete7,9. Esta

5
projeção é preferível à cranio-caudal (CrCd) uma vez que, na última, as retrizes impedem
que a estrutura óssea da asa fique próxima da cassete, aumentando a distância objeto-
filme7. Nas projeções da asa, o feixe central da radiação deverá estar focado na
articulação do cotovelo8 ou a meio das diáfises do rádio e cúbito7.

Figura 3 – Posicionamento de uma Águia-d’asa-redonda


(Buteo buteo) para realização de uma projeção CdCr da
asa. Imagem gentilmente cedida pelo CRAS-HVUTAD.

Um exame radiográfico completo de corpo inteiro (VD e LL) inclui as projeções ortogonais
Figurae4 –medio-lateral,
dos MP (dorso-plantar Posicionamento derespetivamente),
uma Águia-d’asa-redonda
não sendo necessárias
(Buteo buteo) para realização de uma projeção CdCr da
7
projeções adicionaisasa.
deImagem
formagentilmente
rotineiracedida
. Hápelo
ainda outras projeções radiográficas
CRAS-HVUTAD.

descritas que poderão ser úteis conforme a suspeita clínica (Tabela 1).

Tabela 1 – Projeções radiográficas recomendadas para várias regiões anatómicas a investigar.


Do autor, baseado nas referências7,8,11,12
Região a
Projeções Recomendadas Comentários
Investigar
Feixe alinhado com a quilha, junto à porção caudal
VD
Cavidade do esterno
Celómica Feixe alinhado com o eixo longitudinal do corpo,
LL
junto à parte caudal do arco costal
VD Projeções standard. Normalmente realizadas
LL aquando da avaliação da cavidade celómica
Cintura Caudoventral-craniodorsal Pode ser utilizada se há suspeita de alterações, mas
escapular oblíqua a 45ᵒ (Projeção H) as mesmas não são visíveis nas projeções VD e LL
Utilizada quando há suspeita de alteração próxima à
“Stressed” position
articulação do ombro
Asa (Membros Medio-lateral (VD) Feixe centrado na região do cotovelo ou a meio da
Anteriores) CdCr diáfise do rádio/cúbito
Dorso-plantar Feixe centrado na articulação intertársica
Membros A ave deverá estar em decúbito lateral do lado do
membro afetado (de forma que este fique mais
Posteriores Medio-lateral
próximo da cassete).
Feixe centrado na articulação intertársica
VD ou DV, LL, Rostrocaudal
Cabeça Dependendo das estruturas que pretendemos avaliar
ou Caudorostral e Oblíquas

6
2.3. Avaliação Radiográfica das aves

A radiografia é dos exames imagiológicos mais utilizados em aves devido à presença de


um complexo sistema de sacos aéreos. Estes facilitam a interpretação radiográfica,
funcionando como um contraste negativo para os órgãos da cavidade celómica9.

Uma vez que existe uma grande variabilidade entre espécies, neste capítulo será
abordada a anatomia radiográfica das aves de um modo geral, especificado algumas
particularidades das aves de rapina. Para tal, para além da divisão entre o sistema
musculoesquelético e os restantes sistemas, serão focadas as alterações mais
frequentes em aves selvagens, tendo por base a casuística dos estágios realizados.

É importante reforçar que a avaliação radiográfica deverá ser feita de forma sistemática
para que não passem despercebidas determinadas lesões10.

2.3.1. Sistema musculoesquelético

Para avaliação da estrutura óssea das aves devemos ter em conta ambas as projeções
VD e LL do corpo, as duas projeções ortogonais das asas (VD e CdCr) e, caso
necessário, projeções especiais para os MP, crânio e cintura escapular, como
especificado na tabela 38,11,12.

De modo a analisar o sistema musculoesquelético através de uma radiografia é


necessário um bom conhecimento anatómico e fisiológico da ave. A anatomia
radiográfica do sistema musculoesquelético das aves encontra-se esquematizada nas
figuras 4 e 5. Algumas variações fisiológicas incluem a ossificação incompleta em crias e
o aumento da radiopacidade da cavidade medular de alguns ossos do esqueleto
apendicular em fêmeas durante a época reprodutiva8,9. Perante a suspeita de alguma
alteração no esqueleto apendicular poderá ser útil comparar com o membro
contralateral9.

Tanto o esqueleto axial como o apendicular apresentam vários ossos pneumáticos,


nomeadamente: úmero, coracóide, fémur, vértebras cervicais e algumas torácicas, parte
das costelas e esterno. Esta pneumatização varia com a espécie – sendo mais evidente
em grandes voadores – e com a idade do animal, tratando-se de um processo gradual. A
imagem típica destes ossos é de uma região cortical radiopaca fina em volta de uma
região radiolucente preenchida por ar8,9. Por sua vez, os ossos com medula óssea são
comparativamente mais radiopacos9.

7
Figura 4 – Anatomia radiográfica do sistema esquelético de um Gavião-da-europa (Accipiter nisus) nas
projeções VD (a) e LL (b). 1 – Coracóide; 2- Úmero; 3 – Cúbito; 4 – Rádio; 5 – Alula (ou primeira falange); 6 –
Clavícula; 7 – Escápula; 8 – Metacarpo menor; 9 – Metacarpo maior; 10 – Falange; 11 – Fémur; 12 –
Tibiotarso; 13 – Púbis; 14 – Fíbula; 15 – Coluna Vertebral; 16 – Quilha. Imagem gentilmente cedida pelo
CRAS-HVUTAD.

Figura 4 – Anatomia radiográfica do sistema esquelético de um Gavião-da-europa (Accipiter nisus) nas


projeções VD (a) e LL (b). 1 – Coracóide; 2- Úmero; 3 – Cúbito; 4 – Rádio; 5 – Alula (ou primeira falange); 6 –
Clavícula; 7 – Escápula; 8 – Metacarpo menor; 9 – Metacarpo maior; 10 – Falange; 11 – Fémur; 12 –
Tibiotarso; 13 – Púbis; 14 – Fíbula; 15 – Coluna Vertebral; 16 – Quilha. Imagem gentilmente cedida pelo
CRAS-HVUTAD.

Figura 5 - Anatomia radiográfica do sistema esquelético da asa de uma Águia-calçada (Aquila pennata) nas
projeções VD (a) e CdCr (b). 1 – Úmero; 2 – Ulna; 3 – Rádio; 4 – Carpo radial; 5 – Carpo ulnar; 6 – Alula (ou
primeira falange); 7 – Metacarpo maior; 8 – Matacarpo menor. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-
HVUTAD.

Ao avaliar este sistema nas aves de rapina selvagens, devemos procurar lesões
patológicas, como a presença de fraturas, luxações, osteomielite e osteoartrite. Podem
ainda ser encontradas, embora com menor frequência, lesões neoplásicas e
deformações ósseas9. Para tal, devemos saber interpretar a conformação dos ossos, a
integridade, densidade e espessura das corticais ósseas, assim como a radiopacidade
das cavidades medulares e a presença de sinais de inflamação dos tecidos moles9,10.

8
Das 62 aves de rapina ingressadas ao longo deste estágio curricular, 28 (45,2%)
apresentavam fraturas, tendo sido a alteração óssea mais prevalente, seguida de
luxações. Fraturas dos ossos longos, coracóide e coluna vertebral são lesões
diagnosticadas frequentemente em aves de rapina selvagens2. Na presença de uma ou
mais fraturas, a radiologia é essencial para a identificação e caracterização das mesmas,
de forma a realizar um bom plano de tratamento para o animal e definir um prognóstico
relativamente a um possível retorno de função do membro afetado13,14. Para tal, é
essencial saber distinguir se se trata de uma fratura antiga ou recente, através da
caracterização dos bordos da mesma, da quantificação da formação de calo no endósteo
(normalmente visível na radiografia a partir dos catorze dias) e da reação de periósteo
(embora esta seja normalmente menos exuberante em aves)9,15. Adicionalmente, a
classificação das fraturas quanto à localização e ao tipo de lesão – simples, cominutiva
redutível ou não redutível, transversa ou oblíqua – é também muito importante para o
planeamento cirúrgico13,16. As radiografias permitem-nos ainda a medição das dimensões
do osso, dos fragmentos e dos defeitos ósseos, sendo estes valores determinantes para
a escolha de um tamanho adequado dos dispositivos e técnica ortopédica a utilizar14.

No caso da coluna vertebral, a região mais predisposta a fraturas localiza-se entre as


vértebras torácicas caudais e o sinsacro, normalmente difícil de avaliar na projeção VD
pela sobreposição de estruturas. Este tipo de fraturas é mais facilmente avaliado quando
se recorre a tomografia computorizada15,17.

Após o diagnóstico e correção da fratura, a radiologia é utilizada para avaliar a evolução


da cicatrização óssea e o surgimento de complicações. Deve-se realizar, pelo menos,
duas projeções ortogonais imediatamente após a redução da fratura (quer o tratamento
seja conservativo ou cirúrgico), para permitir a correção imediata de uma possível má
posição dos fragmentos13. Posteriormente, é aconselhado realizar radiografias de
controlo entre o 10º e 14º dia após a cirurgia e entre o 20º e 24º e, caso necessário a
cada duas semanas após este período18. A velocidade da cicatrização óssea depende do
grau de separação dos fragmentos, da estabilidade da fratura, do aporte sanguíneo e da
presença de infeção19.

Algumas das complicações ortopédicas mais frequentes incluem instabilidade das


cavilhas, não união, má união, sequestros e osteomielite, sendo a radiologia muito útil na
sua identificação e monitorização13,17. Caso haja evidência clínica de alguma complicação
é recomendado um estudo radiográfico imediato20.

9
A instabilidade das cavilhas pode ocorrer por vários motivos, podendo estar associada a
várias outras complicações ortopédicas. Esta evidencia-se radiograficamente por um halo
radiolucente ao redor de uma ou mais cavilhas13. Uma fixação instável é prejudicial para
a recuperação do animal, devendo a cavilha ser removida de imediato20.

Considera-se que ocorreu uma união atrasada quando a fratura não ossifica após o
tempo devido (apesar de este ser indefinido), mas estão presentes evidências discretas
de ossificação. Esta poderá progredir para uma não união, caso não exista ossificação
nem evidência de progresso da mesma nas radiografias de controlo (Figura 6)17. Estas
complicações podem ser consequência de uma instabilidade prolongada, infeção na zona
de fratura ou reduzida vascularização20. Em casos de não união deverá ser feita uma
nova intervenção para aumentar a estabilidade da lesão e, se necessário, recorrer a um
enxerto ósseo17.

Um sequestro é um fragmento de osso inviável, avascular, que caso não seja removido
poderá impedir a normal cicatrização dos restantes fragmentos e servir de foco de
infeção13,17. Esta complicação é particularmente comum em animais que apresentam
fraturas cominutivas. Radiograficamente identifica-se por ser um fragmento de osso com
bordos afilados, rodeado por um invólucro radiolucente que o separa do restante osso
(Figura 7)17.

Figura 6 – Imagem radiográfica de uma não união Figura 7 - Imagem radiográfica de um sequestro na
na porção distal do rádio (seta) de uma Águia- porção distal do rádio (seta) de um Gavião-da-
imperial-ibérica (Aquila adalberti). Projeção VD da europa (Accipiter nisus). Projeção VD da zona distal
zona distal do rádio e ulna. Imagem gentilmente do rádio e ulna. Imagem gentilmente cedida pelo
cedida pelo CRAS-HVUTAD. CRAS-HVUTAD.

Figura 5 - Imagem radiográfica de um sequestro na


10 porção distal do rádio (seta) de um Gavião-da-
Figura 7 – Imagem radiográfica de uma não união europa (Accipiter nisus). Projeção VD da zona distal
na porção distal do rádio (seta) de uma Águia- do rádio e ulna. Imagem gentilmente cedida pelo
imperial-ibérica (Aquila adalberti). Projeção VD da CRAS-HVUTAD.
zona distal do rádio e ulna. Imagem gentilmente
cedida pelo CRAS-HVUTAD.
A osteomielite trata-se de uma infeção óssea normalmente resultante de uma fratura
exposta. Nas aves é incomum haver uma reação de periósteo exuberante, sendo as
alterações radiográficas mais predominantes a osteólise e inflamação dos tecidos
moles17. No pós-operatório podemos suspeitar deste tipo de infeção perante alguns sinais
clínicos, como uma exsudação prolongada na zona de inserção das cavilhas20. A
radiologia pode ser eficaz na deteção da osteomielite após algumas semanas da
instalação do processo, quando passam a ser visíveis alterações radiográficas. Em caso
de suspeita, a ecografia poderá indicar alterações numa fase mais precoce. As fraturas
de ossos pneumáticos apresentam um maior risco de osteomielite, podendo estender-se
aos sacos aéreos17.

2.3.2. Órgãos da cavidade celómica

Neste subcapítulo serão abordados os órgãos da cavidade celómica por sistemas,


estando a anatomia radiográfica das aves representada na Figura 8.

a) b)
Figura 8 – Anatomia radiográfica dos órgãos da cavidade celómica de um Açor (Accipiter gentilis) nas
projeções VD (a) e LL (b). 1 – Coração e grandes vasos; 2 – Fígado; 3 – Traqueia; 4 – Pulmão; 5 –
Sacos aéreos torácico caudal e abdominal; 6 – Proventrículo; 7 – Ventrículo; 8 – Intestinos; 9 – Rim; 10
– Baço. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

11
Sistema cardiovascular: Embora a prevalência não seja elevada, estão descritas
algumas patologias cardíacas em aves de rapina selvagens, nomeadamente miocardites,
endocardites, cardiomiopatias e hemopericárdio, podendo estar associadas a agentes
infeciosos, intoxicação por chumbo e traumatismos21. As alterações radiográficas
encontradas são sobretudo alterações de tamanho da silhueta cardíaca22. Para avaliação
da mesma, existem atualmente publicações com medidas de referência para várias
espécies de aves de rapina23–25. No entanto, importa ter em conta que para a avaliação
deste sistema a melhor técnica imagiológica é a ecografia22. Para além disso, na maioria
das espécies, a individualização do ápice cardíaco indica uma rotura do saco aéreo
torácico cranial22.

Fígado: Este pode ser avaliado em ambas as projeções, VD e LL9. Na projeção VD é


visível uma silhueta cardiohepática, que deverá ter a forma de ampulheta. Uma perda da
cintura desta silhueta ocorre normalmente quando há hepatomegália, mas poderá
também ocorrer caso o proventrículo apresente conteúdo9,26. Na Coruja-das-torres (Tyto
alba) e potencialmente outras espécies de rapinas noturnas, a cintura da silhueta
cardiohepática é pouco pronunciada26. Na projeção LL podemos dizer que existe
hepatomegália caso o limite do fígado ultrapasse o limite da quilha, podendo ser visível
também uma diminuição do espaço entre o fígado e o proventrículo e um deslocamento
do proventrículo dorsalmente e do ventrículo cadalmente1,9,10. É ainda importante ter em
conta que todas as aves de rapina apresentam vesícula biliar26. A hepatomegália pode
ser indicativa de vários agentes infeciosos e parasitários que afetam aves de rapina
selvagens, como C. psittaci, M. avium, Herpesvírus. e Haemoproteus spp.27,28.

Sistema respiratório: As patologias do trato respiratório inferior são bastante comuns


em aves, sendo a radiologia um dos métodos de diagnóstico mais importantes para a sua
avaliação29. Os pulmões das aves são estruturas inextensíveis, logo, a fase do ciclo
respiratório não tem efeito na sua imagem radiográfica7,29. Para a sua avaliação devemos
ter em conta as duas projeções ortogonais da cavidade celómica, sendo o parênquima
pulmonar mais facilmente avaliado na projeção LL – na qual é visível um padrão em
“favos de mel” – e a simetria e localização de lesões unilaterais apenas possível na
projeção VD10,29. Apesar disto, a área cranial do pulmão não é visível uma vez que há
uma sobreposição dos músculos peitorais e ossos da cintura escapular30. Um aumento
de radiopacidade difuso com diminuição do padrão típico poderá estar associado a
pneumonias bacterianas ou contusão pulmonar, enquanto aumentos de radiopacidade
focais estão normalmente associados à formação de granulomas fúngicos ou a
tuberculose9,10,29. Podem ainda ser observadas alterações mais subtis, nomeadamente

12
dilatações bronquiais, aumento da radiopacidade do bordo caudal do pulmão, e dilatação
dos vasos pulmonares29,31.

O sistema de sacos aéreos varia em número, consoante a espécie, e em tamanho,


consoante a fase do ciclo respiratório e tamanho dos órgãos da cavidade celómica8,9.
Para a sua correta avaliação são importantes ambas as projeções VD e LL. Enquanto a
projeção VD nos permite avaliar a simetria dos sacos aéreos e localizar lesões, o
espessamento das suas paredes é mais facilmente analisado na projeção LL29. Para
além disso, devido à sobreposição de estruturas, certas regiões são apenas visíveis
numa das projeções1. Radiograficamente apresentam-se como zonas de densidade ar e
não devem ser visíveis linhas entre sacos aéreos adjacentes8,10. Uma dilatação excessiva
dos sacos aéreos abdominais pode ser visualizada em ambas as projeções e indica uma
estenose do trato respiratório superior. Podem também ser visíveis roturas de sacos
aéreos devido a situações traumáticas, traduzindo-se radiograficamente numa melhor
visualização dos órgãos da cavidade celómica pelo contraste negativo do ar29. É também
bastante comum a presença de aerosaculite causada por infeções: bacterianas,
caracterizadas por um aumento da radiopacidade bilateral; parasitárias (Serratospiculum
spp.), podendo ser visíveis espessamentos das paredes dos sacos aéreos; ou fúngicas,
caracterizadas por alterações assimétricas com espessamento das paredes dos mesmos
e múltiplos aumentos de radiopacidade focais, do tipo granulomatoso1,29,32.

A traqueia e a siringe podem ser visualizadas, mas a radiologia não é o método de


eleição para a sua avaliação29. A siringe localiza-se na zona torácica cranial e é mais
facilmente observada na projeção LL, embora a sobreposição de várias estruturas na sua
região anatómica dificulte bastante a sua visualização8,9. Possíveis alterações incluem um
aumento da radiopacidade no seu lúmen, compatível com um aspergiloma ou corpo
estranho9.

Sistema gastrointestinal: O papo (não representado na Figura 8) é uma dilatação do


esófago cervical presente nas aves de rapina diurnas, contrariamente às noturnas26.
Anatomicamente localiza-se antes da entrada na cavidade celómica, predominantemente
do lado direito. O proventrículo é uma estrutura relativamente pequena que se encontra
dorsal ao fígado na projeção LL e delimita o bordo esquerdo da silhueta cardiohepática
na projeção VD1,26. Encontra-se em contacto com o ventrículo, que se localiza
caudoventralmente na projeção LL e caudalmente na projeção VD1. Em aves de rapina, o
tamanho do proventrículo, ventrículo e intestinos é altamente dependente da quantidade
de conteúdo presente9. Radiograficamente é comum observar-se conteúdo como ossos e
penas (que irão formar egagrópila) no ventrículo, não devendo ser confundidos com

13
corpos estranhos já que se trata de um processo fisiológico. No entanto, podem ser
visíveis corpos estranhos nesta mesma região, como pedras e partículas metálicas26,32. A
porção intestinal do trato digestivo encontra-se na região caudal da cavidade celómica e
termina na cloaca26. As ansas intestinais não são, normalmente, individualizáveis, a
menos que se apresentem dilatadas e preenchidas por gás, o que poderá indicar uma
obstrução, gastroenterite ou diminuição da motilidade intestinal10,32,33. A cloaca apenas
será radiograficamente visível caso contenha ar ou uma grande quantidade de uratos e
fezes, podendo indicar uma impactação cloacal26,33. O deslocamento dos órgãos do trato
digestivo está normalmente associado a organomegália1. Adicionalmente, podem ser
visíveis granulomas na região do trato digestivo devido a uma infeção por M. avium27.

Para uma melhor avaliação deste sistema podemos realizar um estudo contrastado. Este,
além de permitir uma melhor avaliação do trato digestivo e sua motilidade, permite uma
melhor diferenciação dos órgãos adjacentes1,8. Para tal, deverá ser administrada uma
suspensão de 25-45% de sulfato de bário (20 ml/Kg) diretamente no papo, através de
uma sonda. Em caso de suspeita de perfuração gastrointestinal deveremos administrar,
em alternativa, um composto iodado não iónico (250 mg/ml, a 10 ml/Kg)1,8.

Sistema urogenital: Os rins são facilmente visíveis na projeção LL1,9. As alterações


renais observadas radiograficamente são alterações de tamanho e radiopacidade e
podem estar associadas sobretudo a processos infeciosos, formação de quistos renais,
intoxicação por chumbo e desidratação severa1,8. O recurso a uma urografia excretora
através da administração IV de compostos iodados poderá dar-nos mais informações
relativamente à sua forma e função8. Devemos ainda ter em consideração que as aves
não apresentam bexiga1. As gónadas (não representadas na figura 8) podem ser visíveis
cranioventralmente ao polo cranial do rim na projeção LL e a sua representação
radiográfica depende da idade e fase reprodutiva da ave9,26.

Baço: Este órgão pode ser observado na projeção LL, dorsalmente à porção caudal do
proventrículo e em aves de rapina a sua forma é, normalmente, esférica8,26. Este poderá
não ser visível caso o trato digestivo apresente muito conteúdo26. Uma esplenomegália é
normalmente indicativa de um processo infecioso, podendo indicar uma infeção por C.
psittaci, M. avium, Herpesvírus. vírus West Nile ou Haemoproteus spp 9,27,28,32.

14
3. Casos clínicos

Na presente secção do relatório apresentam-se três casos clínicos acompanhados ao


longo do estágio, nos quais a utilização da radiologia foi essencial no diagnóstico e/ou
caracterização da patologia em questão. Estes três casos foram escolhidos por
representarem situações bastante comuns na clínica de aves de rapina selvagens: uma
doença infeciosa, uma intoxicação e lesões consequentes a um traumatismo.

Além da importância dos exames radiográficos no diagnóstico inicial destes processos


patológicos, estes também foram importantes para o acompanhamento dos respetivos
animais.

3.1. Caso Clínico 1: Aspergilose

Chegou ao GREFA um Açor (Accipiter gentilis) macho, juvenil, de 440g de peso corporal
encontrado num polidesportivo com aparente lesão na asa direita. No exame físico inicial
encontrava-se deprimido, emaciado (CC = 1/5), com uma desidratação de 10%, mucosas
pálidas e secas, dispneia e ruídos respiratórios mais pronunciados no lado direito. Tinha
a asa direita ligeiramente descaída e evidenciava dor à palpação da mesma. Para além
disso, apresentava uma lesão no dedo IV do MP direito. Durante a exploração
musculoesquelética não foram palpadas fraturas e os restantes parâmetros do exame
físico encontravam-se normais.

Diagnósticos diferenciais: os principais diagnósticos diferenciais incluem pneumonia


bacteriana (por Mycobacterium spp., Mycoplasma spp.) ou fúngica (por Aspergillus spp.),
aerosaculite, Influenza aviária, obstrução das vias respiratórias (por granulomas,
trichomonas, corpos estranhos), traumatismo (hemorragia pulmonar, rotura de saco
aéreo) e pneumonia por aspiração.

Exames complementares: foram realizadas uma radiografia VD de corpo inteiro e uma


radiografia VD dos MP (Figura A1). Na imagem VD de corpo inteiro observa-se um
aumento multifocal da radiopacidade do pulmão e sacos aéreos direitos, do tipo
granulomatoso. É possível detetar também um aumento generalizado da radiopacidade
do canal medular do úmero direito, com um aumento de espessura da cortical óssea na
região da diáfise proximal deste osso. A imagem VD dos MP não apresenta alterações.
Colheu-se uma amostra de sangue da veia ulnar para hematologia e bioquímica (Tabela
A1) e proteinograma (Figura A2). Os valores hematológicos demonstram uma anemia

15
não regenerativa e leucocitose, com heterofilia e monocitose. Através da Figura A2
podemos ver uma diminuição do rácio A/G, assim como um aumento das α-, β- e γ-
globulinas. Nesse dia colheu-se ainda, sob anestesia, através de zaragatoa, uma amostra
do conteúdo traqueal para microbiologia. A amostra foi posteriormente cultivada a 37ºC
num meio “Rose Bengal Chloramphenicol Agar” e observada ao microscópio (com
coloração com azul de lactofenol), tendo sido identificadas estruturas fúngicas
compatíveis com fungos do género Aspergillus (Figuras A3 e A4).

Diagnóstico definitivo: Aspergilose.

Tratamento e acompanhamento: Enquanto se esperava pelos resultados da analítica


sanguínea e microbiologia, iniciou-se o plano terapêutico com a administração de um
complexo vitamínico B (0,5 mg/kg SC, dose única), Fluidoterapia IV com bólus de 20
ml/kg SID de Lactato de Ringer (durante 3 dias), meloxicam (1 mg/kg PO SID, durante 3
dias), tramadol (15 mg/kg PO SID, durante 3 dias) e amoxicilina/ácido clavulânico (125
mg/kg PO SID durante 7 dias). Além disso, foi iniciada uma alimentação forçada com um
alimento líquido convalescente para carnívoros a 20 ml/kg PO BID, aumentando
gradualmente a complexidade do alimento.

Após receção dos resultados das análises de hematologia, bioquímica e proteinograma


optou-se por repetir a radiografia VD de corpo inteiro, 10 dias após o ingresso da ave
(Figura A5). Comparativamente à radiografia anterior, a imagem pulmonar mantém-se
semelhante, no entanto, observa-se um aumento de radiopacidade na zona proximal do
canal medular do úmero com aspeto nodular e uma reação de periósteo mais exuberante
nessa região. É ainda possível distinguir uma região circular com um aumento da
radiopacidade na zona da cavidade celómica caudal direita, compatível com a zona do
polo cranial do rim (embora para se saber a sua localização exata seja necessário
recorrer a uma projeção LL). Perante estes resultados e tendo em conta o exame físico
do animal, chegou-se a um diagnóstico presuntivo de aspergilose. Assim, iniciou-se um
tratamento empírico com Itraconazol a 10 mg/kg PO BID durante 5 dias, que passou a
SID nos dias seguintes. Dois dias depois, quando chegaram os resultados da
microbiologia, confirmou-se então a presença de uma aspergilose.

Ao longo do internamento, o animal desenvolveu hiporrexia, foi perdendo peso (tendo


perdido um total de 152g) e acentuando a dispneia e os ruídos respiratórios. Nove dias
após o início do tratamento com itraconazol, o animal foi encontrado em posição
ortopneica e, apesar de ter sido colocado numa câmara de oxigenação, acabou por
morrer no mesmo dia. Foi realizada a necrópsia, incluindo duas radiografias post-mortem

16
(Figura A6), nas quais é possível observar uma evolução da lesão do úmero,
caracterizada por um aumento da reação de periósteo, além do aumento multifocal da
radiopacidade na região dos sacos aéreos e pulmão esquerdos. Na necrópsia (Figura A6)
foram encontrados granulomas disseminados pelos pulmões e sacos aéreos do animal,
compatíveis com a presença de uma aspergilose.

Discussão: A aspergilose é uma doença fúngica causada por Aspergillus spp. que afeta
várias famílias de aves selvagens, sendo as aves de rapina e as aves aquáticas as mais
frequentemente afetadas34. Tendo como foco as aves de rapina, os açores (Accipiter
gentilis) são considerados uma espécie de alto risco ao desenvolvimento desta
doença35,36. O Aspergillus fumigatus é a espécie mais prevalente em aves selvagens e os
esporos, quando inalados, poderão provocar infeção do trato respiratório afetando
sobretudo pulmões, sacos aéreos e brônquios e, secundariamente, estruturas ósseas34,37.
Esta infeção está normalmente associada a situações de imunossupressão, sendo muitas
vezes secundária a traumatismos, emaciação e outros problemas não infeciosos ou
associada a agentes concomitantes37. A patologia ocorre normalmente de forma crónica e
a sintomatologia inclui emaciação, desidratação, letargia, anorexia, incapacidade de voar,
dispneia severa e progressiva e cianose, podendo ainda estar presentes outros sinais
34,36–38
clínicos consoante os órgãos afetados . Caso haja infeção do úmero ou saco aéreo
clavicular é visível um descaimento da asa, tal como ocorreu neste animal31.

O diagnóstico antemortem de aspergilose é limitado, sendo baseado nos sinais clínicos e


complementado com exames radiográficos, endoscopia, análises sanguíneas, cultura
microbiológica e testes serológicos (ELISA)34,36,37. A radiologia pode ser bastante útil no
diagnóstico de aspergilose em aves, sobretudo em estados mais avançados da doença e
com prognóstico reservado. Apesar das alterações radiográficas serem inespecíficas e
não conferirem um diagnóstico definitivo, o exame radiográfico permite-nos detetar
problemas concomitantes e descartar vários diagnósticos diferenciais30,31. Sinais
radiográficos compatíveis com aspergilose incluem sinais de broncopneumonia com um
padrão parabrônquico proeminente, lesões nodulares de densidade líquido/tecidos moles
no trato respiratório e sinais de aerosaculite (nomeadamente assimetria e espessamento
dos sacos aéreos e aumento da quantidade de ar no saco aéreo abdominal)30,31,36,38. A
perda de definição da silhueta cardiohepática e o aumento da radiopacidade do bordo
caudal do pulmão são alterações mais subtis que, apesar de inespecíficas, podem levar a
uma suspeita de aspergilose30,31. Além disso, podem ainda ser observados líquido livre
na cavidade celómica, hepatomegalia ou nefromegalia, consoante os órgãos afetados36,38.
Uma osteomielite fúngica, tal como apresenta este animal, provoca uma reação de

17
periósteo exuberante e um aumento da radiopacidade da cavidade medular pela
formação de granulomas17. Neste caso, os achados radiográficos evidentes permitem-
nos determinar que o prognóstico do animal é bastante reservado. É de notar que neste
caso não foi realizada uma radiografia LL uma vez que o animal se encontrava dispneico.

A endoscopia do trato respiratório e cavidade celómica possibilita a deteção de um


aumento da opacidade, espessura e vascularização dos sacos aéreos e a visualização
direta de aspergilomas em todo o sistema respiratório, tal como a recolha de amostras
para cultura, permitindo assim um diagnóstico definitivo31,34,36. A nível de analítica
sanguínea, a hematologia poderá revelar uma anemia não regenerativa, leucocitose,
heterofilia com desvio à esquerda, linfopenia e monocitose31,36,38. A bioquímica poderá
mostrar diferentes alterações conforme os órgãos afetados. Neste caso, o aumento de
ácido úrico pode indicar uma doença renal causada pelo fungo ou pelos seus produtos
metabólicos31. O proteinograma, apesar de inespecífico, é muito útil, uma vez que
alterações como um aumento das β- e/ou γ-globulinas, hipoalbuminemia, diminuição da
pré-albumina e uma diminuição do rácio A/G (≤ 0,5) podem ser indicativos de
aspergilose31,36,38–40. A serologia apresenta um valor diagnóstico limitado quando utilizada
de forma individual, uma vez que resulta em vários falsos positivos e negativos37. A
cultura e isolamento do agente para posterior caracterização é considerado o gold
standard. Para tal, as amostras devem ser recolhidas da traqueia ou coanas através de
uma zaragatoa ou, idealmente, da cavidade celómica através de endoscopia36–38.
Posteriormente podem ser cultivadas em diversos meios de cultura para fungos a 37ºC e
identificadas ao microscópio numa lâmina tingida com azul de lactofenol ou novo azul de
metileno36,38.

O tratamento pode ser conseguido com uma terapia antifúngica tópica e/ou sistémica,
através de vários fármacos, nomeadamente itraconazol, voriconazol, anfotericina B ou
terbinafina. Este pode ainda ser conjugado com a remoção cirúrgica dos aspergilomas,
através de endoscopia37,38. O prognóstico, progressão da doença e resposta ao
tratamento podem ser monitorizados através do uso da radiologia, ELISA e
proteinograma34,36,41.

3.2. Caso Clínico 2: Intoxicação por chumbo

Durante o mês de setembro deu entrada no GREFA um Grifo (Gyps fulvus) juvenil, de
6,9Kg de peso corporal, recolhido pelos agentes florestais por se mostrar incapaz de

18
voar. Na caixa de transporte apresentava-se caído, muito deprimido e com reação
reduzida a estímulos, situação que se manteve durante todo o exame físico. A sua
condição corporal era de 2/5, encontrava-se ligeiramente desidratado (6-7%) e
apresentava as mucosas pálidas. A sua temperatura corporal estava dentro dos valores
considerados normais (40,1ºC) e apresentava bradicardia (96 bpm) e bradipneia (16
rpm). No exame físico verificou-se ainda a presença de blefarite no olho esquerdo e as
penas distais à cloaca tingidas de verde. Não foram palpadas fraturas.

Diagnósticos diferenciais: os principais diagnósticos diferenciais a considerar incluem


intoxicação por chumbo ou outros metais pesados, meningoencefalite (causada por vírus
West Nile, paramyxovírus, bornavírus, Aspergillus spp.), traumatismo cranioencefálico e
botulismo. Tendo em conta a sintomatologia apresentada, sobretudo o estado mental do
animal, aliada à espécie em questão e à época do ano, a principal suspeita foi uma
intoxicação por chumbo.

Exames complementares: foi realizada uma radiografia VD de corpo inteiro (Figura B1),
na qual era possível observar corpos estranhos de radiopacidade semelhante a osso e
com formas irregulares ao longo do trato digestivo, desde o papo até ao ventrículo. Além
disso, o animal apresentava ainda uma fratura de púbis e ísquio esquerdos.

Diagnóstico presuntivo: intoxicação por chumbo e consequente ingestão de corpos


estranhos.

Tratamento e acompanhamento: foi iniciada fluidoterapia IV com Lactato de Ringer no


primeiro dia e Lactato de Ringer e Soro Fisiológico (1:1) nos 6 dias seguintes, em bólus
de 20 ml/kg SID nos primeiros três dias e de 10 ml/kg SID nos quatro dias seguintes.
Para além disso, iniciou-se o plano terapêutico com meloxicam (1 mg/kg IM SID, durante
7 dias), tramadol (15 mg/kg IM SID, durante 7 dias), um colírio à base de prednisolona no
olho esquerdo e 20 ml/kg PO de uma mistura de soro glucosado (54%), parafina líquida
(40%) e lactulose (6%), durante três dias. Além disso, a sua alimentação passou por
alimento com penas ou pêlo, de forma a ajudar na formação de egagrópila. Ao colocar o
animal na instalação este mostrou-se com uma postura de asas descaídas.

Nos primeiros dias de internamento o animal regurgitou algumas pedras e apresentou


anorexia, pelo que foi iniciada uma alimentação forçada com um alimento líquido
convalescente para carnívoros a 20 ml/kg PO BID. No entanto, no dia seguinte (3 dias
após o início do tratamento) regurgitou este alimento e não havia indícios de ter
regurgitado pedras. Desta forma, decidiu-se realizar uma radiografia de controlo (Figura
B2) para avaliar a quantidade de pedras ainda presentes no trato digestivo. Nesta foi

19
possível observar que o trato digestivo superior já não apresentava corpos estranhos, e
que os mesmos estavam concentrados na zona do ventrículo (aparentando haver uma
maior quantidade de corpos estranhos neste órgão, em comparação com a primeira
radiografia). Perante isto, decidiu-se esperar mais uns dias de forma a perceber se o
animal seria capaz de eliminar as restantes pedras. Entretanto, voltou a comer sozinho,
sendo-lhe fornecida comida que favorece a formação de egagrópila.

Dez dias após o início do tratamento, o animal voltou a regurgitar comida, desta vez do
dia anterior, pelo que foi feita uma nova radiografia (Figura B3). Uma vez que o número
de corpos estranhos se manteve semelhante à radiografia anterior e se suspeitou de um
processo obstrutivo no trato digestivo, decidiu-se realizar uma endoscopia para remoção
dos mesmos. Para tal, após manter o animal em jejum durante dois dias, administrou-se
buprenorfina a 0,1 mg/kg IM como pré-medicação e induziu-se a anestesia com
isoflurano a 5% num fluxo de oxigénio de aproximadamente 2 litros por minuto. Colocou-
se um tubo endotraqueal sem cuff de calibre 4,5 e, para manutenção anestésica, o
isoflurano foi reduzido para 2%. O procedimento foi realizado com auxílio de um serviço
de endoscopia externo ao GREFA, através de um endoscópio flexível, com o qual foi
possível observar uma acumulação de pedras e conteúdo digestivo à entrada do
ventrículo. Este conteúdo consistia sobretudo em penas envolvidas por uma substância
mucosa esverdeada a envolver algumas pedras, parecendo haver tentativa de formação
de egagrópila. A mucosa de todo o trato digestivo superior encontrava-se aparentemente
intacta, sem evidência de úlceras ou perfurações. Com o auxílio de pinças de endoscopia
foi possível remover algumas pedras, processo que foi dificultado pela presença de
conteúdo gástrico. Devido ao número elevado de pedras presentes no ventrículo decidiu-
se realizar uma segunda endoscopia dias depois para repetição do processo descrito não
sendo, no entanto, possível remover todo o conteúdo presente. Nesta segunda
intervenção foi possível retirar material que estava acumulado na zona do piloro, além de
várias pedras (Figura B4). O animal ficou internado por mais uns dias e regurgitou mais
algumas pedras. Passado uma semana da endoscopia foi realizada uma nova radiografia
(Figura B5) e, apesar do animal apresentar ainda alguns corpos estranhos a nível do trato
digestivo, encontrava-se com estado mental e atitude normais e alimentava-se e
defecava normalmente, tendo sido transferido para o departamento de reabilitação.

Discussão: A intoxicação por chumbo deve-se sobretudo à ingestão acidental de


partículas deste metal pesado durante a alimentação, sendo estas posteriormente
dissolvidas no ventrículo e absorvidas para a corrente sanguínea no intestino delgado42.
Assim, as espécies necrófagas (em particular os abutres) são normalmente as aves de

20
rapina mais afetadas por este tipo de intoxicação42,43. A ingestão de corpos estranhos
consequente à intoxicação por chumbo está descrita e poderá ter várias causas,
nomeadamente as alterações neurológicas associadas à toxicidade do chumbo ou à
incapacidade de voar e localizar alimento44,45. Além disso, esta intoxicação provoca
alterações da motilidade intestinal, dificultando a expulsão de egagrópila e,
consequentemente, dos corpos estranhos45.

Esta intoxicação pode ser aguda, crónica ou subclínica, tendo a forma crónica efeitos a
nível neurológico, digestivo, respiratório e hematopoiético, que levam a que o animal não
seja capaz de se alimentar, ingressando normalmente num estado de emaciação42,46. Os
sinais típicos deste tipo de intoxicação dependem do seu grau e cronicidade e incluem
alterações comportamentais, depressão, letargia, ataxia, uma postura de asas descaídas,
anorexia, estase gastrointestinal e episódios de regurgitação e diarreia esverdeada42. Em
alguns casos, as aves poderão apresentar também bradicardia, bradipneia e dispneia43,46.
Em aves de rapina, sinais clínicos compatíveis com impactação gástrica são
normalmente inespecíficos, incluindo anorexia e letargia45.

Apesar do diagnóstico definitivo só ser obtido através da medição dos níveis de chumbo
sanguíneo, a sintomatologia apresentada juntamente ao recurso a radiografias e certas
alterações hematológicas podem conduzir a um diagnóstico presuntivo de intoxicação por
chumbo47. O objetivo da radiologia passa por identificar corpos estranhos metálicos no
ventrículo dos animais, no entanto, apenas cerca de 15% das aves de rapina intoxicadas
por chumbo apresentam este metal no trato digestivo aquando da entrada nos centros de
recuperação, uma vez que o chumbo pode já ter sido absorvido ou eliminado48,49. Assim,
apesar de neste caso não serem visíveis partículas metálicas no trato digestivo não é
possível descartar uma intoxicação por chumbo como causa primária da ingestão de
corpos estranhos. No entanto, apesar de um exame radiográfico negativo não excluir a
possibilidade deste tipo de intoxicação, a realização de radiografias é extremamente
importante uma vez que estando chumbo presente no trato digestivo, será necessário
realizar um tratamento distinto, passando este também pela sua remoção, além do
tratamento médico2,47. Adicionalmente, a radiologia permite descartar diagnósticos
diferenciais e identificar problemas concomitantes, tal como ocorreu no presente caso
clínico. A nível de hematologia, os animais apresentam normalmente anemia regenerativa
e um leucograma inflamatório47. Segundo um estudo realizado no GREFA, aves da
espécie Gyps fulvus com níveis de chumbo sanguíneo compreendidos entre 40 e 50 μg/dl
foram considerados intoxicados por chumbo. Apesar do GREFA possuir equipamento
que permite a deteção dos níveis de chumbo sanguíneo em tempo real, no presente caso

21
clínico não foram medidos os níveis séricos de chumbo por um problema de falta de
reagentes. No entanto a sintomatologia apresentada vai de encontro à especificada no
mesmo estudo e restante bibliografia (tal como obnubilação, falta de resposta a
estímulos, imobilidade e uma postura com as asas descaídas) e coincide com o caso
descrito de uma Águia-americana (Haliaeetus leucocephalus) em 2018, com corpos
estranhos no trato digestivo e confirmação de intoxicação por chumbo44,49. Deste modo,
chegou-se à conclusão de que a intoxicação por chumbo poderia ser a causa subjacente
à ingestão de corpos estranhos neste animal, tendo-se estabelecido como diagnóstico
presuntivo.

Em caso de suspeita de corpos estranhos gastrointestinais, o diagnóstico deve incluir um


estudo radiográfico simples ou contrastado, podendo-se recorrer ao uso da ecografia,
fluoroscopia contrastada e endoscopia45,50. Além disso, a analítica sanguínea, incluindo a
medição dos níveis séricos de chumbo, poderá ser útil para encontrar a causa subjacente
à ingestão de corpos estranhos45. No caso clínico apresentado, instaurou-se um
protocolo terapêutico com meloxicam e tramadol. Apesar de, geralmente, se utilizar estes
fármacos por um curto período de tempo, a quantidade de pedras ingeridas justificou o
seu uso prolongado. Simultaneamente administrou-se uma mistura à base de óleo
mineral por via oral uma vez que, em alguns casos, é possível remover os corpos
estranhos de forma conservativa, recorrendo a tratamento médico45. Visto que este
tratamento não foi eficaz na eliminação de pedras do trato digestivo do animal, optou-se
por remover as pedras através de endoscopia já que se trata de um método pouco
invasivo50. Este procedimento foi dividido em duas intervenções uma vez que na primeira
o tempo de jejum não foi suficiente, havendo muitos restos de alimento que impediam
uma correta abordagem e visualização. Além disso, o recurso a endoscopias seriadas
está descrito para estes casos, de forma a evitar um tempo de anestesia prolongado50. A
remoção dos corpos estranhos poderia ainda ter sido realizada através de lavagem
gástrica ou cirurgia45.

O tratamento de uma intoxicação por chumbo baseia-se em fluidoterapia de forma a


assegurar uma boa perfusão sanguínea, podendo ser necessária a utilização de
quelantes e tratamento de suporte46. O etilenodiaminotetra-acetato de cálcio dissódico
(Ca-EDTA) é um quelante de chumbo que potencia a rápida excreção urinária do mesmo,
tendo de ser administrado de forma parenteral. Este é capaz de reduzir os níveis de
chumbo presentes no fígado, rins e, sobretudo, nos ossos, no entanto é pouco eficaz na
remoção do chumbo presente no sistema nervoso46. Para além disso, alguns autores
relatam que este quelante pode ser nefrotóxico, sobretudo em animais desidratados51,52.

22
O Ácido dimercaptossuccínico (DMSA), por sua vez, pode ser administrado por via oral e
permite a remoção do chumbo dos tecidos moles (incluindo o sistema nervoso), no
entanto, é incapaz de quelar o chumbo presente no osso46. Estes quelantes podem ser
administrados de forma individual ou combinada46. No GREFA, o protocolo para
tratamento de intoxicação por chumbo baseia-se em fluidoterapia IV para aumentar a
taxa de depuração e eliminação do chumbo do corpo do animal. Neste centro não
utilizam quelantes de chumbo uma vez que, em casos anteriores, verificaram que a sua
utilização provocou danos a nível renal. Desta forma, optam por garantir uma perfusão
adequada antes da sua aplicação e, caso o animal apresente uma boa recuperação
apenas com a fluidoterapia, prescindem da sua utilização. Caso haja evidências
radiográficas de chumbo no trato digestivo, o tratamento descrito deverá ser
complementado com a remoção do metal, através de uma lavagem gástrica, laxantes ou
endoscopia2,47,49.

O prognóstico da intoxicação por chumbo está dependente dos níveis séricos deste metal
pesado42,46. Apesar de, neste caso, não possuirmos essa informação, a sintomatologia
apresentada vai de encontro a uma intoxicação crónica, com um prognóstico mais
favorável comparativamente à forma aguda46. No entanto, apesar da resposta ao
tratamento ter sido favorável, é difícil estabelecer um prognóstico relativamente à
capacidade reprodutiva do animal e sua sobrevivência a longo prazo42,46.

3.3. Caso Clínico 3: Lesões causadas por traumatismo

Deu entrada no CRAS-HVUTAD uma Coruja-do-mato (Strix aluco) adulta, com 344g de
peso corporal, recolhida pela GNR por suspeita de atropelamento. No exame físico
apresentava-se alerta, com condição corporal normal (2,5/5), desidratação inferior a 5%,
mucosas rosadas e húmidas, TRV inferior a 2 segundos, frequência cardíaca superior a
200 bpm e respiratória de 40 rpm. Durante a palpação musculoesquelética suspeitou-se
de uma fratura do coracóide esquerdo e luxação do carpo ipsilateral. Na exploração da
cabeça foi possível visualizar sangue nas coanas e um otohematoma no ouvido
esquerdo. Apresentava ainda um aparente edema de córnea e suspeita de úlcera na
córnea do olho esquerdo.

Exames complementares: realizou-se um estudo radiográfico (Figura C1), no qual foi


possível identificar uma fratura do coracóide esquerdo distal, junto à articulação do ombro
e uma fratura dos metacarpos maior (proximal, periarticular) e menor, do mesmo lado. É

23
visível também algum grau de congestão pulmonar e uma rotura do saco aéreo torácico
cranial. Colheu-se uma amostra de sangue da veia ulnar para hematologia e bioquímica,
cujas alterações – exceto a monocitose pronunciada – são compatíveis com um
traumatismo agudo (Tabela C1). Foi realizado ainda um teste de fluoresceína, cujo
resultado foi positivo no olho esquerdo.

Diagnóstico definitivo: Fratura de coracóide esquerdo distal e de metacarpo maior


(proximal, periarticular) e menor, ipsilaterais. Edema e úlcera da córnea do olho
esquerdo.

Tratamento e acompanhamento: foi planeada uma primeira intervenção cirúrgica a


nível do metacarpo maior e uma segunda a nível da fratura do coracóide. A primeira
cirurgia foi agendada para 3 dias após a entrada da ave, mantendo-se o animal com uma
ligadura em oito ligada ao corpo e iniciando-se uma terapia analgésica com tramadol (10
mg/kg PO BID, durante um total de 8 dias). No dia seguinte, instituiu-se meloxicam (0,5
mg/kg PO SID, durante 7 dias). Para o tratamento da úlcera da córnea, iniciou-se uma
terapia tópica no olho esquerdo com Edolfene® (Flurbiprofeno sódico a 0,3 mg/ml) e
Clorocil® (Cloranfenicol a 8 mg/ml) TID.

No dia da cirurgia voltou a realizar-se um exame de estado geral, que não apresentou
alterações. A coruja foi pré-medicada com 0,5 mg/kg de midazolam IM e 1 mg/kg de
butorfanol IM. A indução foi feita com ketamina (3 mg/kg IV), butorfanol (1 mg/kg IV) e
lidocaína (0,8 mg/kg IV). Colocou-se um tubo endotraqueal sem cuff de calibre 2,5 e, para
manutenção da anestesia, os valores de isoflurano variaram entre 1,5% e 2,5%. Durante
a cirurgia foi realizada fluidoterapia IV com Lactato de Ringer a uma taxa de 3ml/h.
Adicionalmente realizou-se uma infusão de taxa constante (CRI) de ketamina (3 mg/kg/h),
lidocaína (0,8 mg/kg/h) e butorfanol (1 mg/kg/h), diluídos na fluidoterapia. A ave foi
colocada em decúbito esternal e cortaram-se as penas primárias da asa esquerda, tendo
estas sido guardadas e numeradas para serem reimplantadas posteriormente. Realizou-
se a osteossíntese da fratura proximal do metacarpo maior esquerdo através da técnica
Tie-in. Para tal, foi colocada uma cavilha intramedular de 0,8 mm de diâmetro no
metacarpo maior de forma retrógrada e fechada, com o auxílio da fluoroscopia (Figura
C2). Posteriormente, colocaram-se duas cavilhas transfixantes com um diâmetro de 0,8
mm, uma no fragmento proximal e outra no fragmento distal, que foram unidas à cavilha
intramedular através de polimetilmetacrilato. Após a intervenção foram repetidas as
radiografias da região do metacarpo para confirmar o correto posicionamento dos
fragmentos (Figura C3). Recolocou-se a ligadura em 8 ligada ao corpo e adicionou-se
marbofloxacina (10 mg/kg IM SID, durante 7 dias) à terapêutica instituída.

24
No dia seguinte foi realizada a osteossíntese da fratura do coracóide distal, com um
protocolo anestésico igual ao descrito anteriormente. Para aceder ao coracóide foi feita
uma incisão da pele sobre a clavícula, começando na articulação do ombro e
continuando caudalmente até ao terço distal da quilha e elevaram-se os músculos
peitorais superficial e profundo. O músculo supracoracoideu foi isolado e rebatido
lateralmente, de forma a permitir a visualização dos topos ósseos. Estes foram
inspecionados e limpos de coágulos e pequenos fragmentos de músculo. De seguida,
inseriu-se uma cavilha intramedular de 0,8 mm de diâmetro de forma retrógrada através
do fragmento distal. Após a redução da fratura foi confirmada a posição da cavilha
através de fluoroscopia (Figura C4). O encerramento da ferida cirúrgica foi realizado
suturando os músculos ao bordo ventral da espinha da quilha e da clavícula, com um fio
monofilamentar absorvível 5/0 (Monosyn ®), com uma sutura ancorada de Ford. O tecido
subcutâneo foi encerrado com o mesmo fio, com uma sutura simples contínua e
posteriormente realizou-se a sutura de pele com pontos simples isolados. Após o
procedimento cirúrgico verificou-se o correto alinhamento dos fragmentos através de um
novo estudo radiográfico (Figura C5) e manteve-se o animal com uma ligadura em 8
ligada ao corpo. No pós-operatório foi feita a limpeza do fixador e zona de sutura 24
horas após cada cirurgia e, posteriormente, a cada dois dias.

Passadas quase duas semanas após a admissão não eram visíveis melhorias a nível do
edema de córnea. Sendo impossível a visualização da câmara posterior através um
exame oftalmoscópico direto, foi realizada uma ecografia ocular e medida a pressão
intraocular (PIO) de cada olho (olho esquerdo = 7 mmHg e olho direito = 12 mmHg). Para
a ecografia foi colocado um colírio anestésico em ambos os olhos e utilizou-se uma
sonda de 15 MHz. No olho esquerdo (Figura C6) foi possível observar uma diminuição do
tamanho da câmara posterior relativamente à anterior, o que corrobora a diminuição da
PIO. Viu-se ainda uma perda de definição da região da retina, uma suspensão
hiperecogénica na câmara posterior e rotura da cápsula posterior do cristalino. O olho
direito não apresentava alterações ecográficas. Durante o internamento do animal
verificou-se que não houve aumento da PIO e o olho esquerdo acabou por involuir
totalmente.

Três semanas após as intervenções cirúrgicas realizou-se um estudo radiográfico de


controlo de ambas as fraturas, onde se observaram sinais de ossificação por primeira
intenção (Figura C7). Removeu-se a cavilha intramedular do coracóide e o Tie-in do
metacarpo e, posteriormente, realizaram-se novas radiografias (Figura C8). Na semana
seguinte iniciou-se um plano de fisioterapia passiva a cada dois dias para aumentar a

25
mobilidade do carpo, evitando processos de anquilose. Em cada sessão, a coruja era
pré-medicada com midazolam (0,5 mg/kg IM) e butorfanol (1 mg/kg IM) e a anestesia era
induzida e mantida com isoflurano a 5% e 2%, respetivamente. De forma a monitorizar a
evolução do animal, era medido o ângulo da articulação no início e no final de cada
sessão e, nesta fase, foi ainda realizado o implante das penas removidas na primeira
cirurgia. Após este processo o animal passou para uma câmara de muda exterior com 5
m de comprimento, 2 m de largura e 3 m de altura, de forma a iniciar um exercício ativo.
Posteriormente foi realojada num túnel de voo com 27 m de comprimento, 8 m de largura
e 4 m de altura, permitindo condições de voo sustentado. A capacidade de voo e o
comportamento da ave, nomeadamente a sua adaptação a novas variantes como
obstáculos e presas vivas, eram avaliados diariamente para avaliar a sua capacidade de
se orientar e alimentar naturalmente com apenas um olho funcional. Finalmente, após
uma reabilitação intensa e prolongada, o animal foi devolvido à natureza com sucesso.

Discussão: em aves, as fraturas de metacarpo são normalmente de difícil resolução,


apresentando um pior prognóstico relativamente a fraturas da maioria dos restantes
ossos longos18,53. Neste caso, apesar de se tratar de uma fratura simples, o facto de
haver fratura do metacarpo menor e de ser uma fratura periarticular tornam o prognóstico
bastante reservado18,20. Neste osso as fraturas podem ser resolvidas recorrendo à
utilização de talas (tratamento conservativo), a fixadores externos do tipo I ou tipo II ou à
técnica Tie-in53,54. A fixação cirúrgica, além de promover uma cicatrização mais rápida, é
preferível à imobilização com tala uma vez que o tratamento conservativo provoca grande
morbilidade, tendo o carpo que ficar imobilizado pela tala e a asa por uma ligadura em 8
durante pelo menos 3 semanas18. A utilização de fixadores externos implica a colocação
de duas cavilhas transfixantes em cada topo ósseo da fratura20,54. Neste caso, sendo a
fratura periarticular, a colocação de duas cavilhas transfixantes no fragmento proximal
aumentaria o risco de lesão iatrogénica dos ligamentos e articulação, bem como a
resposta inflamatória local. Assim, optou-se pela utilização de um Tie-in já que a cavilha
intramedular é incorporada no fixador externo, permitindo reduzir o número de cavilhas
transfixantes a utilizar (sendo necessárias apenas uma em cada fragmento)18,20. A
utilização de um Tie-in nestas fraturas é controversa pelo risco de lesão do rádio distal
durante a introdução da cavilha intramedular. Esta deverá ser colocada de forma
retrógrada e dirigida proximalmente, com a articulação do carpo fletida. Os fragmentos
são então reduzidos e a cavilha introduzida no fragmento distal, sendo posteriormente
dobrada a 90º e unida às cavilhas transfixantes53. Nestas fraturas os tecidos moles
envolventes apresentam-se normalmente bastante danificados, estando indicado atrasar
a cirurgia uns dias para permitir a recuperação dos mesmos, tal como se verificou neste

26
caso. Para além disso, as penas primárias deverão ser cortadas de modo a diminuir as
forças de distração e melhorar a cicatrização, sendo realizado posteriormente o implante
das mesmas18.

Neste caso, a determinação da localização exata e caracterização da fratura através da


radiografia inicial foi determinante para definir o tipo de tratamento a instituir e realizar um
correto planeamento cirúrgico. A medição radiográfica do fragmento proximal e do
diâmetro da cavidade medular do osso permitiu uma escolha correta da técnica e das
cavilhas a utilizar, respetivamente.

As fraturas de coracóide são comuns em aves de rapina selvagens e a sua identificação


no exame físico é bastante difícil. À palpação digital poderá ser possível sentir crepitação
e sinais de inflamação da zona da fratura, mas a avaliação radiográfica é essencial para
o seu diagnóstico3. Tendo em conta a sobreposição das várias estruturas da cintura
escapular nas projeções VD e LL, pode ser complicado avaliar corretamente estes ossos.
Havendo suspeita de lesão nesta região e não sendo possível identificar a mesma com
as projeções convencionais, podemos associar uma projeção Caudoventral-craniodorsal
oblíqua a 45º (Projeção H)11. A resolução cirúrgica das fraturas de coracóide é um
procedimento controverso, havendo vários autores que recomendam um tratamento
conservativo através de repouso em jaula (com auxílio ou não de uma ligadura) durante
cerca de 3 a 4 semanas3,20. No entanto, um estudo comparativo que analisou a taxa de
libertação e sobrevivência de aves tratadas conservativa e cirurgicamente, concluiu que
se deverá recorrer à cirurgia sempre que possível, uma vez que esta aumenta a
probabilidade de a ave ser devolvida à natureza e permite o voo mais precocemente,
quando comparado ao tratamento conservativo55. Durante o período de estágio no
CRAS-HVUTAD, recorreu-se maioritariamente ao tratamento cirúrgico de fraturas do
coracóide.

A fisioterapia é muito importante em casos de fratura, sobretudo se se localizarem no


membro anterior20. Existem vários tipos de fisioterapia que podem ser aplicados em aves:
agentes físicos (como é o caso da aplicação de frio ou calor, laserterapia e terapia com
ultrassons), fisioterapia manual e exercício. A fisioterapia passiva é um método de
fisioterapia manual que permite aumentar o fluxo sanguíneo, estimular a produção de
líquido sinovial e reduzir a possibilidade de aderências musculares4. Esta deverá ser
realizada sob anestesia geral e analgesia e consiste na extensão e flexão repetida da asa
até que exista uma ligeira resistência, juntamente com períodos prolongados de extensão
da asa4,20. No início e final de cada sessão deverão ser medidos os ângulos da
articulação do cotovelo e carpo sendo que, ao descontinuar a fisioterapia, a articulação

27
do cotovelo deverá ser capaz de estender até aos 140-150º e a articulação do carpo até
aos 180º20. Após o término da fisioterapia passiva, o animal iniciou a fase de exercício em
instalações de voo, onde deu continuidade à sua reabilitação física e se avaliaram todos
os critérios necessários à sua devolução à natureza4.

As lesões oftalmológicas diagnosticadas no olho esquerdo da ave, apesar de


irreversíveis, não são um impedimento à libertação do animal. No caso das aves de
rapina noturnas, a devolução à natureza de animais com apenas um olho funcional tem
uma taxa de sucesso superior relativamente às diurnas, uma vez que as primeiras não
dependem tanto da visão binocular para o sucesso na caça, mas sim da audição56. Neste
caso, tendo em conta que a ave não apresentava sinais de dor e que havia uma
diminuição da PIO do olho, optou-se por não intervir cirurgicamente. A enucleação
provoca uma assimetria da cabeça que, nestes animais, poderá interferir com a
localização acústica e consequentemente com a caça56,57. No caso de ser necessária a
cirurgia, devemos optar por uma evisceração, já que esta provoca uma menor assimetria
do disco facial comparativamente à enucleação57,58. Em qualquer caso, durante a
reabilitação do animal deve ser observado o seu comportamento e habilidade de caça de
forma a garantir uma boa decisão relativamente à devolução ou não da ave à natureza58.

Conclusão

Aquando da entrada de um animal selvagem num centro de recuperação, o seu estado


sanitário é desconhecido e a história clínica bastante reduzida, sendo imprescindível
recolher o máximo de informação, através de um exame físico completo e, sempre que
possível, recorrendo a exames complementares.

A radiologia é um método não invasivo e atualmente bastante acessível que, em conjunto


com um bom exame físico e outros exames complementares, poderá ter um grande valor
diagnóstico. Trata-se de uma ferramenta muito útil na medicina de animais selvagens,
uma vez que ajuda no diagnóstico e determinação do prognóstico de várias situações
recorrentes, nomeadamente traumatismos, ingestão de corpos estranhos, certos tipos de
intoxicação e algumas doenças infeciosas. Em aves, a presença dos sacos aéreos facilita
a interpretação radiográfica, funcionando como um contraste negativo para os órgãos da
cavidade celómica. Por este motivo, a radiografia é um dos exames de diagnóstico por
imagem mais utilizados nesta classe de animais.

28
No que concerne às aves de rapina, devido à grande variedade de espécies, é um exame
que requer ainda bastantes estudos de forma a padronizar as descrições anatómicas dos
vários órgãos através de, por exemplo, medidas de referência.

Referências

1. Crosta L, Melillo AM, Schnitzer P. Basic radiography. In: Chitty J, Monks D, eds. BSAVA Manual of
Avian Practice. ; 2018:269-285.

2. Scott D. Natural History and Medical Management of Raptors. In: Hernandez SM, Barron HW, Miller
EA, Aguilar RF, Yabsley MJ, eds. Medical Management of Wildlife Species. John Wiley & Sons,
Incorporated; 2020:215-228.

3. Forbes N. Raptors. In: Mullineaux E, Keeble E, eds. BSAVA Manual of Wildlife Casualties. 2nd ed.
British Small Animal Veterinary Association; 2016:398-420.

4. Ford S, Dubé K. Pre‐Release Conditioning. In: Hernandez SM, Barron HW, Miller EA, Aguilar RF,
Yabsley MJ, eds. Medical Management of Wildlife Species. John Wiley & Sons, Incorporated;
2020:105-122.

5. Scott DE. Housing and Husbandry. In: Scott DE, ed. Raptor Medicine, Surgery, and Rehabilitation.
3rd ed. ; 2021:276-288.

6. Lacasse C. Falconiformes. In: Miller RE, Fowler ME, eds. Fowler’s Zoo and Wild Animal Medicine. Vol
8. Elsevier; 2015:127-142. doi:10.1016/b978-1-4557-7397-8.00083-9

7. Silverman Sam, Tell LA. Radiology Equipment and Positioning Techniques. In: Radiology of Birds : An
Atlas of Normal Anatomy and Positioning. Saunders/Elsevier; 2010:1-15.

8. Krautwald-Junghanns ME, Schroff S, Bartels T. Radiographic investigation - Birds. In: Krautwald-


Junghanns ME, Pees M, Reese S, Tully T, eds. Diagnostic Imaging of Exotic Pets. ; 2011:2-35.

9. Pees M. Radiography. In: Chitty J, Lierz Michael, eds. BSAVA Manual of Raptors, Pigeons and
Passerine Birds. British Small Animal Veterinary Association; 2008:114-120.

10. Doneley B. Diagnostic Imaging. In: Avian Medicine and Surgery in Practice : Companion and Aviary
Birds. 2nd ed. ; 2016:95-107.

11. Visser M, Hespel AM, de Swarte M, Bellah JR. Use of a caudoventral-craniodorsal oblique
radiographic view made at 45° to the frontal plane to evaluate the pectoral girdle in raptors. J Am
Vet Med Assoc. 2015;247(9):1037-1041. doi:10.2460/javma.247.9.1037

12. Samour JH, Naldo JL. Radiographic precedures. In: Anatomical & Clinical Radiology of Birds of Prey. ;
2007:3-20.

13. Hammond G. Imaging of fractures. In: Gemmill TJ, Clements DN, eds. BSAVA Manual of Canine and
Feline Fracture Repair and Management. 2nd ed. British Small Animal Veterinary Association;
2016:37-48.

29
14. Abercromby R. Preoperative assessment of the fracture patient. In: Gemmill TJ, Clements DN, eds.
BSAVA Manual of Canine and Feline Fracture Repair and Management. 2nd ed. British Small Animal
Veterinary Association; 2016:49-54.

15. Krautwald-Junghanns ME, Schmidt V. Skeletal System - Special diagnostics, pathological findings. In:
Krautwald-Junghanns ME, Pees M, Reese ST, eds. Diagnostic Imaging of Exotic Pets. ; 2011:70-83.

16. Calvo Carrasco D. Fracture Management in Avian Species. Veterinary Clinics of North America -
Exotic Animal Practice. 2019;22(2):223-238. doi:10.1016/j.cvex.2019.02.002

17. Vilaplana Grosso F. Orthopedic Diagnostic Imaging in Exotic Pets. Veterinary Clinics of North
America - Exotic Animal Practice. 2019;22(2):149-173. doi:10.1016/j.cvex.2019.01.003

18. Redig PT, Ponder J. Orthopedic Surgery - Management of orthopedic issues in birds. In: Samour J,
ed. Avian Medicine. 3rd ed. ; 2016:312-351.

19. Sabater González M. Skeletal Bone Structure and Repair in Small Mammals, Birds, and Reptiles.
Veterinary Clinics of North America - Exotic Animal Practice. 2019;22(2):135-147.
doi:10.1016/j.cvex.2019.01.002

20. Scott DE. Orthopedics. In: Scott DE, ed. Raptor Medicine, Surgery, and Rehabilitation. 3rd ed. ;
2021:168-213.

21. Oster SC, Pariaut R, Acvim D, Ecvim-Ca D. Cardiac Disease of Raptors. Vol 35.; 2021.

22. Krautwald-Junghanns ME, Pees M. Cardiovascular system - Special diagnostics, pathological


findings. In: Krautwald-Junghanns ME, Pees M, Reese ST, eds. Diagnostic Imaging of Exotic Pets. ;
2011:84-91.

23. Lumeij JT, Shaik MAS, Ali M. Radiographic reference limits for cardiac width in peregrine falcons
(Falco peregrinus). J Am Vet Med Assoc. 2011;238:1459-1463.

24. Mirshahi A, Shariatzadeh M, Razmyar J, Azizzadeh M. Evaluation of Cardiac Size in the Common
Kestrel (Falco Tinnunculus) Based on Radiographic Measurements. Vol 30.; 2016.
http://imagej.nih.gov/ij/;

25. Woo KMT, Barron GH, Daugherty AL, et al. Measurements of the radiographic cardiac silhouette of
ospreys (Pandion haliaetus). Am J Vet Res. 2019;80:840-845.

26. Samour JH, Naldo JL. Radiographic anatomy - general considerations. In: Anatomical & Clinical
Radiology of Birds of Prey. ; 2007:21-196.

27. Stanford M. Raptors: infectious diseases. In: Chitty JMichael, ed. BSAVA Manual of Raptors, Pigeons
and Passerine Birds. British Small Animal Veterinary Association; 2008:212-222.

28. Forbes NA. Raptors: parasitic disease. In: Chitty JMichael, ed. BSAVA Manual of Raptors, Pigeons
and Passerine Birds. British Small Animal Veterinary Association; 2008:202-211.

29. Krautwald-Junghanns ME. Respiratory tract - Special diagnostics, pathological findings. In:
Krautwald-Junghanns ME, Pees M, Reese S, Tully T, eds. Diagnostic Imaging of Exotic Pets. ;
2011:92-103.

30. Savelieff MG, Pappalardo L, Azmanis P. The current status of avian aspergillosis diagnoses:
Veterinary practice to novel research avenues. Vet Clin Pathol. 2018;47(3):342-362.
doi:10.1111/vcp.12644

31. Fischer D, Lierz M. Diagnostic Procedures and Available Techniques for the Diagnosis of Aspergillosis
in Birds. J Exot Pet Med. 2015;24(3):283-295. doi:10.1053/j.jepm.2015.06.016

30
32. Samour JH, Naldo JL. Clinical and pathological conditions. In: Anatomical & Clinical Radiology of
Birds of Prey. ; 2007:197-252.

33. Lloyd C. Raptors: gastrointestinal tract disease. In: Chitty JMichael, ed. BSAVA Manual of Raptors,
Pigeons and Passerine Birds. British Small Animal Veterinary Association; 2008:260-269.

34. Converse KA. Aspergillosis. In: Nancy J. Thomas, D. Bruce HunterCarter T. Atkinson, eds. Infectious
Diseases of Wild Birds. Blackwell Publishing Professional; 2008:360-374.
doi:10.1002/9780470344668.fmatter

35. Joseph V, Vm D. Aspergillosis in Raptors. Seminars in Avian and Exotic Pet Medicine. 2000;9:66-74.

36. Jones MP, Orosz SE. The Diagnosis of Aspergillosis in Birds. Seminars in Avian and Exotic Pet
Medicine. 2000;9:52-58.

37. Arné P, Risco-Castillo V, Jouvion G, Barzic C le, Guillot J. Aspergillosis in wild birds. Journal of Fungi.
2021;7(3). doi:10.3390/jof7030241

38. Martel A. Aspergillosis. In: BRIAN L. SPEER, ed. Current Therapy in Avian Medicine and Surgery. 1st
ed. ; 2016:63-73.

39. Kummrow M, Silvanose C, di Somma A, Bailey TA, Vorbrüggen S. Serum protein electrophoresis by
using high-resolution agarose gel in clinically healthy and aspergillus species-infected falcons. J
Avian Med Surg. 2012;26(4):213-220. doi:10.1647/2011-006R1.1

40. Ivey ES. Serologic and plasma protein electrophoretic findings in 7 psittacine birds with aspergillosis.
J Avian Med Surg. 2000;14(2):103-106. doi:10.1647/1082-6742(2000)014[0103:SAPPEF]2.0.CO;2

41. Tatum LM, Zaias J, Mealey BK, Cray C, Bossart GD. Protein electrophoresis as a diagnostic and
prognostic tool in raptor medicine. Journal of Zoo and Wildlife Medicine. 2000;31(4):497-502.
doi:10.1638/1042-7260(2000)031[0497:PEAADA]2.0.CO;2

42. Krone O. Lead poisoning in birds of prey. In: Birds of Prey: Biology and Conservation in the XXI
Century. Springer International Publishing; 2018:251-272. doi:10.1007/978-3-319-73745-4_11

43. Carneiro MA, Oliveira PA, Brandão R, et al. Lead Poisoning Due to Lead-Pellet Ingestion in Griffon
Vultures (Gyps fulvus) from the Iberian Peninsula. J Avian Med Surg. 2016;30(3):274-279.
doi:10.1647/2014-051

44. Franzen-Klein D, Mcruer D, Acvpm D, Slabe VA, Katzner T. The Use of Lead Isotope Analysis to
Identify Potential Sources of Lead Toxicosis in a Juvenile Bald Eagle (Haliaeetus Leucocephalus) With
Ventricular Foreign Bodies. Vol 32.; 2018.

45. Applegate JR, van Wettere A, Christiansen EF, Degernes LA. Management and Case Outcome of
Gastric Impaction in Four Raptors: A Case Series. J Avian Med Surg. 2017;31(1):62-69.
doi:10.1647/2015-144

46. Redig PT, Arent LR. Raptor Toxicology. Veterinary Clinics of North America - Exotic Animal Practice.
2008;11(2):261-282. doi:10.1016/j.cvex.2007.12.004

47. Horowitz IH, Yanco E, Nadler R v., et al. Acute Lead Poisoning in a Griffon Vulture (Gyps fulvus) in
Israel. Israel Journal of Veterinary Medicine. 2014;69 (3).

48. Redig PT. Medical Management of Birds of Prey : A Collection of Notes on Selected Topics. 3rd ed.;
1993.

31
49. González F, López I, Suarez L, Moraleda V, Rodríguez C. Levels of blood lead in Griffon vultures from
a Wildlife Rehabilitation Center in Spain. Ecotoxicol Environ Saf. 2017;143:143-150.
doi:10.1016/j.ecoenv.2017.05.010

50. Lloyd C. Staged endoscopic ventricular foreign body removal in a gyr falcon (Falco rusticolus). J
Avian Med Surg. 2009;23(4):314-319. doi:10.1647/2008-016R1.1

51. Thompson LJ. Lead. In: Veterinary Toxicology: Basic and Clinical Principles: Third Edition. Third Edit.
Elsevier Inc.; 2018:439-443. doi:10.1016/B978-0-12-811410-0.00029-5

52. Schwartz SL, Hayes JR, Ide RS, Johnson CB, Doolan PD. Studies Od the Nephrotoxicity of
Ethylenediamineteraacetic Acid. Vol 15. Pergamon Press Ltd; 1966.

53. Helmer P, Redig PT. Surgical Resolution of Orthopedic Disorders. In: Harrison GJ, Lightfoot TL, eds.
Clinical Avian Medicine. Vol 1. ; 2005:761-773.

54. Burdeaux RR, Wade L, Abvp D. Successful Management of Open, Contaminated Metacarpal
Fractures in an Adult Snowy Owl (Bubo Scandiacus) With a Minimal Type II External Skeletal Fixator.
Vol 32.; 2018.

55. Holz PH. Coracoid Fractures in Wild Birds: Repair and Outcomes. Vol 81.; 2003.

56. Pauli A, Klauss G, Diehl K, Redig P. Clinical Techniques: Considerations for Release of Raptors with
Ocular Disease. J Exot Pet Med. 2007;16(2):101-103. doi:10.1053/j.jepm.2007.03.009

57. Graham JE, Larocca RD, Mclaughlin SA. Implantation of an Intraocular Silicone Prosthesis in a Great
Horned Owl (Bubo Virginianus). Vol 13. Avian Veterinarians; 1999.

58. Murray M, Pizzirani S, Acvo D, Tseng F. A Technique for Evisceration as an Alternative to Enucleation
in Birds of Prey: 19 Cases. Vol 27.; 2013.

32
Anexo A – Caso clínico 1: Aspergilose

a) b)
Figura A 1 – Radiografias realizadas no dia de admissão do Açor (Accipiter gentilis). a) Projeção VD de
corpo inteiro. Vê-se um aumento da radiopacidade multifocal do pulmão e sacos aéreos direitos, do tipo
granulomatoso. Além disso, é possível também ver um aumento generalizado da radiopacidade do canal
medular do úmero direito, com um aumento de espessura da cortical óssea na região da diáfise proximal do
mesmo osso. b) Projeção VD dos MP, não apresenta alterações. Imagens gentilmente cedidas pelo GREFA.

Tabela A 1 – Hematologia e Bioquímica iniciais do animal, com valores de referência do GREFA para a
espécie (Accipiter gentilis)
Parâmetro Resultado Valor de referência
Hematócrito (%) 33 44-52
Eritrócitos (milhões/mm3) 2.19 2.15-3.07
Hemoglobina (g/dl) 9.9 11.9-13.2
VCM (ft) 150.68 -
HCM (pg) 45.21 -
CHCM (%) 30 -
Características do esfregaço Policromasia 0
WBC (/mm3) 27060 6260-16000
Heterófilos (/mm3) 21106.8 (78%) 3410-9970
Eosinófilos (/mm3) 0 (0%) 0-330
Basófilos (/mm3) 0 (0%) 0-500
Linfócitos (/mm3) 3788.4 (14%) 1350-6130
Monócitos (/mm3) 2164.8 (8%) 0-660
Proteínas Totais (g/dl) 4.2 2.95-6.37
Albumina (g/dl) 1.3 0.9-1.5
Ácidos Biliares (mg/dl) 28.3 0-80
Fósforo (mg/dl) 4.64 -
Cálcio (mg/dl) 11.46 8.32-10.32
Ácido Úrico (mg/dl) 58.9 3.19-14.9

33
Figura A 3 – Cultura fúngica em meio “Rose
Figura A 2 – Proteinograma inicial do animal. Bengal Chloramphenicol Agar”, a 37ºC. Imagem
Imagem gentilmente cedida pelo GREFA. gentilmente cedida pelo GREFA.

Figura A 4 – Observação ao microscópio de Figura A 5 – Radiografia de controlo 10 dias após


estruturas fúngicas, compatíveis com fungos do o ingresso do animal, projeção VD. Imagem
género Aspergillus (tinção com azul de lactofenol). gentilmente cedida pelo GREFA.
Imagem gentilmente cedida pelo GREFA.

Figura A 6 – Radiografias post-mortem do animal nas projeções VD (a) e LL direita (b), realizadas aquando
da necrópsia do animal (c). Imagens gentilmente cedidas pelo GREFA.

34
Anexo B – Caso clínico 2: Intoxicação por chumbo

Figura B 1 – Radiografia inicial do Grifo (Gyps fulvus) no Figura B 2 – Radiografia de controlo do Grifo, 3 dias
momento da admissão. São visíveis corpos estranhos de após o início do tratamento. São ainda visíveis
radiopacidade semelhante a osso e formas irregulares bastantes corpos estranhos na região do ventrículo do
ao longo do trato digestivo, desde o papo até ao animal. Imagem gentilmente cedida pelo GREFA.
ventrículo. Imagem gentilmente cedida pelo GREFA.

Figura B 3 – Radiografia de controlo Figura B 4 – Parte do conteúdo retirado Figura B 5 – Radiografia de controlo
do Grifo, 10 dias após o início do do trato gastrointestinal do Grifo, através uma semana após a endoscopia, antes
tratamento. São ainda visíveis de endoscopia com endoscópio flexível. da transferência do animal ao
bastantes corpos estranhos na região Imagem gentilmente cedida pelo departamento de reabilitação. Imagem
do ventrículo do animal. Imagem GREFA. gentilmente cedida pelo GREFA.
decisiva para decisão de endoscopia.
Imagens gentilmente cedida pelo
GREFA. 35
Anexo C – Caso Clínico 3: Lesões casadas por traumatismo

b)

a) c)
Figura C 1 – Estudo radiográfico realizado no dia da admissão do animal (Strix aluco). a) e b) Projeções VD e LL direita
respetivamente. É visível uma fratura do coracóide esquerdo a nível distal. Existe uma radiopacidade de ar entre o coração
e o fígado, que corresponde a uma rotura de saco aéreo, compatível com um traumatismo. Ligeiro aumento da
radiopacidade pulmonar, correspondente a ligeira congestão pulmonar. Ventrículo com conteúdo de radiopacidade de osso,
considerado normal. c) Projeção VD da asa esquerda, focada na região do metacarpo. Fratura do metacarpo maior a nível
proximal, periarticular e de metacarpo menor. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

Tabela C 1 – Hematologia e Bioquímica do animal, com valores de referência para a espécie (Strix aluco).

Parâmetro Resultado Valor de referência


Hematócrito (%) 30,8 29-47
WBC (células/µL) 9 800 6700-15500
Heterófilos (/µL) 2842 (29%) 1550-9640
Linfócitos (/µL) 3136 (32%) 2050-7180
Monócitos (/µL) 1764 (18%) 0-470
Eosinófilos (/µL) 2058 (21%) 150-3040
Características do esfregaço Policromasia 2+
Proteínas Totais (g/dL) 3,98 3,34-5,4
Albumina (g/dL) 1,9 1,53-2,69
AST (U/L) 622,3 214-368
Fósforo (mg/dL) 3,94 3,49-12,69
Cálcio (mg/dL) 9,63 9,22-12,34
Ureia (mg/dL) 25,7 9,01-18,31
Ácido Úrico (mg/dL) 15,12 4,74-10,63
Globulinas (g/dL) 2,08 1,33-3,26

36
a)

b)
Figura C 2 – Osteossíntese da fratura do metacarpo Figura C 3 – Estudo radiográfico da região do metacarpo
maior com recurso à fluoroscopia. Imagem gentilmente esquerdo após osteossíntese da fratura proximal do
cedida pelo CRAS-HVUTAD. metacarpo maior. a) Projeção VD; b) Projeção CdCr.
Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

a) b)
Figura C 4 – Fluoroscopia da região do coracóide, Figura C 5 – Estudo radiográfico após osteossíntese da
realizada após redução da fratura, com o intuito de fratura distal de coracóide esquerdo. a) Projeção VD; b)
confirmar a posição da cavilha intramedular. Projeção LL direita. Imagens gentilmente cedidas pelo
Imagem gentilmente cedida pelo CRAS-HVUTAD CRAS-HVUTAD.

a) b)
Figura C 6 – Imagem ecográfica do olho esquerdo do animal em modo B (a) e doppler de cor (b). Diminuição do
tamanho da câmara posterior relativamente à câmara anterior, indicando uma redução da PIO. No modo B observa-se
uma perda de definição da zona da retina e uma suspensão hiperecogénica na câmara posterior. É ainda visível uma
rotura da cápsula posterior do cristalino. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

37
Figura C 7 – Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, três semanas após a cirurgia. a)
Projeção VD de corpo inteiro; b) Projeção LL; c) Projeção VD da região dos metacarpos; d) Projeção CdCr da
região dos metacarpos. Há sinais de ossificação por primeira intenção em ambas as fraturas. Imagens
gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

Figura C 8 – Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, após remoção da cavilha
intramedular do coracóide e do tie-in do metacarpo. a) Projeção VD de corpo inteiro; b) Projeção LL; c)
Projeção VD da região dos metacarpos; d) Projeção CdCr da região dos metacarpos. Imagens gentilmente
cedidas pelo CRAS-HVUTAD.

38

Você também pode gostar