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Porto, 2023
Relatório Final de Estágio
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Porto, 2023
RESUMO
Existem em Portugal mais de 30 espécies de aves de rapina autóctones, pertencentes a
3 famílias distintas e a sua prevalência em centros de recuperação é bastante
significativa. Por este motivo, o conhecimento das suas características biológicas e
principais causas de ingresso é essencial para compreender o maneio e curso de
tratamento destes animais e encarar decisões como a eutanásia ou devolução à
natureza.
i
ABSTRACT
In Portugal, there are more than 30 native species of birds of prey, belonging to 3 distinct
families and their prevalence in rehabilitation centres is quite significant. For this reason,
knowledge of their biological characteristics and the primary cause of admission is
essential to understand the management and course of treatment for these animals and to
face decisions such as euthanasia or returning them to the wild.
Radiology is a very useful tool in wildlife medicine and can help in the diagnosis and
prognosis determination of several recurrent situations. Radiography is also one of the
most used diagnostic imaging exams in birds, therefore there are numerous bibliographic
references, mostly related to exotic birds. Thus, this dissertation aims to demonstrate the
importance of this diagnostic method in a wildlife rescue centre. Afterwards, a
bibliographic review was carried out, which tries to relate the radiology of birds with the
anatomical, physiological and biological particularities of raptors and the main pathologies
of wild animals. Finally, this thesis describes three clinical cases assisted during my
internship, to illustrate relatively common situations in which radiology was determinant for
their outcome.
ii
Atividades desenvolvidas durante o Estágio Curricular
iii
GREFA CRAS-HVUTAD
10% 11%
Accipitriformes 18%
5%
Falconiformes
5%
Strigiformes 6%
47%
32% Passeriformes
Columbiformes
Outros
37% 29%
Figura I - Distribuição das aves ingressadas nos respetivos centros por ordem taxonómica. As aves
de rapina incluem-se nas ordens “Accipitriformes”, “Falconiformes” e “Strigiformes”, representando
aproximadamente 20% das aves recebidas no GREFA e 76% das aves recebidas no CRAS-HVUTAD.
iv
Ao longo do estágio curricular foram realizados um total de 311 exames imagiológicos,
cuja distribuição se encontra especificada na Tabela II. É de notar que estes números
dizem respeito não só aos exames realizados a animais ingressados, mas também
exames de controlo a animais que se encontravam já em recuperação ou reabilitação no
início do estágio e ainda exames realizados durante as revisões anuais dos animais
irrecuperáveis, anteriormente referidos.
A escolha deste tema para a presente dissertação prendeu-se não só pelo grande gosto
pela imagiologia e paixão pelas aves de rapina, mas também pela percentagem
significativa de ingressos destas aves em ambos os centros de recuperação e a sua
importância a nível de conservação. Além disto, o recurso à radiologia tem bastante
importância aquando da entrada destes animais.
v
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Professora Cláudia Batista, por desde cedo despertar em mim o
gosto pela área da imagiologia e por toda a ajuda e disponibilidade que demonstrou na
fase final do meu percurso académico.
À equipa do GREFA por me acolherem tão bem e pela constante aprendizagem. A todos
os veterinários com quem tive a oportunidade de aprender, cada um na sua área de
conhecimento. A todos os voluntários pela amizade criada nesta experiência tão intensa
e enriquecedora.
Às pessoas incríveis com quem me cruzei neste mundo dos animais selvagens. Em
particular, à Sofia e à Catarina pela grande amizade que criámos e pelas constantes
trocas de experiências e conhecimentos. Foi uma sorte ter conhecido pessoas que
partilham esta paixão da mesma forma que eu. Esta viagem não teria sido a mesma sem
vocês.
Aos amigos que criei ao longo do curso, por estes 6 anos ao meu lado. Em especial, à
Gaspar, por acreditar sempre nos meus sonhos, por vezes mais do que eu, e me dar
aquela “forcinha” para os perseguir. Ao João, por viver comigo os momentos mais
caóticos da minha vida. À AEICBAS e todas as pessoas com quem tive o prazer de
trabalhar, por me fazerem crescer e aprender a pensar fora da caixa.
Aos meus amigos de sempre. À Sisi, à Mariana, ao Luís e ao João por passarem estes
anos ao meu lado e por aturarem tantas tardes de conversa sobre mil e uma curiosidades
de passarinhos.
Aos meus pais, por não me deserdarem quando lhes disse que ia prolongar o meu
estágio e por me apoiarem sempre nas minhas decisões. À minha avó, o meu maior
exemplo, por me ensinar a perseguir os meus sonhos e me demonstrar que, com
trabalho, tudo se consegue.
Ao Luís, por todos os sacrifícios deste último ano e pelo carinho e apoio incondicionais.
vi
A beleza desta área é não haver dois dias iguais, “a mesma lesão num Buteo e num Açor
pode ditar um grande investimento no Buteo e a eutanásia do Açor” – Dr. Luís Sousa,
CRAS-HVUTAD
vii
ÍNDICE
viii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura I – Distribuição das aves ingressadas nos centros por ordem taxonómica ............. iv
Figura 2 – Posicionamento de uma ave para a projeção VD (a) e LL (b), com recurso a
um dispositivo de contenção ......................................................................................................... 5
Figura 7 – Imagem radiográfica de uma não união na porção distal do rádio .................... 10
ix
Figura C 1 – Estudo radiográfico realizado no dia da admissão do animal (Strix aluco) .. 36
ÍNDICE DE TABELAS
x
ABREVIATURAS
% - Percentagem kg – Kilograma
horas) LL – Latero-lateral
IV – Via intravenosa
xi
1. Importância do uso da Radiologia num Centro de Recuperação
A radiologia é um método não invasivo que, em conjunto com um bom exame físico e
alguns exames complementares, poderá ter um grande valor diagnóstico1.
Como indicado na Tabela II, ao longo do período de estágio foram realizados um total de
173 exames imagiológicos em aves de rapina, dos quais 147 recorreram à utilização da
radiologia, tendo sido este o método de diagnóstico complementar mais utilizado em
ambos os centros. Adicionalmente, das 62 aves de rapina ingressadas ao longo do
estágio, 44 (cerca de 71%) foram submetidas a pelo menos um exame radiográfico. A
decisão de não realizar exames radiográficos nas restantes 18 aves prendeu-se
maioritariamente com o facto de terem sido eutanasiadas no momento da admissão
devido à gravidade das lesões visíveis no exame físico (nomeadamente grandes áreas
de tecido necrosado), não sendo necessária posterior confirmação radiográfica. Outro
dos principais motivos para este número foi a extrema debilidade de algumas aves no
momento da admissão, tendo estas acabado por morrer antes de ser possível realizar
qualquer exame imagiológico.
1
exames de revisão anuais, realizando radiografias periódicas, além de exames físicos
completos e outros exames complementares5. Alguns processos patológicos que afetam
as aves residentes incluem pododermatite, artrites e aspergilose, sendo que a radiologia
nos pode ajudar a diagnosticar (no caso da artrite e aspergilose) e classificar as
mesmas5,6. Sendo estas patologias sobretudo relacionadas com o maneio ou com a idade
da ave (no caso das artrites)5,6, em centros de recuperação a sua prevenção e
identificação é de maior relevância em animais em recuperação prolongada ou mantidos
em cativeiro como irrecuperáveis.
Uma vez que a maioria das aves de rapina ingressadas foi alvo de um exame
radiográfico, havendo ou não uma suspeita clínica que o justificasse, foi analisado o
número de casos em que a realização de um exame radiográfico na admissão destas
aves teve impacto na recuperação do animal, na medida em que afetava ou não o
tratamento a aplicar. Para tal, foram definidos como critérios “diagnóstico de patologia” e
“caracterização de patologia”. Foi contabilizado como “diagnóstico de patologia” a
deteção de uma alteração radiográfica que auxiliou no diagnóstico de um determinado
processo patológico. Já a “caracterização de patologia” aplicou-se em casos nos quais
havia um diagnóstico prévio, mas as radiografias tiveram impacto na terapêutica a aplicar
(por exemplo a caracterização de uma fratura, na medida em que a radiografia nos diz se
é ou não uma fratura elegível para cirurgia e, em caso positivo, permite realizar o
planeamento cirúrgico). Como se pode observar na Figura 1, das 44 aves de rapina
ingressadas às quais foi feito um exame radiográfico, em 28 (63,6%) o recurso à
radiologia teve influência no tratamento.
2
Além dos exames radiográficos iniciais, várias radiografias de controlo tiveram impacto no
curso do tratamento de alguns animais. Alguns exemplos incluem a deteção de
complicações cirúrgicas em casos de ortopedia, o diagnóstico de uma osteomielite na
revisão anual de uma ave irrecuperável e uma reclassificação do grau de pododermatite
de um animal em recuperação, o que alterou o seu tratamento de médico para cirúrgico.
Nas aves os fatores de exposição radiográficos são mais críticos do que nos mamíferos e
uma imagem sobre ou subexposta poderá induzir a interpretações erróneas, sobretudo a
nível pulmonar e dos sacos aéreos7. Devido à elevada frequência respiratória das aves é
importante usar tempos de exposição reduzidos – nunca superiores a 0,05 segundos – e
valores de mA superiores, com o objetivo de promover o máximo de nitidez nas
radiografias1,7,8. Adicionalmente, a voltagem do ânodo deverá rondar os 45-55 Kv para
que as imagens apresentem um maior grau de contraste e uma escala de cinzentos
extensa8. De forma a reduzir a quantidade de radiação necessária, a distância foco-filme
deverá ser reduzida (não devendo, no entanto, ser menor que 76 cm)7. Para além disto,
no caso das aves, é utilizada a técnica “table top” de forma rotineira, podendo ser
utilizada mesmo nos animais de maiores dimensões, uma vez que há uma menor
quantidade de radiação dispersa devido ao ar contido nos sacos aéreos7.
3
a segurança do clínico durante a realização de um exame sem anestesia, para além da
proteção típica necessária, devemos escolher uma cassete de tamanho adequado ao
animal e colimar o feixe de radiação apenas às dimensões necessárias8. Idealmente, a
ave deve estar em jejum durante a realização dos estudos radiográficos,
independentemente da utilização de anestesia, de forma a evitar a regurgitação e
aspiração, além de que o conteúdo digestivo altera a aparência dos órgãos da cavidade
celómica7,10. Em ambos os centros onde decorreu este estágio curricular, a maioria das
radiografias foi realizada sem anestesia, excetuando-se situações em que o animal foi
anestesiado por outro motivo (nomeadamente procedimentos cirúrgicos e remoção de
dispositivos ortopédicos).
4
coloca-se um objeto radiolucente com largura adequada entre as asas. Caso o animal
apresente alterações respiratórias este posicionamento deverá ser realizado
cuidadosamente, uma vez que uma tensão excessiva das asas poderá incrementar a
dificuldade respiratória1,8. Por fim, pretende-se que o feixe central da radiação esteja no
eixo longitudinal do corpo, junto à parte caudal do arco costal8.
Figura 2 – Posicionamento de uma ave para a projeção VD (a) e LL (b), com recurso a um dispositivo de
contenção7.
Em caso de suspeita de lesão numa asa, para além das projeções descritas, deve
acrescentar-se um estudo radiográfico do membro. Para tal devem ser realizadas, no
mínimo, duas projeções da asa: VD (ou medio-lateral) e CdCr, sendo que a primeira
poderá não ser necessária caso a projeção VD do corpo inclua a totalidade do membro.
Sendo útil, para projeção VD da asa colocamos o animal em decúbito dorsal, estendendo
a asa a avaliar7,8. Para a realização da projeção CdCr (Figura 3) é necessária a
contenção manual: a ave é posicionada no bordo da mesa, em posição invertida e
perpendicular à mesma, com a asa a avaliar estendida e pousada sobre a cassete7,9. Esta
5
projeção é preferível à cranio-caudal (CrCd) uma vez que, na última, as retrizes impedem
que a estrutura óssea da asa fique próxima da cassete, aumentando a distância objeto-
filme7. Nas projeções da asa, o feixe central da radiação deverá estar focado na
articulação do cotovelo8 ou a meio das diáfises do rádio e cúbito7.
Um exame radiográfico completo de corpo inteiro (VD e LL) inclui as projeções ortogonais
Figurae4 –medio-lateral,
dos MP (dorso-plantar Posicionamento derespetivamente),
uma Águia-d’asa-redonda
não sendo necessárias
(Buteo buteo) para realização de uma projeção CdCr da
7
projeções adicionaisasa.
deImagem
formagentilmente
rotineiracedida
. Hápelo
ainda outras projeções radiográficas
CRAS-HVUTAD.
descritas que poderão ser úteis conforme a suspeita clínica (Tabela 1).
6
2.3. Avaliação Radiográfica das aves
Uma vez que existe uma grande variabilidade entre espécies, neste capítulo será
abordada a anatomia radiográfica das aves de um modo geral, especificado algumas
particularidades das aves de rapina. Para tal, para além da divisão entre o sistema
musculoesquelético e os restantes sistemas, serão focadas as alterações mais
frequentes em aves selvagens, tendo por base a casuística dos estágios realizados.
É importante reforçar que a avaliação radiográfica deverá ser feita de forma sistemática
para que não passem despercebidas determinadas lesões10.
Para avaliação da estrutura óssea das aves devemos ter em conta ambas as projeções
VD e LL do corpo, as duas projeções ortogonais das asas (VD e CdCr) e, caso
necessário, projeções especiais para os MP, crânio e cintura escapular, como
especificado na tabela 38,11,12.
7
Figura 4 – Anatomia radiográfica do sistema esquelético de um Gavião-da-europa (Accipiter nisus) nas
projeções VD (a) e LL (b). 1 – Coracóide; 2- Úmero; 3 – Cúbito; 4 – Rádio; 5 – Alula (ou primeira falange); 6 –
Clavícula; 7 – Escápula; 8 – Metacarpo menor; 9 – Metacarpo maior; 10 – Falange; 11 – Fémur; 12 –
Tibiotarso; 13 – Púbis; 14 – Fíbula; 15 – Coluna Vertebral; 16 – Quilha. Imagem gentilmente cedida pelo
CRAS-HVUTAD.
Figura 5 - Anatomia radiográfica do sistema esquelético da asa de uma Águia-calçada (Aquila pennata) nas
projeções VD (a) e CdCr (b). 1 – Úmero; 2 – Ulna; 3 – Rádio; 4 – Carpo radial; 5 – Carpo ulnar; 6 – Alula (ou
primeira falange); 7 – Metacarpo maior; 8 – Matacarpo menor. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-
HVUTAD.
Ao avaliar este sistema nas aves de rapina selvagens, devemos procurar lesões
patológicas, como a presença de fraturas, luxações, osteomielite e osteoartrite. Podem
ainda ser encontradas, embora com menor frequência, lesões neoplásicas e
deformações ósseas9. Para tal, devemos saber interpretar a conformação dos ossos, a
integridade, densidade e espessura das corticais ósseas, assim como a radiopacidade
das cavidades medulares e a presença de sinais de inflamação dos tecidos moles9,10.
8
Das 62 aves de rapina ingressadas ao longo deste estágio curricular, 28 (45,2%)
apresentavam fraturas, tendo sido a alteração óssea mais prevalente, seguida de
luxações. Fraturas dos ossos longos, coracóide e coluna vertebral são lesões
diagnosticadas frequentemente em aves de rapina selvagens2. Na presença de uma ou
mais fraturas, a radiologia é essencial para a identificação e caracterização das mesmas,
de forma a realizar um bom plano de tratamento para o animal e definir um prognóstico
relativamente a um possível retorno de função do membro afetado13,14. Para tal, é
essencial saber distinguir se se trata de uma fratura antiga ou recente, através da
caracterização dos bordos da mesma, da quantificação da formação de calo no endósteo
(normalmente visível na radiografia a partir dos catorze dias) e da reação de periósteo
(embora esta seja normalmente menos exuberante em aves)9,15. Adicionalmente, a
classificação das fraturas quanto à localização e ao tipo de lesão – simples, cominutiva
redutível ou não redutível, transversa ou oblíqua – é também muito importante para o
planeamento cirúrgico13,16. As radiografias permitem-nos ainda a medição das dimensões
do osso, dos fragmentos e dos defeitos ósseos, sendo estes valores determinantes para
a escolha de um tamanho adequado dos dispositivos e técnica ortopédica a utilizar14.
9
A instabilidade das cavilhas pode ocorrer por vários motivos, podendo estar associada a
várias outras complicações ortopédicas. Esta evidencia-se radiograficamente por um halo
radiolucente ao redor de uma ou mais cavilhas13. Uma fixação instável é prejudicial para
a recuperação do animal, devendo a cavilha ser removida de imediato20.
Considera-se que ocorreu uma união atrasada quando a fratura não ossifica após o
tempo devido (apesar de este ser indefinido), mas estão presentes evidências discretas
de ossificação. Esta poderá progredir para uma não união, caso não exista ossificação
nem evidência de progresso da mesma nas radiografias de controlo (Figura 6)17. Estas
complicações podem ser consequência de uma instabilidade prolongada, infeção na zona
de fratura ou reduzida vascularização20. Em casos de não união deverá ser feita uma
nova intervenção para aumentar a estabilidade da lesão e, se necessário, recorrer a um
enxerto ósseo17.
Um sequestro é um fragmento de osso inviável, avascular, que caso não seja removido
poderá impedir a normal cicatrização dos restantes fragmentos e servir de foco de
infeção13,17. Esta complicação é particularmente comum em animais que apresentam
fraturas cominutivas. Radiograficamente identifica-se por ser um fragmento de osso com
bordos afilados, rodeado por um invólucro radiolucente que o separa do restante osso
(Figura 7)17.
Figura 6 – Imagem radiográfica de uma não união Figura 7 - Imagem radiográfica de um sequestro na
na porção distal do rádio (seta) de uma Águia- porção distal do rádio (seta) de um Gavião-da-
imperial-ibérica (Aquila adalberti). Projeção VD da europa (Accipiter nisus). Projeção VD da zona distal
zona distal do rádio e ulna. Imagem gentilmente do rádio e ulna. Imagem gentilmente cedida pelo
cedida pelo CRAS-HVUTAD. CRAS-HVUTAD.
a) b)
Figura 8 – Anatomia radiográfica dos órgãos da cavidade celómica de um Açor (Accipiter gentilis) nas
projeções VD (a) e LL (b). 1 – Coração e grandes vasos; 2 – Fígado; 3 – Traqueia; 4 – Pulmão; 5 –
Sacos aéreos torácico caudal e abdominal; 6 – Proventrículo; 7 – Ventrículo; 8 – Intestinos; 9 – Rim; 10
– Baço. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
11
Sistema cardiovascular: Embora a prevalência não seja elevada, estão descritas
algumas patologias cardíacas em aves de rapina selvagens, nomeadamente miocardites,
endocardites, cardiomiopatias e hemopericárdio, podendo estar associadas a agentes
infeciosos, intoxicação por chumbo e traumatismos21. As alterações radiográficas
encontradas são sobretudo alterações de tamanho da silhueta cardíaca22. Para avaliação
da mesma, existem atualmente publicações com medidas de referência para várias
espécies de aves de rapina23–25. No entanto, importa ter em conta que para a avaliação
deste sistema a melhor técnica imagiológica é a ecografia22. Para além disso, na maioria
das espécies, a individualização do ápice cardíaco indica uma rotura do saco aéreo
torácico cranial22.
12
dilatações bronquiais, aumento da radiopacidade do bordo caudal do pulmão, e dilatação
dos vasos pulmonares29,31.
13
corpos estranhos já que se trata de um processo fisiológico. No entanto, podem ser
visíveis corpos estranhos nesta mesma região, como pedras e partículas metálicas26,32. A
porção intestinal do trato digestivo encontra-se na região caudal da cavidade celómica e
termina na cloaca26. As ansas intestinais não são, normalmente, individualizáveis, a
menos que se apresentem dilatadas e preenchidas por gás, o que poderá indicar uma
obstrução, gastroenterite ou diminuição da motilidade intestinal10,32,33. A cloaca apenas
será radiograficamente visível caso contenha ar ou uma grande quantidade de uratos e
fezes, podendo indicar uma impactação cloacal26,33. O deslocamento dos órgãos do trato
digestivo está normalmente associado a organomegália1. Adicionalmente, podem ser
visíveis granulomas na região do trato digestivo devido a uma infeção por M. avium27.
Para uma melhor avaliação deste sistema podemos realizar um estudo contrastado. Este,
além de permitir uma melhor avaliação do trato digestivo e sua motilidade, permite uma
melhor diferenciação dos órgãos adjacentes1,8. Para tal, deverá ser administrada uma
suspensão de 25-45% de sulfato de bário (20 ml/Kg) diretamente no papo, através de
uma sonda. Em caso de suspeita de perfuração gastrointestinal deveremos administrar,
em alternativa, um composto iodado não iónico (250 mg/ml, a 10 ml/Kg)1,8.
Baço: Este órgão pode ser observado na projeção LL, dorsalmente à porção caudal do
proventrículo e em aves de rapina a sua forma é, normalmente, esférica8,26. Este poderá
não ser visível caso o trato digestivo apresente muito conteúdo26. Uma esplenomegália é
normalmente indicativa de um processo infecioso, podendo indicar uma infeção por C.
psittaci, M. avium, Herpesvírus. vírus West Nile ou Haemoproteus spp 9,27,28,32.
14
3. Casos clínicos
Chegou ao GREFA um Açor (Accipiter gentilis) macho, juvenil, de 440g de peso corporal
encontrado num polidesportivo com aparente lesão na asa direita. No exame físico inicial
encontrava-se deprimido, emaciado (CC = 1/5), com uma desidratação de 10%, mucosas
pálidas e secas, dispneia e ruídos respiratórios mais pronunciados no lado direito. Tinha
a asa direita ligeiramente descaída e evidenciava dor à palpação da mesma. Para além
disso, apresentava uma lesão no dedo IV do MP direito. Durante a exploração
musculoesquelética não foram palpadas fraturas e os restantes parâmetros do exame
físico encontravam-se normais.
15
não regenerativa e leucocitose, com heterofilia e monocitose. Através da Figura A2
podemos ver uma diminuição do rácio A/G, assim como um aumento das α-, β- e γ-
globulinas. Nesse dia colheu-se ainda, sob anestesia, através de zaragatoa, uma amostra
do conteúdo traqueal para microbiologia. A amostra foi posteriormente cultivada a 37ºC
num meio “Rose Bengal Chloramphenicol Agar” e observada ao microscópio (com
coloração com azul de lactofenol), tendo sido identificadas estruturas fúngicas
compatíveis com fungos do género Aspergillus (Figuras A3 e A4).
16
(Figura A6), nas quais é possível observar uma evolução da lesão do úmero,
caracterizada por um aumento da reação de periósteo, além do aumento multifocal da
radiopacidade na região dos sacos aéreos e pulmão esquerdos. Na necrópsia (Figura A6)
foram encontrados granulomas disseminados pelos pulmões e sacos aéreos do animal,
compatíveis com a presença de uma aspergilose.
Discussão: A aspergilose é uma doença fúngica causada por Aspergillus spp. que afeta
várias famílias de aves selvagens, sendo as aves de rapina e as aves aquáticas as mais
frequentemente afetadas34. Tendo como foco as aves de rapina, os açores (Accipiter
gentilis) são considerados uma espécie de alto risco ao desenvolvimento desta
doença35,36. O Aspergillus fumigatus é a espécie mais prevalente em aves selvagens e os
esporos, quando inalados, poderão provocar infeção do trato respiratório afetando
sobretudo pulmões, sacos aéreos e brônquios e, secundariamente, estruturas ósseas34,37.
Esta infeção está normalmente associada a situações de imunossupressão, sendo muitas
vezes secundária a traumatismos, emaciação e outros problemas não infeciosos ou
associada a agentes concomitantes37. A patologia ocorre normalmente de forma crónica e
a sintomatologia inclui emaciação, desidratação, letargia, anorexia, incapacidade de voar,
dispneia severa e progressiva e cianose, podendo ainda estar presentes outros sinais
34,36–38
clínicos consoante os órgãos afetados . Caso haja infeção do úmero ou saco aéreo
clavicular é visível um descaimento da asa, tal como ocorreu neste animal31.
17
periósteo exuberante e um aumento da radiopacidade da cavidade medular pela
formação de granulomas17. Neste caso, os achados radiográficos evidentes permitem-
nos determinar que o prognóstico do animal é bastante reservado. É de notar que neste
caso não foi realizada uma radiografia LL uma vez que o animal se encontrava dispneico.
O tratamento pode ser conseguido com uma terapia antifúngica tópica e/ou sistémica,
através de vários fármacos, nomeadamente itraconazol, voriconazol, anfotericina B ou
terbinafina. Este pode ainda ser conjugado com a remoção cirúrgica dos aspergilomas,
através de endoscopia37,38. O prognóstico, progressão da doença e resposta ao
tratamento podem ser monitorizados através do uso da radiologia, ELISA e
proteinograma34,36,41.
Durante o mês de setembro deu entrada no GREFA um Grifo (Gyps fulvus) juvenil, de
6,9Kg de peso corporal, recolhido pelos agentes florestais por se mostrar incapaz de
18
voar. Na caixa de transporte apresentava-se caído, muito deprimido e com reação
reduzida a estímulos, situação que se manteve durante todo o exame físico. A sua
condição corporal era de 2/5, encontrava-se ligeiramente desidratado (6-7%) e
apresentava as mucosas pálidas. A sua temperatura corporal estava dentro dos valores
considerados normais (40,1ºC) e apresentava bradicardia (96 bpm) e bradipneia (16
rpm). No exame físico verificou-se ainda a presença de blefarite no olho esquerdo e as
penas distais à cloaca tingidas de verde. Não foram palpadas fraturas.
Exames complementares: foi realizada uma radiografia VD de corpo inteiro (Figura B1),
na qual era possível observar corpos estranhos de radiopacidade semelhante a osso e
com formas irregulares ao longo do trato digestivo, desde o papo até ao ventrículo. Além
disso, o animal apresentava ainda uma fratura de púbis e ísquio esquerdos.
19
possível observar que o trato digestivo superior já não apresentava corpos estranhos, e
que os mesmos estavam concentrados na zona do ventrículo (aparentando haver uma
maior quantidade de corpos estranhos neste órgão, em comparação com a primeira
radiografia). Perante isto, decidiu-se esperar mais uns dias de forma a perceber se o
animal seria capaz de eliminar as restantes pedras. Entretanto, voltou a comer sozinho,
sendo-lhe fornecida comida que favorece a formação de egagrópila.
Dez dias após o início do tratamento, o animal voltou a regurgitar comida, desta vez do
dia anterior, pelo que foi feita uma nova radiografia (Figura B3). Uma vez que o número
de corpos estranhos se manteve semelhante à radiografia anterior e se suspeitou de um
processo obstrutivo no trato digestivo, decidiu-se realizar uma endoscopia para remoção
dos mesmos. Para tal, após manter o animal em jejum durante dois dias, administrou-se
buprenorfina a 0,1 mg/kg IM como pré-medicação e induziu-se a anestesia com
isoflurano a 5% num fluxo de oxigénio de aproximadamente 2 litros por minuto. Colocou-
se um tubo endotraqueal sem cuff de calibre 4,5 e, para manutenção anestésica, o
isoflurano foi reduzido para 2%. O procedimento foi realizado com auxílio de um serviço
de endoscopia externo ao GREFA, através de um endoscópio flexível, com o qual foi
possível observar uma acumulação de pedras e conteúdo digestivo à entrada do
ventrículo. Este conteúdo consistia sobretudo em penas envolvidas por uma substância
mucosa esverdeada a envolver algumas pedras, parecendo haver tentativa de formação
de egagrópila. A mucosa de todo o trato digestivo superior encontrava-se aparentemente
intacta, sem evidência de úlceras ou perfurações. Com o auxílio de pinças de endoscopia
foi possível remover algumas pedras, processo que foi dificultado pela presença de
conteúdo gástrico. Devido ao número elevado de pedras presentes no ventrículo decidiu-
se realizar uma segunda endoscopia dias depois para repetição do processo descrito não
sendo, no entanto, possível remover todo o conteúdo presente. Nesta segunda
intervenção foi possível retirar material que estava acumulado na zona do piloro, além de
várias pedras (Figura B4). O animal ficou internado por mais uns dias e regurgitou mais
algumas pedras. Passado uma semana da endoscopia foi realizada uma nova radiografia
(Figura B5) e, apesar do animal apresentar ainda alguns corpos estranhos a nível do trato
digestivo, encontrava-se com estado mental e atitude normais e alimentava-se e
defecava normalmente, tendo sido transferido para o departamento de reabilitação.
20
rapina mais afetadas por este tipo de intoxicação42,43. A ingestão de corpos estranhos
consequente à intoxicação por chumbo está descrita e poderá ter várias causas,
nomeadamente as alterações neurológicas associadas à toxicidade do chumbo ou à
incapacidade de voar e localizar alimento44,45. Além disso, esta intoxicação provoca
alterações da motilidade intestinal, dificultando a expulsão de egagrópila e,
consequentemente, dos corpos estranhos45.
Esta intoxicação pode ser aguda, crónica ou subclínica, tendo a forma crónica efeitos a
nível neurológico, digestivo, respiratório e hematopoiético, que levam a que o animal não
seja capaz de se alimentar, ingressando normalmente num estado de emaciação42,46. Os
sinais típicos deste tipo de intoxicação dependem do seu grau e cronicidade e incluem
alterações comportamentais, depressão, letargia, ataxia, uma postura de asas descaídas,
anorexia, estase gastrointestinal e episódios de regurgitação e diarreia esverdeada42. Em
alguns casos, as aves poderão apresentar também bradicardia, bradipneia e dispneia43,46.
Em aves de rapina, sinais clínicos compatíveis com impactação gástrica são
normalmente inespecíficos, incluindo anorexia e letargia45.
Apesar do diagnóstico definitivo só ser obtido através da medição dos níveis de chumbo
sanguíneo, a sintomatologia apresentada juntamente ao recurso a radiografias e certas
alterações hematológicas podem conduzir a um diagnóstico presuntivo de intoxicação por
chumbo47. O objetivo da radiologia passa por identificar corpos estranhos metálicos no
ventrículo dos animais, no entanto, apenas cerca de 15% das aves de rapina intoxicadas
por chumbo apresentam este metal no trato digestivo aquando da entrada nos centros de
recuperação, uma vez que o chumbo pode já ter sido absorvido ou eliminado48,49. Assim,
apesar de neste caso não serem visíveis partículas metálicas no trato digestivo não é
possível descartar uma intoxicação por chumbo como causa primária da ingestão de
corpos estranhos. No entanto, apesar de um exame radiográfico negativo não excluir a
possibilidade deste tipo de intoxicação, a realização de radiografias é extremamente
importante uma vez que estando chumbo presente no trato digestivo, será necessário
realizar um tratamento distinto, passando este também pela sua remoção, além do
tratamento médico2,47. Adicionalmente, a radiologia permite descartar diagnósticos
diferenciais e identificar problemas concomitantes, tal como ocorreu no presente caso
clínico. A nível de hematologia, os animais apresentam normalmente anemia regenerativa
e um leucograma inflamatório47. Segundo um estudo realizado no GREFA, aves da
espécie Gyps fulvus com níveis de chumbo sanguíneo compreendidos entre 40 e 50 μg/dl
foram considerados intoxicados por chumbo. Apesar do GREFA possuir equipamento
que permite a deteção dos níveis de chumbo sanguíneo em tempo real, no presente caso
21
clínico não foram medidos os níveis séricos de chumbo por um problema de falta de
reagentes. No entanto a sintomatologia apresentada vai de encontro à especificada no
mesmo estudo e restante bibliografia (tal como obnubilação, falta de resposta a
estímulos, imobilidade e uma postura com as asas descaídas) e coincide com o caso
descrito de uma Águia-americana (Haliaeetus leucocephalus) em 2018, com corpos
estranhos no trato digestivo e confirmação de intoxicação por chumbo44,49. Deste modo,
chegou-se à conclusão de que a intoxicação por chumbo poderia ser a causa subjacente
à ingestão de corpos estranhos neste animal, tendo-se estabelecido como diagnóstico
presuntivo.
22
O Ácido dimercaptossuccínico (DMSA), por sua vez, pode ser administrado por via oral e
permite a remoção do chumbo dos tecidos moles (incluindo o sistema nervoso), no
entanto, é incapaz de quelar o chumbo presente no osso46. Estes quelantes podem ser
administrados de forma individual ou combinada46. No GREFA, o protocolo para
tratamento de intoxicação por chumbo baseia-se em fluidoterapia IV para aumentar a
taxa de depuração e eliminação do chumbo do corpo do animal. Neste centro não
utilizam quelantes de chumbo uma vez que, em casos anteriores, verificaram que a sua
utilização provocou danos a nível renal. Desta forma, optam por garantir uma perfusão
adequada antes da sua aplicação e, caso o animal apresente uma boa recuperação
apenas com a fluidoterapia, prescindem da sua utilização. Caso haja evidências
radiográficas de chumbo no trato digestivo, o tratamento descrito deverá ser
complementado com a remoção do metal, através de uma lavagem gástrica, laxantes ou
endoscopia2,47,49.
O prognóstico da intoxicação por chumbo está dependente dos níveis séricos deste metal
pesado42,46. Apesar de, neste caso, não possuirmos essa informação, a sintomatologia
apresentada vai de encontro a uma intoxicação crónica, com um prognóstico mais
favorável comparativamente à forma aguda46. No entanto, apesar da resposta ao
tratamento ter sido favorável, é difícil estabelecer um prognóstico relativamente à
capacidade reprodutiva do animal e sua sobrevivência a longo prazo42,46.
Deu entrada no CRAS-HVUTAD uma Coruja-do-mato (Strix aluco) adulta, com 344g de
peso corporal, recolhida pela GNR por suspeita de atropelamento. No exame físico
apresentava-se alerta, com condição corporal normal (2,5/5), desidratação inferior a 5%,
mucosas rosadas e húmidas, TRV inferior a 2 segundos, frequência cardíaca superior a
200 bpm e respiratória de 40 rpm. Durante a palpação musculoesquelética suspeitou-se
de uma fratura do coracóide esquerdo e luxação do carpo ipsilateral. Na exploração da
cabeça foi possível visualizar sangue nas coanas e um otohematoma no ouvido
esquerdo. Apresentava ainda um aparente edema de córnea e suspeita de úlcera na
córnea do olho esquerdo.
23
visível também algum grau de congestão pulmonar e uma rotura do saco aéreo torácico
cranial. Colheu-se uma amostra de sangue da veia ulnar para hematologia e bioquímica,
cujas alterações – exceto a monocitose pronunciada – são compatíveis com um
traumatismo agudo (Tabela C1). Foi realizado ainda um teste de fluoresceína, cujo
resultado foi positivo no olho esquerdo.
No dia da cirurgia voltou a realizar-se um exame de estado geral, que não apresentou
alterações. A coruja foi pré-medicada com 0,5 mg/kg de midazolam IM e 1 mg/kg de
butorfanol IM. A indução foi feita com ketamina (3 mg/kg IV), butorfanol (1 mg/kg IV) e
lidocaína (0,8 mg/kg IV). Colocou-se um tubo endotraqueal sem cuff de calibre 2,5 e, para
manutenção da anestesia, os valores de isoflurano variaram entre 1,5% e 2,5%. Durante
a cirurgia foi realizada fluidoterapia IV com Lactato de Ringer a uma taxa de 3ml/h.
Adicionalmente realizou-se uma infusão de taxa constante (CRI) de ketamina (3 mg/kg/h),
lidocaína (0,8 mg/kg/h) e butorfanol (1 mg/kg/h), diluídos na fluidoterapia. A ave foi
colocada em decúbito esternal e cortaram-se as penas primárias da asa esquerda, tendo
estas sido guardadas e numeradas para serem reimplantadas posteriormente. Realizou-
se a osteossíntese da fratura proximal do metacarpo maior esquerdo através da técnica
Tie-in. Para tal, foi colocada uma cavilha intramedular de 0,8 mm de diâmetro no
metacarpo maior de forma retrógrada e fechada, com o auxílio da fluoroscopia (Figura
C2). Posteriormente, colocaram-se duas cavilhas transfixantes com um diâmetro de 0,8
mm, uma no fragmento proximal e outra no fragmento distal, que foram unidas à cavilha
intramedular através de polimetilmetacrilato. Após a intervenção foram repetidas as
radiografias da região do metacarpo para confirmar o correto posicionamento dos
fragmentos (Figura C3). Recolocou-se a ligadura em 8 ligada ao corpo e adicionou-se
marbofloxacina (10 mg/kg IM SID, durante 7 dias) à terapêutica instituída.
24
No dia seguinte foi realizada a osteossíntese da fratura do coracóide distal, com um
protocolo anestésico igual ao descrito anteriormente. Para aceder ao coracóide foi feita
uma incisão da pele sobre a clavícula, começando na articulação do ombro e
continuando caudalmente até ao terço distal da quilha e elevaram-se os músculos
peitorais superficial e profundo. O músculo supracoracoideu foi isolado e rebatido
lateralmente, de forma a permitir a visualização dos topos ósseos. Estes foram
inspecionados e limpos de coágulos e pequenos fragmentos de músculo. De seguida,
inseriu-se uma cavilha intramedular de 0,8 mm de diâmetro de forma retrógrada através
do fragmento distal. Após a redução da fratura foi confirmada a posição da cavilha
através de fluoroscopia (Figura C4). O encerramento da ferida cirúrgica foi realizado
suturando os músculos ao bordo ventral da espinha da quilha e da clavícula, com um fio
monofilamentar absorvível 5/0 (Monosyn ®), com uma sutura ancorada de Ford. O tecido
subcutâneo foi encerrado com o mesmo fio, com uma sutura simples contínua e
posteriormente realizou-se a sutura de pele com pontos simples isolados. Após o
procedimento cirúrgico verificou-se o correto alinhamento dos fragmentos através de um
novo estudo radiográfico (Figura C5) e manteve-se o animal com uma ligadura em 8
ligada ao corpo. No pós-operatório foi feita a limpeza do fixador e zona de sutura 24
horas após cada cirurgia e, posteriormente, a cada dois dias.
Passadas quase duas semanas após a admissão não eram visíveis melhorias a nível do
edema de córnea. Sendo impossível a visualização da câmara posterior através um
exame oftalmoscópico direto, foi realizada uma ecografia ocular e medida a pressão
intraocular (PIO) de cada olho (olho esquerdo = 7 mmHg e olho direito = 12 mmHg). Para
a ecografia foi colocado um colírio anestésico em ambos os olhos e utilizou-se uma
sonda de 15 MHz. No olho esquerdo (Figura C6) foi possível observar uma diminuição do
tamanho da câmara posterior relativamente à anterior, o que corrobora a diminuição da
PIO. Viu-se ainda uma perda de definição da região da retina, uma suspensão
hiperecogénica na câmara posterior e rotura da cápsula posterior do cristalino. O olho
direito não apresentava alterações ecográficas. Durante o internamento do animal
verificou-se que não houve aumento da PIO e o olho esquerdo acabou por involuir
totalmente.
25
mobilidade do carpo, evitando processos de anquilose. Em cada sessão, a coruja era
pré-medicada com midazolam (0,5 mg/kg IM) e butorfanol (1 mg/kg IM) e a anestesia era
induzida e mantida com isoflurano a 5% e 2%, respetivamente. De forma a monitorizar a
evolução do animal, era medido o ângulo da articulação no início e no final de cada
sessão e, nesta fase, foi ainda realizado o implante das penas removidas na primeira
cirurgia. Após este processo o animal passou para uma câmara de muda exterior com 5
m de comprimento, 2 m de largura e 3 m de altura, de forma a iniciar um exercício ativo.
Posteriormente foi realojada num túnel de voo com 27 m de comprimento, 8 m de largura
e 4 m de altura, permitindo condições de voo sustentado. A capacidade de voo e o
comportamento da ave, nomeadamente a sua adaptação a novas variantes como
obstáculos e presas vivas, eram avaliados diariamente para avaliar a sua capacidade de
se orientar e alimentar naturalmente com apenas um olho funcional. Finalmente, após
uma reabilitação intensa e prolongada, o animal foi devolvido à natureza com sucesso.
26
caso. Para além disso, as penas primárias deverão ser cortadas de modo a diminuir as
forças de distração e melhorar a cicatrização, sendo realizado posteriormente o implante
das mesmas18.
27
do cotovelo deverá ser capaz de estender até aos 140-150º e a articulação do carpo até
aos 180º20. Após o término da fisioterapia passiva, o animal iniciou a fase de exercício em
instalações de voo, onde deu continuidade à sua reabilitação física e se avaliaram todos
os critérios necessários à sua devolução à natureza4.
Conclusão
28
No que concerne às aves de rapina, devido à grande variedade de espécies, é um exame
que requer ainda bastantes estudos de forma a padronizar as descrições anatómicas dos
vários órgãos através de, por exemplo, medidas de referência.
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32
Anexo A – Caso clínico 1: Aspergilose
a) b)
Figura A 1 – Radiografias realizadas no dia de admissão do Açor (Accipiter gentilis). a) Projeção VD de
corpo inteiro. Vê-se um aumento da radiopacidade multifocal do pulmão e sacos aéreos direitos, do tipo
granulomatoso. Além disso, é possível também ver um aumento generalizado da radiopacidade do canal
medular do úmero direito, com um aumento de espessura da cortical óssea na região da diáfise proximal do
mesmo osso. b) Projeção VD dos MP, não apresenta alterações. Imagens gentilmente cedidas pelo GREFA.
Tabela A 1 – Hematologia e Bioquímica iniciais do animal, com valores de referência do GREFA para a
espécie (Accipiter gentilis)
Parâmetro Resultado Valor de referência
Hematócrito (%) 33 44-52
Eritrócitos (milhões/mm3) 2.19 2.15-3.07
Hemoglobina (g/dl) 9.9 11.9-13.2
VCM (ft) 150.68 -
HCM (pg) 45.21 -
CHCM (%) 30 -
Características do esfregaço Policromasia 0
WBC (/mm3) 27060 6260-16000
Heterófilos (/mm3) 21106.8 (78%) 3410-9970
Eosinófilos (/mm3) 0 (0%) 0-330
Basófilos (/mm3) 0 (0%) 0-500
Linfócitos (/mm3) 3788.4 (14%) 1350-6130
Monócitos (/mm3) 2164.8 (8%) 0-660
Proteínas Totais (g/dl) 4.2 2.95-6.37
Albumina (g/dl) 1.3 0.9-1.5
Ácidos Biliares (mg/dl) 28.3 0-80
Fósforo (mg/dl) 4.64 -
Cálcio (mg/dl) 11.46 8.32-10.32
Ácido Úrico (mg/dl) 58.9 3.19-14.9
33
Figura A 3 – Cultura fúngica em meio “Rose
Figura A 2 – Proteinograma inicial do animal. Bengal Chloramphenicol Agar”, a 37ºC. Imagem
Imagem gentilmente cedida pelo GREFA. gentilmente cedida pelo GREFA.
Figura A 6 – Radiografias post-mortem do animal nas projeções VD (a) e LL direita (b), realizadas aquando
da necrópsia do animal (c). Imagens gentilmente cedidas pelo GREFA.
34
Anexo B – Caso clínico 2: Intoxicação por chumbo
Figura B 1 – Radiografia inicial do Grifo (Gyps fulvus) no Figura B 2 – Radiografia de controlo do Grifo, 3 dias
momento da admissão. São visíveis corpos estranhos de após o início do tratamento. São ainda visíveis
radiopacidade semelhante a osso e formas irregulares bastantes corpos estranhos na região do ventrículo do
ao longo do trato digestivo, desde o papo até ao animal. Imagem gentilmente cedida pelo GREFA.
ventrículo. Imagem gentilmente cedida pelo GREFA.
Figura B 3 – Radiografia de controlo Figura B 4 – Parte do conteúdo retirado Figura B 5 – Radiografia de controlo
do Grifo, 10 dias após o início do do trato gastrointestinal do Grifo, através uma semana após a endoscopia, antes
tratamento. São ainda visíveis de endoscopia com endoscópio flexível. da transferência do animal ao
bastantes corpos estranhos na região Imagem gentilmente cedida pelo departamento de reabilitação. Imagem
do ventrículo do animal. Imagem GREFA. gentilmente cedida pelo GREFA.
decisiva para decisão de endoscopia.
Imagens gentilmente cedida pelo
GREFA. 35
Anexo C – Caso Clínico 3: Lesões casadas por traumatismo
b)
a) c)
Figura C 1 – Estudo radiográfico realizado no dia da admissão do animal (Strix aluco). a) e b) Projeções VD e LL direita
respetivamente. É visível uma fratura do coracóide esquerdo a nível distal. Existe uma radiopacidade de ar entre o coração
e o fígado, que corresponde a uma rotura de saco aéreo, compatível com um traumatismo. Ligeiro aumento da
radiopacidade pulmonar, correspondente a ligeira congestão pulmonar. Ventrículo com conteúdo de radiopacidade de osso,
considerado normal. c) Projeção VD da asa esquerda, focada na região do metacarpo. Fratura do metacarpo maior a nível
proximal, periarticular e de metacarpo menor. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
Tabela C 1 – Hematologia e Bioquímica do animal, com valores de referência para a espécie (Strix aluco).
36
a)
b)
Figura C 2 – Osteossíntese da fratura do metacarpo Figura C 3 – Estudo radiográfico da região do metacarpo
maior com recurso à fluoroscopia. Imagem gentilmente esquerdo após osteossíntese da fratura proximal do
cedida pelo CRAS-HVUTAD. metacarpo maior. a) Projeção VD; b) Projeção CdCr.
Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
a) b)
Figura C 4 – Fluoroscopia da região do coracóide, Figura C 5 – Estudo radiográfico após osteossíntese da
realizada após redução da fratura, com o intuito de fratura distal de coracóide esquerdo. a) Projeção VD; b)
confirmar a posição da cavilha intramedular. Projeção LL direita. Imagens gentilmente cedidas pelo
Imagem gentilmente cedida pelo CRAS-HVUTAD CRAS-HVUTAD.
a) b)
Figura C 6 – Imagem ecográfica do olho esquerdo do animal em modo B (a) e doppler de cor (b). Diminuição do
tamanho da câmara posterior relativamente à câmara anterior, indicando uma redução da PIO. No modo B observa-se
uma perda de definição da zona da retina e uma suspensão hiperecogénica na câmara posterior. É ainda visível uma
rotura da cápsula posterior do cristalino. Imagens gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
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Figura C 7 – Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, três semanas após a cirurgia. a)
Projeção VD de corpo inteiro; b) Projeção LL; c) Projeção VD da região dos metacarpos; d) Projeção CdCr da
região dos metacarpos. Há sinais de ossificação por primeira intenção em ambas as fraturas. Imagens
gentilmente cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
Figura C 8 – Estudo radiográfico de controlo de ambas as zonas de fratura, após remoção da cavilha
intramedular do coracóide e do tie-in do metacarpo. a) Projeção VD de corpo inteiro; b) Projeção LL; c)
Projeção VD da região dos metacarpos; d) Projeção CdCr da região dos metacarpos. Imagens gentilmente
cedidas pelo CRAS-HVUTAD.
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