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2019

Prefixo Editorial: 67331


Número ISBN: 978-85-67331-11-9
Título: Corpos críticos 02: Temporada de acontecimentos
Tipo de Suporte: E-book
Formato Ebook: PDF

FICHA CATALOGRÁFICA:

Corpos críticos 02: Temporada de acontecimentos.


Org: Guerra, Nadam; Wähner, Juliana; Lobato, Mana.
Rio de Janeiro: Grupo UM, 2020.
isbn 978-85-67331-11-9
1. Arte – Brasil
2. Arte contemporânea
3. Artes visuais Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Arte contemporânea : Artes visuais CDD 700 1
Anfitriã dos Acontecimentos

Mulher do Trocadinho
Mana Lobato
Dinheiro não traz felicidade, porque felicidade
tem começo e fim. O dinheiro não para de
circular entre os acontecimentos. Contudo,
ele não tem força criativa, uma vez que está
CORPOS CRÍTICOS.
subordinado ao uso. Ele afeta diretamente a
É um festival.
existência, mas isso não basta para torná-lo
Um desejo de criar comunidade.
vital. Há sempre uma instauração coextensiva
Um fluxo de acontecimentos.
aos processos de criação. A arte não precisa
Uma exposição de performance.
exaltá-lo ou rejeitá-lo. Ao contrário, tem nele
um subordinado.
Corpo é um conjunto de órgãos.
foto : Wagner Lima Crítico é o ponto limite, quando algo está prestes a mudar.
Festa é a maneira hoje possível de reunir corpos livres no exercício da alegria.
Desejo é a força que o mundo tem.
É a maneira do todo mostrar a cada órgão para onde ir.
Comunidade é o conjunto de corpos
que se reconhecem dentro de um limite, de um fluxo.
Expor é mais que mostrar.
Performar é dar vida à forma.

Abracemos este acontecimento!

Criar comunidade é essencial à vida dos corpos.


É o reconhecimento dos laços que já existem.
Precisamos um dos outros para nos alimentarmos e crescermos.
Ver, conhecer, trocar.
Refletir e espelhar-se nos outros.
Eu sou você.
Eu sou o outro.
Eu sou além.
Eu nem sei quem sou.

Estar junto é fundamental.

Reconhecer os limites e ir além.

Nadam Guerra, outubro 2019

Curadoria & Produção


Juliana Wähner Direção
Mana Lobato Patricia Bowles
EXPOAções Nadam Guerra
Guardiões da Fluidez Programação Visual Produção
2 dos Acontecimentos Juliana Wähner Manoela Bowles 3
OBSERVADORES

QUINTA 31/10 A cada dia um curador/crítico/artista/etc estará presente


Mana Lobato como observador fazendo posteriormente uma interlocução
Wallace Ferreira com os artistas.
Lara Fuke Quinta, 31/10 Ana Clara Simões Lopes
Marcela Cavallini Ruth Torralba
Beatriz da Mata
Mariana Maia Sexta, 01/11 Lídia Larangeira
Dora Selva & Mulheres Mariana Pimentel
Isabel Llaguno Sábado, 02/11 Pedro Menezes
Bia Vinzon Luana Aguiar
Apolônio Mapô
Tais Almeida Domingo, 03/11 Raphael Couto
Paula Borghi
SEXTA 01/11
Alan Athayde
Davi Benaion
Ivy Brum
COLABORADORES
Valter Lano
Vitor Oliveira Um cavalo jovem
Ana Kemper & Nathanael Sampaio Fotógrafos Ana Pose
Andrea Pech Akira Nawa
Ämarcél Amara Christina Almeida VÍDEOS
Bruna Trindade Edu Monteiro
Juliana Wähner 31 de OUT -
SABADO 02/11 Marcelo Sant‘Anna 03 de NOV
Eduarda Senise Michel Chettert 19h - 23h (ds)
Wagner Lima 17h - 23h (fds)
Marlene Souza

Jamile Ratter
Taís Baía Luz cênica João Rios
Juliana Liconti & Ed SigoViva
Nicole Gomes
Maruan Sipert
Juliana Wähner
Caio Picarelli
Davi Pereira & Isabella Barpp Renan Marcondes Protetores de Proximidade Humana
Herika Reis Kohlrausch Bernardo Stumpf Dr. Verystablegeniuslove or:
José Lucas Dutra How I learned to stop worrying,
Maria Hermeto started dancing and push the button
Veronica Vaz ENDOMETRIOSE
Nina Terra
Dora Selva Mátria
Salomão Aguiar Dora Selva & De/composition
Vincent Moon
DOMINGO 03/11 Zoè Gruni &
Clemens von Brentano Alexis Zelensky Segunda Pele
Maria Clara Contrucci & Manuela Libman Marina Sereno Corpo-VÂO
Rastros de Diógenes Vinicius Davi Transbordado
Fernanda Nicolini Ana Kemper procura-se para mergulho (ou:
Ismael Queiroz nessas paragens do vago)
Carolina Cony Eh coletivo las dos Mãos e Pés
Thales Ferreira Curto - Circuito
Violeta Vilas Boas
Giulia Barreto TRANSalgumaCOISA
Carol Azevedo Carol Brito Joanna saúda Agatha
João Rios
Eduardo Amato
João Rios & Daniel Passi

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CORPOS CRÍTICOS CORPOS CRÍTICOS
por Paula Borghi por Raphael Couto

como observadora no dia de : como observador no dia de :


( Clemens von Brentano, Maria Clara Contrucci & Manuela Libman, Rastros de Diógenes, Fernanda ( Clemens von Brentano, Maria Clara Contrucci & Manuela Libman, Rastros de Diógenes, Fernanda
Nicolini, Ismael Queiroz, Carolina Cony, Violeta Vilas Boas, Carol Azevedo, João Rios, Eduardo Amato, Nicolini, Ismael Queiroz, Carolina Cony, Violeta Vilas Boas, Carol Azevedo, João Rios, Eduardo Amato,
João Rios & Daniel Passi ) João Rios & Daniel Passi )

A amarelinha como núcleo.


De que falamos quando falamos de performance?
A primeira edição do festival Corpos Críticos aconteceu em ocasião do Corpus Christi, data que Nem sei o que sou.
celebra o sacramento do corpo e do sangue de Jesus Cristo. Palavras-chave/ anotações no caderninho que se deram na experiência do olhar: o risco eminente da
performance se repete aqui. Escrever a partir dos outros como desafio e como exercício de artista:
Se Deus fez o homem a sua imagem e semelhança, o homem fez Cristo a imagem e semelhança do artista tem que correr riscos – me disse uma vez uma amiga. Arriscamos sempre, como ao jogar
patriarcado. É por esse fluxo de pensamento que busca subverter a lógica que insiste em dominar pedras nas casas e pulá-las até chegar ao céu. Me arrisco nesse jogo de amarelinha que se pretende
nossos corpos que - ainda que não acontecendo na data comemorativa do Corpus Christi - a segunda além de casas numéricas e sequenciais - labirinto.
edição do festival segue esgarçando, tencionando e rompendo com padrões que não representam (isto não é um manifesto)
a realidade social e política em que vivemos. A todo tempo éramos lembrades que Deus é mulher, Performar é tensionar o corpo e os lugares da arte – romper com fronteiras e permitir outras camadas
negra, indígena, nordestina, trans, queer etc... É o que quiser ser. de subjetividade. Enfrentar o corpo puro que grita corre e se arrisca frente aos carros, no viver
da carne negra que nessa cidade ousa apenas ao viver. Que se arranha, se suja e se sustenta no
Por isso que Corpos Críticos é um festival com mais de 50 artistas que se apresentam em quatro caminhar conjunto no chão. Como não lembrar de Pope L e suas performances-rastejos, mas também
dias consecutivos, num total de 20 horas. A letra S ao fim de cada palavra que nomeia o evento é de Bataille e um devir-bicho que no seu dicionário vem a chamar de metamorfose? Erguemos o peito
fundamental, pois desconstrói qualquer possibilidade de um pensamento hegemônico que possa ao enfrentar a rua, mas ao lutar também nos deitamos e nos arrastamos seguindo, porém, no bicho-
ser atribuído ao corpo, bem como a ideia de performances pertencendo a uma só arte. Trata-se de coletivo. Disparo.
romper com qualquer medida que atue enquanto regra, padrão. Qual a diferença entre objeto e coisa?
Performar é enfrentar o problema no presente. É criar enquanto se performa, como escreve Marilyn
Além disso, a localização do evento chamava as pessoas da rua para performarem dentro da galeria Arsem em seu manifesto pela arte da performance. É real. Tensionar a realidade com a matéria.
e as pessoas do festival para performarem na rua. Um homem em situação de rua deixou alguns de Produzir planos de corpo e cor a partir do mover-se com uma saia. Como Helena Almeida que se
seus objetos organizados na galeria como se fosse uma escultura, uma na calçada uma mulher passou desdobra nos planos negros, muitas vezes se tornando abstrações do corpo. eu estou aqui. A veste
aos berros contando que seu filho acabara de ser estuprado, entre outras performances da vida. Havia seria então uma fusão da carne com o plano? Veste que se torna plano concreto como um colchão.
um canal aberto. O ato repetitivo cotidiano e monótono do coser tecidos até prender-se ao objeto. Ser objeto, ser
as múltiplas camadas de uma mulher sem identidade presa à cama e à costura. E que as rompe, não
Uma manifestação de corpos que “iam e vinham”; da vida privada para a pública, da performance sem dificuldade, não sem sacrifício.
das artes para a da existência, da dor para o alívio, da atuação para a sinceridade e assim por diante. Sacrifício da repetição. Movimentos em dupla, subir e descer escadas do cofre, trancar e destrancar
Presenciei o encontro de corpos em sua máxima potência, transbordando para além dos limites da cadeados e máscaras, trançar e destrançar fios arrebentados, sustentar o mover do corpo, tensionar
epiderme, evocando ancestralidades, enaltecendo a diversidade e afirmando subjetividades. um clímax que nunca acontece (as caixas de fósforos como potência e como fracasso). Existe uma
narrativa da performance?
As performances eram apresentadas uma após a outra; sem pausa para ir ao banheiro, assento Eis o ritual: sobre a amarelinha batidas de atabaque e vela de aniversário, cabeça de renda e chapéu
para repousar, espaço para conversas e ócio para o celular. Não só o corpo des artistas estavam em de planeta, grito e silêncio, fogo e água, cachaça e boldo. Um sem número de objetos dispostos ao
atividade, o corpo que observava era mantido em alerta. O ritmo entre uma performance e outra não chão. Dos mundos próximos de nossa ancestralidade negra, mas também dos rituais judaicos, há um
deixava brecha para o respiro. O tempo corria mais rápido que o cair do sol. De repente era noite, enfrentamento tenso e lírico. Nas palavras sem vogais de bandeiras e bolsas se poetizam heranças e
estávamos exaustes e muito mais vives do que quando chegamos. infâncias.
O que pode, afinal, a performance?
Seguindo a ordem das performances realizadas no dia 3 de novembro, um brevíssimo relato sobre o Defronte ao espelho, revertemos as coisas. Alice deveria pensar em parar para se mover. O corpo nu
muito que me tocou: que se expõe duplamente. Narciso atravessa o espelho com uma lanterna de LED. Há um risco doce,
um humor. Um devir-imagem transmitida ao vivo, na duração
da bateria do telefone. Do espaço íntimo do banheiro (como as loiras que nos amedrontaram na
infância) às áreas mais comuns, o espelho nunca nos deixa indiferentes. Devemos segurar a pedra
para jogá-la na casa certa?
Na amarelinha dos Corpos Informáticos só há dois números. Trata-se de uma amarelinha binária! Não
há céu, o que haverá no fim? Na amarelinha que (des-)orientou muitas ações não há números, mas
um céu redesenhado por um regador. Não que eu saiba quem eu sou, mas seria a performance esse
experimento de infinitos desejos e formas como um jardim ao fim de tantas casas?
6 7
Sobre a expressão do afeto
por Mariana Pimentel

como observadora no dia de :


( Alan Athayde, Davi Benaion, Ivy Brum, Valter Lano, Vitor Oliveira Um cavalo jovem, Ana Kemper &
Nathanael Sampaio, Andrea Pech, Ämarcél Amara, Bruna Trindade )

O que se pode perceber de um acontecimento em 15 segundos?

Este exercício de fruição e relação que materializo aqui se inspira na obra 10 seconds movies na qual a artista
Judith Barry sugere que o tempo que o cérebro humano leva para interpretar um acontecimento é de 10
segundos. Por meio de uma sequência de vídeos que são interrompidos, portanto, aos 10 segundos, Judith nos
faz exercitar o tempo e mapear o vivido. Esta obra me inspira das mais diversas formas, tanto quando estou
criando quanto quando estou assistindo.

Tenho observado e experimentado de forma intensa a interação entre pessoas e conteúdos por meio das redes
sociais. Esta interação materializa relações das mais diversas. Para além de um dispositivo especular para a
afirmação narcísica - o que elas também são – as redes sociais podem configurar um instigante locus de troca
e acompanhamento mútuo. Tudo depende do modo como lidamos com elas: se fazemos uma curadoria do
que compartilhamos e acompanhamos ou não; se de fato focamos nas pessoas cujo conteúdo nos interessa ou
se interagimos apenas por convenção social, entre outros aspectos que podemos destrinchar na continuidade
desta conversa. Por meio das redes, tenho tido a possibilidade de acompanhar processos criativos, debater,
criar, trocar referências, compartilhar impressões, divulgar artistas e ideias, de fazer crítica, curadoria, de
conhecer novos artistas, novas músicas, novos lugares, dar e ter feedback.

Mediando o tempo da interpretação de Judith Barry e os tempos múltiplos das redes, me propus uma escrita
instantânea e o registro em vídeos de 15 segundos pelo celular enquanto assistia as performances ao vivo
para, em um momento posterior, me relacionar com as memórias produzidas por estes arquivos e re-estruturar
a escrita a partir do compartilhamento das imagens e de uma produção sobre elas nos stories do Instagram.
Porque é esta a sensação que sinto ao vê-los: no desafio de lidar com um tempo de interpretação da imagem
que se divide em sucessivos cortes lacanianos. No desafio de lidar com a efemeridade que é própria da
performance, da vida.

Assim como quando assistimos uma performance de forma presencial, as reações e feedbacks dos públicos
em relação ao que está vendo também pode ser imediata no campo virtual. Ao longo desse processo de
elaboração e re-elaboração, à medida que fui postando os stories, fui recebendo retornos dos mais diversos
com relação ao festival e aos trabalhos, mesmo que dispostos numa produção sensível que dura apenas 15
segundos. Interessante também perceber as diferenças entre os dispositivos de apresentação de dança e
performance que os espaços onde elas acontecem provocam. Num espaço que não é o teatro, o público tem
liberdade de optar como, quando, onde e o quê assistir. Assim como quando optamos o quê, quando, onde e
como vamos acompanhar um conteúdo na internet.

Longe do desejo de hierarquizar o que quer que seja - o tempo, o lugar, o formato – ou de equalizar
experiências que são diferentes, o que proponho é que reflitamos mais sobre o que liga e une as coisas
do mundo do que sobre o que as separa. O modo como tais coisas se relacionam dependem da nossa co-
responsabilidade para com elas, claro, sem descuidar das questões e tensões que essas coisas trazem consigo,
sempre.

Outro aspecto que exercito aqui é a percepção de como os modos de transmitir e elaborar a memória de um
acontecimento é uma obra (de mediação) em si. As perguntas, são para manter abertas as vias de conversa
numa tentativa de seguir dilatando os encontros com os artistas e os públicos que juntes compartilhamos a
experiência deste dia. Para manter abertas as vias de conversa no desdobrar desta tentativa de elaborar o que
foi visto pela via do sensível e não pela via da escrita racional, como sempre tendo a fazer e da qual é difícil
8 fugir (vide este texto – explicação aqui). imagens dos stories instagram @ mari_pimentel__ 9
CORPOS CRÍTICOS O estrume da vida... Gigante
por Pedro Menezes São sinais de que o futuro também prolonga Roça
O que não interessa. Em quem perde
como observador todos os dias : o poder de agir.
As migalhas formam banquetes. E, então, agora imóvel
Performance quer dizer carne aberta, mesmo se a carne apodrece, mesmo sendo água, vidro, metal ou pedra. Indisposição: No mesmo lugar
A performance é exatamente o meio do caminho, onde um corpo se confunde com outros corpos, a indecisão É sintoma de saúde. Ronrona quem sente as próprias garras
arrebata os movimentos e o silêncio se transforma em berro. A arte é anterior ao homem. No corpo, ela Saindo & voltando pro corpo...
trabalha infatigavelmente e ignora os obstáculos. A morte é uma transformação da vida. A vida não é gerada, Como um parasita
ela gera a si mesma incluindo em si o não vivo. Por isso ela é artística, ela só compõe algo ao se compor com AGUAR Que ensaia a sua própria fuga.
algo indefinido e indeterminado, começando sempre do zero. O corpo é a consistência necessária para que
a arte atravesse o infinito. Pode ser uma micropartícula, um pulmão, um planeta, um desejo, uma palavra... Deslocando-se no ar,
Performar é transitar na criação de um corpo. Entre células, HIGIENE
Numa jarra,
Atravessando canos, Quem se preserva demais
AUSENTAR-SE Labaredas tostando a terra sem nenhuma explicação... Cheia de bactérias, Encontra em si
Mosquitos desviando Escorrendo na cara, Alguém que dita como as coisas são
Nem fora. Das correntes de ar... Saindo por qualquer buraco, Por medo de ser esquecido
Nem dentro. Ninguém dança porque quer, Trazendo perfumes, No instante seguinte.
Muito menos entre os dois. Todos dançam Incorporando tudo o que toca... Às vezes
A expressão acontece Sem saber. A água se expande É preciso fazer o que não se sabe
Independente de gente. A Natureza não exige equilíbrio. Cruzando mundos. Para perceber que os riscos
São puros delírios.
A rua, a noite,
O medo, a morte, PRÓTESES A GARGANTA E OS PÉS
Uma direção sem trajetória...
A névoa fica mais espessa pelas bordas. O olhar é uma invenção necessária Entre todos os nomes dados,
De repente tudo some À vida que dele faz uso. Mal dá pra notar o que não o tem.
E começa a fazer sentido. Assim como perceber, Mas há sempre um vislumbre ou uma revelação
Voar, mergulhar, De uma sensação que transborda os tamanhos
Ejacular, camuflar-se, dançar, E inesperadamente apaga
A LEVEZA DO AR Ovular, falar, sentir... A consciência.
As ações – por mais diferentes que sejam – Como se a espada
Ninguém interfere na inocência. Nascem de um desejo infinito Que rasga o mundo
Pode-se ludibriá-la Que a vida tem Alargasse também
Provocá-la de maneira espalhafatosa De experimentar. O vazio...
Construir milhares de artifícios que simbolizam algo, Livre E através desse corte contínuo
Lugares e momentos certos para os acontecimentos... De razões e pretensões. A voz que dá nome às coisas vagasse...
Para ela, tudo não passa de brincadeira. Abandonada.
Em seu território, não há nada nem ninguém. ... Como um cachorro sem dono
Apenas uma eterna brincadeira. Pequenas manchas sobre a terra Que quando encontra um
Compõem uma paisagem extensa, Está pronto para o outro.
Sem paredes Pois o que conta não é a sucessão
INSETOS Imoldurável. Mas o quanto se suporta do silêncio
Um quadro aberto E da solidão.
Impulsos dizem muito mais sobre a gente Que começa de fora
Do que nós mesmos. E não representa nada.
Decidir ANTENA
É uma flutuação do tempo. O que sobrou do esforço de toda uma vida,
Uma onda, Os frutos dos inumeráveis diálogos, Lá.
Um punhado de óleo deslizando, O sentimento mesquinho de que estamos de acordo Logo ali.
Uma bolha estourando, Como se precisássemos disso, Ou aqui.
Nuvens se formando & se dissipando, O significado que não resiste assassinar outros possíveis, Uma alma felina
10 11
Nadar em líquidos, mover em círculos
por Luana Aguiar

como observadora no dia de :


( Eduarda Senise, Marlene Souza, Jamile Ratter, Taís Baía, Juliana Liconti & Ed SigoViva, Nicole
Gomes, Maruan Sipert, Juliana Wähner, Caio Picarelli, Davi Pereira & Isabella Barpp, Herika Reis
Kohlrausch, José, Lucas Dutra, Maria Hermeto, Nina Terra, Salomão Aguiar )

Contágio, contenção e vazamentos são encenados no terceiro dia do Festival Corpos Críticos no Espaço Apis,
no Centro do Rio de Janeiro.

Em “De lá pra cá”, o corpo esbranquiçado que se movimenta diante do público, contamina sua própria pele, e
o espaço, com a matéria negra de círculos pintados ao chão.

Em “Motim Lunar”, enche-se com água um pequeno aquário de vidro que se encontra sobre objeto de
cerâmica a imitar o chão da lua, após ritual com velas, fogo, louro e cristais.

O espaço é contagiado com a força psíquica de um corpo meditativo em “meditação performativa \


performance meditativa”, em contraste com a situação social que um evento de arte gera.

Em “gotejar: experiências em medidas”, a mulher dançante ao chão transfere água por diferentes receptáculos
de vidro, uns fálicos, outros uterinos.

“Retomada” é a ação de um corpo que nasce de tecidos coloridos para, então, rodopiar em círculos,
cambalhotas e bananeira pelo espaço, até a exaustão.

As “Tarefas sagradas” contagiam compulsivamente uma dupla de moças com vestidos floridos por meio da
ação repetitiva da colagem de post-its sobre suas faces, sob o som de vozes femininas que fazem lembrar dos
excessos do autocuidado.

Certo trio em “disparo Nº 3”, incorpora fossos com água em suas gargantas que chega a transbordar por conta
dos movimentos corporais circulares e intensos, até o esgotamento, pelo espaço sombrio.

E “Quadro vivo”, por sua vez, propõe a contaminação de ações que acontecem em simultâneo, por um longo
tempo: corpo-face da loucura, corpo nu com pedregulho de ametista, dupla de corpos que desabam ao chão,
corpo a se mover quase que imperceptível por entre outros, corpo que parece desejar voltar à terra, corpo que
transforma ar em canto, corpo persona. E o contágio da rua ali, em frente, com seus seres e surpresas.

Em muitas das ações descritas, vê-se a dinâmica cíclica de corpos ofegantes, corpos-espelhos do cosmo; vê-se
o esgotamento em forma de água que vaza pela pele: suor.

Sempre que sonho com água alguém diz: “é teu inconsciente que te engole”. Se ela fura pedra dura, paro pra
beber um bom gole e desejar que nossos corpos-pedra sejam contaminados por sua fluidez.

É bom lembrar que a arte, as artes do corpo em específico, propõe relação, lucidez por contágio, alívio por
transgressão. Grata sou a essxs artistas que moveram seus corpos para moverem grandes águas, da mente e
do mundo. Um dia, no fundo do mar, que era sertão, nos encontraremos.

12 foto : Edu Monteiro 13


Abre.
Fecha.
Atravessa a rua. Encontra o outro lado do espaço.
Abre.
Fecha.
O corpo aprece e reaparece.
Gesto dançado no escuro da noite na escada,
travessia para o outro lado do espaço.
Passos que ressoam no asfalto.
Corpo de mulher que treme o chão.
Aparição.
Dançar para o espaço. Dançar com o espaço.
Desaparecer. Aparecer.
Abre.
Fecha.
Faz dançar o olho da noite no escuro
Faz dançar a rua.
Convida o olhar da moça na janela.
Atravessa os passos costumeiros,
cria buracos no espaço, cria espaço.
Faz dançar a rua.
Abre.
Fecha.

Observadora : Ruth Torralba

coisas mais
importantes que a verdade
Lara Fuke
Uma performance que investiga a dualidade, os conceitos opostos
e os paradoxos. Tentativa e erro, a insistência, o sim e o não, o
controle e o descontrole, abrir e fechar, a verdade e a mentira,
acende e apaga, o certo e errado. Suas movimentações sugerem
uma lógica de continuidade, como uma espécie de engrenagem.
Cotidiano, efêmero e vertiginoso.
foto : Christina Almeida
14 vídeo : Michel Chettert 15
gata esportiva
Pulsa e ressoa ritmo de dentro do corpo no ritmo fora do corpo.
Pulsa a carne.
Sua o corpo.
Pulsa. Vibra. Sua.
O som que entra no corpo, mexe as tripas, vira rimo,
Wallace Ferreira
suado, pulsado, vibrado. Desejo de mover, as estruturas, o mundo, as verdades,
Atmosfera sonora que pulsa o corpo, que pulsa o espaço, as vontades. emburaco nas possibilidades de um
que molha o espaço. Escorre. corpo que se recusa a permanecer. um par de tênis.
Loiríssima. deboche. uma inquietação que não dissolve.
que tudo se acabe dentro de mim, antes que qualquer
Observadora : Ruth Torralba
movimento faça algum sentido.

vídeo : Michel Chettert

som em loop
movimentos sincopados
corpo que dança sobre um pedestal
mesmo fragmento de som
mesmo fragmento de movimento
esforço repetição suor
esforço como desejo
desce para o chão
movimentos se tornam mais abrasivos
mãos erguidas
mesmo que agora estejamos na mesma altura
esse é um movimento ainda não convidativo
movimentos se tornam estacados
contidos
tão logo lentos
represam certa urgência
agora, novamente mais rápidos
de alguma maneira ainda contidos
me remetem aos movimentos que
observo naqueles que dançam
– movimentos clubber
o transe
deita-se
momento de contorção
movimentos sinuosos
observo a marca de suor no chão
rastro e movimento do corpo
finalmente imóvel
sentado, apenas respira
observa-nos
sorri

Observadora : Ana Clara Simões Lopes

16 17
Adentrar o espaço quadrado. Restringir o espaço com o quadrado.
O corpo se restringe ou se recria no quadrado do espaço?
O quadrado cria linhas no espaço.
Espaço partilhado por um corpo que se ‘regua’, se resguarda e guarda o espaço,
criando tantas outras linhas no espaço.
Corpo-espaço: geometria afetiva.
O cheiro bom do pó de café. ao cubo
O pó desenha círculos no quadrado do espaço, mancha a pele, o tecido branco,
a roupa e o corpo manchados pelo escuro do pó. Invadem o espaço outras linhas, Bia Vinzon
outras sensorialidades, outras intensidades.
Criar espaço dentro do espaço restrito do quadrado. Multiplicar o espaço.
Investiga o espaço enclausurado da vida
urbana feminina. O corpo é cercado por
obediência. Será possível ultrapassar o
perímetro que nos aparta da liberdade? 
Observadora : Ruth Torralba
18 foto : Juliana Wähner 19
uma que veste uma roupa na outra Proposição para vestir uma roupa que protege
prende na mesma facas um corpo de mulher da rua, do violador,
esta agora posa do mundo dos machos.
uma espécie fabulada de porco espinho A faca que aponta e protege
irreparavelmente cortante é cravada na carne.
que sorri Como suportar a dor de ter que se proteger
e dança para viver e sair às ruas e mover o mundo?
atravessa a rua Corpo armadura. Corpo arma.
“se fosse andar até a central Corpo que ama a rua.
já ia protegida”
junto aos homens acena
“vem mexer”
Observadora : Ruth Torralba
Observadora : Ana Clara Simões Lopes

em busca da deusa canibal


Marcela Cavallini
Uma escultura performática em caminhada pelas ruas e
que, em si, poderia ser considerado uma arma itinerante.
Evidencia efeitos de proteção que podem gerar um
afastamento do contato com o mundo e com o outro.
Um corpo-armadura.

20 foto : Christina Almeida 21


Vitalidade que vem do quadril,
da força do centro, do chão.
Bacia que jorra, vibra, estremece...
Contágio elétrico entre os fluxos.
Excitação vital que vem do útero,
da vagina,
do buraco-caverna do bicho fêmea.
Acorda a serpente do corpo-fera.
Vaza para o chão. Cheia.

Observadora : Ruth Torralba

cheia - versão multiplicada


Dora Selva & Performers convidadas: Gabriela Faccioli,
Lara Fuke, Lis Kogan, Luiza Paranhos,  Nicole Gomes,
Thainá Iná  + Yasmin Zyngier, Bárbara Tavares, Isabel
Scorza, Luana Bezerra.
CHEIA é vazante maré fertilidade violência fecundar parir
entregar abençoar cercar proteger iluminar banhar rebolar
tremer vibrar incorporar ovular sofrer. É sobre ser movida
por uma força, sobre o poder do próprio corpo, o poder
das ancas, o movimento do mundo, a espiral cósmica, a
circularidade. Deusas, rainhas, entidades, elementais,
carne, natureza, energia, transmutação. O corpo como
ferramenta política.

22 foto : Michel Chettert foto : Christina Almeida 23


mãe do entardecer
Mariana Maia
Uma performance onde o vento e a tempestade
não param. O som do trovão preenche o espaço. A
performer ergue um guarda-chuva vazio para lutar
contra as terríveis forças que agitam os céus. Os
fardos carregados sobre a cabeça são substituídos
pelo guarda-chuva. Símbolo de status, civilidade,
posse sobre seu próprio destino, arma que ameaça e
que a torna alvo. Equilibrado na ponta dos dedos, ele
traz a tormenta em um copo. A mãe do entardecer
guarda a chuva em seu corpo e conta histórias de
pranto e saciedade.

foto : Michel Chettert

Aguardar o tempo.
Guardar o tempo.
Resguardar-se no tempo.
Encontrar no tempo de hoje
um tempo de outrora.
Encontrar no tempo, tatear o tempo.
Encontrar no tempo um templo para estar:
estado de contemplação
e criação de outros tempos.

Observadora : Ruth Torralba

24 25
Uma dança toca repetidas vezes.
Um corpo dança incessantemente.
As luzes coloridas de boate fazem dançar
o espaço, criar fluxos luminosos e nos levam
para outro lugar, outra língua, outra cidade.
Tão longe e tão próximo.
Ela dá longos tragos de pinga
e nos oferece também a cana.
A letra da música ressoa na pele da espaço,
a letra da música rasga o espaço:
“Matá-la. Matá-la. Matá-la”.
“Si um hombre está triste sólo pueder
ser por maldad de uma mala mujer”.
E ela dança. E ela sua. Ela bebe.
E ela enlouquece.
“Matá-la. Matá-la. Matá-la”.
E ela bebe. E ela dança. E ela sua.
E Ela provoca. E ela vive. E ela insiste.
Não morre. Não aqui. Não agora.

Observadora : Ruth Torralba

mala mujer
Isabel Llaguno
Este performance que descontextualiza dos canciones populares que
han sido coreadas, bailadas y disfrutadas por varias generaciones
latinoamericanas. Esta obra investiga los sistemas de naturalización de la
misoginia en la representación del amor, el deseo y la seducción.

26 vídeo : Michel Chettert 27


søunøs
Beatriz da Matta e Giulia D‘Aiuto
Retratar nós, e o verde no corpo que cicatriza
as marcas do entregar-se ao abismo de outre,
pendendo-se por um fio. Dança de nós vermelhos
que se enveredam e deixam marcas. Os nós
aproximam os corpos. Os nós entrelaçam os
corpos. Os nós apertam os corpos. Apertam-se
em gozo infinito até arrebentar os nós.

foto : Rodrigo de Freitas

Seus corpos nus nos envolvem por fios de barbante. Conduzem-nos,


carregam nosso olhar, tecem fios de conexão entre nós. Seus corpos tecem
caminhso de encontro, modos de mistura: se perder e se encontrar na
pele-espaço-do- encontro. Seus corpos dançam entre suas peles e a pele
do espaço, cria atmosferas de contato que borram o espaço. Silenciosa,
erótica, suave, serena e contínua trama de mistura.

28 Observadora : Ruth Torralba 29


Espada de São Jorge, Ogum,
Iansã, lança, limpeza, proteção,
coragem
mulher que o veste
com máscara de exu
permissão para começar
Ser tomado
Chifres
Lança
Mira
Buracos
corpo cavalo
Distorção do som e da imagem
sapatos e camisa branca revelam
o humano que há no homem
bicho

O peso do corpo que


vai ganhando a vertical
a espada que se vai
quebrando com a intensidade
o suor
a respiração
uma dança de balanceado rítmico
círculos triângulos

Referências não colonizadas –


signos descoloniais

Sai a mascara
Saem as espadas
A mão segue agindo
O peso segue conectado
com o chão ancestral
O corpo no centro do espaço
O fim não é apoteótico.
Tudo é apoteótico

Entra a mulher de preto


Vejo o contrabaixo
de outra mulher
não binárias
Olhos para o céu a serempentear
Movimentos aterrados, candomblé. Girar
Sagrado. Fechar olhos e ouvidos
Espada de São Jorge. A delicadeza das mãos
Sombra, vários duplos. Confiança
Projeção da coluna vertebral,
extensão de opostos, céu e raízes. Ganhar o espaço - Dançar com
Som que pulsa junto. Alguém me avisou pra pisar
Escravidão/ algoz/ degolação. nesse chão devagarinho

urubu
Partilha partes de si com o público. O peso do quadril e dos pés
Há uma projeção atrás, analógica, de formas no chão levam ao centro da Terra
Alan Athayde geométricas que interagem com o corpo, com o som Potes pinturas (rupestres?)
e criam um ambiente instigante, místico, misterioso. Desenhos ancestrais
É uma performance no olho do céu, luz preta, mar que Entra outra figura. Outra persona. Ela sai do público. Geometrias do espaço
é som, estelar. Madrugada é a pele da noite, o tempo Uma Orixá. Maria Padilha. Oxum. Ouro. Solidez do gesto - Solitude
trocado. Jardim América, Itaipuaçu, bairro do Rocha, Lapa. Ela lacra. Ela fecha. Ela está de preto. Ela é. Elexs Máscaras
A dança de Alan Athayde é acompanhada pela música são. Corpo translúcido que
de Antonio Brito e Flavia Goa com direção de arte de Aline deixa ver outros corpos.
qual a relação entre estas duas figuras? Máscaras animais
Besouro.. quais os mundos elas criam juntas? demônios não humanos...

30 fotos : Juliana Wähner Observadora : Mariana Pimentel Observadora : Lídia Larangeira 31


Retilínex, linhas retas, vertical
Longilínex, linhas longas,
prolongamentos
Leve tremor nas mãos
Não tão leve assim j f h u i r g h j
e a hj d fg u y g ts h f k d h g ur u g
we o s u v h o i g eg o w u re g . . .
. . . ..
Eu vejo o corpo de costas a o
reflexo desse corpo de frente
É uma imagem, uma escultura,
um acontecimento
O corpo pinga, oscila baba
Os braços sobem, as mãos
chegam na cabeça.
Kazuo Ohno
Agora anda pra fora
Na rua corpo nu
Passa pelos homens, atravessa a rua
Churrasco - carne assada
Caminhada sobre saltos
Pulsação respiração expansão e
recolhimento
As mãos: um estado um transe
Ritmo
Avesso caminhão de lixo
Esgarçamento
Um desfilar
A cadeira - arriscar

fauno É preciso acompanhar, cuidar.


jiu jitso olha pela janela
A voz, retorno.
Davi Benaion Os cílios piscam. É lânguido,
macio e suave.
Movimentos sobre sapatos de salto alto. Corpo. Os olhos cruzam nos olhos.
Arrisco. Enquanto atravesso impressões de Olhos nos olhos.
sensualidade tenho em mim o fauno de Nijinsky e Cabaré
performances sobre cadeiras de cabaré. Ofereço- Kazuo Ohno
os neste imaginário onde atrelam-se dicotomias: A cabeça inclina, seduz e oferece.
Prostituição, venda, sexo.
minha carne e as representações excludentes Mercado, gratuidade, prazer.
da normatividade, ou as minhas expressões e as Escancarar o que é exposto
repressões da norma. São sítios que me envolvem intimamente.
desde a infância. Neste trabalho proponho criar Uma sexualidade contrasexual,
novas espacialidades e subjetividades a partir do Uma política do cu. O buraco
do cu não causa escândalo.
entrelaçamento performer-público-obra-cu que se dá Ele dança como um Baba, movimentos sutis, somático.
de forma única em cada acontecimento de FAUNO. músculo do corpo. Contraponto da
O fauno é um estado de presença Força do corpo com a sutileza e a sugestão.
fotos : Juliana Wähner Ele me causa embriaguez O corpo trabalhando, o corpo em trabalho,
A abertura, o corpo em suspensão em contraponto
um buraco para o mundo. com o movimento da rua.
Uma pornografia contracoreografica Dança individual, para o outro.
Fora das construções hegemônicas Relação corpo - cidade - outro.
Uma pornografia necessária pra Detalhes, plano da sugestão.
desmarcarar as hipocrisias Fluidos do corpo.
Auto massagem Dança necessária e delicadamente afrontosa.
Íntimo publicizado.
O constrangimento cúmplice dos Enquanto o Fauno dança dentro – fora,
presentes que tem cu. pessoas o observam de suas janelas.
O olho que não desvia
Isso é sem música quais as reações que mais te marcaram?
E fim o que você sente que recebe do outro?

32 Observadora : Lídia Larangeira Observadora : Mariana Pimentel 33


O couro abre os caminhos. Reverenciar, saudar, confiar Cabelo sempre cobrindo o rosto.
Ritmos passeantes que mobilizam meu sangue Como a máscara de uma Orixá.
Os ombros respondem. Uma dança que faz volver o chão ancestral. Um olhar de dentro, para dentro mas
Uma dança que escava vísceras e peles. que se funde com o resto do corpo
A pele é couro Escamas, membranas, que está para fora.
Fragilidade e força se apresentam no corpo em Movimentos desconstruídos,
Corpo rasteiro dedicado ao som paradoxo... fragmentados, no chão.
Aos poucos, fica de pé.
Cabeça pro chão. Sem rosto. O trabalho me pergunta sobre a força situada Uma travessia entre terras e céus.
entre o corpo carne e o corpo raiz.
Serpente qual a origem do estímulo deste
O trabalho convoca poéticas contracoreográficas. trabalho?
Animal o que ele materializa como relação
O trabalho me pergunta sobre como terminar. com os públicos?
Sem rosto
Observadora : Lídia Larangeira Observadora : Mariana Pimentel

aráyé
Ivy Brum
Aos corpos moventes partilhando do profundo
prazer de ser/estar em corpo. Corpo feito das
raízes da terra, atravessado por oceanos de
histórias. Transformado a fogo e levado pelo
vento. Corpo feito e refeito, desejoso. Arayé se
faz no corpo habitado de si em diálogo com as
forças materiais que o ocupa. Corpo encontrado
nos caminhos cruzados de Exú, que ao corpo e
pelo corpo se compartilha, multiplica-se, mistura,
se funde, cruza-se e se constrói. 
Integrantes : Victor Garcia e Nathalia Leite

34 foto : Akira Nawa 35


Linhas, falas. memória do que não vi.
fluxos.
Franz Fanon deixar ir.

O dono da casa sou eu. linhas de coexistência.


exercício de estar junto.
Privilegio Branco. Corpo feminino partilha.

Corpo masculino indígena o que percebem em vocês deste exercício de


convivência e relação?
O espelho das mãos refletindo no teto o que percebem nos outros enquanto materializam
este exercício de convivência e relação?
Fugas
Suítes Observadora : Mariana Pimentel
Existe a aldeia Maracanã.

Que dor - Há Hitler


Ancestralidade.

Há Hitler em todas as esquinas e entranhas da minha


branquitute.
Nostalgia de uma aldeia roubada, violada, perdida.

Uma dor que dói da frente pra trás.

Uma politica do encontro

Uma teia
Uma rede
Interlúdio

Minhoca
Uma rede antropofágica
Espelhos
O que se vê, o que reflete,
o que me vê, o reflexivo, o visível.

Cabeça no chão.
Mãos espasmódicas.
Saudar,
reverenciar,
respeitar,
entregar.

Confiar

Observadora : Lídia Larangeira litania para um filme


que não sai do papel
Ana Kemper & Nathanael Sampaio
É uma performance criada a partir do interesse na
união dos corpos indígena e branco e da quebra
da separação individualista que é imposta por
uma sociedade capitalista neoliberal. @s autor@s
acreditam na potência de criação através da
união desses corpos, capaz de abrir uma brecha
performativa que possa interferir e agir alterando
a lógica individualista do capitalismo neoliberal.

36 foto : Juliana Wähner 37


Um homem queimando
dramaticamente uma escultura que
parecia um bicho.
Medo.
Drama.
Rabos de tatu.

Dois ambulantes me perguntam o


que está acontecendo. Se é arte.
Eu pergunto o que eles acham
que é. Eles dizem que sim. Depois
eu também digo que sim. E conto
o que é belo - sobre algumas performances que
vi naquela noite.

transitoriedade
Pergunto a eles o que acham disso
e se são do Centro.
Eles dizem que acham importante,
apesar de não conhecerem muito
Valter Lano
do assunto.
É uma performance inspirada em um dos textos Não são do bairro. Estão
do neurologista Sigmund Freud (1856-1939). O trabalhando.
personagem diante da dificuldade de aceitar Convido-os para ficar.
as leis naturais que regem a nossa existência, Não podem.
Precisam trabalhar.
mergulha no luto da mente para investigar sua
Convido-os para voltar.
negação.
O quê (te) queima?

38 foto : Akira Nawa Observadora : Mariana Pimentel 39


fluxo de lágrimas e de dados para assistir do Instagram: @a.pech.
celebridades instantâneas
temporariamente autoproduzidas jogo entre o corpo do real e o virtual
O Vivo e ao vivo entre a relação com o público que
Vivo quase ao vivo está presente e o que está nas redes
O atraso virtual como tempo real o ato de chorar
Narciso-voyer enquanto estamos sempre felizes
o virtual
O cortejo entrou ganha contornos de relação e criação
Os aparecidos e desaparecidos sim,
Os apagados e silenciados é possível sentir, conhecer
Nas redes todos somos o homem branco e se conectar pelas telas (?)
“descobridor” das américas querendo as Índias. sim,
Todo o povo originário é “índio”. é possível produzir múltiplas presenças (?)
múltiplos
A vulnerabilidade expositiva modos de ver
O espelho de narciso não é o lago... de dentro, de fora,
A exposição pixelizada que dá ver o outro vendo
existência ao ser no mundo. na tela
A lágrima que escorre no na carne
rosto virtual emociona mais...
A presença aparece no depois. como tem se dado a interação
virtual dos públicos neste trabalho?
Permanente buraco entre o vivo e o ao vivo. como a performance se relaciona com
Alguém “entende tudo” ao meu lado: ahhhhhh o tempo no que tange à produção de
Marina Abramovich, o artista esta presente... registro, arquivo e memória?
Outro alguém “Sem piscar é fácil chorar...”
Observadora : Mariana Pimentel
Tempos em que a dor é
espetáculo banalizado.
O céu chora.
As tuas lágrimas convocam a chuva.
Eu me comovo com as lagrimas da noite.
Contágio
Cansaço

Alguém se coloca depois de você e a câmera


Alguém reenvoca o artista esta presente
Você não vê
Você engole saliva. Eu posso ver o replay.
Alguém (homem) te acha serena.
Eu te acho triste de uma tristeza profunda.
De uma tristeza que é minha e
que só conhece corpo de mulher.

La fora tem um corpo que treme de frio...


Eu posso olhar pra fora, mas você não.
Lá fora tem chuva e rua e corpos e carros, mas você
só vê sua imagem refletida em você mesma. stream
A serpente que Andrea Pech
come o próprio rabo. Stream: do inglês córrego, riacho, correnteza.
Ouroboros
A palavra remete à tecnologia de transmissão,
que envia conteúdos multimídia através da
transferência de dados utilizando redes de
computadores, em especial a internet. A
performance é um fluxo de lágrimas e de dados,
Observadora : Lídia Larangeira que acontecerá no espaço do evento e no espaço
virtual.

40 foto : Akira Nawa 41


Uma corpa Dedos comunicam
Um mini palco Entendo pouco do áudio
Um tablado flamenco
Uma corpa que expõe Ainda estou antes, muitas imagens
Que subverte com muita força, prévias me assombram, intensidades
presença, potência e engajamento não integradas, não digeridas.
Pomba gira do acontecimento
Corpa manisfesta Vejo um Corpo condição de mulher
Corpa - mulher – bicho
Animalizar é preciso Um drama clássico da mulher mãe
Selvageria gritante e amorosa
Como re (existência) Estocadas fálicas
Nos pés, o coração A polícia passa na rua e dispersa
A polícia é uma palavra feminina,
Quais os lugares habitam o seu coração? mas a sua violência não.

Observadora : Mariana Pimentel Sutian de amamentação


Robotização, repetição, mecanicidade
Regência
Saculejo vibratório
Corpo disciplinado
Corpo de enfrentamento
Violência
Mulher bicho
cavalo cadela
Besta fera
Intensidade.
Experimentação

Palavras que viram música

Sons que lembram palavras

Pernas abertas, joelhos dobrados.

Corpo vulnerável.

Corpo violável.

Corpo de parir.

Parto

Observadora : Lídia Larangeira

um drama classico
de coração
Ämarcél Amar
Trajeto humano-social para pertencer e merecer
o Amor. Ela.
A sensação de impotência e fracasso, o deboche
triste ao dramalhão da vida. Veias conectadas ao
chão e nos pés o coração. A imaginação é guia
para „Um Drama Clássico do Coração“.

42 foto : Juliana Wähner foto : Zozio 43


a mulher que
Objetos manipulados criam um ambiente Perversa separação ser humano -
natureza
O corpo está inerte Levantando-se percebe : qual foi o

Uma voz se levanta das profundezas.


Paragem e ainda assim andar
Parar não por obrigação.
mundo construído pelo público? E
é lidando com esse mundo que a
virou planta
Uma voz forte. de força de mulher. Uma presença intensiva. mulher planta vai fluindo.
Uma lentidão viva. Pinta o rosto, devir-sendo planta Bruna Trindade
O bule, o vestido, o salto, a pérola: Parar para suportar a agitação do mundo. „Estamos o quê mesmo?“. Uma mulher resolve parar. Sem se sentir em falta com
signos de uma sociabilidade feminina Paragem como um levante contra a Pergunta ao público. nada ou com ninguém, sem querer se recortar do
domesticada. mobilização ininterrupta. „Porque eu tô ficando tão afiada?
Uma paragem que conduz às raízes Para perfurar o quê? „
fluxo da vida. Simplesmente parar. Humana, poderia
Uma beleza insistente Devir planta de uma devir mulher. Uma coleção de equilíbrios ainda comer, cantar, dançar… Mas quais seriam as
Uma ontologia mais lenta Uma planta exuberante. Samambaia, precários. consequências de viver a vida decidida por essa
Um vegetal aprisionado em corpo Uma árvore frondosa. ipê, mangueira. Viver através da paragem. E da paragem? Uma performance livremente inspirado no
humano. Depois de a mulher que virou planta as re-paragem. livro “A vida das plantas: uma metafísica da mistura”,
Boneca, delicadeza e força. árvores nunca mais serão as mesmas. Uma mulher precisa parar.
Enquanto a Terra gira
de Emanuele Coccia. A peça propõe uma experiência
Estamos fudidos de cansaço, de veneno, A resiliência das plantas e das mulheres. Pelo seu grande poder. de imersão na radicalidade que é estar-no-mundo
de propaganda, de farmácias, de regras, Lembro das árvores mulheres frondosas que por meio desse devir-planta. Assim, conceitos como
de violência, de polícia, de coreografias resistem aos machados e renascem mesmo cena, dramaturgia e trabalho autoral são repensados
de sociabilidade, de sexualidade quando muito machucadas da “Ciranda das Como acontece a experiência do a partir de uma lógica vegetal, dando lugar a noções
domesticada, de vidas secas, de vidas não Mulheres Sábias”... corpo quando a palavra é também
Mulheres que são velhas enquanto movimento e quando o movimento
de espaço, atmosfera e convivência.
vividas.
jovens, e jovens enquanto velhas. é também palavra?
Peitos fartos nunca machucam
44 secando, perfuração Observadora : Lídia Larangeiraa Observadora : Mariana Pimentel foto : 45
de lá pra cá
Em “De lá pra cá”, o corpo esbranquiçado que se movimenta
diante do público, contamina sua própria pele, e o espaço,
com a matéria negra de círculos pintados ao chão.
Marlene Souza
Dança improvisada. Início: “De lá“; Com o Observadora : Luana Aguiar
corpo coberto de branco, uma movimentação
um andar continuo e fluido, que vai de um
ponto ao outro da sala da forma mais lenta
possível em direção a surpresa do encontro
na chegada, o “pra cá“.

foto : Allan Corsa

46 47
meditação
performativa \
performance
meditativa
Eduarda Senise
Ação crítica sobre o hábito do movimento-
pensamento; clareza mental diante da
superestrutura da atividade cognitiva; ato de
concentração de espírito para a execução de uma
tarefa; A artista se propõe a meditar em estado
performativo\ performar em estado meditativo
no alto de uma escada para o nada até quando
se fizer necessário; manipulando alguns objetos
como provas de realidade e memória do lugar
precário \ de pertencimento que a corpa ocupa.

foto : Allan Corsa

O espaço é contagiado com a força psíquica de um


corpo meditativo em “meditação performativa \
performance meditativa”, em contraste com a situação
social que um evento de arte gera.

Observadora : Luana Aguiar

48 49
motim lunar
Jamile Ratter
Motim Lunar é uma instalação viva que remete ao
ambiente lunar e busca estimular a memória humana
para o encontro com saberes de nossos antepassados
que relacionam a vida na Terra com nosso satélite
natural. A proposta é convocar novos campos de
expressão revisitando conhecimentos ancestrais,
a partir do experimento de diferentes materiais e o
estudo da natureza terrestre e dos astros.

foto : Allan Corsa

Em “Motim Lunar”, enche-se com água um pequeno aquário


de vidro que se encontra sobre objeto de cerâmica a imitar
o chão da lua, após ritual com velas, fogo, louro e cristais.

Observadora : Luana Aguiar

50 51
gotejar : experiências
em medidas
Taís Baía
O corpo em causa é o de uma mulher. Corpo que em sua
busca por espaço acaba por construí-lo de forma mútua.
Corpo, espaço e imagem. A ação sustenta os afetos dessa
construção em cada movimento, troca, respiração. O fio que
liga é a água, este líquido que conecta sem ser passível de
apreensão: liberdade.

foto : Allan Corsa

Em “gotejar: experiências em medidas”, a mulher dançante ao chão


transfere água por diferentes receptáculos de vidro, uns fálicos,
outros uterinos.

Observadora : Luana Aguiar

52 53
As “Tarefas sagradas” contagiam
compulsivamente uma dupla de moças
com vestidos floridos por meio da
ação repetitiva da colagem de post-its
sobre suas faces, sob o som de vozes
femininas que fazem lembrar dos
excessos do autocuidado.

Observadora : Luana Aguiar

tarefas sagradas
Juliana Liconti e Ed SigoViva
Dois corpos femininos escutam mensagens de viés
terapêutico. A medida que as ouvem grudam pequenos
lembretes que vão cobrindo completamente os rostos
provocando um excesso de atarefamento que sufoca
ao invés de libertar, como um infinito check-list que
nunca é alcançado.

54 foto : Allan Corsa 55


retomada
Maruan Sipert
A permanência de algumas estruturas que
aniquilam as possibilidades de futuro. destruição
de fantasias, terrorismo realista, não utopia. a
importância das fabulações porque mover é criar
espaços. desaparecer na própria linguagem,
alimentar mistérios.

foto : Wagner Lima

“Retomada” é a ação de um corpo que nasce de


tecidos coloridos para, então, rodopiar em círculos,
cambalhotas e bananeira pelo espaço, até a exaustão.

56 Observadora : Luana Aguiar 57


A boca devora o mundo. A boca buraco do corpo.
A boca abertura ao mundo. Devora.
Não para de devorar coisas, gentes,
pensamentos, sensações, sons, comida.
A boca também segura cosias, puxa coisas,
sustenta coisas, pega coisas, repele coisas.
A boca nos une as coisas, nos separa das coisas.
Boca que morde o mundo.
Pela boca o mundo entra no corpo.

Observadora : Ruth Torralba

disparo Nº 1
Tais Almeida, João Rios,
Victor Oliveira Um cavalo jovem, Nicole Gomes
Provocação: Taís Almeida
Zonas de perturbação. Urgências em um tempo onde as coisas não tem paz. Masturbação de
práticas para devorar e ser devoradx. Zonas instáveis produzem espaços selvagens de ataque e
recepção mútua com o mundo. Uma ânsia desejante e necessária para pôr-se entre as relações
possíveis e não se ausentar delas.

58 fotos : Juliana Wähner 59


Corpxs na horizontal, unx em cima Primeiro é o peso!
dx outrx, numa troca de fluidos O impacto do contra. Do um contra
entre as bocas que se tocam. o outro.
Numa troca de ar e respiração. A permanência. A presença.
Num movimento de dar e receber
simultâneos Depois ausência e presença em
Dar e receber ar outro lugar.
Me empresta um pouco de ar
Que te retribuo de imediato Dois. Respiração contra respiração.
Nossa saliva é o nosso alimento
E enquanto nos damos ar, nos Depois presença em outro lugar.
cuidamos
Seja onde for Começa a chover, a água escorre e
O teu ar os corpos permanecem.
é o meu ar Uma pulsão de morte. Paralisação
abnegada. Transe hipnótico.
Corpxs que ocupam espaços A Imagem é icônica em sua duração
Chuva, poesia de estar, e permanência.
que suspende o mundo
estamxs Resistencia e desistência
poesia de resistir ao que está aqui
e agora Esgotamento. Limite. Afeto. Apoio.
entregues Mãos com mãos. Ninguém solta...
firmes
juntes Término e recomeço.

como esses corpxs se deslocam O que podem nos provocar esses


pelo espaço? corpos à prova de chuva, à prova
que espaços elxs deslocam? de chão, de rua, de dor, de peso,
em tempos em que tudo e todes
Observadora : Mariana Pimentel estão à prova?

Resistências. Resiliências. Manter-


nos vivas e vivos e vives...

Poder desistir para NÃO


SUCUMBIR.

Pequenas mortes para parir novas


pequenas vidas.

Obsercadora : Lídia Larangeira


disparo Nº 2
Tais Almeida, João Rios, Nicole
Gomes, Victor Oliveira Um cavalo
jovem
Provocação: Victor Oliveira - um
cavalo jovem
Zonas de perturbação. Urgências
em um tempo onde as coisas não
tem paz. Masturbação de práticas
para devorar e ser devoradx.
Numa aparente quietude ainda
que selvagem, como negociar
condições de existências com outro
corpo?

60 fotos : Juliana Wähner 61


disparo Nº 3
Tais Almeida, Victor Oliveira Um cavalo jovem, Nicole Gomes.
Som: Luisa Lemgruber
Certo trio em “disparo Nº 3”, incorpora Direção e concepção: Nicole Gomes
fossos com água em suas gargantas Zonas de perturbação. Urgências em um tempo onde as coisas não tem paz.
que chega a transbordar por conta
Masturbação de práticas para devorar e ser devoradx.
dos movimentos corporais circulares
e intensos, até o esgotamento, pelo fosso. uma coisa é carregada e carrega. ela não cabe e vaza. escorre ocupando
espaço sombrio. outros entres. são muitos afogamentos e vez em quando transborda.

62 Observadora : Luana Aguiar foto : Akira Nawa 63


disparo Nº 4
Com uma música dramática, corpos se
embaralham no asfalto e intercalam o direto da
pequena morte. Na vez da morte de cada umx,
estx é carregado entre elxs. Com essa mesma
ação, percorrem um quarteirão ou um século.
Tais Almeida, João Rios,
Victor Oliveira Um cavalo jovem, Nicole Gomes,
Observadora : Paula Borghi Wallace Ferreira- Patfudyda, Daniel Passi
Direção e concepção: João Rios
Zonas de perturbação. Urgências em um tempo onde
as coisas não tem paz. Masturbação de práticas para
devorar e ser devoradx.  Confrontar proximidades
que nos fazem investigar, qual presente podemos
acessar carregando esse corpo?

fotos : Juliana Wähner

64 65
quadro vivo #03
A concepção de Juliana Wähner reúne obras de Caio Picarelli, Davi Pereira & Isabella
Barpp, Herika Reis Kohlrausch, José Lucas Dutra, Maria Hermeto, Nina Terra,
Salomão Aguiar e da própria Juliana.

Performance instalada, que também pode ser chamada de obra duracional, onde não
importa em que momento o público chega para ter contato com a obra. Serão 3 horas
com 8 trabalhos de artistas/corpos acontecendo no mesmo espaço ao mesmo tempo.
Imersos e entregues com suas próprias pesquisas a essas condições. Tempo, espaço e a
alquimia entre corpos. Nesses estudos, cada um dentro da sua matéria vivem um nascer
e acordar de suas essências individuais e
ao mesmo tempo são os elementos que
compõem o quadro “vivo”. Os visitantes
são convidados a desenhar, circular pelo
espaço entre os Artistas, questionando
seus limites, além de testemunhar a intensa
experiência do Performer de perto.

foto : Wagner Lima

E “Quadro vivo”, por sua vez, propõe a contaminação de ações que acontecem em simultâneo,
por um longo tempo: corpo-face da loucura, corpo nu com pedregulho de ametista, dupla de
corpos que desabam ao chão, corpo a se mover quase que imperceptível por entre outros,
corpo que parece desejar voltar à terra, corpo que transforma ar em canto, corpo persona.
E o contágio da rua ali, em frente, com seus seres e surpresas.

66 Observadora : Luana Aguiar 67


sola de amianto
Caio Picarelli
Como ser Carne? Quais as possibilidades
metamórficas do corpo? Devir-árvore;
devir-fera; devir-feto. Ser engolido pelo
útero primordial. Sola de Amianto propõe
a exploração do corpo através das
constantes metamorfoses geradas pelo
contato direto com o espaço, corpos,
vozes, forças. Entregar-se ao universo
interno que respinga, transborda toda
fibra e porosidade da Carne. Destituir a
racionalidade castrada, entregar-se ao
Corpo-Carne.

foto : Wagner Lima

68 69
levante
Davi Pereira & Isabella Barpp
O corpo como combustível para fazer emergir a
esperança e as utopias nas frestas da barbárie.
Levantar, de novo, quantas vezes for preciso.

foto : Wagner Lima

70 71
devir nuvem
Herika Reis Kohlrausch
Devir nuvem vem da descoberta de
um corpo que se forma e se deforma
na difícil possibilidade de ser um
pouco de tudo, se transpassando
por si e pelos afetos deixados por e
em cada outrx.

72 foto : Wagner Lima 73


I am Richard
José Lucas Dutra
O espetáculo e o aplauso só existem devido
ao Richard. Sua responsabilidade é estar
em tudo e em todos. O ímpeto de propiciar
o prazer instantâneo no entretenimento
absorvidos nos corpos “humanos”. Richard
invade os organismos como vírus e assim
todos buscam olhar aquilo que os alimenta e
que os devora: a imagem.

74 foto : Wagner Lima 75


terra
Juliana Wähner
Quando o ser humano fica velho a mãe terra puxa a matéria, o nosso corpo, de volta
pra terra. Viemos e voltamos nela. Somos terrestres. Tudo que tem em nosso corpo tem
na terra. Essa força elementar é casa de raízes que aí crescem, se nutrem e entre eles
se comuniquem como uma só mente. Mãe terra, um pólo de sucção, pólo centrípeto e
receptor. No Xamanismo uma forma de curar-se ou revigorar suas energias é se enterrar.

foto : Wagner Lima

76 77
contorno
Maria Hermeto
Existem algumas maneiras possíveis de entender nossos
limites. Ou nos de-limitar. Nem tudo o que delimita, precisa
limitar. Volto para mim mesma, e para me libertar de mim.
E a pele aparece como esse contato entre os dois mundos,
interno e externo. Como será o encontro a partir da pausa? O
contato sem o toque?

foto : Wagner Lima

78 79
ressonÂncias
Nina Terra
Trabalha o estado de fluxo como premissa, o ar como
matéria prima, o corpo como caminho e canal, a voz
e a dança como deságue que plasma no espaço as
ressonâncias do encontro e das relações no agora
presente. Corpo-voz como uno total que em som e
movimento ecoa as ressonâncias dentro-fora-entre.

foto : Wagner Lima

80 81
transmutações
em pedra e pele
Salomão Aguiar
Como construir um portal através da
minha pele para o lugar que ocupo? O
estado de presença pela transmutação
em pedra e pele possibilita a
comunicação da ideia com quem vem.
Se a terra que no centro apodrece
em meu peito cristaliza-se num longo
processo entre o tempo não tempo. Em
busca de onde residir no chão de forma
desnivelada, constituindo o processo do
molde pela corpa de forma magnética.
A ausência de partes pertence ao
surgimento de outras que no agora
existem como urgentes. Abdicando do
olhar da espera cistemática pela trapaça
da carne escondida. Da presença da
corpa cristalina que aloca-se no quadro
em busca de sensações para suas
memórias.

foto : Wagner Lima

82 83
tempo
Violeta Vilas Boas
Tempo é a busca do corpo pelo seu
próprio tempo, é a busca do tempo
pelo seu próprio corpo. Movimento
e palavra compõem o corpo de
Tempo. A palavra, por sua vez, é
falada por mais de uma voz, é falada
pelas vozes de outras mulheres que
também lutam para demarcar seus Da malha preta o movimento surge, numa dança com vinte
espaços e contar seus tempos, respirações por segundo, três segundo por gesto, treze
arrepios a cada minuto. Uma equação matemática que só
neste tempo de tempos e espaços Cronos saberia calcular. Uma escultura passa a ter corpo de
tão escassos. gente e o tempo do mundo.

84 fotos : Juliana Wähner Observadora : Paula Borghi 85


manual derivado
Fernanda Nicolini
Faz o contraponto entre saberes manuais e a tecnologia.
Propõe que nos voltemos para nossas habilidades criativas
ancestrais e saberes perdidos ao longo do caminho e do
tempo. Ressignificando o fio eletrônico obsoleto em um
fio construtor para um tricô/trança/trama em conjunto, sem
forma pré estabelecida, sem propósito físico ou estético, a
troca de saberes e práticas acontece no instante,efêmero,
assim como a reflexão. Diálogos, partilhas, construção
coletiva entre artista e público.

foto : Marcelo Sant‘Anna

Um emaranhado de fios desconexos


trançam e destrançam histórias de
uma memória que não se faz esquecer.
Tecnologias obsoletas, narrativas que
precisam da presença do outro para serem
revividas. A conexão só se dá quando duas
extremidades se conectam.

86 Observadora : Paula Borghi 87


Uma dança ruidosa balbucia sons, quebra
membros, muda de gênero, regressa a
infância e se perde no olhar do louco.
O corpo em sua máxima potência nos
surpreende com sua consciência e controle
físico. Uma coreografia que roda sobre
joelhos.

Observadora : Paula Borghi

tanto ontem
Carolina Cony
Nas fissuras da linguagem, penetrar-se. Explodir os sentidos.
Adentrar em suas  estruturas desnudas, arruinadas Envolver-
se e viver no corpo o desmoronamento da permanência.
Tanto Ontem, uma experiência cênica.

88 fotos : Juliana Wähner 89


Um grito nos pega de
assalto, toma nossa alma
como se fosse a dele, divide
sua dor e corre para não
morrer. Um corpo estendido
no chão. Necropolítica,
fascismo, genocídio ou só
mais um dia. Corre, corre,
corre. Se somos testemunhas,
nada fazemos.

Observadora : Paula Borghi

#002 - intervenção - ato - revolta


Apolônio Mapô
É uma performance que aborda a invasão de 6 policiais na casa do artista com fuzis
e lanternas, sete horas da manhã de uma quarta feira. Portas arrombadas, primeiras
capas de jornal, tiroteios, bombas, correrias, gritaria, mais cor reria e partir deste
contexto complexo desenvolve-se provocações de temas como a vista periférica,
a identificação de gado por cor e raça, a marginalização do corpo periférico, o
racismo e a anti-politização-pública do corpo negro e periférico. 

90 fotos : Juliana Wähner 91


Um homem em sincope.
Histórias de genocídio: o nome
de seus parentes como rótulo
de uma garrafa de álcool.
Distribui fósforos e ateia fogo
em nossos pensamentos.
Retoma os sentidos e afirma sua
identidade. Em silêncio nos diz:
esse ano eu não morro mais.

Observadora : Paula Borghi

DEScolônia
Ismael Queiroz
Um experimento cuja a investigação e o trabalho corporal transpassam os ciclos geracionais
pautados sob os domínios em prol da ética, moral, evolução social e comportamental.
O anti-colapso da colonização racional e física.
Uma obra no caráter da performance. Iniciada ainda empiricamente durante a passagem do
artista por uma das mais importantes companhias teatrais do Brasil, ganhando praticidade e
pesquisa concreta após, já durante a graduação acadêmica, e seguindo para uma incursão com
tentativas de maior profundidade em um festival internacional de artes cênicas. O agora é uma
92 unidade da eternidade, em luta seletiva, antropofágica, com outras formas de tempo. foto : Edu Monteiro 93
Com dedos de cristais manuseia
objetos que pertencem ao
matriarcado. Agora, esse
objetos são dele. Bebe da água
como se fosse um passarinho.
Um suave delírio. Tradições
não são esquecidas, são
reinventadas.

Observadora : Paula Borghi

para ir para o céu


Eduardo Amato
Através da performance art, busco reconhecer questões relacionadas
à linguagem e à traduzibilidade e como elas podem ser transmitidas e
preservadas. Interessa-me as estruturas étnico-culturais, as tradições
orais e os arquétipos da história da arte, da literatura e do holismo.

94 foto : Edu Monteiro 95


Toma cachaça e compartilha
o copo somente com aqueles
que se identifica. Brinda
sua identidade. Afirma sua
identidade. Cospe sambaquis,
anda em círculo, faz do espaço
da galeria sua terra sagrada.
Toca o tambor, evoca, celebra.

Observadora : Paula Borghi

L3N1R4
Rastros de Diógenes
Código ritual indiofágico / investigações do corpo que foge luta e festeja.

foto : Edu Monteiro

96 97
homoselfi
Clemens von Brentano
O artista nu diante do espelho, com um celular
na mão, convida o público a tirar selfies e nudes
com ele. A solidão tediosa e a sedução narcisista,
presentes na cultura do envio de nudes nas redes
digitais, dão lugar a um ato de compartilhamento,
cuidado e afeto nesta performance.  A interação
entre público e artista procura apaziguar a busca
de semelhanças e padrões  que se equivalem aos
modelos impostos na cultura atual. As fotos serão
compartilhadas em tempo real no instagram do
artista. 

foto : Edu Monteiro

Um homem nu calçando botas


constrange, excita, instiga e
espoem através do celular sua
imagem para as redes sócias.
Existe um desejo do público em
se aproximar, da mesma forma,
um constrangimento. Quando
capturado pela câmera do
celular, o espectador não tem
opção: torna-se performer.

Observadora : Paula Borghi

98 99
descamada
Carol Azevedo
O gesto da costura, o corpo, um colchão.
Uma investigação do que se revela e do que se esconde nas camadas
entre o publico e o privado, o social e o politico, na relação entre
dois corpos que a costura sustenta. Que memória é guardada nessa
costura dormitório que espreme tempo de vida?

foto : Edu Monteiro

Coberta por uma pele que não a


dela, parece estar dentro de uma
cobra. Se costura dos pés a cabeça:
prender para libertar. Rasga tudo
aquilo que não é seu. Sangra sem
deixar cair uma só gota. Mostra-se
mulher e sai de cabeça erguida.

100 Observadora : Paula Borghi 101


lindo-de-morrer As meninas Rosa e Azul da
pintura de Pierre-Auguste Renoir
se libertam da tela e dançam no
Maria Clara Contrucci & Manuela Libman teto. Uma coreografia de dois
O trabalho é uma composição coreográfica que explora visualmente corpos que ecoam vozes doces.
as possibilidades do corpo de duas mulheres, em uma narrativa Entra em mim, deixa eu entrar
sobre beleza e decadência, doçura e violência, plano e textura, cor em você. Duas meninas, um só
corpo.
e forma.
Observadora : Paula Borghi
foto : Ana Pose

102 103
Uma dupla de homens briga
contra sua natureza. Se
degladeiam, golpeiam uns
outros. Fazem um pacto de
silencio, alternam o castigo.
Veste a roupa, tira a roupa.
Bota máscara, tira a máscara. A
tensão do desejo, a vergonha do
desejo.

Observadora : Paula Borghi

terror barato
João Rios, Daniel Passi e Vidi Descaves
Não há pessoas desaparecidas neste lugar. Não há perigo neste
lugar. Nenhum céu. Nenhuma dor. Nenhuma vodka. Ninguém se
desapaixona neste lugar. Ninguém se repete neste lugar. Ninguém
esquece neste lugar. Não há razão para ficar neste lugar. “Terror
Barato“ tem como ponto de partida a reação química proveniente
da combustão do lítio, substância usada no tratamento de patologias
presentes na contemporaneidade tais como transtornos bipolores e
depressão nervosa.

104 fotos : Juliana Wähner 105


transbordado
Vídeo, 3:38, registro de performance em Montreux, Suíça, 2019

Vinícius Davi
Na materialidade do corpo, na interlocução entre os atravessamentos,
da sexualidade, do desejo. Para muito além de apenas defecar,
o cu como fala potente, o cu como diálogo dos afetos, uma
conversa. A investigação de 2015 aos dias de hoje, propõe
instaurações compartilhadas da experiência íntima. Transfigura
cartografias, do interior ao público. A ação reflete relações afetivas
através de linhas, que permeiam o corpo construindo uma rede
com a espacialidade ao redor. A costura como plataforma de
agenciamento. Potencialidades e forças propulsoras no ânus
para além de questões identitárias.  A imagem se desdobra em
diversas mídias, seja em vídeo, fotografia, performance, texto, fala,
instalação. Foi executado em paisagens nacionais, internacionais,
dentro e fora do circuito artístico.  Transbordar as estruturas pelo
centro do cu, presenciar isso com o corpo e o corpo da natureza, o
ânus e os outros ânus.

Vinicius Davi, da republiqueta de Curitiba, vive entre Rio de


Janeiro e Berlim. Bicha, artista e pesquisador. Bacharel em História
da Arte pela Escola de Belas Artes da UFRJ, formação em arte
contemporânea pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage,
poéticas e curatoriais pela Escola sem Sitio do Paço Imperial,
intensivos de performance e arte sonora pela Universität der Künste
na Alemanha, dentre outras instituiçõezinhas de artsy controladoras
do biopoder. Pesquisa performances, performatividade, estético-
política, intermídia, gênero, vidas.

106 107
Joanna saúde Agatha
Vídeo

Carol Brito
No Brasil o mecenas valoriza muito mais a arte
enquanto produto do que a arte enquanto
processo. O processo liberta, o produto é lucro
e divide.
Na mídia hoje vejo um vírus que toma conta
do planeta e congela o viver da arte, nas
comunidades Brasil sempre mataram o nosso
povo, porém isso nunca paralisou o planeta.
No vídeo Joanna aprendendo a andar no
Macba em Barcelona saúda Agatha menina
assassinada em uma comunidade do Rio de
Janeiro, que um dia o mundo pare por essas
mortes, que um dia parem as mortes das
meninas e mulheres nas nossas comunidades.

108 109
Dr.
Verystablegeniuslove
or: How I learned to
stop worrying, started
dancing and push the
button
Vídeo

Bernardo Stumpf
A finalidade da máquina do juízo final estará
perdida... se for mantida em segredo! – Por que
vocês não contaram ao mundo todo? (Punk-
Dance-Your-Pants-Off remix)

Criação e coreografia: Bernardo Stumpf


Performance: Dr. Verystablegeniuslove e Atomic
Dancing-love Bomb  
110 Música: „99“ (Minutemen) 111
Segunda Pele
Vídeo

Alexis Zelensky
Os corpos lutam, se esforçam
para existir, para ocupar um
espaço onde eles não se
sentem bem-vindos. Eles
se confrontam com olhares
externos, incomodam e
tiram o outro de sua zona
de conforto. Esses corpos
„proibidos“ tentam existir a
qualquer custo, como um grito
de alarme e uma reivindicação
de ser.

112 113
obrigada!

114 foto : Michel Chettert 115

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