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Utopias

Temporada de Inverno 2019 O PRINCÍPIO DA AÇÃO

Liberdade, MG

Práticas
TERRA UNA
Textos:
Residência 4 ............................. BIANCA BERNARDO
Artística 6 .................................. NADAM GUERRA

Utopias
Práticas
8 ............................ OFICINAS E CURSOS
32 ......................................... TERRA UNA

Artistas:
10 ................................CAROL AZEVEDO
12 ................................ CINDY QUAGLIO
14 ....... CLAUDIO SOUZA E JANA PAGAN
16 ................................ DAMIANE PRUES
18 .............................. FERNANDA LENZI
20 ...................................... IVY MORAIS
22 .................................... LIANA NIGRI
24 .................................. MAINA MELLO
26 ................................. MARIANA MAIA
28 ...................................... PEDRO LAGO
O Princípio da Ação
Bianca Bernardo
Algumas árvores em Terra Una apresentam um líquen especial que
cresce ao redor de seu caule. Logo nos meus primeiros dias de
residência, ao descer a trilha da casa onde estava hospedada para o
encontro no refeitório, notei que tons avermelhados, em formas mais
ou menos circulares, saltavam entre a paisagem verde das árvores
enfileiradas. Quando perguntei sobre essa forma de vida, me explicaram
que ela apenas pode nascer em lugares com o “ar puro”. Estávamos no
interior da Serra da Mantiqueira, distantes da cidade. A verdade é que a
ideia de estar envolvida por “ar puro” me encheu de vida, deixando um
pouco para trás aquele corpo carregado e a sensação de que o ar andava
muito pesado para respirar. Com o passar dos dias, a gente foi sentindo o
tempo desacelerar.

Em Terra Una, a velocidade constante das redes sociais é radicalmente


confrontada com um retorno do tempo analógico, traduzido através
da passagem dos astros, do clima do dia, dilatando assim a nossa
experiência da passagem do tempo em si. É acordar com o nascer do
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sol, sentir o vento antes da chuva, contemplar o fogo, desenhar com a

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ponta dos dedos as constelações de estrelas no céu. Tempo e espaço
conectados, não por uma utopia de “fuga”, mas para habitar uma
consciência de que fazemos parte da inteligência cósmica. E de dentro
dessa pele planetária, os artistas aqui apresentados construíram suas
obras em diálogo criativo e vinculações com a floresta. Percebendo-a
como um campo expandido essencial para o pensamento de processos
arte e vida, os corpos dos artistas escreveram seus textos em
performances, esculturas e escrituras, livros abertos, lidos em voz alta,
tendo o silêncio do som de tudo que existe como platéia.

Durante a residência, nós vivemos juntos a possibilidade de propor um


entre-lugar no estado da arte sem arte, realizando obras que não tinham
como objetivo a finalidade de exposição, mas de dilatar o momento
presente da entrega. Entregar-se como aquele que revela um segredo da
Terra, escutando as transmissões de saberes ancestrais que ali estão
guardados e disponíveis, esperam. Aprendi que o sigilo é uma confissão
ao mistério. E que quando desenhamos um sigilo, é como fazer uma
chave mágica para abrir os caminhos da intenção. Para que a gente
nunca deixe de sonhar. Para que a gente mantenha a urgência de renovar
constantemente nossos imaginários simbólicos. Para que a gente seja
gente, com toda gente, com todos os seres animais e vegetais, trazendo
para perto de si essas ligações, as potências e os futuros possíveis.

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A imagem é a ponte
Nadam Guerra
A imagem é uma ponte entre os mundos visível e invisível. Imaginemos
um mundo anterior à produção humana de imagens. Tudo é concreto
e real. Imaginemos agora um momento mágico hipotético onde uma
pessoa pela primeira vez reconhece em uma mancha de uma pedra
ou de uma folha a silhueta de um animal. No instante seguinte desta
experiência mística, a pessoa percebe que ela mesma pode capturar
as coisas concretas fazendo desenhos nas paredes das cavernas,
esculpindo galhos ou moldando o barro. Criou-se a imagem. Talvez esta
mesma pessoa primitiva perceba que a imagem pode trazer a presença
de coisas que nunca foram vistas no mundo concreto. Que um desenho
pode dar forma a um sonho.

Sempre escutei que Deus criou o humano a sua imagem e semelhança.


Mas a verdade é o contrário. A humanidade criou imagens e as imagens
criaram todas as deidades. Ou, em outras palavras, foi a capacidade
humana de perceber as semelhanças que criou um mundo paralelo
espiritual. Deuses, espíritos, arte e ficção são feitos do mesmo gesto: ver
a semelhança: criar uma imagem. E nós mesmo, quando nos pensamos,

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somos não mais que imagem.

Você pergunta:
‘Tudo bem, e daí? Onde isso se aplica a minha vida?’

Isso que talvez tenha começado em um tempo arcaico acontece hoje.


Acontece com cada pessoa que nasce. Acontece todos os dias. A
imagem é tudo que podemos perceber. É o intermediário entre um ‘eu’ e
todo o restante.

E como fazer arte sem estar atento a esta magia? Cada imagem
(forma, som, corpo, cor, movimento...) é capaz de mover o invisível.
E é o vislumbre do invisível (histórias, deuses, desejos, traumas) que
transforma o mundo.

Criar imagens pode ser mudar o mundo. Isto é arte. Isto é magia.

Isso é uma utopia prática.

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Sobre Oficinas e Cursos Durante a temporada de inverno recebemos artistas para a residência, visitantes e
voluntários. Aconteceram as oficinas ‘Viva seu Sonho: Dragon Dreaming aplicado
a projetos pessoais’ e ‘Artista Mago_Performance Arte’ além do festival ‘O corpo
é uma festa!’ que trouxe vários facilitadores para trocarem experiências em
vivências de meditação, dança e sexualidade.

Artista Mago_Performance Arte | Nadam Guerra Viva seu Sonho: Dragon Dreaming aplicado a projetos pessoais |
Pedro Araujo Mendes
Na Imersão ‘Artista Mago_Performance Arte’ trabalhamos os
elementos fundamentais da magia. A parte receptiva que é a A Oficina ‘Viva seu Sonho’ foi desenhada para quem está em
escuta. A parte ativa que é a intenção. transição pessoal e não sabe por onde começar ou para quem já
Estas são também as bases de qualquer arte. Escutar o que é vivo, começou um novo ciclo e quer consolidar passos dados. Faz parte
o que é urgente, o que dói, o que goza. Em si mesmo e no mundo. da tecnologia social de criação colaborativa de projetos Dragon
Determinar uma intenção. O que preciso fazer? O que eu quero Dreaming [DD] que é inspiradas nos ensinamentos ancestrais
mudar? O que quero celebrar? dos aborígines da Austrália. Enquanto os métodos ocidentais
de organização de projetos são focados apenas no resultado, o
E cada um criou seu ritual, sua performance. Que é uma maneira de
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Dragon Dreaming é sonhar, planejar, realizar e celebrar.


manipular o simbólico. De colocar vida em uma imagem. De viver o

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símbolo e a transformação. Nesta edição, realizada na temporada de Inverno 2019 “Utopias
práticas” de Terra Una, desenvolvemos juntos os projetos de cada
Ser artista mago é tomar consciência de seu universo simbólico.
um, trazendo parte de conteúdos de um curso de introdução DD +
É aceitar a responsabilidade de se recriar elementos de um Aprofundamento DD. Tivemos um sabor especial
voltada para os residentes artistas presentes. As ferramentas e
Nadam Guerra. Artista visual. coordenador da Residência Artística Terra UNA processos DD auxiliam tanto no fazer coletivo como individual.
Nos últimos anos, tenho trabalhado com grupos que almejam a
transição para a sustentabilidade, com comunidades tradicionais,
O Corpo é uma Festa! ribeirinhos, indígenas e também no universo das políticas públicas,
pontos de cultura e órgãos do poder judiciário. Em Terra Una,
A terceira edição do Festival O Corpo é uma Festa! que ocorreu pude exercitar minha experiência com grupos de performance,
durante a temporada de inverno. Um festival que celebra a vida e arte, música e teatro. Pudemos colocar em prática a leveza do
a arte através do corpo e da sua expressão livre e amorosa. Um olhar. Formar uma comunidade de aprendizagem com espaços de
espaço de troca sobre comunidade e saúde, trazendo conexão, partilhas, trocas de experiências e liberação da inteligência coletiva
acolhimento e potência criativa! para os desafios encontrados no fazer artístico. Celebremos!
Em formato de “Espaço Aberto”, foi co-criar um campo de
diversidade e abundância, um grande laboratório no tema “Utopias Pedro Araujo Mendes. Treinador em Dragon Dreaming formado com John Croft.
práticas”. Celebrando com o universo, florestas, cachoeiras, É designer em sustentabilidade, educador e facilitador. Além de músico e dj
música e movimento. Expandindo encontros de corpo e alma. Na
programação Oficinas de dança, meditação, tantra, festas ao redor
da fogueira e Silent Disco na natureza.
Como disse Eduardo Galeano: “O corpo não é uma máquina como
nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O
corpo é uma festa!”

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Carol Azevedo Sangue Abraço
Intenção: Ressignificar o sangue feminino através do abraço entre mulher e árvore.
Tempo interno: Um céu nublado com raios de sol atravessando as nuvens, aquecendo
no frio.
Elementos: Sangue menstrual, terra, árvore, mulher.
Descrição: Pintar o corpo com sangue menstrual, abraçar o eucalipto, imprimir através
do sangue o próprio corpo na arvore.
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O abraço entre o corpo mulher e o corpo
árvore imprime com sangue o
desenho do corpo feminino na pele do
eucalipto, dois corpos ligados pelo
sangue menstrual para ressignificar esse
vermelho que brota das entranhas
femininas, o vermelho da vida e da morte.

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Cindy Quaglio Sibilo Cintila
Intenção: Religar
Tempo interno: Crepuscular
Elementos: Terra, ar, cinzas, galho e raízes
Descrição: Sala verde- criação de espaço circular de cinzas, margeado de flores
secas de margaridão, uma pequena cerâmica contendo água, carvão e flores secas
compõe o espaço. Vestido preto, galho seco entre as mãos, e raízes acopladas ao sexo.
Improvisação: danço sobre as cinzas, com o céu e a terra, alquimia no corpo, mudança de
estação.
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descida
ao leito
adentro
      
      sibilo cintila
Pequena dança crepuscular, zona de
passagens, na qual transito por diferentes
estados da matéria. Terra, ar, galho e raízes;
deslizo sobre as cinzas e opero, em mim, uma
síntese entre os elementos.

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Claudio Souza e Jana Pagan Desamarremonós (arranjo mágico
performático para duas pessoas)
Intenção: Desatar as travas, destravar os atos, atravessar as trevas, atrever-se versos.
Tempo interno: Um dia ao meio dia ensolarado
Elementos: Um poema solto no meio da língua. Cartas do tarô ou oráculo pessoal
organizados sob tecido alaranjado. Pares de asas do Jacu ou Cujá (Penelope) recolhidos
ao acaso na floresta. Uma edição de “Os arquétipos e o inconsciente coletivo” do CG Jung.
Cadarços de sapatos. Uma bacia com água. Um cajado virgem. oferecido por uma criança.
Uma vela acesa. Uma maçã. Folhas dispensadas pelas árvores. Flores da estação. Mel.
Clara de ovos. Pipoca. Sal grosso.
Descrição: Mergulhe fundo no inconsciente e capture um sonho para chamar de seu.
Chame para dançar um arquétipo do seu interesse e deixe o corpo livre para a mente
passear. Agradeça a benção do acaso que te levou a esse propósito. Tudo é força, então
relaxe. Separe todos os ingredientes e misture todos diligentemente. Desate os nós
entrelaçados dos cadarços de sapatos. Livre os pés dos pesos do passado, deixe o passo
livre do pecado. Permita-­se banhar e ser banhado. A brisa leve e seca leva folhas
dispensadas pelas árvores. Quando se está consciente de estar consciente o aqui e agora
é o único estado presente. O cajado é um achado que ampara na subida e também na
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descida. Decida por si. Entregue-­se à divindade. Ofereça as oferendas que circundam

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sua natureza. Todo mel é meu é seu é nosso. Vá e veja, seja o que enseja. Na pele aflora o
desejo de plenitude. Atreva-­se a atravessar as trevas e destrave-­se. Sirva-­se à vontade.

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Damiane Pruès Mapa poético do espaço do amanhã
Intenção: Imaginar o mundo de amanhã.
Tempo interno: Recomeço.
Elementos: Fogo e frutos.
Descrição: Recolhi muitos elementos da natureza de terra una, folhas de banana,
limões, pedaços de madeira... A natureza é muito rica para a diversidade das cores e
texturas que ela propõe. Eu pensei em uma maneira de juntar esses elementos diversos.
Tenho a vontade de desenhar dentro do espaço. O que projetar ? O que pensar? São
diferentes ilhas de matérias naturais. Pensei em uma espécie de ritual no qual as
pessoas participam. A importância do corpo que junta os elementos e organiza as coisas
para construir um mapa. Criar um desenho sensível que inicia uma reflexão sobre o
tempo atual. Uma proposta de mapa poético do espaço de amanhã. Um fogo no centro
e a disposição de elementos postos em círculo. O gesto de acender o fogo marca uma
transformação de energia. Cada um participou do seu jeito.
Juntos, fizemos uma poesia do nosso futuro.
Iniciamos um novo ciclo e trouxemos energia positiva e viva.
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Fernanda Lenzi A Grande Mãe
Intenção: Dar nascimento a um novo ciclo, após nutrir-me em fontes primordiais.

Tempo interno: É aurora e o clima é quente e úmido, o sol está prestes a nascer.

Elementos: Terra
Descrição: Encontrar um lugar de terra que seja acolhedor como útero.
Banhar o corpo da mesma terra de que é feito o lugar e acomodar-se nesse lugar
ventre. Fundir corpo e Terra (Gaia), envolver-se sensorialmente nessa entranha.
Aguardar o chamado e, então, renascer do útero de barro da grande mãe.
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Deixei a paisagem me reconhecer, me nutrir, simbólico. Tenho aqui a fusão pela troca
e dela pude renascer. meta[bólica]-(pele:argila) e o encontro de
A geração do vínculo que insinua meu mim mesma integrada na natureza por uma
pertencimento à natureza. fusão
Um antídoto para a visão de mundo meta[fórica]-(performance:argila), em uma
antropocêntrica. Entre os elementos dessa experiências de arte e vida.
paisagem, encontro na Nesse chão eu me percebo impregnada pelo
terra, mais precisamente nas argilas valor intrínseco da natureza, compreensão
medicinais encontradas in natura, a experiencial
possibilidade de cura, de de uma ecologia profunda*.
regeneração em minha pele e em meu campo
* expressão cunhada pelo filósofo norueguês Arne
Næss em 1973

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Ivy Morais Águas Que Curam –
O Despertar Da Lágrima
Intenção: transformar pessoas através do acolhimento de suas emoções e da conexão
com o elemento água.
Tempo interno: precipitação suave seguida de arco-íris lunar.
Elementos: altar formado por mandala - flores, pedras, frutas, cristais, folhas e vela;
instrumentos (maracás, pau-de-chuva, unhas-de-bode etc); sons de água corrente
(natural ou digital); água floral; corpo & voz.
Descrição:
- vá à sua fonte de magias orgânicas e peça licença à Mãe Natureza
- caminhe e cantarole em harmonia com a orquestra do universo
- realize a colheita intuitiva dos elementos naturais
- faça o seu ritual de potencialização da água floral
- reúna todos os elementos e monte o seu altar
- convide o público com a força das maracás e do seu canto – música 1 “Ciclo das Águas”
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- realize a meditação guiada com a água floral

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- finalize com um último canto e instrumentos a seu gosto – música 2 “Bem vinda,
Lágrima”
- agradeça e oferte os elementos à Mãe Natureza em água corrente.

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Liana Nigri Ovo-Mundo
Intenção: Criar uma escultura de contato corpo-matéria
Tempo interno: Acolhedor
Elementos: Terra e Fogo
Descrição: Em fendas na terra mulheres em posição fetal
colocam no seu centro um ovo de argila oco.
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Num útero da terra mulheres gestam “formas Evocando uma outra cosmologia de ordem
grávidas de outras formas”*, ovos de argila feminina e ao se transformar em cerâmica
ocos preenchem os espaços vazios e ganham volta para dentro da terra numa queima
contornos através das dobras desses corpos. primitiva, de lá sai impregnado por memórias
do fogo em sua superfícies.
O barro vira pele e respira junto,
a cada expansão a obra se contrai,
transforma, rasga e até rompe
dando luz ao Ovo-Mundo.

* apropriação do texto ‘Da lama aos caos,


do caos à lama’ de Daniela Name publicado no
catálogo de Celeida Tostes

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Maína Mello A Deusa e a serpente
Intenção: Ascender à kundalini.
Tempo interno: Cósmico.
Elementos: Argilas vermelha e dourada, água da fonte, árvore .
Descrição: com os chacras desenhados em formas geométricas com argila dourada sobre
o corpo nu, a mulher espera de pé nas pedras das águas rasas da fonte. Com as mãos, as
mulheres cobrem todo o corpo da mulher com argila vermelha. A mulher entra no meio
das árvores. Começa a ondular os quadris como um 8 infinito e conforme a kundalini
ascende, a ondulação se acentua por todos os chacras até ela subir enroscada nos galhos.
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Origem da criação, a mulher-útero
moldada em argila pela própria Terra Ishtar
sobre a coluna vertebral, a árvore da vida Inanna
cuja raiz é uma serpente Lilith
A mulher ondula os quadris Kun-da-li-ni
~ o fogo desperta o movimento ~ 888
~ o movimento desperta o fogo ~ A mulher saboreia o fruto
A energia ascende em espiral infinita Prenhe de vida e de morte
Chacra a chacra Abre as asas da consciência
Shakti E voa
Astarte De volta à fonte

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Mariana Maia Mãe do Entardecer
Intenção: Ressignificar imagens do século XIX em que mulheres negras são retratadas
com guarda-chuvas ou sombrinhas sobre as cabeças, erguidos de uma forma incomum,
como fardos sobre os turbantes. Ainda, reverencia Oyá e seu título “Iansã”, a mãe do
entardecer.
Tempo interno: céu azul e tempestade.
Elementos: terra, poeira, brisa, ventania, tormenta, gotas, água, afluência.
Descrição: Uma oferenda é realizada sobre a cabeça, com elementos coletados na
natureza. Sobre o Ori, detentor do destino, é colocado um guarda-chuva sem tecido.
É iniciada uma longa caminhada. No cruzamento dos caminhos o guarda-chuva é
equilíbrio, bengala, sombrinha, arma. O guarda-chuva é erguido como véu.
Empreende cortejo. Corporifica uma entidade.
Em meio às árvores uma prece e por fim, um banho sagrado.
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O vento e a tempestade não param. A ancestrais, para falar sobre corpos de
performer ergue um guarda-chuva vazio para mulheres negras de ontem e de hoje que estão
lutar contra as terríveis forças que agitam em constante risco, mas reagem e resistem ao
os céus. Os fardos carregados sobre a cabeça mau tempo. Guarda-chuvas ganham formas
são substituídos pelo guarda-chuva. Símbolo improváveis e gestos performátivos. 
de status, civilidade, posse sobre seu próprio A mãe do entardecer acalma e protege
destino, arma que ameaça e que a torna alvo. suas tempestuosas filhas, guardando o Ori
Equilibrado na ponta dos dedos, ele traz a embaixo de uma sombra, ofertando o poder
tormenta em um copo. A mãe do entardecer da tempestade. A sombrinha fechada vira um
guarda a chuva em seu corpo e conta histórias estranho adereço, símbolo de um tempo de
de pranto e saciedade. sofrimento e luta, coroando cabeças negras
A performer mistura o rastro de realidade erguidas e cheias de axé.
dado pelas fotografias antigas e histórias

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Pedro Lago A Queda
Intenção: Propor uma vivência da poesia dentro do poema.
Tempo interno: Tormentas, terremotos e tempestades elétricas.
Elementos: água, pedra, vento e magma.
Descrição: A Queda é um poema essencialmente cosmogônico. Um contorcionismo
da dor. Um grito. Como se fosse um dispositivo atribulado dentro da narrativa de uma
espécie de tentativa de cura, ainda que apenas efêmera. A tentativa de chamar aquele
que vê e ouve para dentro do poema, dentro do sigilo que desperta o poema. Afeto.
Sempre pelo afeto. A violência do afeto. O poema como plataforma de atravessamento
físico dentro das imagens. O corpo como objeto fundamental das interseções do tempo
presente, tanto no instante da leitura falada, quanto no da leitura sigilosa. Porque
o poema é também a catapulta que catalisa e transforma, ainda que no efêmero. E
saber que tudo pode mudar. Abrir um círculo é revelar seu interior frágil. A fragilidade
como caminho que arde e aponta o centro. Machuca, dilacera, se desintegra e morre
para renascer. Seja como for. A palavra como fundamento, símbolo da metamorfose
do grunhido. A Queda é um registro de uma vivência que leva a outras e assim
sucessivamente. O poema é uma memória insuportável.
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TERRA
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Utopias Práticas
A Ecovila TERRA UNA está localizada junto à floresta da Serra
da Mantiqueira, numa terra de 48 hectares no município
de Liberdade, Minas Gerais. Por TERRA UNA passam rios
e cachoeiras com exuberante beleza natural e uma rica
biodiversidade.

Somos um centro educacional transdisciplinar de integração


rural-urbana, onde podemos praticar as técnicas e valores que
permeiam nossa visão, difundindo assim um modelo de vida
mais sustentável que busca integrar moradia, trabalho, educação
e lazer. Além da Residência Artística, mantemos programas de
coworking, voluntariado e uma agenda de cursos.

A Residência Artística na Ecovila existe desde 2007 e levou mais


de 150 artistas a pesquisarem a interação de arte, natureza e
sustentabilidade em temporadas coletivas ou projetos individuais.
O Programa é independente e ao longo de sua história contou
com parcerias públicas e privadas nacionais e internacionais.
Todo o material de registro, assim como este catálogo, pode ser
Residência Artística

consultado na nossa página da internet.

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https://www.terrauna.com.br/arte

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Copyright © 2019, Terra Una
Organização Editoria: Nadam Guerra e
Bianca Bernardo
Design Gráfico: Liana Nigri
Imagem Da Capa: registro de Mariel Fabris da
obra de Damiane
Revisão: Pedro Lago
Edição: Grupo Um
Realização: Terra Una
www.terrauna.com.br
Edição: Grupo Um
www.grupoum.art.br

Residência Artística Terra Una


Coordenação: Nadam Guerra
Curadora Convidada: Bianca Bernardo
Artistas Participantes: Carol Azevedo,
Cindy Quaglio, Claudio Souza e Jana Pagan,
Fernanda Lenzi, Ivy Morais, Liana Nigri,
Mariana Maia, Maína Mello, Pedro Lago
Registros: Louiz Oliveira e Mariel Fabris

O princípio da ação: Utopias práticas Temporada de inverno Terra UNA 2019


Org: Guerra, Nadam; Bernardo, Bianca.
Rio de Janeiro : Grupo UM, 2019. isbn XXXXXXXXXXXX
1. Arte – Brasil 2. Arte contemporânea 3. Artes visuais Índices para catálogo
sistemático: 1. Brasil : Arte contemporânea : Artes visuais CDD 700

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