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De certa forma todos os seres humanos passam por estas mudanças, porém nem
todos conseguem abandonar a visão anterior. Como nem a sociedade atual, nem os
processos educacionais atuais nos preparam para estas mudanças, muitos
humanos podem ficar presos em situações já ultrapassadas, carregando-as consigo
em seus diferentes ciclos vitais.
Como médico e educador percebi que muitas situações patológicas podem ser
derivadas desta manutenção de situações obsoletas à faixa etária do indivíduo e à
falta de adequação ao seu novo momento de vida. Nesta perspectiva se incluem,
por exemplo, muitos casos de depressão, pânico, vícios, tumores, psicoses,
alergias. Na maioria destas situações tenho percebido a falta de uma educação que
permita ao indivíduo demarcar mudanças de consciência.
Neste presente trabalho faço uma reflexão sobre necessidade de retomarmos esta
pedagogia dos ritos de iniciação para permitir o necessário desenvolvimento
saudável da consciência humana e exemplifico como isto pode acontecer em nosso
momento atual.
Dito de outra maneira, se a passagem entre as fases não se torna bem demarcada,
pode gerar patologias e desvios no desenvolvimento da consciência, afastando-a de
sua inteireza, uma vez que o indivíduo levará problemas não resolvidos e hábitos da
fase anterior para a próxima etapa da vida.
Zoja também refere que a morte, em muitas sociedades, era uma experiência de
transformação da alma, simbolicamente um início de uma nova vida, um
renascimento. (Zoja, 1992).
A morte nos ritos de iniciação, nos lembra Eliade, era iniciática: “era a morte de
alguma coisa a ser superada. Morria-se para ser transformado e ascender a um
nível de existência mais elevado. (Eliade, 1999). Segundo ele a morte iniciática não
era um fim, mas ” um voltar a começar, senão uma condição sine qua non de um
trânsito para outro modo de ser, como prova indispensável para regenerar-se.”
(Eliade, 1999).
Este autor também refere que, durante o processo iniciático “os noviços recebem
instruções prolongadas de seus mestres, presenciam cerimônias secretas, passam
por uma série de terríveis provas e ordálias. E são precisamente essas ordálias as
que constituem a experiência religiosa da iniciação, o encontro com o sagrado. A
maioria dos calvários iniciáticos implicam, de forma mais ou menos clara, uma morte
ritual seguida da ressurreição de um renascimento. O noviço regressa a vida como
um homem novo, assumindo outro modo de ser”. (Eliade, 2000)
Eliade conceitua a iniciação, em termos gerais, como “uma série de ritos e ensinos
orais, cujo propósito é provocar uma modificação radical do status religioso e social
da pessoa que recebe. Em termos filosóficos, iniciação equivale a uma mutação
ontológica da condição existencial”.(Eliade, 1998). Para ele existem três categorias
de iniciação: as que tem a função de marcar as fases de vida; as de inclusão em
confrarias (tipo homens e mulheres) e as de atuarem no desenvolvimento espiritual
do ser humano. (Eliade, 1998).
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Stanislav Grof, em seu livro sobre a morte, encerra seu estudo concluindo que as
pessoas que realizaram processos de ampliação da consciência, vivenciando
diversas mortes egóicas, “tendem a desenvolver um sentimento de pertinência ao
planeta, de reverência pelo processo de vida em todas as suas formas, um profundo
compromisso ecológico, uma espiritualidade de alcance universal, aversão a
violência, e um rechaço a ver a agressão como uma forma lícita de solucionar
conflitos. Esta radical transformação interior e abertura a uma nova compreensão da
existência pode representar a única oportunidade real para a sobrevivência”. (Grof,
2006).
Talvez seja interessante darmos uma olhada nos processos educacionais possíveis
em nosso momento social, necessários para uma mudança de nossa forma de lidar
com o desenvolvimento da consciência.
Segundo Martinelli:
Para isso é de fundamental importância que tenhamos uma visão mais abrangente,
que permita a promoção da inteireza do ser humano, permitindo-lhe que, em cada
fase de sua existência, possa tornar-se um ser inteiro, conectado com a Totalidade,
da qual é parte.
Para esta educação em direção à inteireza do Ser, existe uma contribuição muito
significativa que é a proposta da UNESCO para a educação do Terceiro Milênio,
divulgada num documento conhecido como Relatório Delors. Neste documento, são
propostas quatro pilares ou maneiras de aprender, necessárias para o novo milênio:
aprender a conhecer; aprender a conviver com os outros, aprender a fazer e
aprender a ser. Em meus estudos acrescentei mais uma: aprender a amar. (Delors,
2002; Pozatti, 2003)
Uma educação que promova a proposta da UNESCO, adequada a cada ciclo vital
pode facilitar ao indivíduo humano estar inteiro a cada momento da sua existência e,
neste fluir, viver de uma forma saudável.
Esta proposta educacional pode ser integrada às lições ensinadas pelas antigas
civilizações com seus ritos de iniciação e métodos para promover a passagem entre
níveis da consciência, com suas diferentes realidades, ao mesmo tempo em que
educam para existir nesta realidade. Esta integração pode se constituir numa
proposta para uma educação da consciência, que tem como características
fundamentais a retomada dos ritos de iniciação, os pilares da educação para o
milênio, o ensino de valores essenciais e uma visão holística e transdisciplinar do
mundo.
No Quarto Ciclo, os homens, junto com as mulheres dos grupos Tendas da Lua (um
movimento similar aos dos Guerreiros do Coração, porém, dirigido ao gênero
feminino), voltam-se para o espiritual, realizando uma iniciação da sua 'cidadania
cósmica'. É um momento de olhar para todas as diferentes culturas e seus caminhos
iniciáticos, apreciando o que é possível resgatar no momento atual da humanidade e
o que é necessário criar, para que este portal se abra ao maior número possível de
humanos. Ao final, também, realiza-se um rito de iniciação.
Considerações finais
Há momentos da vida que necessitamos parar e rever para onde estamos indo e
este é o nosso momento para realizá-lo enquanto humanidade. Para uma
perspectiva mais harmônica da existência humana necessitamos modificar nossa
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visão de mundo e nossa atuação no mesmo. Para que isto ocorra é de fundamental
importância que haja um renascimento da consciência humana. Basarab Nicolescu
nos lembra que neste momento “é absolutamente necessário explorar a infinita
capacidade de deslumbramento da consciência humana para ser possível
reencantar o mundo”. (Nicolescu, 1999).
Nos Guerreiros do Coração, após quinze anos de práticas, temos percebido esta
possibilidade de reencantar o mundo através do desenvolvimento saudável da
consciência dos participantes. Durante o processo educacional há o
desenvolvimento de valores essenciais, há a ampliação da visão de mundo, existem
possibilidades de aprender a conhecer, a conviver, a amar, a fazer e a ser de uma
forma harmônica, com a utilização dos ritos de iniciação para demarcar estas
mudanças de consciência. Portanto, existe a necessidade de mudança e existe a
possibilidade de mudar. Vamos em frente!
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Bibliografia
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Eliade, M. La búsqueda – historia e sentido de las religiones . Barcelona: Kairós, 1998
Eliade, M. Nacimiento e renacimiento – el significado de La iniciacíon em La cultura humana.
Barcelona: Kairós, 2000. ....
Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC:
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Grof, S. El viaje definitivo – la consciencia y el misterio de la muerte. Barcelona: La liebre
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Hammerschlag, C.A. A dança dos curandeiros – A iniciação de um Médico nas Artes de cura dos índios
Norte- Americanos. Nova Era: Rio de Janeiro, 1993
Jung, C. G. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1964.
Martinelli, M. Aulas de transformação: o programa de educação em valores
humanos. São Paulo: Peirópolis, 1996.
McLaren, P. Rituais na escola. Petrópolis: Vozes, 1992.
Metzner, R. Las grandes metáforas de la tradiciíon sagrada – las transformaciones de la conciencia
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Nicolescu, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
Pozatti, M.L. & Souza, N. S. Rituais e psicoterapia familiar sistêmica. Porto Alegre:
CEAPIA, 1993. TCC em Psicoterapia Familiar Sistêmica.
Pozatti, M.L. A busca da inteireza do Ser: formulações imagéticas para uma abordagem
transdisciplinar e holística em saúde e educação. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Tese de
Doutorado.
Pozatti, M.L. Buscando a inteireza do Ser – proposições para o desenvolvimento
sustentável da consciência humana. Porto Alegre: Gênese. 2007.
Zoja, L. Nascer não basta - Iniciação e toxicodependência. São Paulo: Axis Mundi. 1992.