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Resumo: O artigo investiga a construção da prática jornalística no Brasil. Como pano de fundo,
trabalhou-se o processo de autonomização dos jornalistas frente aos demais grupos intelectuais (artistas,
escritores, militantes políticos). Para isso, foi feita uma análise das transformações do meio jornalístico,
dividida em três períodos: de 1945 a 1968, de 1969 a meados da década de 70 e a partir do final dos anos
1970. Como ancoragem teórica, utilizou-se o conceito de mundo social, desenvolvido pelo interacionismo
simbólico norte-americano. Concluiu-se situando os contornos da profissão de jornalista como resultado
de processos históricos concretos, nem sempre visíveis no discurso de legitimação profissional emitido
pelo grupo. Processos que resultam da interação de jornalistas com outros atores sociais (Estado,
intelectuais, público, sindicatos, etc.).
1 – Introdução
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Doutorando em Comunicação pela Universidade de Brasília. O artigo é uma adaptação do último
capítulo da tese “Os jornalistas-intelectuais no Brasil: identidade, práticas e transformação no mundo
social”.
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público, sindicatos), sem nos prendermos apenas aos jornalistas. Nesse caso, embora
não seja o caso de fazer uma análise exaustiva das interações com essas instpancias, é
possível situar melhor como elas estão ligadas à definição dos novos contornos do
jornalista brasileiro.
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Tradução do autor de: “Conventions represent the continuing adjustment of the cooperating parties to
the changing conditions in which they practice, as conditions changes, they change”.
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introdução de novas bases convencionais. É a partir desses dois elementos que podemos
mensurar a amplitude e a velocidade de uma mudança. Tendo como base esses
pressupostos, é possível compor uma tipologia para analisarmos a profissionalização
dos jornalistas com relação aos demais grupos intelectuais. De forma esquemática, esse
processo pode ser dividido em três momentos: (I) Um marco inicial de definição
identitária, a partir da criação de um conjunto de convenções e uma representação social
que possibilita estabelecer parâmetros para atividade jornalística, além de um princípio
de delimitação estatutária, sem que isso acarrete um fechamento formal das fronteiras
profissionais junto aos intelectuais (1945 a 1968); (II) Um processo gradativo de
reorganização das redes de cooperação no meio cultural, com a criação de modos de
acesso e de sistemas próprios de consagração e ascensão nas carreiras profissionais
(1969 a meados da década de 70); (III) A consolidação dessas mudanças através da
formação de redes de cooperação autônomas (produtores, financiadores, público etc.) e
também pela interiorização e reificação de um conjunto de ideologias calcadas no
profissionalismo, na delimitação de atividades que compõem o âmago do mundo dos
jornalistas (a partir do final dos anos 1970).
3.1.2 –... mas o mundo dos jornalistas não se limita aos jornalistas
Se o mundo dos jornalistas fosse composto apenas por jornalistas, talvez fosse
possível estabelecer uma separação definitiva entre os meios jornalístico e intelectual.
Quando estendida a analise aos demais atores sociais que participam das escolhas,
convenções e reputação dessa atividade compreendemos como o processo de
transformação do estatuto profissional dos jornalistas ocorre, mas de forma imperfeita.
Uma mudança radical num mundo social exige, antes de tudo, a criação de uma
nova audiência. A literatura corrente estabelece uma relação entre as transformações no
jornalismo da primeira metade do século XX, o processo de industrialização e a
emergência de uma classe média urbana no Brasil. Mais do que opiniões políticas e
divagações literárias, essa nova audiência exigia informações sobre a atualidade,
apresentadas de forma direta e objetiva (Marcondes Filho, 1986; Medina, 1988; Sodré,
1999). Para esse público, a figura do diletante, seja ele o jornalista, o escritor ou o
político, era incapaz de atender seus interesses. Contudo, isso não significa que o caráter
literário, político ou acadêmico do jornal tenha desaparecido por completo. Certas
iniciativas distintas dos padrões convencionais são aceitas pelo leitor e concorrem para
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manter alguns intelectuais dentro das redações. É o caso, por exemplo, das crônicas e
editoriais.
Observam-se ainda resquícios no mundo dos jornalistas de grupos e instituições
ligadas ao meio político e intelectual. Na verdade, ao mesmo tempo em que os jornais
buscaram objetivar sua linguagem e profissionalizar parte do seu contingente, ele se
envolveu ativamente das discussões políticas e culturais que marcam a época. Kucinski
(1998) explica que nesse momento a imprensa teria realmente assumido a função de
espaço público, uma arena de enfrentamentos políticos, constituída por um grupo de
jornais altamente ideologizados e combativos, mesmo que a informação fosse
privilegiada na construção da notícia.
O período que vai dos anos 1950 ao golpe militar de 1964 potencializaram a
polarização entre os setores políticos e culturais brasileiros. A imprensa não só ecoou
esse processo como participou ativamente dele. O jornal Correio da Manhã, por
exemplo, foi um dos defensores da posse do presidente João Goulart em 1962. Dois
anos mais tarde participou ativamente do golpe de 1964. Instaurada a ditadura, o próprio
Correio foi o primeiro a denunciar a violência do regime, publicando diariamente casos
de tortura e violação dos direitos humanos (Gaspari, 2002).
No plano da produção cultural, as sociabilidades existentes entre jornalistas e
intelectuais também reforçaram aspectos de uma fronteira parcialmente aberta entre
esses espaços. Costa (2005) explica como um dos veículos protagonistas das reformas
no jornalismo brasileiro, O Jornal do Brasil, foi também o palco de discussões que
marcaram as vanguardas artísticas daquele período (como o movimento concretista),
publicando, no âmbito do seu suplemento dominical, textos de Ferreira Gullar, Mário
Faustino, Reynaldo Jardim, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Carlinhos de
Oliveira, além de jovens como o cineasta Glauber Rocha.
Finalmente, embora as mudanças no mundo do jornalismo apontassem para
expulsão dos diletantes, não haviam sido ainda criados os espaços institucionais que
possibilitassem a profissionalização dos diversos grupos intelectuais. Por isso, a
imprensa continuava sendo um meio de atuação dessas pessoas. Ela remunerava e
permitia ao intelectual que expressasse publicamente suas opiniões. Á medida em que o
perfil desse grupo também se transformava, deixando de ser majoritariamente o do
funcionário público, vinculado ao Estado, para se dotar de valores como autonomia e
liberdade de intervenção, começou a haver a necessidade de se construir novas frentes
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de atuação política (Czajka, 2004). Nesse processo, a imprensa transforma-se em um
novo espaço de articulação dos intelectuais.
Contextualizadas dessa maneira, as décadas de 1950-1960 podem ser vistas,
portanto, como estopim de um processo mais longo de reconfiguração do mundo dos
jornalistas e das atividades políticas e culturais no Brasil. Contudo, nesse período, essas
fronteiras ainda não haviam sido estabelecidas com clareza.
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O regime militar seguiu uma política ambígua com relação à produção cultural e intelectual no Brasil.
Ao mesmo tempo em que puniu jornalistas, professores e artistas que julgava ameaçadores, abriu espaço
àqueles que se dispunham a colaborar – ou mesmo a uma parcela da oposição. Nesse contexto, financiou
a modernização conservadora da produção cultural, reformando os setores de educação e pesquisa
acadêmica e abrindo o caminho para o nascimento de diversos setores da indústria cultural. Sobre o
assunto, ver: Costa (2005); Coutinho (2005); Mota (1990); Pécault (1990); Ridenti (2003; 2005).
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Essas mudanças afetam claramente os modos convencionais de produção e de
colaboração da atividade jornalística. Fecham-se mais cedo as edições, transformando o
ritmo de praticamente todos os que participam do mundo social, dos repórteres aos
donos das bancas de revista. Também se alteram as relações entre os jornalistas e as
fontes, com a consolidação das estruturas de comunicação institucionais e o
aproveitamento crescente dos press releases pelas redações. A interação com o público
perde progressivamente o caráter ideológico que delineava as afinidades editoriais entre
o jornal e o seu leitor, sendo substituída por uma ênfase das empresas de comunicação
pelo perfil médio da audiência, determinado por razões mercadológicas.
Além das mudanças nas formas de cooperação, observa-se um expurgo dos
antigos jornalistas, com a entrada de outra nova geração. Ela partilha de outros valores e
possui uma formação técnica adquirida nos dos cursos universitários de jornalismo. O
ingresso dessa nova geração permite ao dono do jornal eliminar o que Kucinsky (1998)
chama de “ranço ideológico”. Essas mudanças no perfil profissional estão associadas ao
próprio ataque ideológico da velha ordem, do jornalista partidário, diletante e militante.
Nos manuais de redação e nos seminários promovidos pelas consultorias, a noção de
jornalismo como um serviço público tende a ser descaracterizada em nome dos valores
do mercado. Ao mesmo tempo, o discurso sobre a profissão tende a reificar a idéia de
que o jornalista deve ser visto como um estatuto assalariado, associado a uma
competência técnica.
4 – Considerações finais
Neste artigo, fizemos uma breve revisão das transformações sofridas pelo mundo
dos jornalistas no sentido de construir uma prática sócio-profissional-discursiva distinta
das demais categorias intelectuais. Trabalhamos, sobretudo, o modo como as inovações
convencionais e a reorganização das redes de colaboradores desses grupos resultaram
em espaços relativamente autônomos de produção de bens simbólicos. Não só o
jornalismo ganhou contornos próprios, mas as relações de identificação e distinção com
os intelectuais são realizadas dentro de novos padrões. Os dois grupos ainda partilham
de uma sociabilidade comum, mas os modos de colaboração são estabelecidos a partir
de novas bases convencionais. Ao colaborarem com a imprensa os intelectuais devem se
portar como fontes de informação, experts ou articulistas. Por sua vez, ao falar sobre
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temas ligados à produção artística e acadêmica, o jornalista deve se colocar na posição
de informante ou mediador entre os intelectuais e o público.
Nesse percurso, mostramos como o público, o Estado, os próprios intelectuais,
as organizações sindicais estiveram envolvidos nesse processo. Nosso objetivo foi
desconstruir a idéia de uma evolução linear do jornalismo, produzida de “dentro” pelos
próprios jornalistas, em que o grupo profissional para desenvolver paulatinamente
parâmetros capazes de garantir sua autonomia. Pelo contrário, preferimos situar essas
transformações na rede de interdependências que compõem ordem negociada dos
fenômenos sociais (Becker, 1982; Strauss, 1992).
Ao mesmo tempo, observamos ainda resquícios do momento em que identidades
e práticas de jornalistas e intelectuais se confundiam. De fato, as interações com outros
espaços, sobretudo o intelectual, explicam certas tensões inerentes à atividade
jornalística. Mesmo definido a partir de uma competência técnica, o jornalista adota em
alguns momentos valores e procedimentos ligados à velha ordem se colocando, ora
como um agente cultural, ora como um fiscal do poder. Isso dá margem à subsistência
de espaços confluências entre jornalista e intelectuais materializados, por exemplo, por
meio dos gêneros opinativos do jornalismo, de segmentos, como o jornalismo literário,
e de atores como os jornalistas-escritores, jornalistas-professores, jornalistas-militantes,
etc.
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