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Belo Horizonte
2021
Glaucon Durães da Silva Santos
Belo Horizonte
2021
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 301.17
Ficha catalográfica elaborada por Pollyanna Iara Miranda Lima - CRB 6/3320
Glaucon Durães da Silva Santos
This dissertation proposes to discuss the relations between the telenovela Apocalipse by TV
Record, aired in 2017, the doctrines of the Universal Church of the Kingdom of God (Iurd) and
the pre-election national political scenario of 2018. The plot was inspired by fundamentalist
interpretations of the biblical book of Revelation and stages the end of the world in
contemporary times. The narrative is marked by neofundamentalist influences of the Iurd with
the aim of countering the progressive agendas in evidence in the period: human, social, and
collective rights and interreligious dialogue; and support conservative political agendas in
defense of the traditional family, combating globalization, modern science and moral
denunciation of drug use and corruption. This is a qualitative research, using the Documentary
Analysis technique. The main objective is to understand the content of the novel Apocalypse
from the political context in which it was exhibited in Brazil; specifically identify the political
agendas disproved and defended in the plot; and analyze the mechanisms of political opposition
of the novel. The results point to an intentionality of the Iurd to delegitimize the progressive
political field aiming to elect conservative candidates in the 2018 election.
Esta disertación propone discutir las relaciones entre la telenovela Apocalipse (RECORD TV.
2017), las doctrinas de la Iglesia Universal del Reino de Dios (Iurd) y el escenario político
nacional preelectoral de 2018. La trama de la novela se inspiró por interpretaciones
fundamentalistas del libro bíblico de Apocalipsis y escenifica el fin del mundo en la época
contemporánea. Su narrativa está marcada por influencias neo-fundamentalistas de la Iurd con
el objetivo de oponerse a las agendas progresistas que se evidenciaron durante el período:
derechos humanos, sociales y colectivos y diálogo interreligioso; y apoyar agendas políticas
conservadoras: defender la familia tradicional, combatir la globalización y la ciencia moderna
y la denuncia moral del uso de drogas y la corrupción. Es una investigación cualitativa,
utilizando la técnica de Análisis de Documentos. Su principal objetivo es: Comprender el
contenido de la telenovela Apocalipse desde el contexto político en el que se presentó en Brasil;
y específicamente para identificar las agendas políticas desaprobadas y defendidas en la trama;
y analizar los mecanismos de oposición política de la telenovela. Los resultados apuntan a una
intención de la Iurd de deslegitimar el campo político progresista para elegir candidatos
conservadores en las elecciones de 2018.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 18
1 RELATO DO DESPERTAR DO INTERESSE PELA PESQUISA ............................... 21
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 201
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 207
INTRODUÇÃO
Michel Temer (PMDB), que fomentava a necessidade da realização das reformas trabalhista e
da previdência, o corte de gastos do Estado e a privatização de estatais.
Três meses após o encerramento da mencionada telenovela, a Record TV e a Iurd
apoiaram a candidatura do então deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSL) à presidência
da República. O candidato, de extrema direita, se comprometeu na campanha eleitoral, com
pautas políticas conservadoras, de cunho moral e comportamental, muitas delas defendidas pela
Iurd nas últimas décadas.
É importante ressaltar que a expansão da presença das religiões no espaço público é um
fenômeno global e contemporâneo que não tem a ver com uma espécie de re-encantamento do
mundo como muitos sociólogos da segunda metade do século XX, críticos ao fenômeno da
secularização, afirmariam, mas, sim, com a exigência das religiões, de sua presença e atuação
na sociedade. Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2014), vários
movimentos de reivindicação da religião como elemento constitutivo da vida em sociedade se
fortalecem a partir do questionamento da distinção moderna entre as esferas pública e privada.
Isso não coloca em xeque as diversas formas de secularização no mundo contemporâneo. Nessa
perspectiva, a telenovela Apocalipse (2017) possui um valor histórico-documental indiscutível
devido ao seu universo simbólico-religioso de explicações sobre a crise sociopolítica brasileira
nas pré-eleições de 2018, crise que se arrastava no país desde as grandes manifestações de rua
em 2013 chamadas de Jornadas de Junho e que teve vários picos decorrentes da Operação Lava
Jato, da deposição do governo Dilma e da prisão do ex-presidente Lula em 2017.
Pesquisar a telenovela Apocalipse, a partir do pressuposto de que é um documento de
valor histórico, demandou essencialmente fazer uma leitura interpretativa do seu contexto
original: a Record TV e a Iurd1. Destarte, para dar conta da temática proposta, optamos pela
abordagem metodológica qualitativa, com o uso da técnica da análise documental com o
objetivo de: compreender o conteúdo da narrativa da telenovela Apocalipse a partir do seu
contexto histórico de produção e exibição (o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil); identificar
as pautas da agenda política combatida e da agenda política defendida na trama frente ao pleito
de 2018; e analisar os mecanismos de combate político presentes no enredo da novela.
Considerando os passos metodológicos desenhados para essa pesquisa, a dissertação
1
Aliás, há um consenso, entre várias áreas científicas, como será apresentado a seguir, de que a Record TV, terceira
maior rede de televisão comercial aberta brasileira, atrás da TV Globo e do SBT, tem servido como braço
televangelista da Iurd para captar fieis, para se posicionar contra outras religiões e se inserir no campo político-
partidário. O professor de Comunicação Dr. Eduardo Refkalefsky (2018) ressalta que esta é uma lógica diferente
do televangelismo estadunidense, pois não busca criar uma igreja na televisão a partir de uma programação de
cunho religioso, mas sim atrair possíveis fieis para atividades na igreja.
20
Em uma noite de dezembro de 2017, ao passar pela sala da minha casa, onde minha mãe
assistia à novela Apocalipse pela Record TV, fiquei surpreso com uma cena – apontada na
Imagem 1 – em que representava uma cerimônia religiosa reservada a sacerdotes. O sacerdote
que presidida a celebração, chamado de “Pai Sagrado”, vestia batina, solidéu e casula, brancos,
similares aos paramentos sagrados papais2. A maior parte dos demais vestiam batina preta com
filetes, mozeta e barrete eclesiástico, na cor vermelho púrpura, análogos aos dos cardeais
católicos3. E ostentavam no pescoço um cordão com um pingente dourado no formato de sol,
cujos raios dividiam-se em quatro flechas, semelhante à figura de um crucifixo.
2
Solidéu (chapéu); Casula (vestimenta posta sobre a túnica). O branco é a cor dos paramentos sagrados papais.
3
Batina (vestimenta); Filetes (bordados); Mozeta (capa curta que cobre os ombros); Barrete (chapéu). O vermelho
púrpura é a cor dos paramentos sagrados cardinalescos.
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Sua missão será a mais importante de todas nossa existência, ter nascido como pai de
muitos povos. Nossa influência tem determinado governos, aliás, até guerras...
Portanto, tenha sobre si a responsabilidade de manter o poder da Sagrada Luz sobre
toda a Terra, principalmente naqueles lugares em que temos perdido forças devido ao
crescimento daquelas igrejas. Faça o que tem que ser feito, custe o que custar, com
mãos de ferro. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, Capítulo 8).
A referida cena foi ambientada com vocal grave, uníssono e contínuo: hôôô; semelhante
aos cantos gregorianos. Mas o objetivo da música, como percebi ao assistir outros capítulos da
novela, não me pareceu ser de criar um clima de reflexão litúrgica, mas, sim, de esoterismo e
terror, já que a mesma música era tocada em momentos em que representações do mal agiam
na trama. Aliás, a cena foi conjugada com a de uma criança em uma sala de estar brincando de
luta com dois bonecos: um vestido com roupas brancas e outro vestido com roupas pretas.
Enquanto os bonecos se rivalizam, o antigo Pai Sagrado agoniza em seu trono, até que no fim,
o boneco de preto vence o de branco e o líder religioso falece. Então, as cenas da criança passam
a ser sobrepostas com a do novo Pai Sagrado, tendo como som de fundo vozes em tom gutural,
semelhante ao das músicas de rock metal.
O esoterismo estético e sonoro da referida cena e da música mencionados pareceu
sombrio e remeteu-me à impopularidade que a Igreja Católica adquiria, em todo o mundo,
durante o pontificado do papa Bento XVI, tido por muitos católicos e não católicos, como é
encenado no filme “Dois Papas” (2019), do diretor brasileiro Fernando Ferreira Meirelles, como
conservador, frio, obscuro e conivente com as práticas de corrupção e pedofilia no interior da
Igreja. Talmbém a este respeito, o renomado teólogo católico brasileiro Leonardo Boff afirmou
em entrevista a BBC Brasil em abril de 2005.
Não obstante, na ocasião da eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio pelo
conclave de 2013 como o novo pontífice, o teólogo Leonardo Boff afirmou em entrevista ao
jornal Il Manifesto, publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (2013), que a chegada
do Papa Francisco representava também a chegada de uma primavera após um duro inverno.
Buscando compreender, ainda como aluno do curso de graduação, o que se passava na
novela, perguntei a minha mãe:
Insisti para que ela mudasse de canal, sem sucesso e impaciente, saí da sala. Naquele
instante não consegui compreender o interesse da minha mãe em uma novela que lhe causava
medo e que representava a igreja, da qual ela fazia parte desde a infância, de forma caricaturada
e pejorativa. Algum tempo depois comecei a refletir sobre uma possível curiosidade ou
expectativa dela, despertada pelo medo, sobre a temática do fim do mundo em um contexto
político social brasileiro envolto pela crise política de 2017.
Depois desse dia, assisti a poucos capítulos da telenovela Apocalipse, destacando-se
dois que apresento adiante. Eu tinha a impressão de que a novela era um instrumento da Igreja
Universal do Reino de Deus (Iurd) para combater outros credos religiosos, sobretudo o católico
– do qual eu e minha mãe fazemos parte – e impor o seu próprio como o verdadeiro. O que me
intrigava era que, de todas as telenovelas e minisséries de inspiração bíblica produzidas pela
Record TV que tive a oportunidade de assistir e acompanhar, essa foi a única que me causou
tal impressão. Ao assistir, por exemplo, a novela “Os Dez Mandamentos” (2015), da mesma
emissora e da mesma autora, Vivian de Oliveira, sentia que se tratava apenas da
teledramaturgização de um texto bíblico. Já Apocalipse tecia uma interpretação do mundo
contemporâneo a partir de interpretações bíblicas específicas.
Como havia dito, após o meu primeiro contato com a novela Apocalipse, acompanhei
poucos de seus capítulos, destacando-se dois, que assisti no primeiro semestre de 2018, durante
o meu último período da graduação em Ciências Sociais e que me despertou interesse
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sociológico por conjugarem o universo da política com o da religião. Ambos tratavam de ações
políticas da personagem Ricardo Montana (chamado também de o “anticristo”), a criança que
brincava com os bonecos durante a agonia e morte do antigo Pai Sagrado e que posteriormente
se tornou um líder político-apocalíptico mundial e protagonista da trama ao lado do novo Pai
Sagrado da “Igreja da Sagrada Luz”.
Em uma cena dos capítulos mencionados – apontada na Imagem 3 – o personagem
Ricardo Montana (ator Sérgio Marine), após ser eleito presidente do chamado “Conselho das
Nações”, tentava convencer empresários e investidores internacionais a financiarem o seu
projeto, a cidade futurista (imaginária) chamada de “Nova Babilônia”, a ser construída em um
deserto do Oriente Médio. O objetivo da construção da cidade era recomeçar a história humana
a partir de uma nova sociedade idealizada por ele. A princípio, a ideia me pareceu similar aos
ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos4, de construção de um mundo mais justo
e fraterno, já que segundo o mesmo personagem, a “Nova Babilônia” teria as soluções para os
vários problemas dos grandes centros urbanos como a pobreza, a criminalidade, a superlotação,
a mobilidade urbana e a formação de periferias.
Mas, em seguida, desconfiei que havia intenções nazifascistas nas ações da personagem
Ricardo Montana para o seu projeto de cidade, porque não se tratava simplesmente de combater
os problemas sociais como a desigualdade e a concentração de renda. Tratava-se, sim, da
criação de uma humanidade superior para dominar o mundo, como tratarei
pormenorizadamente no último capítulo desta dissertação. A “Nova Babilônia”, como
apresentado no Capítulo 5, me parecia o protótipo de uma civilização tecnológica e superior
que se reproduziria por todo o planeta Terra, nas décadas seguintes, sobre o seu governo
universal, que viria a ser liderado por ele mesmo.
4
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é o documento constitutivo da Organização das Nações
Unidas (ONU), adotado pela instituição em 1948.
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Nesse episódio, percebeu-se que o Conselho das Nações, presidido pela personagem
Ricardo Montana, poderia ser uma representação da Organização das Nações Unidas (ONU),
que também situava-se em Nova York. O seu salão nobre, possuía um design interno similar ao
salão da ONU em que acontecem as Assembleias Gerais – apontado na Imagem 4: delimitação
oval das paredes; pé direito superior a três metros de altura; mesa diretora acima da tribuna e
voltada para a assembleia, que está disposta em grupos nacionais; corredores entre quadras de
assentos; tribuna com revestimento verde esmeralda, jateado por finas ramificações claras; dois
televisores acima da missa diretora; a marca do globo terrestre, disposta entre os televisores;
iluminação amena; ausência de iluminação natural por janelas e demais aberturas; e pontos de
iluminação circulares distribuídos por toda a cúpula.
Pastor: Porque o que eu não defendo é que arma esteja na mão de bandido, mas de
homem de bem... Se uma arma tiver na sua mão, cê vai sair matando por aí Zé Filho?
Você que é um homem cristão. Se você tiver uma arma, cê vai fazer bobagem com
ela? Eu não defendo é arma na mão de bandido. E a outra coisa, quando no livro de
Nemias... Nemias foi fazer uma grande obra, ele convocou um povo para estar junto
com ele e ele era um sacerdote e ele dizia: olha, colher na mão levantando parede,
levantando muro e a espada da outra, a gente deve tar preparado; e eu concordo
perfeitamente.
Repórter: Mais pastor, tem muita gente que nessa situação... Teria muita gente
usando arma, Psicopatas!
Pastor: Não. Já estão usando. Os psicopatas já estão usando. Quem não está usando
arma são as pessoas de bem. Porque na verdade a... A campanha do desarmamento
desarmou quem? Desarmou o homem de bem, o pai de família, o cidadão. Mas
bandido que não tá nem aí pra nada, continua armado. Então o homem de bem como
você, não tem problema. Psicopata sempre haverá e esse já estão armados.
Repórter: Então, o homem de bem se for assaltado pode reagir e matar o bandido.
Pastor: Com certeza, Você tem o direito de se defender. Porque que o homem de bem
não tem o direito de se defender? Se ele tem que ser preso, tem que ser entregue como,
é, uma ovelha muda ao matadouro? Você tem que ser entregue e o bandido pode ter
arma, pode andar armado, pode ter comissões de direitos humanos defendendo e você
não?
Repórter: Mas o senhor não acha que é uma contradição o senhor sendo homem do
evangelho defendendo que cada cidadão use uma arma?
Pastor: E se eu defender que um bandido use? Não é a maior contradição? Eu defendo
que você use. Eu defendo que o homem de bem use. Não defendo que bandido use. A
contradição seria eu inverter, seria a inversão disso, eu continuar defendendo isso que
aí está, bandido andando armado, tomando celular na rua, botando arma em pessoas
de bem pra todo lado. Isso seria a verdadeira inversão de valores. Eu defender que o
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Como é possível constatar, o pastor defende o porte de armas pelo dito “homem de
bem”, argumentando a partir de interpretação própria de uma passagem bíblica e de seu ponto
de vista sobre a realidade brasileira. Sendo assim, o porte de armas pelo “cidadão de bem” teria
uma legitimidade bíblico-religiosa para Daniel Vieira. Aliás, tal ato de legitimação está em
consonância com o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) denomina como o efeito de
consagração, exercido pela religião a partir de suas sanções santificantes e pela inculcação de
um sistema de práticas e representações estruturadas que contribuem para a conservação da
ordem simbólica e que, por conseguinte, da ordem política estabelecida.
Cabe ressaltar ainda que os discursos anti-direitos humanos somaram-se, sobretudo a
partir do contexto da transição do governo Dilma para o governo Temer, ao discurso anti-
petista, como é possível observar por exemplo no vídeo do You Tube “Secretaria dos Direitos
Humanos do Governo do PT apoia a Pedofilia” em que o pastor Silas Malafaia (2015) da Igreja
Assembleia de Deus Vitória em Cristo afirma:
Eu gostaria que a legislação penal fosse de cada estado, como é nos Estados Unidos.
Assaltar no Rio de Janeiro por exemplo, 20 anos de cadeia, assaltar em São Paulo, 10
anos. Tá na cara que o pessoal iria assaltar em São Paulo. Temos uma porcaria de uma
constituição ao se referir aos direitos humanos. Não há pena de morte aqui. O cara
não teme nada. Não há prisão perpétua. O canalha nem precisa trabalhar. Fica sugando
o Estado o tempo que está detido. Enquanto tiver essa ideia de “ah, matarem 60 mil”
... Ah! Eu queria era que matasse 200 mil vagabundo. Eu tô preocupado é com os
inocentes que morrem nesses momentos e não com os marginais... (BARBOSA,
2016).
5
Tipo ideal ou tipo puro são dois conceitos desenvolvidos pelo sociólogo alemão Max Weber que designam um
modelo abstrato criado pelo pesquisador a fim de estabelecer comparações com a realidade estudada.
30
Após a comparação que fiz entre a cena apontada na Imagem 5 e o fato histórico
registrado na foto da Imagem 6, indaguei novamente sobre as faces político-religiosas da trama.
Haveria na referida cena uma tentativa de afirmar a popularidade do presidente John Kennedy
como um populismo messiânico de esquerda? É preciso ressaltar que Kennedy era um liberal
do Partido Democrata, o que o afasta historicamente da noção de esquerda adotada no Brasil e
na Europa (que é avessa ao liberalismo). Mas o aproxima a uma ideia de esquerda na lógica
política dos Estados Unidos, uma vez que lá os liberais do Partido Democrata são
comumentemente identificados como progressistas e os membros do Partido Republicano
identificados como conservadores.
Na mesma cena do assassinato da personagem Ricardo Montana havia várias bandeiras
retangulares vermelhas com marca branca ao centro, tremulando na rua onde acontecia o desfile
em carro aberto. Isso me levou a suspeitar novamente da intenção da novela Apocalipse de
vincular a cor vermelha ao “anticristo” para demonizar as esquerdas, em especial o PT, que na
época da exibição da novela no Brasil, sofria com o movimento político antipetista liderado por
partidos políticos de direita, movimentos sociais e sindicais conservadores.
Lembro-me que, entre as eleições de 2014 e o impeachment de 2016, tive medo de ir
para a Universidade vestido com camiseta vermelha devido à polarização política esquerda
versus direita que o Brasil vivia. De um lado, os chamados genericamente de “coxinhas”,
defensores do impeachment, em geral, setores sociais conservadores e liberais de vários estratos
sociais. Do outro lado, os chamados, também genericamente, de “petralhas” ou “mortadelas”,
que denunciavam o golpe. O segundo agrupamento, do qual eu era partícipe, era formado por
estudantes universitários da classe trabalhadora, intelectuais acadêmicos, movimentos sociais
progressistas e partidos de esquerda. E o simples fato de usar roupas vermelhas me fazia sentir
medo de ser agredido fisicamente por aqueles que associavam de forma extremista a cor
vermelha ao PT e o mesmo partido à corrupção.
Confesso que, a princípio, no calor da situação, as três cenas da novela que mencionei
há pouco causavam-me irritação e levou-me a pedir a minha mãe para não a assistir. Suspeitava
que havia nelas um combate ideológico da Iurd contra o que considera como inimigos: a Igreja
Católica, a ONU (sobretudo no que diz respeito às pautas dos direitos humanos defendidas pela
instituição) e os partidos políticos de esquerda (em especial os brasileiros). O meu medo era de
que a minha mãe começasse a compreender a ONU e as esquerdas como instituições que
representam ao anticristo. Destarte, as minhas suspeitas referentes ao conteúdo político-
ideológico da trama aumentaram quando a minha mãe me chamou na sala para assistir uma
cena de Apocalipse e disse que o “anticristo” Ricardo Montana parecia-se com o ex-presidente
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Luiz Inácio Lula da Silva, pois ambos eram adorados como deuses pelas pessoas.
Achei estranha a comparação da minha mãe, pois na minha avaliação a personagem
parecia esteticamente com o presidente Jonh Kennedy. Porém constatei que a fala dela seguia
a lógica das narrativas de crítica ao lulopetismo6 feita por alguns setores da sociedade brasileira
da época, devido à reconhecida liderança do ex-presidente.
Diversos setores progressistas e de esquerda denunciavam que o PT tornara-se o
“Partido Lula”. Também afirmavam que o ex-presidente havia destruído a democracia interna
do PT para fazer valer as suas próprias decisões. Em uma entrevista, por exemplo, concedida a
populares brasileiros em 2016, Ciro Gomes (PDT), ex-ministro da Integração Nacional do
primeiro governo Lula (2003 a 2006) e futuro candidato a presidente da República nas eleições
federais de 2018, afirmou:
Esse é o problema. Quer dizer, o Lula de um tempo pra cá... E ele não é o culpado
pelo que está acontecendo no Brasil. Ele é o grande responsável por ter sido
imprudente, de ter colocado na linha de sucessão da República brasileira, essa
quadrilha que representa Michel Temer, Eduardo Cunha e sua banda, né? Mas o Lula
de um tempo pra cá, começo a se... A brincar de Deus. E achar-se autorizado, em cima
da popularidade maravilhosa e justa, sobre certo aspecto que ele tinha, de fazer e
acontecer tudo que tem. E... E... E pensar que o povo eternamente iria absolve-lo
dessas contradições. Infelizmente deu-se mal. (GOMES, 2017).
6
Termo pejorativo para designar o culto de alguns petistas a personalidade do ex-presidente Lula.
33
Ministério Público Federal do Paraná (Operação Lava Jato), contra o ex-presidente Lula e a
possível candidatura dele à presidência da República nas eleições de 2018. Essa compreensão
havia-se formado após a condução coercitiva irregular do ex-presidente pela Polícia Federal,
em 4 de março de 2016, de sua residência na cidade de São Bernardo do Campo (SP).
Vislumbrei, a partir da fala da minha mãe e das primeiras percepções sobre a telenovela,
somado ao contexto sociopolítico da exibição no país, questões de ordem política e religiosa de
interesse da Sociologia das Religiões, especificamente sobre as relações entre religião e espaço
público no Brasil contemporâneo. Desde 2018 busquei informações sobre a produção, exibição
e repercussão do folhetim na internet, nas redes sociais e com alguns dos telespectadores. Em
2019, comprei a gravação da novela pela plataforma virtual Mercado Livre e assisti a todos os
155 capítulos fazendo anotações em meus dois diários de campo: “O Turíbulo de Ouro7”.
7
A escolha deste nome se deu inspirado em uma passagem bíblica de Apocalipse 8:1-5, em que após a abertura
do sétimo selo, Deus manda um anjo jogar a Terra o turibulo em que outrora recebia, por meio do incenso, as
oblações e expiações humanas, rompendo assim um vínculo ritual descrito desde o primeiro livro da Bíblia, o
Gênesis e inaugurando um ciclo de catástrofes socioambientais.
34
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
8
Compreendo como igrejas evangélicas neopentecostais as denominações cristãs evangélicas brasileiras da
chamada terceira onda, isto é, fundadas a partir da década de 1970 e cujas características doutrinárias e
comportamentais, na ótica de Mariano (2014), tendem menos para o sectarismo e ascetismo das duas ondas
anteriores e mais para a uma postura liberal, aberta a atividades empresariais, políticas, culturais e assistenciais.
35
O que surpreende na compra da Record foi o fato de a Iurd, até então, ter apenas 13
anos de idade e uma rede pequena, em comparação com de outras empresas brasileiras
de comunicação: 11 rádios, sendo duas no Rio, São Paulo, Minas e Paraná, e uma no
Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Goiás. Mesmo contando com uma fonte de renda
difícil de ser mensurada por fontes exatas – os dízimos e ofertas nos cultos – a
operação despertou suspeitas. (REFKALEFSKY, 2018, não paginado).
2007).
Cabe ressaltar que a Iurd foi fundada no Rio de Janeiro no mesmo período histórico da
emergência do neofundamentalismo nos Estados Unidos. Destarte, em meados da década de
1980, a igreja iniciou a sua atuação na esfera política, elegendo candidatos próprios para o
Congresso Nacional e para o processo da Assembleia Nacional Constituinte que culminou na
promulgação da Constituição brasileira de 1988. (MARIANO, 2014).
A respeito do fundamentalismo, Panasiewicz (2007) afirma que:
ou à classe média alta são representadas como do mal – que não seguem a palavras de Deus ou
que seguem o anticristo – e a da classe trabalhadora é representada como do bem – que segue
a Bíblia rigorosamente a partir de uma leitura literal dos seus textos.
Tal relação entre comportamento moral e classe social burguesa se distancia, num
primeiro olhar, dos elementos teológicos da narrativa da novela Apocalipse em relação às
doutrinas da Iurd, uma vez que, como aponta o sociólogo Ricardo Mariano (2014), as igrejas
neopentecostais, especialmente a Igreja Universal, sua maior representante, se caracterizam,
entre outros aspectos, pela pregação enfática da TP, a qual, como já mencionado, sintetiza os
âmbitos, religioso, econômico e político de forma pragmática. Porém existem ressalvas nas
mencionadas características do neopentecostalismo da Iurd. Ao discutir sobre o conteúdo da
“Carta à Igreja de Pérgamo”, destacando a abertura a idolatria pagã desta igreja, no livro
“Estudo do Apocalipse”, o bispo Edir Macedo afirma que:
a verdade é que a Igreja vive dias em que se procura ‘agradar a gregos e troianos’ [...].
Poucos são os líderes evangélicos que procuram preservar a sã doutrina, objetivando
a salvação eterna do povo. Sim, porque muitos estão mesmo interessados é no sucesso
econômico, e por isso são capazes de fazer aliança até com o diabo, desde que os seus
caprichos carnais sejam satisfatórios. (MACEDO, 2011, p. 65/66).
A questão-problema levantada pelo bispo não é a riqueza em si, nem a busca por sucesso
econômico, mas a busca ou posse de dinheiro associada à aliança com o diabo e aos caprichos
carnais. Nesse sentido, é condenável a postura dos ímpios e não meramente a riqueza. No caso
da novela, a crítica aos burgueses e aos pequenos burgueses (famílias Montana, Gudman e
Aisen) não é direcionada a seus bens materiais, mas a sua relação com o anticristo, ou o seu
ateísmo, ou ainda sua designação religiosa não cristã (ou seja, não evangélica). A exaltação das
pessoas de classe trabalhadora também não tem a ver com a questão do louvor a pobreza
material e nem de denúncia à exploração econômica sofrida, mas sim a sua fidelidade religiosa
e a possibilidade de melhoria das condições de vida frente a uma conversão, como ocorreu no
caso das personagens da novela Oswaldo e Tiago Santero, anteriormente citados.
Retomando a discussão sobre as características teológicas-doutrinais da narrativa da
referida novela, identificou-se que o conteúdo paradigmático do discurso do folhetim é o terror
e o medo, tendo como base profecias bíblicas sobre o chamado fim dos tempos. Isso aponta
para uma outra teologia neopentecostal – pouco abordada nos estudos científicos sobre a Iurd
– a Teologia do Domínio (TD), que segundo Mariano (2014), se distingue pela ênfase nas
batalhas espirituais contra demônios, além da quebra de maldições de família e práticas rituais
de exorcismos coletivos, com o objetivo de libertar e converter adeptos de religiões de matriz
40
africana. É importante ressaltar que essas religiões não são representadas na novela, mas é
possível observar uma menção a elas em uma cena em que a personagem Débora Koheg
Montada (atriz Manuela do Monte), ao ficar grávida do anticristo Ricardo Montana, passa por
uma possessão demoníaca, movimentando-se de forma similar às pessoas que incorporam
pretos velhos nos rituais de rodas de gira: coluna arriada para baixo e braços cruzados sobre as
costas.
A presença da TD em Apocalipse (2017) é evidente em toda a narrativa, mas, a título
de ilustração, aponta-se uma cena na casa da personagem Pastor Jonas, em que há um diálogo
(transcrito a seguir) entre ele, a esposa Laudir (atriz Lu Grimaldi), a sobrinha Natália (atriz
Samara Felippo) e a cunhada Ângela (atriz Daniela Escobar), sobre como as profecias bíblicas
explicam o momento dramático em que eles estão vivendo, o sumiço repentino de várias
pessoas em todo o mundo ao mesmo tempo, chamado na novela de “Arrebatamento” e as
tragédias que acontecerão no fim do mundo:
Laudir: Se eu quiser salvar a minha alma, eu não posso ser hipócrita. Não dá para
apertar um botãozinho aqui dentro e de uma hora para outra, assim, sem a melhor
pessoa do mundo, a boazinha. Eu não sou assim, nem você, não é verdade?
Jonas: Mas não se trata do que foi. O que podemos ser, daqui pra frente. Você não vê
que nós temos pouquíssimo tempo para tentar salvar as pessoas pra Jesus? Escuta o
que eu vou te dizer pela última vez. Daqui há três anos e meio, as pessoas vão ser
obrigadas a adorar a besta. E quem não o fizer, vai ser perseguidor e vai ser morto.
Laudir: Que horror, Jonas! Uá, você está me assustando assim!
Jonas: Não meu amor, não! Eu só tô alertando. Nós só teremos dois caminhos, duas
escolhas Laudir. Jesus ou o anticristo. Vida eterna ou condenação eterna. Com qual
dos dois você vai querer ficar?
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 67).
3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
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foto e vídeo e pode ser acessado pelo site http://observatoriodatv.bol.uol.com.br/.
10
O TV Foco é um site de análises, críticas e notas de televisão no Brasil criado em 2006. O conteúdo pode ser
acessado no site https://www.otvfoco.com.br/sobre-nos/.
45
de conteúdo bíblico. A análise do cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018 foi realizada a partir:
do levantamento de notícias relacionadas no site do G1 (Rede Globo) e do R7 (Record TV),
maiores grupos de comunicação do Brasil; da análise dos resultados de cinco pesquisas de
intenção de voto para a presidência da República em 2018 realizadas pelo Instituto Datafolha
do Grupo Folha da Manhã S/A, entre 2015 e 2018; e da análise comparativa entre as pautas
políticas abordadas na novela e os planos de governo dos candidatos presidenciáveis de 2018
Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. A escolha das pesquisas, exceto da primeira, se deu de
forma aleatória dentro de cada um dos quatro anos inferidos.
A segunda etapa da pesquisa foi a análise do conteúdo da telenovela Apocalipse, em
que assisti, ao longo de seis meses, todos os 155 capítulos da trama. Nesse período também li
o livro Estudo do Apocalipse do bispo Edir Macedo (2011) para observar se havia similaridades
entres a narrativa da novela e o texto do livro. Durante esta fase, observei e anotei em meus
diários de campo as características dos cenários e as performances11 e as falas/discursos de
algumas das personagens que apresentassem elementos políticos e religiosos relacionados com
as doutrinas neopentecostais e da Iurd e com as pautas político-ideológicas presentes no cenário
pré-eleitoral brasileiro de 2018. A partir das referidas anotações constituí um corpus12 textual
que subsidiou posteriormente a reflexão e a escrita qualitativa dessa dissertação.
Para analisar o referido corpus textual optou-se pela Análise do Discurso (AD) de
natureza qualitativa com base na proposta de Gill (2008). Ela divide-se em três momentos, a
saber: a transição do discurso em texto; a leitura cética do discurso buscando tornar o familiar
estranho e trocar a busca da essência pelo foco na construção, organização e funções do
discurso; a codificação, ou organização de categorias de interesse; e a procura de padrões de
informações visando à criação de hipóteses, a serem testadas, sobre as funções de características
específicas do discurso.
Por se tratar de uma telenovela, foram inseridas ao longo das análises mencionadas,
imagens de cenas da telenovela Apocalipse que contribuíssem para ilustrar a argumentação.
Porém, como o foco da pesquisa é o conteúdo discursivo da trama e não as imagens, procedeu-
se apenas a uma descrição de primeiro plano deles, sem a pretensão de se realizar uma análise
técnica à luz, por exemplo, da semiótica ou de outro recurso metodológico semelhante.
11
A performance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado a outro) central da narrativa.
Libertar a princesa presa pelo dragão é a performance de muitos contos de fada. Encontrar o pote de ouro no fim
do arco-íris, ou seja, passar de um estado de disjunção com a riqueza para um estado de conjunção com ela pode
ser uma performance. (FIORIN, 2009, p.31).
12
A palavra corpus (latim; plural corpora) significa simplesmente corpo. Nas ciências históricas, ela se refere a
uma coleção de textos. [...] Barthes, ao analisar textos, imagens, música e outros materiais como significantes da
vida social, estende a noção de corpus de um texto para qualquer outro material. (BAUER; AARTS, 2015, p.44).
46
13
Esta teledramaturgia se distingue das demais da referida emissora de televisão por se inspirar em temáticas
religiosas do universo neopentecostal e em livros da Bíblia.
14
Compreendo como deuteropentecostal, o que Mariano (2014) designa como as igrejas pentecostais brasileiras
da segunda onda, fundadas na década de 1950 a partir de dissidências da Igreja do Evangelho Quadrangular. O
autor classifica a igreja Nova Vida como deuteropentecostal e ressalta que nela está o embrião neopentecostal das
igrejas Iurd e Internacional da Graça de Deus, suas duas dissidentes.
48
Aliás, ao responder o pastor Maurício Fragali no talk show “Nova Talk” (2019) da Rede
Benção, sobre qual a época em que sentiu vontade de escrever história bíblica, Vivian de
Oliveira disse:
[...] eu sempre soube dentro de mim, que eu acho que era já Deus me falando que eu
iria escrever algo assim, mas não tinha ideia do que ia vir, tanto é que a Record que
veio com a proposta de escrever histórias bíblicas, que na época quando eles me
fizeram a proposta, ninguém queria fazer, os atores, todo mundo muito temeroso.
Como é que iria ser isso? Será que vai ser uma pregação? Só uma pregação? Se vai
ficar bom e ... E então quando veio o convite, né... [...] eu sempre tive e mesmo sem
saber essa questão da fé e tudo, eu tinha certeza absoluta que Deus ia me capacitar, ia
me inspirar, além né? [...] E muitas vezes eu escrevi, buscava inspiração mesmo,
orando, buscando a Deus. E muitas vezes eu era surpreendida pelas... Que eu creio
que Deus inspirava mesmo, sabe? [...]. (FRAGALE, 2019).
estilo brega. Ao longo da carreira, ganhou um disco de ouro e o Prêmio Villa Lobos de disco
mais vendido de 1978 com a música Você não me ensinou a te esquecer (MENDES, 2016).
Ebenezer César de Souza, mais conhecido como Beno César é um cantor, produtor e compositor
de músicas gospel que na década de 1980 integrou as bandas brasileiras de música cristã Banda
e Vós e Rebanhão como baixista e vocalista. Em parceria com a irmã Solange Cesar compôs
músicas para cantores gospel brasileiros como Aline Barros, Cristina Mel, Jamily e J. Neto,
para bispos neopentecostais como Adilson Silva da Iurd e Gerson Cardozo da igreja
Transformando Vidas e cantores de sertanejo romântico como Luan Santana e Sula Miranda.
Também compôs músicas para as novelas Marcas da Paixão (2000), Escrava Isaura (2004) e
Prova de Amor (2006), da Record TV.
A expectativa da Record TV era que a nova megaprodução de inspiração bíblica,
Apocalipse, desse continuidade aos recordes de audiência, das novelas do mesmo gênero,
conquistados a partir de uma bem-sucedida parceria da emissora de televisão com a produtora
audiovisual Casablanca Filmes LTDA e a editora e produtora fonográfica MJC Music, refletida
sobretudo no sucesso de público da novela Os Dez Mandamentos. Porém, o resultado foi o
contrário, como será abordado adiante neste capítulo.
A novela Apocalipse foi marcada no Brasil por polêmicas referentes aos bastidores, ao
conteúdo, e à baixa audiência em relação às demais novelas de inspiração bíblica da Record
TV. Vários sites de críticas a telenovelas, como o Stars Insider (STARSINSIDER, 2018), o
Observatório da Televisão (BRANDÃO, 2019), o Alta Definição (OLIVEIRA, 2017) e o Tele
Padi (PADIGLIONE, 2018) apontam que um dos principais motivos da má repercussão do
folhetim no Brasil está relacionado ao que chamam de interferência de Cristiane Cardoso, filha
do bispo Edir Macedo, na novela Apocalipse.
Segundo os referidos sites, tal interferência se caracterizava pela alteração do texto
original, pela supressão e pela sintetização de capítulos da trama para antecipar o fim sob a
justificativa de alavancar a audiência da novela. Porém, o resultado imediato foi o descompasso
entre o texto original e a narrativa que ia ao ar sem o recorrente conhecimento prévio ou o
15
Agradeço o graduando em Design pela Unifoa, Douglas Dias, pela contribuição na coleta de dados e informações
referentes à exibição e audiência da telenovela Apocalipse.
54
consentimento por parte de Vivian de Oliveira. A este respeito, o site Portal Alta Definição
(REDAÇÃO. 2017) destacou em dezembro de 2017, um mês após o início da exibição de
Apocalipse, que parte significativa do público da telenovela criou as campanhas
“#ForaCrisCardoso” e “#ForaCrisCardosoDeApocalipse!” no Twitter pedindo a saída de
Cristiane Cardoso da direção de conteúdo do folhetim.
Não obstante, o site Tele Padi (PADIGLIONE, 2018) noticiou em maio do ano seguinte,
a dois meses do encerramento da trama, que a direção da Record TV afastou Vivian de Oliveira,
já estressada de Apocalipse, sob a alegação de atraso na entrega de capítulos da novela. Porém
o site defende, a partir de entrevistas concedidas por atores de Apocalipse, que os atrasos
estavam mais relacionados ao processo de intervenção no enredo da trama do que por eventuais
falhas profissionais da autora.
Em junho de 2018 o site Na Telinha (NASCIMENTO, 2018) publicou um texto que
sintetiza a crise dos bastidores da novela. A partir de entrevistas concedidas por atores e outros
profissionais técnicos da trama, o site destacou que a produção de Apocalipse foi a mais
problemática entre as das novelas de inspiração bíblica da Record TV. Também atribuiu o fato
às interferências de Cristiane Cardoso no folhetim e em outros e ressaltou que as mesmas
intervenções geraram a descaracterização da sinopse inicial de Apocalipse, especialmente a
partir da retratação da religião segundo o viés doutrinário da Iurd; uma crise artística na Record
TV por causa da falta de liberdade de produção dos profissionais da trama; e o afastamento ou
rescisão de contrato de atores e autores da emissora de televisão, como foi o caso de Vivian de
Oliveira que, após 21 anos de trabalhos prestados à Record TV, encerrou o contrato antes do
vencimento em 2020.
Partindo da premissa teórico-metodológica adotada durante a pesquisa, de que a novela
Apocalipse é um documento com valor histórico-sociológico, é possível concluir que o
conteúdo dela foi alterado ou corrompido intencionalmente dentro do processo de produção.
Não foi um dos objetivos da pesquisa identificar as alterações do texto original da telenovela,
mas o artigo “Apocalipse Now”: maior aposta de ficção da Record está sendo implodida, da
jornalista Ana Cora Lima (2017), publicado no site brasileiro Universo Online (UOL), semanas
após a estreia de Apocalipse, joga luz sobre essas alterações.
A jornalista (LIMA, 2017) esclarece que a autora Vivian de Oliveira não esconde dos
amigos próximos que o texto narrado pela personagem anticristo Ricardo Montana (ator Sérgio
Manore) não foi escrito por ela e que não reconhece mais a referida novela. Ainda segundo
informações levantadas pela jornalista, a narração de Ricardo não existia na sinopse original.
Isso representa uma intervenção drástica no enredo do folhetim, já que a personagem anticristo,
55
Nessa que foi uma das primeiras críticas ao folhetim, Feltrin (2017) chama a Igreja da
Sagrada Luz como “cúpula do Vaticano”. É possível então afirmar que para o telespectador a
alusão de apocalipse à Igreja Católica ficou evidente e foi um dos fatores de polêmica. Os
comentários de internautas que leram o artigo de Ricardo Feltrin – transcritos na próxima página
– sobre a novela Apocalipse demonstram o clima social de polêmica na recepção do folhetim.
Há comentários com polarizações político-religiosas, que vão desde a defesa da Igreja
Católica e a acusação de que o bispo Edir Macedo seria o verdadeiro anticristo, até a defesa da
novela Apocalipse em detrimento da crítica das novelas da Rede Globo, que apresentam
conteúdo das pautas políticas progressistas como as questões da sexualidade, da identidade de
56
Jcgvs 08/01/2018 00h02 - O mal que eu sei é esse charlatão que se diz Bispo, mas, é
o verdadeiro anticristo chamado Edir Macedo, explorador de milhares de incautos; e
este apocalipse que já está com a audiência em baixa vai acabar falindo, eu por
exemplo não vejo mais, tem coisa melhor pra se ver na TV.
Visitante 07/01/2018 18h59 – A palavra de DEUS nos ensina q por muitos seremos
odiados, é o que está acontecendo c os católicos c essa novela feita por esses idiotas.
A igreja q JESUS deixou foi a católica.
Sah Migotto 14/12/2017 11h02 – Olha, a novela é ruim. O texto é fraco e os atores
se esforçam para trabalhar com o texto que tem, porém, na minha opinião vocês todos
sendo manobrados. Eu não sou evangélica mas há anos, gradualmente a outra rede
enfia goela abaixo de todos os valores que atacam tanto a igreja católica quanto a
evangélica e todos dizem que é educação contra o preconceito, mostrar a realidade
para o público. Por pior que seja a novela, eu prefiro 10 dessas a uma novela das 9 da
outra rede. Pensem – o que está acontecendo aqui é apenas um “empurrãozinho” para
acabar com aquilo que é ruim mas pode melhorar. (UOL, 2017, não paginado).
A partir dos dados levantados pela empresa de pesquisa de mercados Kantar Ibope
Media (2020) sobre o TOP 10 programas com maior audiência, por emissora, em 15 capitais
brasileiras aferidas, disponibilizado na Tabela 2 (Anexo C), pode-se constatar que a novela
Apocalipse teve baixos índices de audiência.
Nos dois primeiros meses de exibição, a trama registrou uma queda brusca de audiência
por domicílio. Em média 7,68% dos 24.088,6 domicílios brasileiros aferidos acompanhavam a
telenovela à época. O ponto mais baixo de audiência ocorreu na segunda metade do mês de
dezembro, época do ano marcada pelas festividades do Natal e do Ano Novo. Nesse período,
apenas 13,8% das 68.420,2 pessoas assistiram a novela.
Observa-se que o número de espectadores da telenovela foi parcialmente recuperado na
segunda e na terceira semana de fevereiro de 2018, ficando acima do índice da semana de estreia
58
(de 8,2%) e abaixo do índice da segunda semana de exibição (9.8%). Após uma nova queda de
audiência na terceira e na quarta semana de fevereiro de 2018, a telenovela oscilou de 8,2% a
9,5% de audiência, por domicílio, até a segunda semana de junho de 2018.
Na reta final, entre os dias 11 de junho e 1 de julho de 2018, Apocalipse teve,
consecutivamente, os três maiores picos de audiência domiciliar (10%, 10,4% e 13,8%
respectivamente). Na última semana foi assistida por aproximadamente 10,3% dos 69.378,6
telespectadores aferidos.
Constata-se, portanto, a partir dos dados de audiência da telenovela Apocalipse (2017)
levantados pelo instituto de pesquisa Kantar Ibope Media, que o folhetim teve dificuldade de
manter as médias de audiência nos primeiros meses de exibição no Brasil e dificuldade de
ampliação do alcance de público ao longo da mesma exibição. Os motivos dessas dificuldades
são frutos de vários fatores, dos quais destacam-se as polêmicas relacionadas à trama –
apontadas anteriormente – e ao conteúdo que será apresentado a seguir.
É importante ressaltar que a baixa audiência nacional em relação às demais novelas de
conteúdo bíblico da Record TV não influi sobre a importância dela como documento com valor
histórico. Antes, porém, joga luz sobre a vivacidade do campo religioso brasileiro a partir das
movimentações das relações de poder da sua hierarquia interna. Nesse sentido, fica a indagação:
a queda de audiência da trama poderia apontar para a capacidade de reação dos telespectadores
católicos à contestação aguerrida do monopólio simbólico da Igreja Católica irrompida no
enredo da trama?
59
conhecido como Coliseu de Roma e uma nuvem escura tampa a lua minguante. Outros dois
meteoros em chama caem sobre a mesquita de Omar, também chamada de Domo da Rocha, em
Jerusalém.
Um homem de terno e gravata (com listras transversais pretas e brancas) discursa,
segurando uma tribuna com três microfones e agitando a outra mão (de pele clara) em
movimentos verticais. É possível ver um relógio no seu pulso. Várias mãos aplaudem e em uma
delas (também de pele clara) aparece, após um clarão, os dígitos 666, em cor preta, como se
fossem ossos revelados em uma lâmina de raio X. Outro clarão ilumina a face de um homem
(de pele clara e cabelo liso) de terno e gravata (também com listras transversais pretas e
brancas), revelando-lhe a ossatura craniana e os dígitos 666 inscritos na cor preta em sua testa.
Um homem de terno, provavelmente o mesmo já mencionado, se aproxima da vidraça
da sala de um prédio. Um meteoro em chamas cai sobre a avenida cercada de edifícios e
explode. Dois automóveis, um capotado e o outro em tom amarelado e com um objeto em cima,
similar a uma placa de táxi desalinhada, ao lado de três cones em uma pista em chamas, pegam
fogo.
Aparece a sombra do busto de um homem que está de costas para a vidraça. Lá fora cai
um meteoro. Meteoros incendiados caem sobre aviões dispostos em plataformas de embarque
e desembarque de um aeroporto. Também caem sobre a Estátua da Liberdade – decapitada – de
Nova York e sobre a Praça dos Três Poderes em Brasília, com destaque para o prédio do palácio
do Congresso Nacional, semidestruído. Quatro cavalos, nas cores branco, marrom
avermelhado, castanho amarelado e preto, correm paralelos em um ambiente alvo e são
iluminados por um feixe de luz que revela o seu esqueleto.
O Aqueduto Carioca, popularmente conhecido como Arcos da Lapa, na cidade do Rio
de Janeiro, está em chamas. Um homem caminha ao longe em um túnel retangular e é
“engolido” por um clarão. Uma figura incandescente, com aspectos humanos, trajando manto,
se levanta de uma cadeira com talhas e estofado –semelhante a um trono – disposta entre outras
duas cadeiras similares, porém mais baixas e ergue os braços para cima, como se estivesse
louvando alguma coisa.
Vários aparelhos de televisão, distribuídos em três prateleiras rentes, apresentam cenas
de dois edifícios idênticos (como o World Trade Center – as torres gêmeas) expelindo fumaça
em seus últimos andares. Em seguida, saem do ar e desligam, aparentando queda de energia
elétrica. Entre dois prédios negros – com pequenas janelas brancas – de uma avenida, inicia-se
uma explosão que “engole” toda a imagem (no caso, a cidade). Finalmente, aparece de um pano
de fundo preto a palavra Apocalipse, em letras brancas em fonte cinzel.
61
16
Deus no centro do universo.
17
Dicotomia conflituosa entre o “bem” e o “mal”.
18
O ser humano no centro do universo.
19
O prazer como bem supremo do ser humano.
62
20
Releitura de Platão.
21
Imitação científica da natureza.
22
Ruptura institucional com a Igreja Católica.
23
Negação de dogmas católicos.
24
Renúncia da fé católica.
63
a vitória final do que podemos chamar de mundo encantado sobre o que o sociólogo alemão
Max Weber chamava de processo de desencantamento do mundo na modernidade.
25
Titã, ou deus, da mitologia grega que representa o tempo.
26
Na mitologia grega o deus Apolo é o senhor do tempo e tem a função de conduzir a carruagem do sol,
controlando, portanto, o tempo, o correr dos dias.
27
“O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles”.
28
Dois personagens do folclore brasileiro. Geralmente o sétimo irmão e o filho do padre, se transformam em
lobisomem, nas noites de quaresma, a partir dos 13 anos de idade. E a esposa do padre se transforma em mula sem
cabeça, também nas noites de quaresma.
64
A atmosfera costuma ser suficiente para impedir que meteoros causem grandes
estragos na Terra. Porém, diversos casos já foram registrados de bolas de fogo
cruzando o céu e atingindo o solo. Em alguns casos, uma gigantesca cratera marca o
local exato do impacto. No episódio desta sexta-feira (8) da novela Apocalipse,
meteoros irão cair do céu ameaçando a vida no planeta. (MARQUES, 2018).
Renata Vasconcelos: E daqui alguns instantes, né? O Brasil finalmente vai saber
como termina a novela.
Reportagem: E esse foi o assunto do dia em todo o país. Em São Paulo a correria foi
grande agora a noite. Milhões de brasileiros se apressaram para não perder o ultimo
capítulo da novela. [...] O carioca também se apressou. [...] Na praia de Copa Cabana
até os turistas estão de olho no final de Avenida Brasil. [...]
Eduardo Ribeiro: Os quatro cavaleiros do... Do... Os quatro cavaleiros são um dos
símbolos mais famosos do Apocalipse! Por isso mesmo eu ia dizer: os quatro
cavaleiros do Apocalipse.
Carla Cecato: Com cavalos de cores diferentes e portando arco e flecha, espada,
balança e até uma foice. Eles representam profecias que para muitos não estão longe
66
Além de fazer propaganda para a telenovela Apocalipse, percebe-se que a narrativa dos
âncoras e da reportagem possui um conteúdo interpretativo literal do livro bíblico, sem a
apresentação do contexto histórico de escrita dele. Há, portanto, uma interpretação
fundamentalista – que desconsidera a hermenêutica – comum nas teologias neopentecostais,
dentre elas, a da Iurd, sendo proferida pelo jornalismo da Record TV.
Junto às imagens dos meteoros, na chamada de abertura da novela Apocalipse, estão as
imagens do homem de terno caminhando tranquilamente próximo a vidraças, que refletiam as
chamas de meteoros caindo sobre a cidade e, depois, discursando energicamente em parlatório,
sendo aplaudido por várias pessoas, explicitando a presença dos elementos, política e religião,
na trama. Pode-se inferir que em todas as cenas trata-se do mesmo homem, uma vez que
algumas características físicas – como a pele de tonalidade clara e o cabelo liso – e de vestuário
– como o terno preto e a gravata com listras transversais pretas e brancas – são comuns a todas
as imagens apresentadas sobre essa personagem.
Os elementos política e religião, presentes nas cenas mencionadas acima, são reforçados
pela inscrição dos dígitos 666 na mão e na testa do figurante. O número 666 é popularmente
conhecido como o número da “Besta”, devido a sua menção no versículo 18 do capítulo 13 do
livro do Apocalipse, transcrito a seguir:
O falso profeta a serviço da Besta – 11 Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois
chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão. 12 Toda a autoridade da
primeira Besta, ela a exerce diante desta. E ela faz com que a terra e seus habitantes
adorem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido curada. 13 Ela opera grandes
maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu sobre a terra, à vista dos homens.
14 Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da Besta, ela
seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma imagem em honra da Besta
que tinha sido ferida pela espada, mas voltou à vida. 15 Foi-lhe dado até mesmo
infundir espírito à imagem da Besta, de modo que a imagem pudesse falar e fazer com
que morressem todos os que não adorassem a imagem da Besta. 16 Faz também com
que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebam uma marca
na mão direita ou na fronte, 17 para que ninguém possa comprar ou vender se não
tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome.
18 Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois
é o número de homem: seu número é 666! (BÍBLIA, Apocalipse, 13,11-18).
29
Designo por “ambientes urbanos seculares”, os espaços públicos contemporâneos caracterizados, sobretudo,
pelo princípio da separação entre Estado e religião.
68
há a presença constante de cores quentes, com destaque para o vermelho, para indicar fogo. No
Rococó – a exemplo dos trabalhos conjuntos das oficinas de mestre Aleijadinho e de mestre
Ataíde nas imagens sacras do santuário de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas-MG – a
cor vermelha é associada ao sangue derramado do Cristo e dos santos mártires (mortos pelo
império romanos até o século V d. C) e à cor do pecado, da luxúria, do demônio. No caso da
novela, os tons de vermelhos estão relacionados ao caos, à destruição do mundo em declínio.
As cores predominantes na chamada de abertura da telenovela: o preto, o branco, o cinza
e o vermelho são comuns nas aberturas de várias séries de televisão (canal por assinatura) como
por exemplo as conhecidas: Mad Men (2007 a 2015), Game Of Thrones (2011 a 2019), True
Detective (2014, 2015 e 2019), Narcos (2015 e 2016), Westworld (2016), Luke Cage (2016 e
2018), La Casa de Papel (2017 a 2020) e The Good Doctor (2017 a 2020). É importante
ressaltar, ainda, que essa matriz tetra-color pop, se assim é possível conceituar, foi utilizada na
abertura de filmes renomados, como é o caso de Schindler's List (1993) e dos longa-metragens
do famoso espião inglês “James Bond”, desde o primeiro lançamento – 007 Contra o Satânico
Dr. No, em 1972 – até o mais recente – 007 - Sem Tempo Para Morrer (2020). O constante uso
das mencionadas cores são, portanto, um referencial cinematográfico para teleproduções que
tenham conteúdo de investigação, drama, ficção científica e guerra.
Já o contemporâneo é um estilo sutil e futurista, em que as tonalidades neutras,
acinzentadas, pretas e brancas ganham destaque. A nostalgia das cenas acinzentadas – de uma
metrópole moderna, secular, desencantada e em declínio (provavelmente Nova York, devido às
características arquitetônicas do estilo art déco presentes nos edifícios já descritos) – filmadas
em câmara lenta, se mescla à música-tema, um adágio (movimento lento, em uma sinfonia). É
a mesma nostalgia do homem de terno preto que caminha tranquilamente em frente às vidraças
durante a queda de meteoros em chamas, na cidade.
A conjugação dos referidos elementos audiovisuais cumpre duas funções gerais. A
primeira é a de materializar a metáfora “crônica de uma morte anunciada”30, ou seja, apresenta
o desfecho da narrativa da trama já na abertura. Ele se constitui no apequenamento da
humanidade frente à magnitude do cumprimento inevitável de supostas profecias bíblico-
apocalípticas que conduzem o tempo e o mundo para o seu fim. E a segunda é de representar o
“mal-estar” do mundo contemporâneo e do Brasil naquele ano de 2017 (a exemplo da crise
política do governo Temer frente a denúncias de corrupção no contexto da Operação Lava Jato,
a greve da polícia no estado do Espírito Santo e da greve nacional dos trabalhadores contra a
30
Metáfora inspirada no livro de mesmo nome do escritor latino-americano Gabriel Garcia Márquez.
69
Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem
Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon
Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem
Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral
Amém
(RAUL SEIXAS, 1974).
fanaticamente contrário às opressões do Império Romano, segundo Corsini (1984) – mas sim à
personagem de Ricardo Montana – um jovem cidadão da elite romana, considerado como o
anticristo – cujo objetivo era dominar o mundo e fazer a humanidade sofrer. Ou seja, a novela
Apocalipse que, segundo propaganda da Record TV teria sido prevista há mais de 2 mil anos,
é narrada pela voz daqueles que foram denunciados como anticristos no livro do Apocalipse. O
objetivo dessa contradição é afirmar que o mundo material é governado por satanás e devido a
isso, está chegando ao fim, sobretudo pela guerra santa entre Deus e satanás. Ou seja, como o
enredo da trama se passa no mundo material, o seu porta-voz é o próprio governante desse
mundo. Diria até que a novela seria uma espécie de diário aberto do anticristo, onde ele
compartilha suas ideias, sentimentos e estratégias com o telespectador.
A trama tem início com cenas de um quiosque paradisíaco na Indonésia – arquipélago
entre a Ásia e a Oceania. Paralelamente, uma voz grave de homem abre a narrativa:
Anticristo: Eu já estava aqui muito antes disso tudo ser um paraíso, desde o Éden eu
venho brincando com a humanidade, sempre nas sobras, as escondidas, aproveitando
todas as oportunidades para fazer esses vermezinhos sofrerem. Mas cansei de ficar
nos bastidores, meu tempo está se esgotando. Chegou a hora de eu aparecer em carne
e osso, no foco dos holofotes. E foi assim, quando ninguém esperava, que tudo
aconteceu. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 12).
Trata-se do anticristo, que ainda viria a nascer (encarnar-se) como Ricardo Montana. A
manifestação dele como uma voz onisciente cumpre a função, no primeiro discurso, de atrelar
a narrativa da novela à narrativa do livro bíblico do Apocalipse, como se a novela fosse uma
continuidade fatual das sagradas escrituras, em que os telespectadores podem atestar a partir
de uma espécie de cumprimento de profecias (no sentido de vidência) bíblicas.
Na sequência, o referido quiosque é destruído por um tsunami. O ano dessa ocorrência
é 1987, mesma data inscrita no túmulo das personagens Jonathan (Gil Hernandez) e Elisa
(Deborah Khalume), judeus ortodoxos não praticantes da religião que tiravam férias no local
do desastre natural com os filhos Alan (Maurício Pitanga) e Uri (Gudman Fhelipe Gomes).
Essa primeira cena trata a temática do Apocalipse a partir de um desastre natural
comum nessa região da Terra. É possível compreender que a narrativa da novela abre, a partir
da desnaturalização dos fenômenos naturais, em detrimento de uma espiritualização deles.
O desastre natural adquiriu uma conotação de ação destrutiva do mal, ou do diabo, ou
ainda, do anticristo, já que ele, no fim de sua fala, abre a deixa para o início da ocorrência da
catástrofe. Mas também um sentido de ruptura histórica frente à iminência da formação de uma
nova ordem messiânica, nascida do colapso da antiga, como é possível observar na palestra do
bispo Edir Macedo, em 2018 nos Estados Unidos, sobre o Apocalipse.
73
Presta atenção numa coisa! Todas as vezes que eu vejo notícias trágicas, mortes,
incêndios, desastre de avião, vulcões, furacões, traições, no nosso meio... Despeito
pelas coisas sagradas... Pra mim são sinais da vinda de Jesus. Pra mim são sinais
evidentes de que o Nosso Senhor está chegando. [...] Estou falando profeticamente!
Porque assim também era nos dias que antecedeu o Dilúvio. As pessoas comiam,
bebiam, casavam e se davam em casamento... Quer dizer, vivia aquela luxúria e de
repente veio o Dilúvio e só uma família se salvou. Então nós vamos daqui a pouquinho
estudar sobre essa vinda de Jesus e o galardão que ele dá aqueles que foram fieis em
todo o tempo. [...] (MACEDO, 2018).
Assim como na lógica do discurso do anticristo, a fala do bispo Edir Macedo (2018)
desnaturaliza desastres ambientais em detrimento de sua espiritualização. Tal movimento é
afirmado pelo líder religioso como sinais de profecias e legitimado a partir da narrativa do
Dilúvio, uma chuva enviada por Deus que durou quarenta dias e quarenta noites e inundou a
Terra. Sendo assim, o bispo compreende esta passagem bíblica não a partir de seu contexto
histórico de produção e a sua rica mensagem simbólico-mítica de ordem teologal, mas sim
como um fato histórico em si que tem importância apenas pela suposta verdade de sua
ocorrência. Esse aspecto configura o discurso dele como fundamentalista.
A novela Apocalipse se divide em três temporadas, como é apresentado na linha do
tempo disposta na Imagem 12.
A primeira, que tem início em 1987, trata dos antecedentes do Apocalipse. Nesse
período pré-apocalíptico, que vai até fins da década de 2010, se dá o nascimento, a infância e a
maturidade dos três protagonistas da trama: Ricardo Montana (banqueiro romano, membro da
74
Igreja da Sagrada Luz), Zoe Santero (jornalista carioca de classe trabalhadora e cristã
evangélica) e Benjamim Gudman (judeu residente em Nova York, engenheiro de computação
e robótica e ateu). Essa fase da novela se caracteriza pelos chamados primeiros sinais do fim
dos tempos: a ocorrência do referido tsunami, dos assassinatos em série por Nicanor e pelo
atentado terrorista às Torres Gêmeas. Porém, os primeiros sinais não são totalmente percebidos
pelas personagens como anúncios do Apocalipse.
A temporada encerra-se com cena do chamado Arrebatamento, Capítulo 56, em que as
pessoas escolhidas por Deus somem simultaneamente em toda a Terra e vão para o céu para
obterem a salvação de suas almas e não sofrerem com os dramas do fim dos tempos. Apenas as
crianças e os considerados cristão verdadeiros, isto é, os evangélicos que seguem a bíblia
corretamente são salvas pelo Arrebatamento. Os demais, como os ateus, que em geral são
representados como cientistas, professores e artistas, e os não evangélicos e os evangélicos, que
não seguem a Palavra de Deus rigorosamente, não são salvos.
Cabe ressaltar que todas as representações de ocorrências de fatos no enredo da novela
Apocalipse considerados como um cumprimento de profecias bíblicas, a exemplo do
Arrebatamento, são acompanhados pela citação textual de passagens bíblicas correspondentes
de forma a legitimar a narrativa da novela a partir da Bíblia. O hiperfoco dado ao referido livro
sagrado na novela aponta o teor fundamentalista da trama, uma vez que, como esclarece
Panaziasc (2007), a prática fundamentalista é demarcada pela constante referência do crente a
um livro.
Após o Arrebatamento, inicia-se a segunda temporada da trama. É um período de três
anos em que Ricardo proporciona um clima de paz mundial por meio de sua atuação política
como presidente do Conselho das Nações. Porém, as personagens cristãs chamam o período de
tempos da falsa paz e tentam combatê-lo a partir de um movimento que concebem como voltar-
se a Deus ou seguir os seus preceitos disponibilizados na Bíblia. Isso porque, segundo eles, o
anticristo estava concretizando as profecias bíblicas que conduziriam ao fim dos tempos:
criação da moeda única, criação da religião única, criação da marca da besta e construção do
III templo de Salomão em Jerusalém.
Nessa etapa da novela ficam evidentes os quatro elementos que, segundo Panaziasc
(2007), caracterizam o fenômeno fundamentalista: o princípio da inerrância dos textos do livro
sagrado; o princípio da astoricidade, que defende a manutenção da verdade original dos textos
sagrados frente ao pressuposto de que a razão humana não tem competência para interpretar ou
atualizar a sua mensagem; o princípio da superioridade da lei divina disposta no livro sagrado
em relação à lei terrena; e o primado do mito da fundação de identidade de um grupo de forma
75
[...]
Está em qualquer profecia
Dos sábios que viram o futuro
Dos loucos que escrevem no muro
Das teias do sonho remoto
Estouro, explosão, maremoto
A chama da guerra acesa
A fome sentada na mesa
O copo com álcool no bar
O anjo surgindo no mar
No caso da Iurd, ela produziu sua própria série em 2017, chamada Apocalipse. A série
que foi amplamente divulgada pela Rede Record, também dramatizou um possível
governo do anticristo e um ambiente de grande tribulação para os cristãos que
permaceceram na terra e não foram levados aos céus pelo arrebatamento. A
dramatização desta teologia é realizada por meio do espetáculo e com um só objetivo:
a conversão. O espetáculo, por sí só, já é um meio de instrumentalização. Debord já
alertava que os espetáculos, nos meios de comunicação, transmitem uma linguagem
unilateral e isenta de qualquer neutralidade. (ORTUNES, 2019, p. 99).
Apocalipse é quase panfletária a favor da Igreja Universal. A trama deixa claro que
somente os evangélicos (protestantes) irão ser salvos por Deus. Por isso o capítulo 56
que tratou do arrebatamento foi tão propagado pela emissora. Foi preciso mostrar para
o maior número de fiéis da igreja o que irá acontecer no fim do mundo, na visão dos
bispos é claro. A narrativa mistura passagens bíblicas com leituras interpretativas da
igreja. Por exemplo, entender o primeiro cavaleiro do Apocalipse como sendo o
demônio é uma interpretação. Muitos acreditam que o arco e a coroa representam o
poder de Deus e não do demônio. Como o livro do Apocalipse é cheio de simbologias,
existe uma margem muito grande para diferentes interpretações. Contudo, a novela
apresenta uma versão da Igreja Universal sobre o livro bíblico e não se propõe a
discutir ou refletir sobre as escrituras sob outros olhares. A sensação que se tem ao
assistir à novela é muitas vezes de medo. Esse sentimento é trabalhado pela
representação do mal, incorporado em alguns personagens e em suas atitudes
perversas. O medo é necessário para que os telespectadores e fiéis da igreja busquem
a salvação, ou seja, a própria igreja. Ao demonstrar como os protestantes são
ridicularizados e insultados na novela, a Universal quer dizer o mesmo para os seus
fiéis. E, como na novela, promete a todos aqueles que acreditam na igreja a salvação
de seus pecados. (ARAÚJO; SANTANA, p. 13, 2019)
Pois não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar, sem recorrer á
sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo. Com eleito,
a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se
salvam, para nós, é poder de Deus. Pois está escrito: ‘Destruirei a sabedoria dos sábios
e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde este o homem
culto?’ Onde está o argumentador deste século? Deus não tornou louca a sabedoria
deste século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a
Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação salvar aqueles
que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós
porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios
79
é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo,
poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que
os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. (1 CORÍNTIOS
1:17-25).
messianismo apocalíptico, a guerra final entre o bem e mal, o controle de Deus sobre a história
e a sua autocondição de ser parte do povo eleito de Deus.
Outra característica da concepção de apocalipse na novela é a ideia de que a “verdade”
(mensagem de Deus), foi revelada a um grupo de pessoas e que o cumprimento das profecias
contidas nelas são observáveis na realidade da vida cotidiana e inevitáveis, como ponto no
diálogo entre o policial Cesar e pastor Jonas. O sociólogo Boaventura S. Santos (2014) esclarece
que essa perspectiva teológica se estrutura por elementos fundamentalistas: “utilizarei, pois, os
termos ‘fundamentalismos’ e ‘fundamentalista’ para me referir a teologias - cristãs e islâmicas-
de acordo com as quais a revelação é concebida como o princípio estruturante de organização
da sociedade em todas as suas dimensões”. (SANTOS, 2014, p. 42).
O apocalipse é tratado neste diálogo como uma profecia sobre o fim do mundo e que
está se cumprindo no fim da década de 2010. Novamente a ideia de profecia é abordada como
vidência e o seu cumprimento se dá de forma determinista e observável na realidade da vida
cotidiana a partir das consequências materiais das ações do anticristo. Apesar disso, a
mensagem revelada às personagens cristãs evangélicas por meio da leitura literal dos textos
82
bíblicos não é capitaneada pelas demais pessoas da sociedade devido a vários motivos. Resta
às pessoas que creem nas supostas profecias do apocalipse, segundo o pastor Jonas, se
prepararem individualmente para a chegada do momento em que cada uma delas lutará pela
sobrevivência. A saída assinalada pela personagem aponta para a canalização da mensagem
apocalíptica na trama como um discurso de alerta sobre situações iminentes que evocam o terror
e o medo. Não obstante, os teólogos Mesters e Orofino (2011) apontam que:
O Apocalipse foi escrito para animar a caminhada das comunidades. Essa animação
significa ser uma resposta e uma iluminação para o momento que viviam. Ela não
quer meter medo. Pelo contrário! Usar Apocalipse para provocar medo é o mesmo
que usar o sol para molhar, e a chuva para secar. (MESTERS e OROFINO, 2018, não
paginado).
Imagem 15 - O anticristo
Já no que tange ao sentido da referida crítica como combate de pautas políticas da Rede
Globo, é preciso destacar que na década de 2010 a emissora de televisão tendeu para a defesa
do liberalismo econômico e social a partir de posicionamentos político-ideológicos em suas
novelas, telejornais e programas de forma a apoiar as reformas econômicas neoliberais do
governo Temer (2016-2018) e as pautas identitárias dos movimentos negro, feminista e
LGBTQIAP+. Elas também eram apoiadas pelo apresentador da emissora de televisão Luciano
Huck, que demonstrou várias vezes o interesse de ser candidato à presidência da República pelo
partido de centro-direita PSDB. Já a Record TV tendeu na mesma época para a defesa do
liberalismo econômico e do conservadorismo sociocomportamental se posicionando também,
por meio de seu jornalismo e teledramaturgia, a favor das pautas políticas da menoridade penal
e contra as agendas políticas da legalização das drogas, de gênero, do aborto e dos demais
direitos das mulheres sobre o seu corpo.
Nesse sentido, suponho que a crítica da novela Apocalipse ao JN é sobretudo uma crítica
explícita à Rede Globo, de forma a colocar a teledramaturgia e o jornalismo da Record TV
como uma alternativa aos da referida emissora de televisão concorrente.
É importante pontuar que a Rede Globo sofreu críticas, boicotes e perda de audiência
87
por parte de amplos setores da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. A esse
respeito Silva et al (2011) no artigo “Ciberativismo e comunidades virtuais: um estudo sobre o
movimento anti-Globo” identificaram cinco motivos no âmbito das comunidades virtuais para
a resistência à referida emissora de televisão: a programação (isto é, a imagem do Brasil
transmitida pela programação e a sua influência sobre discórdias no interior das famílias e sobre
a alienação do público, bem como a repetição de filmes e a manutenção de programas
saturados); a defesa a outro canal (em específico à Record TV, a comparando com a Globo); o
preconceito em relação a grupos religiosos (em específico os evangélicos); e a possível
manipulação da informação (a partir da forma de divulgação da informação e dos programas
transmitidos).
Gostaria de inserir as informações de Silva et al (2011) em uma percepção própria que
tive ao longo da década de 2010 a partir de minha página do FaceBook. A inserção de temáticas
oriundas das identidades de gênero e étnico-racial em várias novelas da Rede Globo na última
década podem ser um dos motivos para as críticas e boicotes à emissora de televisão. É o caso,
por exemplo, da repercussão da polêmica nacional dos chamados beijos gays encenados nas
novelas Amor à Vida (2013) e Em Família (2014), primeiras representações de beijos entre
pessoas do mesmo sexo na história da teledramaturgia da referida emissora. Já a Record TV,
na mesma época, em contraponto à suposta promiscuidade da Rede Globo, angariou novos
telespectadores a partir do investimento na produção das chamadas telenovelas bíblicas.
Não é um dos objetivos deste tópico analisar os atritos políticos-empresariais entres as
duas referidas emissoras de televisão, porém a identificação da representação deles no enredo
da telenovela Apocalipse forneceram elementos que jogam luz sobre as contribuições da Rede
Globo e da Record TV para com o clímax social brasileiro de fim do mundo no contexto das
eleições presidenciais de 2018.
Ademais, destaca-se que a concepção de escatologia e de apocalipse presentes na
telenovela Apocalipse evocam um sentido de cataclismo mundial associado à presença
estruturante do elemento política e da ideia de profecia como vidência do futuro. Nesse sentido,
a ideia de apocalipse na trama parte de uma leitura fundamentalista-milenarista do texto bíblico
e deságua em uma intencionalidade neofundamentalista de intervir na realidade da vida
cotidiana brasileira por meio de uma mensagem ideológica.
88
Após ter conhecido o Senhor como Ele realmente é, o apóstolo João se identifica para
todos os demais seguidores do Senhor Jesus como “...irmão vosso e companheiro na
tribulação, no reino e na perseverança...” (Apocalipse 1.9). Ele não se dirige à Igreja
como apóstolo, conforme fizeram Paulo e Pedro. [...]. (MACEDO, 2011, p. 23).
89
31
Lembro-me bem desta data, pois foi o dia da minha cerimônia de formatura como aprendiz de mecânico
industrial pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o paraninfo da turma iniciou o dicurso em tom
descontraído afirmando: “Apropriada ocasião para se celebrar o fim de um ciclo de formação”.
90
Copa do Mundo de 2014 no Brasil e das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, que o fim do
mundo foi adiado no Brasil porque o país não tinha estrutura para sediar o evento.
Vários filmes e séries com elementos apocalípticos (incluindo pré, pós-apocalipse e
apocalipse zumbi) foram produzidos nas décadas de 2000 e 2010, com objetivos comerciais de
proselitismo religioso e de proselitismo político. Destacam-se os filmes “O Dia Depois de
Amanhã” (2004), “Guerra dos Mundos” (2005), Wall-E (2008), 2012 (2009), “O Livro de Eli”
(2010), “Melancolia” (2011), “Meu Namorado é um Zumbi” (2013), “Depois da Terra” (2013)
e “Invasão Zumbi” (2016). Além disso, series como The Walking Dead (2010), The 100 (2014),
Ash vs Evil Dead (2015), The Last Man on Earth (2015) e The Handmaid's Tale (2017).
No período eleitoral brasileiro de 2018, o youtuber André Guedes produziu em seu canal
do YouTube (GUEDES, 2020) uma série de 12 episódios em videoanimação chamada “Zumbis
em Brasília” (com expressivo número de visualizações que variam entre 2,8 mil e 8,5 mil), que
trabalha o pleito de 2018 a partir da caricaturização dos candidatos à presidência da República.
Eles disputam o cargo em meio a um cenário apocalíptico, como é possível observar na Imagem
19. A série aponta para um sentimento nacional de fim do mundo envolto naquelas eleições,
seja pela possível vitória do extremista de direita Jair Bolsonaro ou do retorno do PT ao governo
após uma ampla campanha de desconstrução do partido que gerou, entre outras situações, a
deposição da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a prisão do ex-presidente Lula em 2017. O
sentimento de fim do mundo envolto nas eleições de 2018 está estreitamente associado ao
antagonismo exacerbado do antipetismo versus petismo. Ou seja, ou o mundo se acabaria com
a vitória da extrema direita ou com o retorno do PT ao poder.
91
Tal sentimento fatalista possui ao menos duas origens. A primeira diz respeito ao
histórico renascer ou fortalecimento do conservadorismo sociopolítico após um período de
significativos avanços sociais promovidos por governos progressistas. Trata-se de uma resposta
conservadora em defesa da manutenção da tradição, da fé, da família, dos costumes etc.
(ORTUNES, 2019). E o segundo tem a ver com uma das características fundamentais do
presidencialismo destacadas por Salinas e Rebolledo (2013) ao analisarem a obra do cientista
político Juan Linz, a saber, a rigidez da escolha eleitoral por um período fixo. Segundo os
autores, as eleições em um sistema presidencialista tendem a criar crises e polarizações no
interior dos governos devido a vários fatores como o fato de que o vitorioso ganha tudo e o
derrotado perde tudo; a dificuldade de exoneração do governo, que é possibilitada apenas pelo
processo de impeachment; a rigidez do período preestabelecido do governo inviabilizando o
seu encurtamento ou ampliação; e a perpetuação das alianças políticas em um governo de
coalisão.
A novidade trazida pela Record TV em relação ao gênero apocalíptico como fim do
mundo diz respeito mais ao seu ineditismo no formato de telenovela do que em relação ao seu
conteúdo em si. De fato, não havia, desde então, no mercado televisivo e cinematográfico
nacional e internacional, a produção de uma telenovela de temática apocalítica, inspirada no
92
livro bíblico do Apocalipse. Porém, no que tange ao tratamento fundamentalista do texto bíblico
e no uso de recursos cinematográficos para materializar figuras de linguagem e símbolos
religiosos, a telenovela em questão se apresenta como uma continuidade do cinema gospel. Já
a novidade de Apocalipse, em relação às demais novelas de inspiração bíblica da Record TV,
está na transição do fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo. Isso devido à
presença de discursos religiosos com objetivos políticos.
O movimento de transição do fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo no
enredo da telenovela Apocalipse ocorre a partir de dois fatores. O primeiro diz respeito à
encenação da narrativa do livro do Apocalipse na contemporaneidade e não no período em que
ele foi escrito. E o segundo diz respeito à menção do mesmo livro ao governo do anticristo.
Embora a menção se refira aos imperadores romanos do século I d.C. como Nero, que travou a
primeira perseguição aos cristãos, a novela a representa como um possível governo mundial
levado a cabo pela ONU.
A Record TV e a Iurd, portanto, trouxeram para a televisão aberta um gênero pop na
indústria do cinema, que adquirira importante espaço desde meados do século XX, no contexto
das guerras mundiais, e o fizeram dispondo de tecnologia cinematográfica para a produção de
efeitos especiais em vários episódios, dentre eles, o do tsunami, no capítulo 1, que matou
Jonathan e Elisa Gudman, pais de Alan e Uri. Aliás, esse episódio em particular apresenta
similaridades com cenas do filme “O Impossível” (2012) de Juan Antonio Bayona (apontado
na imagem a seguir), que trata da destruição de um lugarejo da Tailândia, onde o casal Maria e
Henry aproveitavam as férias com os três filhos. As similaridades corroboram a ótica do
antropólogo Oro (2015) ao afirmar que a Iurd atua a partir da apropriação, imitação e da
extrapolação de um elemento existente.
93
Antônia Fontenelle: Você é... Em poucas palavras Vivian, você consegue descrever
o nosso momento político?
Vivian de Oliveira: Não, eu acho que é um momento... Então...
Antônia Fontenelle: Eu falo em poucas palavras porque é chato, é um assunto chato,
mas que a gente não pode deixar passar batido.
Vivian de Oliveira: Sim, sim. Eu acho que é um momento que as pessoas estão
decepcionadas, estão frustradas, não é? De, é... E isso ajuda até Os Dez Mandamentos,
entende? Imagina, uma novela que fala do sonho de liber... De um libertador que
venha resgatar. De uma terra prometida, né? Todo mundo sempre esperou tanto que
o Brasil, é... Prosperasse. Que a gente teve um pouquinho disso, né? Da economia lá
atrás florescendo, a classe, o, a classe baixa subiu, ganhou uma, um status é... E agora
o sonho acabou, assim é... E agora eles estão vendo que não é por aí e eu acho que a
novela fala muito disso, sabe? De uma, de uma, de pessoas muito sofridas e que estão
esperando a terra prometida chegar, sabe? O sonho da liberdade. Acho que tenha haver
um pouco. Talvez por isso também. É o imaginário popular...
Antônia Fontenelle: Cê acredita que a gente... Que é só mais uma crise e que a gente
vá conseguir...?
Vivian de Oliveira: A eu sempre acredito no lado... Eu sempre acho que as coisas
vão melhorar, sabe? Eu acho que tem momento de crise do Brasil, pesada, mas tem
uma crise mundial também, mas nos Dez Mandamentos num tá um sucesso no meio
94
em um livro apocalíptico apócrifo cujo nome não é mencionado na cena. O arqueólogo Queirós
interpreta os atos do assassino autodenominado Samael a partir da sua interpretação de um livro
apocalíptico apócrifo, cujo nome não é mencionado na cena. Mas apesar do trabalho teológico
desempenhado pelos pastores e pelo arqueólogo, a narrativa da novela se desenvolve sem
grandes preocupações com os sentidos contextuais e teológicos do texto do livro do Apocalipse
escrito na conjuntura histórica do Império Romano do século I d.C. Antes, foca na ideia de fim
do mundo como profecia/verdade bíblica que pode ser constatada, supostamente, na realidade
de crise do Brasil e de vários países na contemporaneidade. Nesse sentido, o período pré-
eleitoral brasileiro de 2018 é marcado por uma novela que trata a realidade sociopolítica do país
naquele momento como uma dialética entre o bem e o mal, o moral e o imoral etc.
A narrativa geral do conservadorismo político-religioso presente no Brasil naquele
momento pré-eleitoral como, por exemplo, o design inteligente (defendido pela personagem
Monique Filadélfia, biomédica e cristã evangélica) e o criacionismo (defendido pela
personagem Zoe Santero, jornalista e cristã evangélica), aparece na novela Apocalipse de
diversas formas. Dentre elas, destacam-se as dicotomias entre religião e ciência. A esse respeito
a personagem Uri Gudman, astrofísico e ateu, incorpora uma narrativa comumentemente
atribuída por cristãos fundamentalistas aos cientistas em geral: a negação da Bíblia como uma
forma de conhecimento válida em termos históricos e científicos.
Ainda no que tange à problemática da ciência e do chamado anti-intelectualismo no
Brasil, o ideólogo Olavo de Carvalho, considerado como o guru conservador católico da
campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, denunciava que as universidades e a
comunidade científica brasileira eram um reduto de esquerdistas comunistas e feministas.
A esse respeito, publicou um vídeo no YouTube em 2017 intitulado Aprenda a calar a
boca do seu professor comunista (MOTA, 2017). Naquele período pré-eleitoral, intensificaram-
se as campanhas anticiência e Escola sem partido que levou vários alunos secundaristas e
universitários do país a coagirem verbalmente seus professores em sala de aula e filmá-los com
o intuito de denunciá-los socialmente nas redes sociais. Algumas filmagens desse gênero ainda
podem ser assistidas pelo You Tube como, por exemplo, o vídeo Flagrante de doutrinação
ideológica em escola de Niterói (JORDY. 2018), seguido da hashtag #EscolaSemPartidoJá.
Por fim, várias pautas políticas conservadoras presentes no período pré-eleitoral de
2018, muitas delas de interesse da Iurd, são reproduzidas na novela Apocalipse: anticiência,
antifeminismo, antidireitos-humanos e anti diálogo inter-religioso como caminhos de salvação
individual frente ao suposto fim do mundo.
96
O período pré-eleitoral e eleitoral de 2018 no Brasil foi marcado por uma série de
atipicidades em relação aos antecessores. É preciso discutir este período da história nacional a
partir de uma palavra que ganhou destaque no cotidiano dos jornais, telejornais, redes sociais e
demais setores da sociedade nacional: a “crise”. Seja ela no campo político, econômico,
ambiental ou moral, adquiriu visibilidade desde o início da década. Porém, é importante
assinalar de antemão que apesar de a palavra crise se apresentar de forma multifatorial e
multifacetada no contexto histórico nacional aqui tratado o foco da pesquisa se assentou nas
esferas político-ideológica e religiosa-moral.
As explicações das Ciências Sociais sobre as causas das crises políticas no Brasil na
década de 2010 tendem a dois caminhos gerais: um que parte da esfera econômico-social, outro
da esfera político-democrática e ideológica. A resposta econômico-social, representada, por
exemplo, por várias publicações32 dos professores de Ciência Política Armando Boito Jr e de
Sociologia Jessé Sousa e têm como base epistemológica respectivamente as teorias de Karl
Marx e Pierre Bourdieu sobre os conflitos de classes sociais e frações de classes. Já a resposta
político-democrática e ideológica, representada pelas influências internacionais de uma
literatura da Ciência Política dos Estados Unidos, se apresenta preocupada com o avanço do
conservadorismo da ultradireita, do nacional-populismo e da radicalização à esquerda, fatores
que, segundo eles, contribuíram, desde o fim da década de 2000, para o enfraquecimento da
democracia liberal em países de todo o mundo e com a crise de representatividade dos partidos
políticos, das agremiações sindicais e dos movimentos sociais.
A proposta é iniciar pela abordagem econômico-social de inspiração marxiana
apontando-lhe os seus argumentos e os seus problemas. Ao avaliar o cenário político-nacional
do Brasil em 2016 – que não deixa de ser o mesmo período histórico aqui abordado – no artigo
“Os atores e o enredo da crise política”33, o professor de Ciência Política, Armando Boito Jr.34
(2016), indicou dois equívocos, comuns à época, referentes às análises da crise político-
institucional que o país passava. Trata-se de abordagens que partem das sublevações entre
personalidades políticas (Exemplo: o senador Aécio Neves versus a presidenta Dilma Rousseff)
e das que partem das lutas entre correntes de ideias (como os neoliberais versus os nacional-
desenvolvimentistas), para explicarem as tensões do campo político. A limitação de ambas as
perspectivas, segundo o professor, é que elas se apoiam na premissa de que os indivíduos e as
32
Destaco o livro best seller A elite do atraso, da escravidão a Lava Jato, do professor Jessé Sousa.
33
Publicado em Por que Gritamos Golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. (2016)
34
Professor titular de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (regime de dedicação exclusiva).
97
[...] Mais o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido ou os
partidos aliados que me apoiam hoje. Isso foi apenas o começo. O golpe vai atingir
indistintamente qualquer organização política progressista e democrática. O golpe é
contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas
as suas acepções: direito ao trabalho e a proteção de leis trabalhistas; direito a uma
aposentadoria justa; direito à moradia e a terra; direito a educação, a saúde e a cultura;
direito aos jovens de protagonizarem a sua própria história; direito dos negros, dos
indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser
reprimido. O golpe é contra o povo e contra a nação. O golpe é misógino! O golpe é
homofônico! O golpe é racista! É a imposição da cultura da intolerância, do
98
interessante do ponto de vista de análise do processo de construção da realidade, uma vez que
avança para além da simples exposição de uma imagem da realidade. O autor, nas suas já
mencionadas “três duras verdades sobre as redes sociais”, apresenta de forma rápida o modus
operandi das estruturas de produção capitalista sobre as redes sociais e consequentemente sobre
a democracia liberal. O modo de operação chamado por Deibert (2019) de “capitalismo de
vigilância” funciona a partir da vigilância sobre dados de consumidores de redes sociais, do
consentimento dos consumidores a esta vigilância e da desinformação ou despreparo desses
consumidores para reagirem a esta realidade.
Talvez a questão central para os cientistas políticos defensores da democracia liberal
seja os novos contornos da liberdade, da independência, das capacidades e dos anseios
individuais frente ao “capitalismo de vigilância” – se quisermos usar o conceito de Ronald J.
Deibert (2019). Essa questão mira no combate ao autoritarismo, um valor louvável dentro da
cultura cívica ocidental, mas acerta apenas o americanocentrismo resignado, ascético, realista,
empirista, pessimista e liberal, como é possível observar nos artigos citados. É, portanto, um
problema que não apresenta o processo de construção, mas o produto acabado, o retrato fixo da
realidade. Mais do que isso, oculta os processos incutidos na criação do produto. Não aponta
que, embora o sistema de produção capitalista não seja democrático, a democracia liberal é uma
de suas engrenagens centrais, como ressalta Abdalla (2017).
Em contraponto à questão colocada, me atrevo a pensar, ainda evocando a crítica de
Abdalla (2017) a relação entre democracia e capitalismo: como é possível a manutenção da
democracia liberal a partir da naturalização do sistema de produção capitalista? Ou ainda, como
é possível a manutenção de um modelo político liberal associado a um modelo econômico não
liberal? O “capitalismo de vigilância” mencionado por Deibert (2019) é apenas mais um
paradigma das crises sistêmicas e das contradições do capitalismo. Por que versar teoricamente
sobre esse novo paradigma como um apocalipse (no sentido de “fim do mundo”) se o próprio
sistema de produção capitalista é iminentemente de crise?
Este não é o fim da História. Antes de darmos ouvidos às vozes dos cínicos é preciso
que saibamos que nos subterrâneos da liberdade dos liberais existe uma espécie de jaula de aço
que se retroalimenta da oxidação de suas grades: o capitalismo. E essa é de longe uma crítica
nova, mas parece que algumas fileiras da Ciência Política estadunidense se resignaram na utopia
americanista do ontem e se tornaram incapazes de olhar para as infinitas possibilidades fora de
si mesmos.
Apesar das limitações teórico-analíticas do enfoque da Ciência Política estadunidense
sobre a iminência de uma onda conservadora no mundo, a problemática foi abordada com mais
102
consistência por outros campos das Ciências Sociais brasileira que levaram em consideração o
fenômeno da ascensão conservadora ou neoconservadora de grupos político-sociais e religiosos
contrários aos avanços sociais promovidos por governos progressistas. São exemplos dessa
abordagem os trabalhos de Ricci (2017), Ortunes (2019), Cunha et al (2017), Pena (2019),
Lopes (2020) e Arruda et al (2020), os quais recorreu-se para a análise do cenário pré-eleitoral
brasileiro de 2018 a seguir e as performances políticas no enredo da telenovela Apocalipse.
Por ora basta acrescentar que o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil será tratado, aqui,
a partir da abordagem estrutural-construtivista do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que
possibilita uma análise com mais possibilidades de horizonte. Nesse sentido, compreende-se o
campo político como um campo de tensões em torno da busca da legitimidade de definição do
conformismo lógico e moral da sociedade. Os espaços legítimos de atuação são as instituições
da República, cujo acesso e mobilidade se dá, no caso do Brasil, que é uma democracia liberal,
pelas disputas partidárias em um processo eleitoral.
realizado pela Fundação Ulysses Guimarães, “Uma ponte para o futuro”, (apontada na Imagem
21) de 29 de outubro de 2015.
O documento foi visto pelo governo Dilma, como será pontuado adiante, como uma
manobra desleal do vice-presidente Michel Temer e do PMDB para influenciar a política
econômica do governo e a sua relação com o Congresso Nacional. O documento inicia
afirmando que:
considerado o quadriênio de 2015, 2016, 2017 e 2018, tomando como base os resultados de
cinco pesquisas de intenção de voto para presidente da República no pleito de 2018, realizadas
pelo Instituto Datafolha e publicadas quase que mensalmente pelo site G1 no decurso dos quatro
anos mencionados. Para a efetivação da análise, escolhi aleatoriamente cinco pesquisas, dentro
de seu ano de produção. A primeira pesquisa aqui abordada foi a primeira realizada pelo
instituto e divulgada pelo G1 em 2015, referente ao pleito de 2018.
No dia 21 de maio de 2015, há quase sete meses antes da abertura do processo de
impeachment do governo Dilma Rousseff pelo então presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB), em 2 de dezembro do mesmo ano, o G1 publicou a pesquisa de
intenção de voto, para presidente da República no pleito de 2018, como demonstra o Gráfico 1.
Foram feitas 2.840 entrevistas, em 174 cidades, na quarta e quinta feira (17 e 18/05). Foram
testados dois cenários eleitorais e a margem de erro era de 2% para mais ou para menos.
No cenário 1 o então senador da República por Minas Gerais e presidente nacional do
PSDB, Aécio Neves, aparece como o primeiro colocado, com 35% nas intenções de voto do
eleitorado brasileiro, com 10 pontos percentuais à frente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. É importante lembrar que Aécio perdera a eleição presidencial para a presidenta Dilma
Rousseff em 2014 por uma diferença estreita de 3,4 mil votos e que o seu partido, em 18 de
dezembro do mesmo ano, protocolou no TSE um pedido de cassação de Dilma e a posse do
senador como presidente da República. O TSE rejeitou o pedido de cassação e o presidente da
corte, o ministro José Antônio Dias Toffoli, afirmou na cerimônia de diplomação da presidenta
Dilma Rousseff que não haveria terceiro turno na justiça eleitoral:
[...] As eleições de 2014, para o Poder Judiciário, são uma página virada. Não haverá
terceiro turno na Justiça Eleitoral. Que especuladores se calem. Já conversei com a
Corte, e esta é a posição inclusive do nosso corregedor-geral eleitoral, com quem
conversei, e de toda a composição. Não há espaço para, repito, terceiro turno que possa
cassar o voto destes 54.501.118 eleitores [...] (TOFFOLI, 2014).
40% 35%
% de intenção de voto
35%
30% 25% 26%25%
25% 20%
20% 18%
14%
15% 11%
10% 5% 7%
5% 2% 2% 2% 3% 3% 2%
0%
Não sabe
Não sabe
Aécio Neves (PSDB)
Branco/nulo
Branco/nulo
Eduardo Paes (PMDB)
Lula (PT)
Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2015.
No período analisado pela pesquisa do Instituto Datafolha, o senador Aécio Neves lidera
e marca sua oposição política ao PT, iniciando uma campanha nacional de denúncia de
corrupção e ilegitimidade do governo Dilma, agregando em seus discursos o combate à
corrupção. O momento nevrálgico do início dessa campanha ocorreu em 5 de julho de 2015,
nove meses após as eleições presidenciais de 2014, em que o mesmo senador, na ocasião da
XII Convenção Nacional do PSDB, realizada no centro de convenções do Hot Tulip de Brasília,
afirmou em discurso:
[...] Somos meus amigos, o partido que iniciou uma efetiva política de valorização
do salário-mínimo, somos o partido que organizou as contas públicas e impôs a
responsabilidade fiscal como nome inapelável no Brasil. Somos o partido que
modernizou o Brasil com as privatizações e abriu o país ao mundo colocando-o num
novo patamar entre as nações. [...] Mas a grande questão é que infelizmente o Brasil
dos nossos dias é muito diferente daquele Brasil do passado. Esse Brasil que nos é
apresentado diariamente não supera os limites estreitos de uma propaganda
enganosa movida pela fragilidade de resultados, pelo descrédito dos governantes,
mas também, especialmente pela má fé. [...] E vou afirmar mais uma vez aqui a
vocês o que já disse por aí: não perdemos a eleição para um partido político,
perdemos para uma organização criminosa que se instalou no seio do Estado
109
nacional. [...] Eu tenho a absoluta certeza de que podemos e somos ainda minoria
no congresso nacional, mas nos transformamos em ampla maioria no seio da
sociedade brasileira. Já somos amplamente majoritários no coração e nas esperanças
do povo brasileiro. [...] (NEVES, 2015).
Tal campanha foi absorvida ao longo daquele ano e nos posteriores por outras lideranças
políticas, partidos, grandes grupos de mídia como a Rede Globo, a Record TV e o SBT, por
juristas da Operação Lava Jato e por movimentos sociais de direita com capacidade de
mobilização em massa por meio das redes sociais como Revoltados Online, Movimento Brasil
Livre, Vem pra Rua e o Endireita Brasil. Com efeito, essas forças foram capazes de enfraquecer
o grupo de apoio ao governo dentro do Congresso Nacional, diminuindo a popularidade social
do PT e da presidenta Dilma Rousseff no país e inviabilizando o seu governo.
Esse processo de degradação política gerou, no decorrer de 2015, o nascimento do
movimento pró-impeachment (SALDAÑA, 2016), formado por diversos movimentos
conservadores e de direita (alguns já mencionados) que, desde a campanha presidencial de
2014, realizavam manifestações de rua e nos meios digitais (Facebook, Instagram, You Tube,
Google Hangout, Skype etc.) contra o governo. Houve a protocolização de mais de 37 pedidos
de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e o abaixo-assinado, criado por
congressistas da oposição em setembro de 2015, no site de petições change.org, com mais de 2
milhões de assinaturas apoiando o pedido de impeachment registrado pelos juristas Hélio
Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal no 4º cartório de notas de
São Paulo, em 15 de outubro de 2015. O portal de notícias da Record TV (R7) publicou em 18
de março de 2016 que a petição “trata-se da maior mobilização já registrada pelo site no Brasil
e a quarta maior do mundo”. (R7, 2016).
Apesar do processo paulatino de desconstrução política do PT, Lula aparece, na
pesquisa do Instituto Datafolha, publicada em 21 de maio de 2015, como segundo colocado nas
intenções de voto no primeiro cenário e como o primeiro colocado nas intenções de voto do
segundo, tendo 26% do eleitorado a seu favor, nesse último, empatado tecnicamente com
Marina Silva, com 25% das intenções de voto.
Para além desse dado, o cenário 2 apontava que o então governador de São Paulo
Geraldo Alckmin, do PSDB e que em 2006 havia disputado, pelo mesmo partido, o segundo
turno da eleição presidencial com Lula (que tentava a reeleição), estava no terceiro lugar na
preferência de votos, com 20% do eleitorado. Ou seja, apesar da polarização PT versus PSDB,
havia uma pujante preferência dos eleitores brasileiros ao senador mineiro Aécio Neves na
ocasião. Aliás, constataremos no pleito de 2018 que mesmo Aécio Neves tendo desaparecido
110
do cenário eleitoral presidencial, o governador de São Paulo, seu colega de partido, obteve
apenas 4,76% dos votos. Esse resultado será tratado oportunamente.
Os primeiros nomes testados pela pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha
(2015) à eleição presidencial de 2018 são os mesmos que competiram no primeiro turno do
pleito de 2014: o senador Aécio Neves (PSDB), a ex-ministra do meio ambiente Marina Silva
(PSB), a ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL) e o ex-deputado federal Eduardo Jorge
(PV), exceto o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB), o governador de São Paulo
Geraldo Alckmin (PSDB) e Lula (PT).
Apesar de cotarem Luciana Genro e Eduardo Jorge, que obtiveram respectivamente
apenas 1,55% e 0,61% dos votos no primeiro turno das eleições de 2014, não foi considerado
o nome do pastor da Igreja Assembleia de Deus, Everaldo Dias Pereira (PSC), que sendo a
primeira candidatura confessional evangélica na história das eleições presidenciais brasileiras,
segundo Cunha (2017), obteve naquela ocasião 0,75% dos votos. Esse fato aponta para o pouco
capital político-social dos evangélicos pentecostais no Brasil no momento imediato após a
eleição.
No decorrer dos anos, alguns desses nomes, a exemplo do já citado senador Aécio
Neves, desaparecem das pesquisas, enquanto outros nomes não cogitados em 2015 como o do
então deputado Jair Messias Bolsonaro aparecem.
Finalmente, chama atenção, na referida pesquisa, os altos índices de votos brancos/nulos
e não sabe que, somados, chegam a patamares estatísticos próximos aos dos candidatos com
maior percentual de voto, o que aponta para um desinteresse do eleitorado nas eleições. A
tendência se manteve ao longo dos anos até 2018.
No dia 28 de novembro de 2015, quatro dias da abertura do processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff, (02/12), pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha, o G1 publicou uma pesquisa de intenção de votos para presidente da República para o
pleito de 2018. A pesquisa dispunha de 4 cenários e dois turnos. Ao se comparar as pesquisas
eleitorais do instituto realizadas no início daquele ano, que testavam apenas dois cenários e um
único turno, constata-se que já em dezembro de 2015 havia uma efervescência política pré-
eleitoral no Brasil há aproximados três anos das eleições presidenciais.
A referida pesquisa do Instituto Datafolha apresentada no Gráfico 2 inquiriu 3.541
eleitores em 185 cidades brasileiras entre a quarta e quinta feira (25 e 26/11/2015) com margem
de erro de 2%. Os nomes testados nos quatro cenários são basicamente os mesmos, com a
inclusão do vice-presidente da República Michel Temer (PMDB) em dois cenários, em
substituição a Eduardo Paes, do mesmo partido político.
111
Lula 22%
Marina 17%
Cenário 1
Aécio 14%
Bolsonaro 7%
Ciro 5%
Brancos e nulos 18%
Não opinaram: 7%
Lula 23%
Marina 18%
Cenário 2
Alckmin 8%
Bolsonaro 8%
Ciro 6%
Brancos e nulos 20%
Não opinaram: 7%
Lula 23%
Marina 17%
Cenário 3
Serra 11%
Bolsonaro 7%
Ciro 6%
Brancos e nulos 19%
Não opinaram: 7%
Lula 22%
Marina 14%
Cenário 4
Aécio 10%
Moro 10%
Bolsonaro 5%
Brancos e nulos 19%
Não opinaram: 7%
0% 5% 10% 15% 20% 25%
Vale ressaltar que os três candidatos em destaque continuaram a ser Aécio Neves, com
31% das intenções de voto; Lula, com um índice fixo de 22%; e Marina Silva, com 28% das
intenções de voto. Isso quando o nome de Aécio Neves não é testado em um dos cenários da
pesquisa. Já quando o nome do senador é considerado, Marina aparece como terceira colocada,
com 21% das intenções de voto.
A substituição do nome de Aécio Neves pelo de Geraldo Alckmin em dois dos cenários
aponta para uma queda de 13% do índice de votos no PSDB, pois o governador de São Paulo
112
para o futuro”, que representou uma ruptura de diretrizes político-econômicas com o programa
neo-nacional-desenvolvimentista de Dilma Rousseff, vencido nas eleições um ano antes.
Em 7 de dezembro de 2015, cinco dias após o presidente da Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha (PMDB) abrir o processo de impeachment contra o governo Dilma, o vice-
presidente Temer enviou uma carta (SADI, 2015) de desabafo à presidenta em que afirmava
que a coesão interna do PMDB e o apoio do partido ao governo era fruto do prestígio político
dele. Incluiu várias situações que demonstram a desconfiança da presidenta Dilma para com
ele, dentre elas a ocasião do lançamento do programa “Uma ponte para o futuro” que propunha
o oposto do plano de governo da presidenta. Dias após o episódio da carta, o então presidente
do senado Renan Calheiros (PMDB), em entrevista, criticou Temer por interferência em disputa
interna do partido e apontou a legenda como uma das responsáveis pela crise do governo.
No que tange aos cinco cenários testados para o segundo turno na pesquisa do Instituto
Datafolha publicada pelo G1 em 28 de novembro de 2015, apontada no Gráfico 3, percebe-se
que Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Marina Silva venceriam a eleição com espaçosa margem
de votos em relação a Lula. Porém, é preciso pontuar que, em nenhum dos cenários testados
para o primeiro turno, Geraldo Alckmin foi apontado como um candidato com percentual de
votos capaz de o levar para o segundo turno.
Marina Silva
Lula (PT)
Alckmin (PSDB)
Lula (PT)
Lula (PT)
Alckmin (PSDB)
Aécio Neves
Aécio Neves
(PSDB)
(PSDB)
(REDE)
(REDE)
(REDE)
Geraldo
Geraldo
Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2015.
Cabe ressaltar que se houvesse uma disputa de segundo turno entre Marina Silva e
114
alguns dos tucanos, Aécio Neves ou Geraldo Alckmin, venceria o senador mineiro com um
percentual de, aproximadamente de 10 pontos, ou o governador paulista com um percentual de
16 pontos. Entretanto, a pesquisa com os cenários de primeiro turno sempre assinalou que a
segunda volta seria disputada entre Aécio e Lula ou Marina e Lula, o que aponta para uma
continuidade da polarização PT versus PSDB. Os votos do último partido poderiam ser
capitalizados por Marina Silva, uma ex-petista que, no segundo turno da eleição presidencial
de 2014, apoiou o então candidato Aécio Neves e que viria, em 2016, a integrar o movimento
pró-impeachment contra o governo Dilma Rousseff.
O processo de impeachment do governo da presidenta Dilma Rousseff, entre dezembro
de 2015 e agosto de 2016, foi o ápice da crise política que já vinha despontando desde as
manifestações nacionais, de rua, conhecidas como “As Jornadas de Junho de 2013”.
Paralelamente a esse processo de deposição do governo, a Operação Lava Jato, conjunto de
operações investigativas da Polícia Federal iniciada em 17 de março de 2014, adquiriu ampla
visibilidade social por meio de divulgação pela mídia, a exemplo do jornalismo da Rede Globo,
em especial o Jornal Nacional.
Embora o processo de impeachment da presidenta Dilma e a Operação Lava Jato sejam
fenômenos distintos e sem relação primária entre elas, ambos se retroalimentaram
politicamente, contribuindo para as mudanças dos quadros políticos nacionais a partir de 2016
de forma a fortalecer os setores conservadores e de direita no país.
Em 16 de julho de 2016 o G1 publicou a pesquisa do Instituto Datafolha referente às
intenções de voto para o pleito presidencial de 2018, realizada entre os dias 14 e 15 do mesmo
mês e que entrevistou 2.792 pessoas em 171 municípios brasileiros. A margem de erro da
pesquisa foi de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança foi de
95%.
Na pesquisa é perceptível o início do rearranjo dos quadros políticos nacionais a partir
dos quatro cenários testados para o primeiro turno e dos sete cenários testados para o segundo.
A primeira volta caracteriza-se pelo esfacelamento das intenções de voto em Aécio Neves para
presidente da República em 2018. O senador, que em 2015 era o primeiro colocado com folga
em relação ao segundo, aparece em terceiro lugar. Essa mesma classificação pode ser observada
em Geraldo Alckmin e o ministro das Relações Exteriores José Serra, por vezes empatando
tecnicamente com nomes que não concorreram à eleição presidencial de 2014, no caso, o ex-
ministro da Integração do governo Lula, Ciro Gomes, o deputado federal Jair Bolsonaro e o juiz
federal Sérgio Moro.
Também nessa pesquisa, Lula aparece como primeiro colocado em todos os cenários do
115
primeiro turno. No entanto, mantém 22% das intenções de voto apontados na pesquisa de
novembro de 2015. Já Marina Silva apresentou queda em seu índice de intenções de voto em
relação a outra pesquisa mencionada, mantendo-se em todos os cenários da pesquisa de julho
de 2016 como a segunda colocada.
A queda de Aécio Neves coincide com a de Marina Silva e a pulverização dos votos
para Ciro Gomes, Jair Bolsonaro e Sergio Moro. No mesmo período, Moro expande a sua
popularidade dado aos resultados da Operação Lava Jato anunciados pela mídia brasileira. Por
outro lado, começam a aparecer na imprensa nacional atos ilícitos cometidos por políticos do
PSDB e o presidente da sigla na época, o senador Aécio Neves, citados várias vezes pela
Operação Lava Jato desde fins de 2015, o que contribuiu – somado ao nascimento e ao
fortalecimento de novas lideranças políticas que se firmavam como antipetistas35 – para a queda
de capital político-social do senador.
É o que se pode constatar, por exemplo, na manifestação de 13 de março de 2018 na
avenida Paulista, quando Aécio Neves e Geraldo Alckmin foram atacados por apoiar o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff e Sérgio Moro (G1 SP, 2016).
É importante destacar também que a pesquisa inquiriu o percentual de rejeição dos
nomes testados, sendo Lula o primeiro colocado, com 46% de rejeição do eleitorado, o segundo
e terceiro colocado, Aécio Neves e Michel Temer, com 29% de rejeição cada.
Outros índices que chamam a atenção são os percentuais de votos brancos e nulos e que
não opinaram que, somados, se equivalem ou superam o percentual de intenções de voto do
segundo colocado dos cenários do primeiro turno. Esse aspecto aponta para uma forte rejeição
e desinteresse do eleitorado brasileiro aos quadros políticos apresentados pela pesquisa.
No segundo turno da pesquisa, apontado no Gráfico 4, Marina Silva vence com folga
em relação a Lula e a todos os tucanos testados. Já Aécio Neves, que vencia na pesquisa do
Instituto Datafolha publicada pelo G1 em 28 de novembro de 2015, ficou em empate técnico
com ele na pesquisa publicada no dia 16 de julho de 2016.
35
Opositoras ao PT seja com o intuito de contrapor as ações do partido ou de até de extinguir o partido.
116
Lula (PT)
Lula (PT)
Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2016.
Cabe evidenciar que, embora Lula seja derrotado para a segunda volta, o distanciamento
entre os seus índices e os dos tucanos é estreito, o que demonstra novamente a tendência de
absorção do eleitorado tucano por Marina Silva.
No ano seguinte, 2017, o cenário político nacional brasileiro passou por novas
reviravoltas devidos a um conjunto de fatos que impactaram o país de janeiro a dezembro, como
por exemplo: as rebeliões em presídios do Brasil que culminam com a morte de cerca de 120
presos em 6 de janeiro; a morte do ministro do STF Teori Albino Zavascki, relator da Operação
Lava Jato em acidente aéreo no litoral da cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, no dia 19 do
mesmo mês; a crise da segurança pública no estado do Espírito Santo devido à greve das polícias
a partir de 3 de fevereiro; a divulgação do áudio da conversa entre o presidente Temer e o dono
do frigorífico JBS Joesley Batista, pelo STF em 18 de maio, em que o presidente defende o
pagamento de mesada em troca do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) e o
operador de propinas Lúcio Funaro; a divulgação do acordo de delação premiada da companhia
de processamento de carnes JBS S.A, pelo STF em 19 de maio, revelando que a empresa pagou
aproximadamente 500 milhões de reais em propina a vários políticos, dentre eles, o então
presidente da República Michel Temer, os ex-presidentes Dilma e Lula e os senadores Aécio
117
turno único para o tucano João Dória – um empresário outsider da política – com uma diferença
de 2.117.997 votos.
Chama a atenção o fato de o então juiz Sérgio Moro, sem partido e sem experiência na
vida político-partidária eleitoral, aparecer na terceira posição no cenário em que o seu nome é
testado, ficando à frente, com significativa distância percentual de políticos experientes como
Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Álvaro Dias, Chico Alencar e Rodrigo Maia. O crescimento de
seu capital político-social no país se deu pela atuação na Operação Lava Jato, com destaque
para o primeiro semestre de 2016, em que torna público vários grampos telefônicos do ex-
presidente Lula e da então presidenta Dilma, bem como expede condução coercitiva de Lula
para prestar depoimento para a Polícia Federal no aeroporto de Congonhas. Os dois atos
repercutiram na imprensa e geraram polarizações entre juristas, políticos e diversos segmentos
da sociedade a respeito da legalidade ou ilegalidade.
Nos nove cenários para o segundo turno em que o nome do ex-presidente Lula é testado,
ele aparece como o favorito pelo eleitorado, empatando tecnicamente com o juiz Sério Moro.
Os tucanos apresentam a preferência do eleitorado quando competem com Ciro Gomes ou
Fernando Haddad. E Marina Silva obtém a preferência quando disputa com Jair Bolsonaro.
Essa tendência de forças políticas, Lula, Jair Bolsonaro e Marina Silva, respectivamente,
permanece ao longo do ano seguinte, 2018. Há aproximados um ano e um mês da referida
pesquisa, o G1 publicou outra pesquisa Datafolha referente às intenções de voto para presidente
da República para o pleito de outubro daquele ano. O levantamento de dados testou dois
cenários, cujos resultados são apresentados no Gráfico 5, feito entre os dias 20 e 21 de agosto
e inquiriu 8.433 eleitores em 313 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais
para mais ou para menos e o índice de confiança é de 95% (DATAFOLHA, 2018).
Constata-se que a aproximados dois meses da eleição presidencial de 2018 Lula era o
preferido nas intenções de voto, tendo 39% do eleitorado a seu favor e 20 pontos percentuais à
frente do segundo colocado, Jair Bolsonaro, com 19%, segundo dados da pesquisa do Instituto
Datafolha. O recorrente favoritismo absoluto de Lula apresentado pelas referentes pesquisas
entre 2017 e 2018 aponta para a manutenção e o fortalecimento do seu capital simbólico, ainda
que preso em Curitiba por condenação em segunda instância no âmbito da Operação Lava Jato.
O mesmo não ocorreu com outros candidatos, a exemplo de Aécio Neves, que, embora
tenha acumulado capital político a partir do simbolismo do combate à corrupção, foi lançado
para fora do páreo eleitoral após o aparecimento das primeiras denúncias de suspeita de
corrupção. Diferentemente de todos os outros candidatos do pleito de 2018, Lula era o único
cujo histórico político e de governo se assemelhava à magnitude simbólica de Getúlio Vargas
119
45%
39%
40%
35%
30%
25% 22% 22%
19%
20% 16%
15% 11% 10% 9%
10% 8%
6% 5% 6%
3% 2% 3% 4% 4%
5% 1% 1% 1% 1% 0% 0% 2% 2% 1% 1% 1% 1%
0%
0%
Vera
Vera
João Amoêdo
Cabo Daciolo
Fernando Haddad
Cabo Daciolo
João Goulart Filho
Não Sabe
Eymael
Não Sabe
Lula
Bolsonaro
João Amoedo
Ciro Gomes
Guilherme Boulos
Em branco/nulo/nenhum
Alvaro Dias
Ciro Gomes
Em branco/nulo/nenhum
Alvaro Dias
Marina Silva
Henrique Meirelles
Henrique Meirelles
Jair Bolsonaro
Marina Silva
Geraldo Alckmin
Geraldo Alckmin
Guilherme Boulos
Cenário 1 Cenário 2
Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2016.
primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, a nove anos de reclusão e pela condenação em
segunda instância pelos desembargadores do TRF4, a doze anos de reclusão.
A prisão do ex-presidente Lula em segunda instância gerou polêmicas a respeito de sua
legalidade constitucional e foi compreendida pelo PT, por vários partidos políticos, instituições,
movimentos sociais e amplos setores da sociedade brasileira como uma prisão política visando
o seu afastamento da disputa eleitoral. O PT instalou a administração do diretório nacional na
frente da superintendência da PF em Curitiba, juntamente a uma espécie de acampamento que
perdurou durante o período de sua prisão com atos de protesto, vigília e homenagens com a
participação de militantes procedentes de outros estados brasileiros e de outros países. Iniciou-
se, no mesmo período, o Movimento Lula Livre, um Comitê Internacional de Solidariedade em
Defesa de Lula e a Democracia no Brasil.
O Movimento Lula Livre gerou uma coesão partidária interna ao PT e política no interior
de vários partidos políticos de esquerda e movimentos sociais e instituições sociais
progressistas. Tal coesão em torno da figura de Lula possibilitou a expansão da aquisição de
capital político-social e simbólico do PT para as eleições de 2018 em meio a um contexto que
o partido enfrentava forte crise. É preciso pontuar que nas eleições municipais de 2016 o partido
conseguiu eleger apenas 256 prefeitos nas cidades brasileiras, isto é, duas vezes menos do que
na eleição anterior (2012) em que conquistara 630 prefeituras.
Já os outros dois partidos tradicionais brasileiros PSDB e PMDB ampliaram o seu
número de prefeitos eleitos no pleito de 2016. Essa configuração se deu sobretudo pelos efeitos
políticos do impeachment do governo Dilma e dos resultados das várias fases da Operação Lava
Jato referentes a atos ilícitos de políticos do PT, noticiados cotidianamente pelos maiores grupos
de comunicação brasileiros, com destaque para o Jornal Nacional.
A pesquisa Datafolha de agosto de 2018 levou em consideração seis variáveis testadas
nos dois cenários, sendo elas: sexo, nível escolaridade, faixa etária, rendimento familiar, as
cinco regiões brasileiras e religião. Como é possível observar na Tabela 4 (Anexo C), Lula
possui o mesmo índice de voto entre o eleitorado feminino e masculino de 39% cada, enquanto
Bolsonaro a preferência é do masculino.
Percebe-se uma tendência, como demonstra a Tabela 5 (Anexo C), de quanto menor o
grau de escolaridade, maior a preferência do eleitorado por Lula, que se concentra no nível
fundamental em 49%. Já o eleitorado de Bolsonaro se concentra nos níveis médio (24%) e
superior (27%). Fernando Haddad, por sua vez, possui uma preferência absoluta pelo público
de nível superior, que constitui 9% do seu eleitorado.
No que tange à faixa etária apontada na Tabela 6 (Anexo C), percebe-se que Lula e Jair
121
Bolsonaro possuem uma tendência de quanto mais jovem os eleitores, maior a preferência dos
dois. As faixas etárias de “45 a 59 anos” e “60 ou mais” são as com o maior índice de votar “em
branco/nulo/ nenhum” e de “não sabe”.
Outra tendência que ocorre entre o eleitorado de Lula e Jair Bolsonaro, presente na
Tabela 7 (Anexo C), é referente ao critério renda familiar. Para Lula, quanto menor o
rendimento familiar em número de salários-mínimos maior o índice de votos. Para Bolsonaro,
ocorre o contrário. Também Fernando Haddad possui mais votos entre as pessoas com maior
rendimento familiar.
Em questão os índices de intenção de voto segundo regiões do Brasil, Lula e Jair
Bolsonaro apresentam tendências opostas, como podemos constatar na Tabela 8 (Anexo C).
Apesar de Lula possuir mais votos do que Bolsonaro em todas as regiões, os maiores índices
de votos estão no Nordeste (59%), Norte (45%) e Sudeste (31%), enquanto Jair Bolsonaro é
mais votado no Sul (28%) e no Centro-Oeste (26%). Fernando Haddad, similar a Lula, possui
maior intenções de voto no Nordeste (5%) e no Sudeste (5%).
No que tange ao critério religião, apresentado na Tabela 9 (Anexo C), Lula possui maior
número de intenções de voto dentro do eleitorado católico (43%), seguido das religiões de
matriz africana (37%) e ateus/não acreditam em Deus (29%). O maior índice de intenção de
voto de Jair Bolsonaro na categoria religião vem do grupo dos ateus (26%), seguido das igrejas
evangélicas (24%) e do espiritismo “kardecista, espiritualista” (22%). Já Fernando Haddad
possui maior apoio dentro do grupo da “umbanda, candomblé e outras religiões de matriz
africana” (15%).
A categoria religião é uma das variáveis fundamentais para se compreender a disputa
eleitoral de 2018, como destacam Arruda et al (2020). Embora naquele ano não houvesse nem
uma pré-candidatura e candidatura confessional à presidência da República como ocorreu em
2014 no caso do pastor Everaldo (PSC), o pré-candidato Jair Bolsonaro, primeiro colocado nas
intenções de voto em um cenário sem Lula, tomou para si como instrumento político o discurso
religioso de cunho moral para combater ideologicamente a corrupção e o PT. Entretanto, o
plano de governo do presidenciável, “O caminho da Prosperidade” (TSE, 2018), da coligação
“Brasil Acima de Tudo, Deus acima de todos” (PSL e PRTB), não apresentava propostas
especificamente de ordem religiosa.
As propostas do plano de governo do então candidato Jair Bolsonaro tomavam como
inspiração a passagem do evangelho de João 8, 32: “e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”. Ou seja, nos pressupostos político-econômicos do Liberalismo: liberdades do
indivíduo, economia de livre mercado e propriedade privada; e no combate ideológico à
122
(TSE, 2018) da coligação “O povo feliz de novo” (PT, PCdoB e PROS), cujos candidatos à
presidência e vice-presidência da República foram respectivamente Fernando Haddad e
Manuela d’Ávila, que chegaram à disputa em segundo turno e foram derrotados por Jair
Bolsonaro.
O plano de governo do candidato Fernando Haddad toma como inspiração uma frase do
discurso de Lula proferida no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 7 de abril de 2018, na
ocasião de sua prisão em segunda instância pela Policia Federal: “Não adianta tentar parar as
minhas ideias. Elas já estão pairando no ar, e não tem com prendê-las”. O conteúdo de seu plano
centra-se nos pressupostos político-econômicos da social democracia, destacando a soberania
nacional e popular na refundação democrática do Brasil; a inauguração de um novo período
histórico de afirmação de direitos coletivos e identitários; um novo pacto federativo para
promoção dos direitos sociais; a promoção de um novo projeto nacional de desenvolvimento; e
transição ecológica para a nova sociedade do século XXI.
O plano segue as mesmas diretrizes apresentadas por Lula, exceto no que se refere ao
tópico inicial, que tem um caráter exortativo e denunciativo. Ele exorta a figura de Lula como
uma ideia transformada em programa e denuncia o golpe de 2016 e a prisão política do
candidato Lula. O candidato Haddad afirma dar continuidade às propostas de Lula, uma espécie
de herança política.
O mesmo plano de governo apresenta uma estrutura complexa pautada em uma
engenharia profissional de produção de políticas públicas, em especial, às políticas públicas de
caráter social. Isso aponta para a profissionalização política do Partido dos Trabalhadores,
experiente em construir planos de governo e vencer eleições.
Não obstante, esse profissionalismo político é um entre outros motivos de sua derrota
nas eleições de 2018, em que se sobressaíram os discursos sincericidas (sinceridade extremada
que escapa por vezes à reflexão ética), anti-establishment, anti-politicamente correto e
anticientífico. Fenômeno esse que apresenta algumas similaridades com o ocorrido na eleição
para a presidência da República nos Estados Unidos em 2016, em que Donald Trump venceu
Hillary Clinton. Isso se quisermos partir do referencial teórico da Crise das Democracias
Liberais já tratadas aqui.
Porém, a teoria da crise da democracia liberal desenvolvida pela Ciência Política dos
Estados Unidos, a partir do contexto da eleição presidencial de Donald Trump em 2016 e
125
posteriormente importada para o Brasil para analisar a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, deixa
várias lacunas em aberto para o caso brasileiro. A abordagem destaca a influência e o poder de
outsiders políticos antissistema de corroerem o establishment democrático a partir de
autoritarismo, nacional-populismo uso de meios digitais e virtuais para o controle social e
disseminação de fake news. A discussão será retomada, mas antes é preciso discorrer sobre o
profissionalismo político do PT mencionado anteriormente como um dos prováveis fatores que
contribuíram para a sua derrota.
Na véspera do segundo turno das eleições municipais de 2020 o bispo da Iurd Renato
Cardoso, genro do bispo Edir Macedo, gravou um vídeo intitulado “Porque o povo vota em
quem rouba mas faz?” (CARDOSO, 2020), com transcrição na íntegra, a seguir. Apesar de se
tratar de um período posterior ao pleito de 2018, dois anos exatamente, o conteúdo do vídeo
corrobora a afirmação sobre a derrota do PT estar relacionada também ao profissionalismo
eleitoral.
Porque o povo vota em quem rouba mas faz? Quem vocês querem que eu solte, Jesus
ou Barrabás? Perguntou Pilatos ao povo. Porque a multidão escolheu Barrabás? A
resposta pode nos ajudar a entender porque muitos votam em políticos que roubam
mas fazem mesmo sabendo que continuarão sendo roubados por eles. Primeiro vamos
entender, quem era Barrabás? Barrabás era um prisioneiro de Poncios Pilatos,
governador Romano sobre a Judeia na época de Jesus. Por que ele estava preso?
Segundo relatos históricos, Barrabás havia sido preso por roubo, assassinato, fazer
parte de grupos armados e como dizem alguns historiadores, liderar um motim contra
o governo romano. Era um preso conhecido, um líder de rebeldes. A multidão torcia
por ele, por causa do sentimento popular contra Roma. Talvez porque consideravam
os seus métodos violentos e fora da lei, mais eficazes a resistência aos romanos. Por
isso, Barrabás também era útil aos religiosos corruptos da época. Enfim, ele era um
ladrão, assassino, criminoso, agitador e aproveitador, mas mesmo assim alguns o
consideravam um herói, não um vilão. Quando Jesus foi preso, Pilatos tinha uma
batata quente nas mãos. A popularidade de Jesus estava crescendo e muitos judeus
achavam que ele seria o novo rei de Israel, que os libertaria de Roma. Os líderes judeus
por outro lado viam em Jesus uma ameaça a religião judaica. Astutamente, Pilatos se
valeu de um costume de soltar um preso durante a Páscoa como um gesto político para
agradar o povo. Por esse costume, o povo, mesmo sabendo dos crimes do presidiário,
decidia perdoá-lo e aceita-lo de volta a sociedade. Olhavam para alguma característica
boa do criminoso, tipo: ele roubou, matou, mas foi por uma boa causa. Assim o povo
fazia vistas grossas ao crime do bandido porque tinha algum interesse na sua soltura.
Então, sob pressão dos religiosos, Pilatos deu ao povo a escolha: Vocês querem que
eu solte Barrabás ou Jesus? Os religiosos incitaram o povo, o povo escolheu Barrabás,
e Jesus foi crucificado. Qualquer semelhança com o que acontece ainda hoje,
especialmente em épocas de eleições, não é mera coincidência. Facilmente
manipuladas, iludidas pela política do pão e circo, as pessoas parecem sofrer de
amnésia coletiva quando precisam escolher o próximo governante. Esquecem ou
ignoram o passado do candidato, se ele roubou, se corrompeu, se vendeu, se envolveu
em esquemas, enriqueceu ilicitamente e olham apenas para a imagem de boa pessoa
que a sua equipe de marketing projeta. Mancomunados com o candidato, os canais de
notícias exaltam o herói e demonizam o candidato adversário ou o atual governante.
O povo cai na narrativa de que a culpa de todos os seus sofrimentos é do governante
atual. Uma ânsia por mudança é alimentada por alguém que vá milagrosamente,
resolver todos os problemas da população. Daí entra o candidato Barrabás. Com o
discurso atraente, falando a linguagem do povo, tudo o que as pessoas querem ouvir.
126
E o povo pensa: vamos dar uma chance para esse aí! Até aí tudo bem. Renovação na
política não é apenas bom mas necessário. Mas trazer de volta um político que já
provou ser corrupto em mandatos anteriores é renovação? Votar em político que
aparentemente fez algo pelo povo mas roubou aos montes por outro lado, vai melhorar
a vida da população? Eleger alguém que vai precisar que o povo continue pobre, pra
se reeleger em quatro anos, porque faz da pobreza o palanque político vai mudar a
situação do povo? Todos nós sabemos no que isso vai dar. Mas curiosamente é aí que
a multidão se comporta novamente como na época de Jesus: tudo bem, ele pode até
ter roubado, mas ajudou os pobres. Ou seja, o povo continua escolhendo Barrabás. Se
você quer sua cidade, estado, país, diferente, você tem que aprender a escolher os seus
governantes. Aqueles que roubam não fazem nada por você, só por eles mesmos.
Quando fazem alguma coisa, é para roubarem mais. Aqueles que compram votos,
fazem conchavos nos bastidores, oferecem favores em troca de apoio, tem histórico
de corrupção, não merecem a sua confiança. Políticos que sofrem por fazer o certo
são criticados pela mídia por não compactuarem com a corrupção, precisam ser
compreendidos, apoiados e dados novas oportunidades. Se você escolher Barrabás,
continuará sendo roubado por ele. Ainda que Barrabás lhe beneficie hoje, amanhã a
corrupção dele vai tirar muito mais de você e da sua família, dos seus vizinhos, da
cidade e do país. Se escolher Barrabás mesmo depois de assistir este vídeo, só me
resta fazer uma coisa... (lava as mãos em uma travessa de vidro com água e se retira
da cena). Em seguida aparece o seguinte trecho bíblico: “Quando os justos governam,
alegra-se o povo; Mas quando o ímpio domina, o povo geme”. (BÍBLIA, Provérbios,
29:2). (CARDOSO, 2020).
Embora o bispo Renato Cardoso esteja tratando das eleições municipais do Rio de
Janeiro em 2020 de forma a representar Marcelo Crivela (Republicanos), outro bispo da Iurd e
sobrinho de Edir Macedo, como Jesus e Eduardo Paes (DEM) como Barrabás, o vídeo tende a
fazer menções ao PT devido aos recursos audiovisuais em tonalidades vermelhas representando
situações ruins como o ato de corrupção. Destarte, o mesmo discurso do poder de sedução e
manipulação do marketing político foi usado contra o PT e contra o presidente Lula
recorrentemente devido o partido ter ganho quatro eleições consecutivas na esfera nacional, das
quais três delas contaram com o trabalho do premiado jornalista e publicitário João Santana.
Também a personagem anticristo, Ricardo Montana, é caracterizado na telenovela Apocalipse
como um líder populista mundial que exerce o seu poder tirânico a partir do discurso agradável
e postura amigável.
A crise política que o Brasil passou desde 2013 não se deu por meio da influência e o
poder de outsiders políticos antissistema eleitos para cargo público nos poderes Executivo e
Legislativo. Pelo contrário. Os responsáveis foram os próprios políticos do establishment
democrático nacional que, desde pelo menos os anos de 1990 participavam das eleições, sendo
elevados à condição de representantes dos brasileiros.
É importante relembrar que a democracia liberal brasileira foi posta em causa
inicialmente em 2014 pelo senador Aécio Neves, neto e herdeiro político do avô Tancredo
Neves, governador de Minas Gerais eleito indiretamente presidente da República e líder do
processo de transição da ditadura militar para a democracia em 1985, a partir da chamada
127
política da conciliação. Aécio acumula em seu currículo político os cargos de deputado federal,
presidente da Câmara dos Deputados, governador de Minas Gerais por dois mandatos e senador
da República.
Em 2015, a democracia liberal brasileira foi posta em causa novamente por dois
políticos liberais do PMDB: o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha que, de
2001 a 2003 foi deputado estadual do Rio de Janeiro e de 2003 a 2016 foi deputado federal, e
o vice-presidente da República Michel Temer, que foi procurador-geral de São Paulo em duas
ocasiões, de 1983 a 1984 e de 1991 a 1992, deputado federal de 1987 a 1991 e de 1997 a 2011,
presidente da Câmara dos Deputados de 1997 a 2001 e de 2009 a 2010. Jair Bolsonaro, apesar
de ter usado em sua campanha presidencial o discurso antissistema, foi vereador do Rio de
Janeiro de 1989 a 1991 e deputado federal de 1991 a 2019.
Nesse sentido, a crise da democracia brasileira não se deu por um processo de
importação de outsiders políticos, antissistema, extremistas, autoritários para o campo político,
mas por um processo de desgaste interno multifatorial. Dentre estes fatores, destaca-se o
presidencialismo de coalisão e a luta pela substituição do paradigma econômico social neo-
nacional desenvolvimentista pelo neoliberal financeiro improdutivo. O primeiro fator induz à
corrupção, um tabu para a sociedade brasileira e o segundo, à desregulamentação das leis e
diretrizes de proteção social, ambiental e, contraditoriamente, democrática.
Se substituirmos o enfoque teórico político pelo economicista, não conseguiremos
significativos avanços na análise da crise política brasileira do quadriênio aqui tratado. Porque
a teoria da crise brasileira, por meio do antagonismo de classes desenvolvidas por sociólogos
brasileiros a partir de análises da emergência de uma nova classe média ou uma nova classe
trabalhadora, é incompleta, embora em alguns casos não se restrinja ao fator econômico.
A lacuna da teoria se encontra na não observação da distinção entre conservadorismo e
direita. Por vezes o termo elite ou como nomeia Jessé Sousa (2017) elite de rapina, seja ela
econômica, política, intelectual ou outras, é tratado simultaneamente como sinônimo de
conservadorismo e de direita liberal, quando de fato os dois setores da sociedade brasileira são
antagônicos. Isso justamente porque, assim como esclarece Rudá Ricci (2017), o
conservadorismo preza pela manutenção da ordem estabelecida, ainda que seja preciso intervir
nas liberdades individuais. Já a direita liberal não concebe forma alguma de intervenção estatal
ou institucional nas liberdades individuais.
Tal fato pode ser constatado por exemplo nas divergências de compreensões entre o
Congresso Nacional (especificamente os parlamentares conservadores) e o Supremo Tribunal
Federal (formado por ministros liberais) em matérias políticas consideradas polêmicas na
128
década de 2000 e 2010, tais como as cotas raciais e a expansão de direitos civis para os
LGBTQIAP+. Enquanto essas pautas foram rechaçadas pela chamada bancada evangélica no
Congresso Nacional, em 5 de maio de 2011, o STF aprovou por unanimidade o reconhecimento
da união homoafetiva e, em 9 de maio de 2012, a suprema corte confirmou, também por
unanimidade, a constitucionalidade das cotas raciais nas universidades.
Tomando como referencial teórico-metodológico o estrutural-construtivismo de Pierre
Bourdieu, propõe-se que o que houve, grosso modo, no Brasil durante a crise política apontada
no cenário pré-eleitoral aqui abordado, foi uma confluência de interesse por parte de grupos
ideologicamente contrapostos. Interesse comum e motivações contraditórias. Esse cenário não
é um fato sem precedentes na história do Brasil, tendo em vista que o encerramento da ditadura
militar instaurada pelo AI-5 de 13 de dezembro de 1968, bem como o processo de abertura
política e redemocratização brasileira, a partir de 1985, que culminou na promulgação da
Constituição de 1988, era de interesse dos setores da esquerda e da direita política brasileira.
Repito. O interesse era comum e as motivações contraditórias.
Em ambos os casos, o interesse comum, em última instância, é o de acessar o meta
capital, ou seja, o poder legítimo de participação na definição do conformismo lógico e moral
no Brasil e, portanto, da realidade da vida cotidiana nacional. É a luta pelo poder legítimo de
definir o que é o Brasil e a brasilidade. Já as motivações são variadas, não se restringindo ao
antagonismo de classes, nem à crise da democracia liberal e o avanço do nacional-populismo.
É preciso relembrar que a formação política do Estado brasileiro se dá pelo antagonismo
de duas elites nacionais no contexto imperial, o que convencionou-se chamar de Luzias e
Saquaremas. Os Luzias eram os liberais, nomeados assim devido à Revolta Liberal de 1842
encerrada na cidade de Santa Luzia, em Minas Gerais. E os Saquaremas são os conservadores
que, se reunindo na cidade de Saquarema, Rio de Janeiro, defendiam o centralismo unitário do
Império.
Levando-se em consideração que ambas as forças políticas, em um primeiro momento,
eram contrárias à abolição da escravatura e, posteriormente, com o nascimento dos movimentos
abolicionistas e a promulgação da Lei Áurea não se comprometeram de modo geral com a
inserção do negro na sociedade nacional capitalista que se iniciava, não é possível conceber
nenhuma delas como progressistas, tal como compreendemos o termo atualmente.
Pelo contrário, a substituição do sistema de produção escravocrata pelo assalariado-
capitalista no Brasil fez que com os setores conservadores da sociedade brasileira se
integrassem à ordem social-econômica defendida pelos liberais, o capitalismo, sobretudo a
partir da revolução de 1930 e o processo de modernização, industrialização e urbanização do
129
ano, em que as lideranças das principais igrejas em questão declararam apoio ao político. No
próximo capítulo, o intuito é mostrar como a telenovela Apocalipse se constituiu em um
instrumento do braço televangelista da Iurd que, sem ter originalmente a intenção, deu suporte
ideológico-político e teológico à candidatura de Jair Bolsonaro.
Os progressistas lutavam pela definição do modelo econômico-político-social da justiça
social e da equidade. Trata-se do paradigma liberal-social-democrático inscrito na Constituição
de 1988 efetivado pelo PT nos seus treze anos de governo. Essa força perdeu capital social-
político pela suposta luta santa contra a corrupção, deflagrada pela Operação Lava Jato e
noticiada pelo Jornal Nacional.
O que houve, portanto, foi a confluência de interesses entre setores do campo liberal
com setores do campo conservador, dois grupos antagônicos que, abortando o apoio à
candidatura de Aécio Neves e de Marina Silva à presidência da República, deram suporte e
contribuíram direta ou indiretamente, mesmo que a contragosto, para a candidatura de um
deputado desconhecido nacionalmente e de pouco protagonismo político dentro do Congresso
Nacional: Jair Messias Bolsonaro. O objetivo era o de acessar o metacapital nacional e, assim,
alcançar resultados distintos. Tal convergência de interesses de classe e de campo político-
ideológico rivais extrapola a capacidade explicativa do materialismo histórico dialético e da
abordagem da crise da democracia liberal.
131
As pautas e agendas políticas presentes na telenovela em questão são algumas das que
estavam em evidência no período pré-eleitoral brasileiro de 2018 como, por exemplo, as pautas
anticorrupção e antidrogas e as agendas do anti-identitarismo, do anti-intelectualismo e do anti-
globalismo, como se tratará pormenorizadamente nos cinco tópicos a seguir. Antes, é preciso
pontuar que a telenovela Apocalipse não é, no entanto, a primeira teleprodução da Record TV
a encenar agendas políticas em um contexto pré-eleitoral e eleitoral no Brasil. A cinco dias para
as eleições federais de 5 de outubro de 2014 estreou na emissora de televisão a minissérie
“Plano Alto”, apontada na Imagem 25, com 12 episódios e que teve o último capítulo exibido
nove dias antes do segundo turno do pleito.
A minissérie foi escrita pelo autor brasileiro Marcílio Moraes e encena o processo de
candidatura do governador do Rio de Janeiro, Guido Flores, ao cargo de presidente da
República. A personagem havia lutado contra a ditadura militar na década de 1970, tendo sido
exilado. Posteriormente, se tornou uma das lideranças do movimento Cara Pintadas na década
de 1990. Em 2013, o neto Rico participou ativamente das grandes manifestações de rua, as
chamadas Jornadas de Junho. Finalmente, às vésperas da eleição à presidência da República,
em um cenário onde é apontado como o candidato preferido, passa a ser investigado pelo
Ministério Público devido a várias denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro em sua
campanha. Com a ajuda de uma deputada, ele tenta limpar o nome e descobrir a origem do
denunciante.
É preciso lembrar que as eleições federais de 2014 foram marcadas por uma crise
política em nível federal devido à polarização ideológica entre PT e PSDB e, em nível local, no
Rio de Janeiro, entre Luiz Fernando Pezão (então PMDB) e Marcelo Crivella (Republicanos).
O carro-chefe de ambas as polarizações foi a retórica da anticorrupção. No âmbito nacional,
Dilma Rousseff tentava a reeleição.
Embora o primeiro governo dela não tivesse superado as expectativas, o cenário se
mantinha favorável, mesmo após os desgastes com as Jornadas de Junho e com o movimento
Não Vai Ter Copa. Mas, após a morte inesperada do candidato Eduardo Campos em acidente
aéreo, o cenário mudou e o candidato Aécio Neves despontou como o real oponente da
presidenta, culminando assim em uma polarização acirrada no pleito, que foi vencido por Dilma
em segundo turno por uma estreita margem de votos.
A disputa pelo governo do Rio de Janeiro naquele ano foi marcada pela polarização
entre o ex-vice-governador e afilhado político do ex-governador Sérgio Cabral – que havia
renunciado ao cargo após uma série de protestos conhecidos como Ocupa Cabral – e o bispo da
Iurd Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo. É possível inferir, portanto, que o conteúdo
da minissérie “Plano Alto” (2014) está estreitamente relacionado às polarizações políticas
envoltas nas candidaturas à presidência da República e ao governo do Rio de Janeiro no pleito
de 2014.
A encenação de agendas políticas em telenovelas se tornou uma prática também da
Rede Globo que, por exemplo, em várias temporadas da novela Malhação, ao longo da década
de 2010, inseriu pautas feministas, LGBTQIAP+, étnico-raciais, ecológicas e de inclusão
social. Destaca-se aqui a 25ª temporada da novela, Malhação Viva a Diferença, apontada na
Imagem 26, que foi ao ar entre 8 de maio de 2017 e 5 de março de 2018.
36
Em meu convívio com vários colegas evangélicos ao longo da vida escolar recorrentemente ouvi dos mesmos
que eles estavam “desviados” (auto atributo) ou que algum de alguma igreja evangélica estava “desviado”. Eu
percebia que este atributo possuía entre os colegas evangélicos, uma conotação geral negativa, mas por vezes
cômica, seja no sentido de crítica a outro ou de se autocriticar. Devido haver esta cultura própria do campo
evangélico brasileiro: do uso deste termo para designar que uma pessoa de seu meio se afastou espontânea e
temporariamente das atividades da igreja que pertence, seja qual for o motivo; o emprego aqui sem a preocupação
sociológica de estar fazendo um juízo de valor.
135
implícita desde o início da referida novela, como se pode observar no caso da personagem
Débora Koeg, uma das personagens protagonistas da primeira fase de Apocalipse (2017-2018).
Débora Koheg é uma jovem judia ortodoxa de Jerusalém e pouco afeita às tradições
religiosas de sua família. Gostava de se divertir em festas dançantes com a amiga Ariela Feld,
escondida dos pais. Logo após ser entregue em noivado, a partir de um arranjo entre famílias,
ao jovem judeu ortodoxo Saulo Gudman, viaja para Nova York, onde cursaria a faculdade.
Já nos Estados Unidos, conhece, por intermédio de forças sobrenaturais atribuídas na
novela como sendo do mal, Adriano Montana, um jovem italiano, sedutor, filho de uma
tradicional família de banqueiros e membro da Igreja da Sagrada Luz, embora pouco dedicado
à religião. Sem a pretensão pessoal de se casar com Saulo, Débora se permite ser cortejada por
Adriano, que a leva para passear pelos parques e monumentos da cidade.
O casal vive um romance intenso, também intermediado por forças malignas, como se
pode constatar no terceiro capítulo, em que o narrador onisciente da trama, o anticristo Ricardo,
que viria a nascer do relacionamento entre Debora e Adriano algum tempo depois, afirma:
“Linda morena, aparte, escolhi Débora por uma razão, ela tem o genes do povo que eu amo
fazer o mundo odiar. Meu arqui-inimigo [Deus] disse que a salvação vem dos judeus. É isso
que nós vamos ver”. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 3).
A mencionada fala do anticristo aponta para três questões importantes no universo da
novela Apocalipse. A primeira é a suposta capacidade do diabo, um ser espiritual, de manipular
o mundo material e do livre arbítrio de forma a induzir as escolhas e as ações humanas. Essa é
uma concepção de diabo que está de acordo com a doutrina da demonologia da Iurd analisada
por Oro (2005).
Já a segunda possui uma conotação de naturalização espiritual-maligna do
antissemitismo, uma vez que o ódio dos diversos povos aos judeus ao longo da história não é
atribuída na novela simplesmente a conflitos socioculturais e político-econômicos, mas,
sobretudo, como tendo origem na ação do diabo, que se diverte fazendo os judeus sofrerem, o
que desresponsabiliza em grande parcela a política nazista do holocausto judeu.
O personagem anticristo reproduz, em um de seus discursos no Conselho das Nações,
partes de um discurso de Adolf Hitler. A terceira questão é a interpelação do anticristo a Deus
referente à ideia de que a salvação vem dos judeus. O objetivo dessa interpelação é o de
deslegitimar a fé judaica a partir do pressuposto de que o judaísmo não representa um empecilho
aos planos do diabo de frustrar o projeto salvífico de Deus. Aliás, na novela, o próprio anticristo,
Ricardo, nasce de uma judia, Débora. Nesse sentido, é possível verificar no decorrer da novela
a contribuição das personagens judias ortodoxas no plano colonialista do anticristo, sobretudo
136
Anticristo: Se tudo nesse mundo pudesse ser do meu jeito, ninguém se casaria.
Quanto mais divididas e afastadas as pessoas forem uma das outras, melhor pra mim.
Mas não é porque duas pessoas são casadas que precisam necessariamente viverem
unidas. E isso o Adriano entendeu perfeitamente. (TELENOVELA APOCALIPSE,
2017, capítulo 7).
Por outro lado, é a favor das divisões, o que, segundo ele, o favorece. Mais do que isso, os
problemas conjugais de Débora e Adriano são naturalizados na novela como a concretização
da atuação do mal no mundo material, como se pode observar em outra fala da personagem no
mesmo capítulo referente ao próprio nascimento, ou encarnação, como Ricardo Montana:
Ariela: Ricardo! Parece que essa sua aventura em Roma te fez muito bem!
Ricardo: (sussurra uma melodia) Claro! (sussurra uma melodia).
Ariela: Nossa!
Ricardo: Roma é a cidade eterna, como os amores, enquanto duram, como dizia um
poeta.
Ariela: Tão bom assim é?
Ricardo: Essa não foi uma aventura qualquer, Ariela. Essa mulher será a minha
esposa em breve. Cuidado com o que você vai dizer agora.
Ariela: Eu preciso conhecer essa feiticeira.
Ricardo: Tudo no seu tempo.
Ariela: (risos).
Ricardo: Antes de vir pra cá eu passei na agência espacial e falei com o seu ex-
marido.
Ariela: A sim, Uri estava ansioso para conseguir o seu apoio.
Ricardo: E conseguiu. Não exatamente do jeito que ele queria, é claro, mas ficou
satisfeito com a minha proposta. E por aqui? Eu espero que vocês não tenham dado
início ao apocalipse sem a minha participação.
Ariela: (risos). Jamais faríamos isso, seria no mínimo indelicado, mas os seus últimos
pronunciamentos...
Ricardo: E o que que tem?
139
Início do Capítulo 78
Ricardo: Ariela, quando peço ou sugiro algo a alguém, eu na verdade estou
ordenando.
Ariela: Ricardo...
Ricardo: Entre todas as pessoas do meu círculo mais próximo eu jamais poderia
imaginar que justamente você...
Ariela: Deixa eu me explicar...
Ricardo: Eu falei pra você não se meter nessa história, não falei?
Ariela: Falou.
Ricardo: E você, não apenas me desobedeceu, como muito provavelmente utilizou o
meu telefone para fazer uma ligação absolutamente sigilosa como essa.
Ariela: Não, fiz a chamada de um pré-pago. Eu sei muito bem como agir.
Ricardo: Mesmo? Que que eu faço com você agora, Ariela?
Ariela: O que quiser. Estou nas suas mãos Ricardo e aos seus serviços. E dentre os
meus deveres está o de proteger você independente do que faça ou do que aconteça.
Ricardo: Hum, que adorável! E desde quando eu preciso da ajuda de uma mulher...
Ariela: Não sou nem uma idiota. Imaginei que você soubesse disso quando me
chamou para trabalhar com você. E caso ainda te interesse, tivesse me consultado
sobre essa encomenda com o califa, eu não teria apenas te apoiado, como te ajudaria
para fazer tudo de um jeito que nada, nem o rastro chegasse até você.
Ricardo: Está querendo me dizer...
Ariela: Sempre serei leal a você! Nunca julgarei as suas atitudes, sobretudo do ponto
de vista ético e moral que a meu ver são duas coisas completamente chatas e que
tornam a vida previsível, né?
Ricardo: (risos e palmas) Você é realmente uma caixinha de surpresas Ariela.
Ariela: Que não gosta de ser surpreendida. Me quer ao seu lado? Estou 100% com
você. Mas nunca mais me deixe de fora.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulos 77 e 78).
Dentre os vários serviços prestados por Ariela a Ricardo estão a sua ajuda para
assassinar o sheik Abdul Al Khaleel em acidente de carro após o anticristo não ter conseguido
negociar junto ao líder árabe o abatimento de parte do preço do terreno em um deserto árabe
onde seria construída a cidade Nova Babilônia. Também ajudou a assassinar, simultaneamente,
por meio de atentado terrorista em Jerusalém, o principal líder judeu, Yaacov, e o mulçumano,
Marmud, que se recusaram a entrar em acordo para que Ricardo construísse o Terceiro Templo
140
Domo da Rocha, Jerusalém. No lugar, Isabela achou, em uma das escavações, o fragmento de
uma placa metálica que o sumo sacerdote do Templo de Salomão usava na região da testa, no
período anterior ao exílio babilônico. Tal descoberta levou à conclusão de que o Templo de
Salomão havia sido construído naquela localidade, o que possibilitou e legitimou que Ricardo
Montana o reconstruísse no mesmo local.
Além de inteligente, esforçada e bela, Isabela é tratada na novela como uma mulher
moderna de Nova York que gosta de roupas curtas, segundo o padrão de roupas femininas do
judaísmo, adora festas, paqueração e relacionamentos amorosos livres. Durante o intercâmbio
em Jerusalém, a jovem mora com os tios paternos Oziel e Marta Gudman, os pais de Saulo, ex-
noivo de Débora. Durante esse período, a jovem entra em atrito com os tios judeus ortodoxos
devido ao seu jeito liberal e carismático de ser, as roupas justas, decotadas, coloridas e com
ombros à vista.
Logo Isabela é notada por Noah Koheg, um jovem militar do exército israelense e filho
de Gideon e Tamar, os pais de Débora. O rapaz, que ainda não tinha experiências amorosas, se
apaixonou por Isabela devido ao seu jeito de ser diferente das moças judias ao seu redor. Aliás,
Noah é tratado na novela como um jovem judeu ortodoxo praticante da fé de seu povo, mas
tolerante às diferenças culturais e religiosas, sensível, justo, corajoso, honesto, introvertido e
humilde. Poucos dias após conhecer Isabela, o rapaz a pede em casamento pensando estar
tomando uma atitude correta diante de uma mulher. A jovem se assusta e rejeita o pedido de
um rapaz que acabara de conhecer, mas aceita ser cortejada por ele.
Não obstante, nessa mesma época Ricardo Montana a escolhe para ser a sua noiva por
questões estratégicas e começa a conquistá-la a partir de jogos de poder, sedução e ostentação,
levando-a escondida dos tios da jovem, de Jerusalém a sua mansão em Roma, de helicóptero.
Na viagem, que durou uma noite, o casal teve a primeira relação sexual. Vendo em Ricardo a
maturidade sexual-afetiva que julgava faltar a Noah, se apaixona pelo italiano, embora ele a
visse apenas como uma “peça” importante do seu jogo de xadrez apocalíptico.
Ao observar os passeios secretos de Isabela e a proximidade com Ricardo, a irmã de
Noah, Hanna Koheg, interpela a jovem, dizendo que ela estava brincando com os sentimentos
do rapaz. Isabela se sente mal por isso, mas decide ficar com Ricardo, com quem casa algum
tempo depois. Ela torna-se cúmplice da performance apocalíptica do anticristo e vítima da
crueldade dele, uma vez que a sua morte se dá pela obediência a um comando do marido: “dê
a sua vida por mim, se mate agora na minha frente.” (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017,
capítulo 154).
Esse episódio possui um caráter pedagógico-conservador, pois encena o desfecho da
142
Rodrigo: Grávida?
Barbara: É papai, você vai ser vovô. (risos).
Rodrigo: Oh filha! Que notícia maravilhosa Barbara!
Barbara: Ai pai! Eu tô tão feliz! Esperei tanto por isso pai, que agora, com tudo
acontecendo, parece que não é real, sabe?
Rodrigo: Eu sei, é normal filha. Sabe? Eu lembro quando a sua mãe me disse que eu
ia ser pai. Parecia ser um sonho.
Barbara: É! É assim mesmo.
Rodrigo: A natureza é perfeita filha, ela vai te dar nove meses para cair a ficha. É,
Barbara, desculpa perguntar isso, mas...
Barbara: Hum, já sei. Você tá querendo saber que é o pai.
Rodrigo: Seria bom né filha!?
Barbara: É o Diogo.
Rodrigo: Poxa, que legal! Eu gosto dele. Trabalhador, honesto. A, com certeza vai
dar um ótimo pai. Com certeza. É, mas vocês vão...
Barbara: Casar, nem pensar, né pai!?
143
Rodrigo: Como não, né filha? Por que, ele num, num quis assumir o meu neto?
Barbara: Pai, eu é que não quero saber de casamento. Imagina, só porque eu tô
grávida? Olha só, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, tá? Pai? Alô?
Rodrigo: Tô aqui Barbara.
Barbara: Ai paizinho, por favor, olha só, não faz a linha horrorizado não, hein!?
Poupa a sua filhinha. A final de contas, eu e o Diogo, a gente não namora, foi só um
caso sem importância. O Diogo é o pai da criança, mais nada.
Rodrigo: Mais nada!? Só o pai!? Olha Barbara, desculpa, mas... Eu não quero te
censurar, não vou fazer isso. Mas eu sou a moda antiga filha. Eu não me acostumo
com essa modernidade dos relacionamentos de hoje em dia.
Barbara: Pai, eu achei que você fosse ficar feliz por mim.
Rodrigo: Eu tô muito feliz filha. Mas eu tenho medo de que você se acabe se
machucando.
Barbara: Eu não quero me envolver justamente para não me machucar pai. Eu prefiro
assim. Sem casamento, sem cobrança, cada um com a sua vida.
Fim de cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 91).
Chico: Não dá para entender. Tanta mulher querendo engravidar para segurar marido,
a outra tá grávida e não quer um.
Diogo: É meu, cada dia que passa tenho mais certeza de que mulher é bicho doido.
Chico: É, concordo. Ou elas todas deviam vir sabe com quê? Com manual de
instrução.
Diogo: Nem assim a gente ia saber lhe dar.
Chico: Eu achei que você e a Barbara estavam bem, né, sabe? Feliz, aqui ó, grávidos.
Diogo: A Barbara me usou cara. Ela só queria ter um filho comigo. Agora que está
grávida, não quis saber de mim.
Chico: Mas o meu caso é bem pior. A Celeste nunca me quis, mas também não me
deixa. Sabe? Fica me cozinhando ali. E eu, trouxa que sou, fico.
Diogo: Ficamos. Somos dois trouxas apaixonados.
Chico: Somos dois trouxas de carteirinha. Se a Celeste me desse uma chance, sabe?
Eu ia fazer ela a mulher mais feliz desse mundo.
Diogo: Digo o mesmo em relação a Barbara.
Chico: Outro chopp?
Diogo: Por conta da casa.
Chico: Moça, psiu, shop...
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 92).
Durante o período no deserto, Zoe se arrepende de ter se afastado de sua fé, isto é, não
ter participado assiduamente das atividades religiosas da sua igreja e de ter feito sexo antes do
casamento. O arrependimento dela vem junto a um movimento de reaproximação de Deus. O
início desse processo se dá no capítulo 82, em que escrevendo o próprio nome [Zoe] na areia
do deserto, próxima ao acampamento em que estava, a jovem se lembra de um diálogo que teve
com o pai Oswaldo, quando criança, em um momento de aflição:
Oswaldo: Você não vai me contar mesmo o que está acontecendo na escola para você
voltar com essa carinha?
Zoe: Não é nada não pai...
Oswaldo: Como não é nada não, pai? Você passou o jantar todo quietinha, surucusú.
Você não é assim. A Zoe que eu conheço é brincalhona, sorridente, alegre. Ei, ei, pode
falar pro papai. Papai tá aqui pra te ajudar.
Zoe: Que ficam rindo do meu nome na escola pai.
Oswaldo: Rindo do seu nome? Mas porquê? O seu nome é lindo.
Zoe: Poxa pai! Cê não tinha outro nome pra me dar? Zoe, ninguém tem esse nome.
Poxa! E todo mundo fica falando...
Oswaldo: Iiii deixa. Não interessa o que os outros ficam falando, pensando. O que
interessa é o que você acredita de verdade. Você gosta do seu nome, não gosta?
Zoe: Gosto!
Oswaldo: Então, deixa o resto pra lá. Eu tenho certeza que não existe nem um nome
com o significado tão bonito.
Zoe: Vida.
Oswaldo: Vida! Vida! Mas muito mais que simplesmente vida. É a própria vida de
Deus. A vida mais que abundante que Deus nos dá em Cristo Jesus.
Zoe: Se eles soubessem que o meu nome aparece na Bíblia, né pai?
Oswaldo: Né, filha, na verdade tá lá no original em grego – Zoe, Vida Eterna – e é
com isso que nós temos que nos preocupar filha, onde nós vamos passar nossa
eternidade. Vem meu amor. (Risos baixos, de alegria).
A cena retorna para Zoe na beira do oásis no deserto do Marrocos. Ela entra no
lago chorando e diz:
Zoe: Meu pai sempre me disse que eu sou determinada. Mas se essa determinação
não fez conquistar o mais importante, a minha salvação, então senhor Jesus, eu me
rendo agora por completo. Não quero mais ser como antes, não quero mais viver as
minhas vontades mas sim a sua. Eu vou viver o nome que me foi dado, Zoe a vida de
Jesus fluindo em mim. De agora em diante senhor, nada mais vai me afastar do seu
amor. Eu consagro a minha vida e tudo que sou em tuas mãos. Obrigada, obrigada
senhor!
Zoe se banha no lago, como se fosse um ritual de batismo.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 82).
quando fugiu da prisão – o aponta para a ideia da coragem e da autonomia da mulher moderna.
Porém, no momento da reaproximação com Deus, Zoe compreende que essa determinação era
sustentada pelas próprias vontades e que por isso não teria conseguido conquistar o que achava
de mais precioso, a salvação. O movimento narrativo seguinte da personagem após essa
conclusão é o de negar e abdicar às próprias vontades em detrimento das de Deus, ou seja, de
dedicar a sua determinação, outrora de mulher moderna, mas agora de mulher de fé, a conquista
de sua salvação eterna. Nesse sentido, Zoe assume o próprio nome, “vida eterna”, que já lhe
havia sido motivo de bullying, mas que agora se tornara motivo de orgulho. O significado dele
possuía para ela um valor especial, superior aos sentidos da vida que levava antes do atentado
aéreo.
Os supostos erros ou pecados de Zoe, assim como os de Alice, se justificam pela
reconversão delas em um momento de aflição, fazendo com que elas entrassem para o grupo
seleto de mulheres ideais, a exemplo das personagens Letícia, Raquel e Esmirna, cristãs
evangélicas dedicadas à família e à fé e que foram arrebatadas por Deus antes do fim do mundo.
Se por um lado Débora representa na novela a anti-Maria, é possível identificar em Zoe
a pretensão de representar uma espécie de Maria cristã evangélica, não virgem. Tal afirmativa
encontra respaldo nas últimas cenas do capítulo 71, em que após Benjamim, namorado de Zoe,
lê o capítulo 12 do livro do Apocalipse, são apresentadas imagens da jovem sendo interpelada
ironicamente no saguão do aeroporto de Tel Aviv por Ricardo sobre ela ter descoberto que ele
é o anticristo. Benjamim lê: “E viu-se outro sinal no céu e eis que era um dragão vermelho e o
dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que dando ela a luz, lhe devorasse
o filho” (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 71).
Naquele momento, Benjamim não havia entendido o que acabara de ler e não sabia ainda
que Zoe estava grávida, mas a cena seguinte apresenta Ricardo que, na qualidade de anticristo,
representa o mencionado dragão vermelho descrito no livro do Apocalipse, interpelando Zoe,
cujo arranjo de cenas dá a entender que representa a mulher que havia de dar à luz, descrita no
mesmo livro. Trata-se da técnica cinematográfica match cut, um corte de cenas que as veiculam
a partir de uma mesma temática.
Naquele mesmo dia viria a ocorrer o acidente aéreo encomendado por Ricardo para
matar Zoe. A jovem é apresentada nesse capítulo como a mulher vestida de sol e que tinha a
lua aos seus pés, descrita no capítulo 12 do livro do Apocalipse e que a Igreja Católica
compreende como sendo Nossa Senhora, a jovem Maria que carregava em seu ventre o menino
Jesus.
Na condição de Maria na novela Apocalipse, Zoe inicia a sua atuação em favor da sua
147
salvação e a do mundo. Ainda no deserto, a jovem faz uma série de publicações de vídeos
misteriosos na internet, vestida de burca, alertando o mundo sobre o governo do anticristo e o
cumprimento das profecias do livro do Apocalipse. Algum tempo depois reencontra Benjamim
e vivem períodos de grandes turbulências devido a sua fé, mas se mantêm convictos e
convertem muitas pessoas.
Também na cidade do Rio de Janeiro a personagem Talita Aisen Peixoto, filha de
Henrique Peixoto e da doutora Estela Aisen, proprietária juntamente com a irmã Suzana, do
hospital judeu Aisen, faz uma performance conflituosa até se converter ao cristianismo
evangélico. A adolescente e o irmão Bruno levam uma vida confortável do ponto de vista
econômico, mas crescem sem a atenção dos pais que estão sempre ocupados com o trabalho.
Ambos são “criados” pela empregada doméstica da família, Esmirna, uma senhora evangélica
muito humilde e piedosa, cujo marido a abandonou com dois filhos pequenos em meio a um
surto apocalíptico, tornando-se morador de rua. Esmirna tentou várias vezes procurar ajuda
psicológica para o marido Tião por meio do Estado, mas nunca conseguiu. Posteriormente, o
pastor Jonas, irmão do pastor Ezequiel, consegue interná-lo em uma clínica de reabilitação com
a ajuda de uma assistente social.
Talita frequenta muitas festas rave e frequentemente chega em casa, escondida dos pais,
pelo amanhecer. Devido aos efeitos de drogas e bebidas alcoólicas, não frequenta a escola como
deveria. Em uma dessas situações Esmirna a alerta:
Esmirna: Ensina a criança no caminho que deve andar que até envelhecer, não vai se
desviar dele.
Talita: Curti a frase. Não sei se funciona assim, né? Mas o ditado até que é maneiro.
Esmirna: Não é meu não Talita. É um versículo da Bíblia.
Talita: Ai Esmirna, que saco! Lá vem cê de novo com essa história de Bíblia. Sabe
que pra mim num tem mais jeito não. Tô igual motorista perdido, nunca me ensinaram
caminho nem um mesmo... Ai, droga de dor de cabeça! E aquele café? Traz pra mim?
Ontem eu chutei o pal na balada. Tô com ressaca. Foi forte.
Esmirna: Você lá tem idade pra beber Talita?
Talita: A bom, agora sim, essa aí que é a Esmirna que eu conheço, com a liçãozinha
do dia. Vai logo vai! Traz logo o café. E água. Uma jarra. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 16).
O diálogo apresenta uma função pedagógica religiosa logo rechaçada pela adolescente
quando percebe que se trata de um ensinamento de origem bíblica, o que considera lição de
moral. A ideia de mulher moderna representada na personagem está associada ao repúdio à
moral religiosa das sagradas escrituras. A própria personagem se assume como alguém que está
perdido igual a um motorista sem rumo e que não tem mais solução para esse problema.
Por mais da metade da telenovela Apocalipse, Talita passa várias dificuldades devido a
148
sua postura liberal. A jovem inicia o namoro com Guto, o filho do policial civil César e a
enfermeira Raquel, para quem manda fotos íntimas, as nudes. Uma dessas fotos é hackeada do
computador de Guto pelo amigo Wólace, mais conhecido como HD, filho da empregada
doméstica Esmirna. O jovem hacker e o irmão Robinson, que a princípio era “aviãozinho” e
depois se tornou traficante de drogas, ameaçam Talita a pagar uma quantia em dinheiro em
troca de não vazarem a foto íntima na internet. Desesperada, a jovem rouba as joias da mãe e
as vende ilegalmente por meio do policial civil Dudu Poeira, colega de trabalho do policial
César Sardes, para conseguir pagar HD e Robinson. Mas na última hora a foto é publicada na
internet, mesmo a jovem já tendo pagado o valor estabelecido. Instantes depois, Talita vê a
própria imagem nua na internet e, após ser hostilizada por colegas de escola e pela família, tenta
o suicídio. A culpa sobre o sumiço das joias da doutora Estela recae sobre a empregada Esmirna.
Talita é levada em estado grave para o hospital Aisen, onde é tratada e se recupera. A
enfermeira Raquel, mãe de Guto e que cuidou de Talita no hospital, logo alerta o filho sobre o
namoro com a adolescente:
Raquel: E quando era só você que via essa foto? Cê achava normal?
Guto: Mas aí é diferente, ela mandou a foto pra mim, ela queria que eu visse.
Raquel: Meu filho, eu preciso que você me diga a verdade agora. Você e a Talita já
...
Guto: O que?
Raquel: Eu sei que é delicado mas eu gostaria que você me dissesse se você e ela já...
Guto: O mãe, para com isso. É pergunta que se faça pra mim?
Raquel: Meu filho, quando um pai e uma mãe se importam e amam, agente faz o que
é possível para que um filho não se machuque.
Guto: Eu tô bem mãe. É sério, eu tô bem.
Raquel: Guto, eu sei que você fala com o seu coração, mas eu também preciso dizer
o que eu acredito, porque é assim que eu criei você e a sua irmã. O sexo meu filho...
Guto: O mãe, eu tô ligado, tá? Eu tô ligado, eu já entendi.
Raquel: Não, não desculpa, eu não quero, eu não quero te envergonhar e nem dar
lição de moral. Longe disso.
Guto: Então é o que?
Raquel: É uma conversa, franca, aberta. O sexo é muito íntimo, é muito especial, meu
filho. E a gente acredita que essa entrega só faz sentido depois do casamento, entre
um casal que se respeita, que se ama.
Guto: Mãe, eu gosto da Talita, muito.
Raquel: Eu sei meu filho. Eu sei que você acha isso e até que sente, mas é que as
vezes a gente se deixa levar pelos sentidos e aí acaba se perdendo. Cê nem sabe quanto
tempo você vai ficar com essa garota, você sabe?
Guto: Mão, eu, eu tô acabado. Eu tive um dia longo, tô cansado, eu queria ficar
sozinho.
Raquel: Claro.
Guto: Descansar.
Raquel: Claro. Só pensa no que eu te falei, tá? É pro seu bem, pode acreditar.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 44).
O diálogo entre Raquel e Guto apresenta uma percepção cristã evangélica repressiva a
respeito do comportamento de Talita e da temática do sexo. O comportamento liberal da jovem
é tido por Raquel como aquilo que impulsiona os próprios sofrimentos. Há, portanto, a
responsabilização de uma menina, vítima de crime cibernético, que teve a foto íntima hackeada.
Ela foi coagida pelos hackers a pagar uma propina para que a imagem não viesse a ser divulgada
na rede, sobre o vazamento da própria imagem na internet, resultando assim na tentativa de
suicídio. A vítima é tomada como a responsável pelas consequências do crime cometido por
terceiros e os criminosos são apagados de suas responsabilidades no ato do crime.
Essa parte da performance da personagem Talita é uma encenação de um conjunto de
fatos reais que aconteceram no Brasil entre os anos de 2017 e de 2018, quando a novela foi
produzida. Naqueles anos, foram vazados nudes de vários artistas e famosos nas redes sociais
como, por exemplo, dos cantores Léo Stronda e Drake, do influenciador digital Felipe Neto,
das atrizes e dos atores da Rede Globo Carolina Dieckmann, Paolla Oliveira e Isis Valverde,
Caio Castro, José Loreto etc.
As fotos íntimas repercutiram de forma polêmica nas redes sociais e geraram um clima
de crítica social no Brasil referente às formas modernas de relacionamento afetivo via redes
sociais, em que por muitas vezes as vítimas dos crimes cibernéticos eram apontadas como maus
150
Narrador onisciente: Sexo e amor são duas coisas diferentes. Amor inclui sexo, mas
nem sempre sexo inclui amor. Você pode me parabenizar por mais este engano. Desde
que juntei as duas coisas em uma só frase, quando criei a expressão, vamos fazer
amor... Eu me divirto quando vejo a decepção no rosto delas. Como assim não foi
amor? Não, não foi mamãe. Foi apenas sexo. E você vai pagar um preço alto por isso.
Mas só porque eu preciso de vocês dois juntos, eu vou dar um jeito nisso.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 4).
A personagem anticristo traz nessa fala uma concepção negativa para a palavra sexo e
afirma que a veiculação do termo sexo com o termo amor é uma forma de enganação criada por
ele próprio e que gera decepção nas mulheres. Mais do que isso, a personagem diz se divertir
com a decepção e afirma em tom vingativo e condescendente que a mãe Débora vai pagar um
preço alto por ter feito sexo fora do casamento.
O problema do machismo estrutural envolto nos jogos de sedução em que homens
engravidam as parceiras sexuais e depois não assumem as responsabilidades paternais é
assumida na novela como tendo uma origem espiritual maligna atribuía ao diabo e não uma
origem sócio-histórica humana.
Apesar das súplicas da mãe de Guto para que o adolescente desfizesse o namoro com
Talita, os jovens continuam o relacionamento até o fim da novela, passando por várias outras
dificuldades como, por exemplo, o suicídio coletivo que quase os vitimaram quando faziam
parte da seita apocalíptica Filhos do Amanhã. Após esse episódio, o policial César passa a dar
mais atenção ao filho e o convence a frequentar a igreja do pastor Jonas, onde, juntamente com
Talita, se convertem ao cristianismo evangélico e conseguem a salvação divina no fim do
mundo.
Como é possível observar nas performances tratadas neste tópico, a agenda
antifeminista se estrutura na crítica comportamental liberal-feminina, na censura aos direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres e a respectiva autonomia sobre o próprio corpo, bem como
a associação dos modos de vida das mulheres “desviadas” ou sem vínculo religioso, a
151
volta dos 18 anos de idade, no fim da década de 1980, vicia-se em drogas e se envolve com a
criminalidade. Nessa época engravida a namorada Sandra, uma adolescente da periferia
também viciada em drogas. É preso após cometer vários delitos. No início da estadia no presídio
se mostra violento e é temido pelos demais de sua cela, mas logo tem contato com missionários
evangélicos, liderados pelo pastor Ezequiel, que evangelizam nas cadeias, tornando-se uma
pessoa ponderada.
O jovem se aproxima timidamente do pastor durante as pregações dele no presídio. Ele
lhe dá uma Bíblia e o anima a ser uma pessoa boa, honesta e temente a Deus. Oswaldo passa
por um processo de conversão, mas o sentimento de culpa era mais forte do que a sua vontade
de mudar de vida até que, nas vésperas de um motim combinado pelos presos, o rapaz, que
havia lido várias passagens das sagradas escrituras por toda a noite, dentre elas uma do
evangelho de João 12-13: “Se alguém ouvir as minhas palavras e não crer, eu não o julgo porque
eu vim não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”, e uma outra do livro do Apocalipse
25:1 “Eis que faço novas todas as coisas e disse ...”, encontra respostas para a sua aflição e
decide que não iria mais errar e nem participar da rebelião. Na ocasião o narrador onisciente da
trama afirma:
A como eu já tentei acabar com esse livro ao longo dos séculos. Foi por pouco, mas
essa batalha eu perdi. Minha estratégia agora é diferente. Descobri que se eu conseguir
fazer essa leitura mais chata do que esta tinta fresca secar, as chances de alguém pegar
a bíblia para ler serão mínimas. O problema é que não tem muita tinta fresca nos
presídios. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 13).
Ao não participar do motim, Oswaldo inicia o processo de mudança, sobretudo por meio
da leitura da Bíblia, livro que o anticristo diz ter tentado destruir ao longo da história. O narrador
onisciente da trama toma como seu principal inimigo na luta contra o plano salvífico de Deus
os textos das sagradas escrituras, uma vez que é por meio deles que as pessoas têm contato
direto com os planos de Deus e se convertem. Como será apontado no ultimo tópico deste
capítulo, a novela Apocalipse apresenta uma concepção negativa para o termo religião e
compreende a Bíblia como uma espécie de caminho direto a Deus.
Algum tempo depois Oswaldo se converte, aceita Jesus e é batizado pelo pastor
Ezequiel. Devido ao bom comportamento, adquire a oportunidade de estudar dentro do presídio,
se formando em Contabilidade, o que lhe possibilitou um abatimento do tempo de cumprimento
da pena. O próprio narrador onisciente da trama define Oswaldo Santero na ocasião do motim
dos presos como “aquele que encontra a liberdade na prisão” (TELENOVELA APOCALIPSE,
2017, capítulo 3).
153
Depois de livre, Oswaldo continua tentando reiniciar a vida, mas o irmão Felipe, que
outrora o tomava como um pai, não aceita a possibilidade dessa mudança e viaja ilegalmente
para Nova York em busca de melhores condições de emprego e de cortar todas as relações com
o irmão. O narrador onisciente da trama o descreve assim:
O melhor tipo de orgulho é aquele que tem a aparência de virtude. O Felipe diz que
quer vencer na vida, dar melhores condições a sua família, mas a verdade é que ele
quer provar que é melhor, pra mulher, pra mãe e principalmente para o irmão, de quem
ele tanto guarda mágoa. O orgulho é o meu pecado favorito. Sabe porquê? Porque o
orgulhoso acha que o seu orgulho é uma qualidade. (TELENOVELA APOCALIPSE,
2018, capítulo 12).
Nessa fala, o anticristo usa um caso específico para fazer uma crítica às pessoas que
não aceitam a mudança de vida ou a conversão de terceiros. A postura é tomada como orgulho.
Sendo o orgulho um dos chamados sete pecados capitais, agrada ao diabo e contribui para os
seus planos anti-salvíficos. Mas não se trata, aqui, de todas as formas de mudanças ou
conversões e sim da conversão ao cristianismo evangélico, que é recorrentemente criticado,
questionado e até mesmo ridicularizado por outras denominações religiosas e não religiosas no
Brasil. No tópico deste capítulo a respeito das agendas anti-globalista apontou-se que esse
sentimento de superioridade pessoal ou coletiva em relação ao outro ou aos outros, que embasa
o pecado do orgulho, é estreitamente relacionado na novela com a atuação de Ricardo Montana
como presidente do Conselho das Nações, que por sua vez é associado na trama ao ditador
Adolf Hitler. Por ora cabe ressaltar que há na mencionada fala uma crítica de origem evangélica
sendo dita pelo narrador onisciente da trama, a partir do não reconhecimento da transformação
de vida de um ex-usuário e ex-dentento após aceitar Jesus e se converter à fé cristã evangélica.
De fato Oswaldo tenta se aproximar do irmão por vezes e mostrar que mudou de vida
radicalmente, mas sempre é ignorado por ele. E ainda, em meados da década de 1990, aparecem
várias oportunidades para o jovem ex-presidiário. Ele conhece Letícia, uma moça evangélica
fervorosa, humilde e simpática que trabalha na recepção do hospital judeu Aisen.
Os dois se apaixonam, iniciam o namoro e logo se casam. Antes, porém, Oswaldo volta
à favela onde comprava drogas. O objetivo era encontrar a ex-namorada Sandra e o filho Tiago,
que ainda era uma criança. Acha o menino chorando enquanto a mãe estava sob efeitos de
drogas. É rechaçado pelo novo namorado de Sandra e vai embora. Na ocasião, é convidado por
um grupo de traficantes a ser o contador de uma das chamadas bocas, “estabelecimento” de
comércio de drogas, mas rejeita com veemência devido ao desejo de mudar de vida e ser uma
pessoa temente a Deus. Também consegue o emprego de motorista da família Aisen,
proprietária do referido hospital.
154
Algum tempo depois, a esposa Letícia engravida e dá à luz a Zoe, formando assim uma
nova família. Mas Oswaldo nunca se esqueceu do filho Tiago. Quando fica sabendo que a ex-
namorada Sandra estava morrendo em um hospital, procura novamente o filho, achando-o sob
efeitos de drogas em um cômodo de latão e madeira na favela. Os dois têm um encontro
conflituoso, mas, depois de ser agredido verbal e fisicamente pelo filho, Oswaldo consegue
convencer Tiago a ir morar com ele e reiniciar a vida. O rapaz é bem aceito pela família do pai,
mas logo volta para a favela devido ao vício. Oswaldo vai atrás do filho novamente e insiste na
possibilidade de uma nova vida, mas o rapaz o expulsa. Alguns dias depois, o policial César,
ao passar pela favela, encontra Tiago tendo uma overdose de cocaína e o socorre
encaminhando-lhe para o Hospital Aisen. Lá ele sofre uma parada cardiorrespiratória e é
reanimado pela equipe médica, composta pela tia, a enfermeira Raquel. Aliás, é nessa ocasião
que César conhece Raquel e a chama para tomarem um café.
Raquel: Impressionante, né? O que as drogas podem fazer na vida de uma pessoa.
Cesar: Mesmo assim são tão sedutoras. Tanta coisa mais interessante com o que se
envolver. Esses jovens parecem gostar de flertar com a morte.
Raquel: Geralmente são pessoas sem alicerce mais firmes. As drogas são uma forma
de chamar atenção de família. É um pedido de ajuda.
Cesar: Você se preocupa mesmo, assim, com todos os seus pacientes?
Raquel: Não são meus pacientes. Sou apenas uma enfermeira.
Cesar: Para mim você é muito mais do que isso Raquel.
Raquel: É melhor eu me ir...
Cesar: Já?
Raquel: Passou do meu horário. Até logo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 12).
É importante lembrar que nas décadas de 2000 e 2020 a pauta política de combate às
drogas foram lideradas em grande parcela no Brasil pelos setores evangélicos da política (em
especial a bancada da Bíblia na Câmara dos Deputados) e da sociedade brasileira (como, por
exemplo, as clínicas de recuperação evangélica para dependência química e tratamento para
alcoólatras) a partir de discursos de teor conservador de guerra ao tráfico. Quando a personagem
Raquel afirma que as pessoas usuárias de drogas o fazem geralmente por não terem alicerce
mais firmes, a crítica refere-se em primeira instância ao afrouxamento dos laços familiares da
sociedade moderna e ao surgimento de novos formatos de famílias que não reproduzem os
padrões monocelulares patriarcais seguidos pelo cristianismo evangélico, do qual ela mesma
faz parte.
Aliás, uma das pautas políticas centrais na telenovela é a chamada defesa da família. A
instituição é vista como elementar para a formação da fé e do comportamento das crianças,
futuros cidadãos brasileiros.
155
Após Tiago ser salvo pelo policial César, que viria a ser o seu tio, o jovem se
comprometeu a mudar de vida e mudou. Converteu-se após assistir o culto do pastor Ezequiel.
Oswaldo: Eu não sei se te agradeci por ter salvado a vida do meu filho?
Cesar: Muitas vezes Oswaldo.
Teresa: Nunca será o suficiente.
Cesar: E você Tiago, como está se virando?
Tiago: Então, um pouco difícil de conseguir trabalho mas eu voltei a estudar. É, quero
terminar o supletivo e tentar uma faculdade.
Cesar: Que ótimo! Cê tá pensando em cursar o que?
Oswaldo: Fala, vai.
Tiago: Eu tenho o sonho de ser médico e ajudar as pessoas, mas, sei lá, custa meio
caro e as faculdades federais são muito concorridas, então pode ser que eu não
consiga.
Oswaldo: Pode ser que não consiga? Mas é claro que vai conseguir! Basta se esforçar,
ter força de vontade e crer. Gente, eu sou um exemplo vivo de que se pode vencer os
obstáculos mais difíceis da vida. Não é?
Tiago: Verdade.
Cena continua com o namoro de Raquel com Cesar.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 14).
superfaturamento na instituição.
A mesma estratégia investigativa foi usada pela Procuradoria Geral da União (PGU) do
Brasil em 2017 no acordo de delação premiada do empresário Joesley Batista. O empresário
gravou um áudio secretamente de uma conversa que teve com o presidente Michel Temer no
palácio do Jaburu em 7 de março daquele ano. A gravação repercutiu na imprensa nacional e
internacional após o STF o tornar público, gerando uma crise sistêmica irreparável no governo,
acusado de corrupto.
A dedicação de César Sardes ao trabalho investigativo advém de um senso de justiça
adquirido do trauma do assassinato do pai, o policial civil Luís Sardes, pelo serial killer
Nicanor, mas se aguça após o já mencionado Arrebatamento. Isso porque apesar de o policial
ser evangélico e recorrer à Bíblia para algumas de suas investigações criminais na PC que
envolviam assassinatos esotéricos, era também um pai ausente e traía a esposa com uma colega
de trabalho na delegacia, de forma que, após perder a filha e a mulher, que foram arrebatadas,
se arrepende por não ter zelado melhor pela própria família, passando a se dedicar mais ao filho
e às atividades da igreja do pastor Jonas.
Por outro lado, o senso de justiça dele migra do trauma de ter perdido o pai na infância
para uma convicção religiosa assídua motivada por uma concepção apocalíptica da realidade
que vivia. César se torna, assim, quase que um super-herói devido ao rigor no cumprimento de
sua função associado a sua fé engajada. A postura dele como policial investigativo apresenta
reflexos do senso de justiça heroico da operação Lava Jato, em especial nas figuras do Juiz
Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. No cumprimento de suas atribuições, eles
extrapolaram por diversas vezes a lei a as suas funções em nome do combate à corrupção. Foi
o que ocorreu no caso da condução coercitiva ilegal do ex-presidente Lula, dos grampos ilegais
de telefonemas entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula e a apresentação de denúncia
contra Lula em um powerpoint, em que se acusava sem provas o ex-presidente. Nesse sentido,
o clima de justiceiro da Operação Lava Jato é trazido para a narrativa da telenovela Apocalipse
dentro da performance de um policial cristão evangélico.
Na mesma delegacia em que César atuava como policial investigativo trabalhava
também o policial civil Dudu Poeira, que usava de suas atribuições profissionais para facilitar
o tráfico de drogas e a criminalidade. Dudu operava como “aviãozinho”, informante e
comerciante de drogas, além de facilitar a fuga de criminosos, como ocorreu no caso de
Henrique Peixoto, que foi aconselhado pelo policial a fugir antes que eles chegassem com o
mandato de prisão preventiva. Tal performance reafirma o tom de pessimismo nacional-
brasileiro muito presente em toda a primeira fase da telenovela Apocalipse, como se pode
159
observar no curto diálogo ente Alan e o filho Benjamim a respeito de Zoe ter sido alvejada pelo
serial killer Nicanor enquanto a jornalista fazia a cobertura do motim que o assassino em série
liderava em uma penitenciária do Rio de Janeiro.
Funcionária (fala em inglês): Com licença senhor. Me desculpe, mas não é permitido
skates no local.
160
Benjamim (fala em inglês): Sério? Por que? Acha que um skatista não tem dinheiro
para comprar uma obra de arte?
Funcionária (fala em inglês): Não foi isso que eu quis dizer. Nós apenas não
podemos permitir skates aqui.
Entra em cena o vendedor de artes.
Vendedor de artes (fala em inglês): Achou algo que goste?
Benjamim (fala em inglês): Desculpe, mas o seu sotaque... Você é do Brasil?
Vendedor de artes (fala em inglês): Sim.
Benjamim (fala em português): A que ótimo, que ótimo! Eu tenho parentes no
Brasil, mas não costumo ir lá com frequência. Que bom poder falar com alguém em
português. Muito bom!
Vendedor de artes (fala em português): É o senhor está procurando algo em
particular?
Benjamim (fala em inglês): Obrigado.
A funcionária sai de cena.
Benjamim (fala em português): Que lugar interessante que é o Brasil, não é? Um
país tão grande, cheio de riquezas naturais, com tanto potencial, mas que não decola.
Sempre saindo de uma crise e entrando em outra.
Vendedor de artes (fala em português): É um modo de se pensar.
Benjamim (fala em português): Eu acho que tudo isso tem a ver com a corrupção,
sabia? Os políticos brasileiros, eles, eles são muito desonestos, não concorda comigo?
Vendedor de artes (fala em português): Eu prefiro me abster de comentários
políticos. Até mesmo porque faz muito tempo que eu não volto ao Brasil.
Benjamim (fala em português): Aham. Bom, mas muitos brasileiros frequentam sua
galeria, não?
Vendedor de artes (fala em português): Olha aqui, se o senhor não está interessado
em nem uma obra de arte, infelizmente eu não tenho como lhe ajudar. Com licença.
Benjamim (fala em português): Espera aí Alberto. Agente mal começou a conversar.
Vendedor de artes (fala em português): Como é que você sabe o meu nome?
Benjamim (fala em português): A, desculpa, eu sei que você prefere que te chamem
de Berti, mas é que... Tá legal, vamo combinar, pra se passar por um nativo você vai
precisar melhor um pouco esse seu sotaque...
Vendedor de artes (fala em português): Eu acho melhor o senhor se retirar senão
eu serei obrigado a chamar a polícia.
Benjamim (fala em português): Tem certeza que é uma boa chamar a polícia? Aliás
que foi que falou que eu não tô interessado em arte? Eu tô sim. Me interessa muito,
principalmente a arte de lavar dinheiro. Agora se quiser chamar a polícia.
Funcionária (fala em inglês): Alguma coisa errada? Devo chamar a polícia?
Vendedor de artes (fala em inglês): Não! Eu resolvo isso. Pode ir. Vá!
Vendedor de artes (fala em português): O senhor tem dois minutos para me explicar
o que significa isso tudo.
Benjamim (fala em português): Acredite em mim, quando eu te falar tudo o que eu
sei, a última coisa que você vai querer é chamar a polícia.
Fim da cena
Retomada da cena
Benjamim (fala em português): Sabe Berti, a sua galeria, ela fica no caminho pra
minha casa. Eu passo aqui praticamente todo dia. Já vim aqui algumas vezes mas hoje
foi a primeira vez que você veio falar comigo. Eu geralmente venho aqui nos
vernissages, quando tem um... Um bom champanhe, ótimos escarapés.
Vendedor de artes (fala em português): Eu não estou entendendo aonde o senhor
quer chegar.
Benjamim (fala em português): Calma, eu ainda vou chegar lá. Um pouquinho de
paciência. Senta. De tanto vir nesses vernissages, algumas coisas começaram a
chamar a minha atenção. Uma é que mudam os vernissages mas os quadros continuam
exatamente os mesmos. Não é engraçado? Eu tenho a impressão de que você vende o
mesmo quadro mais de uma vez.
Vendedor de artes (fala em português): Cê tá muito enganado. O nosso negócio é
legítimo.
Benjamim (fala em português): Não estou queixando isso, de força alguma. Outra
coisa que me chamou atenção é a quantidade de brasileiros que frequenta este lugar.
Não que seja proibido brasileiro gostar de arte, de forma alguma, mas é que político
161
brasileiro amante de arte é um pouco mais difícil, né? E como eu acompanho a polícia
brasileira, os escândalos de corrupção, eu conheço alguns rostos. E eu fiquei me
perguntando porque que com tantas galerias de arte em Nova York, a sua, justamente
a sua, faria tanto sucesso com esses caras.
Fim de cena.
Retomada da cena.
Benjamim (fala em português): Vamos combinar né Berti, os artistas que você
vende aqui não são exatamente um primor. E os preços, meu Deus, tá nas alturas! Ok
que políticos brasileiros podem não ter bom gosto, mas eles, eles não rasgam dinheiro.
Foi aí que eu lembrei que a compra de obra de artes é a melhor maneira de lavar
dinheiro sujo.
Vendedor de artes (fala em português): Se o senhor... Se o senhor não tem como
provar o que está dizendo é melhor sair agora.
Benjamim (fala em português): Berti, cê acha mesmo que eu perderia o meu tempo
aqui com você se eu não soubesse do que tô falando? Se eu não tivesse provas? Eu
tenho todos os seus arquivos, e-mails, balanços financeiros.
Vendedor de artes (fala em português): Mas o que é isso?
Benjamim (fala em português): E sabe o que é mais curioso? Comé que um esquema
criminoso que lava dinheiro de corrupção e movimenta milhões de dólares por ano,
descuida tanto da sua rede de wi-fi?
Vendedor de artes (fala em português): Você é um desses hackers, um desses
delinquentes!
Benjamim (fala em português):A gente pode discutir o conceito de delinquência
mas nem todo hacker é delinquente, assim como nem todo dono de galeria de arte
lava dinheiro de corrupção.
Vendedor de artes (fala em português): É dinheiro que você quer, né?
Benjamim (fala em português): Eu não sô como você. Eu num sô movido a dinheiro.
Algumas pessoas só querem o que é certo.
Vendedor de artes (fala em português): Olha aqui. Quem você pensa que é me
fazendo essas ameaças? Como você entrou na minha rede de wi-fi, você também
infringiu a lei.
Benjamim (fala em português): Explica isso pra polícia, fiz uma ligação anônima
antes de vir pra cá. Não queria correr o risco de você se livrasse de todas as provas e
fugisse.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 15).
(hackear) para fazer o bem, combater a corrupção política; associar unilateralmente a crise
institucional da República brasileira ao problema dos atos de corrupção dos políticos.
Nessa perspectiva, a personagem Benjamim incorpora na cena a figura do juiz Sérgio
Moro que, como principal liderança da Operação Lava Jato, cometeu atos ilegais como grampos
telefônicos não permitidos pela justiça, publicação desses grampos por meio dos maiores
grupos de comunicação do país, a exemplo do Jornal Nacional da Rede Globo, condução
coercitiva irregular e outros, supostamente em nome do combate à corrupção.
Em contraponto à performance do pastor Jonas, mas sobretudo a do irmão Ezequiel, o
missionário, é apresentada na novela como um caminho de salvação em relação às drogas e à
criminalidade. Afinal, as duas personagens são responsáveis pela conversão e mudança de vida
de várias pessoas que se encontravam em uma situação de vício e de delitos. A esperança e a
promoção da justiça, dessa forma, não se encontram nas instituições da República como, por
exemplo, na Polícia Civil do Rio de Janeiro, por estarem completamente corrompidas pela
amoralidade, mas sim na fé cristã evangélica embasada pelos textos da Bíblia interpretados de
forma literal.
esquerda; e a produção artística de temática sociopolítica com recursos públicos, com destaque
para a da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a Agência Nacional do Cinema
(Ancine), recorrentemente citadas nos argumentos da referida pauta.
Tais políticas, conteúdos educacionais e produções artísticas foram apregoados de forma
pejorativa e estereotipada pela referida pauta como ideologia de gênero, marxismo cultural, kit
gay, ditadura gayzista, kit macumba, globalismo etc. A polarização política chegou a tal grau
de exacerbação que em 2018 vários estudantes de escolas e universidades públicas passaram a
filmar as aulas daqueles professores que consideravam como esquerdistas para os constranger
nas redes sociais. Práticas como essas são inconstitucionais no Brasil, pois violam direitos
fundamentais dos educadores como a hora, a imagem e a liberdade de ensino. Naquele mesmo
ano, o deputado federal Jair Bolsonaro fez um vídeo, transcrito a seguir, pedindo aos estudantes
do Brasil para filmarem e divulgarem as aulas dos seus professores. Isso em resposta à gravação
de um vídeo da aula de Sociologia por um estudante capixaba que conversava com o colega de
turma sobre o referido deputado durante a arguição da professora referente a um tema não
relacionado ao parlamentar.
Olá João Vitor, de Serra no Espírito Santo, já que a professora parece que quer te
processar, por favor entre em contato conosco, tá ok? Eu tenho uma surpresinha pra
ela também. E a orientação que eu dô pra toda garotada do Brasil, vamos filmar o que
acontece na sala de aula e vamos divulgar isso daí. Os seus pais, né? Os adultos,
homens de bem do Brasil, tem o direito de saber o que esse professores, né? Entre
aspas. Ficam fazendo com vocês em sala de aula. Parabéns pela iniciativa. A escola é
um local onde o que a professora falou tinha que se orgulhar e não se esconder atrás
de um possível processo. Quero ver ela processar você, se ela vai ter coragem de fazer
isso aí. Entra em contato com agente, tá ok? (BOLSONARO, 2018).
Senhoras e senhores, boa tarde! Eu sou Maria Inês de Meneses Velarmino, suburbana
de Brás de Pina. Até hoje tenho todo e total respeito aos professores. Principalmente
quero dar o meu carinho, o meu abraço a todos os professores aqui presentes.
Professores e todo e qualquer profissional de ensino, mas digo pra vocês com todo o
respeito que tenho, carinho, pra vocês. Vocês me ensinaram, quem me educou foram
os meus pais. Por favor vereador eu estou falando, se o senhor puder me dar atenção.
Então, isso que está aqui dizendo Não a Ideologia de Gênero, é porque eu não coloquei
a minha filha, as minha filhas na escola para alguém fazer a cabeça dela ou doutrina-
la com relação ao gênero ou ao sexo dela. Eu coloquei e coloco as minha filhas na
escola pra que elas aprendam matemática, português, ciências, geografia, biologia,
seja o que for e respeitem os seus pares, respeitem os seus coleguinhas, sejam eles
meninos ou meninas. Então o que nós queremos é que as famílias sejam respeitadas
como já disseram aqui outras amigas, tudo bem se a sua família for composta de dois
pais, de duas mães, mas não descriminem as famílias que são compostas de pai, mãe
e filhos e filhas. Nos respeitem para que nós também possamos respeitar vocês. A
minha filha entrou no colégio Pedro II e com 15 dias de escola Pedro II, a minha filha
me perguntou: Mamãe, você é homofobia? Mamãe, eu acho que não tenho mais
religião. E aí? Não foi pra isso que eu coloquei a minha filha na escola. Eu não
coloquei a minha filha na escola para ser doutrinada, eu coloquei a minha filha na
escola pra ser ensinada, pra respeitar os professores, pra respeitar os demais colegas.
Eu sou branca, mas eu tenho uma filha loira e uma filha negra. E aí? Todas elas são
respeitadas. Aonde eu nasci as crianças brincavam meninas e meninos sempre juntas
e todo mundo sempre se respeitou. Essa palhaçada de ideologia de gênero é uma coisa
que estão querendo criar pra desvirtuar as nossas crianças do ensino verdadeiro, de
aprender matemática, de aprender lógica, filosofia, de aprender sociologia, de
aprender a respeitar. Então, não a ideologia de gênero da forma como está sendo
conduzida. Não a ideologia de gênero da forma... E eu não sou fascista! Eu sou família
por que eu respeito quem é fascista e quem é família. Eu sou brasileira! Eu sou
brasileira! E eu quero respeito, é o meu país e a minha bandeira. A minha bandeira é
verde, amarela, azul e branca e jamais será vermelha. Obrigada. (PUGGINA, 2017).
Antes que conseguisse concluir a arguição, a doutora Lia é afetada pelos lapsos de
memória e se retira do auditório. Depois dessa ocasião, o quadro de Alzheimer dela se
complexifica até que meses depois vem a falecer. E o movimento de legitimação de Deus pela
ciência e de negação de uma ciência sem Deus, que outrora inaugurara, tem continuidade por
meio da filha Suzana que, como a mãe, era judia ortodoxa não praticante, mas que durante a
recuperação do filho Benjamim, após um sério acidente aquático no Rio de Janeiro, na casa da
avó, passa por uma experiência de fé, abrindo-se assim a esfera da religiosidade e passando a
crer no poder da oração. Na ocasião, a jovem médica, em desespero, postou-se em prantos ao
chão do corredor externo do Hospital Aisen e se pôs a conversar com Deus.
167
Suzana: Se você estiver me ouvindo, se você existe mesmo, por favor me ajuda. Eu
sei, eu sei que eu nunca acreditei em você, eu sei que eu nunca confiei em você, mas
nunca o conheci de verdade, mas perdoa... Perdoa... Perdoa... Perdoa minha
ignorância, a minha prepotência. Se você julgar que eu sou merecedora eu estou
disposta, de corpo, alma e coração abertos. Salva a vida do meu menino. Salva a vida
do meu filho e eu prometo o adora-lo pra sempre. Eu vou consagrar a vida do meu
filho ao senhor e dessa criança que eu trago no meu ventre. Eu vou educa-los nos seus
princípios. Por favor, protege a minha família e salva a vida do meu filho. Me concede
esse milagre. Eu te imploro. Eu te imploro...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).
A negação de Deus por Alan nesse diálogo se divide em três argumentos comuns entre
os personagens ateus e cientistas da trama a respeito da não existência Dele: o primeiro está
relacionado à ocorrência de eventos trágicos, ou seja, à ideia de que, se Deus existe, o mundo
deveria ser livre de tragédias e sofrimentos; o segundo é a ideia de que Deus é uma invenção
humana de pessoas incapazes de aceitarem a realidade tal como ela é, de resolverem os seus
problemas por si mesmas e que buscam se enganarem com respostas fáceis do que lutarem; e o
terceiro é o poder da ciência e, por conseguinte, da inteligência humana, de resolver por muitas
vezes os problemas que Deus não solucionaria, ou seja, a substituição de Deus pela ciência.
Esses argumentos partem de um desencantamento com Deus frente à dor humana, o que o
próprio Alan experimentou no fim da adolescência, na ocasião da morte dos seus pais.
Os irmãos Alan e Uri e os pais Jonathan e Elisa Gudman são as personagens centrais do
primeiro capítulo da telenovela Apocalipse, sendo vítimas do já mencionado tsunami em um
arquipélago da Indonésia em 1987. Trata-se de uma família judia ortodoxa não praticante, de
classe média alta e residente em Nova York. O desastre natural encenado no capítulo da novela
também é um desastre pessoal na vida dos adolescentes Alan e Uri que, perdendo os pais de
forma trágica, responsabilizam Deus pelo ocorrido.
O irmão mais velho, Alan, que até então se mostrava uma pessoa sensível ao sofrimento
169
humano e buscava meios para ajudar a melhorar o mundo, se tornou ao longo dos anos seguintes
à catástrofe natural um advogado internacional com aspirações utilitárias, engajado nos
interesses próprios, vaidoso e ambicioso especulador da bolsa de valores de Nova York, cidade
em que residia com a esposa Suzana Aisen, o filho Benjamim Gudman e a filha Isabela
Gudman.
Já Uri se tornou um renomado astrofísico, apaixonado pelo trabalho no Monitoring
Center da chamada Agência Espacial (representação da Nasa na novela) e engajado nas ações
voltadas a salvar o planeta Terra de colisões com os meteoros.
O que há de comum em ambos é o ateísmo, sendo mais acentuado em Uri, que diz
recorrentemente ser um cientista e acreditar apenas na verdade da ciência. Foi o que reafirmou,
por exemplo, durante o espanto coletivo na Agência Espacial na ocasião em que Benjamim
demonstrou, por meio de um algoritmo de análise de vídeos, um brilho não identificado no
momento em que milhões de pessoas sumiram simultaneamente em todo o mundo, no chamado
Arrebatamento.
Uri: Vocês querem parar de falar por favor? Vamos parar com esse papo de abdução
aqui e outras maluquices. Chega!
Dylan: Uri, alguma explicação tão convencional dá conta disso?
Benjamim: O fenômeno em si já é alguma coisa completamente fora do comum.
Imagina, uma multidão sumindo a luz do dia ao mesmo tempo e em todos os lugares
do mundo!?
Dylan: É! E sem deixar pistas do que aconteceu e pra onde essa gente foi. E tem
Alguma ideia Uri?
Uri: Não, não, não tenho ideia, Dilan. Não sei! Não sei, não tenho a menor ideia. O
que eu sei é o que eu sou e o que eu vou ser até o dia da minha morte. Eu sou um
cientista! Alguém que busca a verdade com base nos fatos, com base nas evidências.
Benjamim: Bom, na minha memória você é o cara que sempre contou histórias sobre
galáxias distantes, celebrava o nascimento e lastimava a morte de uma estrela.
Uri: A Benjamim, isso vai além de tudo o que eu estudei na minha vida, cara.
Dylan: Bom e agora Benjamim, quais são os nossos próximos passos?
Benjamim: A eu vou continuar analisando tudo da GudmanTec com a Grenda.
Uri: Pessoal, vamo manter tudo em sigilo. Eu não sei o que isso tudo pode ocasionar
na população, ok?
Dylan: Seria o caos Uri, o caos...
Ariela: Não sei porque vocês têm tanto medo do caos. A insegurança e o medo são
os pais das maiores conquistas científicas, das obras de arte mais profundas, das
paixões mais intensas. Adoro o caos.
Benjamim: Bom, eu vou indo tá?
Ariela: A se você for até a Gudman pode encontrar Ricardo lá ainda.
Benjamim: Não lembro de ter marcado nada.
Ariela: Ele gosta de surpreender. Podemos conversar Uri?
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 60).
Quase que como um cientista da era do positivismo, Uri combate com veemência e a
gritos tudo o que não lhe parece uma explicação científica, ou seja, rigorosa, sistemática,
observável, empírica, fatual, neutra, imparcial e racional. Em contraposição, se reafirma como
170
um cientista, compreendendo que sua função é procurar a verdade por meio da pesquisa ciência.
A ciência para Uri é um instrumento de pesquisa e produção de conhecimento que
objetiva sempre descobrir a verdade, enquanto as outras formas de conhecimento, a exemplo
da religiosa, é uma falácia, uma forma de o ser humano enganar a si mesmo, como será apontado
adiante. Antes é preciso destacar que a concepção de ciência para Uri é positivista, pois a toma
como a melhor e mais evoluída forma de conhecimento verdadeiro sobre o mundo.
Outro ponto importante a ser levado em consideração na referida cena é a fala de Ariela
sobre o caos. Para a personagem, que é cumplice dos feitos apocalíticos de Ricardo Montana,
o caos, compreendido como insegurança e medo, gera as maiores conquistas científicas, as
obras de arte mais profundas e as paixões mais intensas. Não por acaso, as três áreas citadas,
ciências, artes e paixão foram protagonistas das mais significativas revoluções, ou seja, de
rupturas históricas com a ordem social estabelecida. E são justamente essas áreas as acusadas
no enredo da telenovela e pelas agendas conservadoras e de direita do período pré-eleitoral de
2018 no Brasil, como esquerdistas, amorais e ateias.
A fala de Ariela é estratégica, pois mescla a própria figura apocalíptica com o caos e a
revolução. Os dois últimos são responsáveis pela profundidade dos avanços científicos, da
qualidade artística e da intensidade da paixão. Mas o representante máximo do caos na trama é
Ricardo Montana que, na infância, manifestando o seu ódio pela ideia de harmonia, destruiu
um arranjo de flores com um taco de golfe na mansão de sua família.
Ah, a natureza me irrita! Essa harmonia do círculo da vida é difícil de engolir. Tudo
tão perfeitinho. Me faz lembrar de onde eu fui expulso. Mas quando a minha missão
aqui estiver cumprida, esse planeta vai ficar irreconhecível. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).
Estados Unidos na segunda metade do século XX, cujos membros, jovens marginalizados, anti-
sistema, anti-capitalista, anti-cristianismo, anti-guerra do Vietnã, viram na figura dos anjos
caídos a representação da revolução, da luta contra as opressões, da resistência, passando a
venerá-los e gerando muitas polêmicas no país e internacionalmente, devido ao culto a
entidades consideradas demoníacas. Logo, então, caos, revolução e esquerda são representados
na novela Apocalipse como sinônimos um do outro e considerados características da ação do
diabo no mundo.
Depois do divórcio com Ariela, o astrofísico passa por um período de solidão, quando,
por intermédio da cunhada, é apresentado a Monique Filadélfia, uma fervorosa cristã evangélica
e premiada biocientista que trabalhava com Suzana em um laboratório bioquímico de Nova
York. Já no primeiro encontro entre Uri e Monique para um jantar na casa de Suzana,
apresentado no capítulo 29 da novela, os dois cientistas entraram em atrito devido às relações
entre fé e ciência.
Mais uma comprovação matemática da existência de uma mente inteligente por trás
da criação seria o chamado número de ouro, ou proporção áurea, representada pela
letra “Fí” [...] Nos Estados Unidos um grupo de pesquisadores afirma ter identificado
uma sequência de números que sempre se repete no DNA humano, seria uma espécie
de assinatura de Deus segundo o engenheiro da computação Greg Preiden. Ao
considerar as cargas dos elementos químicos do DNA os pesquisadores teriam
identificado o seguinte padrão numérico: 10,5,6,5. Eles passaram então a tentarem
decifrar esse código e tiveram a ideia de substituir os números por letras hebraicas.
Em hebraico, a língua oficial de Israel e que aparece na Bíblia, os números são
representados por letras, como explica essa professora israelense [...] A sequência
numérica 10,5,6,5 foi transcrita para as respectivas letras em hebraico “iot”, “rei”,
“vav”, “rei”. Veja o resultado! A sequência corresponde a palavra Javé, ou Deus, em
hebraico. Apesar de todo avanço da medicina, cerca de 90% das informações
genéticas ainda são um mistério [...] (DOMINGO ESPETACULAR, 2018).
Zoe: Bom, mais uma vez, muito obrigado pela entrevista. Eu realmente não podia
imaginar que o perigo estava tão próximo. Quero dizer, teoricamente, assim, eu sabia,
mas ter uma comprovação científica é outra história.
Uri: É... Pois é... Talvez a gente esteja próximo do fim do mundo, do “mundo” que a
gente conhece. É... (Risos).
Zoe: Estamos próximos do apocalipse!
174
Zoe busca nos dados científicos apresentados por Uri na entrevista a confirmação do
que acha como sendo uma verdade bíblica sobre o fim do mundo, o que se configura como uma
postura fundamentalista. Por outro lado, Uri, tal como fez com Monique, interpela a crença de
Zoe a partir do cargo que ela ocupa, jornalista, dando a entender que as pessoas escolarizadas
e que se formaram em uma universidade não deveriam dar credibilidade à Bíblia, o que é uma
atitude preconceituosa e de senso comum. Porém, a interpelação não se dá, nessa cena, pela
fúria, mas sim pelo deboche, elemento que se soma às já referidas características da cosmovisão
evangélica sobre os cientistas.
Apesar de as duas personagens terem cosmovisões diferentes, ambas partem da
premissa de que a maneira correta de se interpretar os textos bíblicos é a partir de uma leitura
literal. Por esse motivo, o astrofísico, ao se contrapor à jornalista, coloca em lados opostos de
um mesmo campo de batalha a suposta verdade da Bíblia versus a suposta verdade científica,
como se tais campos de conhecimento operassem em uma mesma realidade. Uri quase que
retoma a praxe comum no período do iluminismo de afirmar a ciência como um conhecimento
válido, superior e verdadeiro, que nasceu para substituir as explicações religiosas (ou mágicas
e falsas) dos fenômenos do mundo.
Ao tratar os textos bíblicos como contos da carochinha e alegoria, o astrofísico não o
faz a partir do sentido original dos termos, mas o faz a partir de um sentido de senso comum
para os inferiorizar. Porém, a fala da personagem é estratégica na narrativa da novela. Ela tem
dupla função, uma explícita e outra implícita. A explícita é de fazer de Uri um personagem
antipático aos olhos dos cristãos evangélicos, a fim de combater a secularização e o ateísmo
científico. A implícita é a de reafirmar a leitura fundamentalista da Bíblia em detrimento de
qualquer leitura que parta da análise dos gêneros literários, como é o caso da análise
hermenêutica. Isso porque os gêneros literários apontados por Uri como ficção, contos [da
carochinha] e alegoria são tratados pela personagem com desprezo e preconceito, dando a
175
Uri: Ai Dylan, se você acredita nesta lenda, deve achar que o apocalipse vai acontecer
como tá na Bíblia.
Dylan: Deus não é uma lenda.
Uri: Que seja um mito, conto cosmológico, que nos dá uma origem e supostamente
um sentido.
Dylan: Confesso que acredito. O relato do fim dos tempos foi transmitido antes do
homem, milênios atrás.
Uri: Verdade! O homem tem feito de tudo para acaba com o mundo, de duzentas
maneiras diferentes.
Dylan: Verdade! E uma delas é quando a gente se apaixona e casa com a mulher da
nossa vida.
Ariela entra em cena com os documentos do divórcio para Uri assinar.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 33).
Nesse diálogo, novamente Uri não possibilita a abertura a outras formas de compreensão
dos textos bíblicos senão pela leitura literal, fazendo com que o cientista se torne vítima daquilo
que combate. Em seguida, cita vários gêneros literários de forma equivocada e preconceituosa
tomando-os como sinônimos uns dos outros.
As tensões entre Uri e Monique em torno da fé dão espaço para um amor latente que
vez ou outra os desconcerta, como é possível observar em uma cena do capítulo 49, em que,
após divergirem sobre questões religiosas, se beijam e evitam brigar novamente.
O amor de Monique por Uri enfim floriu a partir da cena em que ela descobriu que o
astrofísico, supostamente convicto de seu ateísmo, tinha abertura para o fenômeno religioso,
mas que passava por uma profunda frustração com Deus desde a infância. Ambos tentavam
evitar discutir temas que envolvessem a fé para que Uri não se enraivecesse e a inferiorizasse
176
pelas suas crenças religiosas, como ocorreu na cena do jantar na casa de Suzana e Alan.
A atitude de Uri de inferiorizar as pessoas religiosas, em especial as cristãs evangélicas,
é tributária de um senso comum atual que se formou a partir das tradições evolucionistas da
chamada antropologia de gabinete e da primeira corrente teórica científica, o positivismo, que
separava a evolução sociocultural humana em etapas hierárquicas.
A respeito do processo da constituição do conhecimento científico, por exemplo, o
filósofo positivista francês Auguste Comte elaborou a chamada Lei dos Três Estados em que a
história humana, ou das formas de construção do conhecimento, são divididas, segundo
Brandão (2011), em: estado teológico ou fictício, em que predomina a imaginação; o estado
metafísico ou abstrato, que é o estágio intermediário, pois não é imaginativo como o primeiro
e nem racional como o terceiro estágio; e o estado positivo ou científico, em que predominam
a razão e a observação, fontes da verdade científica. O último estágio é compreendido na teoria
de Comte como o ápice da capacidade racional humana.
Pode-se observar influências dessa teoria no diálogo entre Uri, Dylan e Benjamim a
respeito do Comitê de Notáveis que o astrofísico quer formar para analisar o fenômeno do
Arrebatamento.
Benjamim: Vocês sabem que algumas pessoas acreditam que esse desaparecimento,
ele faz parte das profecias bíblicas do apocalipse?
Alan: Tem louco pra tudo nesse mundo, né rapaz?
Uri: Profecia sobre o final do mundo é o que mais tem.
Alan: Meu filho, cê não acredita numa bobagem dessa, né?
Benjamim: Não, não, claro que não! Só que eu sei de gente que jura que consegue
provar que a Bíblia tá certa sim e que as profecias estão se cumprindo.
Uri: Pois eu vou provar exatamente o contrário. Eu vou mostrar que a Bíblia está
errada. E que o maior remédio contra o obscurantismo, meus caros, é a ciência.
Alan: Um brinde a isso.
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 66).
Na cena, Uri toma como rival não possíveis interpretações equivocadas das sagradas
escrituras por determinados grupos religiosos, mas a própria Bíblia. Para o astrofísico, o
problema não é a interpretação, mas o próprio texto, que seria, nesse sentido, obscurantista, o
que é uma falácia, tendo em vista a existência de numerosas correntes interpretativas e
teológicas bíblicas que a abordam de formas distintas da tratada pelos personagens cristãos
evangélicos da novela. E a solução para o problema do obscurantismo apontada pelo astrofísico
é a ciência, ou melhor, a luz da razão e da ciência, como diriam os filósofos iluministas.
O romance de Uri e Monique se dá de forma meteórica. Quando alcança a plenitude,
ocorre o Arrebatamento e a jovem some simultaneamente com outras milhares de pessoas no
177
mundo. Sem conseguir compreender o que havia ocorrido, Uri passa por um longo período de
angústia e revolta pelo desaparecimento da namorada. Em uma cena do capítulo 78, o
astrofísico, triste, segura a Bíblia de Monique e se recorda de momentos bons que teve com ela.
Na primeira parte da referida cena, as lembranças de Uri sobre uma conversa que teve
com a sua namorada, é revelada a origem do ateísmo do astrofísico. A motivação é a mesma
que de várias outras personagens do folhetim: a frustração com Deus devido à ocorrência de
alguma fatalidade, ou desastre, ou injustiça no mundo. Também são revelados os motivos que
o levam a se tornar um cientista. A busca por lógicas improváveis que expliquem o caos sem
sentido e injusto que jaz no mistério fascinante do universo.
O cientista da Agência Espacial Uri quer fazer, por meio das respostas científicas, o que
Deus não foi capaz de fazer pela fé dos seres humanos Nele: evitar as tragédias humanas. A
namorada Monique tenta, por meio da fé, alertar que é impossível haver perfeição no mundo
devido à imperfeição humana. Até havia desconstruído a imagem que Uri tinha de si mesmo
como sendo um “peixão”, dizendo com compaixão que os olhos dele ainda tinham a inocência
de uma criança.
Mas o astrofísico permaneceu convicto em seu ateísmo, no seu egocentrismo e na sua
crença na ciência como instrumento de produção da verdade, como é possível observar na
segunda parte da cena em que conversa com o sobrinho Benjamim. E logo define o papel que
ocupa no romance com a biomédica e a jornalista: os homens céticos que amam mulheres que
acreditam em Deus. A frase é central na performance de ambos, pois a partir da segunda metade
da novela os chamados homens céticos, inspirados no amor pelas mulheres que acreditam em
Deus se convertem e se tornam homens que acreditam em Deus.
Antes desse movimento de conversão, porém, Uri tenta por diversas vezes comprovar
cientificamente que a Bíblia está errada e que é um livro de fantasias. A tentativa dele mais
engajada se deu por meio de uma pesquisa que realizou com Melina, um androide com
inteligência artificial criada por Benjamim e capaz de cruzar milhares de dados e informações
em fração de segundos. Todavia, o astrofísico desiste da primeira pesquisa devido à quantidade
exorbitante de dados e informações que teria de analisar. Uri queria respostas que não
demandassem anos de pesquisa, que não lhe tomasse muito do tempo e esforços de
compreensão e amadurecimento. Então decide investigar apenas o fenômeno da ressureição de
179
Cristo, que, segundo o cientista, é o ponto-chave da fé cristã e, uma vez que comprovada a não
ocorrência do evento, deslegitimaria a existência do cristianismo.
Uri: Muito obrigado Benjamim. Muito obrigado mesmo por ter me emprestado a
Melina. É você não sabe como é muito melhor fazer uma pesquisa com um
computador que interage com agente.
Benjamim: Que bom, eu fico feliz que ela tenha sido útil. Me fala, como é que tá sua
pesquisa? Hum? Já conseguiu provar que a Bíblia é só um livro de fábulas e lendas?
Uri: Na verdade ainda não Benjamim. Tá tudo muito no começo ainda.
Benjamim: Tá parecendo que vai ser muito mais difícil do que você pensava.
Uri: Tem algumas evidências que comprovam determinados fatos sim, a arca de Noé,
as pragas do Egito.
Benjamim: Sério?
Uri: Mas nem tudo foi comprovado. Adão e Eva por exemplo, evidentemente é uma
história muito mais simbólica. Muitas pessoas levam ao pé da letra, mas Benjamim,
nós somos descendentes dos macacos e não de uma porção de barro.
Benjamim vê cenas de um tumulto em Jerusalém pela TV e aumenta o volume.
Muda de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 88).
que se guia por paradigmas científicos superados, que ostenta preconceitos e senso comum
próprio como discurso científico e que no combate ao que chama de obscurantismo religioso
assume os pressupostos daquilo que combate. Todas essas características fazem com que se
torne aquilo que ele tomava como sendo seu inimigo, uma pessoa religiosa. E isso se dá após
Benjamim descobrir que Zoe não havia morrido no atentado terrorista aéreo. Ao ver Zoe viva,
Uri considera o fato como milagre e se converte ao cristianismo evangélico, tornando-se tão
fervoroso quanto a namorada Monique. Devido a isso, Uri é preso e assassinado a tiros por
Ricardo Montana, tornando-se assim um dos mártires dos chamados últimos dias.
É preciso esclarecer que o movimento de conversão de personagens ateus na novela
Apocalipse se inicia com Benjamim, cuja convicção no ateísmo é menos arraigada do que no
tio Uri. Antes do atentado terrorista que Zoe sofreu, Benjamim já estava se abrindo à
religiosidade da namorada, como é possível observar em duas cenas do capítulo 72 da novela.
A primeira é um diálogo que tem com o amigo André e a segunda, uma discussão que tem com
o pai Alan e o tio Uri.
A abertura religiosa que Benjamim experimenta no período da trama tem relação com
o medo de perder a sua namorada por brigas e desentendimentos em torno da temática religiosa
e com pensamentos existencialistas que o inquietavam. Ou seja, é uma experiência que se dá
mais por objetivos materiais-práticos: a manutenção de um relacionamento amoroso e respostas
para questões práticas da vida cotidiana do que pelo interesse de experienciar o fenômeno
religioso ou a espiritualidade como transformação radical de vida ou conversão. Essa abertura
também apresenta uma contraposição entre racionalidade e fé, em que a substituição da primeira
pela segunda é compreendida como uma atitude de “abrir a cabeça”, ou seja, de buscar a
sabedoria fora da prisão dos preconceitos, das limitações e da alienação racionalista. Há aqui,
portanto, um movimento de negação da razão em detrimento da sentimentalidade que, segundo
o sociólogo Ricardo Mariano (2014), é uma característica comum do neopentecostalismo.
Num segundo momento, após sofrer com a suposta morte de sua namorada Zoe em um
acidente aéreo, Benjamim segue uma trajetória contínua de desencantamento com a ciência e
181
se abre cada vez mais à fé por meio da observação de cumprimentos de profecias bíblicas sobre
o fim do mundo na contemporaneidade. Em um momento de solidão e angústia, o jovem viaja
para uma praia isolada e ao entrar no mar mergulha nas águas e se converte dizendo aceitar
Deus como o seu senhor. Enfim, a fé cristã evangélica venceu a ciência no enredo na telenovela
Apocalipse e prevaleceu a ciência que legitima a existência de Deus e o poder da fé.
Guido: Ah, é? E quando ele chegar na penitenciária com a cara feito carne de
hambúrguer, a gente faz o quê? Com esse movimento todo de Direitos Humanos o
escambal, para apurrinhar a gente?
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 40).
vagabundo foi largamente popularizada a partir das falas do então deputado federal Jair
Bolsonaro entre 2015 e 2018, chegando a defender na Câmara dos Deputados a atuação das
milícias do Rio de Janeiro no combate à criminalidade. Vários setores conservadores da
sociedade brasileira à época associavam os Direitos Humanos e a ONU com o que chamavam
de esquerdismo do PT, atribuindo a eles a proteção de criminosos e o desamparo dos cidadãos
de bem, pais de família etc. Consoante essa associação, o enredo da telenovela Apocalipse
realiza um movimento de criminalização da ideia de direitos humanos colocando na
performance do mesmo serial killer Nicanor um discurso cujo conteúdo de reivindicação de
direitos e de denúncia de opressões sociais remete às lutas e bandeiras históricas do campo
político das esquerdas. Tal discurso é proferido por Nicanor durante uma rebelião em um
presídio do Rio de Janeiro.
Nicanor: A sociedade que nos trancafiou aqui dentro, nos esqueceu para a gente
apodrecer em vida. Vamos mostrar pra todo mundo de uma forma que jamais se
esqueçam novamente, que nós existimos. Se não nos dão os nossos direitos, vamos
toma-los a força. Vamos, vamos, vamos...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 15).
Imagem 27 - Cena em que Ricardo visita o pai sagrado Stéfano Nicolazi e inicia a
atuação apocalíptica na trama
Desde a infância, Ricardo foi orientado espiritualmente pelo Pai Sagrado Stefano
Nicolazzi para ser um líder mundial, como é possível observar na transcrição, a seguir, de um
diálogo entre ambos a esse respeito.
Pai Sagrado: Não, não fique chateado comigo Ricardo. Eu sei, eu estou me repetindo,
mas... Eu já lhe falei algumas vezes sobre o futuro brilhante que está reservado a você.
Chegará o dia... Aliás, como me foi anunciado, em que você me ajudará a devolver o
poder e a glória da nossa adorada Igreja da Sagrada Luz. E a partir daí, nações inteiras
se curvarão e o adorarão como o verdadeiro príncipe, um líder enviado por Deus. Mas
preste atenção Ricardo. Sabe? Existe um caminho, uma estrada a ser construída para
que todas estas coisas aconteçam.
184
Fim da cena
Retomada da cena
Pai Sagrado: O poder, ele pode ser conquistado através da tirania e do terror, mas os
homens, os homens, eles, eles preferem ser dominador por quem eles admiram. É... E
os homens, há, os homens são fracos, inseguros, fáceis de enganar. Se eles confiarem
em você, se desejarem ser guiados por você, o seu poder sobre eles será muito maior
e mais sólido. Essas pessoas, elas, elas terão prazer de estar do seu lado. Terão
disposição para lutar contra todos aqueles que se levantarem contra você e contra a
nossa igreja. Essas pessoas, elas esmagarão os nossos inimigos sem titubear, não por
medo, não, por verdadeira adoração a você. Saber identificar as fraquezas das pessoas
que rodeiam você e usar essas fraquezas a seu favor é uma arte. Por isso, invés de
você impor a sua vontade pela força, seduza as massas. Elas lutarão por você sem se
quer perceber que já estão sob o seu domínio. A... E uma coisa muito importante.
Nunca, nunca mesmo diga o que você está pensando. Diga apenas o que as pessoas
desejam ouvir. Sabe? Faça com que elas se sintam importantes, que elas confiem em
você e sucumbam a sua vontade. Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 14).
O Pai Sagrado Stefano é tratado na novela como uma espécie de profeta do anticristo,
uma pessoa dissimulada que se passa de humilde e bondoso em público, mas que comete
atrocidades nos bastidores, tal como engravidar Glória, a governanta da família Montana, tirar
dela, forçadamente, o filho e o criar escondido no orfanato da Igreja da Sagrada Luz. Os
ensinamentos ofertados pelo Pai Sagrado a Ricardo se caracterizam em geral pelos elementos
presentes na referida fala, a saber, o pressuposto negativo da natureza humana: “os homens são
fracos, inseguros, fáceis de enganar”; o incentivo ao egocentrismo: “a partir daí, nações inteiras
se curvarão e o adorarão como o verdadeiro príncipe, um líder enviado por Deus”; e a escolha
tática da postura populista como ação de dominação política: “seduzir as massas” e fazer “com
que elas se sintam importantes, que elas confiem em você e sucumbam a sua vontade”. Como
se apontará adiante, tais elementos são atribuídos na novela à esquerda e ao nazismo, tratando
equivocadamente, mas intencionalmente, um como sinônimo do outro.
O início da relação entre o Pai Sagrado e Ricardo se dá antes mesmo do nascimento do
anticrito. No capítulo 5 da novela, o narrador onisciente da trama, o anticristo, que ainda não
havia nascido ou se encarnado como Ricardo, afirma que irá fazer uma aparição, transfigurado
em Anjo de Luz, para o religioso.
A fala apresenta uma concepção negativa do termo religião, colocando-o como uma
185
customização do diabo para satisfazer os desejos humanos daquelas pessoas que querem
acreditar em Deus, mas não aceitam que Ele contrarie as suas vontades. Essa concepção
negativa é muito comum nos discursos do bispo Edir Macedo, da Iurd, e da autora da novela
Apocalipse, Vivian de Oliveira, que sempre enfatizam que não gostam de religião e que o foco
deve ser a Bíblia.
Também há na fala uma associação da Igreja da Sagrada Luz (Igreja Católica) como
uma igreja customizada pelo diabo e que o líder, o Pai Sagrado (Papa), não se importa com a
vontade de Deus e, portanto, não conhece bem a Bíblia. A esse respeito, os produtores da
telenovela vestiram o recém-escolhido Pai Sagrado Stefano Nicolazzi no dia se sua investidura
como o novo líder da Igreja da Sagrada Luz com paramentos papais que, desde o pontificado
de Paulo VI (1963-1978) estão em desuso na igreja Católica, como, por exemplo, a Tríplice
Tiara, como é possível ver na imagem a seguir. É preciso ressaltar também que desde o
pontificado de Bento XVI (2005-2013) a Tríplice Tiara foi substituída pela Mitra no brasão de
armas papais, o que confirma o desuso do item eclesiástico.
A pessoas não podem, de forma alguma, saber que existe um caminho direto a Deus.
186
Imagine, isso dificultaria muito o meu trabalho. A melhor maneira de garantir essa
ignorância é criar um intermediário. Ai entra a religião. Um ritual aqui, uma caridade
ali e está tudo certo. As pessoas se impressionam com toda essa aparência de
santidade. Por isso, o teatro religioso é imprescindível. Os líderes se fingem de santos,
porta-vozes de Deus. E desde que falem o que as pessoas gostam, o povo acredita
(risos) ou pelo menos fingem acreditar. E é isso aí, eles se merecem. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 9).
Nesse sentido, o conjunto da cena da investidura do novo Pai Sagrado, reforçada pelo
uso da Tríplice Tiara, objetiva criar uma aparência de santidade para impressionar os outros
personagens da trama e criar um clima de antipatia católica no telespectador da telenovela
Apocalipse em relação ao que o anticristo chama de circo religioso. Esse circo seria, portanto,
um intermediário que obstrui o caminho direto a Deus, ou seja, a Bíblia, segundo a mesma
lógica narrativa do discurso do anticristo, o que aponta para o fato de que ele também se orienta
por pressupostos fundamentalistas em sua concepção sobre a espiritualidade humana.
Na mesma cena referente à transfiguração do diabo em anjo de luz, ele aparece para o
Pai Sagrado Stefano Nicalazzi e anuncia que se aproxima o dia do nascimento de um bebê
predestinado a ser um líder mundial.
Anjo: Não temas, vim em nome de Deus. Olhe para mim e ouça a mensagem que só
você deve transmitir. Muito em breve ele irá nascer.
Stefano: Quem?
Anjo: Um príncipe que unirá os povos pela harmonia e pela paz. Uma mulher do povo
escolhido carrega esse ser iluminado em seu ventre. Proteja essa mãe inocente mesmo
que isso lhe custe a sua vida.
Stefano: E como vou reconhecê-la senhor?
Anjo: Você saberá quando essa criança nascer. Cuide bem desse menino, não conte
nada a ninguém, não espalhe o que aqui viu o que agora lhe disse. Quando chegar o
dia, essa igreja será como nunca antes, forte e poderosa e tornaremos um só.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 5).
Ah, eu esperei tanto por este momento. Chegou a hora de botar o meu plano em ação.
Nome de família influente? Confirmado. Fortuna a minha disposição? Positivo.
Aliança com a religião mais poderosa do planeta? Fechada. Agora, o próximo passo,
conquistar a admiração do mundo para depois dominá-lo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 15).
ministério de Jesus, após ele passar quarenta dias no deserto, como apontam os evangelhos de
Mateus 4,2 e Lucas 4,1-2. Já a ideia de dominação do mundo, expressa no discurso da
personagem, cumpre a função de associar à história e aos objetivos da Igreja da Sagrada Luz
na contemporaneidade. Podemos observar a mesma associação ao primeiro discurso de Stefano
Nicalazzi após ser escolhido como o novo Pai Sagrado.
Isso, sobretudo, por meio do ecumenismo, entendido na trama como um projeto maligno
de satanás de criar uma religião única no planeta, associada a uma moeda única e a uma nova
ordem mundial que irá exercer poder religioso e político sobre a humanidade, visando frustrar
a “salvação de Cristo no fim dos tempos”, assim como é posto na novela. Configura-se,
sobretudo, uma crítica ao Concílio Vaticano II, evento ecumênico realizado pela Igreja Católica
entre 1962 e 1965 no Vaticano que lançou as matrizes de ação da igreja na Modernidade; e a
encíclica do Papa Francisco “Laudato si’: sobre o cuidado da casa comum” (2015) em que apela
à comunidade internacional para a necessidade da união de esforços de todos para o combate à
degradação ambiental e às alterações climáticas.
Um homem bom morreu para um ser sagrado nascer. Nosso eterno pai Lorenzo
Viscoen partiu serenamente entre seus frateli. Mas antes de seu último suspiro,
Lorenzo nos deixou uma mensagem preciosa, de que o mundo pode ser diferente e
melhor... (aplausos). Mas para isso temos que mudar, principalmente abraçar o planeta
inteiro, sem nem um tipo de restrição ou preconceito. Só assim as nossas vidas
também se transformarão. Não é uma missão simples aceitar as diferenças que temos
um com os outros, diferenças políticas, de nacionalidade, religiosa. Mas se aspiramos
verdadeiramente a paz universal, temos que olhar para o nosso semelhante com aquilo
que nos aproxima, não com o que nos afasta... (aplausos). Essa é uma tarefa que não
é só minha. É de todos vocês, aliás, é de todos nós. Independentemente de nossas
crenças religiosas, de nossas visões de mundo, a humanidade nos iguala a todos.
Somos todos iguais! (todos repetem esta última afirmativa). Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 9).
Já no primeiro discurso como o novo Pai Sagrado, Stefano Nicalazzi destaca a marca
do seu ministério: promover a paz universal a partir da superação das diferenças religiosas,
políticas e de nacionalidade. A princípio, as pautas levantadas por Stefano parecem louváveis,
progressistas e coerentes com o pontificado do Papa Francisco que, ao longo da década de 2010,
realizou vários encontros inter-religiosos e se reaproximou de forma mais incisiva do que outros
papas, desde Paulo VI, da Igreja Católica Ortodoxa, que se separou da Igreja Católica Romana
após o cisma no ano de 1054. Entretanto, a postura do Pai Sagrado da novela está inserida
dentro dos planos apocalípticos do anticristo de criar uma religião única no planeta que o adore
como Deus, associada a uma moeda única e a uma nova ordem mundial que irá exercer poder
religioso e político sobre a humanidade, visando frustrar o plano salvífico de Deus. Tal plano
começou a ser descoberto pela jornalista Zoe que logo sofreu um atentado aéreo para lhe tirar
189
César: Pastor!?
Jonas: César!?
César: Que tragédia! A Zoe não merecei uma morte dessa, pastor. Uma menina tão
boa, trabalhadora. Tinha um futuro brilhante pela frente.
Jonas: Só a fé em Deus pra nos confortar nesse momento.
César: Ela quem tem me mantido de pé pastor.
Jonas: Pois se agarre a ela. Se agarre. Porque muito pior está por vir. Senta. César, eu
tava pensando, será que a causa desse acidente foi mesmo falha humana?
César: Isso não foi um acidente pastor, não mesmo.
Jonas: Como assim? O que você quer dizer com isso?
César: A Zoe me ligou de Jerusalém. Ela tava muito assustada. Ela tinha uma suspeita
de quem seria o anticristo.
Jonas: O que?
César: Aquele banqueiro, Ricardo Montana. Aquele que tem um discurso lindo, que
prega a paz mundial, a unificação das moedas, que tem um discurso inter-religioso,
sabem que é?
Jonas: Sim, sim claro! Só se fala dele no noticiário. Bom, mas como que a Zoe chegou
nessa conclusão?
O diálogo continua a respeito das suspeitas de Zoe sobre Ricardo ser o anticristo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, cap. 73).
da Igreja Católica representa o período quaresmal, tempo de reflexão e conversão. Porém o uso
dessa cor pelo Pai Sagrado na novela é constante e independe do tempo litúrgico, o que aponta
para uma intenção por parte dos produtores da telenovela Apocalipse de representarem o roxo
como uma cor obscura e lendária para realçar a malignidade de Stefano, um dos vilões do
folhetim. Isso porque a quaresma adquiriu conotação folclórica na fé cristã popular brasileira
como sendo o tempo em que o diabo, as tentações e seres encantados como o lobisomem e mula
sem-cabeça estão à solta para cumprirem a sua sentença.
As paramentas preta e roxa do traje de Stefano, bem como a música “O Anticristo” do
compositor Daniel Figueiredo, executada nas cenas em que o Pai Sagrado está presente,
também foram utilizadas na personagem monsenhor José Maria, uma liderança católica que
travava perseguição político-religiosa contra o bispo Edir Macedo e a Igreja Universal no
enredo do filme biográfico brasileiro “Nada a perder, contra tudo, por todos” (2018) de
Alexandre Avancini, sobre a história de vida do fundador da Iurd.
Outras características comportamentais do Pai Sagrado Stefano o fazem se assemelhar
também ao Papa emérito Bento XVI, como é o caso do silêncio do pontífice frente ao escândalo
de pedofilia no interior da igreja. A esse respeito, a telenovela apresentou a história da
personagem Luca Pergamo, um empresário que trabalha para Ricardo Montana e que outrora
foi uma criança órfã que vivia em um abrigo da Igreja da Sagrada Luz e sofreu abuso sexual
pelo Pai Sagrado Lorenzo Viscone. Ao tomar conhecimento da história, Stefano buscou abafar
o caso evitando escândalos:
A resposta do Pai Sagrado Stefano ao seminarista Vitório, que mais tarde descobrirá que
é o filho do líder religioso com Glória, evidencia o interesse dos produtores da telenovela
Apocalipse em associar os escândalos de pedofilia da Igreja Católica à época do pontificado de
Bento XVI aos escândalos de corrupção no Brasil deflagrado a partir das investigações da
Operação Lava Jato. A frase “precisamos estancar essa sangria” foi dita originalmente pelo
senador Romero Jucá (PMDB) ao ex-presidente da empresa Transpetro Sérgio Machado no
primeiro semestre de 2016. A conversa, apresentada na íntegra a seguir, foi gravada
secretamente por Machado e apresentada à justiça após celebração de acordo de delação
premiada firmada no âmbito da Operação Lava Jato:
191
filmes e séries Netflix em 23 de março de 2018, seis meses antes da eleição presidencial
brasileira daquele ano.
A série foi inspirada na Operação Lava Jato e sofreu duras críticas dos setores
progressistas e de esquerda da sociedade brasileira por ter atribuído a referida frase, em seu
enredo, ao ex-presidente Lula. A telenovela Apocalipse, remetendo-se a fatos políticos
ocorridos no cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil, também utilizou a técnica de distorção de
“O Mecanismo” referente às palavras do senador Romero Jucá para incriminar terceiros não
envolvidos na história e que são considerados pela Iurd como adversários, no caso a Igreja
Católica e o Papa Francisco. Uma das características marcantes do pontificado de Francisco é
a conhecida intransigência dele com os casos de pedofilia na igreja, que já levou vários
religiosos dos diversos escalões a julgamento e a penalidades sem os chamados perdão papal.
Apesar de a Igreja da Sagrada Luz representar a Igreja Católica, ela não é tratada como
cristã, nunca é mencionado o nome de Jesus e nem é citada a Bíblia. Deus é tratado como
Senhor da Sagrada Luz, os santos são chamados de os sagrados, entre eles Nossa Senhora se
destaca como Senhora da Sagrada Luz. Aliás, a única igreja tratada como cristã na telenovela é
a dos irmãos pastores Jonas e Ezequiel, que apresenta características neopentecostais como o
sentido atribuído ao batismo:
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Pastor Ezequiel: Jesus nunca nos ensinou a batizar crianças. O batismo, vocês sabem,
é para quem está arrependido e quer se entregar a Ele. Mas a Bíblia diz que nós
devemos apresentar os nossos filhos ao senhor. E é por isso que hoje temos aqui na
nossa pequena Zoe que será consagrada a Deus. Por favor, estenda as suas mãos para
essa menina linda... Meu Deus e meu pai, peço que proteja a Zoe...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 8).
Jonas: Eu não quero que você vá embora dessa igreja. Eu, eu tava com raiva, eu falei
da boca pra fora, me desculpe.
Ezequiel: Tá tudo bem, tudo bem. Fica tranquilo.
Jonas: Pode continuar o trabalho com os ombreiros, por favor, faço o que você achar
melhor.
Ezequiel: Eu tava pensando Jonas, em abrir novos horários de reunião durante a
semana.
Jonas: Sim.
Ezequiel: É, desde que nós começamos a evangelizar aqui no bairro, é muita gente
tem nos procurado.
Jonas: Olha Ezequiel, meu irmão, a nossa igreja não é desse perfil. Os membros vem
duas vezes por semana, nos cultos e olhe lá.
Ezequiel: Jonas, aqui vai ser muito mais do que uma igreja tradicional. É, esse lugar
aqui vai se transformar num pronto-socorro espiritual. É, é isso aí, você vai ver.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 47).
do mesmo sangue e da mesma carne”. Essas palavras não são do Ricardo, são de Adolf
Hitler. Um discurso de 1934 numa plateia de mais de dois mil jovens.
Cesar: Caramba Zoe! Mas... Bom, mesmo assim isso daí não prova nada.
Zoe: Calma. Ele fala de igualdade, paz, mas por debaixo disso existe um discurso
totalitário. Um mundo sem fronteiras, o bem acima do indivíduo, abraçar a igualdade.
Cesar: Na verdade, qualquer ditador poderia ter dito isso.
Zoe: É um populista demagogo.
Cesar: Mas extremamente sedutor. Mas Zoe, mesmo assim, no tribunal eu não
conseguiria a acusação do réu só com isso.
Zoe: Eu sei. Acontece que são muitas coincidências Cesar. Foi justamente depois do
arrebatamento que o Ricardo ganhou esse vulto de líder mundial, com esse discurso
pacificador, pouco realista e megalomaníaco. Por isso eu logo pensei nele.
Cesar: Eu sei Zoe, mas como jornalista você sabe que isso não é o suficiente. Ele não
falou nada de concreto sobre moeda única, religião única, construção do terceiro
templo ou a marca da besta.
Zoe: Mas algo me diz que é ele Cesar. O Ricardo é o anticristo. Eu vou provar.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 62).
assembleia). Um grande líder mundial disse certa vez: o mundo de hoje é muito
diferente porque o homem possui em suas mãos mortais, poder absoluto de acolher
todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana. É com profunda
tristeza que eu observo que 50 anos depois, nada mudou senhores. Aquecimento
global, fome, epidemias, guerras, desigualdade. Que respostas estamos dando para
essas questões? Alguns culpam a globalização e pregam medidas unilaterais,
protecionistas, ultra nacionalistas. Outros colocam as responsabilidades nas elites e
no capitalismo com suas bolhas e crises cíclicas. Alguns acreditam que a solução está
na bomba atômica. Enquanto organismos internacionais que deveriam promover o
desenvolvimento vendem a mesma receita de arrocho e austeridade. Já sabemos aonde
isso vai dar, senhores: recessão e mais crise. Quando a população e os líderes mundiais
se darão conta que não estamos mais lutando por crenças, territórios ou poder
econômico? A questão agora senhores, é a preservação da vida de toda a
humanidade... Não é mágica, senhores. A cidade do futuro é a materialização desse
conceito. Um portfólio plausível de ser implementado pelo mundo todo, respeitando,
sim, o ser humano, as suas diferenças, mas acima de tudo, o nosso planeta. Estou tão
comprometido com esse projeto, que eu investi nele, toda a minha fortuna pessoal.
Mas é necessário muito mais do que um único homem para mudar o mundo. Por isso
senhores, conto com a ajuda de todos vocês, homens e mulheres de bem. Daqueles
que estão cansados das velhas soluções, nas que acredita no ser humano, na igualdade
e na paz. Esqueçamos daquilo que nos divide e lutemos por aquilo que une e define:
a raça humana. John Kennedy também disse uma vez: aqueles que olham para o
passado e para o presente, certamente estão perdendo de vista, o futuro. Obrigado!
Muito obrigado! (É aplaudido pela assembleia).
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 54).
O mundo hoje é muito diferente, pois o homem detém em suas mãos mortais o poder
de abolir todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana. No
entanto, os mesmos ideais revolucionários pelos quais lutaram nossos antepassados
ainda são questionados em todo o mundo: a crença de que os direitos do homem não
vêm da generosidade do Estado, mas da mão divina. ( KENNEDY, 1961).
A segunda citação é sobre uma frase atribuída ao presidente Kennedy popularmente
conhecida como “A mudança é a lei da vida”. Ambas as citações objetivam relacionar o
populismo discursivo de Ricardo com a eloquência política de John Kennedy de forma a
enquadrá-los como esquerdistas. Apesar de o anticristo se portar como alguém acima da
política, o discurso dele tende para o campo ideológico da esquerda, uma vez que preza pela
igualdade social, respeito às diferenças e cuidado com o planeta Terra. O presidente Kennedy
era um liberal do Partido Democrata, o que o coloca no campo ideológico da direita. Mas se
197
tentarmos transplantar com vista grossa a díade partidária estadunidense Republicanos versus
Democratas para a díade europeia e brasileira direita versus esquerda, poderíamos alocar o
referido presidente no campo da esquerda.
Contradições à parte, as semelhanças entre Ricardo e o presidente estadunidense são a
agremiação religiosa de ambos, a Igreja Católica, a capacidade político-conciliatória, o carisma
e a capacidade projetiva da oratória. A evocação do presidente Kennedy nos dicursos do
anticristo pode representar também uma estratégia da Iurd de criar coesão ideológica farorável
ao governo Trump entre os telespectados dos Estados Unidos, país em que a telenovela
Apocalipse obteve significativa audiência no canal hispânico UniMás.
As mesmas características haviam sido atribuídas por Zoe no discurso de posse de
Ricardo como presidente do Conselho das Nações a Adolf Hitler. Os produtores da telenovela
Apocalipse incorporam na identidade do anticristo duas personalidades opostas, a do ditador
nazista e a do presidente Kennedy.
No capítulo 54, ou seja, quatro capítulos após o referido discurso, a identidade de
Ricardo será acrescida à personalidade de mais chefe de Estado que não possui relação alguma
com a dos dois já mencionados. Em um diálogo entre o anticristo e empresários internacionais
referente a formas de combater a crise econômica gerada pelo Arrebatamento, Ricardo recorre
a termos do ex-presidente Lula, bem como às estratégias político-econômicas anticíclicas e
keynesianas usadas pelo seu governo para combater as consequências da crise econômica de
2008 no Brasil.
Ricardo: Como todos sabem, o desaparecimento de pessoas pelo mundo todo fez as
principais bolsas do planeta despencarem. E se nós, as principais fortunas e
conglomerados mundiais não fizermos nada a respeito, essa crise fará do crack da
bolsa em 29 e da crise dos derivativos em 2008, uma marola no oceano.
Rico 1: Somos empreendedores, banqueiros, investidores. Não, políticos!
Ricardo: Deixemos essa modéstia de lado. Nós elegemos e derrubamos governos,
senhores. Nosso dinheiro controla o mundo. Só não levamos os louros todos porque
vocês sabem, vaidade em excesso atrapalha os negócios, não é mesmo? (risos).
Rico 2: Se eu te conheço, Ricardo, você deve ter algum plano já.
Ricardo: Em linhas gerais, minha sugestão é que utilizemos os nossos recursos para
conceder um crédito em larga escala a juros baixos sem contrapartida recessivas.
Rico 3: Cê enlouqueceu!
Ricardo: Cês sabem muito bem que esse dinheiro sempre volta, de um jeito ou de
outro. E além disso, eu pensei na criação de uma nova moeda cujo controle de emissão
esteja em nossas mãos.
Conversa entre os ricos, inaudível.
Ricardo: Senhores, senhores, por favor! A morte do Secretário Geral do Conselho
das Nações é a oportunidade ideal que temos para tomarmos a iniciativa de
assumirmos o controle da situação. O que é que vocês preferem? Uma corrida dos
correntistas aos bancos para sacar todo o seu dinheiro antes que ele vire pó?
Desabastecimento? Recessão? Inflação? Fome? Caos? Senhores, ou ajudamos o
planeta a enfrentar essa crise agora, ou vamos ter que correr o risco de enfrentar o
próprio apocalipse. Quem aqui quer voltar a idade da pedra?
198
Em 2008, a crise imobiliária dos Estados Unidos que levou à falência do banco
estadunidense Lehman Brothers, afetou drasticamente a economia de vários países do mundo.
Tentando não alarmar o mercado nacional, o presidente Lula disse a jornalistas: “Lá [nos
Estados Unidos], ela [a crise] é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que
não dá nem para esquiar” (GALHARDO, 2008).
O termo marolinha repercutiu no país, gerou polêmicas e marcou aquela época.
Consoante as proporções da repercussão da palavra e sua perpetuação na memória do período,
Ricardo também a usou para alertar sobre a necessidade de se combater a crise econômica do
Arrebatamento. O plano de enfrentamento da crise apresentado por Ricardo, assim como a
política econômica adotada pelo governo Lula em 2008, é heterodoxa e anticíclica, uma vez
que parte da premissa de que a melhor solução é o investimento na produção, no comércio e na
infraestrutura e não o contingenciamento de gastos.
Nesse sentido, o governo Lula reduziu a meta do superávit primário e a taxa básica de
juros (Selic) e aumentou o investimento público em áreas estratégicas para o aquecimento da
economia interna como a habitação, criando o programa Minha Casa Minha Vida. E o anticristo
propôs a concessão de crédito em larga escala a juros baixos sem contrapartida recessiva. A
superação de ambas as crises consagrou a popularidade do presidente Lula e do presidente do
Conselho das Nações Ricardo Montana.
Aproveitando a popularidade e o cargo à frente do Conselho das Nações, Ricardo
investe em um acordo de paz entre árabes e judeus para a reconstrução do Templo de Salomão
em Israel. Não conseguindo o consenso entre os líderes das duas partes, Ricardo forja o
assassinato de ambos a partir de um tiroteio em praça pública. Em seguida, vai a público se
manifestar contra a violência e o extremismo e dizer que havia conseguido firmar o tal acordo.
Com essa justificativa, constrói o Terceiro Templo de Israel e consegue manter um ambiente
de paz internacional por três anos. Nesse período, investe no desenvolvimento da inteligência
artificial e de uma marca de identificação a ser implantada no corpo de todas as pessoas, de
forma a criar um sistema de segurança pública e vigilância para a cidade que estava construindo
em um deserto árabe, a Nova Babilônia. Também investe na promoção do diálogo inter-
religioso e na criação de uma moeda única.
Ao fim dos referidos três anos de paz, iniciam-se tensões político-econômicas entre
potências mundiais. O presidente do Conselho das Nações Ricardo Montana tenta mediar o
conflito publicamente, mas investe na iminência da guerra nos bastidores até que alguns países
como os Estados Unidos rompem com o tratado de paz e iniciam a chamada Terceira Guerra
199
Mundial. A guerra é atroz devido à alta tecnologia utilizada, gerando assim um conjunto de
crises mundiais. Frente às crises, Ricardo reúne o antigo grupo de empresários que o apoiaram
há três anos, mas que ele havia expulsado do Conselho das Nações e os conclamam para
estabelecerem um novo tratado internacional de paz e recuperarem a economia mundial. A
consequência dessas ações foi a criação de um governo único presidido por Ricardo e a criação
de uma moeda única no mundo.
Nesse novo período, o anticristo transita da situação de um líder popular, carismático
para o de um ditador que assassina os adversários políticos secretamente. Devido a isso, sofre
um atentado terrorista sendo alvejado no olho esquerdo enquanto desfilava em carro aberto na
Nova Babilônia. A morte dele gerou uma comoção mundial. Durante o velório, ressuscita e é
aclamado como Deus pelo Pai Sagrado Stefano Nicolazzi.
A partir desse momento o anticristo se revela explicitamente um ditador populista. Para
exercer controle total sobre todas as pessoas do mundo, inicia uma política de implantação de
uma marca de identificação pessoal. Tal marca enviava informações completas sobre a vida
cotidiana dessas pessoas para um armazenador central controlado por Ricardo. E as pessoas que
não aceitavam receber a inscrição da marca em seu corpo eram perseguidas e assassinadas, de
forma que se iniciou uma robusta perseguição aos cristãos evangélicos, similar à conhecida era
do martírio cristão do século III d.C., que viam naquela prática o cumprimento de uma profecia
apocalíptica.
Após o período de governo único tratado na novela como os sete anos de truculências,
Jesus retorna à Terra com seus anjos para resgatar as últimas pessoas eleitas por Deus: todos
aqueles que aceitaram a fé cristã evangélica. Na ocasião, prende Ricardo e o Pai Sagrado
Stefano Nicolazzi com algemas de ouro e os lança em um precipício que desemboca no inferno,
localidade subterrânea repleta de fogo que remete a um vulcão e erupção.
Por fim, no plano celestial, Deus abre o chamado livro da vida e julga cada pessoa
segundo os seus pecados. Há por parte deles horror e arrependimento, choro e desespero. São
sentenciados à perdição eterna. E assim se cumprem todas as profecias bíblicas anunciadas por
todo o enredo da telenovela Apocalipse. O grande vitorioso do duelo de cartas marcadas é o
Deus cristão evangélico que triunfou sobre a autonomia e as liberdades das mulheres e as
formas não patriarcais mononucleares de família, a corrupção estatal, as drogas ilícitas, a
ciência, os direitos humanos, o diálogo inter-religioso e a interpretação não fundamentalista da
Bíblia. E o grande derrotado foi o anticristo, isto é, o bode expiatório do campo político-
ideológico da esquerda petista associado propositalmente a John Kennedy e a Adolf Hitler.
Nesse sentido, a demonização da esquerda na telenovela Apocalipse também é uma ação
200
de deslegitimação do liberalismo, o que aponta para o fato de que os produtores da novela estão
inseridos no campo ideológico do conservadorismo e não da direita propriamente dita.
201
CONCLUSÃO
caracteriza por dois movimentos sui generis. O primeiro diz respeito à transição do
fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo neopentecostal contido na sobreposição
da ideia do governo único mundial (dirigido pelo anticristo) sobre supostas pretensões
globalistas de governos de esquerda, em especial do PT. E o segundo concerne à sobreposição
da narrativa cristã do livro bíblico do Apocalipse – repleta do sentimento de aversão à primeira
perseguição do imperador romano Nero (o anticristo denunciado no livro) aos cristãos
primitivos – sobre a realidade de crise da vida cotidiana brasileira entre 2015 e 2018.
Identificou-se que as referidas sobreposições se operacionalizaram no enredo da
telenovela Apocalipse a partir da encenação de uma série variada de elementos doutrinais
iurdianos em defesa de pautas políticas conservadoras, observadas nas performances das
personagens da trama. A esse respeito, distiguiram-se quatro elementos principais: as críticas
comportamentais acirradas ao feminismo; os posicionamentos populistas anti-drogas e anti-
corrupção; o combate ao ceticismo científico; e a demonização da globalização no que tange à
agenda dos direitos humanos e do diálogo inter-religioso.
A crítica à agenda feminista objetiva a manutenção da família tradicional mononuclear
patriarcal e é tratada de forma explícita na condenação moral de direitos reprodutivos femininos
e no tratamento pejorativo que a trama dá às mulheres independentes, ou modernas, que fazem
sexo antes do casamento, que não desejam formar família e que não se orientam no cotidiano a
partir de preceitos bíblicos. Em contrapartida, o perfil de mulher ideal presente na trama pode
ser sintetizado como mãe de família temente a Deus e submissa ao marido.
A crítica às drogas ilícitas e à corrupção no interior de instituições públicas e estatais
objetiva reafirmar a ordem simbólica brasileira que pode ser sintetizada pelo lema, de origem
positivista, da bandeira nacional: ordem e progresso. O combate às drogas e principalmente o
combate à corrupção estatal, pauta entranhada na história da formação do Estado brasileiro,
tende mais a produzir uma sensação de moralização da vida cotidiana e reafirmação das
distinções entre os chamados cidadãos de bem versus cidadãos de mal do que proporem
soluções viáveis e eficientes para os problemas apontados.
A crítica à ciência na novela se estabelece pela contraposição da boa ciência (aquela que
confirma a verdade histórica e profética da Bíblia) versus a má ciência (aquela que nega a
existência de Deus e, mais do que isso, aquela que ridiculariza a Bíblia a tachando de livro de
contos de fadas). Os objetivos dessa crítica são legitimar a ciência pela religião a partir da
confirmação científica de supostas verdades históricas e proféticas da Bíblia; legitimar os
valores da esfera religiosa como superiores aos demais valores; afirmar uma verdade religiosa
sobre os percursos da história e a ordem social de forma a gerar seguridade própria sobe o
203
tenham sido complementadas pelas revoluções comunistas do século XX, estão estreitamente
relacionadas às doutrinas liberais. Esse fato corrobora a compreensão de que o conservadorismo
é um campo político autônomo e distinto dos campos da direita e da esquerda.
Identificou-se também que a estratégia de combate político utilizada no enredo da
telenovela Apocalipse se caracteriza pelo pocisionamento de representações simbólico-
valorativas antagônicas. Ou seja, a trama encena o cenário de crise brasileiro do período pré-
eleitoral de 2018, colocando a disputa eleitoral simbolicamente como uma guerra messiânica
de Cristo (representado pelas candidaturas socialmente conservadoras e economicamente
liberais) conta o anticristo (representado pelas candidaturas progressistas de esquerda, em
especial a do PT). Isso leva a entender que votar em candidatos do campo conservador como
Jair Bolsonaro significa escolher o Cristo da eleição. Por outro lado, votar em alguém do campo
da esquerda como Lula ou Haddad é fazer opção pelo anticristo do pleito, aquele cujo discurso
populista de paz social esconde pretensões totalitárias, amorais e destrutivas.
O afirmado é corroborado também pelo fato de a identidade da personagem anticristo
Ricardo Montana ter sido elaborada a partir da mescla de elementos políticos do imperador
romano Nero, do ditador do reich alemão Adolf Hitler, do presidente estadunidense Jonh F.
Kennedy e do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse sentido, Ricardo Montana
é uma espécie de Frankenstein herdeiro da tirania de Nero durante a perseguição e martírio
cristão; do populismo e autoritarismo nazista de Hitler durante o holocausto judeu; e do carisma
e do keneisianismo econômico de Jonh F. Kennedy e de Luiz Inácio Lula da Silva, dois
presidentes (estadunidense e brasileiro) democráticos e progressistas.
Apesar de ser um equívoco histórico e anacrônico, a associação da tirania no império
romano e do autoritarismo populista do regime nazista ao campo político da esquerda, a
estratégia possui eficácia simbólica. Ao associá-los às tragédias humanas das experiências
comunistas do século XX, cria a categoria ambígua do bode expiatório sanguinário. A função
dessa categoria é afirmar que qualquer forma de horror ou tragédia política é fruto do “diabo”
das esquerdas.
Mediante ao exposto, é possível corroborar as hipóteses iniciais deste trabalho de que a
telenovela Apocalipse é um documento com valor histórico-sociológico devido ao universo
simbólico-religioso de suas explicações sobre a crise política brasileira na segunda metade da
década de 2010; e que a sua narrativa poderia objetivar contribuir ideologicamente para a
contraposição das pautas políticas progressistas nas eleições de 2018 no Brasil. É importante
ressaltar ainda que a partir da técnica da análise documental foi possível constatar três aspectos
fundamentais da configuração da referida novela como documento.
205
O primeiro diz respeito ao engajamento religioso (ou de fé) da autora Vivian de Oliveira
durante a escrita das telenovelas de conteúdo bíblico da Record TV. Há a extrapolação dos
limites técnicos do trabalho profissional de escritor de teledramaturgia de uma empresa
comercial em detrimento de uma afiliação de fé cristã neopentecostal.
O segundo aspecto é o grau invasivo da interferência de Cristiane Cardoso no enredo da
trama. É possível afirmar que a novela em questão é um documento teledramatúrgico
corrompido, isto é, modificado intencionalmente durante a sua produção por uma autora
neopentecostal da Iurd, sem o consentimento e o conhecimento da autora principal.
E o terceiro aspecto diz respeito ao sentido determinista do termo apocalipse na referida
trama, o que o evidencia como uma categoria estruturante, simultaneamente, do campo
religioso e da ordem social devido a sua atribuição de sentido transcendente aos percursos da
história material. Enquanto uma categoria social ordenadora do tempo, o apocalipse exerceu na
referida telenovela os efeitos de consagração, legitimação e naturalização de enunciados e de
fenômenos da vida cotidiana.
Destarte, a categoria apocalipse presente na novela tendeu a contribuir para a
conservação da ordem simbólica brasileira e a ordem política estabelecida após o impeachment
da presidenta Dilma Rousseff. Isso, tendo em vista também que a representação do período de
três anos da chamada falsa paz, a partir de 2017, na telenovela, lança a imagem das supostas
consequências catastróficas da possível vitória de uma candidatura progressista de esquerda nas
eleições brasileiras de 2018. Sobretudo a candidatura do ex-presidente Lula, que apesar de preso
por condenação em segunda instância no âmbito da Operação Lava Jato, apareceu como o nome
preferido em todos os cenários de intenção de voto para presidência da República testados entre
meados de 2017 e 2018 pelo Instituto Datafolha.
Ademais, as mesmas consequências remontam à imagem das duas Guerras Mundiais a
partir da encenação de uma Terceira Guerra Mundial seguida de sete anos de turbulência.
Porém, embora a sensação de fim do mundo tenha sido canalizada pela referida novela para
entre meados de 2017 e início de 2020, o Apocalipse só ocorre em seu enredo cerca de 10 anos
depois dessas datas. Dito isso, resta a dúvida de uma pesquisa em aberto. Esta foi uma forma
de resguardar a Record TV e a Iurd da incursão ao erro e ao constrangimento do líder religioso
adventista estadunidense Willian Miller que previu a segunda volta de Jesus à Terra e o
Apocalipse para o dia 22 de outubro de 1844?
Por fim, vale ressaltar que as telenovelas brasileiras, a exemplo de Apocalipse (Record
TV), produzidas e exibidas no país durante o período pré-eleitotal de 2018, podem ser uma
possível e rica fonte de pesquisa para o campo das Ciências Sociais devido à mescla em seu
206
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R7. Alto Logotipo da minissérie Plano. 29 de março de 2015. Ficheiro: Plano Alto.jpg.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plano_Alto.jpg>, 12/12/2020
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<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plano_Alto.jpg> Acesso em: 25/11/2020
VATICANO, RÁDIO. Papa Francisco e os novos cardeais visitam Bento XVI. 29 de jun.
de 2017. Blog Associação padre Júlio Negrizzolo. Disponível em: < https://apjn.com.br/papa-
francisco-e-os-novos-cardeais-visitam-bento-xvi/ >. Acesso em: 15/06/2020.
VATICANO, RÁDIO. Papa Francisco e os novos cardeais visitam Bento XVI. 29 de jun.
de 2017. Blog Associação padre Júlio Negrizzolo. Disponível em: < https://apjn.com.br/papa-
francisco-e-os-novos-cardeais-visitam-bento-xvi/ >. Acesso em: 15/06/2020.
214
CAPÍTULOS DA NOVELA
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 47, dvd 10, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 49, dvd 10, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 54, dvd 11, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 58, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 59, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 60, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 62, dvd 13, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 66, dvd 14, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 67, dvd 14, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
216
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 71, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 72, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 73, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 82, dvd 17, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 88, dvd 18, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 88, dvd 18, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 91, dvd 19, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 92, dvd 19, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 154, dvd 31, box 3. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
217
VÍDEOS
BARBOSA, JOSÉ CARLOS LOBO. VIDEO. 4:05. Jair Bolsonaro detona comissão de
direitos humanos que defende bandidos!. YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5jS7cXXkOjg.>, 15/09/2020
BARBOSA, JOSÉ CARLOS LOBO. VIDEO. 4:05. Jair Bolsonaro detona comissão de
direitos humanos que defende bandidos!. YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5jS7cXXkOjg.>, 15/09/2020
BRASIL, TV. VIDEO. 11:17. Dilma Rousseff faz pronunciamento após votação final do
impeachment. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=gKkpe53jaPk&t=4s.>,
15/09/2020
CARDOSO, RENATO. VÍDEO. 5:57. Entenda o "rouba, mas faz": por que o povo vota
neles. Youtube. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=j1nm2oJMCaA >,
29/11/2020.
ESPETACULAR, DOMINGO. VIDEO. 7:44. Fim dos tempos: teólogo explica alguns
símbolos do Apocalipse. Disponível
em:<https://www.youtube.com/watch?v=GSUsBtwUrXc >, 31/ 07/2020
LIRA, WELLINGTON P. VIDEO. Nada a Perder 2: Filme completo em HD. You Tube.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OZlooITRwjc&t=1028s>, 20/06/2021.
MOTA, DANIEL. VIDEO. 16:09. 003 - Aprenda a calar a boca do seu professor
comunista. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=vtoCXHKunHA>,
05/05/2020.
NOITE, JORNAL DA. VÍDEO. 0:47. PF apreende obras de arte com ex-mulher de Sérgio
Cabral. Youtube. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=zYkVpM5HXuY >,
04/12/2020.
OFICIAL, EDSON, FRANCO. VÍDEO. 1:01,21A criação de eva, Novela Gênesis, Capítulo
1. You Tube, min 0-1:02. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=VpXnNV5Fiys>, 23/01/2021.
OLIVEIRA, Alan de. VÍDEO. 1:40. Jornal Nacional ´Avenida Brasil. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=k0VUbkVHxdg>, 28/01/2021.
PSDB. VIDEO 2:39. Discurso senador Aécio Neves - Convenção Nacional do PSDB 2015.
Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=eGbrdjvqjr8>, 29/09/2020
PUGGINA, PERCIVAL. VÍDEO. 3:29. Mãe assume posição firme contra ideologia de
gênero nas escolas. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=7CBrYDbS_ls >, 21/12/2020.
RECORD, JORNAL DA. VIDEO. 7:43. Série JR: entenda quais são e o que significam os
quatro cavaleiros do Apocalipse. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=cUKtBJU0hnk/ >, 31/12/2020
SEM FRONTEIRAS, LIBERDADE. VIDEO. 3:02. Lula bricou de Deus / por Ciro Gomes.
YouTube. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=P1JwmrW0MHY> ,
6/03/2017.
RECORD, JORNAL DA. VIDEO. 7:43. Série JR: entenda quais são e o que significam os
quatro cavaleiros do Apocalipse. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=cUKtBJU0hnk&t=111s>, 03/02/2018
SOUZA, PARE E PENSE COM HC DE. Vídeo. 2:57. Bolsonaro diz a estudantes para
filmar professores, após professora ameaçar processar aluno. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=8RilqUl_2jI >, 22/12/2020
219
TULIO, WELDER. VIDEO. 2:42. Pastor apoia porte de armas para cidadão de bem.
YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=87XgjgmPWRg>,
22/11/2017
SITES
BRANDÃO, Felipe. Santos de casa: novelas que, como Apocalipse, tiveram mais êxito no
exterior que em sua ‘tela natal’. Disponível em:
<https://observatoriodatv.bol.uol.com.br/noticias/2019/09/santos-de-casa-novelas-que-como-
apocalipse-tiveram-mais-exito-no-exterior-que-em-sua-tela-natal>, 10/06/2020.
BBC BRASIL. Leonardo Boff diz estar perplexo e surpreso. Disponível em: <
https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2005/04/050419_diegoboffcg>,
27/01/2021.
FELTRIN, Ricardo. Apocalipse: Núcleo evangélico simbolizará voz de Deus; católicos são
o mal. Disponível em: <https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2017/11/27/apocalipse-
nucleo-evangelico-de-novela-vai-simbolizar-bem-e-voz-de-deus.html>, 10/06/2020.
FELIPE, Cherque. Estreia da novela apocalipse traz grande evento do fim dos tempos.
Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/br.blastingnews.com/tvfamosos/2017/08/estreia-da-
novela-apocalipse-traz-grande-evento-do-fim-dos-tempos-descubra-001900957.amp.html>
03/08/2017
G1. Ouça trechos dos diálogos entre Romero Jucá e Sérgio Machado. Disponível
em:<http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/05/leia-os-trechos-dos-dialogos-entre-romero-
juca-e-sergio-machado.html>, 05/01/2021.
GALHARDO, Ricardo. Lula: crise é tsunami nos EUA e, se chegar ao Brasil, será
‘marolinha’. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/lula-crise-tsunami-nos-
eua-se-chegar-ao-brasil-sera-marolinha-3827410>, 07 de janeiro de 2021.
Kennedy, John F. Discursos históricos. Publicado em:
<https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/historic-speeches/inaugural-address>, 08/01/2021
FOLHA GOSPEL. Baixa audiência de “Apocalipse” pode ter ligação com ataques à
igreja católica. Disponível em: https://folhagospel.com/baixa-audiencia-de-apocalipse-pode-
ter-ligacao-com-ataques-a-igreja-catolica/ > 01/12/2017
HISTÓRIA DA TV. Nos Estados Unidos, novela bíblica da Record TV atinge 2 milhões
de telespectadores. Disponível em:https://tvhistoria.com.br/nos-estados-unidos-novela-
biblica-da-record-tv-atinge-2-milhoes-de-telespectadores > 07/03/2018
IHU. ''Será a primavera depois de um duro inverno''. Entrevista com Leonardo Boff.
Disponível em:< http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518481-sera-a-primavera-depois-de-um-
duro-inverno-entrevista-com-leonardo-boff> 27/01/2021.
compra-direitos-de-exibicao-de-apocalipse-nova-novela-da-record-tv/amp/> 25/08/2017
RÁDIO JORNAL. Novela da Record tem igreja satânica parecida com a Católica e
público protesta. Disponível em:<
https://radiojornal.ne10.uol.com.br/noticia/2017/11/23/novela-da-record-tem-igreja-satanica-
parecida-com-a-catolica-e-publico-protesta-55807> 23/09/2017
LIMA, ANA, CORA. "Apocalipse Now": maior aposta de ficção da Record está sendo
implodida. Disponível em:
<https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2017/12/15/apocalipse-now-maior-aposta-
de-ficcao-da-record-esta-sendo-implodida.htm?cmpid=copiaecola>, 20/01/2021.
KANTAR IBOPE MEDIA. Maior Audiência Por Emissora. Disponível em: <
https://www.kantaribopemedia.com/ >, 15/05/2020.
PERLINE, Gabriel. Globo compra e exibe Os Dez Mandamentos após derrota histórica
para a Record. Disponível em: < https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/globo-
compra-e-exibe-os-dez-mandamentos-apos-derrota-historica-para-record-28653>,
11/08/2020.
R7. Novela Apocalipse bate recorde de audiência no Rio de Janeiro. R7. Disponível
em:https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/novela-apocalipse-bate-recorde-de-audiencia-
no-rio-de-janeiro-06102019 > 13/03/2018
RAMALHO, Renan; MATOSO, Filipe. Não haverá 'terceiro turno', diz Toffoli; para
Dilma, 'eleição não é guerra' Globo, G1. Disponível em: <
http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/nao-havera-terceiro-turno-diz-toffoli-para-dilma-
eleicao-nao-e-guerra.html>, 09/10/2020
SADI, Andréia. Leia a íntegra da carta enviada pelo vice Michel Temer a Dilma. Globo,
G1. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/leia-integra-da-carta-
enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html>, 30/09/2020.
TV, Audiência da. Além do Brasil, estreia de ‘Apocalipse’ eleva a audiência da ‘Record
TV Europa’. Portal alta definição. Disponível em:https://portalaltadefinicao.com/alem-do-
brasil-estreia-de-apocalipse-eleva-a-audiencia-da-record-tv-europa/amp/ > 07/04/2018
224
TV, O planeta. Ibope de Apocalipse volta a estaca zero. O planeta tv. Disponível em:<
https://oplanetatv.clickgratis.com.br/noticias/audiencia-da-tv/ibope-de-apocalipse-volta-a-
estaca-zero.html > 23/04/2018
VAQUER, GABRIEL. Na melhor cidade em Ibope da Record, Apocalipse não fica nem
entre as 10 maiores audiências. Observatório da tv. Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/observatoriodatv.bol.uol.com.br/audiencia-da-
tv/2017/12/na-melhor-cidade-em-ibope-da-record-apocalipse-nao-fica-nem-entre-as-10-
maiores-audiencias%3famp>07/04/2018
VEJA SP. Cenas de nova novela rendem críticas à Record nas redes sociais. Veja SP.
Disponível em:<
https://www.google.com/amp/s/vejasp.abril.com.br/blog/pop/novela-apocalipse-record-igreja-
catolica/amp/> 23/11/2017
VIEIRA, João. Cheia de efeitos especiais, ‘apocalipse’ tem boa estreia e repercute nas
redes sociais. Virgula. Disponível em: http://www.virgula.com.br/tvecinema/cheia-de-
efeitos-especiais-apocalipse-tem-boa-estreia-e-repercute-nas-redes-sociais/ 25/04/2020
Edson Spinello é do Rio de Janeiro, foi casado de 2013 a 2015 com Renata Dominguez, famosa
atriz da emissora. Owner director no ONStudios, Diretor na Casablanca/Fox, onde dirigiu Na
Mira do Crime. E na RecordTV de 2006 a jun de 2014. Trabalhou como diretor-geral de novelas
na TV Globo, atualmente, exercendo a função na RecordTV, onde dirigiu Rei Davi, série que
obteve sucesso na Fox Mundo dos EUA. Escreveu o livro "Rei Davi: A história romanceada do
maior líder da história de Israel". Fez parte do comitê artístico da RecordTV e selecionou
projetos na área de teledramaturgia. Contratado da Record desde 2006, ele auxiliou nas
produções de Bicho do Mato, Amor e Intrigas, Bela - a Feia, Rei Davi e Balacobaco.
(SPINELLO, 2020)
Leonardo Miranda é diretor de TV e fotógrafo pela Universidade FUMEC. É de Belo
Horizonte, Minas Gerais. Trabalhou na Rede Globo de jun de 2012 até o momento. Trabalhou
também na Rede Minas de Televisão por 18 anos e 5 meses. Editor de Imagens Jan 1996 –
2001. Prêmio Dynamite categoria melhor programa de música independente 2005. (Programa
Alto Falante). Prêmio Dynamite categoria melhor programa de música independente 2006.
(Programa Alto Falante). Prêmio Toddy categoria melhor programa de música independente
2007. (Programa Alto Falante). Repórter Cinematográfico. Rede Minas 2001 – 2005 4 anos 1
mês. Prêmio Toddy categoria melhor programa de música indempendente 2008 (Programa Alto
Falante) (MIRANDA, 2020)
Hamsa Wood. Diretor de Comunicação Social at DBCA - Diretores Brasileiros de
Cinema e Audiovisual. DBCA - Diretores Brasileiros de Cinema e AudiovisualUniversity of
Florida Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. O diretor pernambucano Hamsa Wood iniciou
sua carreira nos Estados Unidos, onde estudou e trabalhou por sete anos. Ao retornar ao Brasil,
atuou no mercado publicitário de São Paulo até ser convidado pela Rede Globo a ingressar no
seu departamento de teledramaturgia. Na emissora carioca trabalhou em novelas e em
programas semanais, além de dirigir campanhas promocionais para a Globo Internacional. Em
2005, foi recrutado pela Rede Record para implantar a sua nova sede de teledramaturgia no Rio
de Janeiro, a RecNov. Na empresa dirigiu 15 projetos entre eles séries, novelas e filmes. E desde
2010, em paralelo ao seu trabalho corporativo, tem investido no desenvolvimento e produção
226
de conteúdo original nacional independente para cinema e canais a cabo, além de dirigir
campanhas publicitárias para TV e internet. Atualmente está finalizando seu terceiro longa
metragem "Pandora" com lançamento programado para 2021 (Pipa Pictures) (WOOD, 2020)
Leandro Neri. Nascimento: 5 de outubro de 1971 (idade 48 anos). Foi diretor Geral
desde 1995 na Rede Globo de Televisão nos núcleos de novelas, minisséries, programas de
âncora e de auditório, de eventos musicais ou de marketing, gravados e ao vivo. É solteiro,
mora no Rio de Janeiro. Estudou massamidia na faculdade da cidade de Lagoa RJ. Hoje trabalha
como freelancer. (NERI, 2020)
Rogério Passos. Diretor de audiovisual e artes cênicas e trabalha na Record TV, se
formou na Escola de Comunicação e Artes - ECA - USP e hoje mora no Rio de Janeiro. Rádio
e Televisão pela Escola de Comunicações e Artes da USP, sócio diretor da produtora
Labirintho, trabalha há mais de 20 anos em televisão com experiência nos mais diversos
formatos. Dirigiu minisséries e novelas bíblicas da emissora. Trabalhou no núcleo de
dramaturgia do SBT em São Paulo e atualmente faz parte do quadro de diretores da Record no
Rio de Janeiro. Dirigiu a minissérie "Rei Davi", um dos maiores sucessos da emissora até hoje
(PASSOS, 2020)
Emílio Boechat nasceu em Niterói, RJ. Dramaturgo, roteirista de cinema e TV. Foi
indicado ao Troféu Mambembe de Melhor Autor em 1999. Em televisão, Emilio Boechat já
passou pela Rede Globo, Bandeirantes/ RGB, GNT, Multishow. Na Record TV já trabalha a 13
anos e 6 meses, onde escreveu e colaborou para as novelas bíblicas e mini séries. Em 2017
escreveu com Stephen P. Lindsey os roteiros dos filmes NADA A PERDER 1 e 2 sobre a vida
de Edir Macedo. Formação acadêmica Cinema - Universidade Federal Fluminense 1 ano de
Jornalismo- Comunicação e Jornalismo 1 semestre de engenharia Elétrica e eletrônica. O autor
Emilio Boechat teria deixado o cargo por não concordar com as imposições ideológicas da
história bíblica; ele acabou sendo substituído pelo colaborador Camilo Pellegrini. (PORCHAT,
2020)
Marcos Lazarini dramaturgo brasileiro, natural de Londrina/PR. Na RecordTV como
colaborador das novelas Apocalipse e A Terra Prometida. Deixa a Record e retorna à Globo
oito anos após fiasco de novela. Sócio Arriba Filmes. Escreveu também "A Musa Impassível,"
telefilme da TV Cultura, e a série "Pedro e Bianca" (ganhadora de melhor série para crianças
no International Emmy Awards e o prêmio de ficção e não ficção para a faixa de 12 a 15 anos
227
ANEXO B – TABELAS
Número Número
Períodos
Ano Rat % total de Rat % total de COV %
(semas)
domicílios pessoas
2017
20/11 a 26/11 8,2 24.088,6 3,5 68.420,2 4,2
2017
27/11 a 03/12 9,8 24.088,6 4,7 68.420,2 17,9
2017
04/12 a 10/12 8,7 24.088,6 4,2 68.420,2 17,9
2017
11/12 a 17/12 7,2 24.088,6 3,4 68.420,2 15,8
2017
18/12 a 24/12 6,4 24.088,6 3 68.420,2 14,4
2017
25/12 a 31/12 5,8 24.088,6 2,8 68.420,2 13,8
2018
01/01 a 07/01 5,9 24.864,7 2,7 69.378,6 13,7
2018
08/01 a 14/01 5,8 24.864,7 2,7 69.378,6 13,5
2018
29/01 a 04/02 6,8 24.864,7 3,2 69.378,6 18
2018
05/02 a 11/02 8,9 24.864,7 4,2 69.378,6 19,8
2018
12/02 a 18/02 7,9 24.864,7 3,7 69.378,6 18,7
2018
19/02 a 25/02 7,6 24.864,7 3,6 69.378,6 17,7
2018
26/02 a 04/03 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 18,8
2018
05/03 a 11/03 8,4 24.864,7 3,9 69.378,6 18,8
2018
12/03 a 18/03 8,5 24.864,7 4 69.378,6 18,9
2018
19/03 a 25/03 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 19
2018
26/03 a 01/04 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 19,5
2018
02/04 a 08/04 9,4 24.864,7 4,5 69.378,6 20
2018
09/04 a 15/04 9,6 24.864,7 4,5 69.378,6 20,8
2018
16/04 a 22/04 9,7 24.864,7 4,6 69.378,6 19,7
2018
23/04 a 29/04 9,5 24.864,7 4,6 69.378,6 19,3
2018
30/04 a 06/05 9,2 24.864,7 4,4 69.378,6 19,7
2018
07/05 a 13/05 8,8 24.864,7 4,2 69.378,6 18,5
2018
14/05 a 20/05 9,5 24.864,7 4,4 69.378,6 18,2
2018
21/05 a 27/05 9 24.864,7 4,4 69.378,6 17,8
2018
28/05 a 03/06 8,9 24.864,7 4,2 69.378,6 18,5
2018
04/06 a 10/06 9,1 24.864,7 4,3 69.378,6 18
2018
11/06 A17/06 10 24.864,7 4,7 69.378,6 18,5
2018
18/06 a 24/06 10,4 24.864,7 5 69.378,6 19
2018
25/06 a 01/07 13,8 24.864,7 6,8 69.378,6 10,3
2018
37
Audiência domiciliar (Rat%) percentual dos domicílios que assistiram ao programa.
38
Audiência individual (Rat%) percentual de indivíduos que assistiram ao programa.
39
COV Individual (Cov%) (alcance acumulado): percentual de pessoas diferentes impactadas pelo programa.
230
fundamental
fundamental
% superior
% superior
% médio
% médio
%
%
Lula 49% 36 25% Jair Bolsonaro 13% 27% 27%
Jair Bolsonaro 10% % 27% Marina Silva 18% 17% 12%
Marina Silva 7% 24 9% Ciro Gomes 11% 9% 10%
Geraldo Alckmin 7% % 8% Geraldo Alckmin 10% 8% 8%
Ciro Gomes 5% 9% 6% Álvaro Dias 4% 4% 5%
Álvaro Dias 3% 5% 4% Fernando Haddad 2% 3% 9%
João Amoedo 0% 4% 5% João Amoedo 1% 1% 5%
Henrique Meirelles 1% 3% 1% Henrique Meirelles 2% 1% 1%
Guilherme Boulos 0% 1% 1% Vera 1% 1% 0%
Cabo Daciolo 1% 1% 0% Cabo Daciolo 1% 1% 1%
Vera 0% 1% 1% Guilherme Boulos 1% 1% 2%
João Goulart Filho 0% 1% 0% João Goulart Filho 1% 0% 0%
Eymael 0% 1% 0% Eymael 0% 0% 0%
Embranco/Nulo 11% 0% 10% Embranco/Nulo 25% 22% 15%
Não Sabe 4% 0% 2% Não Sabe 10% 4% 3%
11
%
3%
Fonte: G1, 2017.
234
16 a 24 anos
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 59 anos
60 ou mais
Cenário 1 Lula 43% 40% 37% 39% 35%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 24% 23% 21% 15% 15%
Cenário 1 Marina Silva 9% 9% 8% 9% 6%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 3% 5% 6% 7% 10%
Cenário 1 Ciro Gomes 3% 4% 5% 5% 6%
Cenário 1 Álvaro Dias 2% 2% 3% 4% 5%
Cenário 1 João Amoedo 1% 2% 2% 1% 1%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 1% 1% 1% 2%
Cenário 1 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 0% 0%
Cenário 1 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1% 0%
Cenário 1 Vera 1% 1% 1% 0% 0%
Cenário 1 João Goulart Filho 1% 0% 0% 0% 1%
Cenário 1 Eymael 0% 0% 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo/Nenhum 7% 11% 11% 13% 12%
Cenário 1 Não Sabe 2% 1% 3% 4% 6%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 28% 25% 24% 17% 17%
Cenário 2 Marina Silva 21% 18% 15% 15% 12%
Cenário 2 Ciro Gomes 8% 8% 12% 11% 11%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 5% 8% 10% 9% 11%
Cenário 2 Álvaro Dias 4% 3% 3% 5% 6%
Cenário 2 Fernando Haddad 4% 5% 3% 4% 4%
Cenário 2 João Amoedo 2% 2% 2% 1% 1%
Cenário 2 Henrique Meirelles 2% 1% 1% 2% 2%
Cenário 2 Vera 2% 1% 0% 1% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 2% 1% 1% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 2% 1% 1% 0% 0%
235
Candidatos %Região
Nordeste
Centro-
Sudeste
Norte
Oeste
Sul
Cenário 1 Lula 31% 25% 30% 45% 45%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 20% 28% 26% 20% 20%
Cenário 1 Marina Silva 10% 6% 10% 12% 12%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 9% 5% 6% 3% 3%
Cenário 1 Ciro Gomes 5% 4% 4% 4% 4%
Cenário 1 Álvaro Dias 2% 11% 3% 1% 1%
Cenário 1 João Amoedo 2% 2% 1% 0% 0%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 0% 3% 2% 2%
Cenário 1 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 Cabo Daciolo 1% % 1% 1% 1%
Cenário 1 Vera 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 João Goulart Filho 0% 0% 0% 1% 1%
Cenário 1 Eymael 0% % 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo/Nenh 12% 12% 10% 8% 8%
Cenário 1 um 3% 5% 4% 3% 3%
Cenário 2 Não Sabe 22% 30% 29% 26% 26%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 16% 10% 16% 23% 23%
Cenário 2 Marina Silva 9% 8% 5% 10% 10%
Cenário 2 Ciro Gomes 12% 6% 8% 6% 6%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 3% 13% 2% 1% 1%
Cenário 2 Álvaro Dias 5% 2% 1% 2% 2%
Cenário 2 Fernando Haddad 2% 2% 2% 1% 1%
Cenário 2 João Amoedo 1% % 6% 2% 2%
Cenário 2 Henrique Meirelles 1% 0% 1% 2% 2%
Cenário 2 Vera 1% 0% 1% 1% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 1% 1%
239
tem
Espiritualista
Religiões de
Evangélica
Kardecista
Agnóstico
Africana
Católica
Espírita
religião
Matriz
Ateu
Não
Cenário 1 Lula 43% 30% 24% 37% 23% 29%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 16% 24% 22% 20% 15% 26%
Cenário 1 Marina Silva 6% 11% 6% 8% 9% 3%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 6% 6% 7% 3% 6% 5%
Cenário 1 Ciro Gomes 5% 5% 8% 5% 2% 11%
Cenário 1 Álvaro Dias 4% 3% 8% 3% 7% 1%
Cenário 1 João Amoedo 1% 2% 5% 3% 3% 4%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 1% 2% 1% 1% 4%
Cenário 1 Guilherme Boulos 0% 1% 1% 1% 1% 2%
Cenário 1 Cabo Daciolo 0% 1% 0% 1%
Cenário 1 Vera 1% 0% 1% 2%
Cenário 1 João Goulart Filho 0% 0% 0% 1% 0% 1%
Cenário 1 Eymael 0% 0% 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo 11% 13% 13% 12% 24% 13%
Cenário 1 Não Sabe 4% 3% 2% 2% 5% 1%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 19% 26% 14% 12% 23% 26%
Cenário 2 Marina Silva 15% 17% 10% 10% 15% 7%
Cenário 2 Ciro Gomes 11% 9% 12% 12% 9% 16%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 9% 8% 11% 13% 6% 5%
Cenário 2 Álvaro Dias 5% 4% 10% 5% 2% 1%
Cenário 2 Fernando Haddad 4% 3% 4% 15% 7% 7%
Cenário 2 João Amoedo 2% 2% 5% 2% 3% 9%
Cenário 2 Henrique Meirelles 2% 2% 1% 1% 1% 4%
Cenário 2 Vera 1% 1% 0% 2% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 1% 1% 2% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 5% 2% 2%
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