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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Glaucon Durães da Silva Santos

ENCENAÇÕES APOCALÍPTICAS DE UMA CRISE POLÍTICA: análise das relações


entre a novela Apocalipse (Record TV), a Iurd e o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil

Belo Horizonte
2021
Glaucon Durães da Silva Santos

ENCENAÇÕES APOCALÍPTICAS DE UMA CRISE POLÍTICA: análise das relações


entre a novela Apocalipse (Record TV), a Iurd e o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Regina de Paula Medeiros.

Belo Horizonte
2021
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Santos, Glaucon Durães da Silva


S237e Encenações apocalípticas de uma crise política: análise das relações entre a
novela Apocalipse (Record TV), a Iurd e o cenário pré-eleitoral de 2018 no
Brasil / Glaucon Durães da Silva Santos, 2021.
241 f. : il.

Orientadora: Regina de Paula Medeiros


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

1. Oliveira, Vivian de - Telenovela Apocalipse - Crítica, interpretação, etc. 2.


Macedo, Bispo - Adaptações para televisão. 3. Fundamentalismo. 4. Política e
religião. 5. Igreja Universal do Reino de Deus. 6. Antifeminismo. 7.
Anticatolicismo. 8. Presidentes - Brasil - Eleições, 2018. 9. Crise política - Brasil.
I. Medeiros, Regina de Paula. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.

CDU: 301.17
Ficha catalográfica elaborada por Pollyanna Iara Miranda Lima - CRB 6/3320
Glaucon Durães da Silva Santos

ENCENAÇÕES APOCALÍPTICAS DE UMA CRISE POLÍTICA: análise das relações


entre a novela Apocalipse (Record TV), a Iurd e o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.

Prof.ª Dr.ª Regina de Paula Medeiros – PUC Minas (Orientadora)

Prof.ª Dr.ª Lea Guimarães Souki – PUC Minas - (Banca Examinadora)

Prof. Dr.Roberlei Panasiewicz – PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2021.


Aos Jesus Cristos de nossos tempos, Laudato si’: aos
pobres, marginalizado(a)s e excluído(a)s, às minorias
sociais, aos povos negros, indígenas e ciganos, aos
migrantes e refugiado(a)s, aos sem-terra e sem-teto,
aos favelado(a)s, às vítimas de rompimento de
barragens em Mariana e Brumadinho, às
trabalhadoras e aos trabalhadores, aos biomas
brasileiros vítimas dos incêndios, à querida mãe Terra
e a sua biodiversidade, a nossa casa comum, aos
ambientalistas e indianistas vítimas das chacinas no
Brasil, às mulheres, às feministas, às prostitutas, às
comunidades tradicionais quilombolas e ribeirinhas,
às comunidades LGBTQIAP +...
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior – Brasil (CAPES) pela


concessão da bolsa de mestrado. E às políticas públicas educacionais dos governos do PT que
me possibilitaram romper com os meus paradigmas sociais e ingressar no ensino superior.
Agradeço às professoras e professores do Departamento de Ciências Sociais da PUC
Minas e do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da mesma universidade, em
especial o professor Doutor Manoel de Almeida Neto, por terem me acolhido e contribuído para
a minha formação profissional e intelectual. E também ao professor Doutor Virgílio Borges
Pereira, que pela simpatia e entusiasmo me acolheu generosamente nas aulas de Sociologia do
Poder Político na Universidade do Porto.
Agradeço a minha orientadora, a professora Doutora Regina de Paula Medeiros, querida
professora de Metodologia Qualitativa da graduação, por ter me acompanhado e me instruído
com dedicação, carinho e liberdade durante o mestrado.
Agradeço aos professores da graduação Roberlei Panasiewicz, Edward Monteiro e
Robson Sávio por terem me inspirado a estudar paralelamente os fenômenos religiosos e
sociais.
Agradeço a minha banca de qualificação composta pelos professores Roberlei
Panasiewicz, Lea Souki e Reigina Medeiros pelo carinho, interesse, críticas e conselhos sobre
a minha pesquisa.
Agradeço à professora Mariana Ramos e a Paulo Vinícius Faria Pereira por terem me
indicado leituras especializadas na área de Sociologia da Religião, fundamentais para a
realização desta dissertação.
Agradeço a minha mãe Alice Durães da Silva Santos, ao meu pai Eli Gomes dos Santos
e a minha irmã Ariane Durães da Silva Santos por terem assistido a telenovela Apocalipse em
2017 e compartilhado comigo depois o que acharam dela. Dessas conversas informais nasceu
o problema de pesquisa desta dissertação. Agradeço também por terem assistido à novela
comigo durante a pesquisa, em 2020, e por terem contribuído no levantamento de informações
sobre o conteúdo do folhetim.
Agradeço o graduando em Design pela Unifoa, Douglas Augusto Dias, por ter
contribuído no levantamento de dados e informações sobre a produção e a exibição da novela.
E aos amigos Marcelo Souzza, Kássio Mendes e Júlia Rodrigues pela leitura crítica do trabalho,
que me proporcionou reflexões e insights de grande valia para a pesquisa.
SE CALAREM A VOZ DOS PROFETAS

Se calarem a voz dos profetas


As pedras falarão
Se fecharem os poucos caminhos
Mil trilhas nascerão

Muito tempo não dura a verdade


Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais

É Jesus este pão de igualdade


Viemos pra comungar
Com a luta sofrida de um povo
Que quer, ter voz, ter vez, lugar
Comungar é tornar-se um perigo
Viemos pra incomodar
Com a fé e a união nossos passos um dia vão chegar

O Espírito é vento incessante


Que nada há de prender
Ele sopra até no absurdo, que a gente não quer ver
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais

No banquete da festa de uns poucos


Só rico se sentou
Nosso Deus fica ao lado dos pobres
Colhendo o que sobrou
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais

O poder tem raízes na areia


O tempo faz cair
União é a rocha que o povo usou pra construir
Muito tempo não dura a verdade
Nestas margens estreitas demais
Deus criou o infinito pra vida ser sempre mais
(ANTÔNIO CARDOSO, 2014)
RESUMO

Esta dissertação propõe discutir as relações entre a telenovela Apocalipse da TV Record,


exibida em 2017, as doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e o cenário político
nacional pré-eleitoral de 2018. O enredo da novela foi inspirado em interpretações
fundamentalistas do livro bíblico do Apocalipse e encena o fim do mundo na
contemporaneidade. A narrativa é marcada por influências neofundamentalistas da Iurd com o
objetivo de contrapor as agendas progressistas em evidência no período: direitos humanos,
sociais e coletivos e o diálogo inter-religioso; e respaldar agendas políticas conservadoras em
defesa da família tradicional, combate à globalização, à ciência moderna e denúncia moral do
uso de drogas e da corrupção. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com a utilização
da técnica da análise documental. O objetivo principal é compreender o conteúdo da novela
Apocalipse a partir do contexto político em que se deu a sua exibição no Brasil; identificar
especificamente as agendas políticas reprovadas e defendidas na trama; e analisar os
mecanismos de oposição política da novela. Os resultados apontam para uma intencionalidade
da Iurd de deslegitimar o campo político progressista visando eleger candidatos conservadores
no pleito de 2018.

Palavras-chave: Telenovela Apocalipse. Fundamentalismo. Neofundamentalismo. Cenário pré-


eleitoral.
ABSTRACT

This dissertation proposes to discuss the relations between the telenovela Apocalipse by TV
Record, aired in 2017, the doctrines of the Universal Church of the Kingdom of God (Iurd) and
the pre-election national political scenario of 2018. The plot was inspired by fundamentalist
interpretations of the biblical book of Revelation and stages the end of the world in
contemporary times. The narrative is marked by neofundamentalist influences of the Iurd with
the aim of countering the progressive agendas in evidence in the period: human, social, and
collective rights and interreligious dialogue; and support conservative political agendas in
defense of the traditional family, combating globalization, modern science and moral
denunciation of drug use and corruption. This is a qualitative research, using the Documentary
Analysis technique. The main objective is to understand the content of the novel Apocalypse
from the political context in which it was exhibited in Brazil; specifically identify the political
agendas disproved and defended in the plot; and analyze the mechanisms of political opposition
of the novel. The results point to an intentionality of the Iurd to delegitimize the progressive
political field aiming to elect conservative candidates in the 2018 election.

Keywords: Telenovela Apocalipse. Fundamentalism. Neofundamentalism. Pre-electoral


scenario.
RESUMEN

Esta disertación propone discutir las relaciones entre la telenovela Apocalipse (RECORD TV.
2017), las doctrinas de la Iglesia Universal del Reino de Dios (Iurd) y el escenario político
nacional preelectoral de 2018. La trama de la novela se inspiró por interpretaciones
fundamentalistas del libro bíblico de Apocalipsis y escenifica el fin del mundo en la época
contemporánea. Su narrativa está marcada por influencias neo-fundamentalistas de la Iurd con
el objetivo de oponerse a las agendas progresistas que se evidenciaron durante el período:
derechos humanos, sociales y colectivos y diálogo interreligioso; y apoyar agendas políticas
conservadoras: defender la familia tradicional, combatir la globalización y la ciencia moderna
y la denuncia moral del uso de drogas y la corrupción. Es una investigación cualitativa,
utilizando la técnica de Análisis de Documentos. Su principal objetivo es: Comprender el
contenido de la telenovela Apocalipse desde el contexto político en el que se presentó en Brasil;
y específicamente para identificar las agendas políticas desaprobadas y defendidas en la trama;
y analizar los mecanismos de oposición política de la telenovela. Los resultados apuntan a una
intención de la Iurd de deslegitimar el campo político progresista para elegir candidatos
conservadores en las elecciones de 2018.

Palabras claves: Telenovela Apocalipse. Fundamentalismo. Neofundamentalismo. Escenario


preelectoral.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Percentuais de intenção de voto para presidente da República do Brasil (2018) em


duas simulações de 21/05/2015............................................................................107
Gráfico 2 - Percentual de intenção de voto, em 1° turno, para presidente da República do
Brasil (2018) em quatro simulações de 28/11/2015..............................................110
Gráfico 3 - Percentual de intenção de voto em 2° turno para presidente da República do Brasil
(2018) em quatro simulações de 28/11/2015........................................................112
Gráfico 4 - Percentual de intenção de voto em 1° turno para presidente da República do Brasil
(2018) em quatro simulações de 16/07/2016........................................................115
Gráfico 5 - Percentual de intenções de voto, 2° turno, para presidente da República do Brasil
(2018) em seis simulações de 16/07/2016.............................................................118
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Cena da cerimônia religiosa da novela Apocalipse.............................................21


Imagem 2 - Papa Francisco e cardeais em visita a Bento XVI...............................................22
Imagem 3 - Cena do discurso de Ricardo Montana no Conselho das Nações........................25
Imagem 4 - 74ª Assembleia geral da ONU.............................................................................26
Imagem 5 - Cena do assassinato de Ricardo Montana, novela Apocalipse ...........................29
Imagem 6 - Assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy...........................30
Imagem 7 - Chamada da telenovela Apocalipse (2017) .........................................................50
Imagem 8 - Chamada-reprise da telenovela Apocalipse (2020) .............................................51
Imagem 9 - Post de Ricardo Feltrin no Twitter.......................................................................55
Imagem 10 - Capa dos DVDs da novela Apocalipse...............................................................69
Imagem 11 - Árvore genealógica das famílias da telenovela Apocalipse...............................70
Imagem 12 - Linha do tempo do enredo da telenovela Apocalipse (2017) ............................72
Imagem 13 - Cidade Nova Babilônia.......................................................................................74
Imagem 14 - O cavaleiro branco..............................................................................................81
Imagem 15 - O anticristo..........................................................................................................82
Imagem 16 - As duas testemunhas de Jerusalém.....................................................................82
Imagem 17 - Artur Pestana, âncora e editor-chefe do telejornal do RJ....................................84
Imagem 18 - Willian Bonner, âncora e editor-chefe do telejornal do JN.................................84
Imagem 19 – Imagens de capa dos vídeos da série “Zumbis em Brasília” .............................89
Imagem 20 - Capa do DVD do filme “O Impossível” .............................................................91
Imagem 21 - Capa do programa “Uma ponte para o futuro” .................................................104
Imagem 22 - Capa do Plano de Governo Bolsonaro...............................................................121
Imagem 23 - Capa do Plano de Governo Lula........................................................................122
Imagem 24 - Capa do Plano de Governo Haddad...................................................................123
Imagem 25 - Capa da minissérie “Plano Alto” ......................................................................130
Imagem 26 - Capa da novela “Malhação -Viva a Diferença” ................................................131
Imagem 27 - Cena em que Ricardo visita o Pai Sagrado Stefano Nicolazzi e inicia a sua
atuação apocalíptica na trama...........................................................................182
Imagem 28 - Cena da investidura de Stefano Nicolazzi como Pai Sagrado...........................184
Imagem 29 - Imagem de capa da série “O Mecanismo” ........................................................191
LISTA DE SIGLAS

AD: Análise de Discurso


ABC: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul
DEM: Democratas (Partido político)
FIES: Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
Ibope: Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística
Iurd: Igreja Universal do Reino de Deus
JFK: John Fitzgerald Kennedy
JN: Jornal Nacional
JBS: José Batista Sobrinho
LGBTQIAP+: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais,
Pansexuais
MJ: Ministério da Justiça
OAS: Olivieri, Araújo e Suarez
ONU: Organização das Nações Unidas
PC: Polícia Civil
PCdoB: Partido Comunista do Brasil
PF: Polícia Federal
PGR: Procuradoria Geral da República
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSC: Partido Social Cristão
PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira
PSL: Partido Social Liberal;
PSOL: Partido Socialismo e Liberdade
PT: Partido dos Trabalhadores;
PROS: Partido Republicano da Ordem Social
Prouni: Programa Universidade para Todos
PRTB: Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
PV: Partido Verde
SBT: Sistema Brasileiro de Televisão
SISU: Sistema de Seleção Unificada
SP: São Paulo
STF: Supremo Tribunal Federal
TD: Teologia do Domínio;
TP: Teologia da Prosperidade
TSE: Tribunal Superior Eleitoral
TV: Televisão
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Relação da exibição da telenovela Apocalipse por país, continente, ano,


emissora e público................................................................................................228
Tabela 2 - Percentuais médios semanais de audiência domiciliar e individual da novela
Apocalipse.............................................................................................................229
Tabela 3 - Percentual de intenção de voto no 1° e 2o turno para presidente da República do
Brasil (2018) em nove cenários de 2017...............................................................230
Tabela 4 - Percentual da intenção de voto por sexo no 1° e 2o turno para presidente da
República do Brasil (2018) em dois cenérios de 2017..........................................232
Tabela 5 - Percentual de intenção de voto pelo nível de escolaridade no 1° e 2o turno para
presidente da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017....................233
Tabela 6 - Percentual de intenção de voto pela faixa etária no 1° e 2o turno para presidente da
República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017..........................................234
Tabela 7- Percentual de intenção de voto pela renda familiar no 1° e 2o turno para presidente
da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017......................................236
Tabela 8 - Percentual de intenção de voto por região no 1° e 2o turno para presidente da
República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017..........................................238
Tabela 9 - Percentual de intenção de voto por religião no 1° e 2o turno para presidente da
República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017..........................................240
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 18
1 RELATO DO DESPERTAR DO INTERESSE PELA PESQUISA ............................... 21

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ...................................................................................... 34

3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ....................................................................... 43

4 A TELENOVELA APOCALIPSE (2017-2018) ................................................................ 47


4.1 Exibição da telenovela Apocalipse no Brasil .................................................................. 51
4.2 Repercussões da telenovela Apocalipse no Brasil .......................................................... 53
4.3 Audiência da telenovela Apocalipse no Brasil ............................................................... 57

5 O CONTEÚDO DA TELENOVELA APOCALIPSE...................................................... 59


5.1 Chamada de abertura da telenovela Apocalipse ................................................................ 59
5.2 O Adágio em Sol Menor, de Albinoni ................................................................................... 61
5.3 Cenas do fim do mundo ............................................................................................................ 63
5.4 A narrativa geral da telenovela Apocalipse ......................................................................... 69
5.5 A concepção de escatologia e de apocalipse na novela Apocalipse ................................. 76
5.6 O apocalipse como uma realidade sociopolítica brasileira em 2018? ............................ 88

6 O CENÁRIO PRÉ-ELEITORAL DE 2018 NO BRASIL................................................ 96


6.1 O processo eleitoral no Brasil................................................................................................ 102
6.2 O cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018 .......................................................................... 106

7 AS PERFORMANCES POLÍTICAS NO ENREDO DA NOVELA APOCALIPSE ... 131


7.1 A agenda anti-feminista .......................................................................................................... 133
7.2 A agenda moral-populista (anti-corrupção e anti-drogas) ............................................. 151
7.3 A pauta do anti-intelectualismo ............................................................................................ 162
7.4 A agenda anti-globalista (anti-Igreja Católica e anti-ONU) .......................................... 181

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 201
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 207

ANEXO A – Informações gerais sobre os escritores auxiliares e diretores da telenovela


Apocalipse..............................................................................................................................224

ANEXO B - Tabelas ............................................................................................................ 228


18

INTRODUÇÃO

Esta dissertação propõe discutir as relações entre a telenovela Apocalipse – exibida no


Brasil entre 2017 e 2018 pela Record TV –, as doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus
(Iurd) e o cenário político nacional pré-eleitoral de 2018 no que concerne ao conteúdo narrativo,
as performances das personagens, os cenários e os discursos políticos da trama.
Desde 2010, a Record TV tem se especializado na produção de minisséries e novelas de
inspiração religiosa por meio das narrativas de heróis, reis e profetas da Bíblia. A emissora de
televisão, de propriedade do bispo Edir Macedo Bezerra, fundador e líder espiritual da Iurd,
também desenvolveu os filmes: “Os Dez Mandamentos” (2016), adaptação da novela de grande
audiência da Record TV que encena a história da principal personagem bíblica do Antigo
Testamento, Moisés; e “Nada a Perder 1” (2018) e “Nada a Perder 2” (2019), que narra a história
de vida do bispo Macedo, a fundação da Iurd e a aquisição da Record TV.
As mesmas produções de conteúdo bíblico adquiriram popularidade em amplos setores
da sociedade brasileira e repercutiram de diversas formas nas mídias digitais e nas redes sociais.
Em 2017, a Record TV, em parceria com a produtora audiovisual independente Casablanca
Filmes Ltda, produziu a qua quarta novela de temática bíblica, Apocalipse. Ela foi escrita por
Vivian de Oliveira, com colaboração dos escritores Emílio Boechat, Marcos Lazarini, Maria
Cláudia Oliveira, Alexandre Teixeira e João Gabriel Carneiro. O folhetim passou também por
uma supervisão de texto, realizada por Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo, da Iurd.
Ao acompanhar partes da telenovela Apocalipse (2017) no período de sua primeira
exibição no Brasil, como discorro no Capítulo 1, suspeitava que a sua narrativa poderia
contribuir ideologicamente para a contraposição das pautas políticas progressistas nas eleições
de 2018 no Brasil, visando contestar as agendas políticas de esquerda em evidência no período:
direitos humanos, sociais e coletivos e o diálogo inter-religioso; e respaldar agendas políticas
conservadoras em defesa da família tradicional, combate à globalização, à ciência moderna e
denúncia moral do uso de drogas e da corrupção. Isso porque diferentemente das demais
novelas e minisséries de conteúdo bíblico produzidas e exibidas pelas Record TV, Apocalipse
era a única que até então trabalhava a mensagem bíblica na contemporaneidade e abordava
amplas questões de ordem política.
Cabe destacar que na época da produção de Apocalipse (2017), a Iurd e a Record TV,
que outrora apoiaram as candidaturas da presidenta Dilma Rousseff (PT), retiraram o seu apoio
ao governo, passando a respaldar o processo de impeachment, em andamento, e a agenda
político-econômica neoliberal do governo interino do então vice-presidente da República
19

Michel Temer (PMDB), que fomentava a necessidade da realização das reformas trabalhista e
da previdência, o corte de gastos do Estado e a privatização de estatais.
Três meses após o encerramento da mencionada telenovela, a Record TV e a Iurd
apoiaram a candidatura do então deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSL) à presidência
da República. O candidato, de extrema direita, se comprometeu na campanha eleitoral, com
pautas políticas conservadoras, de cunho moral e comportamental, muitas delas defendidas pela
Iurd nas últimas décadas.
É importante ressaltar que a expansão da presença das religiões no espaço público é um
fenômeno global e contemporâneo que não tem a ver com uma espécie de re-encantamento do
mundo como muitos sociólogos da segunda metade do século XX, críticos ao fenômeno da
secularização, afirmariam, mas, sim, com a exigência das religiões, de sua presença e atuação
na sociedade. Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2014), vários
movimentos de reivindicação da religião como elemento constitutivo da vida em sociedade se
fortalecem a partir do questionamento da distinção moderna entre as esferas pública e privada.
Isso não coloca em xeque as diversas formas de secularização no mundo contemporâneo. Nessa
perspectiva, a telenovela Apocalipse (2017) possui um valor histórico-documental indiscutível
devido ao seu universo simbólico-religioso de explicações sobre a crise sociopolítica brasileira
nas pré-eleições de 2018, crise que se arrastava no país desde as grandes manifestações de rua
em 2013 chamadas de Jornadas de Junho e que teve vários picos decorrentes da Operação Lava
Jato, da deposição do governo Dilma e da prisão do ex-presidente Lula em 2017.
Pesquisar a telenovela Apocalipse, a partir do pressuposto de que é um documento de
valor histórico, demandou essencialmente fazer uma leitura interpretativa do seu contexto
original: a Record TV e a Iurd1. Destarte, para dar conta da temática proposta, optamos pela
abordagem metodológica qualitativa, com o uso da técnica da análise documental com o
objetivo de: compreender o conteúdo da narrativa da telenovela Apocalipse a partir do seu
contexto histórico de produção e exibição (o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil); identificar
as pautas da agenda política combatida e da agenda política defendida na trama frente ao pleito
de 2018; e analisar os mecanismos de combate político presentes no enredo da novela.
Considerando os passos metodológicos desenhados para essa pesquisa, a dissertação

1
Aliás, há um consenso, entre várias áreas científicas, como será apresentado a seguir, de que a Record TV, terceira
maior rede de televisão comercial aberta brasileira, atrás da TV Globo e do SBT, tem servido como braço
televangelista da Iurd para captar fieis, para se posicionar contra outras religiões e se inserir no campo político-
partidário. O professor de Comunicação Dr. Eduardo Refkalefsky (2018) ressalta que esta é uma lógica diferente
do televangelismo estadunidense, pois não busca criar uma igreja na televisão a partir de uma programação de
cunho religioso, mas sim atrair possíveis fieis para atividades na igreja.
20

que ora apresentamos foi estruturada em sete capítulos, assim distribuídos.


No Capítulo 1, há o relato dos primeiros contatos com a telenovela Apocalipse, as
impressões sobre três cenas que chamaram a atenção devido ao conteúdo religioso e político e
o despertar do interesse para pesquisar a novela.
No Capítulo 2, apresenta-se a produção científica de alguns autores privilegiados neste
estudo sobre as questões estratégicas e doutrinárias específicas da Iurd, com especial atenção
para as características do televangelismo no Brasil.
No Capítulo 3, discorre-se sobre a metodologia da pesquisa e justifica-se o uso das
técnicas da análise documental e da análise do discurso.
No Capítulo 4, apresenta-se a telenovela Apocalipse a partir de sua exibição no Brasil
em 2017, as repercussões da trama nas redes sociais e meios virtuais e a audiêndia no país.
No Capítulo 5, o conteúdo propriamente dito da telenovela a partir das análises da
chamada de abertura, da narrativa geral do enredo, da concepção de apocalipse e escatologia
presentes na trama e das possíveis relações entre essas concepções e o cenário sociopolítico
brasileiro de 2018.
No Capítulo 6, há uma análise do cenário pré-eleitoral do Brasil em 2018 a partir de
dados levantados por pesquisas de intenção de voto para presidente da República no pleito de
2018 realizadas pelo Instituto Datafolha entre 2015 e 2018, notícias político-eleitorais
apresentadas no site do G1 (Rede Globo) e do R7 (Record TV) e duas abordagens das ciências
sociais sobre a crise política brasileira do referido contexto histórico.
No Capítulo 7, está a análise das pautas políticas presentes no enredo da trama a partir
de quatro tópicos, a saber: a agenda anti-feminista; a agenda moral-populista anti-drogas e anti-
corrupção; a pauta do anti-intelectualismo; e a agenda anti-globalista.
E por fim, na Conclusão, estão relacionados os resultados das etapas da pesquisa de
forma a responder ao problema proposto: quais as relações entre a telenovela Apocalipse, as
doutrinas da Iurd e o cenário político nacional pré-eleitoral de 2018?
21

1 RELATO DO DESPERTAR DO INTERESSE PELA PESQUISA

Em uma noite de dezembro de 2017, ao passar pela sala da minha casa, onde minha mãe
assistia à novela Apocalipse pela Record TV, fiquei surpreso com uma cena – apontada na
Imagem 1 – em que representava uma cerimônia religiosa reservada a sacerdotes. O sacerdote
que presidida a celebração, chamado de “Pai Sagrado”, vestia batina, solidéu e casula, brancos,
similares aos paramentos sagrados papais2. A maior parte dos demais vestiam batina preta com
filetes, mozeta e barrete eclesiástico, na cor vermelho púrpura, análogos aos dos cardeais
católicos3. E ostentavam no pescoço um cordão com um pingente dourado no formato de sol,
cujos raios dividiam-se em quatro flechas, semelhante à figura de um crucifixo.

Imagem 1 - Cena da cerimônia religiosa da novela Apocalipse

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

A cena me remetia às celebrações vaticanas reservadas ao Papa e ao colégio de cardeais,


como ocorrem no caso dos Consistórios Ordinários Públicos, em que o pontífice cria novos
cardeais católicos. A título de ilustração, podemos vislumbrar tal semelhança estética ao
compararmos a Imagem 1, print da novela, a Imagem 2, que regista a visita do Papa Francisco
e de cinco cardeais recém-eleitos, ao Papa emérito Bento XVI, na sala Paulo VI do Mosteiro
Mater Ecclesiae, em 28 de junho de 2017.

2
Solidéu (chapéu); Casula (vestimenta posta sobre a túnica). O branco é a cor dos paramentos sagrados papais.
3
Batina (vestimenta); Filetes (bordados); Mozeta (capa curta que cobre os ombros); Barrete (chapéu). O vermelho
púrpura é a cor dos paramentos sagrados cardinalescos.
22

Imagem 2 - Papa Francisco e cardeais em visita a Bento XVI

Fonte: Rádio Vaticano, 2017.

Embora haja semelhanças entre as duas imagens apresentadas acima, a celebração


religiosa representada na telenovela ocorria em um templo chamado “Igreja da Sagrada Luz” e
não na igreja católica. Mas o design interno do ambiente parecia com o das igrejas católicas
barrocas. Luzes de velas iluminavam o ambiente escuro. Os assentos estavam enfileirados e
voltados para a mesa do sacrifício no altar principal. Cálices, castiçais e velas se dispunham
sobre a referida mesa. Havia, também, no altar, um trono vazio iluminado por um feixe de luz
natural, que remeteu-me à escultura do artista barroco napolitano Gian Lorenzo Bernini
chamada de Cátedra de São Pedro (ou cadeira de São Pedro). Ela está disposta acima do altar
da Cátedra na Basílica Vaticana, abaixo de um vitral que representa a pomba do Espírito Santo
no interior de um sol rajado, cujos raios se dividem em naturais (os que entram pelo vidro do
vitral) e os forjados em material metálico. Estatuetas de figuras humanas em tamanho natural
– denominados na novela como “os Sagrados” –, distribuíam-se em altares laterais do salão.
Um lustre de cristais destacava-se acima do corredor central, cujo assoalho de madeira era
semicoberto por um tapete vermelho. Por todas as partes predominavam as cores vermelho,
preto, marrom e dourado, em perspectiva desfocada.
Durante a celebração representada na telenovela em questão, um dos religiosos passa
em revista a uma fileira de outros religiosos com uma vela acesa. A chama dela cresce
exponencialmente na frente de um deles. Tal ocorrido representou a escolha do sacerdote como
sendo o novo Pai Sagrado. Isso me remeteu a uma espécie de releitura esotérica do ritual
católico do Conclave, em que, após a morte de um papa, o colégio de cardeais católicos se
tranca no interior da Capela Sistina para eleger o novo pontífice. Na ocasião da referida cena
da telenovela, o antigo “Pai Sagrado” exaltou o poder da “Igreja da Sagrada Luz”, atribuindo a
23

ela a influência na determinação de governos e no início de guerras. Também ressaltou a


necessidade de o seu sucessor continuar o processo de conquista religiosa do mundo frente ao
crescimento do que chamou de “aquelas igrejas”, as quais supus serem as igrejas evangélicas
devido ao conhecido fenômeno de crescimento e expansão mundial das igrejas neopentecostais
nas décadas de 1990, 2000 e 2010, em especial no países do continente americano.

Sua missão será a mais importante de todas nossa existência, ter nascido como pai de
muitos povos. Nossa influência tem determinado governos, aliás, até guerras...
Portanto, tenha sobre si a responsabilidade de manter o poder da Sagrada Luz sobre
toda a Terra, principalmente naqueles lugares em que temos perdido forças devido ao
crescimento daquelas igrejas. Faça o que tem que ser feito, custe o que custar, com
mãos de ferro. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, Capítulo 8).

A referida cena foi ambientada com vocal grave, uníssono e contínuo: hôôô; semelhante
aos cantos gregorianos. Mas o objetivo da música, como percebi ao assistir outros capítulos da
novela, não me pareceu ser de criar um clima de reflexão litúrgica, mas, sim, de esoterismo e
terror, já que a mesma música era tocada em momentos em que representações do mal agiam
na trama. Aliás, a cena foi conjugada com a de uma criança em uma sala de estar brincando de
luta com dois bonecos: um vestido com roupas brancas e outro vestido com roupas pretas.
Enquanto os bonecos se rivalizam, o antigo Pai Sagrado agoniza em seu trono, até que no fim,
o boneco de preto vence o de branco e o líder religioso falece. Então, as cenas da criança passam
a ser sobrepostas com a do novo Pai Sagrado, tendo como som de fundo vozes em tom gutural,
semelhante ao das músicas de rock metal.
O esoterismo estético e sonoro da referida cena e da música mencionados pareceu
sombrio e remeteu-me à impopularidade que a Igreja Católica adquiria, em todo o mundo,
durante o pontificado do papa Bento XVI, tido por muitos católicos e não católicos, como é
encenado no filme “Dois Papas” (2019), do diretor brasileiro Fernando Ferreira Meirelles, como
conservador, frio, obscuro e conivente com as práticas de corrupção e pedofilia no interior da
Igreja. Talmbém a este respeito, o renomado teólogo católico brasileiro Leonardo Boff afirmou
em entrevista a BBC Brasil em abril de 2005.

Recebi com perplexidade e surpresa porque uma Igreja conservadora chamou o


guardião do conservadorismo para o papado. [...] Como cristão, a gente acolhe, a gente
respeita, mas ficamos cheios de preocupações pela imagem da Igreja no mundo. [...]
João Paulo 2° criou muitas feridas: muitos cristãos emigraram da Igreja porque não a
sentiam mais como lar espiritual [...]. Tememos que esse inverno eclesial continue. A
Igreja vai conhecer um inverno mais rigoroso. (BBC BRASIL, 2005)
24

Não obstante, na ocasião da eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio pelo
conclave de 2013 como o novo pontífice, o teólogo Leonardo Boff afirmou em entrevista ao
jornal Il Manifesto, publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (2013), que a chegada
do Papa Francisco representava também a chegada de uma primavera após um duro inverno.
Buscando compreender, ainda como aluno do curso de graduação, o que se passava na
novela, perguntei a minha mãe:

- Que novela é essa mãe?


- Apocalipse. Respondeu-me rapidamente, sem dar-me atenção e voltou a focar na
cena.
- Muda de canal mãe! Já percebi que a Igreja Universal quer combater a Igreja
Católica com lavagem cerebral. Essa novela é diferente das outras novelas bíblicas.
- Ah, meu filho, eu nem tô conseguindo entender o que é essa novela. É estranha.
- Uai, se não está entendendo, por que continua assistindo?
-Não sei. Tem cenas que aparece uma sombra preta com olhos vermelhos. Dá medo!

Insisti para que ela mudasse de canal, sem sucesso e impaciente, saí da sala. Naquele
instante não consegui compreender o interesse da minha mãe em uma novela que lhe causava
medo e que representava a igreja, da qual ela fazia parte desde a infância, de forma caricaturada
e pejorativa. Algum tempo depois comecei a refletir sobre uma possível curiosidade ou
expectativa dela, despertada pelo medo, sobre a temática do fim do mundo em um contexto
político social brasileiro envolto pela crise política de 2017.
Depois desse dia, assisti a poucos capítulos da telenovela Apocalipse, destacando-se
dois que apresento adiante. Eu tinha a impressão de que a novela era um instrumento da Igreja
Universal do Reino de Deus (Iurd) para combater outros credos religiosos, sobretudo o católico
– do qual eu e minha mãe fazemos parte – e impor o seu próprio como o verdadeiro. O que me
intrigava era que, de todas as telenovelas e minisséries de inspiração bíblica produzidas pela
Record TV que tive a oportunidade de assistir e acompanhar, essa foi a única que me causou
tal impressão. Ao assistir, por exemplo, a novela “Os Dez Mandamentos” (2015), da mesma
emissora e da mesma autora, Vivian de Oliveira, sentia que se tratava apenas da
teledramaturgização de um texto bíblico. Já Apocalipse tecia uma interpretação do mundo
contemporâneo a partir de interpretações bíblicas específicas.
Como havia dito, após o meu primeiro contato com a novela Apocalipse, acompanhei
poucos de seus capítulos, destacando-se dois, que assisti no primeiro semestre de 2018, durante
o meu último período da graduação em Ciências Sociais e que me despertou interesse
25

sociológico por conjugarem o universo da política com o da religião. Ambos tratavam de ações
políticas da personagem Ricardo Montana (chamado também de o “anticristo”), a criança que
brincava com os bonecos durante a agonia e morte do antigo Pai Sagrado e que posteriormente
se tornou um líder político-apocalíptico mundial e protagonista da trama ao lado do novo Pai
Sagrado da “Igreja da Sagrada Luz”.
Em uma cena dos capítulos mencionados – apontada na Imagem 3 – o personagem
Ricardo Montana (ator Sérgio Marine), após ser eleito presidente do chamado “Conselho das
Nações”, tentava convencer empresários e investidores internacionais a financiarem o seu
projeto, a cidade futurista (imaginária) chamada de “Nova Babilônia”, a ser construída em um
deserto do Oriente Médio. O objetivo da construção da cidade era recomeçar a história humana
a partir de uma nova sociedade idealizada por ele. A princípio, a ideia me pareceu similar aos
ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos4, de construção de um mundo mais justo
e fraterno, já que segundo o mesmo personagem, a “Nova Babilônia” teria as soluções para os
vários problemas dos grandes centros urbanos como a pobreza, a criminalidade, a superlotação,
a mobilidade urbana e a formação de periferias.
Mas, em seguida, desconfiei que havia intenções nazifascistas nas ações da personagem
Ricardo Montana para o seu projeto de cidade, porque não se tratava simplesmente de combater
os problemas sociais como a desigualdade e a concentração de renda. Tratava-se, sim, da
criação de uma humanidade superior para dominar o mundo, como tratarei
pormenorizadamente no último capítulo desta dissertação. A “Nova Babilônia”, como
apresentado no Capítulo 5, me parecia o protótipo de uma civilização tecnológica e superior
que se reproduziria por todo o planeta Terra, nas décadas seguintes, sobre o seu governo
universal, que viria a ser liderado por ele mesmo.

4
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é o documento constitutivo da Organização das Nações
Unidas (ONU), adotado pela instituição em 1948.
26

Imagem 3 - Cena do discurso de Ricardo Montana no Conselho das Nações

Fonte: (Print da gravação da novela Apocalipse, 2018).

Nesse episódio, percebeu-se que o Conselho das Nações, presidido pela personagem
Ricardo Montana, poderia ser uma representação da Organização das Nações Unidas (ONU),
que também situava-se em Nova York. O seu salão nobre, possuía um design interno similar ao
salão da ONU em que acontecem as Assembleias Gerais – apontado na Imagem 4: delimitação
oval das paredes; pé direito superior a três metros de altura; mesa diretora acima da tribuna e
voltada para a assembleia, que está disposta em grupos nacionais; corredores entre quadras de
assentos; tribuna com revestimento verde esmeralda, jateado por finas ramificações claras; dois
televisores acima da missa diretora; a marca do globo terrestre, disposta entre os televisores;
iluminação amena; ausência de iluminação natural por janelas e demais aberturas; e pontos de
iluminação circulares distribuídos por toda a cúpula.

Imagem 4 - 74ª Assembleia Geral da ONU

Fonte: Redação Portal Projeta, 2019.


27

A mencionada cena que apontei na Imagem 3 levou-me a pensar se a novela estaria


fazendo uma representação da ONU para se opor às pautas dos direitos humanos, bem como as
suas expressões na constituição brasileira de 1988 e nas políticas sociais do Partido dos
Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 2016. É importante lembrar que desde o
referendo de 2005, sobre o comércio de armas de fogo no Brasil – que não aprovou a alteração
no artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10826 de 22 de dezembro de 2003) – vários
setores conservadores da sociedade brasileira, entre eles os neopentecostais, inflamaram o
discurso antidireitos-humanos.
Para o cientista social brasileiro Lendro Ortunes (2019), esse movimento é um retorno
do neoconservadorismo no Brasil, caracterizado pela reação às mudanças socioculturais no país
a partir dos debates e das políticas públicas sociais promovidas pelo governo do PT. Para esses
setores, os chamados “cidadãos de bem” e “homem de bem”, (cujo significado apresento a
seguir) estavam “desarmados”, isto é, deduzo: sem arma de fogo para se protegerem por conta
própria; frente aos crescentes problemas da criminalidade e da segurança pública nos grandes
centros urbanos do país.
Um exemplo desse discurso antidireitos-humanos encontra-se em uma entrevista, ao
vivo, de um pastor evangélico maranhense, por nome de Daniel Vieira, concedida ao telejornal
“Jornal do Maranhão” em 2017, disponibilizada no You Tube e transcrita abaixo.

Pastor: Porque o que eu não defendo é que arma esteja na mão de bandido, mas de
homem de bem... Se uma arma tiver na sua mão, cê vai sair matando por aí Zé Filho?
Você que é um homem cristão. Se você tiver uma arma, cê vai fazer bobagem com
ela? Eu não defendo é arma na mão de bandido. E a outra coisa, quando no livro de
Nemias... Nemias foi fazer uma grande obra, ele convocou um povo para estar junto
com ele e ele era um sacerdote e ele dizia: olha, colher na mão levantando parede,
levantando muro e a espada da outra, a gente deve tar preparado; e eu concordo
perfeitamente.
Repórter: Mais pastor, tem muita gente que nessa situação... Teria muita gente
usando arma, Psicopatas!
Pastor: Não. Já estão usando. Os psicopatas já estão usando. Quem não está usando
arma são as pessoas de bem. Porque na verdade a... A campanha do desarmamento
desarmou quem? Desarmou o homem de bem, o pai de família, o cidadão. Mas
bandido que não tá nem aí pra nada, continua armado. Então o homem de bem como
você, não tem problema. Psicopata sempre haverá e esse já estão armados.
Repórter: Então, o homem de bem se for assaltado pode reagir e matar o bandido.
Pastor: Com certeza, Você tem o direito de se defender. Porque que o homem de bem
não tem o direito de se defender? Se ele tem que ser preso, tem que ser entregue como,
é, uma ovelha muda ao matadouro? Você tem que ser entregue e o bandido pode ter
arma, pode andar armado, pode ter comissões de direitos humanos defendendo e você
não?
Repórter: Mas o senhor não acha que é uma contradição o senhor sendo homem do
evangelho defendendo que cada cidadão use uma arma?
Pastor: E se eu defender que um bandido use? Não é a maior contradição? Eu defendo
que você use. Eu defendo que o homem de bem use. Não defendo que bandido use. A
contradição seria eu inverter, seria a inversão disso, eu continuar defendendo isso que
aí está, bandido andando armado, tomando celular na rua, botando arma em pessoas
de bem pra todo lado. Isso seria a verdadeira inversão de valores. Eu defender que o
28

bandido continue armado, assaltando e matando e o cidadão de bem, não.


Reporte: O cidadão de bem vai assaltado, tá armado, ele vai reagir... Tá correndo
muito risco de morte.
Pastor: Tá! Mas a gente assim corre muito mais. Hoje nós corremos muito mais risco
de vida andando desramado do que andando com uma arma. Nós já corremos o risco
de vida, já somos a vítima, nós já somos ovelhas entregue aos bandidos, ao matadouro,
porém a partir do momento em que o homem de bem está armado, o banido também
vai respeitar mais. (TULIO, 2017).

Como é possível constatar, o pastor defende o porte de armas pelo dito “homem de
bem”, argumentando a partir de interpretação própria de uma passagem bíblica e de seu ponto
de vista sobre a realidade brasileira. Sendo assim, o porte de armas pelo “cidadão de bem” teria
uma legitimidade bíblico-religiosa para Daniel Vieira. Aliás, tal ato de legitimação está em
consonância com o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) denomina como o efeito de
consagração, exercido pela religião a partir de suas sanções santificantes e pela inculcação de
um sistema de práticas e representações estruturadas que contribuem para a conservação da
ordem simbólica e que, por conseguinte, da ordem política estabelecida.
Cabe ressaltar ainda que os discursos anti-direitos humanos somaram-se, sobretudo a
partir do contexto da transição do governo Dilma para o governo Temer, ao discurso anti-
petista, como é possível observar por exemplo no vídeo do You Tube “Secretaria dos Direitos
Humanos do Governo do PT apoia a Pedofilia” em que o pastor Silas Malafaia (2015) da Igreja
Assembleia de Deus Vitória em Cristo afirma:

[...] esses esquerdopatas, esses comunistas-marxisitas travestidos de petista é que


querem incutir na sociedade pra distroçar a família pra uma elite política dominar.
Bem, eu quero dizer o seguinte, se a presidente Dilma não demitir esse ministro da
secretaria dos Direitos Humanos, ela é conivente com essa asneira pra proteger
pedífilo. Que Deus tenha misericórdia das crianças brasileiras. Que Deus tenha
misericórdia da tua família. Que Deus tenha misericórdia da nossa nação. Deus
abençoe você. (OFICIAL, SILAS MALAFAIA, 2015).

Os mesmos setores conservadores e cristãos-conservadores da sociedade brasileira


relacionavam os direitos humanos às esquerdas, à corrupção e à amoralidade. Nesse sentido,
ainda em uma perspectiva bourdieusiana (2007), podemos compreender que a subversão do
poder político exercido pelo PT se deu por meio da subversão da ordem simbólica a partir das
reestruturações das relações entre as estruturas do campo religioso (sobretudo o
neopentecostalíssimo) com as estruturas do campo político (sobretudo as classes dominantes).
Em uma reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados, de 2016, por exemplo, o então deputado federal Jair Messias Bolsonaro, que se
aproximou, no decorrer da década de 2010, das pautas da chamada Bancada Evangélica na
Câmara Federal e foi eleito presidente da República no pleito de 2018, disse:
29

Eu gostaria que a legislação penal fosse de cada estado, como é nos Estados Unidos.
Assaltar no Rio de Janeiro por exemplo, 20 anos de cadeia, assaltar em São Paulo, 10
anos. Tá na cara que o pessoal iria assaltar em São Paulo. Temos uma porcaria de uma
constituição ao se referir aos direitos humanos. Não há pena de morte aqui. O cara
não teme nada. Não há prisão perpétua. O canalha nem precisa trabalhar. Fica sugando
o Estado o tempo que está detido. Enquanto tiver essa ideia de “ah, matarem 60 mil”
... Ah! Eu queria era que matasse 200 mil vagabundo. Eu tô preocupado é com os
inocentes que morrem nesses momentos e não com os marginais... (BARBOSA,
2016).

Os simpatizantes do discurso do deputado Jair Bolsonaro afirmavam à época que os


direitos humanos, a ONU e as políticas sociais do PT serviam apenas para coagir o “cidadão de
bem” (cujo tipo ideal ou tipo puro5 era: o brasileiro, pai de família, trabalhador, cristão e
honesto) e proteger os “bandidos” (considerados, em geral pelos ditos “cidadãos de bem”,
como: criminosos, pedófilos, ladrões, corruptos, esquerdistas, petistas, comunistas, feministas,
LGBTQIAP+, negros, indígenas, macumbeiros etc.). Podemos aferir que há, na compreensão
dos mesmos setores conservadores, dois tipos de cidadão brasileiros: os supostamente de “bem”
e os supostamente “bandidos”.
Um exemplo dessa concepção de que os direitos humanos, as minorias de representação
política, a militância política de esquerda e os criminosos compõem a parte do “mal” ou
“degenerada” dos cidadãos brasileiros, pode ser inferida a partir do comentário de um
internauta, simpatizante de Jair Bolsonaro, sobre a fala do mesmo deputado, disponibilizada em
vídeo no You Tube:

Pena de morte para reincidentes, prisão perpétua e trabalhos forçados para os


criminosos! Chega de esquerdismo na segurança pública! Bandido bom é bandido
morto! Quem não gosta de polícia é bandido. E como Dilma, Lula e os esquerdistas
defendem direitos humanos de bandidos... #ForaDilma #ForaLula #ForaPT
#ForaEsquerdistas #BolsoranoPresidente. (BARBOSA, 2016).

Outra cena que me chamou atenção na telenovela Apocalipse sobre o personagem


“anticristo” – apontada na Imagem 5 –, Ricardo Montana é assassinado com um tiro no olho
direito, quando desfilava em carro aberto, ao lado de sua esposa Isabela Gudman (atora Paloma
Bernardi) e do Pai Sagrado Stefano Nicolazi (ator Flávio Galvão). No momento, os personagens
eram ovacionados por uma multidão de populares na cidade que acabara de fundar a Nova
Babilônia. Por todos os lados havia bandeiras vermelhas com uma marca branca. A euforia
converteu-se no caos.

5
Tipo ideal ou tipo puro são dois conceitos desenvolvidos pelo sociólogo alemão Max Weber que designam um
modelo abstrato criado pelo pesquisador a fim de estabelecer comparações com a realidade estudada.
30

Imagem 5 - Cena do assassinato de Ricardo Montana

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

A performance do assassinato da personagem Ricardo Montana nessa cena remeteu-me


ao assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, em 1963 – apontado na
Imagem 6. Tal como Kennedy, o personagem anticristo era um líder político carismático,
elegante, economicamente heterodoxo, membro da igreja com o maior número de fiéis no
mundo (Igreja Católica – Igreja da Sagrada Luz) e assassinado com um tiro na face em um
momento de oblação popular. Mas diferente do presidente estadunidense, a referida
personagem ressuscitou e por meio da atuação do Pai Sagrado Stefano Nicolazzi foi
reconhecido pelos seus seguidores e simpatizantes como sendo Deus.

Imagem 6 - Assassinato do presidente dos Estados Unidos John Kennedy

Fonte: La Aldea, 2013.


31

Após a comparação que fiz entre a cena apontada na Imagem 5 e o fato histórico
registrado na foto da Imagem 6, indaguei novamente sobre as faces político-religiosas da trama.
Haveria na referida cena uma tentativa de afirmar a popularidade do presidente John Kennedy
como um populismo messiânico de esquerda? É preciso ressaltar que Kennedy era um liberal
do Partido Democrata, o que o afasta historicamente da noção de esquerda adotada no Brasil e
na Europa (que é avessa ao liberalismo). Mas o aproxima a uma ideia de esquerda na lógica
política dos Estados Unidos, uma vez que lá os liberais do Partido Democrata são
comumentemente identificados como progressistas e os membros do Partido Republicano
identificados como conservadores.
Na mesma cena do assassinato da personagem Ricardo Montana havia várias bandeiras
retangulares vermelhas com marca branca ao centro, tremulando na rua onde acontecia o desfile
em carro aberto. Isso me levou a suspeitar novamente da intenção da novela Apocalipse de
vincular a cor vermelha ao “anticristo” para demonizar as esquerdas, em especial o PT, que na
época da exibição da novela no Brasil, sofria com o movimento político antipetista liderado por
partidos políticos de direita, movimentos sociais e sindicais conservadores.
Lembro-me que, entre as eleições de 2014 e o impeachment de 2016, tive medo de ir
para a Universidade vestido com camiseta vermelha devido à polarização política esquerda
versus direita que o Brasil vivia. De um lado, os chamados genericamente de “coxinhas”,
defensores do impeachment, em geral, setores sociais conservadores e liberais de vários estratos
sociais. Do outro lado, os chamados, também genericamente, de “petralhas” ou “mortadelas”,
que denunciavam o golpe. O segundo agrupamento, do qual eu era partícipe, era formado por
estudantes universitários da classe trabalhadora, intelectuais acadêmicos, movimentos sociais
progressistas e partidos de esquerda. E o simples fato de usar roupas vermelhas me fazia sentir
medo de ser agredido fisicamente por aqueles que associavam de forma extremista a cor
vermelha ao PT e o mesmo partido à corrupção.
Confesso que, a princípio, no calor da situação, as três cenas da novela que mencionei
há pouco causavam-me irritação e levou-me a pedir a minha mãe para não a assistir. Suspeitava
que havia nelas um combate ideológico da Iurd contra o que considera como inimigos: a Igreja
Católica, a ONU (sobretudo no que diz respeito às pautas dos direitos humanos defendidas pela
instituição) e os partidos políticos de esquerda (em especial os brasileiros). O meu medo era de
que a minha mãe começasse a compreender a ONU e as esquerdas como instituições que
representam ao anticristo. Destarte, as minhas suspeitas referentes ao conteúdo político-
ideológico da trama aumentaram quando a minha mãe me chamou na sala para assistir uma
cena de Apocalipse e disse que o “anticristo” Ricardo Montana parecia-se com o ex-presidente
32

Luiz Inácio Lula da Silva, pois ambos eram adorados como deuses pelas pessoas.
Achei estranha a comparação da minha mãe, pois na minha avaliação a personagem
parecia esteticamente com o presidente Jonh Kennedy. Porém constatei que a fala dela seguia
a lógica das narrativas de crítica ao lulopetismo6 feita por alguns setores da sociedade brasileira
da época, devido à reconhecida liderança do ex-presidente.
Diversos setores progressistas e de esquerda denunciavam que o PT tornara-se o
“Partido Lula”. Também afirmavam que o ex-presidente havia destruído a democracia interna
do PT para fazer valer as suas próprias decisões. Em uma entrevista, por exemplo, concedida a
populares brasileiros em 2016, Ciro Gomes (PDT), ex-ministro da Integração Nacional do
primeiro governo Lula (2003 a 2006) e futuro candidato a presidente da República nas eleições
federais de 2018, afirmou:

Esse é o problema. Quer dizer, o Lula de um tempo pra cá... E ele não é o culpado
pelo que está acontecendo no Brasil. Ele é o grande responsável por ter sido
imprudente, de ter colocado na linha de sucessão da República brasileira, essa
quadrilha que representa Michel Temer, Eduardo Cunha e sua banda, né? Mas o Lula
de um tempo pra cá, começo a se... A brincar de Deus. E achar-se autorizado, em cima
da popularidade maravilhosa e justa, sobre certo aspecto que ele tinha, de fazer e
acontecer tudo que tem. E... E... E pensar que o povo eternamente iria absolve-lo
dessas contradições. Infelizmente deu-se mal. (GOMES, 2017).

Já os setores conservadores e liberais, os popularmente nomeados “coxinhas”,


questionam a defesa ferrenha de que petistas e simpatizantes do PT, chamados de “petralhas”,
faziam do presidente Lula, sobretudo contra os desdobramentos da Operação Lava Jato. Eu
mesmo, filiado e militante do PT, ouvi no calor de várias discussões políticas, muitos colegas
antipetistas afirmarem: Vocês acham que o Lula é Deus? Ele é ladrão. E nós não temos ladrão
de estimação como vocês.
Em junho de 2017 o ex-presidente Lula foi condenado em primeira instância há nove
anos e seis meses de prisão, pelo então juiz da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sérgio
Moro, por crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (R$2,4milhões) no caso do Tríplex
de Guarujá (SP). Dois meses depois, o juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia do Ministério
Público Federal do Paraná (que compunha a chamada Força Tarefa da Operação Lava Jato) de
que o ex-presidente Lula havia recebido propina de seis contratos firmados entre as empresas
brasileiras, Petrobras (petroleira), Odebrecht e OAS (ambas empreiteiras).
O PT e outros partidos de esquerda compreendiam que as ações da justiça federal de
Curitiba constituíam uma perseguição política do juiz Sérgio Moro e dos procuradores do

6
Termo pejorativo para designar o culto de alguns petistas a personalidade do ex-presidente Lula.
33

Ministério Público Federal do Paraná (Operação Lava Jato), contra o ex-presidente Lula e a
possível candidatura dele à presidência da República nas eleições de 2018. Essa compreensão
havia-se formado após a condução coercitiva irregular do ex-presidente pela Polícia Federal,
em 4 de março de 2016, de sua residência na cidade de São Bernardo do Campo (SP).
Vislumbrei, a partir da fala da minha mãe e das primeiras percepções sobre a telenovela,
somado ao contexto sociopolítico da exibição no país, questões de ordem política e religiosa de
interesse da Sociologia das Religiões, especificamente sobre as relações entre religião e espaço
público no Brasil contemporâneo. Desde 2018 busquei informações sobre a produção, exibição
e repercussão do folhetim na internet, nas redes sociais e com alguns dos telespectadores. Em
2019, comprei a gravação da novela pela plataforma virtual Mercado Livre e assisti a todos os
155 capítulos fazendo anotações em meus dois diários de campo: “O Turíbulo de Ouro7”.

7
A escolha deste nome se deu inspirado em uma passagem bíblica de Apocalipse 8:1-5, em que após a abertura
do sétimo selo, Deus manda um anjo jogar a Terra o turibulo em que outrora recebia, por meio do incenso, as
oblações e expiações humanas, rompendo assim um vínculo ritual descrito desde o primeiro livro da Bíblia, o
Gênesis e inaugurando um ciclo de catástrofes socioambientais.
34

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

A Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) tornou-se, desde a década de 1990, um


importante objeto de estudo para diversos campos científicos, tais como as Ciências da
Religião, as Ciências Sociais, a Gestão, a Comunicação Social e outros. Eles se interessam pelas
diferentes formas de presença desta Igreja, no espaço público brasileiro e no internacional,
sobretudo, no que concerne às seguintes temáticas: a Teologia da Prosperidade (TP) e suas
relações com o sistema de produção capitalista, bem como com a sociedade de consumo, Semán
(2001), Gallo (2007), Oliveira (2010), Lima (2010), Mattos e Rocha (2010), Martins (2015),
Gabatz (2017); as estratégias empresarias, comerciais, comunicacionais e de expansão da igreja
no Brasil e no exterior, Freston (1999), Rodrigues (2002), Oro (2004), Mariano (2004),
Sampaio (2014), Refkalefsky (2018), Murtinho e Castrilho (2018); as estratégias políticas,
partidárias e eleitorais de disputa pelo poder político no interior do Estado, Oro (2003), Mariano
(2016); e da teledramaturgia de cunho religioso produzida pela Record TV, Borreli (2001) e
Gomes (2017).
O interesse de vários pesquisadores das distintas áreas científicas a respeito da Iurd nos
últimos anos advém principalmente da percepção de que essa igreja destaca-se dentro do grupo
de igrejas evangélicas neopentecostais8 brasileiras por agregar poder político, econômico,
midiático, teológico, de expansão nacional e internacional e de intervenção social: “A [...] Iurd
é um exemplo importante de que, por meio da influência religiosa, dos poderes econômicos e
políticos, além da utilização dos meios de comunicação, é possível alcançar e influenciar uma
significativa parcela da sociedade” (GABATZ, 2017), o que a configura, segundo Refkalefsky
(2018), como o mais importante fenômeno religioso existente no Brasil desde a última década
do século XX.
Tal importância é o resultado da construção e execução de um conjunto de estratégias
para aumentar o número de fiéis rapidamente e em um curto período de existência, tal como
apontam Murtinho e Castrilho (2018) ao estabelecer quatro estratégias elementares para a
concretização desse objetivo, a saber: a expansão no exterior a partir de lideranças brasileiras
visando um crescimento conjugado à manutenção da coesão da rede; a desterritorialização
através do rodízio de pastores visando ao controle do poder local pelo poder da rede; o
marketing com associação transcendental; e a ação com base nas características

8
Compreendo como igrejas evangélicas neopentecostais as denominações cristãs evangélicas brasileiras da
chamada terceira onda, isto é, fundadas a partir da década de 1970 e cujas características doutrinárias e
comportamentais, na ótica de Mariano (2014), tendem menos para o sectarismo e ascetismo das duas ondas
anteriores e mais para a uma postura liberal, aberta a atividades empresariais, políticas, culturais e assistenciais.
35

socioeconômicas da população a partir de uma lógica de conhecimento de campo similar a


pesquisas de mercado realizadas por organizações empresariais.
As quatro estratégias analisadas pelos pesquisadores oferecem base para se
compreender a lógica de estruturação, planejamento e ação da Iurd em seus objetivos. Nesse
sentido, Oro (2003) atesta que a política e a disputa eleitoral se inserem também nas táticas de
ação da Iurd. O autor analisa como as relações da Igreja Universal com vários partidos políticos
brasileiros criam um efeito mimético nos campos político e religioso no país, gerando, nos
últimos anos, o crescimento do número de parlamentares religiosos, sobretudo evangélicos, de
maneira especial os iurdianos, nos âmbitos municipal, estadual e federal.
Uma outra estratégia elementar da Iurd e que se constitui no campo de análise
propriamente dito desta dissertação, é a de comunicação, em especial a telecomunicação.
Refkalefsky (2018) aponta que, diferentemente do televisionismo dos protestantes dos Estados
Unidos e dos evangélicos pentecostais e neopentecostais brasileiros, a Igreja Universal não
busca construir uma igreja pela TV, mas, sim, influenciar indiretamente os telespectadores, por
meio de uma programação de caráter cultural, informativo e não religioso, a dirigir-se e
frequentar aos templos.
É importante ressaltar que a área de comunicação da Iurd conta com uma rede de
estações de rádio, TV e jornal impresso em vários estados brasileiros. Porém, para Refkalefsky
(2018), a Record TV representou um divisor de águas na história da igreja:

O que surpreende na compra da Record foi o fato de a Iurd, até então, ter apenas 13
anos de idade e uma rede pequena, em comparação com de outras empresas brasileiras
de comunicação: 11 rádios, sendo duas no Rio, São Paulo, Minas e Paraná, e uma no
Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Goiás. Mesmo contando com uma fonte de renda
difícil de ser mensurada por fontes exatas – os dízimos e ofertas nos cultos – a
operação despertou suspeitas. (REFKALEFSKY, 2018, não paginado).

Para além da estratégia de aquisição diversificada de meios de comunicação em rede, a


Iurd, segundo Refkalefsky (2018), usa, sobretudo na Record TV, a tática publicitária do
posicionamento, que implica em criar uma categoria na mente do público, visando combater
outras tendências midiáticas e religiosas enquanto se destaca como a opção mais assertiva.
O autor ainda explica que no caso da atuação televisiva da Iurd no campo religioso, o
posicionamento é contra a Umbanda, que embora seja uma religião pequena em número de
adeptos, ocupa a primeira categoria na religiosidade popular brasileira, extrapolando o âmbito
da própria religião de matriz africana. É importante ressaltar ainda que, para Oro (2006), no
artigo “Neo Pentecostalismo Macumbeiro” uma característica importante da Iurd é sua
apropriação, reelaboração e exacerbação dos elementos e crenças do Candomblé, da Umbanda,
36

da Quimbanda e da Macumba. Nessa perspectiva, é possível identificar os primeiros elementos


da doutrina iurdiana: o combate ao diálogo inter-religioso, a apropriação de elementos
religiosos de outros credos e o princípio do fundamentalismo bíblico difundido de forma sutil
pelos principais meios de comunicação da igreja. Elementos presentes na narrativa de
Apocalipse como será apontado brevemente no próximo tópico e com mais detalhes nos
capítulos 4 e 6 desta dissertação.
O professor e pesquisador sobre religião Roberlei Panasiewicz (2007) esclarece que
existem variadas formas de fundamentalismo entre as religiões e no interior de cada uma. Ele
afirma que o fundamentalismo remonta a um movimento de protestantes dos Estados Unidos
no fim do século XIX que, frente ao desenvolvimento de novas teologias e métodos de
interpretação do texto bíblico, estabeleceram cinco princípios que serviram posteriormente
como a base para o movimento fundamentalista: a absoluta inerrância do texto sagrado; a
reafirmação da divindade de Cristo; o fato de que Cristo nasceu de uma virgem; a redenção
universal garantida pela morte e ressureição de Cristo; a ressureição da carne e a certeza da
segunda vinda de Cristo.
Segundo Panasiewicz (2007), com o advento da modernidade, a exegese bíblica
começou a se tornar histórica e, posteriormente, crítica, dando origem ao método histórico
crítico. O método se dedicava a investigar a veracidade histórica dos fatos narrados na Bíblia,
o que gerou tensões entre o cristianismo e a modernidade. Não obstante, a Teologia Liberal, em
resposta ao método histórico-cristo, ensejou modernizar o cristianismo e reconciliá-lo com a
modernidade por meio do racionalismo científico. Tentativa esta que, por sua vez, foi criticada
pela Teologia Dialética como sendo uma narrativa secularizada da Bíblia.
A abordagem fundamentalista emergiu de um movimento de reação à Teologia Liberal
e ao método histórico crítico. O marco doutrinal dela se deu entre 1909 e 1915 com o
estabelecimento de nove princípios sobre a fé cristã que devem ser aceitos e não debatidos: a
inspiração e inerrância da Bíblia; a Trindade; o nascimento virginal e a divindade de Cristo; a
queda do homem e o pecado original; a morte expiatória de Cristo para a salvação dos homens;
a ressureição corporal e a ascensão; o retorno pré-milenar de Cristo; a salvação pela fé e o novo
nascimento; e o Juízo Final. (PANASIEWICZ, 2007).
A partir de 1919, iniciou-se o processo de expansão internacional do fundamentalismo.
Já no fim da década de 1970 o fenômeno expandiu-se para várias esferas sociais a exemplo da
política e da econômica, o que resultou na emergência do neofundamentalismo, um movimento
de politização do fundamentalismo. Em outras palavras, o fundamentalismo se tornou um ator
político cujo objetivo é reagir à perda de valores e princípios tradicionais. (PANASIEWICZ,
37

2007).
Cabe ressaltar que a Iurd foi fundada no Rio de Janeiro no mesmo período histórico da
emergência do neofundamentalismo nos Estados Unidos. Destarte, em meados da década de
1980, a igreja iniciou a sua atuação na esfera política, elegendo candidatos próprios para o
Congresso Nacional e para o processo da Assembleia Nacional Constituinte que culminou na
promulgação da Constituição brasileira de 1988. (MARIANO, 2014).
A respeito do fundamentalismo, Panasiewicz (2007) afirma que:

[...] os fundamentalistas defendem o milenarismo apocalíptico. Alimentam a visão


apocalíptica do combate final entre o bem e o mal, interpretando uma necessidade
social emergente entre os indivíduos: o medo de perder as próprias raízes [...]. O mal
assume várias dimensões e fisionomias, e necessita ser combatido. Rejeitam as visões
não milenaristas por não darem certeza quanto ao rumo da história. Essas visões
possibilitam aos fundamentalistas ter um domínio sobre o futuro, sabendo que Deus
tem o controle da história. (PANASIEWICZ, 2007, p. 56).

Os mesmos elementos destacados pelo professor são observáveis no enredo da


telenovela Apocalipse: a defesa – a partir de argumentações que se dizem com fundamentação
bíblica – da ideia do controle de Deus sobre o rumo apocalítico da história; a percepção
pessimista sobre a realidade da vida cotidiana de forma a fomentar o que as personagens cristãs
evangélicas da trama chamam de voltar-se a Deus por meio da Bíblia; o combate as várias
formas de manifestação do diabo no âmbitos de problemas ambientais e sociais; e a recusa a
toda forma de cosmovisão não fundamentalista.
As referidas personagens cristãs evangélica da telenovela Apocalipse são pessoas de
classe média baixa, frequentadoras da igreja (cujo nome não é apresentado) dos pastores Jonas
(ator Murilo Grossi) e Ezequiel (ator Zé Carlos Machado) e que se autodeclaram
exclusivamente como cristãs. Algumas dessas personagens, como será analisado no Capítulo 7
da dissertação, se converteram ao cristianismo evangélico após passagem pela prisão ou
superação do vício das drogas e conseguiram, a posteriori, a inserção no mercado de trabalho
formal e, por conseguinte, a coesão do núcleo familiar, desfrutando assim de uma melhoria das
condições materiais de vida.
Embora o mencionado caminho performativo se assemelhe às performances reais de
várias pessoas em condições precárias que tiveram a vida transformada a partir da Teologia da
Prosperidade (TP) iurdiana, a doutrina central da novela Apocalipse, como será apontado a
seguir, advém da Teologia do Domínio (TD), aliás, pouco abordada nos estudos sociológicos
referentes à Iurd. É difícil afirmar que a igreja evangélica representada na trama seja a Iurd
devido à falta de vários dos elementos que tratei neste tópico como questões estratégicas.
38

Todavia, como se apresenta no Capítulo 6, existem sim alguns indícios de influências do


neopentecostalismo da Iurd na igreja dos pastores Jonas e Ezequiel, sobretudo a partir da ideia
de que a igreja deve ser uma espécie de pronto-socorro ou hospital da fé. Ideia esta, segundo
Mariano (2014), difundida pela Iurd.
Outro ponto capital a ser levado em consideração referente à Iurd, é a questão doutrinal,
que sintetiza os âmbitos religioso, econômico e político de forma prática, fazendo nascer daí
uma teologia própria, a Teologia da Prosperidade Iurdiana.
A TP, importante fonte doutrinária das igrejas neopentecostais, tem sua entrada e
aceitação no Brasil, segundo Gallo (2018), a partir da relação entre a realidade econômica do
país na década de 1990, o início da difusão dos valores capitalistas-neoliberais pelos meios de
comunicação e os princípios gerais da mesma teologia. Princípios esses, ainda segundo a autora,
orientados pelo foco na busca de sucesso pessoal-econômico por parte do fiel por meio de sua
relação de compromisso com Deus. Isso corrobora o argumento já consolidado na produção
científica nacional a respeito da temática, de que “no sistema cosmológico da Igreja Universal
do Reino de Deus, a ‘plenitude’ no mundo é um valor central e o dinheiro é coisa sagrada.”
(LIMA, 2010, p.352).
Outra característica da TP recorrentemente apontada pelos vários campos científicos é
a concepção de salvação desvinculada do futuro e do plano imaterial, pois “O Reino dos Céus
está agora na Terra ao alcance de todos. A vida sofrida que tinha como esperança o gozo do
Paraíso prometido é desprezada e considerada obra do Diabo”. (GALLO, 2007, p. 5).
Entretanto, durante o processo de pesquisa na etapa de análise dos 155 capítulos da
telenovela Apocalipse identificou-se que a TP não é o discurso religioso predominante na trama.
Ela aparece de forma implícita em raras ocasiões, como no caso da personagem Oswaldo
Santero (ator Gabriel Reif) que, após passagem pelo presídio por tráfico de drogas, aceita Jesus
por meio da pregação da personagem Pastor Ezequiel, abandona o uso abusivo de drogas e
vence na vida pelos próprios méritos ao adquirir emprego como motorista particular da família
judaico-brasileira Aisen, proprietária de um dos mais conceituados hospitais privados do Brasil.
Também o filho de Oswaldo, Tiago Santero (Rafael Sardão), um jovem criado pela mãe solteira
em contexto de violência em uma favela do Rio de Janeiro, dependente de drogas, aceita Jesus
por influência do pai, cursa a faculdade de medicina e torna-se um renomado cirurgião do
hospital Aisen.
Por outro lado, há na narratividade da novela Apocalipse uma relação entre
comportamento moral (bem versus mal) e classe social (burguesia, classe média e classe
trabalhadora), em que vários dos membros das mencionadas famílias pertencentes à burguesia
39

ou à classe média alta são representadas como do mal – que não seguem a palavras de Deus ou
que seguem o anticristo – e a da classe trabalhadora é representada como do bem – que segue
a Bíblia rigorosamente a partir de uma leitura literal dos seus textos.
Tal relação entre comportamento moral e classe social burguesa se distancia, num
primeiro olhar, dos elementos teológicos da narrativa da novela Apocalipse em relação às
doutrinas da Iurd, uma vez que, como aponta o sociólogo Ricardo Mariano (2014), as igrejas
neopentecostais, especialmente a Igreja Universal, sua maior representante, se caracterizam,
entre outros aspectos, pela pregação enfática da TP, a qual, como já mencionado, sintetiza os
âmbitos, religioso, econômico e político de forma pragmática. Porém existem ressalvas nas
mencionadas características do neopentecostalismo da Iurd. Ao discutir sobre o conteúdo da
“Carta à Igreja de Pérgamo”, destacando a abertura a idolatria pagã desta igreja, no livro
“Estudo do Apocalipse”, o bispo Edir Macedo afirma que:

a verdade é que a Igreja vive dias em que se procura ‘agradar a gregos e troianos’ [...].
Poucos são os líderes evangélicos que procuram preservar a sã doutrina, objetivando
a salvação eterna do povo. Sim, porque muitos estão mesmo interessados é no sucesso
econômico, e por isso são capazes de fazer aliança até com o diabo, desde que os seus
caprichos carnais sejam satisfatórios. (MACEDO, 2011, p. 65/66).

A questão-problema levantada pelo bispo não é a riqueza em si, nem a busca por sucesso
econômico, mas a busca ou posse de dinheiro associada à aliança com o diabo e aos caprichos
carnais. Nesse sentido, é condenável a postura dos ímpios e não meramente a riqueza. No caso
da novela, a crítica aos burgueses e aos pequenos burgueses (famílias Montana, Gudman e
Aisen) não é direcionada a seus bens materiais, mas a sua relação com o anticristo, ou o seu
ateísmo, ou ainda sua designação religiosa não cristã (ou seja, não evangélica). A exaltação das
pessoas de classe trabalhadora também não tem a ver com a questão do louvor a pobreza
material e nem de denúncia à exploração econômica sofrida, mas sim a sua fidelidade religiosa
e a possibilidade de melhoria das condições de vida frente a uma conversão, como ocorreu no
caso das personagens da novela Oswaldo e Tiago Santero, anteriormente citados.
Retomando a discussão sobre as características teológicas-doutrinais da narrativa da
referida novela, identificou-se que o conteúdo paradigmático do discurso do folhetim é o terror
e o medo, tendo como base profecias bíblicas sobre o chamado fim dos tempos. Isso aponta
para uma outra teologia neopentecostal – pouco abordada nos estudos científicos sobre a Iurd
– a Teologia do Domínio (TD), que segundo Mariano (2014), se distingue pela ênfase nas
batalhas espirituais contra demônios, além da quebra de maldições de família e práticas rituais
de exorcismos coletivos, com o objetivo de libertar e converter adeptos de religiões de matriz
40

africana. É importante ressaltar que essas religiões não são representadas na novela, mas é
possível observar uma menção a elas em uma cena em que a personagem Débora Koheg
Montada (atriz Manuela do Monte), ao ficar grávida do anticristo Ricardo Montana, passa por
uma possessão demoníaca, movimentando-se de forma similar às pessoas que incorporam
pretos velhos nos rituais de rodas de gira: coluna arriada para baixo e braços cruzados sobre as
costas.
A presença da TD em Apocalipse (2017) é evidente em toda a narrativa, mas, a título
de ilustração, aponta-se uma cena na casa da personagem Pastor Jonas, em que há um diálogo
(transcrito a seguir) entre ele, a esposa Laudir (atriz Lu Grimaldi), a sobrinha Natália (atriz
Samara Felippo) e a cunhada Ângela (atriz Daniela Escobar), sobre como as profecias bíblicas
explicam o momento dramático em que eles estão vivendo, o sumiço repentino de várias
pessoas em todo o mundo ao mesmo tempo, chamado na novela de “Arrebatamento” e as
tragédias que acontecerão no fim do mundo:

Laudir: Que cara é essa Jonas?


Jonas: Temos que nos preparar Laudir. Todos nós!
Natália: Como assim tio?
Jonas: Jesus, quando levou a sua igreja desse mundo, queria poupar aquelas pessoas
do que virá.
Laudir: Para com isso Jonas, você está me assustando desse jeito, vai...
Natália: E o que virá tio?
Jonas: Vai começar um período de grande aflição, como nunca houve desde o
princípio dos tempo. E também, como nunca haverá.
Fim da cena

Ângela: Quero saber onde isso tá escrito. Me mostra.


Natália: Para com isso mãe, deixa ele falar.
Jonas: Ângela, as profecias não estão escritas só no livro do Apocalipse. A mensagem
foi recebida por vários profetas, do Antigo e Novo Testamento. Daniel, Ezequiel,
Mateus, Paulo e João. Cada um escreveu a sua parte. E quando juntamos todas, tudo
se encaixa.
Natália: Pera aí tio, explica isso melhor, por favor.
Laudir: Vivemos um tempo terrível Natália! Sua prima Alice, o meu cunhado, eles
foram poupados do que virá. Deus tirou eles desse mundo para que eles não
presenciarem as tragédias que estão vindo por aí.
Ângela: Laudir, que tragédia? Vocês podem me explicar o que... Que, que tragédias
são essas, por favor?
Jonas: Em breve se levantará um grande líder mundial.
Laudir: Se é que já não está entre nós.
Jonas: Ele será um pacificador. Aparentemente bom. Mas vai enganar o mundo com
o seu discurso de paz. Porque na verdade, ele será contra tudo que é de Deus.
Ângela: Cês não tão falando do...?
Laudir: O anticristo. Ele mesmo.
Natália: Não gente, pera aí. Cês tão levando a bíblia ao pé da letra demais.
Jonas: Mas é pra levar Natália. Se eu tivesse levado, eu já não estaria aqui agora. A
verdade é que ele vai governar o mundo com mãos de ferro. E vai perseguir os cristãos
até a morte.
Ângela: Não, Deus vai nos ajudar! Ele não vai permitir uma coisa dessas.
Jonas: Aí é que tá. O espírito de Deus, já não está mais na Terra, Ângela. Ele foi
retirado juntamente com a sua igreja. É o fim dos tempos! Nós agora estaremos por
conta própria. E se preparem, se preparem porque as minhas palavras jamais serão
41

suficientes para descrever o horror que vem por aí.


Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 59).

Diferentemente do paradigma imediatista-empresarial da TP, o paradigma teológico que


aparece em Apocalipse é messiânico, pois a promessa de Deus à humanidade se cumprirá em
um momento futuro no fim do mundo e no plano espiritual, o dia do juízo, após a vitória de
Jesus Cristo sobre o anticristo Ricardo Montana. No chamado dia do juízo final representado
na trama, são condenados ao fogo eterno, os ateus, que em geral são representados como
cientistas, professores e artistas; e os não evangélicos e os evangélicos que não seguem a
Palavra de Deus rigorosamente a partir de uma concepção literal dos textos bíblicos. Isso
assinala um julgamento valorativo-comportamental que tem relação com a doutrina da Iurd
apontada no livro do bispo Edir Macedo (2007) “Somos Todos Filhos de Deus?” e com o
posicionamento ideológico-político da chamada Bancada da Bíblia no Congresso Nacional que,
desde o processo de redemocratização do Brasil, na década de 1980, tem se constituído como
um dificultador no avançar das pautas da regulamentação e legalização do uso de drogas ilícitas
e do aborto, além da criminalização da homofobia.
O que há de próximo entre ambos os paradigmas teológicos mencionados é o
pragmatismo e a responsabilização do indivíduo pela sua vitória e pelo seu fracasso. Se na TP
a pragmática é prosperidade versus vida sofrida, na TD a pragmática é salvação eterna versus
condenação eterna, pois, no caso da novela, quem não seguir o exemplo espiritual e prático das
personagens cristãs evangélicas, não obterá a salvação eterna. É o que podemos constatar em
outro diálogo (transcrito a seguir) entre as personagens do pastor Jonas e da esposa Laudir ao
tratarem da internação de um morador de rua chamado Tião (ator Adriano Garib). Ele possuía
problemas psicológicos e fanatismo apocalíptico, abandonando a família, que pertence à igreja
desse mesmo pastor, para ir pregar na rua como um profeta do apocalipse, desvinculado de
qualquer igreja. A personagem é tratada na trama como um louco que perambula pelas ruas
gritando: o fim está próximo!

Laudir: Tava te esperando lá fora. Vamos? Já é tarde!


Jonas: Desculpa, eu perdi a noção do tempo Laudir.
Laudir: E então, desistiu de procurar aquele maluco?
Jonas: Eu já te pedi pra não falar assim! Eu não desisti. Eu vou internar o Tião. Vai
fazer bem pra ele se tratar.
Laudir: É, você tem razão. Melhor mesmo. Pelo menos aquele traste fica longe da
nossa casa.
Jonas: Laudir, eu acho que você não entendeu nada até agora.
Laudir: Só falei a verdade. Prefere que eu minta!?
Jonas: Não, não, claro que não! Eu só queria que você percebesse a gravidade do que
nós estamos passando meu amor. Você continua agindo com egoísmo, pensando só
em você mesma. Será que você não percebe que essa é última chance que a gente tem
de salvar as almas?
42

Laudir: Se eu quiser salvar a minha alma, eu não posso ser hipócrita. Não dá para
apertar um botãozinho aqui dentro e de uma hora para outra, assim, sem a melhor
pessoa do mundo, a boazinha. Eu não sou assim, nem você, não é verdade?
Jonas: Mas não se trata do que foi. O que podemos ser, daqui pra frente. Você não vê
que nós temos pouquíssimo tempo para tentar salvar as pessoas pra Jesus? Escuta o
que eu vou te dizer pela última vez. Daqui há três anos e meio, as pessoas vão ser
obrigadas a adorar a besta. E quem não o fizer, vai ser perseguidor e vai ser morto.
Laudir: Que horror, Jonas! Uá, você está me assustando assim!
Jonas: Não meu amor, não! Eu só tô alertando. Nós só teremos dois caminhos, duas
escolhas Laudir. Jesus ou o anticristo. Vida eterna ou condenação eterna. Com qual
dos dois você vai querer ficar?
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 67).

A perspectiva da mensagem do apocalipse presente na fala da personagem pastor Jonas,


além de pragmática, é profética da literatura apocalíptica, focada na subversão da ordem social
presente, tida como corrompida, em detrimento de uma ordem social futura, tida como perfeita.
A concepção de escatologia e de apocalipse presente na novela Apocalipse serão
tratadas no Capítulo 5. Por enquanto, cabe ressaltar que ela está relacionada à TD e à
interpretação religiosa da crise política que o Brasil passou entre os anos 2015 e 2018.
Embora existam outros estudos, a escolha desses autores em especial e a produção
científica apresentada aqui foi fundamental para o desenvolvimento dessa dissertação, de
maneira particular para entender as estratégias e doutrinas da Iurd e para dar suporte à leitura
analítica dos documentos examinados nessa investigação.
43

3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Considerando o valor histórico-documental da telenovela Apocalipse e o universo


simbólico-religioso das explicações sobre a crise sociopolítica brasileira da segunda metade da
década de 2010, optou-se pela técnica da análise documental. Não se pretende, aqui, afirmar a
mesma novela como um registro de fatos de um passado recente da história brasileira – tal como
poderia ocorrer, por exemplo, no caso de documentos textuais de arquivos públicos e privados
–, mas sim como um registro teledramatúrgico de uma narrativa de conteúdo religioso que, à
época de sua exibição, oferecia aos seus telespectadores, uma interpretação, que se afirma como
sendo bíblica, referente à realidade de crise do Brasil. Nesse sentido, os registros de cunho
político-religiosos encenados na novela Apocalipse é, por assim dizer, a matéria-prima desta
dissertação.
O uso da análise documental na pesquisa qualitativa, segundo o doutor em Ciência
Política André Cellard (2010), iniciou-se no contexto do positivismo científico europeu do
século XIX, tendo como objetivo estabelecer parâmetros de cientificidade para as pesquisas da
disciplina de História. Nesse período, a definição corrente de documento estava estreitamente
relacionada aos textos, em especial, aos registros de Estado disponíveis em arquivos oficiais.
Tal perspectiva decorria da abordagem histórica praticada na época e pela influência da obra de
metodologia Introduction aux études historiques (1898) de C.-V. Langlois e C. Seignobos,
sobre as primeiras gerações de historiadores do período. (CELLARD, 2010, p. 296).
Fora do contexto do positivismo científico predominante no século XIX, a definição de
documento passou por diversas novas conceituações ao longo do século XX. O professor
Cellard (2010) destaca as contribuições da Escola dos Anais e da História Social para o
desenvolvimento e ampliação do conceito de documento.
As historiadoras brasileiras Samara e Tupy (2010) apontam que há muito a técnica da
análise documental foi incorporada e sistematizada pelos demais campos de estudo das Ciências
Sociais. Afirmam que devido à diversidade e acessibilidade de informações, característica do
mundo contemporâneo, a concepção de fonte documental, recorrentemente associada a texto e
a arquivos públicos, ampliou-se para diversas outras fontes, entre elas, os “jornais, revistas,
livros, noticiários de rádio e televisão, filmes documentários, internet, anedotário, linguagem e
oralidade” (SAMARA E TUPY, 2010, p. 67/68).
Ambas as realidades apresentadas por Samara e Tupy (2010) contribuem para a
dificuldade atual de se definir o que é um documento, pois, como ressaltam, nem todo
documento se apresenta em formato textual e nem todo texto ou objeto tem valor documental
44

necessariamente. As historiadoras explicam que a relação entre o pesquisador, o objeto de


estudo e os problemas empíricos e teóricos levantados pela pesquisa são fatores importantes
para se observar o valor documental de dado objeto que se pretende estudar.
Apesar da dificuldade de se definir o que pode ser considerado como um documento, é
possível identificar uma compreensão comum para o termo na bibliografia especializada, a
partir das concepções de May (2004), Samara e Tupy (2010) e Cellard (2010). Para eles, todas
as formas de registro, vestígio e testemunha do passado, desde textos escritos e objetos de uso
cotidiano a iconografias e elementos folclóricos, são documentos com valor histórico e
importante fonte de dados para se realizar críticas históricas dos pontos de vista material e
abstrato, bem como compreender eventos, processos e transformações sociais.
O processo de pesquisa por meio da análise documental inicia-se, segundo May (2004),
a partir de procedimentos de senso comum, isto é, aquilo que constitui a elaboração do
documento em primeira instância. Em seguida, ainda segundo o autor, é preciso analisar os
fatores do contexto social que circunscrevem o documento no âmbito de sua elaboração de
forma a fornecer uma interpretação crítica, ponderada, global e coerente, que reúne a temática
geral previamente estabelecida pelo pesquisador e as diversas informações preliminares sobre
o documento que se deseja pesquisar.
Estes procedimentos iniciais são definidos por Cellard (2010) como análise preliminar.
O autor acrescenta a análise do contexto social global, já abordada por May (2004), com o
exame crítico de outras quatro dimensões do documento que devem ser consideradas: a
identidade, os objetivos e interesses do autor ou dos autores; a autenticidade e a confiabilidade;
a natureza ou estruturas; e os conceitos chaves e a lógica interna do texto.
A etapa da análise exploratória foi realizada no início da pesquisa a partir do
levantamento de dados e informações gerais sobre a produção, exibição e repercução da
telenovela Apocalipse: no site oficial da Record TV e da Record TV Internacional; em websites
brasileiros de crítica a novelas como o Observatório da TV9 e o TV Foco10; nas planilhas de
audiências da novela elaboradas pelo Instituro de pesquisa Kantar Ibope Media (2020); e vídeos
(do You Tube) de entrevistas da autora Vivian de Oliveira concedidas à atriz Antonia Fontenelle
no programa Na Lata, em 2016, e ao pastor Maurício Fragali no talk show brasileiro da Rede
Benção, “Nova Talk”, em 2019, referente as suas experiências como escritora de telenovelas

9
O Observatório da TV é um website criado em 2013 na cidade de São Paulo e trabalha com notícias, análises,
opiniões, críticas e entrevistas sobre novelas, desenhos, séries, filmes, shows, jornalismo, esportes e o cotidiano
dos diversos profissionais que atuam na televisão. Seu conteúdo é atualizado diariamente em formato de texto,
foto e vídeo e pode ser acessado pelo site http://observatoriodatv.bol.uol.com.br/.
10
O TV Foco é um site de análises, críticas e notas de televisão no Brasil criado em 2006. O conteúdo pode ser
acessado no site https://www.otvfoco.com.br/sobre-nos/.
45

de conteúdo bíblico. A análise do cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018 foi realizada a partir:
do levantamento de notícias relacionadas no site do G1 (Rede Globo) e do R7 (Record TV),
maiores grupos de comunicação do Brasil; da análise dos resultados de cinco pesquisas de
intenção de voto para a presidência da República em 2018 realizadas pelo Instituto Datafolha
do Grupo Folha da Manhã S/A, entre 2015 e 2018; e da análise comparativa entre as pautas
políticas abordadas na novela e os planos de governo dos candidatos presidenciáveis de 2018
Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. A escolha das pesquisas, exceto da primeira, se deu de
forma aleatória dentro de cada um dos quatro anos inferidos.
A segunda etapa da pesquisa foi a análise do conteúdo da telenovela Apocalipse, em
que assisti, ao longo de seis meses, todos os 155 capítulos da trama. Nesse período também li
o livro Estudo do Apocalipse do bispo Edir Macedo (2011) para observar se havia similaridades
entres a narrativa da novela e o texto do livro. Durante esta fase, observei e anotei em meus
diários de campo as características dos cenários e as performances11 e as falas/discursos de
algumas das personagens que apresentassem elementos políticos e religiosos relacionados com
as doutrinas neopentecostais e da Iurd e com as pautas político-ideológicas presentes no cenário
pré-eleitoral brasileiro de 2018. A partir das referidas anotações constituí um corpus12 textual
que subsidiou posteriormente a reflexão e a escrita qualitativa dessa dissertação.
Para analisar o referido corpus textual optou-se pela Análise do Discurso (AD) de
natureza qualitativa com base na proposta de Gill (2008). Ela divide-se em três momentos, a
saber: a transição do discurso em texto; a leitura cética do discurso buscando tornar o familiar
estranho e trocar a busca da essência pelo foco na construção, organização e funções do
discurso; a codificação, ou organização de categorias de interesse; e a procura de padrões de
informações visando à criação de hipóteses, a serem testadas, sobre as funções de características
específicas do discurso.
Por se tratar de uma telenovela, foram inseridas ao longo das análises mencionadas,
imagens de cenas da telenovela Apocalipse que contribuíssem para ilustrar a argumentação.
Porém, como o foco da pesquisa é o conteúdo discursivo da trama e não as imagens, procedeu-
se apenas a uma descrição de primeiro plano deles, sem a pretensão de se realizar uma análise
técnica à luz, por exemplo, da semiótica ou de outro recurso metodológico semelhante.

11
A performance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado a outro) central da narrativa.
Libertar a princesa presa pelo dragão é a performance de muitos contos de fada. Encontrar o pote de ouro no fim
do arco-íris, ou seja, passar de um estado de disjunção com a riqueza para um estado de conjunção com ela pode
ser uma performance. (FIORIN, 2009, p.31).
12
A palavra corpus (latim; plural corpora) significa simplesmente corpo. Nas ciências históricas, ela se refere a
uma coleção de textos. [...] Barthes, ao analisar textos, imagens, música e outros materiais como significantes da
vida social, estende a noção de corpus de um texto para qualquer outro material. (BAUER; AARTS, 2015, p.44).
46

O uso das técnicas descritas nestas considerações metodológicas possibilitou uma


análise do documento telenovela Apocalipse em dois níveis: o dos sentidos intentados pelos
produtores na criação da telenovela e a compreensão dos sentidos manifestos na telenovela a
partir do seu contexto sociohistórico de produção.
Tendo em vista que, para Tim May (2004), uma análise documental completa leva em
consideração a intenção do produtor, os sentidos do produto e os sentidos destacados pelos
receptores (no caso, os espectadores). No entanto, é importante destacar que, devido à limitação
de tempo, a análise sobre sentidos atribuídos pelos audientes não foi contemplada. Ademais,
não era objetivo desta pesquisa.
47

4 A TELENOVELA APOCALIPSE (2017-2018)

A Record TV desenvolve teledramaturgia de conteúdo religioso desde 199713. O


antropólogo Jorge H. S. Gomes (2017) divide essas produções em dois ciclos. O primeiro,
representado por temáticas de cunho religioso, ocorreu entre 1997 e 1998 com a gravação de A
Filha do Demônio (1997), Olho da Terra (1997), A sétima Bala (1997), O Desafio de Elias
(1997), Alma de Pedra (1998) e A História de Ester (1998). O segundo ciclo, representado por
temáticas de cunho bíblico, se deu a partir de 2010 com a regravação de A História de Ester
(2010), estendendo-se por esta década com outras produções sobre personagens em geral do
Velho Testamento, Sansão e Dalila (2011), Rei Davi (2012), José do Egito (2013), Os Dez
Mandamentos (2015), A Terra Prometida (2016), O Rico e Lázaro (2017), Lia (2018) e Jesabel
(2019). Cabe acrescentar três informações ao segundo ciclo de teledramaturgia de conteúdo
religioso identificado por Gomes (2017).
Primeiro que, a partir de 2014, as teleproduções de conteúdo bíblico passaram a abordar,
também, as histórias do Novo Testamento. Essas narrativas, diferentes das do Antigo
Testamento, focam-se na vida de Jesus, seus feitos e suas mensagens difundidas pelos
apóstolos. O conteúdo desses textos – os quatro evangelhos canônicos, as cartas ou epístolas
apostólicas, os livros de Atos dos Apóstolos e Apocalipse – inspiraram a produção da minissérie
Milagres de Jesus e das novelas Apocalipse e Jesus.
Segundo que, a partir de 2016, após o sucesso de público da telenovela Os Dez
Mandamentos, a escritora neopentecostal e apresentadora de programas da Record TV,
Cristiane Cardoso, filha do bispo Macedo, começou a supervisionar os textos das teleproduções
de inspiração bíblica da emissora, contribuindo para com os folhetins das novelas A Terra
Prometida, Apocalipse, Jesus e das minisséries Lia e Jesabel.
E terceiro, que o ciclo iniciado em 2010 pela Record TV foi inaugurado, em grande
parcela, a partir o trabalho engajado e bem-sucedido da escritora brasileira Vivian de Oliveira,
cristã evangélica, membro da igreja deuteropentecostal Nova Vida14, filha de pastores
adventistas e autora principal das minisséries da Record TV: A História de Ester, Rei Davi e
José do Egito e das telenovelas Os Dez Mandamentos e Apocalipse.

13
Esta teledramaturgia se distingue das demais da referida emissora de televisão por se inspirar em temáticas
religiosas do universo neopentecostal e em livros da Bíblia.
14
Compreendo como deuteropentecostal, o que Mariano (2014) designa como as igrejas pentecostais brasileiras
da segunda onda, fundadas na década de 1950 a partir de dissidências da Igreja do Evangelho Quadrangular. O
autor classifica a igreja Nova Vida como deuteropentecostal e ressalta que nela está o embrião neopentecostal das
igrejas Iurd e Internacional da Graça de Deus, suas duas dissidentes.
48

Aliás, ao responder o pastor Maurício Fragali no talk show “Nova Talk” (2019) da Rede
Benção, sobre qual a época em que sentiu vontade de escrever história bíblica, Vivian de
Oliveira disse:

[...] eu sempre soube dentro de mim, que eu acho que era já Deus me falando que eu
iria escrever algo assim, mas não tinha ideia do que ia vir, tanto é que a Record que
veio com a proposta de escrever histórias bíblicas, que na época quando eles me
fizeram a proposta, ninguém queria fazer, os atores, todo mundo muito temeroso.
Como é que iria ser isso? Será que vai ser uma pregação? Só uma pregação? Se vai
ficar bom e ... E então quando veio o convite, né... [...] eu sempre tive e mesmo sem
saber essa questão da fé e tudo, eu tinha certeza absoluta que Deus ia me capacitar, ia
me inspirar, além né? [...] E muitas vezes eu escrevi, buscava inspiração mesmo,
orando, buscando a Deus. E muitas vezes eu era surpreendida pelas... Que eu creio
que Deus inspirava mesmo, sabe? [...]. (FRAGALE, 2019).

A resposta de Vivian de Oliveira aponta para duas questões-chave sobre os bastidores


do início da produção das telenovelas de inspiração bíblicas da Record TV: o temor das equipes
de teledramaturgia da emissora de televisão em produzir minisséries e novelas de conteúdo
bíblico e o engajamento religioso da autora na produção desses folhetins. Tal engajamento
extrapola a atividade profissional de escrever roteiros de entretenimento para uma empresa de
telecomunicação comercial e caminha em direção à produção de um roteiro fruto de uma
experiência de fé antropológica, cuja função, para Panasiewicz (2013), é estruturar os
significados da existência humana a partir da vivência corriqueira do fascinium e/ou do
tremendun frente ao mistério transcendente (Deus). Há nesse sentido, uma relação de
proximidade entre as esferas profissional e religiosa da escritora, fazendo com que o trabalho
técnico dela tenha também um comprometimento com a fé de origem, a cristã evangélica
neopentecostal.
Em consonância ao explicitado, o texto da telenovela Apocalipse passou pela supervisão
da autora de livros de conteúdo neopentecostal Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo
e apresentadora de programa na Record TV, a exemplo do programa Escola do Amor, em que,
junto com o marido, o bispo Renato Cardoso, da Iurd, aconselha casais à luz de valores da Igreja
Universal a como resolverem problemas conjugais e perpetuarem a relação.
Já os demais escritores auxiliares da referida telenovela Emílio Boechat, Marcos
Lazarini, Maria Cláudia Oliveira, Alexandre Teixeira e João Gabriel Carneiro e os diretores
Edson Spinello (Casablanca/Fox), Leonardo Miranda, Hamsa Wood, Leandro Neri e Rogério
Passos são profissionais de longa carreira na produção de entretenimento. Eles não têm
vinculação religiosa e apresentam vasto e premiado currículo de trabalhos realizados na
televisão brasileira, com destaque para a Rede Globo, o SBT e a Record TV, como é possível
49

observar nas informações disponibilizadas no Anexo A. Entretanto, formam um time de


profissionais recorrentemente contratados para a produção das novelas de conteúdo bíblico da
Record TV, o que os tem tornando especialistas na produção teledramaturgia do gênero.
Frente ao exposto, é possível concluir que o processo de produção da telenovela
Apocalipse se deu a partir de uma estratégia televangelista que, segundo Refkalefsky (2018), é
usada há muito pela Iurd na programação da Record TV: a conciliação entre entretenimento e
proselitismo religioso, com o objetivo de chamar os telespectadores para irem aos templos da
igreja. No caso específico da referida novela, há uma mescla entre um texto de inspiração
bíblica e engajamento religioso acrescido de narrativas melodramáticas com o entretenimento
e recursos técnicos de efeitos especiais.
É possível observar elementos dessa mesma estratégia na trilha sonora de Apocalipse,
composta por canções românticas internacionais como: The Way You Are, Io Che Non Vivo
Senza Te e To Me; e canções gospel brasileiras como: Yeshua, Teu Perdão e Ele Vem.
A música The Way You Are é uma composição romântica dos letristas e compositores
estadunidenses Alan Bergman (1925-) e Marilyn Bergman (1929-) com a colaboração do
compositor estadunidense Marvin Frederick Hamlisch (1944–2012). A música foi feita para o
filme The Way We Were (1973), dirigido Sydney Pollack, que trata do romance conflituoso de
uma engajada militante comunista com um esportista, com visão de mundo distinta, no tempo
de faculdade. Na telenovela Apocalipse, a canção foi pano de fundo para as cenas do casal
cristão evangélico César e Raquel, que vivem tensões devido às traições conjugais por parte do
policial civil César. A canção foi interpretada pela cantora e compositora brasileira Marina de
Souza Dantas Elali (1982-) que, nas décadas de 2000 e de 2010, participou de várias novelas,
filmes, minisséries e programas da Rede Globo e da Record TV.
Io Che Non Vivo Senza Te é uma composição romântica do letrista italiano Vito
Pallavicini (1924-2007) com o cantor italiano Pino Donaggio (1941), lançada em 1965 pela
gravadora estadunidense Columbia. A música foi incluída na trilha sonora do filme Vaghe stelle
dell'Orsa, um drama italiano de 1965 dirigido por Luchino Visconti, que trata das tensões do
casamento de uma italiana de origem judaica com um estadunidense pesquisador das histórias
do campo de concentração nazista Auschwitz. Na novela Apocalipse, a música foi interpretada
pelo cantor brasileiro Renato César, especializado em músicas italianas. O cantor interpretou
também para a referida novela o single Canto Della Terra, uma composição do letrista italiano
Lucio Quarantotto (1957-2012) com o pianista, trompetista e compositor italiano Francesco
Sartori (1957 -), gravada pelo tenor pop italiano Andrea Bocelli (1958 -) em seu álbum Sogno
de 1999. Foi regravado em dueto entre Bocelli e Brightman em 2007.
50

A composição To Me foi tema do casal Zoe e Benjamim, dois dos protagonistas da


trama. É de autoria do cantor e compositor country estadunidense Mike Reid (1947) com o
letrista e compositor estadunidense Mack David (1912 - 1993), mais conhecido por seu trabalho
no cinema e na televisão, particularmente, por seu trabalho nos filmes da Disney “Cinderela” e
“Alice no País das Maravilhas” e pela tradução em inglês, da música La Vie en Rose, da cantora
francesa Édith Piaf. Foi interpretada na novela Apocalipse por Marcio Lott (1940), cantor e
compositor brasileiro. Produziu trilhas sonoras para telenovelas da Rede Globo no início da
década de 1970, como Uma Rosa com Amor (1972) e Cavalo de Aço (1973). A interpretação
contou com o backing vocal da cantora, compositora e intérprete brasileira Claudia Gomes,
uma das fundadoras da Banda Veja e da Duett Von Cler e vocalista da banda The Soundtrackers.
Já fez músicas-tema para várias novelas, foi backing vocal oficial do quadro Show dos Famosos
(Faustão - Rede Globo) e intérprete nos espetáculos musicais Tarzan (Disney), Emoções que o
tempo não apaga (Maksoud Plaza).
A canção Yeshua é uma conhecida composição do pastor batista e cantor gospel
Fernando Jeronimo dos Santos Junior (1973), popularmente conhecido como Fernandinho. Foi
lançada em 2007 no álbum Sede de Justiça. Na telenovela Apocalipse a canção deu suporte às
cenas cujas temáticas estavam relacionadas à chamada segunda volta de Jesus.
A canção Teu Perdão é de autoria da reconhecida cantora, compositora e instrumentista
gospel brasileira Daniela Araujo (1984), filha dos cantores pentecostais Jorge Araújo e Eula
Paula e esposa do também cantor gospel Leonardo Gonçalves. A canção foi lançada em 2014
no álbum de grande sucesso no meio evangélico, Criador do Mundo. Na telenovela Apocalipse
foi interpretada pela atriz de cinema, cantora e feminista Thuany Parente, que encenou a
personagem Alice Pascoli, filha do pastor Jonas com Laudir.
A canção Ele Vem é uma produção dos irmãos compositores brasileiros de músicas
gospel Ebenezer César de Souza (1963-) e Solange Cesar para o Álbum: Apocalipse (Trilha
Sonora Original), gravado pela MJC e lançado em 2018. Foi interpretada pelo cantor e
compositor brasileiro do estilo música brega, Luiz Fernando Mendes Ferreira (1952-). A MJC
Music é uma Editora e Produtora Musical brasileira que atende demandas de emissoras,
produtoras, agências, etc.
A empresa presta assessoria no âmbito administrativo, jurídico e legalização de obras
musicais e fonogramas, além de fornecer consultoria para a produção musical de trilhas sonoras.
Atualmente a MJC Music tem uma parceria de sucesso com a emissora Record TV
(MJCMUSIC, 2020). Fernando Mendes possui mais de 20 álbuns produzidos entre 1973 e 2018.
O auge de sua carreira artística foi na década de 1970, em que emplacou muitas músicas do
51

estilo brega. Ao longo da carreira, ganhou um disco de ouro e o Prêmio Villa Lobos de disco
mais vendido de 1978 com a música Você não me ensinou a te esquecer (MENDES, 2016).
Ebenezer César de Souza, mais conhecido como Beno César é um cantor, produtor e compositor
de músicas gospel que na década de 1980 integrou as bandas brasileiras de música cristã Banda
e Vós e Rebanhão como baixista e vocalista. Em parceria com a irmã Solange Cesar compôs
músicas para cantores gospel brasileiros como Aline Barros, Cristina Mel, Jamily e J. Neto,
para bispos neopentecostais como Adilson Silva da Iurd e Gerson Cardozo da igreja
Transformando Vidas e cantores de sertanejo romântico como Luan Santana e Sula Miranda.
Também compôs músicas para as novelas Marcas da Paixão (2000), Escrava Isaura (2004) e
Prova de Amor (2006), da Record TV.
A expectativa da Record TV era que a nova megaprodução de inspiração bíblica,
Apocalipse, desse continuidade aos recordes de audiência, das novelas do mesmo gênero,
conquistados a partir de uma bem-sucedida parceria da emissora de televisão com a produtora
audiovisual Casablanca Filmes LTDA e a editora e produtora fonográfica MJC Music, refletida
sobretudo no sucesso de público da novela Os Dez Mandamentos. Porém, o resultado foi o
contrário, como será abordado adiante neste capítulo.

4.1 Exibição da telenovela Apocalipse no Brasil

A primeira exibição de Apocalipse no Brasil, apontada na Imagem 7, dispôs de 155


capítulos apresentados de segunda a sexta-feira entre 21 de novembro de 2017 e 25 de julho de
2018, pela Record TV, no horário das 20h30 às 21h30 (apenas nos primeiros meses), mesmo
período em que a maior concorrente, a Rede Globo, transmite o Jornal Nacional (JN) – principal
telejornal brasileiro desde a década de 1970.

Imagem 7 - Chamada da telenovela Apocalipse (2017)

Fonte: Reprodução comercial, 2017.


52

A veiculação de novelas pela Record TV às 20h30 iniciou-se com o lançamento de seu


primeiro folhetim de inspiração bíblica, Os Dez Mandamentos, continuado em uma segunda
temporada, A Terra Prometida, a partir de 2016. Ambas as tramas obtiveram, por vezes,
recordes nacionais de audiência, superando, em várias capitais brasileiras, o número de público
da Rede Globo nos mesmos horários. Aliás, o filme “Os Dez Mandamentos” (2016), uma
adaptação da referida novela da Record TV, teve os direitos de exibição comprados pela Rede
Globo e foi disponibilizado na plataforma digital da emissora, o Globo Play (PERLINE, 2019).
Inicialmente a Record TV havia conseguido, junto à Secretaria Nacional de Justiça, do
Ministério da Justiça (MJ) brasileiro, por meio de requerimento protocolado em 13 de
novembro de 2017, o selo de classificação indicativa de “não recomendado para menores de 12
anos”, que possibilitava exibir a novela Apocalipse a partir das 20 horas para um público
composto desde pré-adolescentes até adultos. Mas o MJ, em 21 de março de 2018, publicou no
Diário Oficial da União o Despacho nº 43, de 20 de março de 2018, com a reclassificação
indicativa da novela para “não recomendada para menores de 14 anos”, devido ao enredo conter
violência, morte intencional, mutilação e crueldade, conteúdo sexual e drogas lícitas (DIÁRIO
OFICIAL DA UNIÃO, 2018). Com a reclassificação, Apocalipse passou a ser exibida a partir
das 20h45.
A trama foi reprisada no Brasil pela Record TV a partir de 21 de abril de 2020, entre
20h45 e 21h45, em uma chamada edição especial, conforme aponta a IMAGEM 8, mais ágil e
dinâmica. Vários capítulos foram suprimidos, condensados e resumidos para dar destaque a
alguns episódios como o Arrebatamento e a Terceira Guerra Mundial. Estava marcada para essa
data a estreia da nova telenovela de temática bíblica da Record TV, Gênesis (2020), que teve a
gravação interrompida junto com as demais novelas da emissora de televisão devido à pandemia
da Covid-19.
Imagem 8 - Chamada-reprise da telenovela Apocalipse (2020)

Fonte: Jornale, 2020.


53

A partir de informações levantadas em sites relacionados à Record Internacional,


constatou-se que a novela Apocalipse foi exibida em países americanos, africanos, europeus e
asiáticos entre 2017 e 202015, como é apresentado na Tabela 1 do Anexo C. O público geral foi
de hispânicos da América Latina, Caribe e Estados Unidos, lusófonos da América, da Europa e
da África e imigrantes brasileiros no Japão.
Fora do Brasil, a trama foi ao ar a partir da exibição por canais de televisão do Grupo
Record Internacional e da venda do folhetim a grupos de comunicação comercial, como é o
caso da Televisa do México, da Telefe da Argentina e da Univision Communications dos
Estados Unidos e de Porto Rico. A Record TV Internacional faz transmissão local e por internet
a mais de 150 países via a Record TV Américas, a Record TV Japan e a Record TV África
(sendo as filiais a Record TV Cabo Verde, a Record TV Miramar e a Record TV Angola).
O cruzamento das informações levantadas nos sites da Record TV Américas leva a
entender que Bolívia, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai,
Peru e Uruguai tiveram a transmissão de Apocalipse em 2018 pela Record TV Américas.
É possível concluir que a exibição da telenovela Apocalipse se deu em países onde estão
presentes a Iurd e, por conseguinte, a Record TV, o principal meio de comunicação de massa
da igreja. Sendo assim, o movimento de exportação da telenovela em questão está relacionado
ao fenômeno de transnacionalização da Igreja Universal analisado por Ari Pedro Oro (2015).

4.2 Repercussões da telenovela Apocalipse no Brasil

A novela Apocalipse foi marcada no Brasil por polêmicas referentes aos bastidores, ao
conteúdo, e à baixa audiência em relação às demais novelas de inspiração bíblica da Record
TV. Vários sites de críticas a telenovelas, como o Stars Insider (STARSINSIDER, 2018), o
Observatório da Televisão (BRANDÃO, 2019), o Alta Definição (OLIVEIRA, 2017) e o Tele
Padi (PADIGLIONE, 2018) apontam que um dos principais motivos da má repercussão do
folhetim no Brasil está relacionado ao que chamam de interferência de Cristiane Cardoso, filha
do bispo Edir Macedo, na novela Apocalipse.
Segundo os referidos sites, tal interferência se caracterizava pela alteração do texto
original, pela supressão e pela sintetização de capítulos da trama para antecipar o fim sob a
justificativa de alavancar a audiência da novela. Porém, o resultado imediato foi o descompasso
entre o texto original e a narrativa que ia ao ar sem o recorrente conhecimento prévio ou o

15
Agradeço o graduando em Design pela Unifoa, Douglas Dias, pela contribuição na coleta de dados e informações
referentes à exibição e audiência da telenovela Apocalipse.
54

consentimento por parte de Vivian de Oliveira. A este respeito, o site Portal Alta Definição
(REDAÇÃO. 2017) destacou em dezembro de 2017, um mês após o início da exibição de
Apocalipse, que parte significativa do público da telenovela criou as campanhas
“#ForaCrisCardoso” e “#ForaCrisCardosoDeApocalipse!” no Twitter pedindo a saída de
Cristiane Cardoso da direção de conteúdo do folhetim.
Não obstante, o site Tele Padi (PADIGLIONE, 2018) noticiou em maio do ano seguinte,
a dois meses do encerramento da trama, que a direção da Record TV afastou Vivian de Oliveira,
já estressada de Apocalipse, sob a alegação de atraso na entrega de capítulos da novela. Porém
o site defende, a partir de entrevistas concedidas por atores de Apocalipse, que os atrasos
estavam mais relacionados ao processo de intervenção no enredo da trama do que por eventuais
falhas profissionais da autora.
Em junho de 2018 o site Na Telinha (NASCIMENTO, 2018) publicou um texto que
sintetiza a crise dos bastidores da novela. A partir de entrevistas concedidas por atores e outros
profissionais técnicos da trama, o site destacou que a produção de Apocalipse foi a mais
problemática entre as das novelas de inspiração bíblica da Record TV. Também atribuiu o fato
às interferências de Cristiane Cardoso no folhetim e em outros e ressaltou que as mesmas
intervenções geraram a descaracterização da sinopse inicial de Apocalipse, especialmente a
partir da retratação da religião segundo o viés doutrinário da Iurd; uma crise artística na Record
TV por causa da falta de liberdade de produção dos profissionais da trama; e o afastamento ou
rescisão de contrato de atores e autores da emissora de televisão, como foi o caso de Vivian de
Oliveira que, após 21 anos de trabalhos prestados à Record TV, encerrou o contrato antes do
vencimento em 2020.
Partindo da premissa teórico-metodológica adotada durante a pesquisa, de que a novela
Apocalipse é um documento com valor histórico-sociológico, é possível concluir que o
conteúdo dela foi alterado ou corrompido intencionalmente dentro do processo de produção.
Não foi um dos objetivos da pesquisa identificar as alterações do texto original da telenovela,
mas o artigo “Apocalipse Now”: maior aposta de ficção da Record está sendo implodida, da
jornalista Ana Cora Lima (2017), publicado no site brasileiro Universo Online (UOL), semanas
após a estreia de Apocalipse, joga luz sobre essas alterações.
A jornalista (LIMA, 2017) esclarece que a autora Vivian de Oliveira não esconde dos
amigos próximos que o texto narrado pela personagem anticristo Ricardo Montana (ator Sérgio
Manore) não foi escrito por ela e que não reconhece mais a referida novela. Ainda segundo
informações levantadas pela jornalista, a narração de Ricardo não existia na sinopse original.
Isso representa uma intervenção drástica no enredo do folhetim, já que a personagem anticristo,
55

como será apontado adiante, é o narrador onisciente da telenovela.


O conteúdo da repercussão das intervenções de Cristiane Cardoso na novela Apocalipse
apontam para dois objetivos dessa ação. O primeiro é o de evitar um descompasso entre a Iurd
e a Record TV no que concerne à interpretação dos textos bíblicos. O segundo é o de acrescentar
à narrativa já redigida da novela elementos políticos-religiosos de interesse da Iurd. Tais
elementos serão tratados oportunamente nessa dissertação.
No que tange à repercussão do referido tratamento da temática da religião na novela
Apocalipse houve duas polêmicas centrais: uma em torno das pretensões catequético-
evangelizadoras da trama e outra referente a ataques explícitos à Igreja Católica.
Um exemplo da primeira polêmica se encontra no artigo “As duas testemunhas” da
novela Apocalipse pregam o evangelho em rede nacional, do site Coluna Retratos (TERTO,
2018), que afirma que o discurso das personagens Moisés (Paulo Gorgulho) e Elias (Roberto
Bomtempo), as chamadas duas testemunhas de Jerusalém mencionadas no Livro do Apocalipse
11:3-12, é uma pregação do Evangelho a respeito da salvação exclusivamente pela fé em Jesus.
Já a segunda polêmica repercutiu de forma mais incisiva. O jornalista do Grupo Folha,
Ricardo Feltrin, publicou no site UOL na semana da estreia o artigo “Apocalipse: Núcleo
evangélico simbolizará voz de Deus; católicos são o mal” (FELTRIN, 2017), assinalando que:

Já em sua primeira semana no ar, a novela “Apocalipse”, da Record apontou o anti-


Cristo e o mal --ambos--, como tendo origem no seio da igreja e da família católica.
A simpatia e o dinheiro da poderosa família Montana são alvo da cobiça da cúpula do
Vaticano, que não hesita em encontrar meios amorais para manter o sobrenome como
apoiador e eventual doador da igreja. Sobrenome, aliás, que também dará origem ao
demônio encarnado que está em gestação na barriga de Débora: o pai da criança
(Adriano Montana, interpretado por Eduardo Lago) tem parte com o “demo”. Já a mãe
e judia Débora, porém, não tem nada a ver com isso. É uma infeliz que caiu na lábia
do cramulhão ricaço e “embuchou”, como se diria na década de 70. Nos próximos
dias, porém, surgirá o contraponto. Em tese, o bem surgirá para enfrentar o mal na
novela. (FELTRIN, 2017).

Nessa que foi uma das primeiras críticas ao folhetim, Feltrin (2017) chama a Igreja da
Sagrada Luz como “cúpula do Vaticano”. É possível então afirmar que para o telespectador a
alusão de apocalipse à Igreja Católica ficou evidente e foi um dos fatores de polêmica. Os
comentários de internautas que leram o artigo de Ricardo Feltrin – transcritos na próxima página
– sobre a novela Apocalipse demonstram o clima social de polêmica na recepção do folhetim.
Há comentários com polarizações político-religiosas, que vão desde a defesa da Igreja
Católica e a acusação de que o bispo Edir Macedo seria o verdadeiro anticristo, até a defesa da
novela Apocalipse em detrimento da crítica das novelas da Rede Globo, que apresentam
conteúdo das pautas políticas progressistas como as questões da sexualidade, da identidade de
56

gênero e da luta étnica-racial.

Jcgvs 08/01/2018 00h02 - O mal que eu sei é esse charlatão que se diz Bispo, mas, é
o verdadeiro anticristo chamado Edir Macedo, explorador de milhares de incautos; e
este apocalipse que já está com a audiência em baixa vai acabar falindo, eu por
exemplo não vejo mais, tem coisa melhor pra se ver na TV.

Visitante 07/01/2018 18h59 – A palavra de DEUS nos ensina q por muitos seremos
odiados, é o que está acontecendo c os católicos c essa novela feita por esses idiotas.
A igreja q JESUS deixou foi a católica.

Sah Migotto 14/12/2017 11h02 – Olha, a novela é ruim. O texto é fraco e os atores
se esforçam para trabalhar com o texto que tem, porém, na minha opinião vocês todos
sendo manobrados. Eu não sou evangélica mas há anos, gradualmente a outra rede
enfia goela abaixo de todos os valores que atacam tanto a igreja católica quanto a
evangélica e todos dizem que é educação contra o preconceito, mostrar a realidade
para o público. Por pior que seja a novela, eu prefiro 10 dessas a uma novela das 9 da
outra rede. Pensem – o que está acontecendo aqui é apenas um “empurrãozinho” para
acabar com aquilo que é ruim mas pode melhorar. (UOL, 2017, não paginado).

As polêmicas em relação aos ataques da novela Apocalipse à Igreja Católica


perpassaram todo o período de sua exibição no Brasil. Na semana de encerramento, em junho
de 2018, o mesmo jornalista Ricardo Feltrin, ao compartilhar em sua conta do Twiter
(@feltrinoficial) um post – apontado na imagem a seguir – de um senhor chamado Nilson
Xavier destacando o problema da baixa audiência da novela e a definindo como uma decepção
para a emissora de televisão, faz outra crítica ao mencionado folhetim a respeito de
posicionamentos ideológicos-religiosos da trama que entram em contradição com um editorial
da Record TV contra ofensa religiosa cometida por um humorista da Rede Globo.

Imagem 9 - Post de Ricardo Feltrin no Twitter

Fonte: Twitter @feltrinoficial, 2018.


57

Vários sites de críticas de televisão classificaram a telenovela como um fracasso de


audiência da emissora. O site TV Foco publicou artigo em abril de 2018 intitulado
“Contemporânea, Apocalipse é a novela bíblica com a menor audiência da Record”. Já o site
Observatório da Televisão apontou que, na semana de Natal de 2017, a novela não ficou entre
as 10 maiores audiências em Salvador, a cidade brasileira, segundo o Ibope, de maior número
de espectadores da Record TV. Isso contribuiu para a má repercussão da trama, em especial por
parte do público católico que se sentiu ofendido com as críticas político-religiosas presentes na
novela Apocalipse. O site Aleteia, uma plataforma internacional online de mídia social digital
voltada à produção de conteúdo destinado ao público católico, publicou um artigo em 2017
intitulado “Sites de TV: telenovela ‘Apocalipse’ ataca Igreja católica e fracassa na audiência”
(ALETEIA, 2020), em que são reunidas críticas de vários colunistas a respeito do conteúdo e
da recepção da novela.
No quesito audiência da telenovela Apocalipse fora do Brasil, cabe ressaltar que
segundo o site Observatório da TV (BRADÃO. 2019) no artigo “Santos de casa: novelas que,
como Apocalipse, tiveram mais êxito no exterior que em sua ‘tela natal’”, o folhetim obteve
mais sucesso de público no exterior. O site destaca ainda que a referida novela foi o programa
mais assistido do canal hispânico UniMás dos Estados Unidos durante o período em que esteve
no ar e que alcançou um público de cerca de 700 mil telespectadores. Tais informações jogam
luz sobre a viabilidade de um estudo comparativo entre a receptividade da novela pelo público
nos diferentes países em que foi exibida e a realidade do cenário sociopolítico desses países.

4.3 Audiência da telenovela Apocalipse no Brasil

A partir dos dados levantados pela empresa de pesquisa de mercados Kantar Ibope
Media (2020) sobre o TOP 10 programas com maior audiência, por emissora, em 15 capitais
brasileiras aferidas, disponibilizado na Tabela 2 (Anexo C), pode-se constatar que a novela
Apocalipse teve baixos índices de audiência.
Nos dois primeiros meses de exibição, a trama registrou uma queda brusca de audiência
por domicílio. Em média 7,68% dos 24.088,6 domicílios brasileiros aferidos acompanhavam a
telenovela à época. O ponto mais baixo de audiência ocorreu na segunda metade do mês de
dezembro, época do ano marcada pelas festividades do Natal e do Ano Novo. Nesse período,
apenas 13,8% das 68.420,2 pessoas assistiram a novela.
Observa-se que o número de espectadores da telenovela foi parcialmente recuperado na
segunda e na terceira semana de fevereiro de 2018, ficando acima do índice da semana de estreia
58

(de 8,2%) e abaixo do índice da segunda semana de exibição (9.8%). Após uma nova queda de
audiência na terceira e na quarta semana de fevereiro de 2018, a telenovela oscilou de 8,2% a
9,5% de audiência, por domicílio, até a segunda semana de junho de 2018.
Na reta final, entre os dias 11 de junho e 1 de julho de 2018, Apocalipse teve,
consecutivamente, os três maiores picos de audiência domiciliar (10%, 10,4% e 13,8%
respectivamente). Na última semana foi assistida por aproximadamente 10,3% dos 69.378,6
telespectadores aferidos.
Constata-se, portanto, a partir dos dados de audiência da telenovela Apocalipse (2017)
levantados pelo instituto de pesquisa Kantar Ibope Media, que o folhetim teve dificuldade de
manter as médias de audiência nos primeiros meses de exibição no Brasil e dificuldade de
ampliação do alcance de público ao longo da mesma exibição. Os motivos dessas dificuldades
são frutos de vários fatores, dos quais destacam-se as polêmicas relacionadas à trama –
apontadas anteriormente – e ao conteúdo que será apresentado a seguir.
É importante ressaltar que a baixa audiência nacional em relação às demais novelas de
conteúdo bíblico da Record TV não influi sobre a importância dela como documento com valor
histórico. Antes, porém, joga luz sobre a vivacidade do campo religioso brasileiro a partir das
movimentações das relações de poder da sua hierarquia interna. Nesse sentido, fica a indagação:
a queda de audiência da trama poderia apontar para a capacidade de reação dos telespectadores
católicos à contestação aguerrida do monopólio simbólico da Igreja Católica irrompida no
enredo da trama?
59

5 O CONTEÚDO DA TELENOVELA APOCALIPSE

5.1 Chamada de abertura da telenovela Apocalipse


Às 20h30 de 21 de novembro de 2017 (terça-feira) estreou no Brasil, pela rede de
televisão comercial aberta Record TV, a telenovela Apocalipse. Na chamada de abertura da
trama os telespectadores assistiram, ao som da sinfonia Adágio em Sol Menor, de Albinoni –
ambientada com sons de ponteiro de relógio marcando segundos, estrondos de trovões,
explosões, toques de trombeta e estalar de fogo queimando – um suceder rápido de cenas sobre
o chamado fim do mundo, na contemporaneidade, filmadas em câmera-lenta e em tonalidades
acinzentadas, destacando-se as cores, vermelho, laranja e amarelo, para projetar a presença do
elemento fogo.
A referida chamada de abertura inicia-se com dois ponteiros marcando o número 12 em
um relógio branco inclinado e imerso em um pano de fundo preto, sendo possível ver apenas
os números 10, 11 e 12. Uma mão de pele clara puxa a maçaneta de uma porta – de superfície
semelhante à madeira – que se abre. Há queda de energia elétrica em uma sala com
computadores distribuídos em várias fileiras de gabinetes, semelhante ao ambiente de uma
redação de telejornal ou de uma agência de telemarketing. Um tornado e um raio passam sobre
um aglomerado de casas (similar a uma cidade ou um bairro) no longínquo do horizonte.
Alguns automóveis transitam por uma avenida obscura (com muita sombra) e pouco
movimentada, cercada por edifícios, cujo estilo arquitetônico aparenta ser art déco, devido as
suas janelas terem o formato de “fita”, disposta na vertical, similar à estética do famoso arranha-
céu Empire State Building localizado no centro de Manhattan, Nova York. Um homem vestido
com terno preto caminha em frente a uma porta de vidro que reflete as sombras de pessoas
caminhando. Duas lâmpadas tubulares de led em suporte de calha dupla piscam e novamente
há queda de energia elétrica. Desta vez em prédios de 14 andares com janelas no estilo bay
window (janelas que se projetam para fora da casa ou do prédio), aparentemente um bairro de
classe média baixa. Um raio cai sobre o oceano, próximo a um farol portuário. Desenhos foscos,
aparentemente feitos com giz branco, representam três cruzes dentro de um círculo e mais duas
cruzes próximas a ele, a letra “A” e as iniciais de uma palavra, dispostos em uma superfície
negra similar a uma parede.
Clarões de trovões entre nuvens de tempestade destacam a sombra de um anjo alado
portando uma trombeta. Em todas as cenas o céu aparece nublado, escuro, em clima de
tempestade. Uma pessoa de terno preto caminha em direção à vidraça de uma sala de um
edifício. Um meteoro em chamas cai sobre as ruínas do Anfiteatro Flaviano, popularmente
60

conhecido como Coliseu de Roma e uma nuvem escura tampa a lua minguante. Outros dois
meteoros em chama caem sobre a mesquita de Omar, também chamada de Domo da Rocha, em
Jerusalém.
Um homem de terno e gravata (com listras transversais pretas e brancas) discursa,
segurando uma tribuna com três microfones e agitando a outra mão (de pele clara) em
movimentos verticais. É possível ver um relógio no seu pulso. Várias mãos aplaudem e em uma
delas (também de pele clara) aparece, após um clarão, os dígitos 666, em cor preta, como se
fossem ossos revelados em uma lâmina de raio X. Outro clarão ilumina a face de um homem
(de pele clara e cabelo liso) de terno e gravata (também com listras transversais pretas e
brancas), revelando-lhe a ossatura craniana e os dígitos 666 inscritos na cor preta em sua testa.
Um homem de terno, provavelmente o mesmo já mencionado, se aproxima da vidraça
da sala de um prédio. Um meteoro em chamas cai sobre a avenida cercada de edifícios e
explode. Dois automóveis, um capotado e o outro em tom amarelado e com um objeto em cima,
similar a uma placa de táxi desalinhada, ao lado de três cones em uma pista em chamas, pegam
fogo.
Aparece a sombra do busto de um homem que está de costas para a vidraça. Lá fora cai
um meteoro. Meteoros incendiados caem sobre aviões dispostos em plataformas de embarque
e desembarque de um aeroporto. Também caem sobre a Estátua da Liberdade – decapitada – de
Nova York e sobre a Praça dos Três Poderes em Brasília, com destaque para o prédio do palácio
do Congresso Nacional, semidestruído. Quatro cavalos, nas cores branco, marrom
avermelhado, castanho amarelado e preto, correm paralelos em um ambiente alvo e são
iluminados por um feixe de luz que revela o seu esqueleto.
O Aqueduto Carioca, popularmente conhecido como Arcos da Lapa, na cidade do Rio
de Janeiro, está em chamas. Um homem caminha ao longe em um túnel retangular e é
“engolido” por um clarão. Uma figura incandescente, com aspectos humanos, trajando manto,
se levanta de uma cadeira com talhas e estofado –semelhante a um trono – disposta entre outras
duas cadeiras similares, porém mais baixas e ergue os braços para cima, como se estivesse
louvando alguma coisa.
Vários aparelhos de televisão, distribuídos em três prateleiras rentes, apresentam cenas
de dois edifícios idênticos (como o World Trade Center – as torres gêmeas) expelindo fumaça
em seus últimos andares. Em seguida, saem do ar e desligam, aparentando queda de energia
elétrica. Entre dois prédios negros – com pequenas janelas brancas – de uma avenida, inicia-se
uma explosão que “engole” toda a imagem (no caso, a cidade). Finalmente, aparece de um pano
de fundo preto a palavra Apocalipse, em letras brancas em fonte cinzel.
61

5.2 O Adágio em Sol Menor, de Albinoni

Em menos de um minuto e meio, os telespectadores da novela Apocalipse assistiram a


uma chamada de abertura que fez jus ao medo escatológico que o livro bíblico de mesmo nome
adquiriu ao longo dos séculos por várias sociedades. O tom de fim do mundo ou de fim dos
tempos, expresso nas imagens descritas, é sustentado pela música-tema, uma interpretação do
músico brasileiro Kleber Augusto de uma sonata da chiesa (sonata de igreja), neobarroca, que
tem uma história controversa, como se apresenta a seguir. Trata-se da sinfonia para violinos
Adágio em Sol Menor, de Albinoni.
Sobre a referida sinfonia, o jornalista canadense Jonathan Dekel, ex-editor colaborador
do National Post (jornal canadense de língua inglesa com sede na cidade de Toronto) e da CBC
(rede de rádio FM, canadense), publicou em 24 de fevereiro de 2017, no site CBC Music, o
artigo: Is Albinoni’s Adagio the biggest fraud in music history? (O Adágio de Albinoni é a
maior fraude da história da música?) (DEKEL, 2017).
No artigo, o jornalista analisa o nome e a história da sinfonia a partir do texto de revisão
do crítico nova-iorquino Anthony Lane sobre o filme Manchester by the Sea (Manchester à
beira mar) de 2016. Segundo Dekel (2017), o Adágio em Sol Menor, de Albinoni, deveria ser
chamado de Adágio em Sol Menor. Isso porque a mencionada sinfonia, atribuída pelo
musicólogo romano Remo Giazotto (1910-1998) ao compositor veneziano Tomaso Giovanni
Albinoni (1671-1751), teria sido reconstruída após a Segunda Guerra Mundial, pelo próprio
Giazotto, a partir de um fragmento manuscrito de Albinoni, achado nos escombros da
Biblioteca Estadual da Saxônia – um importante centro de arquivos públicos da Alemanha –,
que havia sido bombardeada em 1945 pelas forças aéreas dos Aliados. Porém, anos depois,
Remo Giazotto assumiu a autoria da sinfonia, o que a transfere do gênero barroco, característico
do século XVI, para o gênero neobarroco, concebido no século XIX.
De forma geral, pode-se dizer que o barroco é um movimento artístico, arquitetônico,
literário, musical e religioso, nascido na Europa do fim do século XVI (com destaque para a
Itália, Espanha e Portugal) a partir do resgate de cosmovisões da Idade Média (como o
teocentrismo16 e o maniqueísmo17) e das reações da Igreja Católica, a dois movimentos: o
Renascimento (especificamente os ideais do antropocentrismo18, do hedonismo19, do neo-

16
Deus no centro do universo.
17
Dicotomia conflituosa entre o “bem” e o “mal”.
18
O ser humano no centro do universo.
19
O prazer como bem supremo do ser humano.
62

platonismo20 e do naturalismo21) e da Reforma Protestante, iniciada pelo teólogo germânico,


Matinho Lutero (sobretudo no que se refere ao cisma22, à heresia23 e à apostasia24).
Já o neobarroco é um movimento das artes, arquitetura, literatura e música que nasceu
no século XIX a partir de releituras do barroco e da reação aos ideais racionalizantes, científico-
positivistas e secularizadores do Iluminismo europeu do século XVIII.
O Adágio em Sol Menor adquiriu popularidade a partir da década de 1960, sendo
utilizado como trilha sonora de vários filmes como L'Année dernière à Marienbad (1961),
Rollerball (1975), Gallipoli (1981), Flashdance (1983), The Doors (1991) e Manchester by the
Sea (2016). Também foi interpretado e gravado por dois guitarristas de metal neoclássico: o
sueco Yngwie Malmsteen, como Icarus Dream Suite Op. 4, no álbum Rising Force, em 1984,
e o alemão Wolf Hoffmann, como Adagio in G Minor, no álbum Headbangers Symphony, de
2016. Foi gravado também como Adágio, com letra em inglês e italiano pela cantora e atriz
canadense-belga, Lara Fabian, em 1999.
A mencionada sinfonia, classificada por Giazotto, segundo o jornalista canadense
Jonathan Dekel (2017), como um adágio – que em teoria da música designa um andamento
musical lento – proporciona as efusivas cenas da chamada de abertura da novela Apocalipse,
um tom de fim do mundo, harmonicamente melancólico. A melancolia se dá, sobretudo pelo
fato de se tratar de uma peça musical composta em acordes menores, tocados com uma
temporalidade longa e em uma escala descendente, isto é, partindo das notas agudas (notas
altas) para as notas graves (notas baixas). O conjunto dessas características harmônicas
transmitem um sentimento de pessimismo e de passividade frente à destruição do mundo
representadas nas cenas descritas.
É possível afirmar, portanto, que a referida música-tema cumpre ao menos três funções.
A primeira é de monumentalizar o drama do fim do mundo representado nas cenas e de destacar
a ideia de desencantamento representado nas cores preto, branco e cinza, das mesmas cenas. A
segunda é de reconstituir simbolicamente no ambiente da novela o clímax bélico das Guerras
Mundiais, tendo em vista que a música foi produzida ou restaurada em fins da Segunda Guerra
Mundial e se popularizou ao ser usada como tema do filme Gallipoli (1981), que trata de uma
batalha da Primeira Guerra Mundial. E a terceira é a de vocalizar uma releitura moderna da
cosmovisão medieval por meio do estilo musical barroco ou neobarroco, de forma a sustentar

20
Releitura de Platão.
21
Imitação científica da natureza.
22
Ruptura institucional com a Igreja Católica.
23
Negação de dogmas católicos.
24
Renúncia da fé católica.
63

a vitória final do que podemos chamar de mundo encantado sobre o que o sociólogo alemão
Max Weber chamava de processo de desencantamento do mundo na modernidade.

5.3 Cenas do fim do mundo

A primeira imagem da chamada de abertura da novela Apocalipse, a dos dois ponteiros


do relógio marcando o número 12, sinaliza que é chegada a hora do chamado fim dos tempos,
do Apocalipse. É possível inferir que se a humanidade pretendeu controlar o tempo (Cronos25)
ao dividi-lo em dias e em horas com as invenções do calendário e do relógio, não pode conter
a partida definitiva da carruagem do sol do deus Apolo26. Em outras palavras, o tempo divino
venceu as horas profanas e – parodiando Jean-Jacques Rousseau na obra “Contrato”27 – eis que
aqueles que se julgavam serem senhores do tempo se viram escravos dele.
O número 12, quando representa a chamada zero hora, possui significados místicos nas
crenças populares e no folclore brasileiro, que compreendem a meia-noite como a hora dos
mortos, a hora das almas e a hora em que seres encantados, como o Lobisomem e a Mula Sem
Cabeça28, se transformam. Tal compreensão advém provavelmente de uma interpretação
popular das chamadas Horas Completas (uma oração comunitária que compõe a chamada
Liturgia das Horas da Igreja Católica), executada por fiéis de noite, instantes antes de dormir,
simbolizando o encerramento da jornada de trabalho. As conhecidas Horas Canônicas da Igreja
Católica são momentos de orações que privilegiam horários considerados sagrados devido ao
simbolismo bíblico como, por exemplo, a descida do espírito santo sobre os discípulos às 9
horas e a crucificação de Jesus às 15 horas.
A representação do número 12 como horas também possui um significado emblemático
para o âmbito da política internacional e das ciências físico-nucleares. Em janeiro daquele
mesmo ano de 2017, por exemplo, o chamado Doomsday Clock (Relógio do Juízo Final) fora
adiantado para dois minutos e meio da meia-noite, pelo comitê de diretores do Bulletin of the
Atomic Scientists da Universidade de Chicago, devido, sobretudo, aos prováveis riscos de uma
guerra nuclear entre os Estados Unidos, sob o governo do presidente Donald Trump, e a Coreia
do Norte, governada por Kim Jong-un. (ANNUAL REPORT, 2016).

25
Titã, ou deus, da mitologia grega que representa o tempo.
26
Na mitologia grega o deus Apolo é o senhor do tempo e tem a função de conduzir a carruagem do sol,
controlando, portanto, o tempo, o correr dos dias.
27
“O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles”.
28
Dois personagens do folclore brasileiro. Geralmente o sétimo irmão e o filho do padre, se transformam em
lobisomem, nas noites de quaresma, a partir dos 13 anos de idade. E a esposa do padre se transforma em mula sem
cabeça, também nas noites de quaresma.
64

O relógio foi criado em 1947, no contexto da corrida armamentista na Guerra Fria


(1947-1991), para indicar simbolicamente – a partir da distância, em minutos, para a meia-
noite, isto é, para o fim da humanidade – a vulnerabilidade mundial frente a guerras e desastres
nucleares.
A cena da porta se abrindo na chamada de abertura da novela Apocalipse introduz a
série de imagens de catástrofes ambientais e sociais apresentadas na sequência. O primeiro sinal
do fim do mundo representado é a constante queda da energia elétrica que afeta o
funcionamento de computadores, lâmpadas e televisores. É, se assim se pode dizer, “o apagar
das luzes” do mundo contemporâneo, em menção ao termo moderno, Iluminismo. Este último
designa um movimento artístico, científico, político, econômico e jurídico, da Europa no século
XVIII, especificamente a Itália, França e Inglaterra, que estabeleceu o paradigma
antropocêntrico em detrimento do teocêntrico.
Em seguida, raios, tempestades marítimas e terrestres – a exemplo dos furacões Katrina
(2005) e Matthew (2016) que devastaram, respectivamente, a Costa do Golfo dos Estados
Unidos e a Costa Leste do mesmo país – destroem uma metrópole contemporânea,
provavelmente uma cidade síntese de Nova York, Rio de Janeiro, Brasília, Roma e Jerusalém,
as cinco cidades que aparecem na chamada de abertura da trama.
Na sequência, meteoros caem sobre importantes edificações políticas, religiosas e
culturais das cidades tratadas na abertura da novela: as ruínas do Coliseu, onde cristãos eram
mortos em espetáculos públicos no século V d. C, promovidos por imperadores romanos; a
mesquita do Domo da Rocha em Israel, que há séculos foi cenário de conflitos armados entre
grupos exaltados de judeus, muçulmanos e cristãos, por ser um importante centro religioso para
as três designações religiosas abraâmicas; o palácio do Congresso Nacional em Brasília, que ao
longo da década de 2010 foi palco de tensões e manifestações políticas e religiosas; e os Arcos
da Lapa, importante ponto turístico da cidade do Rio de Janeiro e que possui um design parecido
com os aquedutos romanos construídos entre o século I e o século IV d. C.
A duas semanas do encerramento da novela Apocalipse, na manhã do dia 8 de junho de
2018, o jornalista Pablo Marques postou, no site R7 Notícias, da Record TV, mesma emissora
que produziu a referida telenovela, um conjunto de fotos comentadas (MARQUES, PABLO,
2018) (de meteoros) com o título Conheça os meteoros que cruzaram a atmosfera e caíram na
Terra e subtítulo O Brasil já registrou alguns casos de bolas de fogo cruzando o céu e há até um
bairro inteiro que foi construído dentro de uma imensa cratera. Na primeira imagem, Marques
(2018) comentou:
65

A atmosfera costuma ser suficiente para impedir que meteoros causem grandes
estragos na Terra. Porém, diversos casos já foram registrados de bolas de fogo
cruzando o céu e atingindo o solo. Em alguns casos, uma gigantesca cratera marca o
local exato do impacto. No episódio desta sexta-feira (8) da novela Apocalipse,
meteoros irão cair do céu ameaçando a vida no planeta. (MARQUES, 2018).

É possível observar, nesse artigo de imagens comentadas, que há um alinhamento do


setor de jornalismo da Record TV com o setor de teledramaturgia da mesma emissora, visando
fazer propaganda de uma telenovela a partir de notícias e de demais informações de interesse
público. A estratégia de alinhamento dos setores de entretenimento e de jornalismo é uma
prática comum também na Rede Globo, que já usou por exemplo o Jornal Nacional para fazer
propaganda do desfecho da novela das 21h, Avenida Brasil (2012), como é possível observar
em um vídeo da edição do jornal disponibilizado no You Tube:

Renata Vasconcelos: E daqui alguns instantes, né? O Brasil finalmente vai saber
como termina a novela.

Reportagem: E esse foi o assunto do dia em todo o país. Em São Paulo a correria foi
grande agora a noite. Milhões de brasileiros se apressaram para não perder o ultimo
capítulo da novela. [...] O carioca também se apressou. [...] Na praia de Copa Cabana
até os turistas estão de olho no final de Avenida Brasil. [...]

Heraldo Pereira: E muito desses milhões de brasileiros já chegaram em casa. Ruas


importantes das duas maiores cidades do país estão quase vazias agora. Em São Paulo,
imagens do Globocop, avenida Paulista, coração financeiro do país. A vida noturna
no local também intensa, mas hoje o trânsito local tá mais tranquilo. De São Paulo,
agora para o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro a famosa avenida Atlântida em Copa
Cabana está quase deserta, com movimento muito menor do que o habitual para uma
sexta feira nesse horário. As imagens ao vivo. (OLIVEIRA. 2018).

O alinhamento entre o setor de jornalismo da Record TV com a exibição da telenovela


Apocalipse fica mais evidente a partir do conteúdo da série especial de reportagens do Jornal
da Record – principal telejornal da emissora – O fim dos tempos (JORNAL DA RECORD,
2018), que foi ao ar entre o fim de janeiro e o início de fevereiro de 2018 – meses em que a
novela apresentou queda de audiência em relação a novembro e dezembro de 2017 – sobre
símbolos do livro do Apocalipse. Referente aos chamados quatro cavaleiros, os âncoras
Eduardo Ribeiro e Carla Cecato afirmam:

Eduardo Ribeiro: Os quatro cavaleiros do... Do... Os quatro cavaleiros são um dos
símbolos mais famosos do Apocalipse! Por isso mesmo eu ia dizer: os quatro
cavaleiros do Apocalipse.

Carla Cecato: E você estava certíssimo!


Eduardo Ribeiro: E isso tudo está na nossa série especial de reportagens.

Carla Cecato: Com cavalos de cores diferentes e portando arco e flecha, espada,
balança e até uma foice. Eles representam profecias que para muitos não estão longe
66

de acontecerem. (JORNAL DA RECORD, 2018).

Além de fazer propaganda para a telenovela Apocalipse, percebe-se que a narrativa dos
âncoras e da reportagem possui um conteúdo interpretativo literal do livro bíblico, sem a
apresentação do contexto histórico de escrita dele. Há, portanto, uma interpretação
fundamentalista – que desconsidera a hermenêutica – comum nas teologias neopentecostais,
dentre elas, a da Iurd, sendo proferida pelo jornalismo da Record TV.
Junto às imagens dos meteoros, na chamada de abertura da novela Apocalipse, estão as
imagens do homem de terno caminhando tranquilamente próximo a vidraças, que refletiam as
chamas de meteoros caindo sobre a cidade e, depois, discursando energicamente em parlatório,
sendo aplaudido por várias pessoas, explicitando a presença dos elementos, política e religião,
na trama. Pode-se inferir que em todas as cenas trata-se do mesmo homem, uma vez que
algumas características físicas – como a pele de tonalidade clara e o cabelo liso – e de vestuário
– como o terno preto e a gravata com listras transversais pretas e brancas – são comuns a todas
as imagens apresentadas sobre essa personagem.
Os elementos política e religião, presentes nas cenas mencionadas acima, são reforçados
pela inscrição dos dígitos 666 na mão e na testa do figurante. O número 666 é popularmente
conhecido como o número da “Besta”, devido a sua menção no versículo 18 do capítulo 13 do
livro do Apocalipse, transcrito a seguir:

O falso profeta a serviço da Besta – 11 Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois
chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão. 12 Toda a autoridade da
primeira Besta, ela a exerce diante desta. E ela faz com que a terra e seus habitantes
adorem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido curada. 13 Ela opera grandes
maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu sobre a terra, à vista dos homens.
14 Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da Besta, ela
seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma imagem em honra da Besta
que tinha sido ferida pela espada, mas voltou à vida. 15 Foi-lhe dado até mesmo
infundir espírito à imagem da Besta, de modo que a imagem pudesse falar e fazer com
que morressem todos os que não adorassem a imagem da Besta. 16 Faz também com
que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebam uma marca
na mão direita ou na fronte, 17 para que ninguém possa comprar ou vender se não
tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome.
18 Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois
é o número de homem: seu número é 666! (BÍBLIA, Apocalipse, 13,11-18).

Como é possível constatar nesse trecho do livro do Apocalipse, as chamadas “Bestas”


têm o poder de fazer cair fogo do céu, além da capacidade de seduzir os habitantes da Terra
com a sua fala e de mandar registrar a marca 666 na mão direita e na fronte das pessoas. Tais
características simbólicas são representadas de forma literal e desistoricizada na chamada de
abertura da telenovela. Como já mencionado, os meteoros em chamas caindo do céu, o homem
67

de terno discursando energicamente em parlatório e sendo aplaudido por pessoas. E em uma


delas aparece o número 666 registrado na mão e na testa.
Sobre a identidade da segunda Besta, mencionada nos versículos transcritos
anteriormente, a nota de rodapé de Apocalipse 13,18 apresentada pela Bíblia de Jerusalém
registra que: “Em grego e em hebraico cada letra tinha um valor numérico segundo o lugar no
alfabeto. O número de um nome é o total das suas letras. Aqui “666” seria César – Neron (em
letras hebraicas); “616” (var.), César – Deus (em letras gregas)”. (BÍBLIA DE
JERUSALÉM,1981, p. 2316. Nota de rodapé C).
É possível inferir, portanto, que o homem de terno que aparece nas cenas da chamada
de abertura da novela Apocalipse é uma referência ao último imperador romano da dinastia
júlio-claudiana, Nero Cláudio César Augusto Germânico (37-68 d. C). Nero é suspeito de ter
ateado fogo em Roma em 64 d. C e de ter tocado uma música enquanto a cidade queimava. Não
diferente, o mencionado homem de terno caminha tranquilamente pela cidade contemporânea
que estava sendo destruída por meteoros.
Por outro lado, o homem de terno que caminha pela metrópole moderna, acinzentada,
sem demonstrar preocupação com a chuva de meteoros, é o típico cidadão metropolitano, cuja
vida é tão dinâmica, complexa e mutável, como diria o sociólogo alemão Georg Simmel (2005),
que acaba por ter um esgotamento nervoso e passa a não corresponder mais aos estímulos da
cidade, adequando a sua personalidade psicológica assim a uma atitude de reserva, o blasé.
Já a figura humana iluminada, trajada com um manto e que se levanta de braços abertos
de um trono, reforça o elemento místico-religioso na novela, que é associado a símbolos do
livro bíblico do Apocalipse, como os chamados “anjo com a trombeta”, o “anticristo” e os
“quatro cavaleiros” nas cores: branco, vermelho, amarelo e preto.
A chamada de abertura da telenovela Apocalipse une elementos audiovisuais que
remetem ao estilo barroco e ao estilo contemporâneo. Como será descrito a seguir, existe um
movimento dual durante a chamada de abertura em relação à temporalidade (rapidez e lentidão
dos movimentos acústicos e visuais), às tonalidades (cores acinzentadas e cores quentes), à
sonoridade (harmonia e elementos sonoros naturais) e à estética (ambientes urbanos seculares29
e ambientes com símbolos religiosos).
O barroco é um estilo rebuscado cujas cores em destaque na primeira fase, o período
Joanino, é o dourado (ouro) e, na segunda fase, o Rococó, é o vermelho. Apesar de as imagens
da abertura da telenovela possuírem tonalidades acinzentadas, destacando-se o preto e o branco,

29
Designo por “ambientes urbanos seculares”, os espaços públicos contemporâneos caracterizados, sobretudo,
pelo princípio da separação entre Estado e religião.
68

há a presença constante de cores quentes, com destaque para o vermelho, para indicar fogo. No
Rococó – a exemplo dos trabalhos conjuntos das oficinas de mestre Aleijadinho e de mestre
Ataíde nas imagens sacras do santuário de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas-MG – a
cor vermelha é associada ao sangue derramado do Cristo e dos santos mártires (mortos pelo
império romanos até o século V d. C) e à cor do pecado, da luxúria, do demônio. No caso da
novela, os tons de vermelhos estão relacionados ao caos, à destruição do mundo em declínio.
As cores predominantes na chamada de abertura da telenovela: o preto, o branco, o cinza
e o vermelho são comuns nas aberturas de várias séries de televisão (canal por assinatura) como
por exemplo as conhecidas: Mad Men (2007 a 2015), Game Of Thrones (2011 a 2019), True
Detective (2014, 2015 e 2019), Narcos (2015 e 2016), Westworld (2016), Luke Cage (2016 e
2018), La Casa de Papel (2017 a 2020) e The Good Doctor (2017 a 2020). É importante
ressaltar, ainda, que essa matriz tetra-color pop, se assim é possível conceituar, foi utilizada na
abertura de filmes renomados, como é o caso de Schindler's List (1993) e dos longa-metragens
do famoso espião inglês “James Bond”, desde o primeiro lançamento – 007 Contra o Satânico
Dr. No, em 1972 – até o mais recente – 007 - Sem Tempo Para Morrer (2020). O constante uso
das mencionadas cores são, portanto, um referencial cinematográfico para teleproduções que
tenham conteúdo de investigação, drama, ficção científica e guerra.
Já o contemporâneo é um estilo sutil e futurista, em que as tonalidades neutras,
acinzentadas, pretas e brancas ganham destaque. A nostalgia das cenas acinzentadas – de uma
metrópole moderna, secular, desencantada e em declínio (provavelmente Nova York, devido às
características arquitetônicas do estilo art déco presentes nos edifícios já descritos) – filmadas
em câmara lenta, se mescla à música-tema, um adágio (movimento lento, em uma sinfonia). É
a mesma nostalgia do homem de terno preto que caminha tranquilamente em frente às vidraças
durante a queda de meteoros em chamas, na cidade.
A conjugação dos referidos elementos audiovisuais cumpre duas funções gerais. A
primeira é a de materializar a metáfora “crônica de uma morte anunciada”30, ou seja, apresenta
o desfecho da narrativa da trama já na abertura. Ele se constitui no apequenamento da
humanidade frente à magnitude do cumprimento inevitável de supostas profecias bíblico-
apocalípticas que conduzem o tempo e o mundo para o seu fim. E a segunda é de representar o
“mal-estar” do mundo contemporâneo e do Brasil naquele ano de 2017 (a exemplo da crise
política do governo Temer frente a denúncias de corrupção no contexto da Operação Lava Jato,
a greve da polícia no estado do Espírito Santo e da greve nacional dos trabalhadores contra a

30
Metáfora inspirada no livro de mesmo nome do escritor latino-americano Gabriel Garcia Márquez.
69

reforma trabalhista) a partir dos elementos do desencantamento, a anomia, a distopia, as crises


político-econômicas constantes da democracia liberal e do sistema de produção capitalista.

5.4 A narrativa geral da telenovela Apocalipse

Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem
Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon
Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem
Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral
Amém
(RAUL SEIXAS, 1974).

Diferentemente das demais novelas e minisséries de inspiração bíblica da Record TV, o


enredo de Apocalipse se passa no mundo contemporâneo, mesclando fatos reais de natureza
política, religiosa, econômica, cultural e científico-tecnológica à ficção apocalíptica, com
ênfase nas concepções de mundo neopentecostais de interpretações literais dos textos bíblicos.
Alguns dos referidos elementos apocalípticos são observáveis na imagem de capa dos
DVDs da novela, apontada na Imagem 10. Da esquerda para a direita, estão as personagens
Ricardo Montana (ator Sérgio Marone), Zoe Santero (atriz Juliana Knust) e Benjamim Gudman
(ator Igor Rickli), os três protagonistas da trama. Ao fundo, na porção superior esquerda, é
representada a imagem de uma portada românica. Na porção superior direita são representadas
as duas torres do Palácio do Congraço Nacional, símbolo de Brasília, semi-destruídas e em
chamas. Já na parte inferior é representada a construção laboratorial de um androide. Ou seja,
o processo de fim do mundo posto na capa do DVD tem por base o avanço científico tecnológico
e por consequência a destruição da humanidade. E a conexão entre ambas as realidades se dá
pela representação centralizada dos três personagens já referidos.
70

Imagem 10 - Capa dos DVDs da novela Apocalipse

Fonte: Record TV, 2018.

O enredo da novela Apocalipse apresenta uma estrutura própria, distinta do livro do


Apocalipse, embora inspirada nele. Propõe-se que ela se estrutura a partir de quatro eixos que
se articulam em um espaço temporal entre as décadas de 1980 e de 2020. Os eixos são: Deus
(religião), pátria (nacionalidade), família (mononuclear) e poder (político-econômico e
intelectual).
O Deus tratado na novela é o cristão e as orientações religiosas consistem em: Cristãos
(representação dos evangélicos neopentecostais), Judeus Ortodoxos (representação dos judeus)
e Sagrada Luz (representação dos católicos). Há também a seita “Filhos do Amanhã”, que
sintetiza elementos de espiritismo, auto-ajuda e esoterismo. Destaco que ao tratar das mesmas
denominações religiosas a telenovela em questão não observa a pluralidade de tradições
contidas dentro do cristianismo e do judaísmo e, por outro lado, desconsidera a existência de
outras religiões no mundo como se elas não existissem ou como se fosse desnecessário
mencioná-las apesar de a categoria religião ser central no enredo da trama.
As nacionalidades são representadas pelas metrópoles do Rio de Janeiro (Brasil), Roma
(Itália), Nova York (Estados Unidos) e Jerusalém (Israel), além da cidade futurista (imaginária),
Nova Babilônia, construída por Ricardo Montana em um deserto árabe, com objetivo de
71

dominação do mundo a partir do estabelecimento global de um governo único, uma moeda


única, uma religião única e do controle individual de cada habitante por meio do monitoramento
social via inteligência artificial, robôs/androides e microchip de identificação implantado no
corpo humano.
O nome Nova Babilônia (cidade idealizada e construída por Ricardo) é uma antítese à
concepção bíblica de Nova Jerusalém (ideia de reino de Deus) e foi empregado para apontar a
restituição da “idolatria pagã”, atribuída pelos povos hebraicos à antiga cidade da Babilônia,
capital da Mesopotâmia. A cidade, governada pelo anticristo, se impõe como uma metrópole
oásis, uma capital mundial expansionista, colonialista e totalitária, como será abordado.
As famílias que compõem o núcleo principal, como é possível observar na Imagem 11,
são: Gudman (judaica de classe média e burguesia), Montana (italiana, burguesia), Santero
(brasileira, de classe trabalhadora), Aisen (brasileira de origem judaica e burguesa) e Koheg
(judaica de classe média).

Imagem 11 - Árvore genealógica das famílias da telenovela Apocalipse

Fonte: Elaborada pelo autor da dissertação.

Referente ao poder, há a presença do poder da família tradicional religiosa e abastada


italiana, bem como o poder econômico e intelectual da moderna família nova-iorquina, de
ascendência judaica. Como já mencionado, há uma relação entre comportamento moral (bem
versus mal) e classe social (burguesia, classe média alta e classe trabalhadora) em que vários
dos membros das mencionadas famílias, pertencentes à burguesia ou à classe média alta
(Montana, Gudman e Aisen), são representadas como “do mal” – que não seguem a palavras
de Deus ou que seguem o anticristo – e a da classe trabalhadora (Santero) é representada como
“do bem” – aqueles que seguem rigorosamente os preceitos bíblicos, compreendidos à luz de
uma interpretação literal.
No que tange à narrativa geral da novela Apocalipse, constata-se que, diferentemente
do livro bíblico de mesmo nome, do qual o folhetim foi inspirado, nele (o folhetim), o narrador
não é João – aquele mensageiro da Revelação de Jesus Cristo animado por um sentimento
72

fanaticamente contrário às opressões do Império Romano, segundo Corsini (1984) – mas sim à
personagem de Ricardo Montana – um jovem cidadão da elite romana, considerado como o
anticristo – cujo objetivo era dominar o mundo e fazer a humanidade sofrer. Ou seja, a novela
Apocalipse que, segundo propaganda da Record TV teria sido prevista há mais de 2 mil anos,
é narrada pela voz daqueles que foram denunciados como anticristos no livro do Apocalipse. O
objetivo dessa contradição é afirmar que o mundo material é governado por satanás e devido a
isso, está chegando ao fim, sobretudo pela guerra santa entre Deus e satanás. Ou seja, como o
enredo da trama se passa no mundo material, o seu porta-voz é o próprio governante desse
mundo. Diria até que a novela seria uma espécie de diário aberto do anticristo, onde ele
compartilha suas ideias, sentimentos e estratégias com o telespectador.
A trama tem início com cenas de um quiosque paradisíaco na Indonésia – arquipélago
entre a Ásia e a Oceania. Paralelamente, uma voz grave de homem abre a narrativa:

Anticristo: Eu já estava aqui muito antes disso tudo ser um paraíso, desde o Éden eu
venho brincando com a humanidade, sempre nas sobras, as escondidas, aproveitando
todas as oportunidades para fazer esses vermezinhos sofrerem. Mas cansei de ficar
nos bastidores, meu tempo está se esgotando. Chegou a hora de eu aparecer em carne
e osso, no foco dos holofotes. E foi assim, quando ninguém esperava, que tudo
aconteceu. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 12).

Trata-se do anticristo, que ainda viria a nascer (encarnar-se) como Ricardo Montana. A
manifestação dele como uma voz onisciente cumpre a função, no primeiro discurso, de atrelar
a narrativa da novela à narrativa do livro bíblico do Apocalipse, como se a novela fosse uma
continuidade fatual das sagradas escrituras, em que os telespectadores podem atestar a partir
de uma espécie de cumprimento de profecias (no sentido de vidência) bíblicas.
Na sequência, o referido quiosque é destruído por um tsunami. O ano dessa ocorrência
é 1987, mesma data inscrita no túmulo das personagens Jonathan (Gil Hernandez) e Elisa
(Deborah Khalume), judeus ortodoxos não praticantes da religião que tiravam férias no local
do desastre natural com os filhos Alan (Maurício Pitanga) e Uri (Gudman Fhelipe Gomes).
Essa primeira cena trata a temática do Apocalipse a partir de um desastre natural
comum nessa região da Terra. É possível compreender que a narrativa da novela abre, a partir
da desnaturalização dos fenômenos naturais, em detrimento de uma espiritualização deles.
O desastre natural adquiriu uma conotação de ação destrutiva do mal, ou do diabo, ou
ainda, do anticristo, já que ele, no fim de sua fala, abre a deixa para o início da ocorrência da
catástrofe. Mas também um sentido de ruptura histórica frente à iminência da formação de uma
nova ordem messiânica, nascida do colapso da antiga, como é possível observar na palestra do
bispo Edir Macedo, em 2018 nos Estados Unidos, sobre o Apocalipse.
73

Presta atenção numa coisa! Todas as vezes que eu vejo notícias trágicas, mortes,
incêndios, desastre de avião, vulcões, furacões, traições, no nosso meio... Despeito
pelas coisas sagradas... Pra mim são sinais da vinda de Jesus. Pra mim são sinais
evidentes de que o Nosso Senhor está chegando. [...] Estou falando profeticamente!
Porque assim também era nos dias que antecedeu o Dilúvio. As pessoas comiam,
bebiam, casavam e se davam em casamento... Quer dizer, vivia aquela luxúria e de
repente veio o Dilúvio e só uma família se salvou. Então nós vamos daqui a pouquinho
estudar sobre essa vinda de Jesus e o galardão que ele dá aqueles que foram fieis em
todo o tempo. [...] (MACEDO, 2018).

Assim como na lógica do discurso do anticristo, a fala do bispo Edir Macedo (2018)
desnaturaliza desastres ambientais em detrimento de sua espiritualização. Tal movimento é
afirmado pelo líder religioso como sinais de profecias e legitimado a partir da narrativa do
Dilúvio, uma chuva enviada por Deus que durou quarenta dias e quarenta noites e inundou a
Terra. Sendo assim, o bispo compreende esta passagem bíblica não a partir de seu contexto
histórico de produção e a sua rica mensagem simbólico-mítica de ordem teologal, mas sim
como um fato histórico em si que tem importância apenas pela suposta verdade de sua
ocorrência. Esse aspecto configura o discurso dele como fundamentalista.
A novela Apocalipse se divide em três temporadas, como é apresentado na linha do
tempo disposta na Imagem 12.

Imagem 12 - Linha do tempo do enredo da telenovela Apocalipse (2017)

Fonte: Elaborada pelo autor da dissertação.

A primeira, que tem início em 1987, trata dos antecedentes do Apocalipse. Nesse
período pré-apocalíptico, que vai até fins da década de 2010, se dá o nascimento, a infância e a
maturidade dos três protagonistas da trama: Ricardo Montana (banqueiro romano, membro da
74

Igreja da Sagrada Luz), Zoe Santero (jornalista carioca de classe trabalhadora e cristã
evangélica) e Benjamim Gudman (judeu residente em Nova York, engenheiro de computação
e robótica e ateu). Essa fase da novela se caracteriza pelos chamados primeiros sinais do fim
dos tempos: a ocorrência do referido tsunami, dos assassinatos em série por Nicanor e pelo
atentado terrorista às Torres Gêmeas. Porém, os primeiros sinais não são totalmente percebidos
pelas personagens como anúncios do Apocalipse.
A temporada encerra-se com cena do chamado Arrebatamento, Capítulo 56, em que as
pessoas escolhidas por Deus somem simultaneamente em toda a Terra e vão para o céu para
obterem a salvação de suas almas e não sofrerem com os dramas do fim dos tempos. Apenas as
crianças e os considerados cristão verdadeiros, isto é, os evangélicos que seguem a bíblia
corretamente são salvas pelo Arrebatamento. Os demais, como os ateus, que em geral são
representados como cientistas, professores e artistas, e os não evangélicos e os evangélicos, que
não seguem a Palavra de Deus rigorosamente, não são salvos.
Cabe ressaltar que todas as representações de ocorrências de fatos no enredo da novela
Apocalipse considerados como um cumprimento de profecias bíblicas, a exemplo do
Arrebatamento, são acompanhados pela citação textual de passagens bíblicas correspondentes
de forma a legitimar a narrativa da novela a partir da Bíblia. O hiperfoco dado ao referido livro
sagrado na novela aponta o teor fundamentalista da trama, uma vez que, como esclarece
Panaziasc (2007), a prática fundamentalista é demarcada pela constante referência do crente a
um livro.
Após o Arrebatamento, inicia-se a segunda temporada da trama. É um período de três
anos em que Ricardo proporciona um clima de paz mundial por meio de sua atuação política
como presidente do Conselho das Nações. Porém, as personagens cristãs chamam o período de
tempos da falsa paz e tentam combatê-lo a partir de um movimento que concebem como voltar-
se a Deus ou seguir os seus preceitos disponibilizados na Bíblia. Isso porque, segundo eles, o
anticristo estava concretizando as profecias bíblicas que conduziriam ao fim dos tempos:
criação da moeda única, criação da religião única, criação da marca da besta e construção do
III templo de Salomão em Jerusalém.
Nessa etapa da novela ficam evidentes os quatro elementos que, segundo Panaziasc
(2007), caracterizam o fenômeno fundamentalista: o princípio da inerrância dos textos do livro
sagrado; o princípio da astoricidade, que defende a manutenção da verdade original dos textos
sagrados frente ao pressuposto de que a razão humana não tem competência para interpretar ou
atualizar a sua mensagem; o princípio da superioridade da lei divina disposta no livro sagrado
em relação à lei terrena; e o primado do mito da fundação de identidade de um grupo de forma
75

a manter a sua coesão em torno de um sistema de crenças capaz de reproduzir no mundo o


modelo de sociedade proposto no livro sagrado.
Ao término dos três anos de falsa paz inicia-se um conjunto de polarizações políticas
internacionais que resultam na deflagração da Terceira Guerra Mundial. Frente à catástrofe
humanitária gerada pela guerra, Ricardo consegue estabelecer um novo acordo de paz e em
seguida submete a autonomia e as soberanias dos Estados Nacionais ao seu governo único.
Algum tempo depois, Ricardo é assassinado com um tiro no olho direito durante um desfile em
carro aberto na cidade que acabara de fundar, a Nova Babilônia, apontada na Imagem 13. Não
obstante, ressuscita em dado momento do próprio velório e é declarado Deus pelo Pai Sagrado
Stefano Nicolazzi. O conjunto das performances de Ricardo Montana nesta fase da novela
apontam para um movimento de transição do fundamentalismo bíblico para o
neofundamentalismo, no enredo da novela. Isso porque a referida personagem encena pautas
políticas reprovadas pelas personagens cristãs evangélicas a partir de suas leituras da Bíblia.
Ou seja, o âmbito da política passa a ser avaliado e categorizado a partir de interpretações
religiosas fundamentalistas.
Tais feitos de Ricardo inauguram o período de sete anos de turbulência mundial, em que
reina de forma autoritária e absoluta, visando destruir o mundo. Ricardo estabelece a moeda
única, a religião única, sobretudo a partir de uma suposta atuação ecumênica do Pai Sagrado
Stefano, a sua adoração como Deus, a perseguição e assassinato aos cristãos evangélicos, o
monitoramento e controle individual das pessoas a partir de inteligência artificial e microchip
de identificação implantado no corpo.

Imagem 13 - Cidade Nova Babilônia

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.


76

O objetivo de Ricardo na terceira temporada da telenovela Apocalipse é frustrar a


salvação divina do máximo possível de pessoas por meio de sua veneração como o verdadeiro
Deus. Porém, desde o princípio da trama, o jovem banqueiro sabe que é uma guerra perdida e
que o seu fim seria ficar preso pela eternidade no inferno.
De fato, o desfecho da trama representa o cumprimento final das supostas profecias
bíblicas sobre o Apocalipse: a volta de Jesus à Terra para buscar as últimas pessoas
sobreviventes, bem como prender o anticristo com algemas de ouro e o lançar ao inferno.
Finalmente, após o Apocalipse, Deus abre o livro da vida e julga cada indevido segundo as suas
ações durante a vida.

5.5 A concepção de escatologia e de apocalipse na novela Apocalipse

[...]
Está em qualquer profecia
Dos sábios que viram o futuro
Dos loucos que escrevem no muro
Das teias do sonho remoto
Estouro, explosão, maremoto
A chama da guerra acesa
A fome sentada na mesa
O copo com álcool no bar
O anjo surgindo no mar

Os selos de fogo, o eclipse


Os símbolos do apocalipse
Os séculos de Nostradamus
A fuga geral dos ciganos
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia

Um gosto azedo na boca


A moça que sonha, a louca
O homem que quer mas se esquece
O mundo do dá ou do desce
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Sem fogo, sem sangue, sem ás
O mundo dos nossos ancestrais
Acaba sem guerra mortais
Sem glórias de Mártir ferido
Sem um estrondo, mas com um gemido
[...]
(RAUL SEIXAS, 1991).

Ao tratar em sua tese de doutorado sobre os aspectos escatológicos do


neofundamentalismo e suas representações na mídia brasileira nos últimos anos, o cientista
social Leandro Ortunes (2019) afirmou:
77

No caso da Iurd, ela produziu sua própria série em 2017, chamada Apocalipse. A série
que foi amplamente divulgada pela Rede Record, também dramatizou um possível
governo do anticristo e um ambiente de grande tribulação para os cristãos que
permaceceram na terra e não foram levados aos céus pelo arrebatamento. A
dramatização desta teologia é realizada por meio do espetáculo e com um só objetivo:
a conversão. O espetáculo, por sí só, já é um meio de instrumentalização. Debord já
alertava que os espetáculos, nos meios de comunicação, transmitem uma linguagem
unilateral e isenta de qualquer neutralidade. (ORTUNES, 2019, p. 99).

Essa linha de raciocínio é similar à adotada pelos pesquisadores em Comunicação Social


Araújo e Santana (2019) no artigo “A telenovela como dispositivo de encantamento religioso:
uma análise da novela Apocalipse”, em que afirmam na conclusão do trabalho:

Apocalipse é quase panfletária a favor da Igreja Universal. A trama deixa claro que
somente os evangélicos (protestantes) irão ser salvos por Deus. Por isso o capítulo 56
que tratou do arrebatamento foi tão propagado pela emissora. Foi preciso mostrar para
o maior número de fiéis da igreja o que irá acontecer no fim do mundo, na visão dos
bispos é claro. A narrativa mistura passagens bíblicas com leituras interpretativas da
igreja. Por exemplo, entender o primeiro cavaleiro do Apocalipse como sendo o
demônio é uma interpretação. Muitos acreditam que o arco e a coroa representam o
poder de Deus e não do demônio. Como o livro do Apocalipse é cheio de simbologias,
existe uma margem muito grande para diferentes interpretações. Contudo, a novela
apresenta uma versão da Igreja Universal sobre o livro bíblico e não se propõe a
discutir ou refletir sobre as escrituras sob outros olhares. A sensação que se tem ao
assistir à novela é muitas vezes de medo. Esse sentimento é trabalhado pela
representação do mal, incorporado em alguns personagens e em suas atitudes
perversas. O medo é necessário para que os telespectadores e fiéis da igreja busquem
a salvação, ou seja, a própria igreja. Ao demonstrar como os protestantes são
ridicularizados e insultados na novela, a Universal quer dizer o mesmo para os seus
fiéis. E, como na novela, promete a todos aqueles que acreditam na igreja a salvação
de seus pecados. (ARAÚJO; SANTANA, p. 13, 2019)

Em ambas as interpretações sobre a temática do fim do mundo ou da escatologia no


enredo da telenovela Apocalipse, os dois termos são tratados como um instrumento de
dominação para a conversão por meio do que Ortunes (2019) chama de espetáculo e Araújo e
Santana (2019) destacam como sensação de medo. A sugestão é a de que a análise dos referidos
autores apresenta uma meia verdade. De fato, a temática da escatologia é instrumentalizada
pelos recursos do espetáculo e pela sensação de medo. Porém, discordo de que o seu único
objetivo seja a conversão, como afirma Ortunes (2019), ou a salvação dos pecados daqueles
que acreditam na igreja, como destaca Araújo e Santana (2019).
O objetivo exclusivo de conversão ou salvação poderia ser atribuído às telenovelas de
conteúdo bíblicos da Record TV anteriores a Apocalipse, em que se representavam sociedades
da Antiguidade, como a hebraica e a egípcia, à luz de interpretações fundamentalistas
contemporâneas da Bíblia. Entretanto, uma das características elementares da novela
Apocalipse, como se demonstrará depois, é o seu movimento de transição do fundamentalismo
bíblico para o neofundamentalismo. Nesse sentido, o objetivo central da instrumentalização da
78

escatologia pelos recursos do espetáculo e do medo no enredo da referida novela não é de


conversão (religiosa), mas sim de coesão ideológica do público já convertido; e de
deslegitimação e legitimação neofundamentalista de agendas e pautas políticas,
respectivamente, de esquerda e de direita no pleito brasileiro de 2018. Fato é que diferente da
novela Os Dez Mandamentos (2015) que conquistou um amplo público de distintas
denominações religiosas e constantes recordes de audiência, Apocalipse foi amplamente
criticada pelo público católico e por jornalistas, gerou polêmicas e obteve o menor índice de
audiência nacional entre todas as telenovelas de inspiração bíblica da Record TV. O fato atesta
que, se houve pretensões de conversão por parte dos seus produtores, ela fracassou desde o
primeiro capítulo da trama.
A algumas semanas do início da exibição da telenovela Apocalipse, a Record TV
anunciou nas propagandas veiculadas a trama que se tratava de “uma novela prevista há mais
de dois mil anos”. E na abertura do primeiro capítulo, o conteúdo da narrativa foi afirmado
textualmente como sendo “baseado em fatos reais do passado, presente e futuro”
(APOCALIPSE, 2017, capítulo 1).
Embora as duas afirmativas citadas sejam ambíguas no que diz respeito à temporalidade,
elas exercem com maestria a função, como recurso fundamentalista, de legitimação da novela
como sendo baseada nas histórias das chamadas sagradas escrituras entendidas como a palavra
de Deus, a verdade única, atemporal e imutável. Sendo assim, o objetivo último é afirmar uma
constatação fatual do cumprimento de supostas profecias bíblico-apocalípticas na
contemporaneidade a partir de encenações na respectiva novela.
Desse modo, para a lógica fundamentalista, as referidas frases não são entendidas como
ambíguas ou contraditórias. Isso porque mediante uma acusação de contradição temporal ou
erro, os adeptos do fundamentalismo que, segundo Panaziasc (2007), defendem o preceito da
inerrância da Bíblia, usariam a seu favor, por exemplo, o dispositivo antagônico: sabedoria do
mundo versus sabedoria de Deus a partir de uma leitura ahistórica e descontextualizada da 1ª
Carta de São Paulo aos Coríntios:

Pois não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar, sem recorrer á
sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo. Com eleito,
a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se
salvam, para nós, é poder de Deus. Pois está escrito: ‘Destruirei a sabedoria dos sábios
e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde este o homem
culto?’ Onde está o argumentador deste século? Deus não tornou louca a sabedoria
deste século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a
Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação salvar aqueles
que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós
porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios
79

é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo,
poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que
os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. (1 CORÍNTIOS
1:17-25).

Uma interpretação fundamentalista do referido texto certamente concluiria que o


impossível, o incoerente, o irracional e o absurdo se tornam possível, coerente, racional e
sensato pelo poder sobrenatural de Deus. Nesse sentido, a sabedoria de Deus seria
compreendida também como a sabedoria própria dos fundamentalistas e por conseguinte como
superior a qualquer forma de sabedoria que aponte algum equívoco fundamentalista.
É preciso destacar que o sentido do termo profecia evocado no conteúdo das referidas
frases das propagandas da novela possue um caráter de previsão acertada do futuro. Porém, esse
não é o único e nem o preponderante sentido bíblico-teológico para o termo. A saber, a teologia
acadêmica distingue três sentidos para a ideia de profetismo no âmbito judaico do Antigo
Testamento, observável também no livro do Apocalipse.
O mais comum deriva da palavra hebraica nábi traduzida como profeta, cuja etimologia
aponta para uma influência cultural de outros povos no meio judaico após a conquista de Canaã.
Ela designa uma profecia estática (o extravasar de palavras sob inspiração divina). Já os termos
rõ’eh e hôzeh possuem o sentido de vidente, relacionado ao nomadismo patriarcal. Embora os
profetas bíblicos fossem chamados inicialmente de videntes, não eram tidos sempre como
adivinhos do futuro. Ambas as concepções, profetas e videntes, vieram a se fundir
posteriormente. A profética estática encaminhou-se, com o tempo, para uma perspectiva ética,
fundamentada por oráculos ético-político-teológicos. (SAYÃO, 2012).
Não obstante, percebe-se que a concepção apocalíptica da telenovela em questão,
apresentada nas propagandas e na abertura da trama, possuem um caráter profético de vidência
do futuro. Tal perspectiva está de acordo com os pressupostos do livro Estudo do Apocalipse,
escrito pelo bispo Macedo, em que afirma: “É claro que o Apocalipse reúne informações de
acontecimentos futuros; e são justamente estas informações que revelam a autoridade suprema
e inquestionável do Senhor Jesus.” (MACEDO, 2011, p. 12). O bispo compreende que o último
livro da Bíblia revela fatos futuros e atesta a suma autoridade de Jesus a partir dessas supostas
antevisões bíblicas do porvir. Também está de acordo com a definição de escatologia e de
apocalipse apontada no prefácio do mesmo livro, escrito pelos editores, coordenados por Josué
Linhares.

É bem verdade que a Escatologia, e quanto se dedica à condição futura do homem,


pode, e comumente o faz, tratar ainda das coisas que cercam a humanidade, chegando
a informar profeticamente determinados eventos a respeito do próprio mundo
material. [...] E é exatamente isto que é o Apocalipse: Uma revelação, ou um
80

desvendamento. O livro é fruto de uma revelação sobrenatural ao apóstolo João, tendo


sido ele informado a respeito do futuro da raça humana, de elementos do porvir e das
condições naturais do mundo em certos casos. (MACEDO, 2011, p. 7-8.).

Novamente observamos a perspectiva de profecia como vidência (rõ’eh e hôzeh) e, mais


do que isso, a vidência como fruto de uma espécie de revelação sobrenatural de Deus ao
apóstolo João. Não se trata de um ato puramente de inspiração divina, mas de uma manifestação
transcendente no mundo material com o objetivo de informar a futura condição da humanidade.
Tal perspectiva teológica do Apocalipse apresenta similaridades com a doutrina neopentecostal
da Iurd no que tange à compreensão dos fenômenos sobrenaturais das possessões espirituais e
demoníacas analisadas por Oro (2005). Também é uma leitura anti-hermenêutica e, por
conseguinte, fundamentalista.
A escatologia é uma interpretação teológica da história guiada pela esperança no
cumprimento das promessas de Deus. Existem dois grandes modelos de escatologia no universo
judaico-cristão. O primeiro é a perspectiva escatológica dos profetas – progressivamente
abandonado a partir do período do exílio do povo de Israel – cuja ideia-síntese é que o projeto
de Deus se cumpriria no decorrer da história com a participação humana a partir de sua
fidelidade a Deus. Isso sem haver um holocausto cósmico. E o segundo, nascido no contexto
do exílio dos judeus na Babilônia, bem como no sincretismo do judaísmo com outras religiões,
é a perspectiva apocalíptica, que tem como pressupostos que Deus não atuará na história, mas,
antes, a deixará colapsar por si mesma. Só após essa destruição catastrófica ocorrerá o chamado
juízo final e um processo de plenificação (reinado do Messias) sem a participação/colaboração
humana. (BRANK, 2008).
A concepção de escatologia presente na telenovela Apocalipse é tributária da
perspectiva apocalíptica, cujo sentido da palavra “apocalipse” é similar ao que Russell (1997),
para Soares (2009), compreende como um entendimento moderno do conceito: catástrofe,
colapso, cataclismo. Entendimento esse, recorrente ao longo dos séculos, cujo sentido comum
para o teólogo Corsini (1984), é a recusa pelo presente em detrimento de um futuro insurgente.
Essa abordagem apocalíptica se aproxima do que Kohn (1959) conceitua como
messianismo, isto é, “a crença, a crença religiosa na vinda de um redentor que porá fim à
presente ordem de coisas, seja univocamente, seja para um único grupo, instituindo uma nova
ordem de justiça e felicidade” (KOHN, 1959, p. 356). Compreendo que a concepção de
apocalipse na trama referida caminha em dois sentidos: de uma profecia sobre o fim do mundo
e uma mensagem messiânica da volta de Jesus para lutar contra o mal. Isso a caracteriza como
fundamentalista, uma vez que, segundo Panaziasc (2007), os fundamentalistas defendem o
81

messianismo apocalíptico, a guerra final entre o bem e mal, o controle de Deus sobre a história
e a sua autocondição de ser parte do povo eleito de Deus.
Outra característica da concepção de apocalipse na novela é a ideia de que a “verdade”
(mensagem de Deus), foi revelada a um grupo de pessoas e que o cumprimento das profecias
contidas nelas são observáveis na realidade da vida cotidiana e inevitáveis, como ponto no
diálogo entre o policial Cesar e pastor Jonas. O sociólogo Boaventura S. Santos (2014) esclarece
que essa perspectiva teológica se estrutura por elementos fundamentalistas: “utilizarei, pois, os
termos ‘fundamentalismos’ e ‘fundamentalista’ para me referir a teologias - cristãs e islâmicas-
de acordo com as quais a revelação é concebida como o princípio estruturante de organização
da sociedade em todas as suas dimensões”. (SANTOS, 2014, p. 42).

Cesar: Eu não entendi a reação dele Jonas [de Benjamim]. Sinceramente!


Jonas: A verdade é que nem todas as pessoas estão preparadas para ouvir as escrituras
[Bíblia]. Não é à toa que de certa forma eles são codificados.
Cesar: Em respeito a Zoe eu queria alertar o Benjamim sobre o Ricardo.
Jonas: Mas não era isso que ela tava tentando fazer?
Cesar: Sim, mas...
Jonas: Cê viu o que aconteceu.
Cesar: Justamente! É arriscado ficar do lado desse homem [Ricardo]. Eu só queria
que ele [Benjamim] soubesse com quem tá lhe dando, só isso.
Jonas: Mas se ele preferir não saber? E pior do que isso, se ele decidir acolher os
ideais do anticristo?
Cesar: Cê não acha que o Benjamim merece a oportunidade de, de escolher de que
lado ele vai ficar? Com quem ele vai se meter?
Jonas: Cesar, você tem que entender uma coisa, não adianta alertar o mundo sobre o
Ricardo e o anticristo.
Cesar: Como não Jonas? As pessoas estão sendo enganadas. Agente precisa
desmascarar o Ricardo.
Jonas: Mas isso não vai mudar o que está previsto nas escrituras, a guerra, a fome, a
morte, a perseguição a aqueles que não seguirem a besta [Ricardo]. Saber quem é o
Ricardo ou não, tanto faz, não importa.
Cesar: E a gente faz o que? Deixa o diabo enganar o mundo inteiro?
Jonas: O que eu estou tentando te dizer é que nós não podemos evitar que as profecias
se cumpram. É claro que é importante alertar, espalhar a palavra de Deus, ainda mais
agora que o Espírito Santo deixou a Terra. Mas poucos estarão preparados para ela.
Cesar: E a gente faz o que Jonas: Cruza os braços e fica esperando pelo pior, é isso?
É isso que você está dizendo? É cada um por si e os outros que se dane?
Jonas: Meu amigo, o importante agora é a gente se preparar para esse tempo. Nós
ainda vivemos um período de falsa paz, mas depois de passados três anos e meio,
estaremos lutando pela nossa vida. E muitos daqueles em que confiamos hoje vão nos
trair. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 88).

O apocalipse é tratado neste diálogo como uma profecia sobre o fim do mundo e que
está se cumprindo no fim da década de 2010. Novamente a ideia de profecia é abordada como
vidência e o seu cumprimento se dá de forma determinista e observável na realidade da vida
cotidiana a partir das consequências materiais das ações do anticristo. Apesar disso, a
mensagem revelada às personagens cristãs evangélicas por meio da leitura literal dos textos
82

bíblicos não é capitaneada pelas demais pessoas da sociedade devido a vários motivos. Resta
às pessoas que creem nas supostas profecias do apocalipse, segundo o pastor Jonas, se
prepararem individualmente para a chegada do momento em que cada uma delas lutará pela
sobrevivência. A saída assinalada pela personagem aponta para a canalização da mensagem
apocalíptica na trama como um discurso de alerta sobre situações iminentes que evocam o terror
e o medo. Não obstante, os teólogos Mesters e Orofino (2011) apontam que:

O Apocalipse foi escrito para animar a caminhada das comunidades. Essa animação
significa ser uma resposta e uma iluminação para o momento que viviam. Ela não
quer meter medo. Pelo contrário! Usar Apocalipse para provocar medo é o mesmo
que usar o sol para molhar, e a chuva para secar. (MESTERS e OROFINO, 2018, não
paginado).

Outro elemento importante sobre a mensagem do livro do Apocalipse, apontada pelo


pastor Jonas no referido diálogo, diz respeito a uma espécie de exclusivismo de tal modo
essencialista do texto que ele foi escrito de forma codificada. É possível inferir que a ideia de
códigos presente nessa fala está relacionada a elementos simbólicos do mesmo livro, tais como:
os quatro cavaleiros (JORNAL DA RECORD e DOMINGO ESPETACULAR, 2018), o
anticristo (CRUZ, 2019) e as duas testemunhas (TERTO, 2018) de Jerusalém apontados
respectivamente nas imagens a seguir.
A decifração dos códigos, ou a compreensão do texto do livro do Apocalipse, ainda na
perspectiva do pastor Jonas, não é acessível a todos os seus eventuais leitores. Nesse sentido, a
novela induz ao entendimento de que existe uma forma única e certa de desvelamento dos
códigos do texto. Mais do que isso, a novela demonstra essa forma única e certa de
interpretação a partir do uso literal dos três mencionados símbolos em seu enredo. O objetivo
parece ser de os associar às crises socioeconômica, política, moral e ambiental do mundo
contemporâneo, especialmente as do Brasil, para legitimar de forma pedagógica a concepção
fundamentalista da Bíblia.
83

Imagem 14 - O cavaleiro branco

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

Imagem 15 - O anticristo

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

Imagem 16 - As duas testemunhas de Jerusalém

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

As associações entre a mensagem apocalíptica dos símbolos materializados na trama e


a realidade da vida cotidiana encenada no enredo do folhetim ficam evidentes, por exemplo,
em uma cena do capítulo 44, em que a personagem Oswaldo Santero (motorista evangélico)
interpreta uma série de notícias trágicas apresentadas pelos âncoras Arthur Pestana (editor-
chefe) e Barbara Queiroz, do telejornal do Rio de Janeiro, como sinais apocalípticos:
84

Barbara: Homem mata esposa e três filhos no interior de São Paulo.


Arthur: Nos Estados Unidos grupo extremista soa explosão que fez 53 vítimas em
parque de diversões lotado de crianças.
Barbara: Crise na saúde deixa milhares sem atendimento no Pará.
Arthur: Na índia, enchente destrói cidades inteiras e deixa milhares de desabrigados.
Barbara: Corpo de menina vítima de pedofilia...
Oswaldo incomoda-se e desliga a televisão. Em seguida chega a sua esposa
Letícia.
Letícia: Que dia!
Oswaldo: Oi amor.
Letícia: Que cara é essa?
Oswaldo: Não é nada. Eu estava vendo o jornal. Só tem notícia ruim. Só tem tragédia.
Definitivamente a gente tá vivendo o fim dos tempos, só não vê quem não quer.
Letícia: É, o mundo está mesmo de ponta cabeça. Se não fosse por Deus.
Fim da cena (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 44).

Na referida cena, a apresentação das notícias trágicas em frases curtas, impactantes e


sequenciais gera um sentimento de incômodo e desânimo com a realidade da vida cotidiana em
Oswaldo e na esposa Letícia. Para ambos, o mundo está chegando ao fim e a única solução é
Deus. Ao mesmo tempo, a novela transmite aos telespectadores uma ideia de que Deus é o
único refúgio e a única esperança de todas as pessoas em meio às crises políticas, econômicas,
sociais e ambientais que o Brasil passava no período pré-eleitoral de 2018. Isso aponta para
uma intencionalidade neofundamentalista, tributária da Teologia do Domínio, na narrativa da
novela Apocalipse, cujo objetivo pode ser de criar um clímax social de medo apocalíptico que
vá ao encontro dos interesses político-religiosos da Iurd no pleito brasileiro de 2018.
Outra questão que se destaca na cena é a semelhança entre o referido telejornal do Rio
de Janeiro (cujo nome não é revelado) e o âncora e editor-chefe, Artur Pestana, com o Jornal
Nacional (JN), da Rede Globo – sediado no Rio de Janeiro – e o âncora e editore-chefe, o
jornalista Willian Bonner. Além da predominância das cores azul e cinza em ambos os cenários,
as semelhanças físicas e de adereços entre os âncoras, destacando-se a mecha de cabelo grisalho
na região acima da testa como é possível comparar nas imagens 17 e 18, o telejornal do Rio de
Janeiro cria um clímax de pessimismo social a partir do estilo compacto e bombástico de
apresentação das notícias.
É um estilo similar ao da escalada de abertura do JN que, entre 2015 e 2018, deu um
hiperfoco em manchetes alarmantes, de forma a transmitir um sentimento de pessimismo para
com a realidade da vida cotidiana em meio às tensões políticas do processo de impeachment da
presidenta Dilma Rousseff, dos escândalos de corrupção no interior do governo Temer (2015-
2018), dos processos de desvelamento de corrupção pela Operação Lava Jato, da greve nacional
dos caminhoneiros que reivindicava a diminuição do preço do combustível e das já
mencionadas crises no setor da segurança pública nos estados do Espírito Santo, do Pará e do
Rio de Janeiro.
85

Os fatos contribuíram para o acirramento dos ânimos de vários setores da sociedade


brasileira e para a criação de um clímax social apocalíptico de fim do mundo em torno das
eleições de outubro de 2018, como será discutido no próximo tópico.

Imagem 17 - Artur Pestana, ancora e editor-chefe do telejornal do RJ

Fonte: Print da gravação da novela Apocalipse, 2018.

Imagem 18 - Willian Bonner, âncora e editor-chefe do telejornal JN

Fonte: Área Vip, 2019.

A respeito das similaridades entre a personagem Artur Pestana e o jornalista Willian


Bonner, o jornal O Globo publicou em dezembro de 2017 o artigo “Junno Andrade brinca com
comparações entre seu personagem em Apocalipse e William Bonner” (CARVALHO, 2017)
destacando que o artista se sentiu honrado com as comparações, mas que não era o objetivo da
produção.
Não obstante, o enquadramento das mencionadas cenas do telejornal do Rio de Janeiro
associadas à preocupação de Artur Pestana com os índices de audiência (representada na trama),
similar ao conhecido ensejo de Willian Bonner em manter o JN como o principal telejornal
brasileiro, dá a entender que se trata de uma crítica da Record TV à ética jornalística da Rede
Globo que, entre 2015 e 2018, investiu no referido hiperfoco em notícias políticas, econômicas,
86

sociais e ambientais bombásticas.


A mesma crítica pode ter mais dois significados: uma espécie de revanche motivada
pelas várias reportagens do JN entre as décadas de 1990 e 2010 que denunciavam práticas de
corrupção e intolerância religiosa da Iurd; e uma estratégia de combate às pautas políticas da
Rede Globo, uma vez que as duas emissoras apoiavam agendas políticas diferentes no cenário
pré-eleitoral de 2018.
O suposto levantado de que a referida crítica tenha um caráter de revanche da Iurd para
com o JN e a Rede Globo, a partir da Record TV, pode ser corroborada também a partir das
considerações que o cientista social Leandro Ortunes (2019) faz sobre a estratégia
neofundamentalista de demonização do outro por meio de uma mensagem escatológica com o
objetivo de dominação de fiéis.

No caso da Iurd, além da diabolização da política, a igreja defende a tese de que é


vítima de perseguição religiosa. Com isso, cria um ambiente de comoção junto aos
fiéis sobre a necessidade de fortalecer-se politicamente. Embora esses discursos sejam
baseados em argumentações desprovidas de uma coerência lógica, acabam
promovendo maior coesão entre os fíéis da igreja que é, então considerada por ele, “a
mais discriminada, marginalizada e perseguida do país” (DANTAS, 2011, p. 36).
Neste sentimento produzido de discriminação, elegem-se inimigos como a Igreja
Católica, Rede Globo e os comunistas, sendo, tudo isso, segundo eles, parte das
estratégias malignas de dominação. (ORTUNES, 2019, p. 97).

Já no que tange ao sentido da referida crítica como combate de pautas políticas da Rede
Globo, é preciso destacar que na década de 2010 a emissora de televisão tendeu para a defesa
do liberalismo econômico e social a partir de posicionamentos político-ideológicos em suas
novelas, telejornais e programas de forma a apoiar as reformas econômicas neoliberais do
governo Temer (2016-2018) e as pautas identitárias dos movimentos negro, feminista e
LGBTQIAP+. Elas também eram apoiadas pelo apresentador da emissora de televisão Luciano
Huck, que demonstrou várias vezes o interesse de ser candidato à presidência da República pelo
partido de centro-direita PSDB. Já a Record TV tendeu na mesma época para a defesa do
liberalismo econômico e do conservadorismo sociocomportamental se posicionando também,
por meio de seu jornalismo e teledramaturgia, a favor das pautas políticas da menoridade penal
e contra as agendas políticas da legalização das drogas, de gênero, do aborto e dos demais
direitos das mulheres sobre o seu corpo.
Nesse sentido, suponho que a crítica da novela Apocalipse ao JN é sobretudo uma crítica
explícita à Rede Globo, de forma a colocar a teledramaturgia e o jornalismo da Record TV
como uma alternativa aos da referida emissora de televisão concorrente.
É importante pontuar que a Rede Globo sofreu críticas, boicotes e perda de audiência
87

por parte de amplos setores da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. A esse
respeito Silva et al (2011) no artigo “Ciberativismo e comunidades virtuais: um estudo sobre o
movimento anti-Globo” identificaram cinco motivos no âmbito das comunidades virtuais para
a resistência à referida emissora de televisão: a programação (isto é, a imagem do Brasil
transmitida pela programação e a sua influência sobre discórdias no interior das famílias e sobre
a alienação do público, bem como a repetição de filmes e a manutenção de programas
saturados); a defesa a outro canal (em específico à Record TV, a comparando com a Globo); o
preconceito em relação a grupos religiosos (em específico os evangélicos); e a possível
manipulação da informação (a partir da forma de divulgação da informação e dos programas
transmitidos).
Gostaria de inserir as informações de Silva et al (2011) em uma percepção própria que
tive ao longo da década de 2010 a partir de minha página do FaceBook. A inserção de temáticas
oriundas das identidades de gênero e étnico-racial em várias novelas da Rede Globo na última
década podem ser um dos motivos para as críticas e boicotes à emissora de televisão. É o caso,
por exemplo, da repercussão da polêmica nacional dos chamados beijos gays encenados nas
novelas Amor à Vida (2013) e Em Família (2014), primeiras representações de beijos entre
pessoas do mesmo sexo na história da teledramaturgia da referida emissora. Já a Record TV,
na mesma época, em contraponto à suposta promiscuidade da Rede Globo, angariou novos
telespectadores a partir do investimento na produção das chamadas telenovelas bíblicas.
Não é um dos objetivos deste tópico analisar os atritos políticos-empresariais entres as
duas referidas emissoras de televisão, porém a identificação da representação deles no enredo
da telenovela Apocalipse forneceram elementos que jogam luz sobre as contribuições da Rede
Globo e da Record TV para com o clímax social brasileiro de fim do mundo no contexto das
eleições presidenciais de 2018.
Ademais, destaca-se que a concepção de escatologia e de apocalipse presentes na
telenovela Apocalipse evocam um sentido de cataclismo mundial associado à presença
estruturante do elemento política e da ideia de profecia como vidência do futuro. Nesse sentido,
a ideia de apocalipse na trama parte de uma leitura fundamentalista-milenarista do texto bíblico
e deságua em uma intencionalidade neofundamentalista de intervir na realidade da vida
cotidiana brasileira por meio de uma mensagem ideológica.
88

5.6 O apocalipse como uma realidade sociopolítica brasileira em 2018?

Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar


Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso, nessa noite, lá no morro não se fez batucada

Acreditei nessa conversa mole


Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar

Beijei a boca de quem não devia


Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
[...]
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão

Agora eu soube que o gajo anda


Dizendo coisa que não se passou
E vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou
[...]
(CARMEN MIRANDA, 1938).

A origem da palavra apocalipse, como afirma o filósofo Corsini (1984), é grega e


significa revelação. Na Bíblia designa a Revelação de Jesus, ou seja a transmissão da mensagem
de Jesus como palavra de Deus à humanidade. O filósofo também destaca que a palavra nomeia
um gênero literário bíblico presente em textos do Antigo e do Novo Testamento – como, por
exemplo, o livro veterotestamentário de Daniel – tendo, porém, como modelo, o livro
neotestamentário de mesmo nome, cuja escrita é atribuída por vários teólogos cristãos
(católicos, protestantes e evangélicos), embora não todos, ao apostolo São João quando esteve
preso em martírio, no século I d.C, pelo Império Romano, na ilha grega de Patmos.
O problema da autoria do livro ainda é uma polêmica, mas, para Corsini (1984),
confirmar ou não o nome do apóstolo como sendo o autor do referido livro não influi sobre o
que é a questão central para o filósofo, a compreensão do seu conteúdo. Apesar disso, a
atribuição da autoria do livro ao apóstolo João também é aceita e confirmada pela Iurd, tendo
em vista que o bispo Edir Macedo (2011) afirmou em “Estudo do Apocalipse” que:

Após ter conhecido o Senhor como Ele realmente é, o apóstolo João se identifica para
todos os demais seguidores do Senhor Jesus como “...irmão vosso e companheiro na
tribulação, no reino e na perseverança...” (Apocalipse 1.9). Ele não se dirige à Igreja
como apóstolo, conforme fizeram Paulo e Pedro. [...]. (MACEDO, 2011, p. 23).
89

O presente trecho apresenta, assim como a concepção de escatologia e apocalipse no


enredo da telenovela Apocalipse, uma ênfase na ideia de revelação como um presságio místico.
O teólogo Dionísio O. Soares (2009) aponta que para Hanson (1976) o gênero literário
apocalíptico se caracteriza por narrativas sobre o anúncio de uma revelação dada por Deus a
um mediador visionário a respeito de eventos futuros, objetivando esclarecer aos eleitos, o
porvir do mundo, reconfortá-los e os manterem fiéis.
O gênero adquiriu importante espaço no meio cinematográfico ao longo do século XX
e início do XXI, com novos horizontes interpretativos para além do religioso. No que tange à
produção gospel, o gênero apocalíptico seguiu uma prática evangélica do uso do espetáculo
para a promoção da cultura do medo como é o caso dos filmes “A Grande Tormenta” (1987),
“Deixados para Trás” (2000) e “O Fim da Colheita” (1998). (ORTUNES, 2019).
No âmbito não confessional, o gênero foi resumido à ideia de fim do mundo ou
destruição parcial do mundo. Foi ampliado com o desenvolvimento dos subgêneros pré-
apocalíptico (os antecedentes do fim dos tempos), pós-apocalíptico (a nova realidade existente
após o cataclismo, seja em outro universo, como o espiritual, ou no mundo material, se o
colapso não for total) e apocalipse zumbi (destruição da humanidade pelos zumbis).
Na década de 2010 o tema do apocalipse readquiriu popularidade no Brasil e em vários
países, seja pela perspectiva religiosa, pelas agendas ecológicas ou pelos conflitos e crises
político-econômicas. Havia um sentimento de estranhamento e medo, mas, também, de fascínio
pela magnitude do poder destruidor do fim dos tempos. Destacavam-se no cenário internacional
a crise imobiliária nos Estados Unidos em 2008, as guerras civis da Primavera Árabe (2010), a
Troika na União Europeia a partir de 2010, e o esfacelamento da Onda Rosa em alguns países
da América Latina, frente à Onda Conservadora, também, a partir de 2010.
A data de 21 de dezembro de 201231 que, segundo interpretações livres de uma suposta
profecia referente ao apocalipse, devido ao término das datações de um calendário maia, em
evidência na época, ganhara espaço nos meios de comunicação de massa, nas redes sociais e
nas ruas, gerando discussões e brincadeiras. Isso ocorria desde 2008, com o início das gravações
do filme de ficção apocalíptica: 2012. Lembro-me que na escola e na igreja muitos colegas,
professores e conhecidos ratificavam o suposto de que estávamos entrando no chamado início
do fim dos tempos. E outros, como eu, dizíamos em alusão às nascentes críticas a realização da

31
Lembro-me bem desta data, pois foi o dia da minha cerimônia de formatura como aprendiz de mecânico
industrial pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o paraninfo da turma iniciou o dicurso em tom
descontraído afirmando: “Apropriada ocasião para se celebrar o fim de um ciclo de formação”.
90

Copa do Mundo de 2014 no Brasil e das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, que o fim do
mundo foi adiado no Brasil porque o país não tinha estrutura para sediar o evento.
Vários filmes e séries com elementos apocalípticos (incluindo pré, pós-apocalipse e
apocalipse zumbi) foram produzidos nas décadas de 2000 e 2010, com objetivos comerciais de
proselitismo religioso e de proselitismo político. Destacam-se os filmes “O Dia Depois de
Amanhã” (2004), “Guerra dos Mundos” (2005), Wall-E (2008), 2012 (2009), “O Livro de Eli”
(2010), “Melancolia” (2011), “Meu Namorado é um Zumbi” (2013), “Depois da Terra” (2013)
e “Invasão Zumbi” (2016). Além disso, series como The Walking Dead (2010), The 100 (2014),
Ash vs Evil Dead (2015), The Last Man on Earth (2015) e The Handmaid's Tale (2017).
No período eleitoral brasileiro de 2018, o youtuber André Guedes produziu em seu canal
do YouTube (GUEDES, 2020) uma série de 12 episódios em videoanimação chamada “Zumbis
em Brasília” (com expressivo número de visualizações que variam entre 2,8 mil e 8,5 mil), que
trabalha o pleito de 2018 a partir da caricaturização dos candidatos à presidência da República.
Eles disputam o cargo em meio a um cenário apocalíptico, como é possível observar na Imagem
19. A série aponta para um sentimento nacional de fim do mundo envolto naquelas eleições,
seja pela possível vitória do extremista de direita Jair Bolsonaro ou do retorno do PT ao governo
após uma ampla campanha de desconstrução do partido que gerou, entre outras situações, a
deposição da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a prisão do ex-presidente Lula em 2017. O
sentimento de fim do mundo envolto nas eleições de 2018 está estreitamente associado ao
antagonismo exacerbado do antipetismo versus petismo. Ou seja, ou o mundo se acabaria com
a vitória da extrema direita ou com o retorno do PT ao poder.
91

Imagem 19 – Imagens de capa dos vídeos da série “Zumbis em Brasília”

Fonte: Print da página de André Guedes, 2021.

Tal sentimento fatalista possui ao menos duas origens. A primeira diz respeito ao
histórico renascer ou fortalecimento do conservadorismo sociopolítico após um período de
significativos avanços sociais promovidos por governos progressistas. Trata-se de uma resposta
conservadora em defesa da manutenção da tradição, da fé, da família, dos costumes etc.
(ORTUNES, 2019). E o segundo tem a ver com uma das características fundamentais do
presidencialismo destacadas por Salinas e Rebolledo (2013) ao analisarem a obra do cientista
político Juan Linz, a saber, a rigidez da escolha eleitoral por um período fixo. Segundo os
autores, as eleições em um sistema presidencialista tendem a criar crises e polarizações no
interior dos governos devido a vários fatores como o fato de que o vitorioso ganha tudo e o
derrotado perde tudo; a dificuldade de exoneração do governo, que é possibilitada apenas pelo
processo de impeachment; a rigidez do período preestabelecido do governo inviabilizando o
seu encurtamento ou ampliação; e a perpetuação das alianças políticas em um governo de
coalisão.
A novidade trazida pela Record TV em relação ao gênero apocalíptico como fim do
mundo diz respeito mais ao seu ineditismo no formato de telenovela do que em relação ao seu
conteúdo em si. De fato, não havia, desde então, no mercado televisivo e cinematográfico
nacional e internacional, a produção de uma telenovela de temática apocalítica, inspirada no
92

livro bíblico do Apocalipse. Porém, no que tange ao tratamento fundamentalista do texto bíblico
e no uso de recursos cinematográficos para materializar figuras de linguagem e símbolos
religiosos, a telenovela em questão se apresenta como uma continuidade do cinema gospel. Já
a novidade de Apocalipse, em relação às demais novelas de inspiração bíblica da Record TV,
está na transição do fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo. Isso devido à
presença de discursos religiosos com objetivos políticos.
O movimento de transição do fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo no
enredo da telenovela Apocalipse ocorre a partir de dois fatores. O primeiro diz respeito à
encenação da narrativa do livro do Apocalipse na contemporaneidade e não no período em que
ele foi escrito. E o segundo diz respeito à menção do mesmo livro ao governo do anticristo.
Embora a menção se refira aos imperadores romanos do século I d.C. como Nero, que travou a
primeira perseguição aos cristãos, a novela a representa como um possível governo mundial
levado a cabo pela ONU.
A Record TV e a Iurd, portanto, trouxeram para a televisão aberta um gênero pop na
indústria do cinema, que adquirira importante espaço desde meados do século XX, no contexto
das guerras mundiais, e o fizeram dispondo de tecnologia cinematográfica para a produção de
efeitos especiais em vários episódios, dentre eles, o do tsunami, no capítulo 1, que matou
Jonathan e Elisa Gudman, pais de Alan e Uri. Aliás, esse episódio em particular apresenta
similaridades com cenas do filme “O Impossível” (2012) de Juan Antonio Bayona (apontado
na imagem a seguir), que trata da destruição de um lugarejo da Tailândia, onde o casal Maria e
Henry aproveitavam as férias com os três filhos. As similaridades corroboram a ótica do
antropólogo Oro (2015) ao afirmar que a Iurd atua a partir da apropriação, imitação e da
extrapolação de um elemento existente.
93

Imagem 20 - Capa do DVD do filme “O Impossível”

Fonte: Papo de Cinema, 2017.

Retomando a questão política, o fim do período em que o PT governou o Brasil (2003-


2016) abriu precedência para a reconfiguração das forças políticas brasileiras – partidárias,
empresariais e da sociedade civil organizada. Tal momento foi marcado por uma série de crises
que não passaram despercebidas pela autora da novela Apocalipse, Vivian de Oliveira que, em
entrevista a Antônia Fontenelle, no programa Na Lata, referente à produção de outra telenovela,
também de conteúdo bíblico, para a Record TV, Os Dez Mandamentos, afirma que a crise que
o Brasil passava em 2015 favorecia a audiência da novela.

Antônia Fontenelle: Você é... Em poucas palavras Vivian, você consegue descrever
o nosso momento político?
Vivian de Oliveira: Não, eu acho que é um momento... Então...
Antônia Fontenelle: Eu falo em poucas palavras porque é chato, é um assunto chato,
mas que a gente não pode deixar passar batido.
Vivian de Oliveira: Sim, sim. Eu acho que é um momento que as pessoas estão
decepcionadas, estão frustradas, não é? De, é... E isso ajuda até Os Dez Mandamentos,
entende? Imagina, uma novela que fala do sonho de liber... De um libertador que
venha resgatar. De uma terra prometida, né? Todo mundo sempre esperou tanto que
o Brasil, é... Prosperasse. Que a gente teve um pouquinho disso, né? Da economia lá
atrás florescendo, a classe, o, a classe baixa subiu, ganhou uma, um status é... E agora
o sonho acabou, assim é... E agora eles estão vendo que não é por aí e eu acho que a
novela fala muito disso, sabe? De uma, de uma, de pessoas muito sofridas e que estão
esperando a terra prometida chegar, sabe? O sonho da liberdade. Acho que tenha haver
um pouco. Talvez por isso também. É o imaginário popular...
Antônia Fontenelle: Cê acredita que a gente... Que é só mais uma crise e que a gente
vá conseguir...?
Vivian de Oliveira: A eu sempre acredito no lado... Eu sempre acho que as coisas
vão melhorar, sabe? Eu acho que tem momento de crise do Brasil, pesada, mas tem
uma crise mundial também, mas nos Dez Mandamentos num tá um sucesso no meio
94

dessa crise toda?


Antônia Fontenelle: Sim sim... (FONTENELLE, 2015).

Percebe-se nas respostas da entrevistada uma narrativa de conteúdo messianista


associada à realidade brasileira da época. Tendo em consideração que o sentido último da
escatologia, como já apontado, é a esperança na instauração de um reino de justiça após o
colapso do império da injustiça (e no caso do Cristianismo a esperança é depositada no regresso
de Jesus à Terra), pode-se inferir que a produção da próxima novela de conteúdo bíblico da
autora para a Record TV, Apocalipse, se aponta como um sinal de consolo e esperança aos
telespectadores brasileiros que viviam a crise política que o país passava em 2016/ 2017.
Entretanto, a concepção apocalíptica da escatologia, recorrentemente utilizada por várias
denominações religiosas como uma adaptação teológica frente aos novos cenários contextuais,
é ambígua. Segundo Ortunes (2019), gera simultaneamente no fiel o desejo pela redenção
advinda do fim do mundo e o medo em relação aos desastres sociopolíticos e ambientais
envoltos no processo.
Destarte, vários acontecimentos que marcaram o Brasil e alguns países do mundo nas
décadas de 2000 e 2010 serviram de inspiração para cenas, personagens, discursos e cenários
da telenovela Apocalipse como o atentado às Torres Gêmeas em Nova York, a crise do sistema
penitenciário brasileiro, a exemplo dos conflitos entre fracções criminosas nos presídios de
Manaus e Roraima em 2017, atentados terroristas em Israel e as migrações do Oriente Médio
para a Europa provocados pela Primavera Árabe. Embora diversificados, esses acontecimentos
são de caráter sociopolítico e geoeconômico. Inseridos neles estão pautas políticas de cunho
moral como também será apontado no último capítulo desta dissertação.
Fenômenos semelhantes são representados na novela, em cenas que enfocam desastres
ambientais, tragédias derivadas de intervenções espirituais malignas e ocorrências tidas como
milagrosas, provenientes de intervenção divina. Todos os fatos encenados são interpretados e
apresentados a partir de uma concepção teológica específica, vocalizada pelos personagens
pastor Ezequiel, pastor Jonas e o arqueólogo Rodrigo Queirós.
A partir de interpretações teológicas (pastores) e literárias (arqueólogo) sobre o livro do
Apocalipse, bem como um livro apocalítico apócrifo, cujo nome não é revelado na trama, os
personagens colaboram com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, na pessoa do investigador César,
para desvendar crimes esotéricos, considerados apocalíticos, na cidade.
No capítulo 34, por exemplo, o arqueólogo Rodrigo Queirós tem um insight ao
conversar com o policial civil César, em um restaurante, sobre as possíveis intenções do
assassino, auto intitulado Samael. Para o arqueólogo, tratou-se de uma ação criminosa inspirada
95

em um livro apocalíptico apócrifo cujo nome não é mencionado na cena. O arqueólogo Queirós
interpreta os atos do assassino autodenominado Samael a partir da sua interpretação de um livro
apocalíptico apócrifo, cujo nome não é mencionado na cena. Mas apesar do trabalho teológico
desempenhado pelos pastores e pelo arqueólogo, a narrativa da novela se desenvolve sem
grandes preocupações com os sentidos contextuais e teológicos do texto do livro do Apocalipse
escrito na conjuntura histórica do Império Romano do século I d.C. Antes, foca na ideia de fim
do mundo como profecia/verdade bíblica que pode ser constatada, supostamente, na realidade
de crise do Brasil e de vários países na contemporaneidade. Nesse sentido, o período pré-
eleitoral brasileiro de 2018 é marcado por uma novela que trata a realidade sociopolítica do país
naquele momento como uma dialética entre o bem e o mal, o moral e o imoral etc.
A narrativa geral do conservadorismo político-religioso presente no Brasil naquele
momento pré-eleitoral como, por exemplo, o design inteligente (defendido pela personagem
Monique Filadélfia, biomédica e cristã evangélica) e o criacionismo (defendido pela
personagem Zoe Santero, jornalista e cristã evangélica), aparece na novela Apocalipse de
diversas formas. Dentre elas, destacam-se as dicotomias entre religião e ciência. A esse respeito
a personagem Uri Gudman, astrofísico e ateu, incorpora uma narrativa comumentemente
atribuída por cristãos fundamentalistas aos cientistas em geral: a negação da Bíblia como uma
forma de conhecimento válida em termos históricos e científicos.
Ainda no que tange à problemática da ciência e do chamado anti-intelectualismo no
Brasil, o ideólogo Olavo de Carvalho, considerado como o guru conservador católico da
campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, denunciava que as universidades e a
comunidade científica brasileira eram um reduto de esquerdistas comunistas e feministas.
A esse respeito, publicou um vídeo no YouTube em 2017 intitulado Aprenda a calar a
boca do seu professor comunista (MOTA, 2017). Naquele período pré-eleitoral, intensificaram-
se as campanhas anticiência e Escola sem partido que levou vários alunos secundaristas e
universitários do país a coagirem verbalmente seus professores em sala de aula e filmá-los com
o intuito de denunciá-los socialmente nas redes sociais. Algumas filmagens desse gênero ainda
podem ser assistidas pelo You Tube como, por exemplo, o vídeo Flagrante de doutrinação
ideológica em escola de Niterói (JORDY. 2018), seguido da hashtag #EscolaSemPartidoJá.
Por fim, várias pautas políticas conservadoras presentes no período pré-eleitoral de
2018, muitas delas de interesse da Iurd, são reproduzidas na novela Apocalipse: anticiência,
antifeminismo, antidireitos-humanos e anti diálogo inter-religioso como caminhos de salvação
individual frente ao suposto fim do mundo.
96

6 O CENÁRIO PRÉ-ELEITORAL DE 2018 NO BRASIL

O período pré-eleitoral e eleitoral de 2018 no Brasil foi marcado por uma série de
atipicidades em relação aos antecessores. É preciso discutir este período da história nacional a
partir de uma palavra que ganhou destaque no cotidiano dos jornais, telejornais, redes sociais e
demais setores da sociedade nacional: a “crise”. Seja ela no campo político, econômico,
ambiental ou moral, adquiriu visibilidade desde o início da década. Porém, é importante
assinalar de antemão que apesar de a palavra crise se apresentar de forma multifatorial e
multifacetada no contexto histórico nacional aqui tratado o foco da pesquisa se assentou nas
esferas político-ideológica e religiosa-moral.
As explicações das Ciências Sociais sobre as causas das crises políticas no Brasil na
década de 2010 tendem a dois caminhos gerais: um que parte da esfera econômico-social, outro
da esfera político-democrática e ideológica. A resposta econômico-social, representada, por
exemplo, por várias publicações32 dos professores de Ciência Política Armando Boito Jr e de
Sociologia Jessé Sousa e têm como base epistemológica respectivamente as teorias de Karl
Marx e Pierre Bourdieu sobre os conflitos de classes sociais e frações de classes. Já a resposta
político-democrática e ideológica, representada pelas influências internacionais de uma
literatura da Ciência Política dos Estados Unidos, se apresenta preocupada com o avanço do
conservadorismo da ultradireita, do nacional-populismo e da radicalização à esquerda, fatores
que, segundo eles, contribuíram, desde o fim da década de 2000, para o enfraquecimento da
democracia liberal em países de todo o mundo e com a crise de representatividade dos partidos
políticos, das agremiações sindicais e dos movimentos sociais.
A proposta é iniciar pela abordagem econômico-social de inspiração marxiana
apontando-lhe os seus argumentos e os seus problemas. Ao avaliar o cenário político-nacional
do Brasil em 2016 – que não deixa de ser o mesmo período histórico aqui abordado – no artigo
“Os atores e o enredo da crise política”33, o professor de Ciência Política, Armando Boito Jr.34
(2016), indicou dois equívocos, comuns à época, referentes às análises da crise político-
institucional que o país passava. Trata-se de abordagens que partem das sublevações entre
personalidades políticas (Exemplo: o senador Aécio Neves versus a presidenta Dilma Rousseff)
e das que partem das lutas entre correntes de ideias (como os neoliberais versus os nacional-
desenvolvimentistas), para explicarem as tensões do campo político. A limitação de ambas as
perspectivas, segundo o professor, é que elas se apoiam na premissa de que os indivíduos e as

32
Destaco o livro best seller A elite do atraso, da escravidão a Lava Jato, do professor Jessé Sousa.
33
Publicado em Por que Gritamos Golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. (2016)
34
Professor titular de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (regime de dedicação exclusiva).
97

ideias são atores autônomos e conscientes, capazes de conduzirem, sozinhos, a realidade.


Também desconsideram as origens sociais das ideias e os contextos estruturais das relações
sociais em que os indivíduos estão inseridos.
Embora Armando Boito Jr. (2016) não mencione, essa é uma crítica frequentemente
feita à abordagem sociológica da Escola de Chicago, o interacionismo simbólico, que de
Herbert Blumer (1900-1987) a Erving Goffman (1922-1982), trabalhou os conceitos de
interações sociais e representações sociais a partir do prisma das interpretações dos sentidos
intentados das ações sociais, sem se aterem à esfera das estruturas sociais de poder.
Em contrapartida, as análises focadas no primado do indivíduo e das ideias sob o campo
da política, Boito Jr. (2016) sugere – tomando como referencial teórico-metodológico o
materialismo histórico-dialético marxiano – que a principal questão para se abordar uma crise
política é identificar “quais são os atores e qual é o enredo do drama chamado crise?”. (BOITO,
2016, p. 23). Apesar da perspectiva que o professor adotou para analisar o cenário político
brasileiro de 2016 apresente méritos frente às que ele critica, ela incide sobre as limitações da
abordagem marxiana, a saber, o essencialismo, o determinismo e o economicismo, uma vez que
compreende que “o que temos aqui [no Brasil] é um conflito distributivo, pela apropriação da
riqueza, e ele envolve diversas classes e frações”. (BOITO, 2016, p. 25).
Essa última afirmativa de Boito Jr. (2016) apresenta uma meia verdade. Se por um lado
o professor não resume a realidade brasileira a partir do antagonismo entre burguesia e
proletariado, de outro, ele não possibilita a abertura da análise para o que Bourdieu chamava de
gostos de classes e modos de vidas, ou ainda, o que Max Weber compreendia como pluralismo
causal ao apontar a formação da ordem econômica capitalista não pelas condições materiais
como Karl Marx, mas pela ética protestante. Ou seja, para além do “conflito distributivo, pela
apropriação da riqueza” existem vários outros fatores a serem levados em consideração, como
a esfera política e a esfera religiosa, por exemplo. É o que se pode atestar no último discurso da
presidenta Dilma Rousseff no momento em que recebeu do Congresso Nacional o comunicado
de seu afastamento definitivo do cargo:

[...] Mais o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido ou os
partidos aliados que me apoiam hoje. Isso foi apenas o começo. O golpe vai atingir
indistintamente qualquer organização política progressista e democrática. O golpe é
contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas
as suas acepções: direito ao trabalho e a proteção de leis trabalhistas; direito a uma
aposentadoria justa; direito à moradia e a terra; direito a educação, a saúde e a cultura;
direito aos jovens de protagonizarem a sua própria história; direito dos negros, dos
indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser
reprimido. O golpe é contra o povo e contra a nação. O golpe é misógino! O golpe é
homofônico! O golpe é racista! É a imposição da cultura da intolerância, do
98

preconceito e da violência. Peço as brasileiras e aos brasileiros, que me ouçam [...].


(ROUSSEFF, 2016).

O discurso, transmitido pela televisão, pelo rádio e pela internet, independentemente da


questão político-ideológica, possui valor histórico para o Brasil análogo ao da Carta Testamento
do presidente Getúlio Vargas lida à nação por meio do rádio na ocasião da sua morte. Em ambas
as narrativas, os presidentes registram textualmente elementos estruturais de uma consciência
coletiva a respeito da realidade da vida cotidiana do momento histórico do qual vivem e falam.
Chama a atenção que, embora os dois presidentes tenham dado foco à questão
desenvolvimentista nos seus governos, o discurso final proferido à nação se expande para além
do âmbito econômico e apresenta questões de diversas ordens, como o racismo, a misoginia e
a homofobia pontuados pela ex-presidenta Dilma.
Consoante o movimento de expansão dos conflitos de classes sociais da ordem
econômica para a simbólica está a análise social do livro A elite do atraso, da escravidão à Lava
Jato do sociólogo brasileiro Jessé Souza (2017). A análise dele tende mais para um tratamento
bourdieusiano do que marxiano do antagonismo de classes no Brasil. O livro se tornou um best
seller à época, foi tomado como uma referência para se compreender a crise política brasileira
de 2015 a 2017 e inspirou o samba-enredo e o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti,
vice-campeã do carnaval carioca de 2018.
De forma geral, o livro estabelece duas críticas sociológicas. A primeira é em relação
ao que Jesse Souza (2017) chama de racismo intelectual presente na obra clássica “Raízes do
Brasil” do historiador brasileiro Sérgio Borque de Holanda. E a segunda é sobre o que classifica
como um pacto antipopular e conservador da elite nacional com a classe média e a sua violência
simbólica contra a ralé, isto é, a classe trabalhadora brasileira enquanto uma continuidade
moderna da escravidão negra.
Embora o referido livro apresente vários méritos ao jogar luz sobre os conflitos de classe
sociais a partir da ordem simbólica brasileira, segundo o autor, originária da instituição da
escravidão, a sua análise tem pelo menos dois problemas centrais: primeiramente, é muito
influenciada pelo calor da batalha envolta na crise política que o Brasil passava. Ou seja, a
narrativa possui uma forte característica política denunciativa e combativa materializada
sobretudo na estrutura maniqueísta de apresentação dos conflitos de classe social no Brasil a
partir de dois atores, a elite de rapina versus a ralé. E, em segundo lugar, mas não menos
importante, possui uma compreensão unilateral e determinista do transcorrer da história que
desconsidera a eventualidade dos contraditórios e dos inesperados sobre as ações das classes
99

sociais, das instituições e dos indivíduos.


Já no que tange à abordagem político-democrática, a maior representante é o best seller
internacional “Como as Democracias Morrem” dos cientistas políticos estadunidenses e
professores da Universidade de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018). De forma
geral, a referida abordagem apresenta uma pujante preocupação da Ciência Política nos últimos
anos sobre a iminência de outsiders no establishment político das democracias e sobre os
impactos efetivos e potenciais da massificação da internet e do desenvolvimento da inteligência
artificial sobre a democracia liberal. Podemos ler uma boa descrição das influências de ambos
os fenômenos sobre a democracia liberal no artigo “Da libertação à desordem: redes sociais e
democracia” de Tuckers et al (2018). Os autores destacam que as redes sociais têm se mostrado
um importante instrumento de vazão de discursos autoritários, outrora excluídos dos debates
políticos nos meios tradicionais de comunicação. Além disso, tem servido também como um
instrumento de censura por meio da exploração de plataformas de liberdade de informação
visando silenciar outras plataformas.
O surgimento dessas novas tecnologias digitais é atribuídas por Feldstein (2019) a três
fatores: o aumento da disponibilidade de bases de dados (Big Data) públicas e privadas; as
aplicações avançadas de machine learning; e o avanço da capacidade de processamento
computacional. O cientista político Ronald J. Deibert (2019) avança na discussão da
importância das bases de dados e suas análises para as tecnologias digitais ao destacar três duras
verdades sobre as redes sociais: a base do modelo de negócio das redes sociais é a vigilância
minuciosa dos dados pessoais dos consumidores para o direcionamento de publicidade; a
tolerância voluntária e consciente dos consumidores pela vigilância em que estão submetidos e
a evidente compatibilidade das redes sociais com o autoritarismo.
No que concerne à tecnologia de inteligência artificial, as perspectivas também são
desanimadoras para o horizonte da democracia liberal. No artigo “O caminho para a falta de
liberdade digital” Feldstein (2019) aponta que a inteligência artificial tem servido como
poderoso mecanismo de autoritários para a vigilância, perseguição e intimidação em larga
escala de seus opositores políticos. A questão central para o autor é a capacidade da inteligência
artificial de integrar e ampliar as funções de outras tecnologias de forma a possibilitar aos
autoritários o controle de agrupamentos sociais, de diversas formas, a baixo custo e com baixo
uso de efetivos humanos.
Essa realidade de crise se faz presente desde os regimes políticos considerados não
liberais como a República Popular da China e a Malásia, até democracias consideradas como
os Estados Unidos. No primeiro caso, a Malásia, Feldstein (2019) demonstra como a
100

inteligência artificial pode ser um importante instrumento de repressão a partir do exemplo do


uso de câmera dotada de reconhecimento facial pela polícia auxiliar. No segundo caso, os
Estados Unidos, Persily (2017) aponta que a campanha presidencial de Donald Trump em 2016
emergiu a partir do uso de bots e disseminação de fake news em meio ao vácuo deixado pelo
enfraquecimento dos meios tradicionais de campanha. Aponta ainda que as notícias falsas
possuem mais probabilidade de serem compartilhadas nas redes sociais e têm um forte poder
de desmobilização social.
A questão central para a discussão sobre os impactos negativos das tecnologias digitais
sobre a democracia liberal é para Tuckers et al (2018) o fato de que “embora a liberdade de
informação online seja um princípio inerentemente democrático, as redes sociais não são
inerentemente democráticas ou antidemocráticas” (p.92).
Os autores apresentam as estratégias de censura, ou “táticas mais discretas de atrito”, de
governos autoritários sobre os seus opositores: sistemas de bloqueios, redução de velocidade
ou interrupção da internet, remoção cirúrgica de ports das redes sociais e manipulação de
algoritmo de resultado de busca para suprimir informações. Fica implícita uma estrutura de
produção, que nunca foi democrática, o capitalismo, articulada a uma estrutura política
antidemocrática, o autoritarismo.
Em síntese, os artigos citados acima apresentam perspectiva teórica atual da Ciência
Política sobre os sintomas da crise da democracia liberal advindos dos impactos negativos da
expansão das tecnologias digitais. Isso pode ser traduzido no desgaste das instituições
democráticas e dos princípios liberais que fazem uso da internet, das redes sociais e da
inteligência artificial por autoritários ou com finalidades não democráticas; o avanço do
autoritarismo; o controle emocional e psicológico de usuários visando publicidade de consumo;
a fragmentação social; e a desinformação em massa.
É perceptível também nesses artigos e principalmente no livro de Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt (2018) um tom de americanocentrismo teórico e de militância política em defesa
desse modelo democrático, tomado como ideal. Outra característica dos textos é o seu teor
normativo, isto é, de apontar formas para proteger esse modelo de democracia. Por exemplo,
Ronald J. Deibert (2019) responsabiliza o cidadão pela mudança, sem destacar os mecanismos
e instrumentos de controle social do qual descreveu no decurso do artigo. Na mesma direção
estão Tuckers et al (2018) ao depositarem as esperanças sobre princípios normativos que devem
ser aplicados pelas pessoas e pelo Estado, porém sem aprofundar nas complexidades dessas
normativas.
Dentre os cientistas políticos citados, a perspectiva de Deibert (2019) parece ser a mais
101

interessante do ponto de vista de análise do processo de construção da realidade, uma vez que
avança para além da simples exposição de uma imagem da realidade. O autor, nas suas já
mencionadas “três duras verdades sobre as redes sociais”, apresenta de forma rápida o modus
operandi das estruturas de produção capitalista sobre as redes sociais e consequentemente sobre
a democracia liberal. O modo de operação chamado por Deibert (2019) de “capitalismo de
vigilância” funciona a partir da vigilância sobre dados de consumidores de redes sociais, do
consentimento dos consumidores a esta vigilância e da desinformação ou despreparo desses
consumidores para reagirem a esta realidade.
Talvez a questão central para os cientistas políticos defensores da democracia liberal
seja os novos contornos da liberdade, da independência, das capacidades e dos anseios
individuais frente ao “capitalismo de vigilância” – se quisermos usar o conceito de Ronald J.
Deibert (2019). Essa questão mira no combate ao autoritarismo, um valor louvável dentro da
cultura cívica ocidental, mas acerta apenas o americanocentrismo resignado, ascético, realista,
empirista, pessimista e liberal, como é possível observar nos artigos citados. É, portanto, um
problema que não apresenta o processo de construção, mas o produto acabado, o retrato fixo da
realidade. Mais do que isso, oculta os processos incutidos na criação do produto. Não aponta
que, embora o sistema de produção capitalista não seja democrático, a democracia liberal é uma
de suas engrenagens centrais, como ressalta Abdalla (2017).
Em contraponto à questão colocada, me atrevo a pensar, ainda evocando a crítica de
Abdalla (2017) a relação entre democracia e capitalismo: como é possível a manutenção da
democracia liberal a partir da naturalização do sistema de produção capitalista? Ou ainda, como
é possível a manutenção de um modelo político liberal associado a um modelo econômico não
liberal? O “capitalismo de vigilância” mencionado por Deibert (2019) é apenas mais um
paradigma das crises sistêmicas e das contradições do capitalismo. Por que versar teoricamente
sobre esse novo paradigma como um apocalipse (no sentido de “fim do mundo”) se o próprio
sistema de produção capitalista é iminentemente de crise?
Este não é o fim da História. Antes de darmos ouvidos às vozes dos cínicos é preciso
que saibamos que nos subterrâneos da liberdade dos liberais existe uma espécie de jaula de aço
que se retroalimenta da oxidação de suas grades: o capitalismo. E essa é de longe uma crítica
nova, mas parece que algumas fileiras da Ciência Política estadunidense se resignaram na utopia
americanista do ontem e se tornaram incapazes de olhar para as infinitas possibilidades fora de
si mesmos.
Apesar das limitações teórico-analíticas do enfoque da Ciência Política estadunidense
sobre a iminência de uma onda conservadora no mundo, a problemática foi abordada com mais
102

consistência por outros campos das Ciências Sociais brasileira que levaram em consideração o
fenômeno da ascensão conservadora ou neoconservadora de grupos político-sociais e religiosos
contrários aos avanços sociais promovidos por governos progressistas. São exemplos dessa
abordagem os trabalhos de Ricci (2017), Ortunes (2019), Cunha et al (2017), Pena (2019),
Lopes (2020) e Arruda et al (2020), os quais recorreu-se para a análise do cenário pré-eleitoral
brasileiro de 2018 a seguir e as performances políticas no enredo da telenovela Apocalipse.
Por ora basta acrescentar que o cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil será tratado, aqui,
a partir da abordagem estrutural-construtivista do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que
possibilita uma análise com mais possibilidades de horizonte. Nesse sentido, compreende-se o
campo político como um campo de tensões em torno da busca da legitimidade de definição do
conformismo lógico e moral da sociedade. Os espaços legítimos de atuação são as instituições
da República, cujo acesso e mobilidade se dá, no caso do Brasil, que é uma democracia liberal,
pelas disputas partidárias em um processo eleitoral.

6.1 O processo eleitoral no Brasil

O processo eleitoral brasileiro é conduzido desde a promulgação da Constituição da


República Federativa do Brasil (a Cidadã), em 1988, pela Justiça Eleitoral (JE). A JE foi criada
a partir da instalação do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral na então capital nacional, o Rio
de Janeiro, em 20 de maio de 1932, pelo Decreto n° 21.076/1932 do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil. O objetivo era regulamentar todo o processo eleitoral
no país, desde a organização dos partidos políticos até o reconhecimento dos candidatos eleitos,
evitando, assim, as várias fraudes eleitorais que ocorriam durante os pleitos do período
histórico-republicano anterior, a República do Café com Leite, encerrada pela Revolução de
1930.
Não obstante, o governo provisório do presidente Getúlio Vargas, que promoveu uma
modernização democrática na estrutura eleitoral brasileira ao criar a JE e ao instituir o voto
secreto e o voto feminino por meio da promulgação da Constituição de 1934, extinguiu o
Tribunal Superior de Justiça Eleitoral em 1937 com a promulgação da Constituição do Estado
Novo, que transferiu o poder do arbítrio eleitoral de juízes profissionais para a União.
O reestabelecimento da JE se deu após o término da ditadura estado-novista, com a
publicação da Lei Constitucional n. 9, de 28 de fevereiro de 1945, que além de alterar artigos
da Constituição de 1937, viabilizou a criação do Código Eleitoral (Lei Agamenon) em 28 de
maio de 1945, por meio do Decreto-Lei n° 7.586/1945. O mesmo decreto regulamentava o
103

alistamento eleitoral, as eleições do Brasil e estabelecia, no Art.6º, a criação de um Tribunal


Superior na capital federal e de um Tribunal Regional na capital de cada unidade federativa e
no Distrito Federal, bem como a criação de Juntas Eleitorais e de Juízos Eleitorais nas capitais,
comarcas, termos e distritos. Adicionado, foi instituído a partir do Art.38 o sufrágio universal
e o voto obrigatório, direto e secreto, sendo considerados eleitores, no Art.2º, os brasileiros de
ambos os sexos, maiores de 18 anos e alistados na conformidade da lei. Todavia, no Art.3° é
proibido o alistamento para eleitor, os analfabetos, os militares em serviço ativo, menos os
oficiais, os mendigos e os que estiverem privados dos direitos políticos.
Após o término da ditadura militar no Brasil em 1985, bem como a promulgação da
Constituição de 1988, o TSE assumiu com autonomia o processo eleitoral brasileiro, definindo
as várias etapas do processo eleitoral no país e delimitando o calendário do ano eleitoral por
meio do código eleitoral. Entretanto, não há uma definição da instituição para o termo caro a
esta dissertação: o período pré-eleitoral. A legislação estabelece o período das convenções
partidárias para a escolha das chamadas pré-candidaturas e o período em que os pré-candidatos
não podem fazer propaganda de cunho eleitoral, mas não estabelece o que são as pré-eleições.
De toda forma, são usuais os termos pré-candidaturas e pré-candidatos, além de haver
a prática partidária ou grupal-partidária do lançamento das chamadas pré-campanhas. Como
não existe uma definição do que é um período pré-eleitoral, torna-se complicado delimitar as
datas. Mas, caso houvesse, seria complicado estabelecer agenda dentro do ano eleitoral em
questão justamente porque no campo da construção político-partidária a ação é contínua.
Uma prática comum no Brasil é que os vereadores, ou pessoas com intenções de se
candidatarem, apoiem a candidatura de deputado estadual ou federal para conseguir apoio deles
por ocasião das eleições municipais. No caso das eleições federais de 2018 percebe-se que,
desde 2016, já havia articulações político-partidárias visando o próximo pleito, como discutirei
adiante.
Tendo em vista o exposto, o cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018, aqui abordado,
compreende o período que se estende desde os precedentes do processo de deposição do
governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2015 até a formação dos quadros políticos
nacionais para as eleições presidenciais de outubro 2018.
A amplitude do período histórico tratado – o quadriênio de 2015, 2016, 2017 e 2018,
que corresponde à temporalidade de mandato de governo no país – como sendo o cenário pré-
eleitoral de 2018, justifica-se por vários fatores que tornaram aquelas eleições um fenômeno
inédito na história da Nova República brasileira, inaugurada com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, das quais tratarei neste capítulo.
104

Embora as eleições presidenciais de 2014 sejam importantes para se compreender a


formação desse quadro pré-eleitoral de 2018 devido às rupturas do PSC (partido vinculado à
Igreja Internacional da Graça de Deus), bem como a Igreja Universal em relação ao governo do
Partido dos Trabalhadores (PT), assume-se como ponto de partida da análise o processo de
mudança do projeto de governo neonacional-desenvolvimentista da presidenta Dilma Rousseff
(PT), pelo projeto neoliberal, do presidente Michel Temer (PMDB). Esse processo reconfigurou
o cenário político brasileiro, fortalecendo os quadros sociais e partidários conservadores e de
direita que, desde 2002, perdiam todas as eleições presidenciais para os projetos de governo do
PT.
O fim do período do PT na presidência da República em agosto de 2016 abriu
precedência para a reconfiguração das forças políticas brasileiras – partidárias, empresariais,
religiosas e da sociedade civil organizada em geral. E apesar de o PT ter denunciado o
impeachment da então presidenta Dilma como um golpe parlamentar, o diretório nacional do
partido, presidido pelo ex-deputado estadual de São Paulo, Rui Falcão, e tendo como presidente
de honra o ex-presidente Lula, não promoveu e não fez apologia a uma ruptura com a ordem
institucional democrática e não incentivou a protocolização de um pedido de impeachment do
governo Temer – e não teria capital político-social para isso devido ao desgaste sofrido nos
últimos anos – mas, antes, iniciou um processo de oposição ao novo governo – sem a intenção
de derrubá-lo – focando sobretudo nas eleições de 2018.
Cabe ressaltar que os deputados federais do PT, na Câmara dos Deputados, votaram a
favor do envio de duas denúncias ao Supremo Tribunal Federal contra o presidente Michel
Temer, apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da Operação Lava
Jato, pelo parecer do procurador Rodrigo Janot Monteiro de Barros. Ambas as denúncias foram
rejeitadas pela casa parlamentar nas sessões dos dias 2 de agosto de 2017 e 25 de outubro de
2017, respectivamente, livrando o presidente da República de responder pelos crimes de
organização criminosa e obstrução de Justiça durante o decurso do seu mandato.
Retomando a questão do cenário pré-eleitoral, também naquele ano de 2016 os partidos
de centro direita e de direita que compuseram a base aliada do governo Temer, a exemplo do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) e do Democratas (DEM), iniciaram a corrida eleitoral com o objetivo de
fazer perdurar a política econômica neoliberal– expressa sobretudo a partir da reforma
trabalhista, da exoneração da folha de pagamento, das privatizações de empresas públicas e dos
cortes de recursos para políticas sociais – no novo governo federal que se formaria a partir do
pleito de 2018. Essas agendas haviam sido delineadas inicialmente no programa do PMDB,
105

realizado pela Fundação Ulysses Guimarães, “Uma ponte para o futuro”, (apontada na Imagem
21) de 29 de outubro de 2015.

Imagem 21 - Capa do programa “Uma ponte para o futuro”

Fonte: Print da capa do programa, 2014.

O documento foi visto pelo governo Dilma, como será pontuado adiante, como uma
manobra desleal do vice-presidente Michel Temer e do PMDB para influenciar a política
econômica do governo e a sua relação com o Congresso Nacional. O documento inicia
afirmando que:

Este programa destina-se a preservar a economia brasileira e tornar viável o seu


desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais
que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos. Em busca
deste horizonte nós nos propomos a buscar a união dos brasileiros de boa vontade. O
país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do
ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos sem os quais
nossas crises se tornarão cada vez maiores. [...] Nesta hora da verdade, em que o que
está em jogo é nada menos que o futuro da nação, impõe-se a formação de uma maioria
política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir
todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional. Não temos outro caminho
a não ser procurar o entendimento e a cooperação. A nação já mostrou que é capaz de
enfrentar e vencer grandes desafios. Vamos submetê-la a um novo e decisivo teste. O
sistema político brasileiro deve isso à nossa imensa população. (FUNDAÇÃO
ULYSSES GUIMARÃES e PMDB, 2015, p.2).

Como é possível perceber, a introdução do documento “Uma ponte para o futuro”


aponta implicitamente para a pretensão do PMDB – tendo como figura central o vice-presidente
106

da República – da disputa pela implementação de um novo paradigma econômico-social que


não foi aprovado nas urnas nas eleições de outubro do ano anterior (2014) e iniciar um processo
de “pacificação” nacional – aliás, termo usado constantemente durante o governo Temer –
frente à instabilidade sociopolítica que o Brasil passava devido à polarização político-
ideológica direita versus esquerda e a deposição do governo Dilma.
Outro parâmetro que nos serve para compreender que o cenário pré-eleitoral de 2018 se
inicia já em 2015 é o fato de que naquele ano o Instituto Datafolha, um dos maiores institutos
de pesquisa opinião do Brasil, pertencente ao Grupo Folha da Manhã S/A, iniciou uma série de
pesquisas, mensais, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, referentes à intenção de voto do
eleitorado brasileiro para presidente da República em um pleito que viria a ocorrer quase três
anos depois. O site G1, portal de notícia da Globo, maior emissora de televisão brasileira,
publicou com regularidade as pesquisas eleitorais do instituto. Algumas foram noticiadas no
Jornal Hoje, no Jornal Nacional e no Jornal da Globo, importantes telejornais brasileiros em
número de audiência.
Retomando a discussão a respeito do processo eleitoral brasileiro, cabe ressaltar ainda
que a Justiça Eleitoral brasileira foi considerada entre as décadas de 2000 e 2010 uma das mais
avançadas do mundo devido a sua transparência e agilidade no processo eleitoral, de contagem
dos votos e anúncio dos resultados do pleito. Na esfera municipal, a JE é composta pelos
Cartórios Eleitorais. Já nos estados da federação e no Distrito Federal a JE é constituída pelos
Tribunais Regionais Eleitorais (TRE). O órgão máximo em nível nacional é o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), sediado em Brasília e presidido por ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF).
No entanto, a Justiça Eleitoral brasileira enfrentou um cenário atípico no pleito de 2018
a partir da polarização política entre a direita e a esquerda no país, bem como o aprofundamento
do fenômeno de usos não democráticos dos meios virtuais, das redes sociais e a disseminação
em larga escala de fake news. Isso gerou suspeitas e denúncias da campanha do candidato Jair
Messias Bolsonaro (PSL) por parte da coligação “O povo feliz de novo” (PT, PCdoB e PROS)
ao TSE, como será tratado no tópico a seguir.

6.2 O cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018

Compreendo como cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018 a relação de forças entre


atores sociais (sejam pessoas, instituições, classes sociais e frações da sociedade) a partir das
circunstâncias sociopolítico-econômicas a partir de 2015. Para esta dissertação, será
107

considerado o quadriênio de 2015, 2016, 2017 e 2018, tomando como base os resultados de
cinco pesquisas de intenção de voto para presidente da República no pleito de 2018, realizadas
pelo Instituto Datafolha e publicadas quase que mensalmente pelo site G1 no decurso dos quatro
anos mencionados. Para a efetivação da análise, escolhi aleatoriamente cinco pesquisas, dentro
de seu ano de produção. A primeira pesquisa aqui abordada foi a primeira realizada pelo
instituto e divulgada pelo G1 em 2015, referente ao pleito de 2018.
No dia 21 de maio de 2015, há quase sete meses antes da abertura do processo de
impeachment do governo Dilma Rousseff pelo então presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB), em 2 de dezembro do mesmo ano, o G1 publicou a pesquisa de
intenção de voto, para presidente da República no pleito de 2018, como demonstra o Gráfico 1.
Foram feitas 2.840 entrevistas, em 174 cidades, na quarta e quinta feira (17 e 18/05). Foram
testados dois cenários eleitorais e a margem de erro era de 2% para mais ou para menos.
No cenário 1 o então senador da República por Minas Gerais e presidente nacional do
PSDB, Aécio Neves, aparece como o primeiro colocado, com 35% nas intenções de voto do
eleitorado brasileiro, com 10 pontos percentuais à frente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. É importante lembrar que Aécio perdera a eleição presidencial para a presidenta Dilma
Rousseff em 2014 por uma diferença estreita de 3,4 mil votos e que o seu partido, em 18 de
dezembro do mesmo ano, protocolou no TSE um pedido de cassação de Dilma e a posse do
senador como presidente da República. O TSE rejeitou o pedido de cassação e o presidente da
corte, o ministro José Antônio Dias Toffoli, afirmou na cerimônia de diplomação da presidenta
Dilma Rousseff que não haveria terceiro turno na justiça eleitoral:

[...] As eleições de 2014, para o Poder Judiciário, são uma página virada. Não haverá
terceiro turno na Justiça Eleitoral. Que especuladores se calem. Já conversei com a
Corte, e esta é a posição inclusive do nosso corregedor-geral eleitoral, com quem
conversei, e de toda a composição. Não há espaço para, repito, terceiro turno que possa
cassar o voto destes 54.501.118 eleitores [...] (TOFFOLI, 2014).

É possível observar no discurso proferido que a oposição de Aécio Neves ao governo


Dilma pode ser compreendida também como uma disputa eleitoral que se acirrou no decorrer
do ano seguinte abarcando para além da figura da presidenta, a do PT e a do ex-presidente Lula,
que desde 2015, como apresentado no gráfico a seguir, foi testado pelas pesquisas eleitorais do
instituto Datafolha como possível candidato a presidente da República em 2018.
108

Gráfico 1 - Percentuais de intenção de voto para presidente da República do


Brasil (2018) em duas simulações de 21/05/2015

40% 35%
% de intenção de voto

35%
30% 25% 26%25%
25% 20%
20% 18%
14%
15% 11%
10% 5% 7%
5% 2% 2% 2% 3% 3% 2%
0%

Não sabe

Não sabe
Aécio Neves (PSDB)

Luciana Genro (PSOL)

Geraldo Alckmin (PSDB)

Luciana Genro (PSOL)


Lula (PT)

Branco/nulo

Branco/nulo
Eduardo Paes (PMDB)

Lula (PT)

Eduardo Paes (PMDB)


Marina Silva (PSB)

Eduardo Jorge (PV)

Marina Silva (PSB)

Eduardo Jorge (PV)


Cenário 1 Cenário 2
Cenários

Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2015.

No período analisado pela pesquisa do Instituto Datafolha, o senador Aécio Neves lidera
e marca sua oposição política ao PT, iniciando uma campanha nacional de denúncia de
corrupção e ilegitimidade do governo Dilma, agregando em seus discursos o combate à
corrupção. O momento nevrálgico do início dessa campanha ocorreu em 5 de julho de 2015,
nove meses após as eleições presidenciais de 2014, em que o mesmo senador, na ocasião da
XII Convenção Nacional do PSDB, realizada no centro de convenções do Hot Tulip de Brasília,
afirmou em discurso:

[...] Somos meus amigos, o partido que iniciou uma efetiva política de valorização
do salário-mínimo, somos o partido que organizou as contas públicas e impôs a
responsabilidade fiscal como nome inapelável no Brasil. Somos o partido que
modernizou o Brasil com as privatizações e abriu o país ao mundo colocando-o num
novo patamar entre as nações. [...] Mas a grande questão é que infelizmente o Brasil
dos nossos dias é muito diferente daquele Brasil do passado. Esse Brasil que nos é
apresentado diariamente não supera os limites estreitos de uma propaganda
enganosa movida pela fragilidade de resultados, pelo descrédito dos governantes,
mas também, especialmente pela má fé. [...] E vou afirmar mais uma vez aqui a
vocês o que já disse por aí: não perdemos a eleição para um partido político,
perdemos para uma organização criminosa que se instalou no seio do Estado
109

nacional. [...] Eu tenho a absoluta certeza de que podemos e somos ainda minoria
no congresso nacional, mas nos transformamos em ampla maioria no seio da
sociedade brasileira. Já somos amplamente majoritários no coração e nas esperanças
do povo brasileiro. [...] (NEVES, 2015).

Tal campanha foi absorvida ao longo daquele ano e nos posteriores por outras lideranças
políticas, partidos, grandes grupos de mídia como a Rede Globo, a Record TV e o SBT, por
juristas da Operação Lava Jato e por movimentos sociais de direita com capacidade de
mobilização em massa por meio das redes sociais como Revoltados Online, Movimento Brasil
Livre, Vem pra Rua e o Endireita Brasil. Com efeito, essas forças foram capazes de enfraquecer
o grupo de apoio ao governo dentro do Congresso Nacional, diminuindo a popularidade social
do PT e da presidenta Dilma Rousseff no país e inviabilizando o seu governo.
Esse processo de degradação política gerou, no decorrer de 2015, o nascimento do
movimento pró-impeachment (SALDAÑA, 2016), formado por diversos movimentos
conservadores e de direita (alguns já mencionados) que, desde a campanha presidencial de
2014, realizavam manifestações de rua e nos meios digitais (Facebook, Instagram, You Tube,
Google Hangout, Skype etc.) contra o governo. Houve a protocolização de mais de 37 pedidos
de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e o abaixo-assinado, criado por
congressistas da oposição em setembro de 2015, no site de petições change.org, com mais de 2
milhões de assinaturas apoiando o pedido de impeachment registrado pelos juristas Hélio
Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal no 4º cartório de notas de
São Paulo, em 15 de outubro de 2015. O portal de notícias da Record TV (R7) publicou em 18
de março de 2016 que a petição “trata-se da maior mobilização já registrada pelo site no Brasil
e a quarta maior do mundo”. (R7, 2016).
Apesar do processo paulatino de desconstrução política do PT, Lula aparece, na
pesquisa do Instituto Datafolha, publicada em 21 de maio de 2015, como segundo colocado nas
intenções de voto no primeiro cenário e como o primeiro colocado nas intenções de voto do
segundo, tendo 26% do eleitorado a seu favor, nesse último, empatado tecnicamente com
Marina Silva, com 25% das intenções de voto.
Para além desse dado, o cenário 2 apontava que o então governador de São Paulo
Geraldo Alckmin, do PSDB e que em 2006 havia disputado, pelo mesmo partido, o segundo
turno da eleição presidencial com Lula (que tentava a reeleição), estava no terceiro lugar na
preferência de votos, com 20% do eleitorado. Ou seja, apesar da polarização PT versus PSDB,
havia uma pujante preferência dos eleitores brasileiros ao senador mineiro Aécio Neves na
ocasião. Aliás, constataremos no pleito de 2018 que mesmo Aécio Neves tendo desaparecido
110

do cenário eleitoral presidencial, o governador de São Paulo, seu colega de partido, obteve
apenas 4,76% dos votos. Esse resultado será tratado oportunamente.
Os primeiros nomes testados pela pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha
(2015) à eleição presidencial de 2018 são os mesmos que competiram no primeiro turno do
pleito de 2014: o senador Aécio Neves (PSDB), a ex-ministra do meio ambiente Marina Silva
(PSB), a ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL) e o ex-deputado federal Eduardo Jorge
(PV), exceto o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB), o governador de São Paulo
Geraldo Alckmin (PSDB) e Lula (PT).
Apesar de cotarem Luciana Genro e Eduardo Jorge, que obtiveram respectivamente
apenas 1,55% e 0,61% dos votos no primeiro turno das eleições de 2014, não foi considerado
o nome do pastor da Igreja Assembleia de Deus, Everaldo Dias Pereira (PSC), que sendo a
primeira candidatura confessional evangélica na história das eleições presidenciais brasileiras,
segundo Cunha (2017), obteve naquela ocasião 0,75% dos votos. Esse fato aponta para o pouco
capital político-social dos evangélicos pentecostais no Brasil no momento imediato após a
eleição.
No decorrer dos anos, alguns desses nomes, a exemplo do já citado senador Aécio
Neves, desaparecem das pesquisas, enquanto outros nomes não cogitados em 2015 como o do
então deputado Jair Messias Bolsonaro aparecem.
Finalmente, chama atenção, na referida pesquisa, os altos índices de votos brancos/nulos
e não sabe que, somados, chegam a patamares estatísticos próximos aos dos candidatos com
maior percentual de voto, o que aponta para um desinteresse do eleitorado nas eleições. A
tendência se manteve ao longo dos anos até 2018.
No dia 28 de novembro de 2015, quatro dias da abertura do processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff, (02/12), pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha, o G1 publicou uma pesquisa de intenção de votos para presidente da República para o
pleito de 2018. A pesquisa dispunha de 4 cenários e dois turnos. Ao se comparar as pesquisas
eleitorais do instituto realizadas no início daquele ano, que testavam apenas dois cenários e um
único turno, constata-se que já em dezembro de 2015 havia uma efervescência política pré-
eleitoral no Brasil há aproximados três anos das eleições presidenciais.
A referida pesquisa do Instituto Datafolha apresentada no Gráfico 2 inquiriu 3.541
eleitores em 185 cidades brasileiras entre a quarta e quinta feira (25 e 26/11/2015) com margem
de erro de 2%. Os nomes testados nos quatro cenários são basicamente os mesmos, com a
inclusão do vice-presidente da República Michel Temer (PMDB) em dois cenários, em
substituição a Eduardo Paes, do mesmo partido político.
111

Gráfico 2 - Percentual de intenção de voto em 1° turno para presidente da República do


Brasil (2018) em quatro simulações de 16/07/2016

Lula 22%
Marina 17%
Cenário 1

Aécio 14%
Bolsonaro 7%
Ciro 5%
Brancos e nulos 18%
Não opinaram: 7%
Lula 23%
Marina 18%
Cenário 2

Alckmin 8%
Bolsonaro 8%
Ciro 6%
Brancos e nulos 20%
Não opinaram: 7%
Lula 23%
Marina 17%
Cenário 3

Serra 11%
Bolsonaro 7%
Ciro 6%
Brancos e nulos 19%
Não opinaram: 7%
Lula 22%
Marina 14%
Cenário 4

Aécio 10%
Moro 10%
Bolsonaro 5%
Brancos e nulos 19%
Não opinaram: 7%
0% 5% 10% 15% 20% 25%

Fonte: G1, 2016.

Vale ressaltar que os três candidatos em destaque continuaram a ser Aécio Neves, com
31% das intenções de voto; Lula, com um índice fixo de 22%; e Marina Silva, com 28% das
intenções de voto. Isso quando o nome de Aécio Neves não é testado em um dos cenários da
pesquisa. Já quando o nome do senador é considerado, Marina aparece como terceira colocada,
com 21% das intenções de voto.
A substituição do nome de Aécio Neves pelo de Geraldo Alckmin em dois dos cenários
aponta para uma queda de 13% do índice de votos no PSDB, pois o governador de São Paulo
112

manteve, em ambos os testes, um índice de 18% de intenções de voto. Na época, o então


governador de São Paulo perdia capital político junto à sociedade, sobretudo devido a sua
gestão da crise hídrica e do abastecimento de água que o estado passava em 2014; as acusações
de ter destinado R$ 3,8 milhões do orçamento da Secretaria de Educação para a compra de
15.600 assinaturas dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão e da revista Veja; e das 200
ocupações de escolas estaduais de São Paulo por estudantes no dia 9 de novembro, contra o
decreto que determinou a reorganização escolar que previa a junção de turmas.
A entrada de Michel Temer nos cenários da pesquisa não indicou variações para as
intenções de voto no PMDB, pois tanto ele quanto Eduardo Paes obtiveram um índice fixo de
apenas 2%. Tradicionalmente, o PMDB não lança candidatura direta para presidente da
República, mas apoia candidatos de outros partidos de maneira a formar governos de coalisões.
O fato de o Temer figurar na pesquisa indica que ele se tornou uma liderança importante dentro
do maior partido político, em número de políticos eleitos, do Brasil e uma alternativa liberal ao
governo de centro-esquerda do qual ele compunha.
O distanciamento político entre Temer e o governo Dilma inicia-se publicamente em
fevereiro de 2015, quando o PMDB fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e
televisão em horário nobre, chamado “O Brasil é a nossa escolha”, em que se destacam as falas
do vice-presidente da República Michel Temer, do ministro de Minas e Energia Eduardo Braga,
da ministra da Agricultura Kátia Abreu, do ministro da Secretaria de Portos Edinho Araújo, do
ministro da Pesca Helder Barbalho, do ministro da Secretaria de Ação Civil Eliseu Padilha, do
ministro do Turismo Vinícius Lages, do presidente do Senado Renan Calheiros, do presidente
da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e do líder do PMBD no Senado Eunício Oliveira.
O pronunciamento demonstrava a força política do partido apontando a coesão interna
sólida das várias lideranças dele no poder executivo e legislativo federal em meio ao cenário de
crise, polarização e ruptura política em que o Brasil vivia após a eleição presidencial de 2014.
Também propunha uma agenda positiva para o país, focada na defesa da apuração de
irregularidades sem a paralisação da vida produtiva, a reforma política, a liberdade de
informação, a iniciativa privada, um novo programa de ajustes e a continuação das políticas
públicas sociais. Cabe ressaltar que o pronunciamento foi realizado fora dos períodos eleitorais
e se posicionava como governo recém-eleito a partir da figura do vice-presidente Michel Temer,
pautando agendas político-econômicas nacionais de forma autônoma, isto é, sem mencionar a
presidenta da República Dilma Rousseff e o seu partido político, o PT.
Na mesma linha de distanciamento crescente entre vice-presidente e presidenta da
República, em outubro de 2015, como já mencionado, o PMDB lançou o programa “Uma ponte
113

para o futuro”, que representou uma ruptura de diretrizes político-econômicas com o programa
neo-nacional-desenvolvimentista de Dilma Rousseff, vencido nas eleições um ano antes.
Em 7 de dezembro de 2015, cinco dias após o presidente da Câmara dos Deputados
Eduardo Cunha (PMDB) abrir o processo de impeachment contra o governo Dilma, o vice-
presidente Temer enviou uma carta (SADI, 2015) de desabafo à presidenta em que afirmava
que a coesão interna do PMDB e o apoio do partido ao governo era fruto do prestígio político
dele. Incluiu várias situações que demonstram a desconfiança da presidenta Dilma para com
ele, dentre elas a ocasião do lançamento do programa “Uma ponte para o futuro” que propunha
o oposto do plano de governo da presidenta. Dias após o episódio da carta, o então presidente
do senado Renan Calheiros (PMDB), em entrevista, criticou Temer por interferência em disputa
interna do partido e apontou a legenda como uma das responsáveis pela crise do governo.
No que tange aos cinco cenários testados para o segundo turno na pesquisa do Instituto
Datafolha publicada pelo G1 em 28 de novembro de 2015, apontada no Gráfico 3, percebe-se
que Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Marina Silva venceriam a eleição com espaçosa margem
de votos em relação a Lula. Porém, é preciso pontuar que, em nenhum dos cenários testados
para o primeiro turno, Geraldo Alckmin foi apontado como um candidato com percentual de
votos capaz de o levar para o segundo turno.

Gráfico 3 - Percentual de intenção de voto em 2° turno para presidente da


República do Brasil (2018) em quatro simulações de 28/11/2015
Percentual de intenção de votos, segundo turno, para presidente do
Brasil (2018) em quatro simulações de 28/11/2015
% de intenção de voto de 0 a 100

60% 51% 52% 52% 49%


45% 42%
50% 34%
40% 32% 31% 33%
30%
20%
10%
0%
Marina Silva
Marina Silva

Marina Silva
Lula (PT)

Alckmin (PSDB)

Lula (PT)

Lula (PT)

Alckmin (PSDB)
Aécio Neves

Aécio Neves
(PSDB)

(PSDB)
(REDE)

(REDE)

(REDE)
Geraldo

Geraldo

Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4 Cenário 5


Simulação em quatro cenários

Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2015.

Cabe ressaltar que se houvesse uma disputa de segundo turno entre Marina Silva e
114

alguns dos tucanos, Aécio Neves ou Geraldo Alckmin, venceria o senador mineiro com um
percentual de, aproximadamente de 10 pontos, ou o governador paulista com um percentual de
16 pontos. Entretanto, a pesquisa com os cenários de primeiro turno sempre assinalou que a
segunda volta seria disputada entre Aécio e Lula ou Marina e Lula, o que aponta para uma
continuidade da polarização PT versus PSDB. Os votos do último partido poderiam ser
capitalizados por Marina Silva, uma ex-petista que, no segundo turno da eleição presidencial
de 2014, apoiou o então candidato Aécio Neves e que viria, em 2016, a integrar o movimento
pró-impeachment contra o governo Dilma Rousseff.
O processo de impeachment do governo da presidenta Dilma Rousseff, entre dezembro
de 2015 e agosto de 2016, foi o ápice da crise política que já vinha despontando desde as
manifestações nacionais, de rua, conhecidas como “As Jornadas de Junho de 2013”.
Paralelamente a esse processo de deposição do governo, a Operação Lava Jato, conjunto de
operações investigativas da Polícia Federal iniciada em 17 de março de 2014, adquiriu ampla
visibilidade social por meio de divulgação pela mídia, a exemplo do jornalismo da Rede Globo,
em especial o Jornal Nacional.
Embora o processo de impeachment da presidenta Dilma e a Operação Lava Jato sejam
fenômenos distintos e sem relação primária entre elas, ambos se retroalimentaram
politicamente, contribuindo para as mudanças dos quadros políticos nacionais a partir de 2016
de forma a fortalecer os setores conservadores e de direita no país.
Em 16 de julho de 2016 o G1 publicou a pesquisa do Instituto Datafolha referente às
intenções de voto para o pleito presidencial de 2018, realizada entre os dias 14 e 15 do mesmo
mês e que entrevistou 2.792 pessoas em 171 municípios brasileiros. A margem de erro da
pesquisa foi de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança foi de
95%.
Na pesquisa é perceptível o início do rearranjo dos quadros políticos nacionais a partir
dos quatro cenários testados para o primeiro turno e dos sete cenários testados para o segundo.
A primeira volta caracteriza-se pelo esfacelamento das intenções de voto em Aécio Neves para
presidente da República em 2018. O senador, que em 2015 era o primeiro colocado com folga
em relação ao segundo, aparece em terceiro lugar. Essa mesma classificação pode ser observada
em Geraldo Alckmin e o ministro das Relações Exteriores José Serra, por vezes empatando
tecnicamente com nomes que não concorreram à eleição presidencial de 2014, no caso, o ex-
ministro da Integração do governo Lula, Ciro Gomes, o deputado federal Jair Bolsonaro e o juiz
federal Sérgio Moro.
Também nessa pesquisa, Lula aparece como primeiro colocado em todos os cenários do
115

primeiro turno. No entanto, mantém 22% das intenções de voto apontados na pesquisa de
novembro de 2015. Já Marina Silva apresentou queda em seu índice de intenções de voto em
relação a outra pesquisa mencionada, mantendo-se em todos os cenários da pesquisa de julho
de 2016 como a segunda colocada.
A queda de Aécio Neves coincide com a de Marina Silva e a pulverização dos votos
para Ciro Gomes, Jair Bolsonaro e Sergio Moro. No mesmo período, Moro expande a sua
popularidade dado aos resultados da Operação Lava Jato anunciados pela mídia brasileira. Por
outro lado, começam a aparecer na imprensa nacional atos ilícitos cometidos por políticos do
PSDB e o presidente da sigla na época, o senador Aécio Neves, citados várias vezes pela
Operação Lava Jato desde fins de 2015, o que contribuiu – somado ao nascimento e ao
fortalecimento de novas lideranças políticas que se firmavam como antipetistas35 – para a queda
de capital político-social do senador.
É o que se pode constatar, por exemplo, na manifestação de 13 de março de 2018 na
avenida Paulista, quando Aécio Neves e Geraldo Alckmin foram atacados por apoiar o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff e Sérgio Moro (G1 SP, 2016).
É importante destacar também que a pesquisa inquiriu o percentual de rejeição dos
nomes testados, sendo Lula o primeiro colocado, com 46% de rejeição do eleitorado, o segundo
e terceiro colocado, Aécio Neves e Michel Temer, com 29% de rejeição cada.
Outros índices que chamam a atenção são os percentuais de votos brancos e nulos e que
não opinaram que, somados, se equivalem ou superam o percentual de intenções de voto do
segundo colocado dos cenários do primeiro turno. Esse aspecto aponta para uma forte rejeição
e desinteresse do eleitorado brasileiro aos quadros políticos apresentados pela pesquisa.
No segundo turno da pesquisa, apontado no Gráfico 4, Marina Silva vence com folga
em relação a Lula e a todos os tucanos testados. Já Aécio Neves, que vencia na pesquisa do
Instituto Datafolha publicada pelo G1 em 28 de novembro de 2015, ficou em empate técnico
com ele na pesquisa publicada no dia 16 de julho de 2016.

35
Opositoras ao PT seja com o intuito de contrapor as ações do partido ou de até de extinguir o partido.
116

Gráfico 4 - Percentual de intenções de voto, 2° turno, para presidente da


República do Brasil (2018) em seis simulações de 16/07/2016

50% 44% 46% 47% 46%


45% 40% 38% 36%
40% 35%
% de inteção de voto de 0 a 100

35% 28% 30%


30% 27%
23%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
José Serra (PSDB)

José Serra (PSDB)


Aécio Neves (PSDB)

Aécio Neves (PSDB)

Geraldo Alckmin (PSDB)

Marina Silva (REDE


Lula (PT)

Lula (PT)

Lula (PT)

Marina Silva (REDE)

Marina Silva (REDE)


Marina (REDE)

Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4 Cenário 5 Cenário 6


Simulação em seis cenários

Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2016.

Cabe evidenciar que, embora Lula seja derrotado para a segunda volta, o distanciamento
entre os seus índices e os dos tucanos é estreito, o que demonstra novamente a tendência de
absorção do eleitorado tucano por Marina Silva.
No ano seguinte, 2017, o cenário político nacional brasileiro passou por novas
reviravoltas devidos a um conjunto de fatos que impactaram o país de janeiro a dezembro, como
por exemplo: as rebeliões em presídios do Brasil que culminam com a morte de cerca de 120
presos em 6 de janeiro; a morte do ministro do STF Teori Albino Zavascki, relator da Operação
Lava Jato em acidente aéreo no litoral da cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, no dia 19 do
mesmo mês; a crise da segurança pública no estado do Espírito Santo devido à greve das polícias
a partir de 3 de fevereiro; a divulgação do áudio da conversa entre o presidente Temer e o dono
do frigorífico JBS Joesley Batista, pelo STF em 18 de maio, em que o presidente defende o
pagamento de mesada em troca do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) e o
operador de propinas Lúcio Funaro; a divulgação do acordo de delação premiada da companhia
de processamento de carnes JBS S.A, pelo STF em 19 de maio, revelando que a empresa pagou
aproximadamente 500 milhões de reais em propina a vários políticos, dentre eles, o então
presidente da República Michel Temer, os ex-presidentes Dilma e Lula e os senadores Aécio
117

Neves e José Serra; o incêndio a sede do Ministério da Agricultura em Brasília na ocasião da


manifestação de 24 de maio em que se reivindicava o impeachment ou a renúncia do presidente
Michel Temer devido a suspeitas de corrupção incendeiam; a condenação do ex-presidente Lula
pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 12 de julho; e as duas já referidas
votações da Câmara dos Deputados a respeito das denúncias contra o presidente Michel Temer,
apresentadas pela PGR, nas seções de 2 de agosto e de 25 de outubro.
Há pouco mais de um mês após a rejeição da segunda denúncia pela Câmara dos
Deputados, precisamente em 30 de setembro de 2017, o G1 publicou pesquisa de intenção de
voto para presidente da República para o pleito de 2018 realizada pelo Instituto Datafolha entre
os dias 27 e 28 daquele mês. A pesquisa inquiriu 2.772 pessoas e testou oito cenários de
primeiro turno e nove de segundo turno disponibilizados na Tabela 3 (Anexo C).
Diferente das demais pesquisas e dos cenários políticos eleitorais nacionais da década
de 1990 as correlações de forças políticas não se dão mais entre o PT e o PSDB, e o nome do
senador Aécio Neves não é testado na segunda metade de 2017 e o seu eleitorado não é
absorvido por outros nomes tucanos, o que os impossibilita em todos os cenários alcançar um
segundo turno. O mesmo ocorreu com a não testagem de Michel Temer que naquele ano se
envolveu em várias polêmicas a respeito de corrupção, impopularidade e o desgaste político do
governo, inviabilizando a continuidade das reformas econômicas que vinha realizando junto ao
Congresso Nacional com rapidez e coesão.
Nos cenários de primeiro turno em que o ex-presidente Lula é testado, ele aparece como
o primeiro colocado nas intenções de votos do eleitorado, variando entre 35% e 36%, o que
corresponde aproximadamente o dobro do índice do segundo colocado, o deputado Jair
Bolsonaro. Nos cenários sem Lula e sem PT, a percentagem de eleitores que responderam
“branco/nulo/nenhum” tende a aumentar em 10 pontos. Esse quadro demonstra o favoritismo
do possível candidato nas eleições presidenciais de 2018. Somando esses percentuais
correspondentes da resposta “não sabe”, o índice obtido é maior do que o do primeiro colocado,
a ex-senadora Marina Silva. Cabe ressaltar que a distância percentual entre Marina e Jair
Bolsonaro varia entre dois e cinco pontos percentuais, o que os coloca em empate técnico se
considerarmos que a margem de erro da pesquisa é de dois pontos para mais ou para menos.
Já quando o nome de Lula é substituído pelo do ex-prefeito de São Paulo Fernando
Haddad (PT), o eleitorado petista é absorvido em grande parte por Marina Silva, legando a
Haddad apenas dois pontos percentuais. O que é explicado, dentre vários fatores, pelo fato de
que Lula é a liderança política do PT, Haddad não tinha visibilidade apesar de ter sido o ministro
da Educação nos governos Lula e Dilma e ter perdido a reeleição à prefeitura de São Paulo em
118

turno único para o tucano João Dória – um empresário outsider da política – com uma diferença
de 2.117.997 votos.
Chama a atenção o fato de o então juiz Sérgio Moro, sem partido e sem experiência na
vida político-partidária eleitoral, aparecer na terceira posição no cenário em que o seu nome é
testado, ficando à frente, com significativa distância percentual de políticos experientes como
Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Álvaro Dias, Chico Alencar e Rodrigo Maia. O crescimento de
seu capital político-social no país se deu pela atuação na Operação Lava Jato, com destaque
para o primeiro semestre de 2016, em que torna público vários grampos telefônicos do ex-
presidente Lula e da então presidenta Dilma, bem como expede condução coercitiva de Lula
para prestar depoimento para a Polícia Federal no aeroporto de Congonhas. Os dois atos
repercutiram na imprensa e geraram polarizações entre juristas, políticos e diversos segmentos
da sociedade a respeito da legalidade ou ilegalidade.
Nos nove cenários para o segundo turno em que o nome do ex-presidente Lula é testado,
ele aparece como o favorito pelo eleitorado, empatando tecnicamente com o juiz Sério Moro.
Os tucanos apresentam a preferência do eleitorado quando competem com Ciro Gomes ou
Fernando Haddad. E Marina Silva obtém a preferência quando disputa com Jair Bolsonaro.
Essa tendência de forças políticas, Lula, Jair Bolsonaro e Marina Silva, respectivamente,
permanece ao longo do ano seguinte, 2018. Há aproximados um ano e um mês da referida
pesquisa, o G1 publicou outra pesquisa Datafolha referente às intenções de voto para presidente
da República para o pleito de outubro daquele ano. O levantamento de dados testou dois
cenários, cujos resultados são apresentados no Gráfico 5, feito entre os dias 20 e 21 de agosto
e inquiriu 8.433 eleitores em 313 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais
para mais ou para menos e o índice de confiança é de 95% (DATAFOLHA, 2018).
Constata-se que a aproximados dois meses da eleição presidencial de 2018 Lula era o
preferido nas intenções de voto, tendo 39% do eleitorado a seu favor e 20 pontos percentuais à
frente do segundo colocado, Jair Bolsonaro, com 19%, segundo dados da pesquisa do Instituto
Datafolha. O recorrente favoritismo absoluto de Lula apresentado pelas referentes pesquisas
entre 2017 e 2018 aponta para a manutenção e o fortalecimento do seu capital simbólico, ainda
que preso em Curitiba por condenação em segunda instância no âmbito da Operação Lava Jato.
O mesmo não ocorreu com outros candidatos, a exemplo de Aécio Neves, que, embora
tenha acumulado capital político a partir do simbolismo do combate à corrupção, foi lançado
para fora do páreo eleitoral após o aparecimento das primeiras denúncias de suspeita de
corrupção. Diferentemente de todos os outros candidatos do pleito de 2018, Lula era o único
cujo histórico político e de governo se assemelhava à magnitude simbólica de Getúlio Vargas
119

e Jucelino Kubitschek, os dois presidentes e estadistas que fundaram o Estado Moderno no


Brasil e nacionalizaram a brasilidade, outrora fragmentada pelos regionalismos estaduais.

Gráfico 5 - Percentual de intenções de voto, para presidente da República do Brasil


(2018) em duas simulações de 22/08/2018

45%
39%
40%
35%
30%
25% 22% 22%
19%
20% 16%
15% 11% 10% 9%
10% 8%
6% 5% 6%
3% 2% 3% 4% 4%
5% 1% 1% 1% 1% 0% 0% 2% 2% 1% 1% 1% 1%
0%
0%
Vera

Vera
João Amoêdo
Cabo Daciolo

Fernando Haddad

Cabo Daciolo
João Goulart Filho

João Goulart Filho


Eymael

Não Sabe

Eymael

Não Sabe
Lula
Bolsonaro

João Amoedo
Ciro Gomes

Guilherme Boulos

Em branco/nulo/nenhum
Alvaro Dias

Ciro Gomes

Em branco/nulo/nenhum
Alvaro Dias
Marina Silva

Henrique Meirelles

Henrique Meirelles
Jair Bolsonaro
Marina Silva
Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin

Guilherme Boulos
Cenário 1 Cenário 2

Fonte: Elaborado pelo autor da dissertação com base na publicação do site G1, 2016.

Considerando a substituição de Lula por Fernando Haddad, o candidato favorito passou


a ser Bolsonaro, porém crescendo apenas três pontos percentuais em relação ao índice do
primeiro cenário, com 22% das intenções de votos, mesmo valor da percentagem de eleitores
que responderam na ocasião da pesquisa no contexto do segundo cenário testado, votarem “em
branco/nulo ou nenhum”. Ou seja, em um cenário sem o candidato Lula, o eleitorado ficou
pulverizado entre Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e, sobretudo, contribuindo para
a duplicação de 11% para 22% dos que pretendem votar “em branco/nulo ou nenhum” e de 3%
para 6% dos que responderam “não sabe”.
Como já mencionado, entre meados de 2017 e de 2018, a apenas três meses das eleições
presidenciais, Lula que liderava com folga as intenções de votos para presidente da República
em todos os cenários testados pelo Datafolha, estava preso na superintendência da Polícia
Federal (PF) em Curitiba. A prisão ocorreu no dia 7 de abril de 2018 por condenação em
120

primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, a nove anos de reclusão e pela condenação em
segunda instância pelos desembargadores do TRF4, a doze anos de reclusão.
A prisão do ex-presidente Lula em segunda instância gerou polêmicas a respeito de sua
legalidade constitucional e foi compreendida pelo PT, por vários partidos políticos, instituições,
movimentos sociais e amplos setores da sociedade brasileira como uma prisão política visando
o seu afastamento da disputa eleitoral. O PT instalou a administração do diretório nacional na
frente da superintendência da PF em Curitiba, juntamente a uma espécie de acampamento que
perdurou durante o período de sua prisão com atos de protesto, vigília e homenagens com a
participação de militantes procedentes de outros estados brasileiros e de outros países. Iniciou-
se, no mesmo período, o Movimento Lula Livre, um Comitê Internacional de Solidariedade em
Defesa de Lula e a Democracia no Brasil.
O Movimento Lula Livre gerou uma coesão partidária interna ao PT e política no interior
de vários partidos políticos de esquerda e movimentos sociais e instituições sociais
progressistas. Tal coesão em torno da figura de Lula possibilitou a expansão da aquisição de
capital político-social e simbólico do PT para as eleições de 2018 em meio a um contexto que
o partido enfrentava forte crise. É preciso pontuar que nas eleições municipais de 2016 o partido
conseguiu eleger apenas 256 prefeitos nas cidades brasileiras, isto é, duas vezes menos do que
na eleição anterior (2012) em que conquistara 630 prefeituras.
Já os outros dois partidos tradicionais brasileiros PSDB e PMDB ampliaram o seu
número de prefeitos eleitos no pleito de 2016. Essa configuração se deu sobretudo pelos efeitos
políticos do impeachment do governo Dilma e dos resultados das várias fases da Operação Lava
Jato referentes a atos ilícitos de políticos do PT, noticiados cotidianamente pelos maiores grupos
de comunicação brasileiros, com destaque para o Jornal Nacional.
A pesquisa Datafolha de agosto de 2018 levou em consideração seis variáveis testadas
nos dois cenários, sendo elas: sexo, nível escolaridade, faixa etária, rendimento familiar, as
cinco regiões brasileiras e religião. Como é possível observar na Tabela 4 (Anexo C), Lula
possui o mesmo índice de voto entre o eleitorado feminino e masculino de 39% cada, enquanto
Bolsonaro a preferência é do masculino.
Percebe-se uma tendência, como demonstra a Tabela 5 (Anexo C), de quanto menor o
grau de escolaridade, maior a preferência do eleitorado por Lula, que se concentra no nível
fundamental em 49%. Já o eleitorado de Bolsonaro se concentra nos níveis médio (24%) e
superior (27%). Fernando Haddad, por sua vez, possui uma preferência absoluta pelo público
de nível superior, que constitui 9% do seu eleitorado.
No que tange à faixa etária apontada na Tabela 6 (Anexo C), percebe-se que Lula e Jair
121

Bolsonaro possuem uma tendência de quanto mais jovem os eleitores, maior a preferência dos
dois. As faixas etárias de “45 a 59 anos” e “60 ou mais” são as com o maior índice de votar “em
branco/nulo/ nenhum” e de “não sabe”.
Outra tendência que ocorre entre o eleitorado de Lula e Jair Bolsonaro, presente na
Tabela 7 (Anexo C), é referente ao critério renda familiar. Para Lula, quanto menor o
rendimento familiar em número de salários-mínimos maior o índice de votos. Para Bolsonaro,
ocorre o contrário. Também Fernando Haddad possui mais votos entre as pessoas com maior
rendimento familiar.
Em questão os índices de intenção de voto segundo regiões do Brasil, Lula e Jair
Bolsonaro apresentam tendências opostas, como podemos constatar na Tabela 8 (Anexo C).
Apesar de Lula possuir mais votos do que Bolsonaro em todas as regiões, os maiores índices
de votos estão no Nordeste (59%), Norte (45%) e Sudeste (31%), enquanto Jair Bolsonaro é
mais votado no Sul (28%) e no Centro-Oeste (26%). Fernando Haddad, similar a Lula, possui
maior intenções de voto no Nordeste (5%) e no Sudeste (5%).
No que tange ao critério religião, apresentado na Tabela 9 (Anexo C), Lula possui maior
número de intenções de voto dentro do eleitorado católico (43%), seguido das religiões de
matriz africana (37%) e ateus/não acreditam em Deus (29%). O maior índice de intenção de
voto de Jair Bolsonaro na categoria religião vem do grupo dos ateus (26%), seguido das igrejas
evangélicas (24%) e do espiritismo “kardecista, espiritualista” (22%). Já Fernando Haddad
possui maior apoio dentro do grupo da “umbanda, candomblé e outras religiões de matriz
africana” (15%).
A categoria religião é uma das variáveis fundamentais para se compreender a disputa
eleitoral de 2018, como destacam Arruda et al (2020). Embora naquele ano não houvesse nem
uma pré-candidatura e candidatura confessional à presidência da República como ocorreu em
2014 no caso do pastor Everaldo (PSC), o pré-candidato Jair Bolsonaro, primeiro colocado nas
intenções de voto em um cenário sem Lula, tomou para si como instrumento político o discurso
religioso de cunho moral para combater ideologicamente a corrupção e o PT. Entretanto, o
plano de governo do presidenciável, “O caminho da Prosperidade” (TSE, 2018), da coligação
“Brasil Acima de Tudo, Deus acima de todos” (PSL e PRTB), não apresentava propostas
especificamente de ordem religiosa.
As propostas do plano de governo do então candidato Jair Bolsonaro tomavam como
inspiração a passagem do evangelho de João 8, 32: “e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”. Ou seja, nos pressupostos político-econômicos do Liberalismo: liberdades do
indivíduo, economia de livre mercado e propriedade privada; e no combate ideológico à
122

corrupção, à criminalidade, à intervenção do Estado no âmbito familiar, ao populismo e ao


comunismo (sobretudo no que tange ao Partido dos Trabalhadores e ao Fórum de São Paulo).

Imagem 22 - Capa do Plano de Governo Bolsonaro

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2018.

A referida proposta de plano de governo se constitui de um conjunto de frases curtas


que não compõem um texto em específico, mas vários tópicos de defesa do liberalismo e
contraponto ao Partido dos Trabalhadores e seus 13 anos à frente do governo do Brasil. É
importante ressaltar que apesar de o nome da coligação da chapa presidencial do candidato Jair
Bolsonaro e a frase de motivação do seu plano de governo assinalarem um posicionamento
ideológico-religioso de origem cristã, não há menções a questões religiosas e comportamentais
a não ser as afirmações da liberdade religiosa e do combate à corrupção e à criminalidade.
É importante ressaltar, ainda, que o jornalismo da Record TV, naquele mesmo ano de
2018, foi um dos “braços” de apoio da Record TV e, por conseguinte, da Iurd, à candidatura do
então deputado federal Jair Messias Bolsonaro à presidência da República. No artigo “Record
amplia visibilidade de Bolsonaro e evita críticas ao presidenciável” (FIORATTI, 2018) do
jornal Folha de S. Paulo em 24 de outubro de 2018, o jornalista Gustavo Fioratti afirma que a
emissora de televisão havia vetado a produção de uma reportagem sobre o assassinato de um
capoeirista por um eleitor de Bolsonaro.
A segunda força política daquela eleição propunha o plano de governo (sem nome)
123

(TSE, 2018) da coligação “O povo feliz de novo” (PT, PCdoB e PROS), cujos candidatos à
presidência e vice-presidência da República foram respectivamente Fernando Haddad e
Manuela d’Ávila, que chegaram à disputa em segundo turno e foram derrotados por Jair
Bolsonaro.
O plano de governo do candidato Fernando Haddad toma como inspiração uma frase do
discurso de Lula proferida no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 7 de abril de 2018, na
ocasião de sua prisão em segunda instância pela Policia Federal: “Não adianta tentar parar as
minhas ideias. Elas já estão pairando no ar, e não tem com prendê-las”. O conteúdo de seu plano
centra-se nos pressupostos político-econômicos da social democracia, destacando a soberania
nacional e popular na refundação democrática do Brasil; a inauguração de um novo período
histórico de afirmação de direitos coletivos e identitários; um novo pacto federativo para
promoção dos direitos sociais; a promoção de um novo projeto nacional de desenvolvimento; e
transição ecológica para a nova sociedade do século XXI.

Imagem 23 - Capa do Plano de Governo Lula

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2018.


124

Imagem 24 - Capa do Plano de Governo Haddad

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, 2018.

O plano segue as mesmas diretrizes apresentadas por Lula, exceto no que se refere ao
tópico inicial, que tem um caráter exortativo e denunciativo. Ele exorta a figura de Lula como
uma ideia transformada em programa e denuncia o golpe de 2016 e a prisão política do
candidato Lula. O candidato Haddad afirma dar continuidade às propostas de Lula, uma espécie
de herança política.
O mesmo plano de governo apresenta uma estrutura complexa pautada em uma
engenharia profissional de produção de políticas públicas, em especial, às políticas públicas de
caráter social. Isso aponta para a profissionalização política do Partido dos Trabalhadores,
experiente em construir planos de governo e vencer eleições.
Não obstante, esse profissionalismo político é um entre outros motivos de sua derrota
nas eleições de 2018, em que se sobressaíram os discursos sincericidas (sinceridade extremada
que escapa por vezes à reflexão ética), anti-establishment, anti-politicamente correto e
anticientífico. Fenômeno esse que apresenta algumas similaridades com o ocorrido na eleição
para a presidência da República nos Estados Unidos em 2016, em que Donald Trump venceu
Hillary Clinton. Isso se quisermos partir do referencial teórico da Crise das Democracias
Liberais já tratadas aqui.
Porém, a teoria da crise da democracia liberal desenvolvida pela Ciência Política dos
Estados Unidos, a partir do contexto da eleição presidencial de Donald Trump em 2016 e
125

posteriormente importada para o Brasil para analisar a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, deixa
várias lacunas em aberto para o caso brasileiro. A abordagem destaca a influência e o poder de
outsiders políticos antissistema de corroerem o establishment democrático a partir de
autoritarismo, nacional-populismo uso de meios digitais e virtuais para o controle social e
disseminação de fake news. A discussão será retomada, mas antes é preciso discorrer sobre o
profissionalismo político do PT mencionado anteriormente como um dos prováveis fatores que
contribuíram para a sua derrota.
Na véspera do segundo turno das eleições municipais de 2020 o bispo da Iurd Renato
Cardoso, genro do bispo Edir Macedo, gravou um vídeo intitulado “Porque o povo vota em
quem rouba mas faz?” (CARDOSO, 2020), com transcrição na íntegra, a seguir. Apesar de se
tratar de um período posterior ao pleito de 2018, dois anos exatamente, o conteúdo do vídeo
corrobora a afirmação sobre a derrota do PT estar relacionada também ao profissionalismo
eleitoral.

Porque o povo vota em quem rouba mas faz? Quem vocês querem que eu solte, Jesus
ou Barrabás? Perguntou Pilatos ao povo. Porque a multidão escolheu Barrabás? A
resposta pode nos ajudar a entender porque muitos votam em políticos que roubam
mas fazem mesmo sabendo que continuarão sendo roubados por eles. Primeiro vamos
entender, quem era Barrabás? Barrabás era um prisioneiro de Poncios Pilatos,
governador Romano sobre a Judeia na época de Jesus. Por que ele estava preso?
Segundo relatos históricos, Barrabás havia sido preso por roubo, assassinato, fazer
parte de grupos armados e como dizem alguns historiadores, liderar um motim contra
o governo romano. Era um preso conhecido, um líder de rebeldes. A multidão torcia
por ele, por causa do sentimento popular contra Roma. Talvez porque consideravam
os seus métodos violentos e fora da lei, mais eficazes a resistência aos romanos. Por
isso, Barrabás também era útil aos religiosos corruptos da época. Enfim, ele era um
ladrão, assassino, criminoso, agitador e aproveitador, mas mesmo assim alguns o
consideravam um herói, não um vilão. Quando Jesus foi preso, Pilatos tinha uma
batata quente nas mãos. A popularidade de Jesus estava crescendo e muitos judeus
achavam que ele seria o novo rei de Israel, que os libertaria de Roma. Os líderes judeus
por outro lado viam em Jesus uma ameaça a religião judaica. Astutamente, Pilatos se
valeu de um costume de soltar um preso durante a Páscoa como um gesto político para
agradar o povo. Por esse costume, o povo, mesmo sabendo dos crimes do presidiário,
decidia perdoá-lo e aceita-lo de volta a sociedade. Olhavam para alguma característica
boa do criminoso, tipo: ele roubou, matou, mas foi por uma boa causa. Assim o povo
fazia vistas grossas ao crime do bandido porque tinha algum interesse na sua soltura.
Então, sob pressão dos religiosos, Pilatos deu ao povo a escolha: Vocês querem que
eu solte Barrabás ou Jesus? Os religiosos incitaram o povo, o povo escolheu Barrabás,
e Jesus foi crucificado. Qualquer semelhança com o que acontece ainda hoje,
especialmente em épocas de eleições, não é mera coincidência. Facilmente
manipuladas, iludidas pela política do pão e circo, as pessoas parecem sofrer de
amnésia coletiva quando precisam escolher o próximo governante. Esquecem ou
ignoram o passado do candidato, se ele roubou, se corrompeu, se vendeu, se envolveu
em esquemas, enriqueceu ilicitamente e olham apenas para a imagem de boa pessoa
que a sua equipe de marketing projeta. Mancomunados com o candidato, os canais de
notícias exaltam o herói e demonizam o candidato adversário ou o atual governante.
O povo cai na narrativa de que a culpa de todos os seus sofrimentos é do governante
atual. Uma ânsia por mudança é alimentada por alguém que vá milagrosamente,
resolver todos os problemas da população. Daí entra o candidato Barrabás. Com o
discurso atraente, falando a linguagem do povo, tudo o que as pessoas querem ouvir.
126

E o povo pensa: vamos dar uma chance para esse aí! Até aí tudo bem. Renovação na
política não é apenas bom mas necessário. Mas trazer de volta um político que já
provou ser corrupto em mandatos anteriores é renovação? Votar em político que
aparentemente fez algo pelo povo mas roubou aos montes por outro lado, vai melhorar
a vida da população? Eleger alguém que vai precisar que o povo continue pobre, pra
se reeleger em quatro anos, porque faz da pobreza o palanque político vai mudar a
situação do povo? Todos nós sabemos no que isso vai dar. Mas curiosamente é aí que
a multidão se comporta novamente como na época de Jesus: tudo bem, ele pode até
ter roubado, mas ajudou os pobres. Ou seja, o povo continua escolhendo Barrabás. Se
você quer sua cidade, estado, país, diferente, você tem que aprender a escolher os seus
governantes. Aqueles que roubam não fazem nada por você, só por eles mesmos.
Quando fazem alguma coisa, é para roubarem mais. Aqueles que compram votos,
fazem conchavos nos bastidores, oferecem favores em troca de apoio, tem histórico
de corrupção, não merecem a sua confiança. Políticos que sofrem por fazer o certo
são criticados pela mídia por não compactuarem com a corrupção, precisam ser
compreendidos, apoiados e dados novas oportunidades. Se você escolher Barrabás,
continuará sendo roubado por ele. Ainda que Barrabás lhe beneficie hoje, amanhã a
corrupção dele vai tirar muito mais de você e da sua família, dos seus vizinhos, da
cidade e do país. Se escolher Barrabás mesmo depois de assistir este vídeo, só me
resta fazer uma coisa... (lava as mãos em uma travessa de vidro com água e se retira
da cena). Em seguida aparece o seguinte trecho bíblico: “Quando os justos governam,
alegra-se o povo; Mas quando o ímpio domina, o povo geme”. (BÍBLIA, Provérbios,
29:2). (CARDOSO, 2020).

Embora o bispo Renato Cardoso esteja tratando das eleições municipais do Rio de
Janeiro em 2020 de forma a representar Marcelo Crivela (Republicanos), outro bispo da Iurd e
sobrinho de Edir Macedo, como Jesus e Eduardo Paes (DEM) como Barrabás, o vídeo tende a
fazer menções ao PT devido aos recursos audiovisuais em tonalidades vermelhas representando
situações ruins como o ato de corrupção. Destarte, o mesmo discurso do poder de sedução e
manipulação do marketing político foi usado contra o PT e contra o presidente Lula
recorrentemente devido o partido ter ganho quatro eleições consecutivas na esfera nacional, das
quais três delas contaram com o trabalho do premiado jornalista e publicitário João Santana.
Também a personagem anticristo, Ricardo Montana, é caracterizado na telenovela Apocalipse
como um líder populista mundial que exerce o seu poder tirânico a partir do discurso agradável
e postura amigável.
A crise política que o Brasil passou desde 2013 não se deu por meio da influência e o
poder de outsiders políticos antissistema eleitos para cargo público nos poderes Executivo e
Legislativo. Pelo contrário. Os responsáveis foram os próprios políticos do establishment
democrático nacional que, desde pelo menos os anos de 1990 participavam das eleições, sendo
elevados à condição de representantes dos brasileiros.
É importante relembrar que a democracia liberal brasileira foi posta em causa
inicialmente em 2014 pelo senador Aécio Neves, neto e herdeiro político do avô Tancredo
Neves, governador de Minas Gerais eleito indiretamente presidente da República e líder do
processo de transição da ditadura militar para a democracia em 1985, a partir da chamada
127

política da conciliação. Aécio acumula em seu currículo político os cargos de deputado federal,
presidente da Câmara dos Deputados, governador de Minas Gerais por dois mandatos e senador
da República.
Em 2015, a democracia liberal brasileira foi posta em causa novamente por dois
políticos liberais do PMDB: o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha que, de
2001 a 2003 foi deputado estadual do Rio de Janeiro e de 2003 a 2016 foi deputado federal, e
o vice-presidente da República Michel Temer, que foi procurador-geral de São Paulo em duas
ocasiões, de 1983 a 1984 e de 1991 a 1992, deputado federal de 1987 a 1991 e de 1997 a 2011,
presidente da Câmara dos Deputados de 1997 a 2001 e de 2009 a 2010. Jair Bolsonaro, apesar
de ter usado em sua campanha presidencial o discurso antissistema, foi vereador do Rio de
Janeiro de 1989 a 1991 e deputado federal de 1991 a 2019.
Nesse sentido, a crise da democracia brasileira não se deu por um processo de
importação de outsiders políticos, antissistema, extremistas, autoritários para o campo político,
mas por um processo de desgaste interno multifatorial. Dentre estes fatores, destaca-se o
presidencialismo de coalisão e a luta pela substituição do paradigma econômico social neo-
nacional desenvolvimentista pelo neoliberal financeiro improdutivo. O primeiro fator induz à
corrupção, um tabu para a sociedade brasileira e o segundo, à desregulamentação das leis e
diretrizes de proteção social, ambiental e, contraditoriamente, democrática.
Se substituirmos o enfoque teórico político pelo economicista, não conseguiremos
significativos avanços na análise da crise política brasileira do quadriênio aqui tratado. Porque
a teoria da crise brasileira, por meio do antagonismo de classes desenvolvidas por sociólogos
brasileiros a partir de análises da emergência de uma nova classe média ou uma nova classe
trabalhadora, é incompleta, embora em alguns casos não se restrinja ao fator econômico.
A lacuna da teoria se encontra na não observação da distinção entre conservadorismo e
direita. Por vezes o termo elite ou como nomeia Jessé Sousa (2017) elite de rapina, seja ela
econômica, política, intelectual ou outras, é tratado simultaneamente como sinônimo de
conservadorismo e de direita liberal, quando de fato os dois setores da sociedade brasileira são
antagônicos. Isso justamente porque, assim como esclarece Rudá Ricci (2017), o
conservadorismo preza pela manutenção da ordem estabelecida, ainda que seja preciso intervir
nas liberdades individuais. Já a direita liberal não concebe forma alguma de intervenção estatal
ou institucional nas liberdades individuais.
Tal fato pode ser constatado por exemplo nas divergências de compreensões entre o
Congresso Nacional (especificamente os parlamentares conservadores) e o Supremo Tribunal
Federal (formado por ministros liberais) em matérias políticas consideradas polêmicas na
128

década de 2000 e 2010, tais como as cotas raciais e a expansão de direitos civis para os
LGBTQIAP+. Enquanto essas pautas foram rechaçadas pela chamada bancada evangélica no
Congresso Nacional, em 5 de maio de 2011, o STF aprovou por unanimidade o reconhecimento
da união homoafetiva e, em 9 de maio de 2012, a suprema corte confirmou, também por
unanimidade, a constitucionalidade das cotas raciais nas universidades.
Tomando como referencial teórico-metodológico o estrutural-construtivismo de Pierre
Bourdieu, propõe-se que o que houve, grosso modo, no Brasil durante a crise política apontada
no cenário pré-eleitoral aqui abordado, foi uma confluência de interesse por parte de grupos
ideologicamente contrapostos. Interesse comum e motivações contraditórias. Esse cenário não
é um fato sem precedentes na história do Brasil, tendo em vista que o encerramento da ditadura
militar instaurada pelo AI-5 de 13 de dezembro de 1968, bem como o processo de abertura
política e redemocratização brasileira, a partir de 1985, que culminou na promulgação da
Constituição de 1988, era de interesse dos setores da esquerda e da direita política brasileira.
Repito. O interesse era comum e as motivações contraditórias.
Em ambos os casos, o interesse comum, em última instância, é o de acessar o meta
capital, ou seja, o poder legítimo de participação na definição do conformismo lógico e moral
no Brasil e, portanto, da realidade da vida cotidiana nacional. É a luta pelo poder legítimo de
definir o que é o Brasil e a brasilidade. Já as motivações são variadas, não se restringindo ao
antagonismo de classes, nem à crise da democracia liberal e o avanço do nacional-populismo.
É preciso relembrar que a formação política do Estado brasileiro se dá pelo antagonismo
de duas elites nacionais no contexto imperial, o que convencionou-se chamar de Luzias e
Saquaremas. Os Luzias eram os liberais, nomeados assim devido à Revolta Liberal de 1842
encerrada na cidade de Santa Luzia, em Minas Gerais. E os Saquaremas são os conservadores
que, se reunindo na cidade de Saquarema, Rio de Janeiro, defendiam o centralismo unitário do
Império.
Levando-se em consideração que ambas as forças políticas, em um primeiro momento,
eram contrárias à abolição da escravatura e, posteriormente, com o nascimento dos movimentos
abolicionistas e a promulgação da Lei Áurea não se comprometeram de modo geral com a
inserção do negro na sociedade nacional capitalista que se iniciava, não é possível conceber
nenhuma delas como progressistas, tal como compreendemos o termo atualmente.
Pelo contrário, a substituição do sistema de produção escravocrata pelo assalariado-
capitalista no Brasil fez que com os setores conservadores da sociedade brasileira se
integrassem à ordem social-econômica defendida pelos liberais, o capitalismo, sobretudo a
partir da revolução de 1930 e o processo de modernização, industrialização e urbanização do
129

país pela política do nacional-desenvolvimentismo. Nesse sentido, as elites conservadoras


imperiais-escravocratas foram levadas para o campo republicano-capitalista e a elite econômica
liberal migrou do campo revolucionário para o da conservação, para não dizer a palavra
conservador.
O embrião das ideologias progressistas no Brasil se dá já no início do século XX com a
formação das primeiras agremiações corporativas e sindicais de trabalhadores urbanos e a
fundação do Partido Comunista do Brasil. Os ideais progressistas desenvolveram-se ao longo
daquele século de variadas formas, atingindo a maturidade na década de 1980 com a fundação
do Partido dos Trabalhadores, primeiro partido político brasileiro de esquerda a conseguir
reunir vários setores populares e instituições progressistas da sociedade brasileira de forma a
ser competitivo no campo político nacional e conseguir se eleger ao governo federal.
Porém, o enfoque socioeconômico leva em consideração majoritariamente os liberais e
os progressistas, associando os primeiros aos conservadores a partir da posse dos capitais social,
econômico e cultural. Propõe-se que a análise a respeito do referido período histórico brasileiro
deva levar em consideração as três forças políticas distintamente. Nesse sentido, o que houve
nas eleições de 2018 foi um conflito não entre duas partes, mas entre pelo menos três partes:
liberais, conservadores e progressistas. Os dois primeiros, apesar de inimigos históricos,
convergiram-se, sem firmarem aliança, para interesses materiais e simbólicos em comum:
romper com o modus operandi de governo do PT.
Os liberais lutavam pelo poder legítimo de definição do modelo econômico-político-
social neoliberal. O neoliberalismo não é apenas um paradigma econômico, mas também
político e social que pressupõe relações sociais e políticas calcadas no individualismo, na
competitividade, na fragmentação nacional do poder. Daí as palavras de ordem de Bolsonaro
“por menos Brasília e mais Brasil” e a financeira ação improdutiva. A princípio, como vimos
anteriormente, o representante dessa força era Aécio Neves e o seu partido, o PSDB, que perdeu
espaço para Jair Bolsonaro devido às constantes denúncias de envolvimento em corrupção.
Os conservadores lutavam pela legitimidade de definição da moral nacional, isto é, os
modos legítimos de pensar, agir e ser brasileiro. Trata-se da moral coletiva calcada no
patriarcalismo, no cristianismo tradicional católico e evangélico. A sua representante potencial
seria Marina Silva, porém amplos setores evangélicos pentecostais e neopentecostais a olhavam
com desconfiança devido a algumas posturas progressistas.
Marina Silva também perdeu espaço para Jair Bolsonaro. O apoio dos setores
evangélicos pentecostais e neopentecostais à candidatura de Bolsonaro à presidência da
República em 2018 é comumentemente abordada a partir do início do processo eleitoral daquele
130

ano, em que as lideranças das principais igrejas em questão declararam apoio ao político. No
próximo capítulo, o intuito é mostrar como a telenovela Apocalipse se constituiu em um
instrumento do braço televangelista da Iurd que, sem ter originalmente a intenção, deu suporte
ideológico-político e teológico à candidatura de Jair Bolsonaro.
Os progressistas lutavam pela definição do modelo econômico-político-social da justiça
social e da equidade. Trata-se do paradigma liberal-social-democrático inscrito na Constituição
de 1988 efetivado pelo PT nos seus treze anos de governo. Essa força perdeu capital social-
político pela suposta luta santa contra a corrupção, deflagrada pela Operação Lava Jato e
noticiada pelo Jornal Nacional.
O que houve, portanto, foi a confluência de interesses entre setores do campo liberal
com setores do campo conservador, dois grupos antagônicos que, abortando o apoio à
candidatura de Aécio Neves e de Marina Silva à presidência da República, deram suporte e
contribuíram direta ou indiretamente, mesmo que a contragosto, para a candidatura de um
deputado desconhecido nacionalmente e de pouco protagonismo político dentro do Congresso
Nacional: Jair Messias Bolsonaro. O objetivo era o de acessar o metacapital nacional e, assim,
alcançar resultados distintos. Tal convergência de interesses de classe e de campo político-
ideológico rivais extrapola a capacidade explicativa do materialismo histórico dialético e da
abordagem da crise da democracia liberal.
131

7 AS PERFORMANCES POLÍTICAS NO ENREDO DA NOVELA APOCALIPSE

As pautas e agendas políticas presentes na telenovela em questão são algumas das que
estavam em evidência no período pré-eleitoral brasileiro de 2018 como, por exemplo, as pautas
anticorrupção e antidrogas e as agendas do anti-identitarismo, do anti-intelectualismo e do anti-
globalismo, como se tratará pormenorizadamente nos cinco tópicos a seguir. Antes, é preciso
pontuar que a telenovela Apocalipse não é, no entanto, a primeira teleprodução da Record TV
a encenar agendas políticas em um contexto pré-eleitoral e eleitoral no Brasil. A cinco dias para
as eleições federais de 5 de outubro de 2014 estreou na emissora de televisão a minissérie
“Plano Alto”, apontada na Imagem 25, com 12 episódios e que teve o último capítulo exibido
nove dias antes do segundo turno do pleito.
A minissérie foi escrita pelo autor brasileiro Marcílio Moraes e encena o processo de
candidatura do governador do Rio de Janeiro, Guido Flores, ao cargo de presidente da
República. A personagem havia lutado contra a ditadura militar na década de 1970, tendo sido
exilado. Posteriormente, se tornou uma das lideranças do movimento Cara Pintadas na década
de 1990. Em 2013, o neto Rico participou ativamente das grandes manifestações de rua, as
chamadas Jornadas de Junho. Finalmente, às vésperas da eleição à presidência da República,
em um cenário onde é apontado como o candidato preferido, passa a ser investigado pelo
Ministério Público devido a várias denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro em sua
campanha. Com a ajuda de uma deputada, ele tenta limpar o nome e descobrir a origem do
denunciante.

Imagem 25 - Capa da minissérie “Plano Alto”

Fonte: R7, 2015.


132

É preciso lembrar que as eleições federais de 2014 foram marcadas por uma crise
política em nível federal devido à polarização ideológica entre PT e PSDB e, em nível local, no
Rio de Janeiro, entre Luiz Fernando Pezão (então PMDB) e Marcelo Crivella (Republicanos).
O carro-chefe de ambas as polarizações foi a retórica da anticorrupção. No âmbito nacional,
Dilma Rousseff tentava a reeleição.
Embora o primeiro governo dela não tivesse superado as expectativas, o cenário se
mantinha favorável, mesmo após os desgastes com as Jornadas de Junho e com o movimento
Não Vai Ter Copa. Mas, após a morte inesperada do candidato Eduardo Campos em acidente
aéreo, o cenário mudou e o candidato Aécio Neves despontou como o real oponente da
presidenta, culminando assim em uma polarização acirrada no pleito, que foi vencido por Dilma
em segundo turno por uma estreita margem de votos.
A disputa pelo governo do Rio de Janeiro naquele ano foi marcada pela polarização
entre o ex-vice-governador e afilhado político do ex-governador Sérgio Cabral – que havia
renunciado ao cargo após uma série de protestos conhecidos como Ocupa Cabral – e o bispo da
Iurd Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo. É possível inferir, portanto, que o conteúdo
da minissérie “Plano Alto” (2014) está estreitamente relacionado às polarizações políticas
envoltas nas candidaturas à presidência da República e ao governo do Rio de Janeiro no pleito
de 2014.
A encenação de agendas políticas em telenovelas se tornou uma prática também da
Rede Globo que, por exemplo, em várias temporadas da novela Malhação, ao longo da década
de 2010, inseriu pautas feministas, LGBTQIAP+, étnico-raciais, ecológicas e de inclusão
social. Destaca-se aqui a 25ª temporada da novela, Malhação Viva a Diferença, apontada na
Imagem 26, que foi ao ar entre 8 de maio de 2017 e 5 de março de 2018.

Imagem 26 - Capa da novela “Malhação -Viva a Diferença”

Fonte: Globoplay, 2017.


133

O folhetim trabalha de forma pedagógica temas como a gravidez na adolescência, o


racismo, o machismo, a homofobia, a violência infanto-juvenil, o trabalho precário e o trabalho
de menores de idade, os vícios, a qualidade da educação pública e privada etc. Dentre as
personagens, destaca-se o coordenador pedagógico da escola privada Colégio Grupo, Bóris e a
esposa, a diretora de escola pública Cora Coralina, Dóris. Ambas as personagens encenam o
discurso liberal progressista ensinando os estudantes a serem cidadãos com virtude cívica,
conscientes, moderados, racionais, tolerantes, pacíficos, comprometidos etc. Acredita-se que a
performance dos dois seja uma resposta liberal da Rede Globo às polarizações político-
ideológicas que vinham ocorrendo no Brasil e que resultaram na ascensão da extrema direita e
na eleição de Jair Bolsonaro naquele ano.
Assim como a novela Malhação Viva a Diferença, a novela Apocalipse encena uma
variedade de temáticas de conteúdo político em evidência no período pré-eleitoral brasileiro de
2018. O elo que une essa pluralidade de temas é o viés conservador das críticas estabelecidas,
como será descrito posteriormente.
Finalmente, é preciso destacar que o enredo da telenovela Apocalipse encontra
similitudes dentro do conteúdo dos dois planos de governo apresentados no capítulo anterior, o
de Fernando Haddad e o de Jair Bolsonaro para o pleito de 2018. No caso do plano do candidato
Bolsonaro, as afirmativas de inspiração religiosa e as anti-intervencionistas do Estado, possuem
semelhanças aos discursos das personagens cristãs evangélicas da trama, aquelas que são salvas
por Deus no dia do Arrebatamento e do Juízo final. Já no caso do plano do candidato Fernando
Haddad as pautas políticas sociais, identitárias, coletivas as chamadas, pejorativamente, pautas
globalistas, são representadas na trama pela personagem anticristo Ricardo Montana e os seus
seguidores, aqueles que serão condenados ao inferno eterno.
Nesse sentido, a telenovela Apocalipse antecipa, na representação da personagem
anticristo e seus seguidores o discurso do plano de governo do PT, servindo como um
dispositivo de combate discursivo ideológico, preparando os telespectadores a contraporem
com veemência a campanha presidencial de Lula, Fernando Haddad e Manuela d’Ávila.

7.1 A agenda anti-feminista

De todas as pautas político-identitárias das minorias sociais brasileiras combatidas pelos


setores conservadores nacional entre 2015 e 2018, entre elas a LGBTQIAP+, a da consciência
negra e a da autodeterminação dos povos indígenas, a que aparece na novela Apocalipse tem a
ver com a liberdade, a independência e a autonomia das mulheres. Os motivos dessa
134

contraposição ao feminismo estão estritamente relacionada à pretensão de manter a família


tradicional cristã evangélica como o modelo ideal, natural e, portanto, de Deus. É importante
pontuar também que as pautas LGBTQIAP+, que poderiam ser usadas para retratar a crise da
família tradicional, não são tratadas na novela.
Isso se dá porque na novela a crise da instituição família é tratada a partir do
afrouxamento do papel da mulher como mãe pelas liberdades do mundo moderno. Nesse
sentido, o suposto problema do “homossexualismo”, termo pejorativo pelo qual os setores
conservadores da sociedade brasileira designam as pessoas homossexuais, seria apenas um
problema secundário e tão absurdo, ou de um contrassenso colossal, aos olhos do
fundamentalismo bíblico, que chega a ser desnecessário o mencionar. Isto é, ignora-se a
existência do outro, pois ele não está qualificado nem para ser um inimigo.
Embora não haja menções diretas ao feminismo e ao antifeminismo na telenovela
Apocalipse, a performance das personagens Débora Koheg Montana, Ariela Feld, Barbara
Queiroz, Isabela Gudman e Talita Aisen Peixoto, como será analisado neste tópico, encena uma
importante contribuição dessas personagens para a subversão da moral religiosa cristã-
evangélica. Isso beneficia, no enredo da novela, para com o projeto anti-salvífico do anticristo
a partir das ideias de liberdade e autonomia da mulher, sobretudo no que diz respeito às questões
comportamentais e afetivo-sexuais.
De outra forma, a performance das personagens Alice Pascoli Santero e Zoe Santero
apresentam o movimento de reaproximação da mulher cristã-evangélica “desviada36” à prática
da fé de sua família, o que é tratado na novela como a necessidade de “nos voltarmos a Deus”.
Já a performance das irmãs Suzana e Stela Aisean realiza o movimento de reaproximação com
Deus, somado ao movimento de conversão religiosa, tendo elas abandonado o judaísmo
ortodoxo, do qual não eram praticantes, para se inserirem no cristianismo-evangélico. Cabe
acrescentar rapidamente, embora não seja o foco deste tópico, que a performance das
personagens Esmirna, Monique Filadélfia, Letícia Santero e Raquel Santero evidenciam o
modelo ideal de mulher dentro da narrativa da novela: cristãs-evangélicas praticantes, serenas
no jeito de ser e convictas na defesa da moral que creem, devotadas a sua família, conselheiras,
carinhosas, recatadas etc. De todo modo, a pauta política do antifeminismo é abordada de forma

36
Em meu convívio com vários colegas evangélicos ao longo da vida escolar recorrentemente ouvi dos mesmos
que eles estavam “desviados” (auto atributo) ou que algum de alguma igreja evangélica estava “desviado”. Eu
percebia que este atributo possuía entre os colegas evangélicos, uma conotação geral negativa, mas por vezes
cômica, seja no sentido de crítica a outro ou de se autocriticar. Devido haver esta cultura própria do campo
evangélico brasileiro: do uso deste termo para designar que uma pessoa de seu meio se afastou espontânea e
temporariamente das atividades da igreja que pertence, seja qual for o motivo; o emprego aqui sem a preocupação
sociológica de estar fazendo um juízo de valor.
135

implícita desde o início da referida novela, como se pode observar no caso da personagem
Débora Koeg, uma das personagens protagonistas da primeira fase de Apocalipse (2017-2018).
Débora Koheg é uma jovem judia ortodoxa de Jerusalém e pouco afeita às tradições
religiosas de sua família. Gostava de se divertir em festas dançantes com a amiga Ariela Feld,
escondida dos pais. Logo após ser entregue em noivado, a partir de um arranjo entre famílias,
ao jovem judeu ortodoxo Saulo Gudman, viaja para Nova York, onde cursaria a faculdade.
Já nos Estados Unidos, conhece, por intermédio de forças sobrenaturais atribuídas na
novela como sendo do mal, Adriano Montana, um jovem italiano, sedutor, filho de uma
tradicional família de banqueiros e membro da Igreja da Sagrada Luz, embora pouco dedicado
à religião. Sem a pretensão pessoal de se casar com Saulo, Débora se permite ser cortejada por
Adriano, que a leva para passear pelos parques e monumentos da cidade.
O casal vive um romance intenso, também intermediado por forças malignas, como se
pode constatar no terceiro capítulo, em que o narrador onisciente da trama, o anticristo Ricardo,
que viria a nascer do relacionamento entre Debora e Adriano algum tempo depois, afirma:
“Linda morena, aparte, escolhi Débora por uma razão, ela tem o genes do povo que eu amo
fazer o mundo odiar. Meu arqui-inimigo [Deus] disse que a salvação vem dos judeus. É isso
que nós vamos ver”. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 3).
A mencionada fala do anticristo aponta para três questões importantes no universo da
novela Apocalipse. A primeira é a suposta capacidade do diabo, um ser espiritual, de manipular
o mundo material e do livre arbítrio de forma a induzir as escolhas e as ações humanas. Essa é
uma concepção de diabo que está de acordo com a doutrina da demonologia da Iurd analisada
por Oro (2005).
Já a segunda possui uma conotação de naturalização espiritual-maligna do
antissemitismo, uma vez que o ódio dos diversos povos aos judeus ao longo da história não é
atribuída na novela simplesmente a conflitos socioculturais e político-econômicos, mas,
sobretudo, como tendo origem na ação do diabo, que se diverte fazendo os judeus sofrerem, o
que desresponsabiliza em grande parcela a política nazista do holocausto judeu.
O personagem anticristo reproduz, em um de seus discursos no Conselho das Nações,
partes de um discurso de Adolf Hitler. A terceira questão é a interpelação do anticristo a Deus
referente à ideia de que a salvação vem dos judeus. O objetivo dessa interpelação é o de
deslegitimar a fé judaica a partir do pressuposto de que o judaísmo não representa um empecilho
aos planos do diabo de frustrar o projeto salvífico de Deus. Aliás, na novela, o próprio anticristo,
Ricardo, nasce de uma judia, Débora. Nesse sentido, é possível verificar no decorrer da novela
a contribuição das personagens judias ortodoxas no plano colonialista do anticristo, sobretudo
136

no que diz respeito à construção do Terceiro Templo de Jerusalém.


Não obstante, no último capítulo da novela, os judeus que foram salvos por Deus são
aqueles que se converteram ao cristianismo evangélico durante o reinado terrestre de satanás, o
que se configura como um posicionamento religioso dos produtores da telenovela Apocalipse
visando acentuar que apenas a fé cristã-evangélica e o seu respectivo modo de vida são passíveis
de salvação frente a um apocalipse na atualidade.
Retomando a performance da personagem Débora, o ápice de seu namoro com Adriano
se dá em uma noite de núpcias em que a jovem perde a virgindade e engravida. De volta a
Jerusalém, Débora não consegue esconder a verdade por muito tempo da família. O pai, Gideon
Koheg, em um ataque de fúria a expulsa de casa dizendo não a reconhecer mais como filha. A
jovem se vê abandonada até pela amiga Ariela Feld, que lhe nega abrigo. Em seguida vai para
Roma em busca de Adriano e descobre que o romance que viveram nos Estados Unidos foi só
mais um momento de curtição do jovem galanteador.
Desiludida com a situação, Débora recusa o dinheiro que Adriano lhe oferece para sumir
de sua vida e em seguida se retira, sem rumo preestabelecido, da mansão da família Montana,
localizada na Via Ápia. Ao andar pela cidade de Roma, é atraída à Igreja da Sagrada Luz por
forças do mal. Lá encontra o sacerdote Stefano Nicolazzi que diz que o filho que ela espera é
um predestinado líder mundial que trará a paz entre as nações. Como já mencionado, se tratava
de Ricardo Montana, o anticristo.
O sacerdote consegue junto ao pai de Adriano, Giancarlo Montana, que Débora se
casasse com o rapaz, porém essa era apenas uma estratégia do anticristo que, ainda no universo
sobrenatural, manipulava o mundo material visando nascer do entrelace de uma família judia
com uma importante família italiana. A jovem viveu um matrimônio conflituoso. Era traída
constantemente pelo marido que também a agredia física e verbalmente, além de ser odiada
pela sogra, Verônica Montana, que a via como uma golpista que queria entrar para a família
com o objetivo de ter prestígio social e econômico. Tal realidade conflituosa já era uma previsão
do anticristo antes mesmo de nascer. É o que se pode constatar na sua fala como narrador
onisciente da novela no capítulo 7:

Anticristo: Se tudo nesse mundo pudesse ser do meu jeito, ninguém se casaria.
Quanto mais divididas e afastadas as pessoas forem uma das outras, melhor pra mim.
Mas não é porque duas pessoas são casadas que precisam necessariamente viverem
unidas. E isso o Adriano entendeu perfeitamente. (TELENOVELA APOCALIPSE,
2017, capítulo 7).

Nessa fala, a personagem anticristo se mostra contra as instituições casamento e família.


137

Por outro lado, é a favor das divisões, o que, segundo ele, o favorece. Mais do que isso, os
problemas conjugais de Débora e Adriano são naturalizados na novela como a concretização
da atuação do mal no mundo material, como se pode observar em outra fala da personagem no
mesmo capítulo referente ao próprio nascimento, ou encarnação, como Ricardo Montana:

A chegada de um bebê muda tudo em um casamento. Se o casal já não vive bem, um


filho pode abalar ainda mais a relação. Por isso, eu gosto de bagunçar a ordem das
coisas nos relacionamentos. Sexo é primordial, amor é opcional, filho, apenas uma
consequência, formar uma família, desnecessário. O meu lema é: sempre que possível,
coloque o carro na frente dos bois. Mas a minha chegada não vai abalar apenas os
meus pais. Eu vim para abalar o mundo. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017,
capítulo 7).

Novamente a personagem anticristo afirma a sua oposição às instituições casamento e


família, mas desta vez diz inverter uma suposta ordem das ocorrências nos relacionamentos
citando o sexo em primeiro lugar, o nascimento de filhos como consequência e a formação de
uma família em último lugar. Ou seja, o anticristo se opõe a uma suposta ordem natural e cristã
de relacionamentos que, pode se dizer, iniciaria com o namoro que, por crescimento do amor,
evoluiria para o noivado, em seguida a efetivação da relação pelo casamento e posteriormente
o sexo com fins de formar uma família. Sendo assim, a ideia do sexo antes do casamento é
atribuída na novela a uma subversão diabólica dos desígnios de Deus.
É possível compreender, portanto, que a personagem Débora é trabalhada na novela
Apocalipse como uma espécie de anti-Imaculada Conceição de Maria, ou seja, uma anti-mãe
de Jesus. As evidências que conduzem a essa interpretação são os fatos de que, se de um lado
Maria foi uma jovem judia dos baixos estratos sociais de sua tribo que concebeu Jesus por
intermédio do Espírito Santo mantendo a sua virgindade e a ausência do chamado “pecado
original”, Débora por sua vez é uma jovem judia dos estratos médios de seu país que concebeu
Ricardo Montana (o anticristo) por intermédio de forças sobrenaturais do mal a partir de relação
sexual antes do casamente e com um homem de fora de sua crença religiosa, isto é, um gói, nos
termos dos pais da jovem, o que foi tratado na novela como algo viabilizado por ação do diabo.
É possível inferir que enquanto no caso de Maria a força da moral-religiosa coletiva de
sua tribo exerceu poder coercitivo na sua forma de ser, pensar e agir, no caso de Débora a força
predominante é a do indivíduo moderno cujo poder de coesão dos laços sociais é brando. Mas,
também, uma abertura para a influência do diabo, como apontado acima, que, se aproveitando
da realidade do mundo moderno, atua para destruir a humanidade. Nesse sentido, Débora
encena a liberdade da mulher moderna, em última instância, da mulher feminista que reivindica
a autonomia, a autodeterminação e a busca individual pela felicidade fora dos parâmetros
138

impostos pela moral coletiva de sua crença religiosa.


Essa performance se apresenta como um discurso antifeminista justamente pelo fato do
insucesso de Débora na busca pela felicidade, uma vez que foi expulsa de casa de forma abrupta
pelo pai, conquistou um casamento de “fachada” com Adriano, era mal quista pela sogra
Verônica e teve uma vida repleta de sofrimento familiar, sobretudo porque o amor pelo marido
não era correspondido. Nesse sentido, a performance de Débora representa o preço pago pela
autonomia da mulher moderna que se vê livre para “curtir a vida” e fazer sexo antes do
casamento.
Pouco depois de Débora ir para a Itália, a ex-amiga, Ariela Feld, uma estadunidense que
morava com a família em Jerusalém, regressou para os Estados Unidos, especificamente para a
cidade de Nova York, onde se casou com o astrofísico Uri Gudman – primo de Saulo, o ex-
noivo de Débora – e se tornou uma executiva nos quadros do chamado Conselho das Nações
(representação a ONU na novela). Mulher rica, atraente, sedutora e recorrentemente trajada de
vestido vermelho decotado, Ariela vive um casamento monótono no que se refere à falta de
tempo e a apatia do marido frente aos seus desejos afetivos-sexuais.
O astrofísico era um cientista engajado em suas pesquisas na Agência Espacial
(representação da Nasa na novela) e passava dias a fio no local sem regressar à casa ou dar
notícias a sua esposa. Após várias crises conjugais, Ariela pede o divórcio, alegando que prefere
estar livre de compromissos matrimoniais para não ter que trair Uri. Nessa mesma época, Ariela
se torna o braço direito de Ricardo Montana, quando ele é eleito presidente do Conselho das
Nações. A função dela é ajudar o anticristo a manipular politicamente os líderes mundiais, bem
como estabelecer acordos internacionais de paz, tratados na trama como a “falsa paz”:

Ariela: Ricardo! Parece que essa sua aventura em Roma te fez muito bem!
Ricardo: (sussurra uma melodia) Claro! (sussurra uma melodia).
Ariela: Nossa!
Ricardo: Roma é a cidade eterna, como os amores, enquanto duram, como dizia um
poeta.
Ariela: Tão bom assim é?
Ricardo: Essa não foi uma aventura qualquer, Ariela. Essa mulher será a minha
esposa em breve. Cuidado com o que você vai dizer agora.
Ariela: Eu preciso conhecer essa feiticeira.
Ricardo: Tudo no seu tempo.
Ariela: (risos).
Ricardo: Antes de vir pra cá eu passei na agência espacial e falei com o seu ex-
marido.
Ariela: A sim, Uri estava ansioso para conseguir o seu apoio.
Ricardo: E conseguiu. Não exatamente do jeito que ele queria, é claro, mas ficou
satisfeito com a minha proposta. E por aqui? Eu espero que vocês não tenham dado
início ao apocalipse sem a minha participação.
Ariela: (risos). Jamais faríamos isso, seria no mínimo indelicado, mas os seus últimos
pronunciamentos...
Ricardo: E o que que tem?
139

Ariela: Foram polêmicos, no mínimo. Houve muitas reações negativas e protestos ao


seu apoio a reconstrução do templo de Jerusalém.
Ricardo: Eu já sabia que os palestinos e parte da comunidade internacional reagiriam
mal. Eu estou preparado para o que me espera, Ariela, não se preocupe com isso.
Ariela: E não tivemos tempo de conversar sobre a reunião com o Conselho dos Dez
Mais. Como foi?
Ricardo: A esses dez indivíduos tem mais dinheiro do que 99% da população mundial
e mesmo assim ficam apavorados só de pensar em colocar a mão no bolso. Eu acho
hilário isso, você não acha?
Ariela: Talvez por isso sejam tão ricos. (risos).
Ricardo: Mas eles vão ter de superar esse pavor de dar dinheiro aos outros sem
esperar lucros. É isso ou o caos, que eu mesmo faço questão de instaurar.
Ariela: E falando em caos...
Ricardo: Estou esperando.
Ariela: Tive uma conversa franca e chocante com o nosso amigo califa Omar.
Ricardo: Sobre qual assunto?
Ariela: A sabotagem ao avião que caiu há alguns dias. O serviço que você
encomendou a ele e ao seu grupo terrorista.
Fim do Capítulo 77

Início do Capítulo 78
Ricardo: Ariela, quando peço ou sugiro algo a alguém, eu na verdade estou
ordenando.
Ariela: Ricardo...
Ricardo: Entre todas as pessoas do meu círculo mais próximo eu jamais poderia
imaginar que justamente você...
Ariela: Deixa eu me explicar...
Ricardo: Eu falei pra você não se meter nessa história, não falei?
Ariela: Falou.
Ricardo: E você, não apenas me desobedeceu, como muito provavelmente utilizou o
meu telefone para fazer uma ligação absolutamente sigilosa como essa.
Ariela: Não, fiz a chamada de um pré-pago. Eu sei muito bem como agir.
Ricardo: Mesmo? Que que eu faço com você agora, Ariela?
Ariela: O que quiser. Estou nas suas mãos Ricardo e aos seus serviços. E dentre os
meus deveres está o de proteger você independente do que faça ou do que aconteça.
Ricardo: Hum, que adorável! E desde quando eu preciso da ajuda de uma mulher...
Ariela: Não sou nem uma idiota. Imaginei que você soubesse disso quando me
chamou para trabalhar com você. E caso ainda te interesse, tivesse me consultado
sobre essa encomenda com o califa, eu não teria apenas te apoiado, como te ajudaria
para fazer tudo de um jeito que nada, nem o rastro chegasse até você.
Ricardo: Está querendo me dizer...
Ariela: Sempre serei leal a você! Nunca julgarei as suas atitudes, sobretudo do ponto
de vista ético e moral que a meu ver são duas coisas completamente chatas e que
tornam a vida previsível, né?
Ricardo: (risos e palmas) Você é realmente uma caixinha de surpresas Ariela.
Ariela: Que não gosta de ser surpreendida. Me quer ao seu lado? Estou 100% com
você. Mas nunca mais me deixe de fora.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulos 77 e 78).

Dentre os vários serviços prestados por Ariela a Ricardo estão a sua ajuda para
assassinar o sheik Abdul Al Khaleel em acidente de carro após o anticristo não ter conseguido
negociar junto ao líder árabe o abatimento de parte do preço do terreno em um deserto árabe
onde seria construída a cidade Nova Babilônia. Também ajudou a assassinar, simultaneamente,
por meio de atentado terrorista em Jerusalém, o principal líder judeu, Yaacov, e o mulçumano,
Marmud, que se recusaram a entrar em acordo para que Ricardo construísse o Terceiro Templo
140

de Salomão ao lado da mesquita de Omar.


Com o objetivo de competir poder com a ex-amiga de juventude, Ariela se torna amante
de Adriano Montana, marido de Débora. Para Débora, foi a pior das traições que sofreu do
esposo ao longo da vida de casados, levando-a pela primeira vez a se vingar de Adriano por
meio da traição. Débora e Luca Pergamo, um gestor da Banca dei Cavalieri, o banco da família
Montana, presidido por Ricardo, iniciam um romance secreto que logo é encerrado devido a
um jogo de sedução de Ariela sobre Luca, pego em fragrante por Débora. Na terceira fase da
telenovela, Ariela se torna amante do filho de Débora, o presidente do Conselho das Nações
Ricardo Montana, quando ele passou a tratar a esposa Isabela Gudman com violência verbal e
física.
A performance de Ariela é um misto de erotização e desmoralização da mulher
independente e sem vínculos religiosos. Tal afirmativa não pretende denunciar ou deslegitimar,
em detrimento do “politicamente correto”, uma das características do gênero melodramático
das telenovelas, que é a construção da malignidade da personagem vilã, mas, antes, apontar que
a referida personagem ocupa um posto ideológico dentro da narrativa da telenovela que aglutina
duas pautas políticas conservadoras presentes no pleito de 2018 no Brasil, a saber, a agenda
antifeminista e a agenda anti-direitos humanos (esta última se tratará no próximo tópico).
Nesse sentido, a crítica ao feminismo incutido na personagem Ariela Feld se inicia em
seu modo moderno de ser mulher, isto é, independente em relação ao marido, à família e à
tradição religiosa (no caso, a judaica ortodoxa) e deságua em seu modo de agir manipulador,
antiético, ambicioso e voltado para a busca de prazeres materiais e sexuais.
A imagem da mulher moderna é associada à imagem de uma pessoa maligna, destrutiva,
sem moral religiosa, trajada de vestido vermelho decotado e que usa o próprio corpo para
seduzir homens casados. A cor vermelha, do vestido de Ariela, a associa a um símbolo muito
conhecido do livro do Apocalipse, o Dragão cor de fogo com sete cabeças e dez chifres que
aparece no capítulo 12 do livro bíblico e representa o mal.
Outra mulher próxima de Ricardo Montana que incorpora a pauta antifeminista é a
esposa Isabela Gudman. Pertencente a duas famílias judias ortodoxas representadas na novela,
Gudman e Aisen, a jovem viveu a infância e juventude em Nova York, sem contato com as
tradições religiosas da família. O pai, Alan Gudman, o tio Uri e o irmão Benjamim se
consideram ateus e a mãe, Suzana Aisen, afirma ter fé, mas não participa de nenhuma atividade
religiosa.
A jovem era uma excelente estudante de arqueologia cujo currículo a possibilitou ser
escolhida pelo professor e arqueólogo Rodrigo Queirós para uma expedição arqueológica no
141

Domo da Rocha, Jerusalém. No lugar, Isabela achou, em uma das escavações, o fragmento de
uma placa metálica que o sumo sacerdote do Templo de Salomão usava na região da testa, no
período anterior ao exílio babilônico. Tal descoberta levou à conclusão de que o Templo de
Salomão havia sido construído naquela localidade, o que possibilitou e legitimou que Ricardo
Montana o reconstruísse no mesmo local.
Além de inteligente, esforçada e bela, Isabela é tratada na novela como uma mulher
moderna de Nova York que gosta de roupas curtas, segundo o padrão de roupas femininas do
judaísmo, adora festas, paqueração e relacionamentos amorosos livres. Durante o intercâmbio
em Jerusalém, a jovem mora com os tios paternos Oziel e Marta Gudman, os pais de Saulo, ex-
noivo de Débora. Durante esse período, a jovem entra em atrito com os tios judeus ortodoxos
devido ao seu jeito liberal e carismático de ser, as roupas justas, decotadas, coloridas e com
ombros à vista.
Logo Isabela é notada por Noah Koheg, um jovem militar do exército israelense e filho
de Gideon e Tamar, os pais de Débora. O rapaz, que ainda não tinha experiências amorosas, se
apaixonou por Isabela devido ao seu jeito de ser diferente das moças judias ao seu redor. Aliás,
Noah é tratado na novela como um jovem judeu ortodoxo praticante da fé de seu povo, mas
tolerante às diferenças culturais e religiosas, sensível, justo, corajoso, honesto, introvertido e
humilde. Poucos dias após conhecer Isabela, o rapaz a pede em casamento pensando estar
tomando uma atitude correta diante de uma mulher. A jovem se assusta e rejeita o pedido de
um rapaz que acabara de conhecer, mas aceita ser cortejada por ele.
Não obstante, nessa mesma época Ricardo Montana a escolhe para ser a sua noiva por
questões estratégicas e começa a conquistá-la a partir de jogos de poder, sedução e ostentação,
levando-a escondida dos tios da jovem, de Jerusalém a sua mansão em Roma, de helicóptero.
Na viagem, que durou uma noite, o casal teve a primeira relação sexual. Vendo em Ricardo a
maturidade sexual-afetiva que julgava faltar a Noah, se apaixona pelo italiano, embora ele a
visse apenas como uma “peça” importante do seu jogo de xadrez apocalíptico.
Ao observar os passeios secretos de Isabela e a proximidade com Ricardo, a irmã de
Noah, Hanna Koheg, interpela a jovem, dizendo que ela estava brincando com os sentimentos
do rapaz. Isabela se sente mal por isso, mas decide ficar com Ricardo, com quem casa algum
tempo depois. Ela torna-se cúmplice da performance apocalíptica do anticristo e vítima da
crueldade dele, uma vez que a sua morte se dá pela obediência a um comando do marido: “dê
a sua vida por mim, se mate agora na minha frente.” (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017,
capítulo 154).
Esse episódio possui um caráter pedagógico-conservador, pois encena o desfecho da
142

performance de uma mulher moderna a partir do feminicídio, isto é, responsabiliza a mulher


pela violência que ela sofreu, relativiza as responsabilidades do agressor e naturaliza a agressão.
Assim como no caso de Débora, Ariela e Bárbara, a liberdade individual, a autonomia
e o modo de vida moderno de Isabela é tratado na trama como sendo fruto do distanciamento
da tradição religiosa da família e uma negação dos preceitos cristãos evangélicos, tendo como
consequência a “perdição eterna”, ou seja, a perda da salvação nos céus em detrimento da posse
da alma pelo diabo.
Enquanto Ariela e Ricardo movimentavam a política internacional de Nova York, a
jornalista Bárbara Queirós noticiava no Brasil os feitos do Conselho das Nações. Bárbara é uma
mulher negra, bem-sucedida, independente, moderna, âncora de um importante telejornal
carioca que, embora não seja mencionado o nome, possui similaridades estéticas e editoriais
com o Jornal Nacional da Rede Globo. A jornalista é solteira e divide apartamento com a colega
de trabalho Zoe Santero. Bárbara é filha do arqueólogo Rodrigo Queirós, um professor
universitário especialista em história hebraica que contribuiu, a partir de interpretações
teológicas, para a investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, referente aos crimes de
natureza apocalíptica do serial killer Samael. Também ensinou Zoe a traduzir símbolos do livro
do Apocalipse, o que a possibilitou descobrir que Ricardo Montana é o anticristo. E liderou
uma expedição arqueológica no Domo da Rocha em Israel, cujas descobertas legitimou Ricardo
a construir o Terceiro Templo de Salomão.
O sonho de Bárbara era de ser mãe, porém repudiava a ideia de ter um relacionamento
amoroso-afetivo fixo, se casar e formar família. A princípio, a jornalista queria fazer
inseminação artificial, o que chamava de “produção independente”, tendo sido criticada pelas
amigas de telejornal, Zoe e Celeste e pelo pai, como se pode observar, por exemplo, no capítulo
91 da novela, em que Barbara conta por telefonema a Rodrigo Queirós que está grávida:

Rodrigo: Grávida?
Barbara: É papai, você vai ser vovô. (risos).
Rodrigo: Oh filha! Que notícia maravilhosa Barbara!
Barbara: Ai pai! Eu tô tão feliz! Esperei tanto por isso pai, que agora, com tudo
acontecendo, parece que não é real, sabe?
Rodrigo: Eu sei, é normal filha. Sabe? Eu lembro quando a sua mãe me disse que eu
ia ser pai. Parecia ser um sonho.
Barbara: É! É assim mesmo.
Rodrigo: A natureza é perfeita filha, ela vai te dar nove meses para cair a ficha. É,
Barbara, desculpa perguntar isso, mas...
Barbara: Hum, já sei. Você tá querendo saber que é o pai.
Rodrigo: Seria bom né filha!?
Barbara: É o Diogo.
Rodrigo: Poxa, que legal! Eu gosto dele. Trabalhador, honesto. A, com certeza vai
dar um ótimo pai. Com certeza. É, mas vocês vão...
Barbara: Casar, nem pensar, né pai!?
143

Rodrigo: Como não, né filha? Por que, ele num, num quis assumir o meu neto?
Barbara: Pai, eu é que não quero saber de casamento. Imagina, só porque eu tô
grávida? Olha só, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, tá? Pai? Alô?
Rodrigo: Tô aqui Barbara.
Barbara: Ai paizinho, por favor, olha só, não faz a linha horrorizado não, hein!?
Poupa a sua filhinha. A final de contas, eu e o Diogo, a gente não namora, foi só um
caso sem importância. O Diogo é o pai da criança, mais nada.
Rodrigo: Mais nada!? Só o pai!? Olha Barbara, desculpa, mas... Eu não quero te
censurar, não vou fazer isso. Mas eu sou a moda antiga filha. Eu não me acostumo
com essa modernidade dos relacionamentos de hoje em dia.
Barbara: Pai, eu achei que você fosse ficar feliz por mim.
Rodrigo: Eu tô muito feliz filha. Mas eu tenho medo de que você se acabe se
machucando.
Barbara: Eu não quero me envolver justamente para não me machucar pai. Eu prefiro
assim. Sem casamento, sem cobrança, cada um com a sua vida.
Fim de cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 91).

Diogo Ferreira era um homem negro, bem-sucedido economicamente e dono de um bar


de classe média do Rio de Janeiro. Ambos começam um relacionamento aberto. A motivação
de Bárbara era apenas de conseguir engravidar de Diogo, e a dele, ao contrário, era de namorar.
A jornalista tenta engravidar de Diogo, conseguindo na segunda vez, porém recusa a ideia de
formar uma família. Embora Diogo desejasse assumir a paternidade, um de seus sonhos,
Bárbara diz que criará o filho sozinha, o que gerou conflitos entre ambos.

Chico: Não dá para entender. Tanta mulher querendo engravidar para segurar marido,
a outra tá grávida e não quer um.
Diogo: É meu, cada dia que passa tenho mais certeza de que mulher é bicho doido.
Chico: É, concordo. Ou elas todas deviam vir sabe com quê? Com manual de
instrução.
Diogo: Nem assim a gente ia saber lhe dar.
Chico: Eu achei que você e a Barbara estavam bem, né, sabe? Feliz, aqui ó, grávidos.
Diogo: A Barbara me usou cara. Ela só queria ter um filho comigo. Agora que está
grávida, não quis saber de mim.
Chico: Mas o meu caso é bem pior. A Celeste nunca me quis, mas também não me
deixa. Sabe? Fica me cozinhando ali. E eu, trouxa que sou, fico.
Diogo: Ficamos. Somos dois trouxas apaixonados.
Chico: Somos dois trouxas de carteirinha. Se a Celeste me desse uma chance, sabe?
Eu ia fazer ela a mulher mais feliz desse mundo.
Diogo: Digo o mesmo em relação a Barbara.
Chico: Outro chopp?
Diogo: Por conta da casa.
Chico: Moça, psiu, shop...
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 92).

O bar de Diogo era um estabelecimento frequentado por pessoas de classe média e


dispunha de shows noturnos ao vivo. A pop star das madrugadas era Lili Star, o pseudônimo
usado pela personagem Alice Pascoli, filha do pastor Jonas e de Laodiceia. A jovem dizia para
a família e para o namorado Tiago Santero que cuida de uma senhora doente todas as noites,
quando na verdade fazia apresentações de pop-rock nacional e internacional, realizando assim
o sonho de ser cantora. Ao descobrir a mentira da namorada, Tiago rompe o relacionamento.
144

Algum tempo depois, Alice é alvejada em um tiroteio promovido por um terrorista


dentro do bar do Diogo e ao passar por uma cirurgia de risco, bem-sucedida, realizada por
Tiago, os dois reatam o relacionamento. Nesse momento, a jovem inicia um processo de
transformação religiosa, se batiza na igreja do tio, pastor Ezequiel, e começa a ajudá-lo a
evangelizar as pessoas. Na ocasião do Arrebatamento, Alice e Tiago são salvos por Deus.
A performance de Alice faz um movimento que parte da ideia de uma evangélica
“desviada” que se voltou para o profano, mas que após passar por uma crise pessoal se
reconverte à religião da família e passa a participar das atividades religiosas de sua igreja, ou
seja, “volta a Deus”, como é dito recorrentemente na novela. Nesse sentido, Alice representa a
reconciliação da mulher evangélica com a fé de sua família e com Deus, tornando-se assim um
exemplo de superação da situação de mundanidade e um modelo de mulher ideal.
Outra personagem cuja performance migra de uma situação de relativo distanciamento
das atividades da igreja evangélica para uma experiência de reconversão, é Zoe Santero,
cunhada de Alice Pascoli. A jovem de classe trabalhadora, cristã (evangélica), filha do motorista
particular da família Aisen, Oswaldo Santero e da secretária do hospital judeu Aisen, Letícia
Santero, torna-se uma mulher independente, uma jornalista investigativa de sucesso que
trabalha para um importante telejornal carioca, sendo recorrentemente escalada para fazer
reportagens internacionais em Nova York e em Jerusalém.
Apesar de ter nascido em uma família fervorosa, Zoe não participa sempre dos cultos
da igreja. Ao reencontrar o amigo de infância, Benjamim Gudman, engenheiro de computação
de origem judaica, no lançamento do chamado projeto Cidade do Futuro, em Nova York, se
apaixonam e começam um romance. O relacionamento dos jovens é constantemente abalado
pelas tensões entre a fé de Zoe e o ateísmo de Bejamim. O jovem, de vez ou outra, demonstra
sinais de abertura para a fé, o que o aproxima ainda mais de Zoe, que algum tempo depois
engravida dele.
No evento do Arrebatamento, a jovem é deixada por Deus na Terra para sofrer os dramas
dos últimos tempos. Já os pais são arrebatados aos céus. O evento faz com que Zoe investigue
o que poderia estar acontecendo no mundo. Paralelamente à investigação, a jornalista toma
consciência que estavam se cumprindo as profecias do livro do Apocalipse e que não demoraria
para a chegada do “fim dos tempos”. Após descobrir que Ricardo Montana é o anticristo, Zoe
sofre um atentado aéreo quando saía de Tel Aviv para Nova York, com 355 mortes,
encomendado por Ricardo para matá-la. A jovem fica por três anos se recuperando dos
ferimentos em um acampamento mulçumano em um deserto do Marrocos, onde dá a luz a Davi
Santero Aisen Gudman.
145

Durante o período no deserto, Zoe se arrepende de ter se afastado de sua fé, isto é, não
ter participado assiduamente das atividades religiosas da sua igreja e de ter feito sexo antes do
casamento. O arrependimento dela vem junto a um movimento de reaproximação de Deus. O
início desse processo se dá no capítulo 82, em que escrevendo o próprio nome [Zoe] na areia
do deserto, próxima ao acampamento em que estava, a jovem se lembra de um diálogo que teve
com o pai Oswaldo, quando criança, em um momento de aflição:

Oswaldo: Você não vai me contar mesmo o que está acontecendo na escola para você
voltar com essa carinha?
Zoe: Não é nada não pai...
Oswaldo: Como não é nada não, pai? Você passou o jantar todo quietinha, surucusú.
Você não é assim. A Zoe que eu conheço é brincalhona, sorridente, alegre. Ei, ei, pode
falar pro papai. Papai tá aqui pra te ajudar.
Zoe: Que ficam rindo do meu nome na escola pai.
Oswaldo: Rindo do seu nome? Mas porquê? O seu nome é lindo.
Zoe: Poxa pai! Cê não tinha outro nome pra me dar? Zoe, ninguém tem esse nome.
Poxa! E todo mundo fica falando...
Oswaldo: Iiii deixa. Não interessa o que os outros ficam falando, pensando. O que
interessa é o que você acredita de verdade. Você gosta do seu nome, não gosta?
Zoe: Gosto!
Oswaldo: Então, deixa o resto pra lá. Eu tenho certeza que não existe nem um nome
com o significado tão bonito.
Zoe: Vida.
Oswaldo: Vida! Vida! Mas muito mais que simplesmente vida. É a própria vida de
Deus. A vida mais que abundante que Deus nos dá em Cristo Jesus.
Zoe: Se eles soubessem que o meu nome aparece na Bíblia, né pai?
Oswaldo: Né, filha, na verdade tá lá no original em grego – Zoe, Vida Eterna – e é
com isso que nós temos que nos preocupar filha, onde nós vamos passar nossa
eternidade. Vem meu amor. (Risos baixos, de alegria).
A cena retorna para Zoe na beira do oásis no deserto do Marrocos. Ela entra no
lago chorando e diz:
Zoe: Meu pai sempre me disse que eu sou determinada. Mas se essa determinação
não fez conquistar o mais importante, a minha salvação, então senhor Jesus, eu me
rendo agora por completo. Não quero mais ser como antes, não quero mais viver as
minhas vontades mas sim a sua. Eu vou viver o nome que me foi dado, Zoe a vida de
Jesus fluindo em mim. De agora em diante senhor, nada mais vai me afastar do seu
amor. Eu consagro a minha vida e tudo que sou em tuas mãos. Obrigada, obrigada
senhor!
Zoe se banha no lago, como se fosse um ritual de batismo.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 82).

O percurso narrativo da cena parte de um momento de introspecção de Zoe no deserto,


grávida e se recuperando dos ferimentos no corpo, relembrando um momento de tristeza da
infância em que o pai a conforta e a reanima. Todavia, deságua na conversão de seu sofrimento
introspectivo, por não ter sido escolhida por Deus no Arrebatamento, em esperança, alento e
renovação da fé.
A determinação de Zoe, característica atribuída a ela pelo pai, era representada na
telenovela a partir do engajamento da jovem na função de repórter investigativa que cobria
reportagens em situações de risco – tendo sido alvejada pelo tiro do serial killer Nicanor,
146

quando fugiu da prisão – o aponta para a ideia da coragem e da autonomia da mulher moderna.
Porém, no momento da reaproximação com Deus, Zoe compreende que essa determinação era
sustentada pelas próprias vontades e que por isso não teria conseguido conquistar o que achava
de mais precioso, a salvação. O movimento narrativo seguinte da personagem após essa
conclusão é o de negar e abdicar às próprias vontades em detrimento das de Deus, ou seja, de
dedicar a sua determinação, outrora de mulher moderna, mas agora de mulher de fé, a conquista
de sua salvação eterna. Nesse sentido, Zoe assume o próprio nome, “vida eterna”, que já lhe
havia sido motivo de bullying, mas que agora se tornara motivo de orgulho. O significado dele
possuía para ela um valor especial, superior aos sentidos da vida que levava antes do atentado
aéreo.
Os supostos erros ou pecados de Zoe, assim como os de Alice, se justificam pela
reconversão delas em um momento de aflição, fazendo com que elas entrassem para o grupo
seleto de mulheres ideais, a exemplo das personagens Letícia, Raquel e Esmirna, cristãs
evangélicas dedicadas à família e à fé e que foram arrebatadas por Deus antes do fim do mundo.
Se por um lado Débora representa na novela a anti-Maria, é possível identificar em Zoe
a pretensão de representar uma espécie de Maria cristã evangélica, não virgem. Tal afirmativa
encontra respaldo nas últimas cenas do capítulo 71, em que após Benjamim, namorado de Zoe,
lê o capítulo 12 do livro do Apocalipse, são apresentadas imagens da jovem sendo interpelada
ironicamente no saguão do aeroporto de Tel Aviv por Ricardo sobre ela ter descoberto que ele
é o anticristo. Benjamim lê: “E viu-se outro sinal no céu e eis que era um dragão vermelho e o
dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que dando ela a luz, lhe devorasse
o filho” (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 71).
Naquele momento, Benjamim não havia entendido o que acabara de ler e não sabia ainda
que Zoe estava grávida, mas a cena seguinte apresenta Ricardo que, na qualidade de anticristo,
representa o mencionado dragão vermelho descrito no livro do Apocalipse, interpelando Zoe,
cujo arranjo de cenas dá a entender que representa a mulher que havia de dar à luz, descrita no
mesmo livro. Trata-se da técnica cinematográfica match cut, um corte de cenas que as veiculam
a partir de uma mesma temática.
Naquele mesmo dia viria a ocorrer o acidente aéreo encomendado por Ricardo para
matar Zoe. A jovem é apresentada nesse capítulo como a mulher vestida de sol e que tinha a
lua aos seus pés, descrita no capítulo 12 do livro do Apocalipse e que a Igreja Católica
compreende como sendo Nossa Senhora, a jovem Maria que carregava em seu ventre o menino
Jesus.
Na condição de Maria na novela Apocalipse, Zoe inicia a sua atuação em favor da sua
147

salvação e a do mundo. Ainda no deserto, a jovem faz uma série de publicações de vídeos
misteriosos na internet, vestida de burca, alertando o mundo sobre o governo do anticristo e o
cumprimento das profecias do livro do Apocalipse. Algum tempo depois reencontra Benjamim
e vivem períodos de grandes turbulências devido a sua fé, mas se mantêm convictos e
convertem muitas pessoas.
Também na cidade do Rio de Janeiro a personagem Talita Aisen Peixoto, filha de
Henrique Peixoto e da doutora Estela Aisen, proprietária juntamente com a irmã Suzana, do
hospital judeu Aisen, faz uma performance conflituosa até se converter ao cristianismo
evangélico. A adolescente e o irmão Bruno levam uma vida confortável do ponto de vista
econômico, mas crescem sem a atenção dos pais que estão sempre ocupados com o trabalho.
Ambos são “criados” pela empregada doméstica da família, Esmirna, uma senhora evangélica
muito humilde e piedosa, cujo marido a abandonou com dois filhos pequenos em meio a um
surto apocalíptico, tornando-se morador de rua. Esmirna tentou várias vezes procurar ajuda
psicológica para o marido Tião por meio do Estado, mas nunca conseguiu. Posteriormente, o
pastor Jonas, irmão do pastor Ezequiel, consegue interná-lo em uma clínica de reabilitação com
a ajuda de uma assistente social.
Talita frequenta muitas festas rave e frequentemente chega em casa, escondida dos pais,
pelo amanhecer. Devido aos efeitos de drogas e bebidas alcoólicas, não frequenta a escola como
deveria. Em uma dessas situações Esmirna a alerta:

Esmirna: Ensina a criança no caminho que deve andar que até envelhecer, não vai se
desviar dele.
Talita: Curti a frase. Não sei se funciona assim, né? Mas o ditado até que é maneiro.
Esmirna: Não é meu não Talita. É um versículo da Bíblia.
Talita: Ai Esmirna, que saco! Lá vem cê de novo com essa história de Bíblia. Sabe
que pra mim num tem mais jeito não. Tô igual motorista perdido, nunca me ensinaram
caminho nem um mesmo... Ai, droga de dor de cabeça! E aquele café? Traz pra mim?
Ontem eu chutei o pal na balada. Tô com ressaca. Foi forte.
Esmirna: Você lá tem idade pra beber Talita?
Talita: A bom, agora sim, essa aí que é a Esmirna que eu conheço, com a liçãozinha
do dia. Vai logo vai! Traz logo o café. E água. Uma jarra. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 16).

O diálogo apresenta uma função pedagógica religiosa logo rechaçada pela adolescente
quando percebe que se trata de um ensinamento de origem bíblica, o que considera lição de
moral. A ideia de mulher moderna representada na personagem está associada ao repúdio à
moral religiosa das sagradas escrituras. A própria personagem se assume como alguém que está
perdido igual a um motorista sem rumo e que não tem mais solução para esse problema.
Por mais da metade da telenovela Apocalipse, Talita passa várias dificuldades devido a
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sua postura liberal. A jovem inicia o namoro com Guto, o filho do policial civil César e a
enfermeira Raquel, para quem manda fotos íntimas, as nudes. Uma dessas fotos é hackeada do
computador de Guto pelo amigo Wólace, mais conhecido como HD, filho da empregada
doméstica Esmirna. O jovem hacker e o irmão Robinson, que a princípio era “aviãozinho” e
depois se tornou traficante de drogas, ameaçam Talita a pagar uma quantia em dinheiro em
troca de não vazarem a foto íntima na internet. Desesperada, a jovem rouba as joias da mãe e
as vende ilegalmente por meio do policial civil Dudu Poeira, colega de trabalho do policial
César Sardes, para conseguir pagar HD e Robinson. Mas na última hora a foto é publicada na
internet, mesmo a jovem já tendo pagado o valor estabelecido. Instantes depois, Talita vê a
própria imagem nua na internet e, após ser hostilizada por colegas de escola e pela família, tenta
o suicídio. A culpa sobre o sumiço das joias da doutora Estela recae sobre a empregada Esmirna.
Talita é levada em estado grave para o hospital Aisen, onde é tratada e se recupera. A
enfermeira Raquel, mãe de Guto e que cuidou de Talita no hospital, logo alerta o filho sobre o
namoro com a adolescente:

Raquel: Guto, posso entrar?


Guto: Pode mãe.
Raquel: Oi meu filho.
Guto: Como ela tá? A Talita tá bem? Pelo amor de Deus fala que foi só um susto...
Raquel: Calma, calma, calma. Eu cheguei agora do hospital e ... A Talita vai ficar
bem. Eu te dou a minha palavra.
Guto: Tem certeza mãe?
Raquel: Tenho certeza meu filho.
Guto: Graças a Deus.
Raquel: Graças a Ele mesmo. Deus é justo, é generoso mas ele também espera que a
gente aprenda com os nossos erros.
Guto: Eu sei mãe.
Raquel: O que aconteceu... O que essa Talita fez com ela mesma, com a família dela
e com todo mundo que gosta dela, não foi só um susto. Foi muito sério. Foi um alerta
terrível que não pode ser ignorado. Que que houve exatamente? Cê sabe, não sabe?
Eu sei que pode parecer difícil, mas cê vai ter que me contar agora. Me diz, como
você se envolveu nessa história meu filho?
Muda de cena
Volta a cena
Raquel: E por que você acha que essa Talita é assim tão impulsiva?
Guto: Não sei mãe. É o jeito dela.
Raquel: Como se nada do que ela fizesse fosse ter consequências.
Guto: A mãe, a Talita é meio doida, ela faz as coisas meio sem pensar. Ai quando ela
mandou aquela foto, eu... Eu não acreditei.
Raquel: Mais que foto? Aquela que vazou pra todo mundo ver? Há meu Deus!
Guto: Ela não faz por mal, mãe. A Talita, ela é assim. Fazer o que?
Raquel: Mas desde quando ser assim é desculpa pra não aprender com a vida e
mudar?
Guto: É.
Raquel: Tá bom meu filho, tá bom, é ... Que mais... Cê sabe como essa foto íntima
foi parar na internet?
Guto: A Talita, ela tava meio estranha ontem, ela... Ela mal falou comigo. Eu achei
que ela tava metida em algum rolo, mas uma coisa dessas? Eu fiquei mal por ela mãe.
A escola inteira viu essa foto.
149

Raquel: E quando era só você que via essa foto? Cê achava normal?
Guto: Mas aí é diferente, ela mandou a foto pra mim, ela queria que eu visse.
Raquel: Meu filho, eu preciso que você me diga a verdade agora. Você e a Talita já
...
Guto: O que?
Raquel: Eu sei que é delicado mas eu gostaria que você me dissesse se você e ela já...
Guto: O mãe, para com isso. É pergunta que se faça pra mim?
Raquel: Meu filho, quando um pai e uma mãe se importam e amam, agente faz o que
é possível para que um filho não se machuque.
Guto: Eu tô bem mãe. É sério, eu tô bem.
Raquel: Guto, eu sei que você fala com o seu coração, mas eu também preciso dizer
o que eu acredito, porque é assim que eu criei você e a sua irmã. O sexo meu filho...
Guto: O mãe, eu tô ligado, tá? Eu tô ligado, eu já entendi.
Raquel: Não, não desculpa, eu não quero, eu não quero te envergonhar e nem dar
lição de moral. Longe disso.
Guto: Então é o que?
Raquel: É uma conversa, franca, aberta. O sexo é muito íntimo, é muito especial, meu
filho. E a gente acredita que essa entrega só faz sentido depois do casamento, entre
um casal que se respeita, que se ama.
Guto: Mãe, eu gosto da Talita, muito.
Raquel: Eu sei meu filho. Eu sei que você acha isso e até que sente, mas é que as
vezes a gente se deixa levar pelos sentidos e aí acaba se perdendo. Cê nem sabe quanto
tempo você vai ficar com essa garota, você sabe?
Guto: Mão, eu, eu tô acabado. Eu tive um dia longo, tô cansado, eu queria ficar
sozinho.
Raquel: Claro.
Guto: Descansar.
Raquel: Claro. Só pensa no que eu te falei, tá? É pro seu bem, pode acreditar.
Fim da cena. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 44).

O diálogo entre Raquel e Guto apresenta uma percepção cristã evangélica repressiva a
respeito do comportamento de Talita e da temática do sexo. O comportamento liberal da jovem
é tido por Raquel como aquilo que impulsiona os próprios sofrimentos. Há, portanto, a
responsabilização de uma menina, vítima de crime cibernético, que teve a foto íntima hackeada.
Ela foi coagida pelos hackers a pagar uma propina para que a imagem não viesse a ser divulgada
na rede, sobre o vazamento da própria imagem na internet, resultando assim na tentativa de
suicídio. A vítima é tomada como a responsável pelas consequências do crime cometido por
terceiros e os criminosos são apagados de suas responsabilidades no ato do crime.
Essa parte da performance da personagem Talita é uma encenação de um conjunto de
fatos reais que aconteceram no Brasil entre os anos de 2017 e de 2018, quando a novela foi
produzida. Naqueles anos, foram vazados nudes de vários artistas e famosos nas redes sociais
como, por exemplo, dos cantores Léo Stronda e Drake, do influenciador digital Felipe Neto,
das atrizes e dos atores da Rede Globo Carolina Dieckmann, Paolla Oliveira e Isis Valverde,
Caio Castro, José Loreto etc.
As fotos íntimas repercutiram de forma polêmica nas redes sociais e geraram um clima
de crítica social no Brasil referente às formas modernas de relacionamento afetivo via redes
sociais, em que por muitas vezes as vítimas dos crimes cibernéticos eram apontadas como maus
150

exemplos, irresponsáveis e culpadas pelo ocorrido.


Já a temática do sexo é tratada pela personagem Raquel da mesma forma que é
concebida por Zoe, isto é, o sexo é uma entrega muito íntima e muito especial que só faz sentido
após o casamento por casais que se amam. Há aqui uma perspectiva negativa a respeito das
formas contemporâneas de relacionamento amoroso, afirmando o sexo fora do casamento como
algo amoral e ruim. É o que se pode inferir a partir de uma fala do narrador onisciente da trama
na ocasião em que a futura mãe, Débora, é rejeitada grávida da mansão da família Montana
pelo pai da criança.

Narrador onisciente: Sexo e amor são duas coisas diferentes. Amor inclui sexo, mas
nem sempre sexo inclui amor. Você pode me parabenizar por mais este engano. Desde
que juntei as duas coisas em uma só frase, quando criei a expressão, vamos fazer
amor... Eu me divirto quando vejo a decepção no rosto delas. Como assim não foi
amor? Não, não foi mamãe. Foi apenas sexo. E você vai pagar um preço alto por isso.
Mas só porque eu preciso de vocês dois juntos, eu vou dar um jeito nisso.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 4).

A personagem anticristo traz nessa fala uma concepção negativa para a palavra sexo e
afirma que a veiculação do termo sexo com o termo amor é uma forma de enganação criada por
ele próprio e que gera decepção nas mulheres. Mais do que isso, a personagem diz se divertir
com a decepção e afirma em tom vingativo e condescendente que a mãe Débora vai pagar um
preço alto por ter feito sexo fora do casamento.
O problema do machismo estrutural envolto nos jogos de sedução em que homens
engravidam as parceiras sexuais e depois não assumem as responsabilidades paternais é
assumida na novela como tendo uma origem espiritual maligna atribuía ao diabo e não uma
origem sócio-histórica humana.
Apesar das súplicas da mãe de Guto para que o adolescente desfizesse o namoro com
Talita, os jovens continuam o relacionamento até o fim da novela, passando por várias outras
dificuldades como, por exemplo, o suicídio coletivo que quase os vitimaram quando faziam
parte da seita apocalíptica Filhos do Amanhã. Após esse episódio, o policial César passa a dar
mais atenção ao filho e o convence a frequentar a igreja do pastor Jonas, onde, juntamente com
Talita, se convertem ao cristianismo evangélico e conseguem a salvação divina no fim do
mundo.
Como é possível observar nas performances tratadas neste tópico, a agenda
antifeminista se estrutura na crítica comportamental liberal-feminina, na censura aos direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres e a respectiva autonomia sobre o próprio corpo, bem como
a associação dos modos de vida das mulheres “desviadas” ou sem vínculo religioso, a
151

amoralidade e sobretudo a inclinação ao mal. Associação essa que, segundo o sociólogo


Ricardo Mariano (2014), é comum no Brasil. As pessoas ateias são as mais mal vistas no país.
As liberdades femininas conquistadas no período histórico da modernidade são
diretamente associadas na novela como um instrumento de ação do anticristo para dominar o
mundo e frustrar o plano salvífico de Deus. Inclusive, no capítulo 38 da trama, o narrador
onisciente da novela afirma com tom de trunfo: “Viva a mulher moderna! Pega e não se apega
(riso irônico) ... Só que não!”. (NOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 38). Ou seja, para a
personagem, a mulher moderna pensa ser livre e desapegada, mas é apenas uma vítima de uma
ideologia maligna que a faz sofrer e ajuda a deteriorar a humanidade.

7.2 A agenda moral-populista (anti-corrupção e anti-drogas)

A primeira e a segunda fase da telenovela Apocalipse é marcada em grande medida


pelas pautas anti-corrupção e anti-drogas que, apesar das distinções, atravessam as mesmas
instituições no enredo da trama: a polícia civil do Rio de Janeiro e a igreja evangélica dos
pastores Jonas e Ezequiel. Tais pautas podem ser identificadas na performance das personagens
Oswaldo Santero, Benjamim Gudman, pastores Jonas e Ezequiel, policiais civis César Sardes
e Dudu Poeira e Henrique Peixoto. Há, porém, uma centralidade da agenda moral-populista ao
redor de Oswaldo, pois na juventude ele é preso devido aos vários delitos que cometeu em
consequência do vício em drogas e depois de adulto é novamente preso, desta vez, devido à
acusação falsa de prática de caixa dois no hospital em que trabalhava. Não obstante, a
personagem é eleita por Deus no dia do Arrebatamento por sua fé engajada e sua postura de
vida coerente à moral cristã evangélica.
Antes de tratar da performance desses personagens, é preciso destacar que, em julho de
2017, quatro meses antes de a telenovela Apocalipse ir ao ar no Brasil, o programa da Record
TV “Domingo Espetacular” exibiu o documentário “Cracolândia - O Retrato do Caos”
(DOMINGO ESPETACULAR, 2017) e que no terceiro mês de apresentação da referida
telenovela, em janeiro de 2018, o Repórter Record Investigação, programa de jornalismo
investigativo da mesma emissora de televisão reexibiu a reportagem (REPÓRTER RECORD
INVESTIGAÇÃO, 2018), o que aponta para a importância que a problemática das drogas,
sobretudo da dependência química, na maior região de comercio de crack do mundo na cidade
de São Paulo, adquiriam no Brasil naquele período, assim como o da corrupção.
Oswaldo Santero é um jovem carioca de classe trabalhadora e de família cristã
evangélica, filho de dona Teresa e irmão de Felipe e Raquel. Perdeu o pai muito jovem e por
152

volta dos 18 anos de idade, no fim da década de 1980, vicia-se em drogas e se envolve com a
criminalidade. Nessa época engravida a namorada Sandra, uma adolescente da periferia
também viciada em drogas. É preso após cometer vários delitos. No início da estadia no presídio
se mostra violento e é temido pelos demais de sua cela, mas logo tem contato com missionários
evangélicos, liderados pelo pastor Ezequiel, que evangelizam nas cadeias, tornando-se uma
pessoa ponderada.
O jovem se aproxima timidamente do pastor durante as pregações dele no presídio. Ele
lhe dá uma Bíblia e o anima a ser uma pessoa boa, honesta e temente a Deus. Oswaldo passa
por um processo de conversão, mas o sentimento de culpa era mais forte do que a sua vontade
de mudar de vida até que, nas vésperas de um motim combinado pelos presos, o rapaz, que
havia lido várias passagens das sagradas escrituras por toda a noite, dentre elas uma do
evangelho de João 12-13: “Se alguém ouvir as minhas palavras e não crer, eu não o julgo porque
eu vim não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo”, e uma outra do livro do Apocalipse
25:1 “Eis que faço novas todas as coisas e disse ...”, encontra respostas para a sua aflição e
decide que não iria mais errar e nem participar da rebelião. Na ocasião o narrador onisciente da
trama afirma:

A como eu já tentei acabar com esse livro ao longo dos séculos. Foi por pouco, mas
essa batalha eu perdi. Minha estratégia agora é diferente. Descobri que se eu conseguir
fazer essa leitura mais chata do que esta tinta fresca secar, as chances de alguém pegar
a bíblia para ler serão mínimas. O problema é que não tem muita tinta fresca nos
presídios. (TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 13).

Ao não participar do motim, Oswaldo inicia o processo de mudança, sobretudo por meio
da leitura da Bíblia, livro que o anticristo diz ter tentado destruir ao longo da história. O narrador
onisciente da trama toma como seu principal inimigo na luta contra o plano salvífico de Deus
os textos das sagradas escrituras, uma vez que é por meio deles que as pessoas têm contato
direto com os planos de Deus e se convertem. Como será apontado no ultimo tópico deste
capítulo, a novela Apocalipse apresenta uma concepção negativa para o termo religião e
compreende a Bíblia como uma espécie de caminho direto a Deus.
Algum tempo depois Oswaldo se converte, aceita Jesus e é batizado pelo pastor
Ezequiel. Devido ao bom comportamento, adquire a oportunidade de estudar dentro do presídio,
se formando em Contabilidade, o que lhe possibilitou um abatimento do tempo de cumprimento
da pena. O próprio narrador onisciente da trama define Oswaldo Santero na ocasião do motim
dos presos como “aquele que encontra a liberdade na prisão” (TELENOVELA APOCALIPSE,
2017, capítulo 3).
153

Depois de livre, Oswaldo continua tentando reiniciar a vida, mas o irmão Felipe, que
outrora o tomava como um pai, não aceita a possibilidade dessa mudança e viaja ilegalmente
para Nova York em busca de melhores condições de emprego e de cortar todas as relações com
o irmão. O narrador onisciente da trama o descreve assim:

O melhor tipo de orgulho é aquele que tem a aparência de virtude. O Felipe diz que
quer vencer na vida, dar melhores condições a sua família, mas a verdade é que ele
quer provar que é melhor, pra mulher, pra mãe e principalmente para o irmão, de quem
ele tanto guarda mágoa. O orgulho é o meu pecado favorito. Sabe porquê? Porque o
orgulhoso acha que o seu orgulho é uma qualidade. (TELENOVELA APOCALIPSE,
2018, capítulo 12).

Nessa fala, o anticristo usa um caso específico para fazer uma crítica às pessoas que
não aceitam a mudança de vida ou a conversão de terceiros. A postura é tomada como orgulho.
Sendo o orgulho um dos chamados sete pecados capitais, agrada ao diabo e contribui para os
seus planos anti-salvíficos. Mas não se trata, aqui, de todas as formas de mudanças ou
conversões e sim da conversão ao cristianismo evangélico, que é recorrentemente criticado,
questionado e até mesmo ridicularizado por outras denominações religiosas e não religiosas no
Brasil. No tópico deste capítulo a respeito das agendas anti-globalista apontou-se que esse
sentimento de superioridade pessoal ou coletiva em relação ao outro ou aos outros, que embasa
o pecado do orgulho, é estreitamente relacionado na novela com a atuação de Ricardo Montana
como presidente do Conselho das Nações, que por sua vez é associado na trama ao ditador
Adolf Hitler. Por ora cabe ressaltar que há na mencionada fala uma crítica de origem evangélica
sendo dita pelo narrador onisciente da trama, a partir do não reconhecimento da transformação
de vida de um ex-usuário e ex-dentento após aceitar Jesus e se converter à fé cristã evangélica.
De fato Oswaldo tenta se aproximar do irmão por vezes e mostrar que mudou de vida
radicalmente, mas sempre é ignorado por ele. E ainda, em meados da década de 1990, aparecem
várias oportunidades para o jovem ex-presidiário. Ele conhece Letícia, uma moça evangélica
fervorosa, humilde e simpática que trabalha na recepção do hospital judeu Aisen.
Os dois se apaixonam, iniciam o namoro e logo se casam. Antes, porém, Oswaldo volta
à favela onde comprava drogas. O objetivo era encontrar a ex-namorada Sandra e o filho Tiago,
que ainda era uma criança. Acha o menino chorando enquanto a mãe estava sob efeitos de
drogas. É rechaçado pelo novo namorado de Sandra e vai embora. Na ocasião, é convidado por
um grupo de traficantes a ser o contador de uma das chamadas bocas, “estabelecimento” de
comércio de drogas, mas rejeita com veemência devido ao desejo de mudar de vida e ser uma
pessoa temente a Deus. Também consegue o emprego de motorista da família Aisen,
proprietária do referido hospital.
154

Algum tempo depois, a esposa Letícia engravida e dá à luz a Zoe, formando assim uma
nova família. Mas Oswaldo nunca se esqueceu do filho Tiago. Quando fica sabendo que a ex-
namorada Sandra estava morrendo em um hospital, procura novamente o filho, achando-o sob
efeitos de drogas em um cômodo de latão e madeira na favela. Os dois têm um encontro
conflituoso, mas, depois de ser agredido verbal e fisicamente pelo filho, Oswaldo consegue
convencer Tiago a ir morar com ele e reiniciar a vida. O rapaz é bem aceito pela família do pai,
mas logo volta para a favela devido ao vício. Oswaldo vai atrás do filho novamente e insiste na
possibilidade de uma nova vida, mas o rapaz o expulsa. Alguns dias depois, o policial César,
ao passar pela favela, encontra Tiago tendo uma overdose de cocaína e o socorre
encaminhando-lhe para o Hospital Aisen. Lá ele sofre uma parada cardiorrespiratória e é
reanimado pela equipe médica, composta pela tia, a enfermeira Raquel. Aliás, é nessa ocasião
que César conhece Raquel e a chama para tomarem um café.

Raquel: Impressionante, né? O que as drogas podem fazer na vida de uma pessoa.
Cesar: Mesmo assim são tão sedutoras. Tanta coisa mais interessante com o que se
envolver. Esses jovens parecem gostar de flertar com a morte.
Raquel: Geralmente são pessoas sem alicerce mais firmes. As drogas são uma forma
de chamar atenção de família. É um pedido de ajuda.
Cesar: Você se preocupa mesmo, assim, com todos os seus pacientes?
Raquel: Não são meus pacientes. Sou apenas uma enfermeira.
Cesar: Para mim você é muito mais do que isso Raquel.
Raquel: É melhor eu me ir...
Cesar: Já?
Raquel: Passou do meu horário. Até logo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 12).

É importante lembrar que nas décadas de 2000 e 2020 a pauta política de combate às
drogas foram lideradas em grande parcela no Brasil pelos setores evangélicos da política (em
especial a bancada da Bíblia na Câmara dos Deputados) e da sociedade brasileira (como, por
exemplo, as clínicas de recuperação evangélica para dependência química e tratamento para
alcoólatras) a partir de discursos de teor conservador de guerra ao tráfico. Quando a personagem
Raquel afirma que as pessoas usuárias de drogas o fazem geralmente por não terem alicerce
mais firmes, a crítica refere-se em primeira instância ao afrouxamento dos laços familiares da
sociedade moderna e ao surgimento de novos formatos de famílias que não reproduzem os
padrões monocelulares patriarcais seguidos pelo cristianismo evangélico, do qual ela mesma
faz parte.
Aliás, uma das pautas políticas centrais na telenovela é a chamada defesa da família. A
instituição é vista como elementar para a formação da fé e do comportamento das crianças,
futuros cidadãos brasileiros.
155

Após Tiago ser salvo pelo policial César, que viria a ser o seu tio, o jovem se
comprometeu a mudar de vida e mudou. Converteu-se após assistir o culto do pastor Ezequiel.

Pastor Ezequiel: Muitos me perguntam: Se Deus existe, porque tantas crianças na


rua, porque tanto roubo, tanta corrupção? O mundo está tão violento! Pois eu digo e
afirmo a vocês que Deus existe e está em todos os lugares. Concordam? Concordam
comigo?
Assembleia: Sim!
Pastor Ezequiel: Porém, não se manifesta em todos. Ele só se revela quando você o
chama. Por acaso vocês deixam que um estranho entre em vossas casas sem a
permissão de vocês?
Assembleia: Não.
Pastor Ezequiel: Não? Claro que não. Com Deus não é diferente. Nós temos que dar
a permissão para que ele possa entrar e operar milagres nas nossas vidas.
Narrador Onisciente (Ricardo Monta) diz para os telespectadores da novela: Blá,
blá, blá, blá. Não ouça esse velho não! Ahhhh... Que sono.
Pastor Ezequiel: Eis que estou na sua porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz eu
entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo. Você que quer abrir a porta da sua
vida para que o senhor Jesus possa entrar e está pronto para viver de acordo com a
vontade Dele, venha até aqui, venha. Vamos orar.
Narrador Onisciente (Ricardo Monta) diz para os telespectadores da novela: Pois
é, não se pode ganhar todas.
Pastor Ezequiel: Levantem-se todos por favor.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 14).

O questionamento da existência ou não de Deus em toda a novela Apocalipse se dá


justamente pela indagação que o pastor Ezequiel lançou no início da pregação. Isto é, tem
relação com a existência de coisas ruins no mundo. Nessa cena, o pastor chama atenção para
problemas sociais brasileiros como as crianças de rua e violência. E os institucionais, como o
roubo e a corrupção. Como se apontará adiante, essas pautas são recorrentes na primeira fase
da novela.
Aqui elas aparecem na fala de um líder religioso cristão evangélico missionário, ou seja,
são acentuadas por uma personagem de referência na narrativa da trama. Outro fato que chama
atenção é a fala do anticristo referente ao pastor, tratando-o como um velho e pedindo para que
não se dê atenção a ele. A função da fala é demarcar terrenos, acentuar que os verdadeiros
inimigos dele são os cristãos evangélicos que outrora haviam conquistado a conversão de
Oswaldo e agora estavam conquistando a conversão de Tiago. A este respeito, afirma: “não se
dá para ganhar todas”.
É importante destacar que Tiago se converteu ao cristianismo evangélico em meados
2001, antes do tio Felipe entrar em coma devido a um acidente que sofreu na ocasião do
atentado terrorista às Torres Gêmeas em 11 de setembro daquele ano. Também venceu o vício
e voltou a estudar. Ele queria cursar a faculdade de medicina, como diz na cena em que César
e Raquel oficializam o namoro na casa da avó Tereza.
156

Oswaldo: Eu não sei se te agradeci por ter salvado a vida do meu filho?
Cesar: Muitas vezes Oswaldo.
Teresa: Nunca será o suficiente.
Cesar: E você Tiago, como está se virando?
Tiago: Então, um pouco difícil de conseguir trabalho mas eu voltei a estudar. É, quero
terminar o supletivo e tentar uma faculdade.
Cesar: Que ótimo! Cê tá pensando em cursar o que?
Oswaldo: Fala, vai.
Tiago: Eu tenho o sonho de ser médico e ajudar as pessoas, mas, sei lá, custa meio
caro e as faculdades federais são muito concorridas, então pode ser que eu não
consiga.
Oswaldo: Pode ser que não consiga? Mas é claro que vai conseguir! Basta se esforçar,
ter força de vontade e crer. Gente, eu sou um exemplo vivo de que se pode vencer os
obstáculos mais difíceis da vida. Não é?
Tiago: Verdade.
Cena continua com o namoro de Raquel com Cesar.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 14).

Algum tempo depois, Tiago concluiu a faculdade de medicina, tornou-se o principal


médico-cirurgião do Hospital Aisen e apaixonou-se pela vizinha Alice Pascoli, filha do pastor
Jonas, com quem iniciou o namoro. Similar ao caso de Oswaldo, a performance de Tiago parte
de uma situação de fracasso pessoal que, pela experiência de conversão à fé cristã evangélica,
deságua no sucesso pessoal, acentuando assim a ideia do mérito do indivíduo (e no máximo, o
de sua família) sobre a sua transformação. A performance de ambos visibiliza e reafirma o
mérito individual associado à fé evangélica, tomando a experiência como um modelo ideal a
ser seguido e, portanto, acessível a todas as pessoas tementes a Deus, segundo os critérios da fé
cristã evangélica.
O início desse percurso de mudanças encenado na novela se deu em uma época da
história do Brasil em que as políticas públicas sociais e de redistribuição de renda eram
dispersas e pouco fomentadas pelo governo federal, a exemplo do Fies (1999), do Bolsa Escola
(2001), do Vale Gás (2001) e do Bolsa-Alimentação (2001), criadas no segundo governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Porém, a realidade mudou drasticamente após o início
do primeiro governo Lula, em 2003, em que se criaram, ampliaram, sistematizaram e
profissionalizaram as políticas públicas sociais. O destaque aqui é para as políticas educacionais
de democratização do acesso à educação de nível superior, como o Prouni (2004), o Sisu (2010)
e a reformulação do Fies (2010), além da política de geração de emprego e renda e de
valorização real do salário mínimo.
Na trajetória da mudança de vida de Tiago, que sai de uma situação de extrema
vulnerabilidade social para se tornar o principal médico-cirurgião de um hospital de referência
do Rio de Janeiro no fim da década de 2000, é ignorada toda a transformação social ocorrida
no Brasil a partir das políticas públicas. Isso em detrimento de uma fé que, embora não se afirme
157

no decurso da novela como tributária da Teologia da Prosperidade, apresenta similitudes com


ela no caso de Oswaldo e o filho.
Tentando agir corretamente, dentro de princípios éticos e religiosos, Oswaldo e Tiago
sofriam recorrentes perseguições na atividade profissional por Henrique Peixoto, o gestor do
hospital judeu e marido da doutora Estela Aisen, a nova proprietária do estabelecimento após a
morte dos pais. As tensões entre Henrique e Tiago pioraram quando o cirurgião começou a
pregar o arrependimento e a conversão para os pacientes instantes antes da morte deles. Após
uma briga, foi proibido pelo gerente do hospital de continuar a fazê-lo. Entretanto, na ocasião
em que Talita, filha de Henrique, está internada no hospital Aisen correndo risco de morrer, ele
pede a Oswaldo para interceder por ela a Deus.
A relação de Oswaldo com Henrique se agravou após a esposa Letícia descobrir que
acontecia algo de errado nos estoques de equipamentos do hospital e contar para a doutora
Estela. A médica logo pede ao motorista, homem de confiança da família e que havia estudado
Contabilidade, para investigar as contas da instituição. Oswaldo descobre que alguém estava
desviando dinheiro, superfaturando produtos e fazendo caixa dois. Mas antes que conseguisse
juntar todas as provas que apontassem o responsável, é promovido por Henrique e passa a ser
o novo gerente do hospital. Essa foi uma estratégia de Henrique para adquirir poder sobre
Oswaldo, se livrar de futuras acusações de crimes e em seguida responsabilizar o novo gerente
pelo desvio de dinheiro.
A estratégia deu certo e o ex-motorista é preso novamente pela polícia civil do Rio de
Janeiro. O investigador criminal era César Sardes, casado com Raquel, a irmã de Oswaldo. O
policial promete descobrir a verdade, libertar o cunhado e prender Henrique Peixoto. Antes que
conseguisse, Oswaldo é eleito por Deus no dia do Arrebatamento e some de dentro da cela junto
com a esposa que lhe consolava do lado de fora. Também são eleitos o filho Tiago, a irmã
Raquel, a sobrinha Lorena e a nora Alice, o que deixa a filha Zoe e o cunhado César em
profunda tristeza, pois não compreendiam o que havia acontecido.
Revoltado com o ocorrido, o policial César inicia uma intensa operação investigativa
para responsabilizar Henrique Peixoto pelos desvios de dinheiro do hospital Aisen. Ou seja,
ainda que possuindo um grau de parentesco com o réu, o policial assume a investigação criminal
do caso e a faz a partir de um sentimento pessoal de revolta, buscando a acusação e a
condenação de Henrique antes de ter as provas cabais que o incriminassem. Provas essas que
consegue após alguns meses a partir de um acordo de delação com a amante e cúmplice dos
crimes do gestor do hospital Aisen, a doutora Gláucia. A médica grava escondido uma conversa
com Henrique, em colaboração com a polícia, em que ele fala de várias operações de
158

superfaturamento na instituição.
A mesma estratégia investigativa foi usada pela Procuradoria Geral da União (PGU) do
Brasil em 2017 no acordo de delação premiada do empresário Joesley Batista. O empresário
gravou um áudio secretamente de uma conversa que teve com o presidente Michel Temer no
palácio do Jaburu em 7 de março daquele ano. A gravação repercutiu na imprensa nacional e
internacional após o STF o tornar público, gerando uma crise sistêmica irreparável no governo,
acusado de corrupto.
A dedicação de César Sardes ao trabalho investigativo advém de um senso de justiça
adquirido do trauma do assassinato do pai, o policial civil Luís Sardes, pelo serial killer
Nicanor, mas se aguça após o já mencionado Arrebatamento. Isso porque apesar de o policial
ser evangélico e recorrer à Bíblia para algumas de suas investigações criminais na PC que
envolviam assassinatos esotéricos, era também um pai ausente e traía a esposa com uma colega
de trabalho na delegacia, de forma que, após perder a filha e a mulher, que foram arrebatadas,
se arrepende por não ter zelado melhor pela própria família, passando a se dedicar mais ao filho
e às atividades da igreja do pastor Jonas.
Por outro lado, o senso de justiça dele migra do trauma de ter perdido o pai na infância
para uma convicção religiosa assídua motivada por uma concepção apocalíptica da realidade
que vivia. César se torna, assim, quase que um super-herói devido ao rigor no cumprimento de
sua função associado a sua fé engajada. A postura dele como policial investigativo apresenta
reflexos do senso de justiça heroico da operação Lava Jato, em especial nas figuras do Juiz
Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. No cumprimento de suas atribuições, eles
extrapolaram por diversas vezes a lei a as suas funções em nome do combate à corrupção. Foi
o que ocorreu no caso da condução coercitiva ilegal do ex-presidente Lula, dos grampos ilegais
de telefonemas entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula e a apresentação de denúncia
contra Lula em um powerpoint, em que se acusava sem provas o ex-presidente. Nesse sentido,
o clima de justiceiro da Operação Lava Jato é trazido para a narrativa da telenovela Apocalipse
dentro da performance de um policial cristão evangélico.
Na mesma delegacia em que César atuava como policial investigativo trabalhava
também o policial civil Dudu Poeira, que usava de suas atribuições profissionais para facilitar
o tráfico de drogas e a criminalidade. Dudu operava como “aviãozinho”, informante e
comerciante de drogas, além de facilitar a fuga de criminosos, como ocorreu no caso de
Henrique Peixoto, que foi aconselhado pelo policial a fugir antes que eles chegassem com o
mandato de prisão preventiva. Tal performance reafirma o tom de pessimismo nacional-
brasileiro muito presente em toda a primeira fase da telenovela Apocalipse, como se pode
159

observar no curto diálogo ente Alan e o filho Benjamim a respeito de Zoe ter sido alvejada pelo
serial killer Nicanor enquanto a jornalista fazia a cobertura do motim que o assassino em série
liderava em uma penitenciária do Rio de Janeiro.

Benjamim: A Zoe tomou um tiro.


Alan: Eu não entendo como é que os brasileiros conseguem conviver com tonta
violência e não fazerem nada a respeito.
Benjamim: Tem gente que se acostuma com tudo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 16).

É possível observar que na fala de ambas as personagens é afirmada uma narrativa


naturalizante, simplista e conservadora, muito comum no Brasil e no exterior, a respeito da
passividade dos cidadãos brasileiros frente à violência e à criminalidade cotidiana, a partir da
ideia de que se trata de uma questão de costume ou de cultura. Porém, não cultura no sentido
antropológico, mas sim no sentido de senso comum, ou seja, como característica
comportamental de tal modo intrínseca aos indivíduos e à coletividade que chega a ser
repassada de geração em geração via herança genética ou influência geográfica-ambiental.
Essa lógica de raciocínio a respeito do Brasil é antiga e encontra parcelas da sua
construção mítica dentro das próprias Ciências Sociais, a exemplo das teorias da eugenia,
legitimadas pelo médico e antropólogo maranhense Raimundo Nina Rodrigues e pelo
historiador e sociólogo fluminense Oliveira Viana, a teoria da democracia racial do antropólogo
pernambucano Gilberto Freyre e a concepção de homem cordial do sociólogo fluminense
Sérgio Buarque de Holanda.
Teorias já superadas cientificamente, mas que fora do âmbito das Ciências Sociais se
tornaram senso comum e formaram gerações de sociólogos espontâneos. Mais recentemente,
contribuiu para o nascimento da teoria espontânea do que convencionou-se chamar teoria da
Jabuticaba (a jabuticaba brasileira). Em outras palavras, as narrativas do exclusivismo do Brasil
e do seu fracasso como Estado e nação frente ao sucesso dos Estados Unidos e dos países
europeus.
Na narrativa da novela Apocalipse, a ideia de uma crise institucional do Estado
brasileiro assinala que todas as instituições da República estão corrompidas, isto é, atravessadas
pela corrupção material, mas sobretudo moral. Pode-se observar um bom exemplo dessas
narrativas no diálogo entre Benjamim e um brasileiro, dono de um ateliê de obras de artes em
Nova York.

Funcionária (fala em inglês): Com licença senhor. Me desculpe, mas não é permitido
skates no local.
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Benjamim (fala em inglês): Sério? Por que? Acha que um skatista não tem dinheiro
para comprar uma obra de arte?
Funcionária (fala em inglês): Não foi isso que eu quis dizer. Nós apenas não
podemos permitir skates aqui.
Entra em cena o vendedor de artes.
Vendedor de artes (fala em inglês): Achou algo que goste?
Benjamim (fala em inglês): Desculpe, mas o seu sotaque... Você é do Brasil?
Vendedor de artes (fala em inglês): Sim.
Benjamim (fala em português): A que ótimo, que ótimo! Eu tenho parentes no
Brasil, mas não costumo ir lá com frequência. Que bom poder falar com alguém em
português. Muito bom!
Vendedor de artes (fala em português): É o senhor está procurando algo em
particular?
Benjamim (fala em inglês): Obrigado.
A funcionária sai de cena.
Benjamim (fala em português): Que lugar interessante que é o Brasil, não é? Um
país tão grande, cheio de riquezas naturais, com tanto potencial, mas que não decola.
Sempre saindo de uma crise e entrando em outra.
Vendedor de artes (fala em português): É um modo de se pensar.
Benjamim (fala em português): Eu acho que tudo isso tem a ver com a corrupção,
sabia? Os políticos brasileiros, eles, eles são muito desonestos, não concorda comigo?
Vendedor de artes (fala em português): Eu prefiro me abster de comentários
políticos. Até mesmo porque faz muito tempo que eu não volto ao Brasil.
Benjamim (fala em português): Aham. Bom, mas muitos brasileiros frequentam sua
galeria, não?
Vendedor de artes (fala em português): Olha aqui, se o senhor não está interessado
em nem uma obra de arte, infelizmente eu não tenho como lhe ajudar. Com licença.
Benjamim (fala em português): Espera aí Alberto. Agente mal começou a conversar.
Vendedor de artes (fala em português): Como é que você sabe o meu nome?
Benjamim (fala em português): A, desculpa, eu sei que você prefere que te chamem
de Berti, mas é que... Tá legal, vamo combinar, pra se passar por um nativo você vai
precisar melhor um pouco esse seu sotaque...
Vendedor de artes (fala em português): Eu acho melhor o senhor se retirar senão
eu serei obrigado a chamar a polícia.
Benjamim (fala em português): Tem certeza que é uma boa chamar a polícia? Aliás
que foi que falou que eu não tô interessado em arte? Eu tô sim. Me interessa muito,
principalmente a arte de lavar dinheiro. Agora se quiser chamar a polícia.
Funcionária (fala em inglês): Alguma coisa errada? Devo chamar a polícia?
Vendedor de artes (fala em inglês): Não! Eu resolvo isso. Pode ir. Vá!
Vendedor de artes (fala em português): O senhor tem dois minutos para me explicar
o que significa isso tudo.
Benjamim (fala em português): Acredite em mim, quando eu te falar tudo o que eu
sei, a última coisa que você vai querer é chamar a polícia.
Fim da cena
Retomada da cena
Benjamim (fala em português): Sabe Berti, a sua galeria, ela fica no caminho pra
minha casa. Eu passo aqui praticamente todo dia. Já vim aqui algumas vezes mas hoje
foi a primeira vez que você veio falar comigo. Eu geralmente venho aqui nos
vernissages, quando tem um... Um bom champanhe, ótimos escarapés.
Vendedor de artes (fala em português): Eu não estou entendendo aonde o senhor
quer chegar.
Benjamim (fala em português): Calma, eu ainda vou chegar lá. Um pouquinho de
paciência. Senta. De tanto vir nesses vernissages, algumas coisas começaram a
chamar a minha atenção. Uma é que mudam os vernissages mas os quadros continuam
exatamente os mesmos. Não é engraçado? Eu tenho a impressão de que você vende o
mesmo quadro mais de uma vez.
Vendedor de artes (fala em português): Cê tá muito enganado. O nosso negócio é
legítimo.
Benjamim (fala em português): Não estou queixando isso, de força alguma. Outra
coisa que me chamou atenção é a quantidade de brasileiros que frequenta este lugar.
Não que seja proibido brasileiro gostar de arte, de forma alguma, mas é que político
161

brasileiro amante de arte é um pouco mais difícil, né? E como eu acompanho a polícia
brasileira, os escândalos de corrupção, eu conheço alguns rostos. E eu fiquei me
perguntando porque que com tantas galerias de arte em Nova York, a sua, justamente
a sua, faria tanto sucesso com esses caras.
Fim de cena.
Retomada da cena.
Benjamim (fala em português): Vamos combinar né Berti, os artistas que você
vende aqui não são exatamente um primor. E os preços, meu Deus, tá nas alturas! Ok
que políticos brasileiros podem não ter bom gosto, mas eles, eles não rasgam dinheiro.
Foi aí que eu lembrei que a compra de obra de artes é a melhor maneira de lavar
dinheiro sujo.
Vendedor de artes (fala em português): Se o senhor... Se o senhor não tem como
provar o que está dizendo é melhor sair agora.
Benjamim (fala em português): Berti, cê acha mesmo que eu perderia o meu tempo
aqui com você se eu não soubesse do que tô falando? Se eu não tivesse provas? Eu
tenho todos os seus arquivos, e-mails, balanços financeiros.
Vendedor de artes (fala em português): Mas o que é isso?
Benjamim (fala em português): E sabe o que é mais curioso? Comé que um esquema
criminoso que lava dinheiro de corrupção e movimenta milhões de dólares por ano,
descuida tanto da sua rede de wi-fi?
Vendedor de artes (fala em português): Você é um desses hackers, um desses
delinquentes!
Benjamim (fala em português):A gente pode discutir o conceito de delinquência
mas nem todo hacker é delinquente, assim como nem todo dono de galeria de arte
lava dinheiro de corrupção.
Vendedor de artes (fala em português): É dinheiro que você quer, né?
Benjamim (fala em português): Eu não sô como você. Eu num sô movido a dinheiro.
Algumas pessoas só querem o que é certo.
Vendedor de artes (fala em português): Olha aqui. Quem você pensa que é me
fazendo essas ameaças? Como você entrou na minha rede de wi-fi, você também
infringiu a lei.
Benjamim (fala em português): Explica isso pra polícia, fiz uma ligação anônima
antes de vir pra cá. Não queria correr o risco de você se livrasse de todas as provas e
fugisse.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 15).

O diálogo anterior se configura em uma encenação de uma situação real ocorrida no


Brasil entre 2016 e 2017, mesmo período de produção da telenovela Apocalipse, em que o ex-
governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e a ex-esposa Susana Neves, prima do então
senador de Minas Gerais Aécio Neves, foram investigados pela Polícia Federal por lavagem de
dinheiro, especificamente R$1,2 milhão em contratos do governo do Rio de Janeiro, entre 2011
e 2013, a partir da compra de mais de 100 obras de arte e dezenas de móveis em ateliês cariocas
e ocultados em sua residência na cidade mineira de São João del-Rei (JORNAL DA NOITE,
2017).
O diálogo, que perpassa várias cenas distribuídas por todo o capítulo 15 da telenovela
Apocalipse, cumpre várias funções no início do enredo da trama. Um deles é o de dar hiperfoco
em uma situação que gera comoção popular negativa e que no ano de ocorrência, 2017, foi
largamente noticiada por todos os veículos de comunicação do país. Além disso, associar a
imagem da personagem Benjamim a de um justiceiro autônomo que comete atos ilegais
162

(hackear) para fazer o bem, combater a corrupção política; associar unilateralmente a crise
institucional da República brasileira ao problema dos atos de corrupção dos políticos.
Nessa perspectiva, a personagem Benjamim incorpora na cena a figura do juiz Sérgio
Moro que, como principal liderança da Operação Lava Jato, cometeu atos ilegais como grampos
telefônicos não permitidos pela justiça, publicação desses grampos por meio dos maiores
grupos de comunicação do país, a exemplo do Jornal Nacional da Rede Globo, condução
coercitiva irregular e outros, supostamente em nome do combate à corrupção.
Em contraponto à performance do pastor Jonas, mas sobretudo a do irmão Ezequiel, o
missionário, é apresentada na novela como um caminho de salvação em relação às drogas e à
criminalidade. Afinal, as duas personagens são responsáveis pela conversão e mudança de vida
de várias pessoas que se encontravam em uma situação de vício e de delitos. A esperança e a
promoção da justiça, dessa forma, não se encontram nas instituições da República como, por
exemplo, na Polícia Civil do Rio de Janeiro, por estarem completamente corrompidas pela
amoralidade, mas sim na fé cristã evangélica embasada pelos textos da Bíblia interpretados de
forma literal.

7.3 A pauta do anti-intelectualismo

Outra importante dicotomia presente no cenário pré-eleitoral brasileiro de 2018


encenada no enredo da telenovela Apocalipse é o antagonismo anti-intelectualismo versus
conhecimento científico, este último compreendido como esquerdista, ateu, utópico,
revolucionário, amoral e desconexo com a vida prática, numa concepção pejorativa desses
termos.
A pauta do anti-intelectualismo emergiu no Brasil como força política conservadora
competitiva no fim da era do PT, mesmo período da eleição presidencial de Donald Trump nos
Estados Unidos em 2016, sobretudo por meio da influência digital. Destaque para o ideólogo
Olavo de Carvalho que em seu canal no You Tube defendia a necessidade de combater uma
suposta hegemonia do que chamava de marxismo cultural, ideologia de gênero e globalismo,
presente nas universidades e nas escolas.
As demandas encabeçadas por essa pauta estão estreitamente relacionadas à oposição:
as políticas públicas de inclusão social e promoção da cidadania promovidas pelo PT, como o
programa Brasil sem Homofobia (2004), estendidas às políticas educacionais, como é o caso
do projeto Escola sem Homofobia (2011); ao ensino de conteúdos nas escolas e nas
universidades considerados pelo anti-intelectualismo como ideologia ou doutrinação de
163

esquerda; e a produção artística de temática sociopolítica com recursos públicos, com destaque
para a da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a Agência Nacional do Cinema
(Ancine), recorrentemente citadas nos argumentos da referida pauta.
Tais políticas, conteúdos educacionais e produções artísticas foram apregoados de forma
pejorativa e estereotipada pela referida pauta como ideologia de gênero, marxismo cultural, kit
gay, ditadura gayzista, kit macumba, globalismo etc. A polarização política chegou a tal grau
de exacerbação que em 2018 vários estudantes de escolas e universidades públicas passaram a
filmar as aulas daqueles professores que consideravam como esquerdistas para os constranger
nas redes sociais. Práticas como essas são inconstitucionais no Brasil, pois violam direitos
fundamentais dos educadores como a hora, a imagem e a liberdade de ensino. Naquele mesmo
ano, o deputado federal Jair Bolsonaro fez um vídeo, transcrito a seguir, pedindo aos estudantes
do Brasil para filmarem e divulgarem as aulas dos seus professores. Isso em resposta à gravação
de um vídeo da aula de Sociologia por um estudante capixaba que conversava com o colega de
turma sobre o referido deputado durante a arguição da professora referente a um tema não
relacionado ao parlamentar.

Olá João Vitor, de Serra no Espírito Santo, já que a professora parece que quer te
processar, por favor entre em contato conosco, tá ok? Eu tenho uma surpresinha pra
ela também. E a orientação que eu dô pra toda garotada do Brasil, vamos filmar o que
acontece na sala de aula e vamos divulgar isso daí. Os seus pais, né? Os adultos,
homens de bem do Brasil, tem o direito de saber o que esse professores, né? Entre
aspas. Ficam fazendo com vocês em sala de aula. Parabéns pela iniciativa. A escola é
um local onde o que a professora falou tinha que se orgulhar e não se esconder atrás
de um possível processo. Quero ver ela processar você, se ela vai ter coragem de fazer
isso aí. Entra em contato com agente, tá ok? (BOLSONARO, 2018).

O incentivo a que os estudantes filmassem os professores continuou durante o primeiro


ano do governo de Jair Bolsonaro em 2019 como presidente da República e gerou uma
mobilização social conservadora, uma espécie de prática de fiscalização da sala de aula por
parte de estudantes, pais de alunos e até mesmo vereadores municipais. Os setores da classe
média nacional que há décadas haviam migrado da escola pública para a escola privada e os
setores da classe trabalhadora que devido às dificuldades da vida material não acompanhavam
os processos de ensino-aprendizagem da escola pública, a tomaram como alvo da pauta anti-
intelectualista ao mesmo tempo pela convergência de interesses conservadores.
Em uma sessão plenária da Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2017, por exemplo,
a mãe de duas alunas do Colégio Pedro II, usando a tribuna popular da casa parlamentar,
discursou contra o que chamava de ideologia de gênero.
164

Senhoras e senhores, boa tarde! Eu sou Maria Inês de Meneses Velarmino, suburbana
de Brás de Pina. Até hoje tenho todo e total respeito aos professores. Principalmente
quero dar o meu carinho, o meu abraço a todos os professores aqui presentes.
Professores e todo e qualquer profissional de ensino, mas digo pra vocês com todo o
respeito que tenho, carinho, pra vocês. Vocês me ensinaram, quem me educou foram
os meus pais. Por favor vereador eu estou falando, se o senhor puder me dar atenção.
Então, isso que está aqui dizendo Não a Ideologia de Gênero, é porque eu não coloquei
a minha filha, as minha filhas na escola para alguém fazer a cabeça dela ou doutrina-
la com relação ao gênero ou ao sexo dela. Eu coloquei e coloco as minha filhas na
escola pra que elas aprendam matemática, português, ciências, geografia, biologia,
seja o que for e respeitem os seus pares, respeitem os seus coleguinhas, sejam eles
meninos ou meninas. Então o que nós queremos é que as famílias sejam respeitadas
como já disseram aqui outras amigas, tudo bem se a sua família for composta de dois
pais, de duas mães, mas não descriminem as famílias que são compostas de pai, mãe
e filhos e filhas. Nos respeitem para que nós também possamos respeitar vocês. A
minha filha entrou no colégio Pedro II e com 15 dias de escola Pedro II, a minha filha
me perguntou: Mamãe, você é homofobia? Mamãe, eu acho que não tenho mais
religião. E aí? Não foi pra isso que eu coloquei a minha filha na escola. Eu não
coloquei a minha filha na escola para ser doutrinada, eu coloquei a minha filha na
escola pra ser ensinada, pra respeitar os professores, pra respeitar os demais colegas.
Eu sou branca, mas eu tenho uma filha loira e uma filha negra. E aí? Todas elas são
respeitadas. Aonde eu nasci as crianças brincavam meninas e meninos sempre juntas
e todo mundo sempre se respeitou. Essa palhaçada de ideologia de gênero é uma coisa
que estão querendo criar pra desvirtuar as nossas crianças do ensino verdadeiro, de
aprender matemática, de aprender lógica, filosofia, de aprender sociologia, de
aprender a respeitar. Então, não a ideologia de gênero da forma como está sendo
conduzida. Não a ideologia de gênero da forma... E eu não sou fascista! Eu sou família
por que eu respeito quem é fascista e quem é família. Eu sou brasileira! Eu sou
brasileira! E eu quero respeito, é o meu país e a minha bandeira. A minha bandeira é
verde, amarela, azul e branca e jamais será vermelha. Obrigada. (PUGGINA, 2017).

O discurso ilustra perfeitamente o nível das tensões e hostilidade de setores


conservadores da sociedade brasileira em relação às escolas e universidades na época, tidas
como instituições dominadas pelo que chamavam de esquerdistas, comunistas, doutrinadores
etc. A mãe inicia a fala dizendo respeitar os professores e os profissionais do ensino e logo em
seguida os critica, afirmando que a função deles é ensinar, enquanto a de educar pertence à
instituição família.
Também critica o que chama de doutrinação da ideologia de gênero supostamente
exercida pelos professores. Em seguida, ilustra a crítica com duas perguntas de uma de suas
filhas sobre ela ser homofóbica e sobre a menina sentir não ter religião. Então defende a
concepção de escola, isto é, o ensino de disciplinas: Matemática, Português e afins, o que aponta
para a ideia de um ensino disciplinar técnico, sem profundidade crítica a respeito da realidade
da vida cotidiana na atualidade e suas implicações. É chamada de fascista e nega a ser afirmando
ser família, mas em seguida diz respeitar fascistas e família. Finalmente se afirma como
brasileira e diz as palavras de ordem das manifestações pró-impeachment de 2016: a minha
bandeira jamais será vermelha, em alusão à cor do comunismo e do PT.
165

Em contrapartida à suposta doutrinação de esquerda nas escolas, a pauta do anti-


intelectualíssimo liderou o movimento Escola sem Partido. Os setores extremados da referida
agenda reivindicavam a inclusão do ensino do criacionismo bíblico em oposição à teoria
clássica da evolução das espécies do naturalista inglês Charles Darwin e do terraplanismo em
oposição à Física do astrônomo inglês Isaac Newton, na grade curricular das escolas.
O objetivo, segundo os membros do movimento, era acabar com a doutrinação de
esquerda na educação e oferecer conhecimentos de contrapartida para os estudantes, já que as
escolas não ofereciam o contraditório daquilo que ensinavam. Porém, o objetivo implícito
nesses argumentos é o de conservação da fé cristã tradicional, isto é, da moral cristã
conservadora, bem como a manutenção da família mononuclear patriarcal e o combate às
agendas políticas de esquerda, sobretudo aquelas que supostamente estariam dominando o
campo científico e o da educação.
Também os setores progressistas da classe artística brasileira foram vítimas de
perseguições políticas por parte da pauta anti-intelectaulista no cenário pré-eleitoral de 2018 no
país. Os casos de maior repercussão nacional foram as manifestações de rua e nas redes sociais
contra: a performance “La Bête” de Wagner Schwartz no 35º Panorama de arte brasileira do
Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo em 2017, inspirada nos trabalhos de Lygia Clark,
em que o artista se apresentava nu. As manifestações contra a performance se exacerbaram após
uma mãe ter levado a filha menor de idade para a assistir. E as exposições Queermuseu -
Cartografia da Diferença na Arte Brasileira, no Santander Cultural de Porto Alegre em 2017,
que foi encerrada antes da data prevista e proibida de ser exibida no Museu de Arte do Rio
(MAR) por acusações de pedofilia, zoofilia, pornografia, blasfêmia, vilipendio a símbolos
cristãos e de não restrição do acesso ao público infantil.
Em Apocalipse, o antagonismo entre anti-intelectualismo versus ciências assumiu o
discurso do criacionismo e do design inteligente, não sendo mencionadas, pelo menos
diretamente, as pautas anti-ideologia de gênero (embora, como demonstrado no primeiro
tópico, a novela apresente uma crítica combativa ao feminismo); anti-marxismo cultural; anti-
kit gay; e anti-kit macumba. Pode-se dizer que essas pautas são contempladas dentro da
narrativa do fundamentalismo bíblico do criacionismo, uma vez que o suposto marxismo
cultural é ateu e os kits, gay e macumba, são amorais e contrários às doutrinas cristãs.
O confronto na narrativa da trama ocorre em torno dos embates das personagens que
representam cientistas e ateus, como Uri, Benjamim e Alan Gudman com personagens que
representam cristãos evangélicos, a exemplo de Monique Filadélfia e Zoe Santero. Como será
apontado posteriormente, esse conflito se operacionaliza na novela em torno de dois objetivos:
166

o de combater a secularização na ciência, entendida como um processo que culmina na negação


científica de Deus; e o de legitimar como uma espécie de “boa ciência” aquela que ratifica a
suposta verdade histórica e fatual da Bíblia, bem como as influências da fé, do poder de Deus
e do diabo na realidade da vida cotidiana.
É preciso destacar ainda que a percepção de ciências encenada na telenovela Apocalipse
tende a uma concepção de hierarquia do conhecimento comum no período das revoluções
científicas na Europa após o Iluminismo, sobretudo no contexto do positivismo no século XIX.
O discurso anticientífico presente na trama é, por conseguinte, uma crítica desatualizada ao
campo epistemológico das ciências e que em última instância tenta imprimir, equivocadamente,
nos setores progressistas e de esquerda da sociedade brasileira do período pré-eleitoral de 2018,
a imagem do positivismo.
A primeira incursão do movimento de legitimação científica do poder da fé e da oração
na telenovela em questão ocorre em torno das pesquisas da neurocientista Lia Aisen Gudman,
carioca de descendência judaica ortodoxa, mas não praticante do credo religioso, proprietária
do hospital Aisen, juntamente com o esposo, o doutor Rubem Aisen, e mãe das doutoras Suzana
e Estela. Apesar da pouca participação na novela, uma vez que falece ainda nas primeiras
semanas de exibição do folhetim devido às consequências do Alzheimer, a doutora inaugura na
narrativa da trama o argumento da importância da oração e da fé para a recuperação de pacientes
clínicos, como tentou demonstrar em uma conferência nos Estados Unidos.

Drª Lia Aisen


O fato é que durante a oração a atividade dos lobos frontais do cérebro aumenta
substancialmente. Nas nossas últimas pesquisas observamos 52 indivíduos antes,
durante e depois de suas orações diárias. Os últimos trabalhos do pesquisador
americano, o doutor... É, o doutor... É ...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).

Antes que conseguisse concluir a arguição, a doutora Lia é afetada pelos lapsos de
memória e se retira do auditório. Depois dessa ocasião, o quadro de Alzheimer dela se
complexifica até que meses depois vem a falecer. E o movimento de legitimação de Deus pela
ciência e de negação de uma ciência sem Deus, que outrora inaugurara, tem continuidade por
meio da filha Suzana que, como a mãe, era judia ortodoxa não praticante, mas que durante a
recuperação do filho Benjamim, após um sério acidente aquático no Rio de Janeiro, na casa da
avó, passa por uma experiência de fé, abrindo-se assim a esfera da religiosidade e passando a
crer no poder da oração. Na ocasião, a jovem médica, em desespero, postou-se em prantos ao
chão do corredor externo do Hospital Aisen e se pôs a conversar com Deus.
167

Suzana: Se você estiver me ouvindo, se você existe mesmo, por favor me ajuda. Eu
sei, eu sei que eu nunca acreditei em você, eu sei que eu nunca confiei em você, mas
nunca o conheci de verdade, mas perdoa... Perdoa... Perdoa... Perdoa minha
ignorância, a minha prepotência. Se você julgar que eu sou merecedora eu estou
disposta, de corpo, alma e coração abertos. Salva a vida do meu menino. Salva a vida
do meu filho e eu prometo o adora-lo pra sempre. Eu vou consagrar a vida do meu
filho ao senhor e dessa criança que eu trago no meu ventre. Eu vou educa-los nos seus
princípios. Por favor, protege a minha família e salva a vida do meu filho. Me concede
esse milagre. Eu te imploro. Eu te imploro...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).

A oração de Suzane possui ao menos duas características importantes para a construção


da narrativa religiosa no enredo da telenovela. A primeira é o rendimento de uma médica, que
até então se mantinha fechada à esfera da espiritualidade, a uma experiência transcendente,
frente a sua incapacidade clínica de curar o próprio filho. E a segunda é a própria natureza da
fé experienciada pela doutora, estreitamente vinculada aos sentidos existenciais e aos efeitos
práticos da relação com o sagrado, portanto, uma fé antropológica, nos termos de Panasiewicz
(2013). Há na oração de Suzana uma lógica de troca da graça divina pela dedicação a uma vida
religiosa institucionalizada, o que não evoca necessariamente uma conversão religiosa no
sentido de transformação radical de sua cosmovisão, como poderia ocorrer no caso de uma
experiência de fé teológica, ainda nos temos de Panaiewicz (2013), mas antes um fascínio
momentâneo, como se pode verificar na fala do narrador onisciente da trama a respeito desse
episódio.
Anticristo: Atacar os seres humanos é sempre um risco. Na hora do desespero podem
se tornar contra Deus ou para Deus. Fazem promessas de que se Ele ajudá-los, irão
ficar bonzinhos dali pra frente. O bom é que passado o sofrimento, a maioria esquece
logo o que prometeu. E é por isso que eu prefiro correr o risco.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).

Como é de praxe na novela, o narrador onisciente da trama comenta a performance das


personagens de forma pragmática e negativa a partir de uma arguição de senso comum, gerando,
assim, um clima de pessimismo em relação ao mundo humano. Em relação ao referido
comentário, ele está inserido em um momento da narrativa da novela em que é construída uma
retórica antirreligiosa por parte dos próprios produtores do folhetim. A intenção é de tirar a fé
cristã evangélica da esfera dos confrontos entre as religiões e a colocar em uma espécie de
patamar superior, conectada diretamente com o sagrado e, portanto, inconfrontável. Esse
movimento será abordado no próximo tópico.
O episódio do tratamento de Benjamim no hospital Aisen após o afogamento inaugura
na narrativa da trama a contraposição entre a fé de Suzana e o ateísmo de Alan, que durará por
toda a novela e gerará consequências para a vida de ambos e da família.
168

Suzana: Nós temos que ser gratos Alan.


Alan: Gratos? Cê tá brincando? Gratos por que? Nosso filho quase morreu.
Suzana: Benjamim ainda tá vivo.
Alan: Por quanto tempo? Seu pai disse que o quadro dele é instável. Ele pode ser
intubado.
Suzana: Vamo acreditar em Deus?
Alan: Deus? Que Deus Suzana? Que que Deus tem a ver com isso? E se existisse um
Deus, Ele não deixaria o nosso filho passar por isso.
Suzana: Meu amor, eu tô tentando te acalmar. Eu não quero te irritar.
Alan: Então não me venha com esse papo sobre Deus. Deus é uma invenção dessas
pessoas fracas que não conseguem encarar a realidade nua e crua como ela é. Eu não
preciso de respostas fáceis. Se você quer se enganar, se isso te ajuda a ficar mais
tranquila enquanto o mundo tá desabando a nossa volta, tudo bem, bom pra você,
agora, não tenta me empurrar essa sua fé repentina.
Suzana: O Benjamim vai ficar bem. E eu espero que você não esqueça o que eu tô te
dizendo hoje.
Alan: Se isso Suzana, eu vou agradecer aos médicos, a medicina, não a Deus.
O pai de Suzana entra na sala e diz: Benjamim acordou. Todos saem da sala às
pressas. No CTI Suzana diz: Meu filho!
Doutora Lia: Calma, calma, está tudo bem!
Suzana: Graças a Deus!
Benjamim: Por que vocês estão com essas caras? Por que você está chorando mãe?
Suzana: Filho...
Benjamim: Tá tudo bem!
Suzana: Por que as vezes a gente chora de alegria também, de felicidade.
Benjamim: E existe isso?
Todos riem.
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).

A negação de Deus por Alan nesse diálogo se divide em três argumentos comuns entre
os personagens ateus e cientistas da trama a respeito da não existência Dele: o primeiro está
relacionado à ocorrência de eventos trágicos, ou seja, à ideia de que, se Deus existe, o mundo
deveria ser livre de tragédias e sofrimentos; o segundo é a ideia de que Deus é uma invenção
humana de pessoas incapazes de aceitarem a realidade tal como ela é, de resolverem os seus
problemas por si mesmas e que buscam se enganarem com respostas fáceis do que lutarem; e o
terceiro é o poder da ciência e, por conseguinte, da inteligência humana, de resolver por muitas
vezes os problemas que Deus não solucionaria, ou seja, a substituição de Deus pela ciência.
Esses argumentos partem de um desencantamento com Deus frente à dor humana, o que o
próprio Alan experimentou no fim da adolescência, na ocasião da morte dos seus pais.
Os irmãos Alan e Uri e os pais Jonathan e Elisa Gudman são as personagens centrais do
primeiro capítulo da telenovela Apocalipse, sendo vítimas do já mencionado tsunami em um
arquipélago da Indonésia em 1987. Trata-se de uma família judia ortodoxa não praticante, de
classe média alta e residente em Nova York. O desastre natural encenado no capítulo da novela
também é um desastre pessoal na vida dos adolescentes Alan e Uri que, perdendo os pais de
forma trágica, responsabilizam Deus pelo ocorrido.
O irmão mais velho, Alan, que até então se mostrava uma pessoa sensível ao sofrimento
169

humano e buscava meios para ajudar a melhorar o mundo, se tornou ao longo dos anos seguintes
à catástrofe natural um advogado internacional com aspirações utilitárias, engajado nos
interesses próprios, vaidoso e ambicioso especulador da bolsa de valores de Nova York, cidade
em que residia com a esposa Suzana Aisen, o filho Benjamim Gudman e a filha Isabela
Gudman.
Já Uri se tornou um renomado astrofísico, apaixonado pelo trabalho no Monitoring
Center da chamada Agência Espacial (representação da Nasa na novela) e engajado nas ações
voltadas a salvar o planeta Terra de colisões com os meteoros.
O que há de comum em ambos é o ateísmo, sendo mais acentuado em Uri, que diz
recorrentemente ser um cientista e acreditar apenas na verdade da ciência. Foi o que reafirmou,
por exemplo, durante o espanto coletivo na Agência Espacial na ocasião em que Benjamim
demonstrou, por meio de um algoritmo de análise de vídeos, um brilho não identificado no
momento em que milhões de pessoas sumiram simultaneamente em todo o mundo, no chamado
Arrebatamento.

Uri: Vocês querem parar de falar por favor? Vamos parar com esse papo de abdução
aqui e outras maluquices. Chega!
Dylan: Uri, alguma explicação tão convencional dá conta disso?
Benjamim: O fenômeno em si já é alguma coisa completamente fora do comum.
Imagina, uma multidão sumindo a luz do dia ao mesmo tempo e em todos os lugares
do mundo!?
Dylan: É! E sem deixar pistas do que aconteceu e pra onde essa gente foi. E tem
Alguma ideia Uri?
Uri: Não, não, não tenho ideia, Dilan. Não sei! Não sei, não tenho a menor ideia. O
que eu sei é o que eu sou e o que eu vou ser até o dia da minha morte. Eu sou um
cientista! Alguém que busca a verdade com base nos fatos, com base nas evidências.
Benjamim: Bom, na minha memória você é o cara que sempre contou histórias sobre
galáxias distantes, celebrava o nascimento e lastimava a morte de uma estrela.
Uri: A Benjamim, isso vai além de tudo o que eu estudei na minha vida, cara.
Dylan: Bom e agora Benjamim, quais são os nossos próximos passos?
Benjamim: A eu vou continuar analisando tudo da GudmanTec com a Grenda.
Uri: Pessoal, vamo manter tudo em sigilo. Eu não sei o que isso tudo pode ocasionar
na população, ok?
Dylan: Seria o caos Uri, o caos...
Ariela: Não sei porque vocês têm tanto medo do caos. A insegurança e o medo são
os pais das maiores conquistas científicas, das obras de arte mais profundas, das
paixões mais intensas. Adoro o caos.
Benjamim: Bom, eu vou indo tá?
Ariela: A se você for até a Gudman pode encontrar Ricardo lá ainda.
Benjamim: Não lembro de ter marcado nada.
Ariela: Ele gosta de surpreender. Podemos conversar Uri?
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 60).

Quase que como um cientista da era do positivismo, Uri combate com veemência e a
gritos tudo o que não lhe parece uma explicação científica, ou seja, rigorosa, sistemática,
observável, empírica, fatual, neutra, imparcial e racional. Em contraposição, se reafirma como
170

um cientista, compreendendo que sua função é procurar a verdade por meio da pesquisa ciência.
A ciência para Uri é um instrumento de pesquisa e produção de conhecimento que
objetiva sempre descobrir a verdade, enquanto as outras formas de conhecimento, a exemplo
da religiosa, é uma falácia, uma forma de o ser humano enganar a si mesmo, como será apontado
adiante. Antes é preciso destacar que a concepção de ciência para Uri é positivista, pois a toma
como a melhor e mais evoluída forma de conhecimento verdadeiro sobre o mundo.
Outro ponto importante a ser levado em consideração na referida cena é a fala de Ariela
sobre o caos. Para a personagem, que é cumplice dos feitos apocalíticos de Ricardo Montana,
o caos, compreendido como insegurança e medo, gera as maiores conquistas científicas, as
obras de arte mais profundas e as paixões mais intensas. Não por acaso, as três áreas citadas,
ciências, artes e paixão foram protagonistas das mais significativas revoluções, ou seja, de
rupturas históricas com a ordem social estabelecida. E são justamente essas áreas as acusadas
no enredo da telenovela e pelas agendas conservadoras e de direita do período pré-eleitoral de
2018 no Brasil, como esquerdistas, amorais e ateias.
A fala de Ariela é estratégica, pois mescla a própria figura apocalíptica com o caos e a
revolução. Os dois últimos são responsáveis pela profundidade dos avanços científicos, da
qualidade artística e da intensidade da paixão. Mas o representante máximo do caos na trama é
Ricardo Montana que, na infância, manifestando o seu ódio pela ideia de harmonia, destruiu
um arranjo de flores com um taco de golfe na mansão de sua família.

Ah, a natureza me irrita! Essa harmonia do círculo da vida é difícil de engolir. Tudo
tão perfeitinho. Me faz lembrar de onde eu fui expulso. Mas quando a minha missão
aqui estiver cumprida, esse planeta vai ficar irreconhecível. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 10).

O ódio de Ricardo à harmonia e à perfeição origina-se da sua lembrança sobre o paraíso,


isto é, do céu, o lugar do qual foi expulso. A mesma fala remonta às histórias da queda de
satanás creditada por várias denominações religiosas do cristianismo a partir da interpretação
das passagens bíblicas de Isaías 14:12-15, Ezequiel 28:17-18, Lucas 10:18 e Apocalipse 12:7-
9. Existem várias versões dessa história que, em geral, como é representada no primeiro capítulo
da telenovela Gênesis (2021), narra que Lúcifer, o anjo de Luz, desempenhava uma importante
função no céu e que, vendo o poder e a glória de Deus, sentiu inveja e quis ser como Deus.
Então juntou uma legião de anjos, fez uma rebelião nos céus e travou uma batalha contra os
arcanjos de Deus. Tendo a milícia celeste vencido a batalha, Lúcifer e os anjos foram expulsos
do céu e atirados a Terra, tornando-se, assim, anjos caídos, os chamados demônios.
Essa e outras histórias foram absorvidas pelas várias seitas satânicas que surgiram nos
171

Estados Unidos na segunda metade do século XX, cujos membros, jovens marginalizados, anti-
sistema, anti-capitalista, anti-cristianismo, anti-guerra do Vietnã, viram na figura dos anjos
caídos a representação da revolução, da luta contra as opressões, da resistência, passando a
venerá-los e gerando muitas polêmicas no país e internacionalmente, devido ao culto a
entidades consideradas demoníacas. Logo, então, caos, revolução e esquerda são representados
na novela Apocalipse como sinônimos um do outro e considerados características da ação do
diabo no mundo.
Depois do divórcio com Ariela, o astrofísico passa por um período de solidão, quando,
por intermédio da cunhada, é apresentado a Monique Filadélfia, uma fervorosa cristã evangélica
e premiada biocientista que trabalhava com Suzana em um laboratório bioquímico de Nova
York. Já no primeiro encontro entre Uri e Monique para um jantar na casa de Suzana,
apresentado no capítulo 29 da novela, os dois cientistas entraram em atrito devido às relações
entre fé e ciência.

Monique: A natureza é tão deslumbrante, né? Pensar em todos os processos químicos


capazes de transformar as uvas em vinho.
Alan: Bom, isso não é bem culpa da natureza e sim da curiosidade e engenho humano.
Suzana: Alguém quer mais suflê?
Monique: O vinho realmente é uma invenção do homem, mas que não existiria se
não fosse o processo de fermentação. As leis da natureza, elas são tão perfeitas. É
possível não acreditar que exista uma inteligência maior por trás delas, cês não acham?
Deus colocou sua marca em tudo.
Uri: (risos de deboche).
Monique: Que foi Uri? Por que você está rindo?
Uri: É, eu pensei que você fosse uma biocientista séria.
Monique: Mas eu sou. Assim você me ofende.
Uri: Desculpa Monique, mas assim você que me ofende. É uma biocientista séria
acreditando numa bobagem dessa de Design Inteligente?
Monique: Eu não acho que a existência de Deus seja uma bobagem.
Suzana: Gente, vamos mudar de assunto?
Uri: Pera aí Suzana. Olha, desculpa mas se você acredita em Deus, isso é problema
seu. Agora, usar uma pseudo teoria científica para justificar sua fé? Pra que? A fé por
princípio é acreditar cegamente no que não tem explicação, em algo irracional, quase
estúpido.
Monique: A minha fé não tem nada de irracional, muito menos de estúpida.
Uri: Olha, qualquer cientista sabe que a ideia de complexidade redutível dos sistemas
bioquímicos não se pode originar de um processo natural, evolutivo. Essa tese foi
colocada abaixo no julgamento de Dover.
Monique: Acontece Uri, que os criacionistas...
Uri: Os criacionistas não são cientistas, eles são religiosos que tentam implacar a
ciência em seus dogmas.
Suzana: Uri, você está ofendendo a minha convidada, por favor.
Alan: Não, não, calma Suzana, calma... É... Uma discussão interessante. Senta Uri,
senta.
Suzana: Mas não e o objetivo deste jantar. Além do mais, vocês dois sabem que eu
também acredito em Deus.
Uri: Tá tudo bem. Você pode acreditar em Deus. Você pode ter as suas crenças. Mas
nunca usou isso para justificar a bobagem de design inteligente. O próprio Berré, um
dos defensores dessa hipótese, foi obrigado a admitir que não há um trabalho revisado
que suporte suas alegações de que os sistemas complexos, como os flagelos
172

bacteriasnos, eles não podem, eles não existem.


Suzana: Uri, chega! Chega por favor! Você está ofendendo a minha amiga. Está
sendo extremamente desrespeitoso e indelicado com a nossa fé.
Monique: Tudo bem Suzana.
Suzana: Buscar a sobremesa.
Monique: Eu te ajudo.
Monique e Suzane saem da sala de jantar, permanecendo a mesa Alan e Uri.
Alan: Eu acho, acho, que você perdeu a sua futura namorada.
Uri: Eu e minha boca grande.
Fim da cena.
A cena volta no momento do fim do jantar.
Uri: Monique, me desculpe se eu fui agressivo com você. É que quando se trata de
ciência...
Monique: Tá tudo bem Uri.
Monique vai embora.
Suzana: E então gostou da minha amiga?
Uri: Suzana, acho que a gente tem pontos de vista bem diferentes. Não ia dar certo.
Eu vou dormir que amanhã acordo cedo.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018. capítulo 29).

Como é possível observar na discussão, o antagonismo entre Uri e Monique se dá em


torno de ideias que, embora apresentem engajamento religioso, reivindicam cientificidade, no
caso o design inteligente e o criacionismo. Em linhas gerais, ambos os conceitos designam
teorias – não aceitas pela comunidade científica internacional – que compreendem o mundo
como uma criação intencional e direcionada por uma inteligência universal, Deus, negando-se
assim a aleatoriedade dos processos evolutivos da natureza e o não direcionamento desses
processos como ocorre, por exemplo, no caso da chamada seleção-natural de Charles Darwin.
Apesar disso, em 14 de maio de 2017, a quase seis meses do início da telenovela Apocalipse, o
programa Domingo Espetacular, da Record TV, exibiu uma reportagem (DOMINGO
ESPETACULAR, 2018) sobre design inteligente, tratando-o como uma teoria científica
defendida por doutores de várias universidades nacionais e internacionais. Os apresentadores
Paulo Henrique Amorim e Janine Borba disseram na abertura da reportagem:

Paulo Henrique Amorim: Revelações da ciência sobre os mistérios da vida.


Especialistas de vários países tiveram no Brasil para o lançamento de um grupo
dedicado a tese do chamado Designe Inteligente.
Janine Borba: Esses cientistas acreditam que a perfeição e a complexidade da
natureza comprovam a existência de um ser superior.
(DOMINGO ESPETACULAR, 2018).

A suposta comprovação da existência de um ser superior a partir da ideia da perfeição e


da complexidade da natureza são reafirmadas várias vezes e de diversas formas durante a
reportagem, utilizando variados exemplos relacionados à matemática e à genética:
173

Mais uma comprovação matemática da existência de uma mente inteligente por trás
da criação seria o chamado número de ouro, ou proporção áurea, representada pela
letra “Fí” [...] Nos Estados Unidos um grupo de pesquisadores afirma ter identificado
uma sequência de números que sempre se repete no DNA humano, seria uma espécie
de assinatura de Deus segundo o engenheiro da computação Greg Preiden. Ao
considerar as cargas dos elementos químicos do DNA os pesquisadores teriam
identificado o seguinte padrão numérico: 10,5,6,5. Eles passaram então a tentarem
decifrar esse código e tiveram a ideia de substituir os números por letras hebraicas.
Em hebraico, a língua oficial de Israel e que aparece na Bíblia, os números são
representados por letras, como explica essa professora israelense [...] A sequência
numérica 10,5,6,5 foi transcrita para as respectivas letras em hebraico “iot”, “rei”,
“vav”, “rei”. Veja o resultado! A sequência corresponde a palavra Javé, ou Deus, em
hebraico. Apesar de todo avanço da medicina, cerca de 90% das informações
genéticas ainda são um mistério [...] (DOMINGO ESPETACULAR, 2018).

Ambos os exemplos apresentados na reportagem, o da matemática e o da genética,


seguem, à primeira vista, a lógica argumentativa da numerologia. Ou seja, da interpretação de
códigos numéricos, porém sem apresentar nexo causal entre os exemplos apresentados, o que
tende para uma hipótese explicativa comum nos documentários de entretenimento que partem
de teorias conspiratórias para supostamente resolver mistérios. Essa lógica argumentativa
numerológica conspiracionista foi utilizada na performance da personagem Zoe Santeiro em
seu processo de descobrimento da identidade do anticristo.
Ao transcrever para o hebraico o número 666 que aparecia no livro do Apocalipse como
sendo o número da besta, Zoe descobriu o nome Ricardo Montana. Sendo assim, a referida
reportagem do Domingo Espetacular aponta para o interesse da Record TV de referendar e
noticiar o design inteligente como uma ciência legítima, ou uma boa ciência, porque ela afirma
a existência de Deus e o seu poder sobre o mundo desde a criação.
Na ocasião do conflito entre Uri e Monique no jantar, que a princípio seria para os
apresentar e assim incentivar um possível relacionamento amoroso entre os dois, é possível
identificar que há simultaneamente uma representação da polarização ideológica que o Brasil
passava no período pré-eleitoral de 2018 e uma representação da cosmovisão evangélica dos
cientistas em geral (não de todos): ateus, arrogantes, prepotentes, autoritários e agressivos. A
mesma cosmovisão e estrutura conflitiva se repete até as últimas semanas de exibição da trama.
No capítulo 21, por exemplo, após conceder uma entrevista a Zoe, sobre um asteroide de 2 km
de extensão que estava em rota de colisão com a Terra, o astrofísico entra em atrito com a
compreensão da repórter sobre a ideia de fim do mundo ou apocalipse.

Zoe: Bom, mais uma vez, muito obrigado pela entrevista. Eu realmente não podia
imaginar que o perigo estava tão próximo. Quero dizer, teoricamente, assim, eu sabia,
mas ter uma comprovação científica é outra história.
Uri: É... Pois é... Talvez a gente esteja próximo do fim do mundo, do “mundo” que a
gente conhece. É... (Risos).
Zoe: Estamos próximos do apocalipse!
174

Uri: É, o apocalipse é uma ficção, inventada para apavorar a humanidade e botar as


pessoas na linha. Bom, se você quiser usar essa alegoria, podemos dizer que estamos
perto sim.
Zoe: Cê acha mesmo que é uma ficção?
Uri: Uma jornalista bem informada como você não vai acreditar num conta da
carochinha desse.
Zoe: Acredito sim, que a bíblia é a palavra de Deus. Não acho que seja um conto da
carochinha.
Uri: Bom, aca um com sua crença. Eu prefiro acreditar na ciência, que pode ser
comprovada totalmente.
Zoe: É, cada um sabe de sí. Mas nesse ponto o senhor e o Benjamim estão bem
afinados, não é? Bom, eu preciso ir...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 21).

Zoe busca nos dados científicos apresentados por Uri na entrevista a confirmação do
que acha como sendo uma verdade bíblica sobre o fim do mundo, o que se configura como uma
postura fundamentalista. Por outro lado, Uri, tal como fez com Monique, interpela a crença de
Zoe a partir do cargo que ela ocupa, jornalista, dando a entender que as pessoas escolarizadas
e que se formaram em uma universidade não deveriam dar credibilidade à Bíblia, o que é uma
atitude preconceituosa e de senso comum. Porém, a interpelação não se dá, nessa cena, pela
fúria, mas sim pelo deboche, elemento que se soma às já referidas características da cosmovisão
evangélica sobre os cientistas.
Apesar de as duas personagens terem cosmovisões diferentes, ambas partem da
premissa de que a maneira correta de se interpretar os textos bíblicos é a partir de uma leitura
literal. Por esse motivo, o astrofísico, ao se contrapor à jornalista, coloca em lados opostos de
um mesmo campo de batalha a suposta verdade da Bíblia versus a suposta verdade científica,
como se tais campos de conhecimento operassem em uma mesma realidade. Uri quase que
retoma a praxe comum no período do iluminismo de afirmar a ciência como um conhecimento
válido, superior e verdadeiro, que nasceu para substituir as explicações religiosas (ou mágicas
e falsas) dos fenômenos do mundo.
Ao tratar os textos bíblicos como contos da carochinha e alegoria, o astrofísico não o
faz a partir do sentido original dos termos, mas o faz a partir de um sentido de senso comum
para os inferiorizar. Porém, a fala da personagem é estratégica na narrativa da novela. Ela tem
dupla função, uma explícita e outra implícita. A explícita é de fazer de Uri um personagem
antipático aos olhos dos cristãos evangélicos, a fim de combater a secularização e o ateísmo
científico. A implícita é a de reafirmar a leitura fundamentalista da Bíblia em detrimento de
qualquer leitura que parta da análise dos gêneros literários, como é o caso da análise
hermenêutica. Isso porque os gêneros literários apontados por Uri como ficção, contos [da
carochinha] e alegoria são tratados pela personagem com desprezo e preconceito, dando a
175

entender que são textos infantis e mágicos.


Em outra ocasião, conversando com o amigo de trabalho Dylan, o astrofísico repete a
mesma estrutura de atrito com a esfera da religiosidade. E na tentativa de combater o
fundamentalismo, novamente assume esta postura.

Uri: Ai Dylan, se você acredita nesta lenda, deve achar que o apocalipse vai acontecer
como tá na Bíblia.
Dylan: Deus não é uma lenda.
Uri: Que seja um mito, conto cosmológico, que nos dá uma origem e supostamente
um sentido.
Dylan: Confesso que acredito. O relato do fim dos tempos foi transmitido antes do
homem, milênios atrás.
Uri: Verdade! O homem tem feito de tudo para acaba com o mundo, de duzentas
maneiras diferentes.
Dylan: Verdade! E uma delas é quando a gente se apaixona e casa com a mulher da
nossa vida.
Ariela entra em cena com os documentos do divórcio para Uri assinar.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 33).

Nesse diálogo, novamente Uri não possibilita a abertura a outras formas de compreensão
dos textos bíblicos senão pela leitura literal, fazendo com que o cientista se torne vítima daquilo
que combate. Em seguida, cita vários gêneros literários de forma equivocada e preconceituosa
tomando-os como sinônimos uns dos outros.
As tensões entre Uri e Monique em torno da fé dão espaço para um amor latente que
vez ou outra os desconcerta, como é possível observar em uma cena do capítulo 49, em que,
após divergirem sobre questões religiosas, se beijam e evitam brigar novamente.

Uri: Monique? Não, me desculpa? Eu não vou mais te provocar só porque


temos pensamentos diferentes sobre... Bom, cê sabe, né?
Monique: Muito obrigada. Há... Boa noite! Uri? Por que você não se conforma com
a simples ideia de que existe um Deus?
Uri: Não é isso Monique.
Monique: Quando eu entrei na sala, eu te ouvi dizer “meu Deus!”. Que é o que todos
dizem quando sentem medo.
Uri: Eu disse foi tipo uma interjeição. Tipo, caramba, sabe? Eu acreditava em Deus
quando era criança.
Monique: E o que aconteceu?
Uri: Ele me abandonou. Até amanhã. Quanto ao beijo, foi muito bom.
Monique: Enfim concordamos em alguma coisa.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 49).

O amor de Monique por Uri enfim floriu a partir da cena em que ela descobriu que o
astrofísico, supostamente convicto de seu ateísmo, tinha abertura para o fenômeno religioso,
mas que passava por uma profunda frustração com Deus desde a infância. Ambos tentavam
evitar discutir temas que envolvessem a fé para que Uri não se enraivecesse e a inferiorizasse
176

pelas suas crenças religiosas, como ocorreu na cena do jantar na casa de Suzana e Alan.
A atitude de Uri de inferiorizar as pessoas religiosas, em especial as cristãs evangélicas,
é tributária de um senso comum atual que se formou a partir das tradições evolucionistas da
chamada antropologia de gabinete e da primeira corrente teórica científica, o positivismo, que
separava a evolução sociocultural humana em etapas hierárquicas.
A respeito do processo da constituição do conhecimento científico, por exemplo, o
filósofo positivista francês Auguste Comte elaborou a chamada Lei dos Três Estados em que a
história humana, ou das formas de construção do conhecimento, são divididas, segundo
Brandão (2011), em: estado teológico ou fictício, em que predomina a imaginação; o estado
metafísico ou abstrato, que é o estágio intermediário, pois não é imaginativo como o primeiro
e nem racional como o terceiro estágio; e o estado positivo ou científico, em que predominam
a razão e a observação, fontes da verdade científica. O último estágio é compreendido na teoria
de Comte como o ápice da capacidade racional humana.
Pode-se observar influências dessa teoria no diálogo entre Uri, Dylan e Benjamim a
respeito do Comitê de Notáveis que o astrofísico quer formar para analisar o fenômeno do
Arrebatamento.

Benjamim: Vocês sabem que algumas pessoas acreditam que esse desaparecimento,
ele faz parte das profecias bíblicas do apocalipse?
Alan: Tem louco pra tudo nesse mundo, né rapaz?
Uri: Profecia sobre o final do mundo é o que mais tem.
Alan: Meu filho, cê não acredita numa bobagem dessa, né?
Benjamim: Não, não, claro que não! Só que eu sei de gente que jura que consegue
provar que a Bíblia tá certa sim e que as profecias estão se cumprindo.
Uri: Pois eu vou provar exatamente o contrário. Eu vou mostrar que a Bíblia está
errada. E que o maior remédio contra o obscurantismo, meus caros, é a ciência.
Alan: Um brinde a isso.
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 66).

Na cena, Uri toma como rival não possíveis interpretações equivocadas das sagradas
escrituras por determinados grupos religiosos, mas a própria Bíblia. Para o astrofísico, o
problema não é a interpretação, mas o próprio texto, que seria, nesse sentido, obscurantista, o
que é uma falácia, tendo em vista a existência de numerosas correntes interpretativas e
teológicas bíblicas que a abordam de formas distintas da tratada pelos personagens cristãos
evangélicos da novela. E a solução para o problema do obscurantismo apontada pelo astrofísico
é a ciência, ou melhor, a luz da razão e da ciência, como diriam os filósofos iluministas.
O romance de Uri e Monique se dá de forma meteórica. Quando alcança a plenitude,
ocorre o Arrebatamento e a jovem some simultaneamente com outras milhares de pessoas no
177

mundo. Sem conseguir compreender o que havia ocorrido, Uri passa por um longo período de
angústia e revolta pelo desaparecimento da namorada. Em uma cena do capítulo 78, o
astrofísico, triste, segura a Bíblia de Monique e se recorda de momentos bons que teve com ela.

Uri: Que tá me olhando Monique? Já sei! Tá olhando e pensando como é que


conseguiu fisgar esse peixão aqui, todo sexi, lindo, bonito, gostoso.
Monique: Menos meu amor, quase isso.
Se beijam.
Monique: Seus olhos ainda têm a inocência de uma criança.
Uri: Eu vou tomar isso como um elogio.
Monique: Eu queria tanto tá com você lá naquele dia, para te abraçar, te dar conforto,
esperança.
Uri: Do que cê tá falando?
Monique: Do dia em que você perdeu seus pais e da fé em Deus.
Uri: Sou ateu Monique! É diferente.
Monique: Eu sei. Mas teve uma vez que você me confessou que se sentia abandonado
por Ele. Isso quer dizer que um...
Uri: As crianças fantasiam Monique. Elas creem em coelho da Páscoa, papai noel.
Por que não num velho barbudo sentado num trono, decide sadicamente quem vai ter
sorte, azar, quem vai ser feliz ou sofrer como um miserável?
Monique: Então é assim o Deus que você vê?! Como se fosse um juiz das coisas que
a gente escolhe?
Uri: Cê quer saber o que eu vejo? E vejo um universo em expansão, improvável,
ameaçador, fascinante! Tão fascinante Monique, que eu passei a minha vida toda pra
tentar entender, pra tentar encontrar uma lógica improvável nesse caos sem sentido e
injusto, Monique.
Monique: Não meu amor, a gente nunca vai tá satisfeito por as coisas ruins
acontecerem.
Uri: Você, vovê sabia que os meus pais eram pessoas honestas? Eram pessoas
descentes?! Pessoas generosas?! E sim Monique, os meus pais, eles acreditavam em
Deus. Como é que eles acabaram?
Monique: E você acha que foi Ele quem mandou aquela onda gigantesca?
Uri: Claro que não. Se eu acreditasse nisso eu seria um péssimo cientista. Eu só, só
não queria que isso não tivesse acontecido. A gente tava tão feliz.
Monique: É, eu sei. A gente queria que o mundo fosse melhor, né? Fosse perfeito. E
a vida cheia de felicidade e paz, né? Mas não depende só da nossa vontade ou da
vontade de Deus. Somos seres humanos imperfeitos, frágeis, vulneráveis a erros, a
sentimentos ruins. Por isso que a gente tem que sempre vigiar, o tempo todo. Tem que
ficar alí, alerta, porque o mal tá do nosso lado. E se a gente não ficar...
Uri: Monique, vamos mudar de assunto, pode ser?
Monique: Pode, claro que pode.
Benjamim chega em casa e vê Uri com a Bíblia na mão.
Benjamim: E aí Uri. Tá com fome? Trouxe pizza. O que que é isso aí? Uma Bíblia?
Uri: Uma Bíblia sim. Era da Monique. Procê vê, ninguém é perfeito, nem mesmo ela.
Benjamim: Mais uma coisa que temos em comum.
Uri: Os homens sépticos que amam mulheres que acreditam em Deus.
Benjamim: A Zoe tinha certeza de que o que houve aquele dia foi arrebatamento.
Que os outros foram tirados daqui por Deus, inclusive a família dela.
Uri: Provavelmente a Monique foi para o mesmo lugar. (risos) O Benjamim, a Zoe...
A Zoe não era da igreja? Bom, seguindo esse raciocínio ela deveria ter sido arrebatada
também, não é?
Benjamim: Não entendo muito bem, mas acho que não era bem esse o critério.
Uri: E qual critério era esse então? Tudo bem. É boba essa minha pergunta, né? Se
você soubesse você não estaria aqui (risos). Desculpa, isso não é coisa para brincar.
Benjamim: Tá tudo bem. A Zoe pode não ter sido levada por Deus naquele dia mas
acabou indo de qualquer jeito. Aliás, de uma forma horrível. A minha questão é – pra
onde ela foi? O que que acontece depois que a pessoa morre?
Uri: A pessoa morre e pronto. A morte é o fim da vida. O Benjamim, o que que tá
178

acontecendo com você? Tá estranho!


Benjamim: É, tem razão! Deixa pra lá, loucura. Não vale a pena.
Uri: É, por isso eu acredito na ciência, nela eu consigo encontrar a resposta que me
fazem sentido, sabia?
Benjamim: Mesmo ultimamente?
Uri: É ultimamente nada dá conta de explicar coisa alguma. Vamos comer Benjamim,
isso sim faz sentido. Vamo matar essa fome?
Benjamim: Vai, pega essa (latinha de refrigerante)? Tá bom isso (a pizza)?
Fim de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 78).

Na primeira parte da referida cena, as lembranças de Uri sobre uma conversa que teve
com a sua namorada, é revelada a origem do ateísmo do astrofísico. A motivação é a mesma
que de várias outras personagens do folhetim: a frustração com Deus devido à ocorrência de
alguma fatalidade, ou desastre, ou injustiça no mundo. Também são revelados os motivos que
o levam a se tornar um cientista. A busca por lógicas improváveis que expliquem o caos sem
sentido e injusto que jaz no mistério fascinante do universo.
O cientista da Agência Espacial Uri quer fazer, por meio das respostas científicas, o que
Deus não foi capaz de fazer pela fé dos seres humanos Nele: evitar as tragédias humanas. A
namorada Monique tenta, por meio da fé, alertar que é impossível haver perfeição no mundo
devido à imperfeição humana. Até havia desconstruído a imagem que Uri tinha de si mesmo
como sendo um “peixão”, dizendo com compaixão que os olhos dele ainda tinham a inocência
de uma criança.
Mas o astrofísico permaneceu convicto em seu ateísmo, no seu egocentrismo e na sua
crença na ciência como instrumento de produção da verdade, como é possível observar na
segunda parte da cena em que conversa com o sobrinho Benjamim. E logo define o papel que
ocupa no romance com a biomédica e a jornalista: os homens céticos que amam mulheres que
acreditam em Deus. A frase é central na performance de ambos, pois a partir da segunda metade
da novela os chamados homens céticos, inspirados no amor pelas mulheres que acreditam em
Deus se convertem e se tornam homens que acreditam em Deus.
Antes desse movimento de conversão, porém, Uri tenta por diversas vezes comprovar
cientificamente que a Bíblia está errada e que é um livro de fantasias. A tentativa dele mais
engajada se deu por meio de uma pesquisa que realizou com Melina, um androide com
inteligência artificial criada por Benjamim e capaz de cruzar milhares de dados e informações
em fração de segundos. Todavia, o astrofísico desiste da primeira pesquisa devido à quantidade
exorbitante de dados e informações que teria de analisar. Uri queria respostas que não
demandassem anos de pesquisa, que não lhe tomasse muito do tempo e esforços de
compreensão e amadurecimento. Então decide investigar apenas o fenômeno da ressureição de
179

Cristo, que, segundo o cientista, é o ponto-chave da fé cristã e, uma vez que comprovada a não
ocorrência do evento, deslegitimaria a existência do cristianismo.

Uri: Muito obrigado Benjamim. Muito obrigado mesmo por ter me emprestado a
Melina. É você não sabe como é muito melhor fazer uma pesquisa com um
computador que interage com agente.
Benjamim: Que bom, eu fico feliz que ela tenha sido útil. Me fala, como é que tá sua
pesquisa? Hum? Já conseguiu provar que a Bíblia é só um livro de fábulas e lendas?
Uri: Na verdade ainda não Benjamim. Tá tudo muito no começo ainda.
Benjamim: Tá parecendo que vai ser muito mais difícil do que você pensava.
Uri: Tem algumas evidências que comprovam determinados fatos sim, a arca de Noé,
as pragas do Egito.
Benjamim: Sério?
Uri: Mas nem tudo foi comprovado. Adão e Eva por exemplo, evidentemente é uma
história muito mais simbólica. Muitas pessoas levam ao pé da letra, mas Benjamim,
nós somos descendentes dos macacos e não de uma porção de barro.
Benjamim vê cenas de um tumulto em Jerusalém pela TV e aumenta o volume.
Muda de cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 88).

No presente diálogo, Uri apresenta os resultados preliminares da pesquisa dele sobre a


Bíblia a Benjamim. É possível inferir que a pesquisa realizada pelo astrofísico buscava
identificar a ocorrência histórica das narrativas bíblicas e legitimar ou invalidar o livro sagrado,
a partir da comprovação histórica de eventos, situações e personagens descritos nele.
É possível inferir também que, ao levar a pesquisa a cabo, Uri assumiu duas hipóteses
contraditórias: a primeira, de que a Bíblia é um livro de contos da carochinha, como afirmou
incisivamente; a segunda, de que a Bíblia é um livro de História. Em todo caso, a pesquisa parte
de um pressuposto fundamentalista e de interesse dos setores fundamentalistas do cristianismo,
o de buscar as narrativas bíblicas nos achados arqueológicos e nas demais descobertas
científicas. Isso não deixa de ser simultaneamente uma tentativa de legitimação da fé pela
ciência e da boa ciência como aquela que corrobora a fé.
A frase “nós somos descendentes dos macacos e não de uma porção de barro” dita por
Uri cumpre uma função estratégica na cena. Desde o século XIX, o senso comum social e a
militância política dos setores religiosos conservadores do cristianismo atribuem a frase a
Charles Darwin para combater as suas teorias naturalistas. No entanto, como vários biólogos
rebatem há séculos, Darwin nunca afirmou que o ancestral dos seres humanos são os macacos,
mas que humanos e macacos possuem um ancestral em comum.
Além de Uri assumir pressupostos fundamentalistas em sua pesquisa sobre a Bíblia,
parte também de um discurso conservador que nasceu para combater aquilo que ele mais
defende, a ciência.
É possível concluir que Uri representa na narrativa da novela Apocalipse um astrofísico
180

que se guia por paradigmas científicos superados, que ostenta preconceitos e senso comum
próprio como discurso científico e que no combate ao que chama de obscurantismo religioso
assume os pressupostos daquilo que combate. Todas essas características fazem com que se
torne aquilo que ele tomava como sendo seu inimigo, uma pessoa religiosa. E isso se dá após
Benjamim descobrir que Zoe não havia morrido no atentado terrorista aéreo. Ao ver Zoe viva,
Uri considera o fato como milagre e se converte ao cristianismo evangélico, tornando-se tão
fervoroso quanto a namorada Monique. Devido a isso, Uri é preso e assassinado a tiros por
Ricardo Montana, tornando-se assim um dos mártires dos chamados últimos dias.
É preciso esclarecer que o movimento de conversão de personagens ateus na novela
Apocalipse se inicia com Benjamim, cuja convicção no ateísmo é menos arraigada do que no
tio Uri. Antes do atentado terrorista que Zoe sofreu, Benjamim já estava se abrindo à
religiosidade da namorada, como é possível observar em duas cenas do capítulo 72 da novela.
A primeira é um diálogo que tem com o amigo André e a segunda, uma discussão que tem com
o pai Alan e o tio Uri.

Benjamim: O medo de perder a Zoe me fez rever muitas coisas.


André: Tipo?
Benjamim: Tipo algumas coisas que eu tinha, alguns pensamentos com relação a
vida, sabe? Preciso abrir minha cabeça. Nem tudo precisa ter uma explicação racional
André.
André: Ual! A Zoe fez mesmo milagre em você!
Benjamim: Milagre do amor meu amigo. Milagre do amor. Eu não vou deixar a Zoe
sair do meu lado nunca mais. A Zoe é minha até o fim dos meus dias, você vai ver só.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 72).

A abertura religiosa que Benjamim experimenta no período da trama tem relação com
o medo de perder a sua namorada por brigas e desentendimentos em torno da temática religiosa
e com pensamentos existencialistas que o inquietavam. Ou seja, é uma experiência que se dá
mais por objetivos materiais-práticos: a manutenção de um relacionamento amoroso e respostas
para questões práticas da vida cotidiana do que pelo interesse de experienciar o fenômeno
religioso ou a espiritualidade como transformação radical de vida ou conversão. Essa abertura
também apresenta uma contraposição entre racionalidade e fé, em que a substituição da primeira
pela segunda é compreendida como uma atitude de “abrir a cabeça”, ou seja, de buscar a
sabedoria fora da prisão dos preconceitos, das limitações e da alienação racionalista. Há aqui,
portanto, um movimento de negação da razão em detrimento da sentimentalidade que, segundo
o sociólogo Ricardo Mariano (2014), é uma característica comum do neopentecostalismo.
Num segundo momento, após sofrer com a suposta morte de sua namorada Zoe em um
acidente aéreo, Benjamim segue uma trajetória contínua de desencantamento com a ciência e
181

se abre cada vez mais à fé por meio da observação de cumprimentos de profecias bíblicas sobre
o fim do mundo na contemporaneidade. Em um momento de solidão e angústia, o jovem viaja
para uma praia isolada e ao entrar no mar mergulha nas águas e se converte dizendo aceitar
Deus como o seu senhor. Enfim, a fé cristã evangélica venceu a ciência no enredo na telenovela
Apocalipse e prevaleceu a ciência que legitima a existência de Deus e o poder da fé.

7.4 A agenda anti-globalista (anti-Igreja Católica e anti-ONU)

A narrativa da telenovela Apocalipse se destaca, também, das demais narrativas das


telenovelas de inspiração bíblica produzidas pela Record TV na década de 2010 pelo combate
explícito a duas instituições que desde a década de 1980 tiveram variados e significativos atritos
com a Iurd: a Igreja Católica e a ONU. Apesar de serem instituições autônomas, uma em relação
à outra, e de terem entrado em atrito com a Iurd por motivações distintas, a contraposição a elas
se dá na novela a partir da agenda anti-globalista, presente no cenário pré-eleitoral de 2018 no
Brasil.
O termo globalismo não possui uma definição científica. No entanto, designa, segundo
Pena (2019), um discurso antiglobalização com teor conspiracionista e nacionalista usado como
instrumento ideológico pela campanha de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados
Unidos em 2016 e nas eleições brasileiras de 2018 pelo diplomata brasileiro Ernesto Araújo,
que viria a ser o ministro das Relações Exteriores do Brasil no governo de Jair Bolsonaro.
Apesar de o termo globalismo não ser mencionado na trama, a agenda anti-globalista
manifesta-se na telenovela em questão a partir das pautas anti-ONU (tecendo um discurso sobre
uma suposta “falsa paz”) e anti-Igreja Católica (que em última instância é uma contraposição à
ideia de ecumenismo e de diálogo inter-religioso).
É importante destacar que a hostilidade aos direitos humanos presente no cenário pré-
eleitoral brasileiro de 2018 no Brasil também é tratado na novela Apocalipse como se pode
observar em uma fala do delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Guido em resposta ao soco
que o policial César desferiu no rosto do serial killer Nicanor.

Guido: Ah, é? E quando ele chegar na penitenciária com a cara feito carne de
hambúrguer, a gente faz o quê? Com esse movimento todo de Direitos Humanos o
escambal, para apurrinhar a gente?
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 40).

A ideia de que os Direitos Humanos atrapalham o trabalho da polícia e defendem


182

vagabundo foi largamente popularizada a partir das falas do então deputado federal Jair
Bolsonaro entre 2015 e 2018, chegando a defender na Câmara dos Deputados a atuação das
milícias do Rio de Janeiro no combate à criminalidade. Vários setores conservadores da
sociedade brasileira à época associavam os Direitos Humanos e a ONU com o que chamavam
de esquerdismo do PT, atribuindo a eles a proteção de criminosos e o desamparo dos cidadãos
de bem, pais de família etc. Consoante essa associação, o enredo da telenovela Apocalipse
realiza um movimento de criminalização da ideia de direitos humanos colocando na
performance do mesmo serial killer Nicanor um discurso cujo conteúdo de reivindicação de
direitos e de denúncia de opressões sociais remete às lutas e bandeiras históricas do campo
político das esquerdas. Tal discurso é proferido por Nicanor durante uma rebelião em um
presídio do Rio de Janeiro.

Nicanor: A sociedade que nos trancafiou aqui dentro, nos esqueceu para a gente
apodrecer em vida. Vamos mostrar pra todo mundo de uma forma que jamais se
esqueçam novamente, que nós existimos. Se não nos dão os nossos direitos, vamos
toma-los a força. Vamos, vamos, vamos...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 15).

Durante toda a participação na telenovela Apocalipse, essa é a única vez em que o


referido serial killer apresenta uma postura político-ideológica, o que leva a inferir que ele não
é um militante de esquerda, mas que se valeu do discurso com o objetivo de inflamar as massas
revoltosas, de forma a conseguir fugir da prisão. No restante do tempo, Nicanor é tratado no
telejornal do Rio de Janeiro e pelas personagens cristãs evangélicas apenas como um fanático
religioso, um vingador sem escrúpulos, um suposto justiceiro que persegue e mata pessoas que
cometem pecados como o adultério.
Pode-se concluir, portanto, que a personagem em questão cumpre a função de bode
expiatório político e religioso na narrativa da novela. Isso porque, sendo um dos vilões da trama,
é ele quem profere o discurso de esquerda, dando a entender que esse campo ideológico é
oportunista e vitimista. E por ser acusado de fanatismo religioso pelas personagens cristãs
evangélicas, livra-as de serem chamadas do mesmo jeito, já que não cometem o crime de
assassinato em série apesar de também lerem os textos bíblicos de forma literal. Ou seja, o
enredo da novela leva a entender que Nicanor é fundamentalista e as personagens cristãs
evangélicas não.
Retomando a discussão a respeito das pautas políticas abordadas neste tópico, a anti
ONU e a anti-Igreja Católica, elas estão intrinsecamente relacionadas no enredo da novela, uma
vez que o chamado Conselho das Nações e a Igreja da Sagrada Luz são representados como
183

duas organizações internacionais que estariam construindo conjuntamente, e com o apoio


midiático do telejornal do Rio de Janeiro, o que chamam de “falsa paz”. A proposta é levada a
cabo por Ricardo Montana, Ariela Feld e o Pai Sagrado Stefano Nicolazzi a partir de um tratado
internacional de paz que fundaria uma nova ordem mundial, a criação de uma religião única,
uma moeda única e um governo único no mundo.
Ricardo Montana, apontado na imagem a seguir beijando a mão do Pai Sagrado Stefano
Nicolazzi, é um jovem italiano de família tradicional burguesa e reside na mansão dos avós
paternos Giancarlo Montana e Verônica Montana localizada no alto de uma colina da Via Ápia,
principal estrada romana construída a partir de 312 a.C. e que ligava Roma à cidade italiana de
Cápua. É considerado na telenovela como o anticristo, o protagonista do processo do fim do
mundo.

Imagem 27 - Cena em que Ricardo visita o pai sagrado Stéfano Nicolazi e inicia a
atuação apocalíptica na trama

Fonte: Print do capítulo 15 da telenovela Apocalipse, 2018.

Desde a infância, Ricardo foi orientado espiritualmente pelo Pai Sagrado Stefano
Nicolazzi para ser um líder mundial, como é possível observar na transcrição, a seguir, de um
diálogo entre ambos a esse respeito.

Pai Sagrado: Não, não fique chateado comigo Ricardo. Eu sei, eu estou me repetindo,
mas... Eu já lhe falei algumas vezes sobre o futuro brilhante que está reservado a você.
Chegará o dia... Aliás, como me foi anunciado, em que você me ajudará a devolver o
poder e a glória da nossa adorada Igreja da Sagrada Luz. E a partir daí, nações inteiras
se curvarão e o adorarão como o verdadeiro príncipe, um líder enviado por Deus. Mas
preste atenção Ricardo. Sabe? Existe um caminho, uma estrada a ser construída para
que todas estas coisas aconteçam.
184

Fim da cena

Retomada da cena
Pai Sagrado: O poder, ele pode ser conquistado através da tirania e do terror, mas os
homens, os homens, eles, eles preferem ser dominador por quem eles admiram. É... E
os homens, há, os homens são fracos, inseguros, fáceis de enganar. Se eles confiarem
em você, se desejarem ser guiados por você, o seu poder sobre eles será muito maior
e mais sólido. Essas pessoas, elas, elas terão prazer de estar do seu lado. Terão
disposição para lutar contra todos aqueles que se levantarem contra você e contra a
nossa igreja. Essas pessoas, elas esmagarão os nossos inimigos sem titubear, não por
medo, não, por verdadeira adoração a você. Saber identificar as fraquezas das pessoas
que rodeiam você e usar essas fraquezas a seu favor é uma arte. Por isso, invés de
você impor a sua vontade pela força, seduza as massas. Elas lutarão por você sem se
quer perceber que já estão sob o seu domínio. A... E uma coisa muito importante.
Nunca, nunca mesmo diga o que você está pensando. Diga apenas o que as pessoas
desejam ouvir. Sabe? Faça com que elas se sintam importantes, que elas confiem em
você e sucumbam a sua vontade. Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 14).

O Pai Sagrado Stefano é tratado na novela como uma espécie de profeta do anticristo,
uma pessoa dissimulada que se passa de humilde e bondoso em público, mas que comete
atrocidades nos bastidores, tal como engravidar Glória, a governanta da família Montana, tirar
dela, forçadamente, o filho e o criar escondido no orfanato da Igreja da Sagrada Luz. Os
ensinamentos ofertados pelo Pai Sagrado a Ricardo se caracterizam em geral pelos elementos
presentes na referida fala, a saber, o pressuposto negativo da natureza humana: “os homens são
fracos, inseguros, fáceis de enganar”; o incentivo ao egocentrismo: “a partir daí, nações inteiras
se curvarão e o adorarão como o verdadeiro príncipe, um líder enviado por Deus”; e a escolha
tática da postura populista como ação de dominação política: “seduzir as massas” e fazer “com
que elas se sintam importantes, que elas confiem em você e sucumbam a sua vontade”. Como
se apontará adiante, tais elementos são atribuídos na novela à esquerda e ao nazismo, tratando
equivocadamente, mas intencionalmente, um como sinônimo do outro.
O início da relação entre o Pai Sagrado e Ricardo se dá antes mesmo do nascimento do
anticrito. No capítulo 5 da novela, o narrador onisciente da trama, o anticristo, que ainda não
havia nascido ou se encarnado como Ricardo, afirma que irá fazer uma aparição, transfigurado
em Anjo de Luz, para o religioso.

O negócio da religião funciona assim, as pessoas querem acreditar em alguma coisa,


mas não necessariamente em um Deus que contraria suas vontades. Então eu apenas
satisfaço esse desejo customizando a religião aos gostos de cada um. Se o sacerdote
Stefano estivesse realmente preocupado com a vontade de Deus, ele saberia que
naquele livro chato de ler chamado Bíblia Sagrada está escrito: o próprio satanás se
transfigura em anjo de luz. Coríntios 11
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 5).

A fala apresenta uma concepção negativa do termo religião, colocando-o como uma
185

customização do diabo para satisfazer os desejos humanos daquelas pessoas que querem
acreditar em Deus, mas não aceitam que Ele contrarie as suas vontades. Essa concepção
negativa é muito comum nos discursos do bispo Edir Macedo, da Iurd, e da autora da novela
Apocalipse, Vivian de Oliveira, que sempre enfatizam que não gostam de religião e que o foco
deve ser a Bíblia.
Também há na fala uma associação da Igreja da Sagrada Luz (Igreja Católica) como
uma igreja customizada pelo diabo e que o líder, o Pai Sagrado (Papa), não se importa com a
vontade de Deus e, portanto, não conhece bem a Bíblia. A esse respeito, os produtores da
telenovela vestiram o recém-escolhido Pai Sagrado Stefano Nicolazzi no dia se sua investidura
como o novo líder da Igreja da Sagrada Luz com paramentos papais que, desde o pontificado
de Paulo VI (1963-1978) estão em desuso na igreja Católica, como, por exemplo, a Tríplice
Tiara, como é possível ver na imagem a seguir. É preciso ressaltar também que desde o
pontificado de Bento XVI (2005-2013) a Tríplice Tiara foi substituída pela Mitra no brasão de
armas papais, o que confirma o desuso do item eclesiástico.

Imagem 28 - Cena da investidura de Stéfano Nicolazi como Pai Sagrado

Fonte: Print do capítulo 5 da telenovela Apocalipse, 2018.

O objetivo de a telenovela Apocalipse retomar o uso da Tríplice Tiara em um contexto


no qual ela está em desuso é o de materializar a fala do anticristo a respeito de a religião ser
uma customização ao gosto de cada um. Aliás, na ocasião, o narrador onisciente da trama
comenta a cena da seguinte forma.

A pessoas não podem, de forma alguma, saber que existe um caminho direto a Deus.
186

Imagine, isso dificultaria muito o meu trabalho. A melhor maneira de garantir essa
ignorância é criar um intermediário. Ai entra a religião. Um ritual aqui, uma caridade
ali e está tudo certo. As pessoas se impressionam com toda essa aparência de
santidade. Por isso, o teatro religioso é imprescindível. Os líderes se fingem de santos,
porta-vozes de Deus. E desde que falem o que as pessoas gostam, o povo acredita
(risos) ou pelo menos fingem acreditar. E é isso aí, eles se merecem. (TELENOVELA
APOCALIPSE, 2017, capítulo 9).

Nesse sentido, o conjunto da cena da investidura do novo Pai Sagrado, reforçada pelo
uso da Tríplice Tiara, objetiva criar uma aparência de santidade para impressionar os outros
personagens da trama e criar um clima de antipatia católica no telespectador da telenovela
Apocalipse em relação ao que o anticristo chama de circo religioso. Esse circo seria, portanto,
um intermediário que obstrui o caminho direto a Deus, ou seja, a Bíblia, segundo a mesma
lógica narrativa do discurso do anticristo, o que aponta para o fato de que ele também se orienta
por pressupostos fundamentalistas em sua concepção sobre a espiritualidade humana.
Na mesma cena referente à transfiguração do diabo em anjo de luz, ele aparece para o
Pai Sagrado Stefano Nicalazzi e anuncia que se aproxima o dia do nascimento de um bebê
predestinado a ser um líder mundial.

Anjo: Não temas, vim em nome de Deus. Olhe para mim e ouça a mensagem que só
você deve transmitir. Muito em breve ele irá nascer.
Stefano: Quem?
Anjo: Um príncipe que unirá os povos pela harmonia e pela paz. Uma mulher do povo
escolhido carrega esse ser iluminado em seu ventre. Proteja essa mãe inocente mesmo
que isso lhe custe a sua vida.
Stefano: E como vou reconhecê-la senhor?
Anjo: Você saberá quando essa criança nascer. Cuide bem desse menino, não conte
nada a ninguém, não espalhe o que aqui viu o que agora lhe disse. Quando chegar o
dia, essa igreja será como nunca antes, forte e poderosa e tornaremos um só.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 5).

A representação do anjo de luz na cena é uma antítese da aparição do anjo Gabriel a


Maria e a José, separadamente, para anunciar o nascimento de Jesus. O anjo de luz inicia a fala
pedindo para que o ouvinte da mensagem não tema e completa dizendo ser um enviado de Deus,
assim como o anjo Gabriel se dirigiu a Maria. Em seguida, também como o anjo Gabriel diz à
virgem de Nazaré, anuncia a chegada de um príncipe que unirá o mundo pela harmonia e pela
paz. Depois, similar ao que o anjo Gabriel solicita a José ao pedi-lo para fugir com Maria e o
recém-nascido Jesus para o Egito de forma a se livrar da perseguição do governador romano, o
anjo de luz pede para que o sacerdote cuide da mulher e da criança e mantenha sigilo em relação
a sua aparição. Finalmente, o anjo prevê que a Igreja da Sagrada Luz será forte, poderosa e
universal como nunca antes.
187

É preciso destacar que o sentido de universal abordado na cena é tratado na narrativa da


novela como uma espécie de nivelador global, ou seja, a abolição das diferenças (religiosas,
políticas, culturais etc.) em detrimento de uma obrigatoriedade de uma unificação radical.
O anjo Gabriel é uma figura bíblica cuja etimologia do nome é “mensageiro de Deus”.
Coube a ele anunciar a Maria e a José a vinda de um rei, no caso Jesus, que se sentaria no trono
de Judá e seria conhecido como o “filho do altíssimo”. No caso da telenovela Apocalipse, o
anjo que faz a anunciação se auto-intitula como anjo de luz. O diabo, isto é, o chamado anjo
caído, é nomeado por várias tradições cristãs como Lúcifer, o anjo de luz. Tendo em vista que
o nome da igreja em que o referido anjo faz a sua aparição é a Igreja da Sagrada Luz, é possível
inferir que os produtores de Apocalipse afirmam que a Igreja Católica é uma instituição do
diabo.
Segundo o próprio Ricardo Montana, a sua “realização mais astuta” é a Igreja da
Sagrada Luz. E continua: “Bem-vindo à Igreja da Sagrada Luz! São quase 1.700 anos
espalhando trevas pelo mundo afora. Mas é claro, tudo muito bem elaborado para parecer
divino. O engano é a minha especialidade” (TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 2).
Na casa dos 30 anos, assim como Jesus, Ricardo inicia a sua atuação pública.
Diferentemente da origem humilde de Cristo, o anticristo atua a partir do poder econômico e da
influência político-religiosa da família, proprietária do banco Banca de Cavalieri e adepto à
Igreja da Sagrada Luz. A função antitética da personagem anticristo na narrativa da novela é o
que Refkalefsky (2018) conceitua como tática publicitária do posicionamento da Iurd por meio
do entretenimento produzido pela Record TV, com o objetivo de representar as instituições e
cosmovisões que a Igreja Universal compreende como sendo concorrentes ou rivais.
A personagem desenvolve uma performance messiânica global como presidente do
Conselho das Nações (representação da ONU na novela), a partir de um conjunto de objetivos
globais, como a criação de uma moeda única e de uma religião única no mundo e a construção
do Terceiro Templo de Salomão em Jerusalém e da cidade futurista (imaginária) Nova
Babilônia em um deserto árabe. O protagonismo político dele na trama se inicia no capítulo 15,
na cena em que Ricardo diz, sozinho, em uma localidade desértica:

Ah, eu esperei tanto por este momento. Chegou a hora de botar o meu plano em ação.
Nome de família influente? Confirmado. Fortuna a minha disposição? Positivo.
Aliança com a religião mais poderosa do planeta? Fechada. Agora, o próximo passo,
conquistar a admiração do mundo para depois dominá-lo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 15).

O cenário e a narrativa da cena possuem uma função antitética em relação ao início do


188

ministério de Jesus, após ele passar quarenta dias no deserto, como apontam os evangelhos de
Mateus 4,2 e Lucas 4,1-2. Já a ideia de dominação do mundo, expressa no discurso da
personagem, cumpre a função de associar à história e aos objetivos da Igreja da Sagrada Luz
na contemporaneidade. Podemos observar a mesma associação ao primeiro discurso de Stefano
Nicalazzi após ser escolhido como o novo Pai Sagrado.
Isso, sobretudo, por meio do ecumenismo, entendido na trama como um projeto maligno
de satanás de criar uma religião única no planeta, associada a uma moeda única e a uma nova
ordem mundial que irá exercer poder religioso e político sobre a humanidade, visando frustrar
a “salvação de Cristo no fim dos tempos”, assim como é posto na novela. Configura-se,
sobretudo, uma crítica ao Concílio Vaticano II, evento ecumênico realizado pela Igreja Católica
entre 1962 e 1965 no Vaticano que lançou as matrizes de ação da igreja na Modernidade; e a
encíclica do Papa Francisco “Laudato si’: sobre o cuidado da casa comum” (2015) em que apela
à comunidade internacional para a necessidade da união de esforços de todos para o combate à
degradação ambiental e às alterações climáticas.

Um homem bom morreu para um ser sagrado nascer. Nosso eterno pai Lorenzo
Viscoen partiu serenamente entre seus frateli. Mas antes de seu último suspiro,
Lorenzo nos deixou uma mensagem preciosa, de que o mundo pode ser diferente e
melhor... (aplausos). Mas para isso temos que mudar, principalmente abraçar o planeta
inteiro, sem nem um tipo de restrição ou preconceito. Só assim as nossas vidas
também se transformarão. Não é uma missão simples aceitar as diferenças que temos
um com os outros, diferenças políticas, de nacionalidade, religiosa. Mas se aspiramos
verdadeiramente a paz universal, temos que olhar para o nosso semelhante com aquilo
que nos aproxima, não com o que nos afasta... (aplausos). Essa é uma tarefa que não
é só minha. É de todos vocês, aliás, é de todos nós. Independentemente de nossas
crenças religiosas, de nossas visões de mundo, a humanidade nos iguala a todos.
Somos todos iguais! (todos repetem esta última afirmativa). Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 9).

Já no primeiro discurso como o novo Pai Sagrado, Stefano Nicalazzi destaca a marca
do seu ministério: promover a paz universal a partir da superação das diferenças religiosas,
políticas e de nacionalidade. A princípio, as pautas levantadas por Stefano parecem louváveis,
progressistas e coerentes com o pontificado do Papa Francisco que, ao longo da década de 2010,
realizou vários encontros inter-religiosos e se reaproximou de forma mais incisiva do que outros
papas, desde Paulo VI, da Igreja Católica Ortodoxa, que se separou da Igreja Católica Romana
após o cisma no ano de 1054. Entretanto, a postura do Pai Sagrado da novela está inserida
dentro dos planos apocalípticos do anticristo de criar uma religião única no planeta que o adore
como Deus, associada a uma moeda única e a uma nova ordem mundial que irá exercer poder
religioso e político sobre a humanidade, visando frustrar o plano salvífico de Deus. Tal plano
começou a ser descoberto pela jornalista Zoe que logo sofreu um atentado aéreo para lhe tirar
189

a vida, como diz o tio César para o pastor Jonas.

César: Pastor!?
Jonas: César!?
César: Que tragédia! A Zoe não merecei uma morte dessa, pastor. Uma menina tão
boa, trabalhadora. Tinha um futuro brilhante pela frente.
Jonas: Só a fé em Deus pra nos confortar nesse momento.
César: Ela quem tem me mantido de pé pastor.
Jonas: Pois se agarre a ela. Se agarre. Porque muito pior está por vir. Senta. César, eu
tava pensando, será que a causa desse acidente foi mesmo falha humana?
César: Isso não foi um acidente pastor, não mesmo.
Jonas: Como assim? O que você quer dizer com isso?
César: A Zoe me ligou de Jerusalém. Ela tava muito assustada. Ela tinha uma suspeita
de quem seria o anticristo.
Jonas: O que?
César: Aquele banqueiro, Ricardo Montana. Aquele que tem um discurso lindo, que
prega a paz mundial, a unificação das moedas, que tem um discurso inter-religioso,
sabem que é?
Jonas: Sim, sim claro! Só se fala dele no noticiário. Bom, mas como que a Zoe chegou
nessa conclusão?
O diálogo continua a respeito das suspeitas de Zoe sobre Ricardo ser o anticristo.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, cap. 73).

Como é possível observar no trecho da conversa, o policial César, membro da igreja


cristã evangélica do pastor Jonas, identifica que Ricardo tem um discurso bonito, de paz
mundial, unificação das moedas e de diálogo inter-religioso. Ou seja, o termo diálogo inter-
religioso é apresentado na novela como uma das pautas políticas da agenda globalista do
anticristo. Porém, a personagem central na promoção do diálogo inter-religioso na trama é o
Pai Sagrado Stefano, que realiza vários encontros com líderes de outras religiões e compõe o
governo único de Ricardo, com o objetivo de criar uma religião única no mundo.
Vários indícios apontam que o Pai Sagrado Stefano é uma representação do Papa
Francisco na telenovela Apocalipse, a começar pelo seu engajamento com o diálogo inter-
religioso, embora o sentido do termo seja deturpado na novela. Também pelo fato de ele
continuar a usar a túnica preta após ser escolhido como o novo pontífice, dispensando assim a
túnica branca papal utilizada pelo antecessor. Atitude que remete ao fato de o Papa Francisco
continuar a usar alguns de seus antigos paramentos sagrados após ser eleito papa – como é o
caso do crucifixo de latão característico da ordem religiosa dos jesuítas da qual faz parte –, e
simplificou outros como, por exemplo, substituindo o chamado Anel do Pescador
tradicionalmente feito em ouro por um de prata. Nesse sentido, a personagem Pai Sagrado, que
embora não se pareça fisicamente com o referido papa, se espelha nele a partir da postura de
simplicidade ou humildade estética.
Stefano sempre usa por baixo da túnica preta uma túnica roxa. Ficam visíveis a gola e
as mangas e se destaca um sol dourado com os raios em forma de cruz. A cor roxa na liturgia
190

da Igreja Católica representa o período quaresmal, tempo de reflexão e conversão. Porém o uso
dessa cor pelo Pai Sagrado na novela é constante e independe do tempo litúrgico, o que aponta
para uma intenção por parte dos produtores da telenovela Apocalipse de representarem o roxo
como uma cor obscura e lendária para realçar a malignidade de Stefano, um dos vilões do
folhetim. Isso porque a quaresma adquiriu conotação folclórica na fé cristã popular brasileira
como sendo o tempo em que o diabo, as tentações e seres encantados como o lobisomem e mula
sem-cabeça estão à solta para cumprirem a sua sentença.
As paramentas preta e roxa do traje de Stefano, bem como a música “O Anticristo” do
compositor Daniel Figueiredo, executada nas cenas em que o Pai Sagrado está presente,
também foram utilizadas na personagem monsenhor José Maria, uma liderança católica que
travava perseguição político-religiosa contra o bispo Edir Macedo e a Igreja Universal no
enredo do filme biográfico brasileiro “Nada a perder, contra tudo, por todos” (2018) de
Alexandre Avancini, sobre a história de vida do fundador da Iurd.
Outras características comportamentais do Pai Sagrado Stefano o fazem se assemelhar
também ao Papa emérito Bento XVI, como é o caso do silêncio do pontífice frente ao escândalo
de pedofilia no interior da igreja. A esse respeito, a telenovela apresentou a história da
personagem Luca Pergamo, um empresário que trabalha para Ricardo Montana e que outrora
foi uma criança órfã que vivia em um abrigo da Igreja da Sagrada Luz e sofreu abuso sexual
pelo Pai Sagrado Lorenzo Viscone. Ao tomar conhecimento da história, Stefano buscou abafar
o caso evitando escândalos:

Pai Sagrado: Ai meu Deus! E há algum fundamento?


Vitório: Todos. Absolutamente todos corroboram o que o senhor Luca revelou
durante o leilão. São dezenas de vítimas ao longo de anos.
Pai Sagrado: Ai Vitório, nós precisamos estancar essa sangria.
Vitório: Sim! Para isso precisamos do apoio dele [Luca].
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 54).

A resposta do Pai Sagrado Stefano ao seminarista Vitório, que mais tarde descobrirá que
é o filho do líder religioso com Glória, evidencia o interesse dos produtores da telenovela
Apocalipse em associar os escândalos de pedofilia da Igreja Católica à época do pontificado de
Bento XVI aos escândalos de corrupção no Brasil deflagrado a partir das investigações da
Operação Lava Jato. A frase “precisamos estancar essa sangria” foi dita originalmente pelo
senador Romero Jucá (PMDB) ao ex-presidente da empresa Transpetro Sérgio Machado no
primeiro semestre de 2016. A conversa, apresentada na íntegra a seguir, foi gravada
secretamente por Machado e apresentada à justiça após celebração de acordo de delação
premiada firmada no âmbito da Operação Lava Jato:
191

Sérgio Machado: Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.


Romero Jucá: Eu ontem fui muito claro. [...] Eu só acho o seguinte: com Dilma não
dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser
ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da
economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem
ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para
porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?
Machado: Agora, ele acordou a militância do PT.
Jucá: Sim.
Machado: Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar merda.
Jucá: Eu acho que...
Machado: Tem que ter um impeachment.
Jucá: Tem que ter impeachment. Não tem saída.
Machado: E quem segurar, segura.
Jucá: Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela frente.
Machado: Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o
Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo
mundo delatar.
Jucá: Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
Machado: Odebrecht vai fazer.
Jucá: Seletiva, mas vai fazer.
Machado: Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai
fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-
geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho. [...]
Jucá: Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...] Tem
que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política?
Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa
sangria. [...]
Machado: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
Jucá: Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel,
porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo
Cunha está morto, porra.
Machado: É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
Jucá: Com o Supremo, com tudo.
Machado: Com tudo, aí parava tudo.
Jucá: É. Delimitava onde está, pronto
(G1, 2016).

O mencionado diálogo demonstra a preocupação de vários políticos do chamado


Centrão (partidos políticos de centro) em relação ao avançar das celebrações de delação
premiada no âmbito da Operação Lava Jato. A solução apontada por Jucá para evitar mais
prisões em segunda instância de políticos desse campo ideológico por acusação de corrupção,
o que chama de estancar a sangria, é substituir o presidente da República e fazer um acordo
nacional. Naquele ano, 2016, houve o impeachment que depôs o governo Dilma, o vice-
presidente Michel Temer a substituiu no cargo a partir de um acordo político nacional de centro
direita e a Operação Lava Jato passou a se concentrar nas investigações criminais referentes ao
PT, fazendo julgamentos e prisões em tempo recorde em relação à realidade morosa dos
processos judiciais brasileiros.
O termo “estancar a sangria” se popularizou nas mídias e foi utilizado na série “O
Mecanismo” de José Padilha – apontada na Imagem 29 – e lançada pela provedora global de
192

filmes e séries Netflix em 23 de março de 2018, seis meses antes da eleição presidencial
brasileira daquele ano.

Imagem 29 - Imagem de capa da série “O Mecanismo”

Fonte: Netflix, 2018.

A série foi inspirada na Operação Lava Jato e sofreu duras críticas dos setores
progressistas e de esquerda da sociedade brasileira por ter atribuído a referida frase, em seu
enredo, ao ex-presidente Lula. A telenovela Apocalipse, remetendo-se a fatos políticos
ocorridos no cenário pré-eleitoral de 2018 no Brasil, também utilizou a técnica de distorção de
“O Mecanismo” referente às palavras do senador Romero Jucá para incriminar terceiros não
envolvidos na história e que são considerados pela Iurd como adversários, no caso a Igreja
Católica e o Papa Francisco. Uma das características marcantes do pontificado de Francisco é
a conhecida intransigência dele com os casos de pedofilia na igreja, que já levou vários
religiosos dos diversos escalões a julgamento e a penalidades sem os chamados perdão papal.
Apesar de a Igreja da Sagrada Luz representar a Igreja Católica, ela não é tratada como
cristã, nunca é mencionado o nome de Jesus e nem é citada a Bíblia. Deus é tratado como
Senhor da Sagrada Luz, os santos são chamados de os sagrados, entre eles Nossa Senhora se
destaca como Senhora da Sagrada Luz. Aliás, a única igreja tratada como cristã na telenovela é
a dos irmãos pastores Jonas e Ezequiel, que apresenta características neopentecostais como o
sentido atribuído ao batismo:
193

Pastor Ezequiel: Jesus nunca nos ensinou a batizar crianças. O batismo, vocês sabem,
é para quem está arrependido e quer se entregar a Ele. Mas a Bíblia diz que nós
devemos apresentar os nossos filhos ao senhor. E é por isso que hoje temos aqui na
nossa pequena Zoe que será consagrada a Deus. Por favor, estenda as suas mãos para
essa menina linda... Meu Deus e meu pai, peço que proteja a Zoe...
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2017, capítulo 8).

Há nessa fala uma interpretação comum entre as denominações religiosas


neopentecostais de que o batismo é um ritual apenas para adultos arrependidos que querem se
entregar a Deus e que pode ser compreendido também como se converter ou como aceitar Jesus
como o único senhor e salvador. É difícil identificar de qual igreja evangélica em específico se
trata, uma vez que nunca é mencionado o seu nome e nem são apresentados os seus símbolos.
Mas em um diálogo entre os pastores Jonas e Ezequiel aparece um termo que se popularizou
por meio da Iurd, a igreja como um pronto-socorro espiritual:

Jonas: Eu não quero que você vá embora dessa igreja. Eu, eu tava com raiva, eu falei
da boca pra fora, me desculpe.
Ezequiel: Tá tudo bem, tudo bem. Fica tranquilo.
Jonas: Pode continuar o trabalho com os ombreiros, por favor, faço o que você achar
melhor.
Ezequiel: Eu tava pensando Jonas, em abrir novos horários de reunião durante a
semana.
Jonas: Sim.
Ezequiel: É, desde que nós começamos a evangelizar aqui no bairro, é muita gente
tem nos procurado.
Jonas: Olha Ezequiel, meu irmão, a nossa igreja não é desse perfil. Os membros vem
duas vezes por semana, nos cultos e olhe lá.
Ezequiel: Jonas, aqui vai ser muito mais do que uma igreja tradicional. É, esse lugar
aqui vai se transformar num pronto-socorro espiritual. É, é isso aí, você vai ver.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 47).

A relação do pastor Ezequiel com a igreja do irmão Jonas remete a algumas


características da performance da representação de Edir Macedo no filme “Nada a perder”
apesar de o jeito de ser de ambos os personagens serem distintos. Assim como Edir Macedo
antes de fundar a Iurd, Ezequiel queria evangelizar as massas e transformar a igreja em um
hospital da fé, porém a liderança religiosa da igreja que participavam não consentia. Devido a
isso, começam a pregar em espaços públicos, muitas vezes com microfone e caixa de som, igual
Edir Macedo. O perfil de pastoreio de Ezequiel assim como o de Edir Macedo está relacionado
a uma ideia de missão, evangelização e conversão em larga escala, enquanto a do irmão Jonas
está relacionado a uma postura legalista, de louvor e de adoração, sem a preocupação com a
expansão do número de fiéis. Na ocasião do Arrebatamento, o pastor Ezequiel é eleito por Deus
enquanto Jonas é deixado na Terra, o que faz Jonas mudar a sua postura como pastor por
compreender que o irmão estava correto quanto a como conduzir a igreja.
194

A propósito, a escolha dos nomes de ambos os pastores é apropriada para as respectivas


performances na trama. Ambos os nomes foram inspirados nos profetas populares do Antigo
Testamento presentes no Livro de Jonas e no Livro de Ezequiel e cumpre uma função de
legitimar respectivamente o modelo equivocado e o modelo correto de ser da igreja cristã
evangélica mediante o contexto do fim do mundo. Há aqui, portanto, uma crítica interna ao
campo pentecostal e neopentecostal.
O profeta Jonas é popularmente conhecido por ter sido jogado para fora de um navio
pela tripulação e engolido por um peixe grande após se negar a obedecer um desígnio de Deus.
Jonas passa três dias dentro da barriga do peixe grande orando a Deus e prometendo não se
afastar novamente de seus desígnios. O profeta consegue o perdão de Deus e se redime. Similar
a essa performance, o pastor Jonas se nega a acreditar que o Apocalipse já estava acontecendo
e se nega a seguir o trabalho missionário de evangelização e conversão do irmão Ezequiel.
Assim como o profeta, o pastor Jonas sofre uma sanção de Deus e depois de orar e prometer se
voltar a Ele, consegue se redimir.
Já o profeta Ezequiel, cuja etmologia do nome é “a força de Deus”, é popularmente
conhecido como um homem engajado que profetizou sobre a glória de Deus por duas décadas
no período em que o povo de Israel estava vivendo no exílio na Babilônia entre 593 a 571 a.D.
Assim como o pastor Ezequiel, o profeta também era viúvo e também “pregava” sobre a
necessidade de as pessoas se voltarem a Deus, sobretudo naquele período complexo.
A mudança de postura do pastor Jonas foi fundamental para que os cristãos evangélicos
da trama, em especial Zoe Santero e César Sardes, tomassem consciência sobre o iminente
Apocalipse que os aguardava. Nessa mesma época, Zoe começa a desconfiar de que Ricardo
Montana seria o anticristo.

Zoe: Reparou nesse discurso de paz? É o mote do Ricardo.


Cesar: Mas isso não comprova nada Zoe. E agora?
Zoe: Agora eu vou colocar aqui o primeiro pronunciamento dele no Conselho das
Nações.
Zoe e Cesar ouvem fragmentos do discurso de Ricardo.
Zoe: Engraçado, só agora eu me dei conta. Ele colocou sutilmente diferenças
religiosas como um problema, cê percebeu?
Cesar: É, o anticristo vai ter um discurso ecumênico e inter-religioso.
Zoe: Sim, uma única religião. Eu tô lembrando de uma coisa.
Cesar: O que?
Zoe: Há algo no discurso de posse do Ricardo que sempre me incomodou, mas eu
nunca soube identificar o que era.
Zoe faz uma pesquisa livre na internet.
Zoe: É isso!
Cesar: É isso o que Zoe?
Zoe: Mas como ele teve a cara de pau?
Cesar: O que você está falando?
Zoe: “A dor que sentem, é a nossa dor. Seus sonhos são o nosso sonho. Somos feitos
195

do mesmo sangue e da mesma carne”. Essas palavras não são do Ricardo, são de Adolf
Hitler. Um discurso de 1934 numa plateia de mais de dois mil jovens.
Cesar: Caramba Zoe! Mas... Bom, mesmo assim isso daí não prova nada.
Zoe: Calma. Ele fala de igualdade, paz, mas por debaixo disso existe um discurso
totalitário. Um mundo sem fronteiras, o bem acima do indivíduo, abraçar a igualdade.
Cesar: Na verdade, qualquer ditador poderia ter dito isso.
Zoe: É um populista demagogo.
Cesar: Mas extremamente sedutor. Mas Zoe, mesmo assim, no tribunal eu não
conseguiria a acusação do réu só com isso.
Zoe: Eu sei. Acontece que são muitas coincidências Cesar. Foi justamente depois do
arrebatamento que o Ricardo ganhou esse vulto de líder mundial, com esse discurso
pacificador, pouco realista e megalomaníaco. Por isso eu logo pensei nele.
Cesar: Eu sei Zoe, mas como jornalista você sabe que isso não é o suficiente. Ele não
falou nada de concreto sobre moeda única, religião única, construção do terceiro
templo ou a marca da besta.
Zoe: Mas algo me diz que é ele Cesar. O Ricardo é o anticristo. Eu vou provar.
Fim da cena.
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 62).

Como é possível observar, a desconfiança de Zoe contra o Ricardo parte de um


incômodo em relação ao seu discurso conciliador de paz. Isso porque ela já sabia que o
anticristo, segundo o livro do Apocalipse, é uma espécie de construtor de uma falsa paz para
combater o plano salvífico de Deus. Em um segundo momento, o incômodo se volta para a
ideia de Ricardo de que as diferenças religiosas são um problema. Então o tio César afirma que
uma das características do anticristo é o discurso ecumênico e inter-religioso, mas não no
sentido de uma união entre as diferentes religiões que possibilite o convívio delas respeitando
a pluralidade do fenômeno religioso, mas, sim, como Zoe aponta, a criação de uma religião
única no mundo, sendo extintas todas as outras.
Na sequência, a atenção de Zoe sai da questão religiosa e se volta à questão política. Ela
identifica a citação de um discurso de Adolf Hitler no discurso de Ricardo no momento de posse
como presidente do Conselho das Nações (representação do secretário geral da ONU). Zoe
constata, portanto, no discurso de conciliação e paz de Ricardo, conteúdo populista e demagogo
com aspirações totalitárias de extrema direita. Na novela a questão é tratada como sendo
também esquerdista. É preciso destacar que embora os discursos de Ricardo tenham um
conteúdo social comumentemente identificado como de esquerda, também apresenta elementos
liberais que, erroneamente, mas intencionalmente, é associado na novela como sendo de
esquerda. Nesse sentido, Ricardo figura como uma liderança que defende ideias
revolucionárias, como o fim das distinções de classe social, até ideias conciliatórias e
reformistas, como é possível observar em um de seus primeiros discursos no Conselho das
Nações referente ao projeto da Cidade do Futuro.

Ricardo Montana: Senhores, o mundo hoje tem se tornado um lugar difícil de se


viver. E a curto prazo, fugir para marte não me parece uma solução viável. (risos da
196

assembleia). Um grande líder mundial disse certa vez: o mundo de hoje é muito
diferente porque o homem possui em suas mãos mortais, poder absoluto de acolher
todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana. É com profunda
tristeza que eu observo que 50 anos depois, nada mudou senhores. Aquecimento
global, fome, epidemias, guerras, desigualdade. Que respostas estamos dando para
essas questões? Alguns culpam a globalização e pregam medidas unilaterais,
protecionistas, ultra nacionalistas. Outros colocam as responsabilidades nas elites e
no capitalismo com suas bolhas e crises cíclicas. Alguns acreditam que a solução está
na bomba atômica. Enquanto organismos internacionais que deveriam promover o
desenvolvimento vendem a mesma receita de arrocho e austeridade. Já sabemos aonde
isso vai dar, senhores: recessão e mais crise. Quando a população e os líderes mundiais
se darão conta que não estamos mais lutando por crenças, territórios ou poder
econômico? A questão agora senhores, é a preservação da vida de toda a
humanidade... Não é mágica, senhores. A cidade do futuro é a materialização desse
conceito. Um portfólio plausível de ser implementado pelo mundo todo, respeitando,
sim, o ser humano, as suas diferenças, mas acima de tudo, o nosso planeta. Estou tão
comprometido com esse projeto, que eu investi nele, toda a minha fortuna pessoal.
Mas é necessário muito mais do que um único homem para mudar o mundo. Por isso
senhores, conto com a ajuda de todos vocês, homens e mulheres de bem. Daqueles
que estão cansados das velhas soluções, nas que acredita no ser humano, na igualdade
e na paz. Esqueçamos daquilo que nos divide e lutemos por aquilo que une e define:
a raça humana. John Kennedy também disse uma vez: aqueles que olham para o
passado e para o presente, certamente estão perdendo de vista, o futuro. Obrigado!
Muito obrigado! (É aplaudido pela assembleia).
(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 54).

No referido discurso, Ricardo se reporta à assembleia do Conselho das Nações como


alguém que está acima da política e dos conflitos políticos entre os campos da direita e da
esquerda, como um líder mediador e conciliatório mundial. E o faz se inspirando no ex-
presidente estadunidense John Kennedy (Democrata) o citando duas vezes. A primeira citação:
o mundo de hoje é muito diferente, porque o homem possui em suas mãos mortais poder
absoluto de acolher todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana. A
citação faz parte de um trecho do discurso de posse do presidente John Kennedy em 20 de
janeiro de 1961 em Washington DC.

O mundo hoje é muito diferente, pois o homem detém em suas mãos mortais o poder
de abolir todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana. No
entanto, os mesmos ideais revolucionários pelos quais lutaram nossos antepassados
ainda são questionados em todo o mundo: a crença de que os direitos do homem não
vêm da generosidade do Estado, mas da mão divina. ( KENNEDY, 1961).
A segunda citação é sobre uma frase atribuída ao presidente Kennedy popularmente
conhecida como “A mudança é a lei da vida”. Ambas as citações objetivam relacionar o
populismo discursivo de Ricardo com a eloquência política de John Kennedy de forma a
enquadrá-los como esquerdistas. Apesar de o anticristo se portar como alguém acima da
política, o discurso dele tende para o campo ideológico da esquerda, uma vez que preza pela
igualdade social, respeito às diferenças e cuidado com o planeta Terra. O presidente Kennedy
era um liberal do Partido Democrata, o que o coloca no campo ideológico da direita. Mas se
197

tentarmos transplantar com vista grossa a díade partidária estadunidense Republicanos versus
Democratas para a díade europeia e brasileira direita versus esquerda, poderíamos alocar o
referido presidente no campo da esquerda.
Contradições à parte, as semelhanças entre Ricardo e o presidente estadunidense são a
agremiação religiosa de ambos, a Igreja Católica, a capacidade político-conciliatória, o carisma
e a capacidade projetiva da oratória. A evocação do presidente Kennedy nos dicursos do
anticristo pode representar também uma estratégia da Iurd de criar coesão ideológica farorável
ao governo Trump entre os telespectados dos Estados Unidos, país em que a telenovela
Apocalipse obteve significativa audiência no canal hispânico UniMás.
As mesmas características haviam sido atribuídas por Zoe no discurso de posse de
Ricardo como presidente do Conselho das Nações a Adolf Hitler. Os produtores da telenovela
Apocalipse incorporam na identidade do anticristo duas personalidades opostas, a do ditador
nazista e a do presidente Kennedy.
No capítulo 54, ou seja, quatro capítulos após o referido discurso, a identidade de
Ricardo será acrescida à personalidade de mais chefe de Estado que não possui relação alguma
com a dos dois já mencionados. Em um diálogo entre o anticristo e empresários internacionais
referente a formas de combater a crise econômica gerada pelo Arrebatamento, Ricardo recorre
a termos do ex-presidente Lula, bem como às estratégias político-econômicas anticíclicas e
keynesianas usadas pelo seu governo para combater as consequências da crise econômica de
2008 no Brasil.

Ricardo: Como todos sabem, o desaparecimento de pessoas pelo mundo todo fez as
principais bolsas do planeta despencarem. E se nós, as principais fortunas e
conglomerados mundiais não fizermos nada a respeito, essa crise fará do crack da
bolsa em 29 e da crise dos derivativos em 2008, uma marola no oceano.
Rico 1: Somos empreendedores, banqueiros, investidores. Não, políticos!
Ricardo: Deixemos essa modéstia de lado. Nós elegemos e derrubamos governos,
senhores. Nosso dinheiro controla o mundo. Só não levamos os louros todos porque
vocês sabem, vaidade em excesso atrapalha os negócios, não é mesmo? (risos).
Rico 2: Se eu te conheço, Ricardo, você deve ter algum plano já.
Ricardo: Em linhas gerais, minha sugestão é que utilizemos os nossos recursos para
conceder um crédito em larga escala a juros baixos sem contrapartida recessivas.
Rico 3: Cê enlouqueceu!
Ricardo: Cês sabem muito bem que esse dinheiro sempre volta, de um jeito ou de
outro. E além disso, eu pensei na criação de uma nova moeda cujo controle de emissão
esteja em nossas mãos.
Conversa entre os ricos, inaudível.
Ricardo: Senhores, senhores, por favor! A morte do Secretário Geral do Conselho
das Nações é a oportunidade ideal que temos para tomarmos a iniciativa de
assumirmos o controle da situação. O que é que vocês preferem? Uma corrida dos
correntistas aos bancos para sacar todo o seu dinheiro antes que ele vire pó?
Desabastecimento? Recessão? Inflação? Fome? Caos? Senhores, ou ajudamos o
planeta a enfrentar essa crise agora, ou vamos ter que correr o risco de enfrentar o
próprio apocalipse. Quem aqui quer voltar a idade da pedra?
198

(TELENOVELA APOCALIPSE, 2018, capítulo 58).

Em 2008, a crise imobiliária dos Estados Unidos que levou à falência do banco
estadunidense Lehman Brothers, afetou drasticamente a economia de vários países do mundo.
Tentando não alarmar o mercado nacional, o presidente Lula disse a jornalistas: “Lá [nos
Estados Unidos], ela [a crise] é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que
não dá nem para esquiar” (GALHARDO, 2008).
O termo marolinha repercutiu no país, gerou polêmicas e marcou aquela época.
Consoante as proporções da repercussão da palavra e sua perpetuação na memória do período,
Ricardo também a usou para alertar sobre a necessidade de se combater a crise econômica do
Arrebatamento. O plano de enfrentamento da crise apresentado por Ricardo, assim como a
política econômica adotada pelo governo Lula em 2008, é heterodoxa e anticíclica, uma vez
que parte da premissa de que a melhor solução é o investimento na produção, no comércio e na
infraestrutura e não o contingenciamento de gastos.
Nesse sentido, o governo Lula reduziu a meta do superávit primário e a taxa básica de
juros (Selic) e aumentou o investimento público em áreas estratégicas para o aquecimento da
economia interna como a habitação, criando o programa Minha Casa Minha Vida. E o anticristo
propôs a concessão de crédito em larga escala a juros baixos sem contrapartida recessiva. A
superação de ambas as crises consagrou a popularidade do presidente Lula e do presidente do
Conselho das Nações Ricardo Montana.
Aproveitando a popularidade e o cargo à frente do Conselho das Nações, Ricardo
investe em um acordo de paz entre árabes e judeus para a reconstrução do Templo de Salomão
em Israel. Não conseguindo o consenso entre os líderes das duas partes, Ricardo forja o
assassinato de ambos a partir de um tiroteio em praça pública. Em seguida, vai a público se
manifestar contra a violência e o extremismo e dizer que havia conseguido firmar o tal acordo.
Com essa justificativa, constrói o Terceiro Templo de Israel e consegue manter um ambiente
de paz internacional por três anos. Nesse período, investe no desenvolvimento da inteligência
artificial e de uma marca de identificação a ser implantada no corpo de todas as pessoas, de
forma a criar um sistema de segurança pública e vigilância para a cidade que estava construindo
em um deserto árabe, a Nova Babilônia. Também investe na promoção do diálogo inter-
religioso e na criação de uma moeda única.
Ao fim dos referidos três anos de paz, iniciam-se tensões político-econômicas entre
potências mundiais. O presidente do Conselho das Nações Ricardo Montana tenta mediar o
conflito publicamente, mas investe na iminência da guerra nos bastidores até que alguns países
como os Estados Unidos rompem com o tratado de paz e iniciam a chamada Terceira Guerra
199

Mundial. A guerra é atroz devido à alta tecnologia utilizada, gerando assim um conjunto de
crises mundiais. Frente às crises, Ricardo reúne o antigo grupo de empresários que o apoiaram
há três anos, mas que ele havia expulsado do Conselho das Nações e os conclamam para
estabelecerem um novo tratado internacional de paz e recuperarem a economia mundial. A
consequência dessas ações foi a criação de um governo único presidido por Ricardo e a criação
de uma moeda única no mundo.
Nesse novo período, o anticristo transita da situação de um líder popular, carismático
para o de um ditador que assassina os adversários políticos secretamente. Devido a isso, sofre
um atentado terrorista sendo alvejado no olho esquerdo enquanto desfilava em carro aberto na
Nova Babilônia. A morte dele gerou uma comoção mundial. Durante o velório, ressuscita e é
aclamado como Deus pelo Pai Sagrado Stefano Nicolazzi.
A partir desse momento o anticristo se revela explicitamente um ditador populista. Para
exercer controle total sobre todas as pessoas do mundo, inicia uma política de implantação de
uma marca de identificação pessoal. Tal marca enviava informações completas sobre a vida
cotidiana dessas pessoas para um armazenador central controlado por Ricardo. E as pessoas que
não aceitavam receber a inscrição da marca em seu corpo eram perseguidas e assassinadas, de
forma que se iniciou uma robusta perseguição aos cristãos evangélicos, similar à conhecida era
do martírio cristão do século III d.C., que viam naquela prática o cumprimento de uma profecia
apocalíptica.
Após o período de governo único tratado na novela como os sete anos de truculências,
Jesus retorna à Terra com seus anjos para resgatar as últimas pessoas eleitas por Deus: todos
aqueles que aceitaram a fé cristã evangélica. Na ocasião, prende Ricardo e o Pai Sagrado
Stefano Nicolazzi com algemas de ouro e os lança em um precipício que desemboca no inferno,
localidade subterrânea repleta de fogo que remete a um vulcão e erupção.
Por fim, no plano celestial, Deus abre o chamado livro da vida e julga cada pessoa
segundo os seus pecados. Há por parte deles horror e arrependimento, choro e desespero. São
sentenciados à perdição eterna. E assim se cumprem todas as profecias bíblicas anunciadas por
todo o enredo da telenovela Apocalipse. O grande vitorioso do duelo de cartas marcadas é o
Deus cristão evangélico que triunfou sobre a autonomia e as liberdades das mulheres e as
formas não patriarcais mononucleares de família, a corrupção estatal, as drogas ilícitas, a
ciência, os direitos humanos, o diálogo inter-religioso e a interpretação não fundamentalista da
Bíblia. E o grande derrotado foi o anticristo, isto é, o bode expiatório do campo político-
ideológico da esquerda petista associado propositalmente a John Kennedy e a Adolf Hitler.
Nesse sentido, a demonização da esquerda na telenovela Apocalipse também é uma ação
200

de deslegitimação do liberalismo, o que aponta para o fato de que os produtores da novela estão
inseridos no campo ideológico do conservadorismo e não da direita propriamente dita.
201

CONCLUSÃO

O período histórico brasileiro analisado ao longo desta dissertação (2015 a 2018)


demarca o fim da era do PT à frente do governo brasileiro (2003-2016) e a reconfiguração das
forças políticas (partidárias, empresariais e da sociedade civil organizada) no país. Tal
reconfiguração foi marcada pelas tensões e polarizações ideológicas entre direita e esquerda, a
ascenção do conservadorismo como força política potente e a emergência de narrativas
apocalípticas, dentre elas, a da telenovela Apocalipse, objeto de estudo desta pesquisa.
As narrativas, por sua vez, retroalimentaram a crise política nacional por meio do
enfoque do medo e a criação de uma frente anti-petista visando impedir o retorno do PT e das
esquerdas ao poder no cenário político brasileiro.
As narrativas sobre o chamado fim do mundo são comuns em contextos de crise ou de
rupturas histórico-sociais como por exemplo o das duas guerras mundiais, período em que o
gênero apocalíptico se popularizou internacionalmente no cinema. Desde então, as produções
do gênero se destacaram, para além do âmbito do entretenimento, pelo viés de alerta social
sobre as prováveis consequências catastróficas da exacerbação de confrontos político-
econômicos e bélicos nacionais e internacionais, bem como da exploração desenfreada do meio
ambiente e da má gestão de políticas de saúde pública.
A temática também foi muito trabalhada no âmbito do cinema gospel, de forma a
abordar diferentes perspectivas de escatologia. Já no que diz respeito ao campo da
teledramaturgia, pode-se dizer que a telenovela Apocalipse é uma produção inédita, porém com
significativas influências do já mencionado cinema gospel e das demais telenovelas de
inspiração bíblica da referida emissora de televisão.
A partir da análise do conteúdo da telenovela Apocalipse foi possível concluir que se
trata de uma ficção apocalíptica contemporânea que possui elementos pré-apocalíticos, pós-
apocalípticos, científico-futuristas, melodramáticos, de proselitismo neofundamentalista e da
Teologia do Domínio. A trama, narrada pela personagem anticristo, encena o fim dos tempos
em um espaço temporal de aproximadamente 40 anos (de 1987 a 2027). Entre meados de 2017
e 2020 ocorre o chamado período de três anos de falsa paz, que havia sido precedido pelo
Arrebatamento e sucedido por sete anos de tribulação, cujo desfecho é o fim do mundo. O
período da paz falseada, em tem início a atuação política da personagem anticristo, coincide
com o cenário pré-eleitoral e eleitoral brasileiro de 2018 e com o início do mandato presidencial
após o mesmo pleito.
Foi possível concluir também que a narrativa geral da telenovela Apocalipse se
202

caracteriza por dois movimentos sui generis. O primeiro diz respeito à transição do
fundamentalismo bíblico para o neofundamentalismo neopentecostal contido na sobreposição
da ideia do governo único mundial (dirigido pelo anticristo) sobre supostas pretensões
globalistas de governos de esquerda, em especial do PT. E o segundo concerne à sobreposição
da narrativa cristã do livro bíblico do Apocalipse – repleta do sentimento de aversão à primeira
perseguição do imperador romano Nero (o anticristo denunciado no livro) aos cristãos
primitivos – sobre a realidade de crise da vida cotidiana brasileira entre 2015 e 2018.
Identificou-se que as referidas sobreposições se operacionalizaram no enredo da
telenovela Apocalipse a partir da encenação de uma série variada de elementos doutrinais
iurdianos em defesa de pautas políticas conservadoras, observadas nas performances das
personagens da trama. A esse respeito, distiguiram-se quatro elementos principais: as críticas
comportamentais acirradas ao feminismo; os posicionamentos populistas anti-drogas e anti-
corrupção; o combate ao ceticismo científico; e a demonização da globalização no que tange à
agenda dos direitos humanos e do diálogo inter-religioso.
A crítica à agenda feminista objetiva a manutenção da família tradicional mononuclear
patriarcal e é tratada de forma explícita na condenação moral de direitos reprodutivos femininos
e no tratamento pejorativo que a trama dá às mulheres independentes, ou modernas, que fazem
sexo antes do casamento, que não desejam formar família e que não se orientam no cotidiano a
partir de preceitos bíblicos. Em contrapartida, o perfil de mulher ideal presente na trama pode
ser sintetizado como mãe de família temente a Deus e submissa ao marido.
A crítica às drogas ilícitas e à corrupção no interior de instituições públicas e estatais
objetiva reafirmar a ordem simbólica brasileira que pode ser sintetizada pelo lema, de origem
positivista, da bandeira nacional: ordem e progresso. O combate às drogas e principalmente o
combate à corrupção estatal, pauta entranhada na história da formação do Estado brasileiro,
tende mais a produzir uma sensação de moralização da vida cotidiana e reafirmação das
distinções entre os chamados cidadãos de bem versus cidadãos de mal do que proporem
soluções viáveis e eficientes para os problemas apontados.
A crítica à ciência na novela se estabelece pela contraposição da boa ciência (aquela que
confirma a verdade histórica e profética da Bíblia) versus a má ciência (aquela que nega a
existência de Deus e, mais do que isso, aquela que ridiculariza a Bíblia a tachando de livro de
contos de fadas). Os objetivos dessa crítica são legitimar a ciência pela religião a partir da
confirmação científica de supostas verdades históricas e proféticas da Bíblia; legitimar os
valores da esfera religiosa como superiores aos demais valores; afirmar uma verdade religiosa
sobre os percursos da história e a ordem social de forma a gerar seguridade própria sobe o
203

sentido da vida e da existência.


A crítica à globalização se dá sobretudo pela exacerbação da guerra santa entre Deus e
o demônio. O objetivo dessa guerra na trama é o de legitimar a intolerância neofundamentalista
ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, aos direitos humanos, sociais e coletivos e a
qualquer cosmovisão de esquerda, secularizada e não evangélico-fundamentalista. Isso pode
ser constatado a partir da representação que a trama faz: da Igreja Católica como uma instituição
do demônio, os judeus ortodoxos como o ex-povo de Deus e o termo ecumenismo como
relativismo da fé, conversão homogênea para a formação de uma religião única no mundo; e,
por fim, da ONU como uma instituição corrupta presidida pelo anticristo, cujo objetivo é
dominar o mundo a partir da falsa paz, isto é, uma paz resultante de medidas totalitárias de
unificação mundial das nacionalidades, dos credos religiosos, da economia monetária e das
classes sociais.
A partir do paralelo entre as mencionadas críticas neofundamentalistas e as agendas
políticas defendidas no plano de governo dos então candidatos (do segundo turno) Jair
Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é possível concluir que a telenovela Apocalipse
antecipou e encenou o conteúdo de ambos.
O plano de governo de Jair Bolsonaro apresenta elementos discursivo-religiosos de
legitimação da sua candidatura por meio de respaldo bíblico. E assim como as personagens
cristãs evangélicas da referida telenovela (aquelas que são salvas por Deus), o mesmo plano de
governo se compromete com a liberdade religiosa, mas não a partir do ecumenismo ou do
diálogo inter-religioso e sim pela não intervenção do Estado no âmbito da vida familiar e
religiosa.
Já o plano de governo de Fernando Haddad se caracteriza pela defesa irrestrita aos
direitos humanos, sociais e coletivos, bem como a defesa do respeito à pluralidade e diversidade
étnica, de gênero, de credo religioso e dos modos de vida. Tais pautas, consideradas
controversamente pelos setores conservadores da sociedade brasileira como globalistas,
esquerdistas e comunistas, foram “representadas” na trama pela personagem anticristo Ricardo
Montana e os seus seguidores (aqueles que serão condenados ao inferno eterno).
É preciso destacar que no intento de deslegitimar as agendas políticas de esquerda, a
telenovela Apocalipse deslegitimou também as da direita, especificamente o liberalismo. Isso
porque as liberdades individuais da modernidade, que posteriormente foram estendidas às
mulheres, bem como a concepção de direitos humanos da ONU e a interpretação não literal da
Bíblia, que posteriormente viabilizaram o surgimento do ecumenismo e do diálogo inter-
religioso, são a princípio, conquistas advindas das revoluções liberais do século XVIII. Embora
204

tenham sido complementadas pelas revoluções comunistas do século XX, estão estreitamente
relacionadas às doutrinas liberais. Esse fato corrobora a compreensão de que o conservadorismo
é um campo político autônomo e distinto dos campos da direita e da esquerda.
Identificou-se também que a estratégia de combate político utilizada no enredo da
telenovela Apocalipse se caracteriza pelo pocisionamento de representações simbólico-
valorativas antagônicas. Ou seja, a trama encena o cenário de crise brasileiro do período pré-
eleitoral de 2018, colocando a disputa eleitoral simbolicamente como uma guerra messiânica
de Cristo (representado pelas candidaturas socialmente conservadoras e economicamente
liberais) conta o anticristo (representado pelas candidaturas progressistas de esquerda, em
especial a do PT). Isso leva a entender que votar em candidatos do campo conservador como
Jair Bolsonaro significa escolher o Cristo da eleição. Por outro lado, votar em alguém do campo
da esquerda como Lula ou Haddad é fazer opção pelo anticristo do pleito, aquele cujo discurso
populista de paz social esconde pretensões totalitárias, amorais e destrutivas.
O afirmado é corroborado também pelo fato de a identidade da personagem anticristo
Ricardo Montana ter sido elaborada a partir da mescla de elementos políticos do imperador
romano Nero, do ditador do reich alemão Adolf Hitler, do presidente estadunidense Jonh F.
Kennedy e do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse sentido, Ricardo Montana
é uma espécie de Frankenstein herdeiro da tirania de Nero durante a perseguição e martírio
cristão; do populismo e autoritarismo nazista de Hitler durante o holocausto judeu; e do carisma
e do keneisianismo econômico de Jonh F. Kennedy e de Luiz Inácio Lula da Silva, dois
presidentes (estadunidense e brasileiro) democráticos e progressistas.
Apesar de ser um equívoco histórico e anacrônico, a associação da tirania no império
romano e do autoritarismo populista do regime nazista ao campo político da esquerda, a
estratégia possui eficácia simbólica. Ao associá-los às tragédias humanas das experiências
comunistas do século XX, cria a categoria ambígua do bode expiatório sanguinário. A função
dessa categoria é afirmar que qualquer forma de horror ou tragédia política é fruto do “diabo”
das esquerdas.
Mediante ao exposto, é possível corroborar as hipóteses iniciais deste trabalho de que a
telenovela Apocalipse é um documento com valor histórico-sociológico devido ao universo
simbólico-religioso de suas explicações sobre a crise política brasileira na segunda metade da
década de 2010; e que a sua narrativa poderia objetivar contribuir ideologicamente para a
contraposição das pautas políticas progressistas nas eleições de 2018 no Brasil. É importante
ressaltar ainda que a partir da técnica da análise documental foi possível constatar três aspectos
fundamentais da configuração da referida novela como documento.
205

O primeiro diz respeito ao engajamento religioso (ou de fé) da autora Vivian de Oliveira
durante a escrita das telenovelas de conteúdo bíblico da Record TV. Há a extrapolação dos
limites técnicos do trabalho profissional de escritor de teledramaturgia de uma empresa
comercial em detrimento de uma afiliação de fé cristã neopentecostal.
O segundo aspecto é o grau invasivo da interferência de Cristiane Cardoso no enredo da
trama. É possível afirmar que a novela em questão é um documento teledramatúrgico
corrompido, isto é, modificado intencionalmente durante a sua produção por uma autora
neopentecostal da Iurd, sem o consentimento e o conhecimento da autora principal.
E o terceiro aspecto diz respeito ao sentido determinista do termo apocalipse na referida
trama, o que o evidencia como uma categoria estruturante, simultaneamente, do campo
religioso e da ordem social devido a sua atribuição de sentido transcendente aos percursos da
história material. Enquanto uma categoria social ordenadora do tempo, o apocalipse exerceu na
referida telenovela os efeitos de consagração, legitimação e naturalização de enunciados e de
fenômenos da vida cotidiana.
Destarte, a categoria apocalipse presente na novela tendeu a contribuir para a
conservação da ordem simbólica brasileira e a ordem política estabelecida após o impeachment
da presidenta Dilma Rousseff. Isso, tendo em vista também que a representação do período de
três anos da chamada falsa paz, a partir de 2017, na telenovela, lança a imagem das supostas
consequências catastróficas da possível vitória de uma candidatura progressista de esquerda nas
eleições brasileiras de 2018. Sobretudo a candidatura do ex-presidente Lula, que apesar de preso
por condenação em segunda instância no âmbito da Operação Lava Jato, apareceu como o nome
preferido em todos os cenários de intenção de voto para presidência da República testados entre
meados de 2017 e 2018 pelo Instituto Datafolha.
Ademais, as mesmas consequências remontam à imagem das duas Guerras Mundiais a
partir da encenação de uma Terceira Guerra Mundial seguida de sete anos de turbulência.
Porém, embora a sensação de fim do mundo tenha sido canalizada pela referida novela para
entre meados de 2017 e início de 2020, o Apocalipse só ocorre em seu enredo cerca de 10 anos
depois dessas datas. Dito isso, resta a dúvida de uma pesquisa em aberto. Esta foi uma forma
de resguardar a Record TV e a Iurd da incursão ao erro e ao constrangimento do líder religioso
adventista estadunidense Willian Miller que previu a segunda volta de Jesus à Terra e o
Apocalipse para o dia 22 de outubro de 1844?
Por fim, vale ressaltar que as telenovelas brasileiras, a exemplo de Apocalipse (Record
TV), produzidas e exibidas no país durante o período pré-eleitotal de 2018, podem ser uma
possível e rica fonte de pesquisa para o campo das Ciências Sociais devido à mescla em seu
206

enredo de temáticas políticas, religiosas e ideológicas da época, ao entretenimento.


O presente estudo oferece elementos fundamentais que motivam novas pesquisas e
aprofundamentos, em especial, em torno dos embates político-ideológicos entre a
teledramaturgia de inspiração religiosa da Record TV e da teledramaturgia da Rede Globo no
contexto das pré-eleições e eleições presidenciais de 2018. Portanto, a intenção não foi de
esgotar o tema, mas, antes, de propor a relevância da análise das telenovelas para os estudos
sobre o campo político brasileiro na contemporaneidade.
207

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Acesso em: 12/12/2020

NETFLIX. Pôster da série O Mecanismo. 13 de março de 2018. Ficheiro: O Mecanismo.jpg.


Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:O_Mecanismo.jpg> 05/01/2021.

PLAY, GLOBO. Logotipo da telenovela Malhação: Viva a Diferença. 5 de maio de 2017.


Ficheiro: Logotipo de Malhação- Viva a Diferença.png. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Logotipo_de_Malha%C3%A7%C3%A3o-
_Viva_a_Diferen%C3%A7a.png>, 12/12/2020

PORTAL PROJETA, REDAÇÃO. Explicando: Assembleia Geral da ONU reúne líderes


de 193 países. 23 de set. de 2019. Portal Projeta. Disponível em:
<http://portalprojeta.com.br/2019/09/23/explicando-assembleia-geral-da-onu-reune-lideres-
de-193-paises/>. Acesso em: 15/06/2020.

R7. Alto Logotipo da minissérie Plano. 29 de março de 2015. Ficheiro: Plano Alto.jpg.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plano_Alto.jpg>, 12/12/2020

TV, RECORD. Logotipo da minissérie Plano Alto. 29 de março de 2015. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plano_Alto.jpg> Acesso em: 25/11/2020

VATICANO, RÁDIO. Papa Francisco e os novos cardeais visitam Bento XVI. 29 de jun.
de 2017. Blog Associação padre Júlio Negrizzolo. Disponível em: < https://apjn.com.br/papa-
francisco-e-os-novos-cardeais-visitam-bento-xvi/ >. Acesso em: 15/06/2020.

VATICANO, RÁDIO. Papa Francisco e os novos cardeais visitam Bento XVI. 29 de jun.
de 2017. Blog Associação padre Júlio Negrizzolo. Disponível em: < https://apjn.com.br/papa-
francisco-e-os-novos-cardeais-visitam-bento-xvi/ >. Acesso em: 15/06/2020.
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CAPÍTULOS DA NOVELA

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 4, dvd 1, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 12, dvd 3, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 13, dvd 3, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 14, dvd 3, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 15, dvd 2, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 16, dvd 4, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 21, dvd 5, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 29, dvd 6, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 33, dvd 5, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 40, dvd 8, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
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TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 44, dvd 9, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.


Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 47, dvd 10, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 49, dvd 10, box 1. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 54, dvd 11, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 58, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 59, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 60, dvd 12, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 62, dvd 13, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 66, dvd 14, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 67, dvd 14, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
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TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 71, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 72, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 73, dvd 15, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 77 e 78, dvd 16, box 2. Criador: Vivian de


Oliveira. Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João
Gabriel Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil.
Produtora: Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 82, dvd 17, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 88, dvd 18, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 88, dvd 18, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 91, dvd 19, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 92, dvd 19, box 2. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.

TELENOVELA APOCALIPSE. Capítulo 154, dvd 31, box 3. Criador: Vivian de Oliveira.
Diretor: Edson Spinello. Roteiristas: Alexandre Teixeira, Emilio Boechat, João Gabriel
Carneiro. Protagonistas: Sérgio Marone, Juliana Knust, Igor Rickli. País: Brasil. Produtora:
Record TV e Casablanca. 2017. DVD.
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VÍDEOS

BARBOSA, JOSÉ CARLOS LOBO. VIDEO. 4:05. Jair Bolsonaro detona comissão de
direitos humanos que defende bandidos!. YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5jS7cXXkOjg.>, 15/09/2020

BARBOSA, JOSÉ CARLOS LOBO. VIDEO. 4:05. Jair Bolsonaro detona comissão de
direitos humanos que defende bandidos!. YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5jS7cXXkOjg.>, 15/09/2020

BRASIL, TV. VIDEO. 11:17. Dilma Rousseff faz pronunciamento após votação final do
impeachment. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=gKkpe53jaPk&t=4s.>,
15/09/2020

CARDOSO, RENATO. VÍDEO. 5:57. Entenda o "rouba, mas faz": por que o povo vota
neles. Youtube. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=j1nm2oJMCaA >,
29/11/2020.

CARVALHO, MARCELLE. Junno Andrade brinca com comparações entre seu


personagem em ‘Apocalipse’ e William Bonner. Disponível em:<
https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/junno-andrade-brinca-com-comparacoes-entre-
seu-personagem-em-apocalipse-william-bonner-22181773>, 21/01/2021.

ESPETACULAR, DOMINGO. VIDEO. 7:44. Fim dos tempos: teólogo explica alguns
símbolos do Apocalipse. Disponível
em:<https://www.youtube.com/watch?v=GSUsBtwUrXc >, 31/ 07/2020

ESPETACULAR, DOMINGO. VÍDEO. 20:12. Cracolândia - O Retrato do Caos:


documentário dá voz aos usuários de crack. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=dfsOl6BA9zI >, 04/12/2020.

ESPETACULAR, DOMINGO. VÍDEO. 10:46. Reportagem do Domingo Espetacular


sobre Design Inteligente (14/05/17). Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=Ygo10xuSYQw>, 28/12/2020.

FONTENELLE, NA LATA COM ANTONIA. VIDEO. 14:04. #nalata com Vivian de


Oliveira. YouTube. Disponível o em: <https://www.youtube.com/watch?v=P7_1zUTOf6g>,
5/10/2015

FRAGALE, MAURICIO. VIDEO. 49:31. Entrevista autora Vivian de Oliveira | T2 - EP


02. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bhZ88_oFSa0>,
12/08/2019

GUEDES, ANDRÉ. CANAL. 1,19 MI DE INSCRITOS. Youtube. Disponível em:<


https://www.youtube.com/user/andreluisguedes/videos>, 25/08/2020

INVESTIGAÇÃO, REPÓRTER RECORD. VÍDEO. 11:05. Equipe do Repórter Record


Investigação mostra como é a vida na Cracolândia. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=XGsj0X_eJT0 >, 04/12/2020.
218

JORDY, CARLOS. VÍDEO. 5:20. Flagrante de doutrinação ideológica em escola de


Niterói. Youtube. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=Ckrcwtox0LI>,
28/01/2021.

LIRA, WELLINGTON P. VIDEO. Nada a Perder 2: Filme completo em HD. You Tube.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OZlooITRwjc&t=1028s>, 20/06/2021.

MOTA, DANIEL. VIDEO. 16:09. 003 - Aprenda a calar a boca do seu professor
comunista. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=vtoCXHKunHA>,
05/05/2020.

NOITE, JORNAL DA. VÍDEO. 0:47. PF apreende obras de arte com ex-mulher de Sérgio
Cabral. Youtube. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=zYkVpM5HXuY >,
04/12/2020.

OFICIAL, EDSON, FRANCO. VÍDEO. 1:01,21A criação de eva, Novela Gênesis, Capítulo
1. You Tube, min 0-1:02. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=VpXnNV5Fiys>, 23/01/2021.

OFICIAL, SILAS, MALAFAIA. VÍDEO.5:22. Secretaria dos Direitos Humanos do


Governo do PT Apoia a Pedofilia. Pr. Silas Malafaia Comenta. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=jr9feKKMvwc>, 27/01/2021.

OLIVEIRA, Alan de. VÍDEO. 1:40. Jornal Nacional ´Avenida Brasil. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=k0VUbkVHxdg>, 28/01/2021.

PSDB. VIDEO 2:39. Discurso senador Aécio Neves - Convenção Nacional do PSDB 2015.
Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=eGbrdjvqjr8>, 29/09/2020

PUGGINA, PERCIVAL. VÍDEO. 3:29. Mãe assume posição firme contra ideologia de
gênero nas escolas. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=7CBrYDbS_ls >, 21/12/2020.

RECORD, JORNAL DA. VIDEO. 7:43. Série JR: entenda quais são e o que significam os
quatro cavaleiros do Apocalipse. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=cUKtBJU0hnk/ >, 31/12/2020

SEM FRONTEIRAS, LIBERDADE. VIDEO. 3:02. Lula bricou de Deus / por Ciro Gomes.
YouTube. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=P1JwmrW0MHY> ,
6/03/2017.

RECORD, JORNAL DA. VIDEO. 7:43. Série JR: entenda quais são e o que significam os
quatro cavaleiros do Apocalipse. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=cUKtBJU0hnk&t=111s>, 03/02/2018

SOUZA, PARE E PENSE COM HC DE. Vídeo. 2:57. Bolsonaro diz a estudantes para
filmar professores, após professora ameaçar processar aluno. Youtube. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=8RilqUl_2jI >, 22/12/2020
219

TULIO, WELDER. VIDEO. 2:42. Pastor apoia porte de armas para cidadão de bem.
YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=87XgjgmPWRg>,
22/11/2017

UNIVERSAL, IGREJA. VÍDEO. 1:46:42. Estudo do Apocalipse com o Bispo Macedo,


24/06/2018. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=u3uHeiPQNwk&t=1136s>,
31/06/2020.

SITES

ALETEIA. Sites de TV: telenovela "Apocalipse" ataca Igreja católica e fracassa na


audiência. Disponível em: <https://pt.aleteia.org/2017/12/04/sites-de-tv-telenovela-
apocalipse-ataca-igreja-catolica-e-fracassa-na-audiencia/>, 07/07/ 2020

ALTA DEFINIÇÃO. Público cria campanha pedindo a saída de Cristiane Cardoso da


direção de conteúdo de “Apocalipse”. Disponível em:
<https://portalaltadefinicao.com/publico-cria-campanha-pedindo-a-saida-de-cristiane-
cardoso-da-direcao-de-conteudo-de-apocalipse/>, 20/01/2021

ACHEIUSA. ‘Apocalipse’ chega à Record TV Américas. Disponível


em:<https://www.google.com/amp/s/www.acheiusa.com/Noticia/apocalipse-chega-a-record-
tv-americas-55969/amp/> 06/04/2018

RECORD TV AMÉRICA. EMPRESA. Disponível em:<


https://recordtvamericas.com/empresa/ >15/04/2020

BRANDÃO, Felipe. Santos de casa: novelas que, como Apocalipse, tiveram mais êxito no
exterior que em sua ‘tela natal’. Disponível em:
<https://observatoriodatv.bol.uol.com.br/noticias/2019/09/santos-de-casa-novelas-que-como-
apocalipse-tiveram-mais-exito-no-exterior-que-em-sua-tela-natal>, 10/06/2020.

BBC BRASIL. Leonardo Boff diz estar perplexo e surpreso. Disponível em: <
https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2005/04/050419_diegoboffcg>,
27/01/2021.

BOECHAT, Emílio. Linkedin. Disponível em:<https://br.linkedin.com/in/emilio-boechat-


11230a141> 2020

CRUZ, Daniel. Novela Apocalipse: anticristo faz o seu pronunciamento ao mundo.


Disponível em: <https://web.universal.org/usa/pt/post/novela-apocalipse-anticristo-faz-o-seu-
pronunciamento-ao-mundo/>, 02/09/2019

DEKEL, Jon. O Adagio de Albinoni é a maior fraude da história da música? Disponível


em: < https://www.cbcmusic.ca/posts/18137/albinoni-adagio-g-minor-biggest-fraud>,
05/06/2020.
220

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Página 33 da Seção 1 do Diário Oficial da União (DOU)


de 21 de Março de 2018. Justiça Brasileira. Disponível em:
<https://www.jusbrasil.com.br/diarios/182853181/dou-secao-1-21-03-2018-pg-
33?ref=next_button>, 05/04/2020.

RECORD TV EUROPA,. Facebook. Disponível em:<


https://m.facebook.com/recordeuropa/posts/1235817129854775> 26/09/2018

FELTRIN, Ricardo. Apocalipse: Núcleo evangélico simbolizará voz de Deus; católicos são
o mal. Disponível em: <https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2017/11/27/apocalipse-
nucleo-evangelico-de-novela-vai-simbolizar-bem-e-voz-de-deus.html>, 10/06/2020.

FELIPE, Cherque. Estreia da novela apocalipse traz grande evento do fim dos tempos.
Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/br.blastingnews.com/tvfamosos/2017/08/estreia-da-
novela-apocalipse-traz-grande-evento-do-fim-dos-tempos-descubra-001900957.amp.html>
03/08/2017

FIORATTI, Gustavo. Record amplia visibilidade de Bolsonaro e evita críticas ao


presidenciável. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/record-
amplia-visibilidade-de-bolsonaro-e-evita-criticas-ao-presidenciavel.shtml>, 07/07/2018

G1 SP. Alckmin e Aécio são hostilizados na chegada à manifestação na Paulista.


Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/alckmin-e-aecio-sao-
hostilizados-na-chegada-manifestacao-na-paulista.html>, 09/10/2020.

G1. Ouça trechos dos diálogos entre Romero Jucá e Sérgio Machado. Disponível
em:<http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/05/leia-os-trechos-dos-dialogos-entre-romero-
juca-e-sergio-machado.html>, 05/01/2021.

GALHARDO, Ricardo. Lula: crise é tsunami nos EUA e, se chegar ao Brasil, será
‘marolinha’. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/lula-crise-tsunami-nos-
eua-se-chegar-ao-brasil-sera-marolinha-3827410>, 07 de janeiro de 2021.
Kennedy, John F. Discursos históricos. Publicado em:
<https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/historic-speeches/inaugural-address>, 08/01/2021

FOLHA GOSPEL. Baixa audiência de “Apocalipse” pode ter ligação com ataques à
igreja católica. Disponível em: https://folhagospel.com/baixa-audiencia-de-apocalipse-pode-
ter-ligacao-com-ataques-a-igreja-catolica/ > 01/12/2017

HISTÓRIA DA TV. Nos Estados Unidos, novela bíblica da Record TV atinge 2 milhões
de telespectadores. Disponível em:https://tvhistoria.com.br/nos-estados-unidos-novela-
biblica-da-record-tv-atinge-2-milhoes-de-telespectadores > 07/03/2018

IHU. ''Será a primavera depois de um duro inverno''. Entrevista com Leonardo Boff.
Disponível em:< http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518481-sera-a-primavera-depois-de-um-
duro-inverno-entrevista-com-leonardo-boff> 27/01/2021.

PORTAL INTERATIVO. Televisa compra direitos de exibição de ‘Apocalipse’, nova


novela da Record TV. Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/interativotvblog.wordpress.com/2017/08/25/televisa-
221

compra-direitos-de-exibicao-de-apocalipse-nova-novela-da-record-tv/amp/> 25/08/2017

RÁDIO JORNAL. Novela da Record tem igreja satânica parecida com a Católica e
público protesta. Disponível em:<
https://radiojornal.ne10.uol.com.br/noticia/2017/11/23/novela-da-record-tem-igreja-satanica-
parecida-com-a-catolica-e-publico-protesta-55807> 23/09/2017

JÚNIOR, Aloizio. Contemporânea, Apocalipse é a novela bíblica com a menor audiência


da Record. Disponível em:
https://www.google.com/amp/s/www.otvfoco.com.br/contemporanea-apocalipse-e-a-novela-
biblica-com-a-menor-audiencia-da-record/amp/ >22/04/2018

LAZARINI, Marcos. Linkedin. Disponível em:<https://br.linkedin.com/in/marcos-lazarini-


b2859b23> 2020

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NASCIMENTO, Sandro. Interferências em "Apocalipse" geram crise artística na Record


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NERI, Leandro. Montenegrotalents. Disponível


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OLIVEIRA, Jefferson. Exclusivo: Record TV confirma a venda de “Apocalipse” para


Televisa, novela estreia em Novembro. Disponível em:
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televisa-novela-estreia-em-novembro/>,10/06/2020.

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passos-7b961728>2020

PERLINE, Gabriel. Globo compra e exibe Os Dez Mandamentos após derrota histórica
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compra-e-exibe-os-dez-mandamentos-apos-derrota-historica-para-record-28653>,
11/08/2020.

R7. Abaixo-assinado pelo impeachment de Dilma supera 2 mi de votos e bate recorde


histórico. R7. Disponível em:<https://noticias.r7.com/brasil/abaixo-assinado-pelo-
impeachment-de-dilma-supera-2-mi-de-votos-e-bate-recorde-historico-18032016>,
29/09/2020.

R7. Novela Apocalipse bate recorde de audiência no Rio de Janeiro. R7. Disponível
em:https://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/novela-apocalipse-bate-recorde-de-audiencia-
no-rio-de-janeiro-06102019 > 13/03/2018

RAMALHO, Renan; MATOSO, Filipe. Não haverá 'terceiro turno', diz Toffoli; para
Dilma, 'eleição não é guerra' Globo, G1. Disponível em: <
http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/nao-havera-terceiro-turno-diz-toffoli-para-dilma-
eleicao-nao-e-guerra.html>, 09/10/2020

RIBEIRO, Daniel. Emilio Boechat: “Rescindi amigavelmente meu contrato com a


223

Record”. RD1. Disponível em:<https://www.google.com/amp/s/rd1.com.br/emilio-boechat-


rescindi-amigavelmente-meu-contrato-com-record/amp/> 2020

SANTOS, Renan. Em baixa no Brasil, Apocalipse estreia no Japão. Tv foco. Disponível


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estreia-no-japao/amp/> 18/12/2017

SADI, Andréia. Leia a íntegra da carta enviada pelo vice Michel Temer a Dilma. Globo,
G1. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/leia-integra-da-carta-
enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html>, 30/09/2020.

SAFNER, Cadu. Apocalipse ganha data de estreia na República Dominicana.


Observatório da TV. Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/observatoriodatv.uol.com.br/noticias/apocalipse-ganha-
data-de-estreia-na-republica-dominicana%3famp> 24/03/2018

SALDAÑA, Alberto. A origem do movimento pró-impeachment. Brasil debate. Disponível


em:<https://brasildebate.com.br/a-origem-do-movimento-pro-impeachment/>, 29/09/2020.

SPINELLO, Edson. Linkedin. Disponível em:<https://br.linkedin.com/in/spinello-edson-


1b0aa030 > 2020

STARSINSIDER. Após fracasso de audiência, autora da novela 'Apocalipse' deixa a


Record TV. Starsinsider.
Disponível em: <https://br.starsinsider.com/tv/264264/apos-fracasso-de-audiencia-autora-da-
novela-apocalipse-deixa-a-recordtv>, 10/07/2020.

STYCER, Maurício. Nos EUA, “Apocalipse” é a melhor audiência de canal de língua


espanhola. Blog Maurício Stycer. Disponível
em:https://www.google.com/amp/s/mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/uol_amp/2019/08/2
0/nos-eua-apocalipse-e-a-melhor-audiencia-de-canal-de-lingua-espanhola/ 20/09/2019

TELE PADI. Após sucessivas intervenções em “Apocalipse”, Record afasta autora da


novela. Folha Uol. Disponível em: <https://telepadi.folha.uol.com.br/intervencoes-em-
apocalipse-e-falta-de-planejamento-da-record-causam-afastamento-da-autora-da-novela/>,
20/01/2021.

TERTO, Ângelo. As “duas testemunhas” da novela Apocalipse pregam o evangelho em


rede nacional. Coluna retratos.
Disponível em: <https://www.colunaretratos.com.br/post/as-%E2%80%9Cduas-
testemunhas%E2%80%9D-da-novela-apocalipse-pregam-o-evangelho-em-rede-nacional>,
03/03/2018.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Propostas de governo dos candidatos ao cargo de


Presidente da República. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-
2018/propostas-de-candidatos>, 15/09/2020.

TV, Audiência da. Além do Brasil, estreia de ‘Apocalipse’ eleva a audiência da ‘Record
TV Europa’. Portal alta definição. Disponível em:https://portalaltadefinicao.com/alem-do-
brasil-estreia-de-apocalipse-eleva-a-audiencia-da-record-tv-europa/amp/ > 07/04/2018
224

TV, O planeta. Ibope de Apocalipse volta a estaca zero. O planeta tv. Disponível em:<
https://oplanetatv.clickgratis.com.br/noticias/audiencia-da-tv/ibope-de-apocalipse-volta-a-
estaca-zero.html > 23/04/2018

UNIVERSAL. Apocalipse: Arrebatamento mexe com telespectador e é assunto mais


comentado nas redes sociais. Universal. Disponível
em:https://www.google.com/amp/s/www.universal.org/noticias/post/novela-apocalipse-
arrebatamento-mexe-com-telespectador-e-e-assunto-mais-comentado-nas-redes-sociais/amp/
> 07/02/2018

VAQUER, GABRIEL. Na melhor cidade em Ibope da Record, Apocalipse não fica nem
entre as 10 maiores audiências. Observatório da tv. Disponível
em:<https://www.google.com/amp/s/observatoriodatv.bol.uol.com.br/audiencia-da-
tv/2017/12/na-melhor-cidade-em-ibope-da-record-apocalipse-nao-fica-nem-entre-as-10-
maiores-audiencias%3famp>07/04/2018

VAQUER, GABRIEL. Apocalipse se consolida como segunda maior audiência nacional


da Record; veja números. Observatório da tv. Disponível em:<
https://www.google.com/amp/s/observatoriodatv.uol.com.br/audiencia-da-tv/apocalipse-se-
consolida-como-segunda-maior-audiencia-nacional-da-record-veja-numeros%3famp>
16/04/2020

VAQUER, GABRIEL. Record comemora crescimento de audiência de Apocalipse em


todo o Brasil; veja números. Observatório da televisão. Disponível em:<
https://www.google.com/amp/s/observatoriodatelevisao.elav.tmp.br/audiencia-da-
tv/2018/04/record-comemora-crescimento-de-audiencia-de-apocalipse-em-todo-o-brasil-veja-
numeros> 25/04/2020

VEJA. Anticristo leva ‘Apocalipse’ à vice-liderança na audiência. Abril. Disponível em:


https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://veja.abril.com.br/entreteni
mento/anticristo-leva-apocalipse-a-vice-lideranca-na-
audiencia/amp/&ved=2ahUKEwig5NHs4IPpAhVVL7kGHSirA-
AQFjASegQICRAB&usg=AOvVaw2GaSfTpCbXbGbLx5lfi0Bk&ampcf=1&cshid=1587823
965867 >24/04/2018

VEJA SP. Cenas de nova novela rendem críticas à Record nas redes sociais. Veja SP.
Disponível em:<
https://www.google.com/amp/s/vejasp.abril.com.br/blog/pop/novela-apocalipse-record-igreja-
catolica/amp/> 23/11/2017

VIEIRA, João. Cheia de efeitos especiais, ‘apocalipse’ tem boa estreia e repercute nas
redes sociais. Virgula. Disponível em: http://www.virgula.com.br/tvecinema/cheia-de-
efeitos-especiais-apocalipse-tem-boa-estreia-e-repercute-nas-redes-sociais/ 25/04/2020

WOOD, Hamsa. Linkedin. Disponível em:<https://br.linkedin.com/in/hamsawood> 2020

WOOD, Hamsa. Facebook. Disponível em:<https://m.facebook.com/hamsa.wood> 2020


225

ANEXO A- Informações gerais sobre os escritores auxiliares e diretores da telenovela


Apocalipse

Diretores da telenovela Apocalipse

Edson Spinello é do Rio de Janeiro, foi casado de 2013 a 2015 com Renata Dominguez, famosa
atriz da emissora. Owner director no ONStudios, Diretor na Casablanca/Fox, onde dirigiu Na
Mira do Crime. E na RecordTV de 2006 a jun de 2014. Trabalhou como diretor-geral de novelas
na TV Globo, atualmente, exercendo a função na RecordTV, onde dirigiu Rei Davi, série que
obteve sucesso na Fox Mundo dos EUA. Escreveu o livro "Rei Davi: A história romanceada do
maior líder da história de Israel". Fez parte do comitê artístico da RecordTV e selecionou
projetos na área de teledramaturgia. Contratado da Record desde 2006, ele auxiliou nas
produções de Bicho do Mato, Amor e Intrigas, Bela - a Feia, Rei Davi e Balacobaco.
(SPINELLO, 2020)
Leonardo Miranda é diretor de TV e fotógrafo pela Universidade FUMEC. É de Belo
Horizonte, Minas Gerais. Trabalhou na Rede Globo de jun de 2012 até o momento. Trabalhou
também na Rede Minas de Televisão por 18 anos e 5 meses. Editor de Imagens Jan 1996 –
2001. Prêmio Dynamite categoria melhor programa de música independente 2005. (Programa
Alto Falante). Prêmio Dynamite categoria melhor programa de música independente 2006.
(Programa Alto Falante). Prêmio Toddy categoria melhor programa de música independente
2007. (Programa Alto Falante). Repórter Cinematográfico. Rede Minas 2001 – 2005 4 anos 1
mês. Prêmio Toddy categoria melhor programa de música indempendente 2008 (Programa Alto
Falante) (MIRANDA, 2020)
Hamsa Wood. Diretor de Comunicação Social at DBCA - Diretores Brasileiros de
Cinema e Audiovisual. DBCA - Diretores Brasileiros de Cinema e AudiovisualUniversity of
Florida Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. O diretor pernambucano Hamsa Wood iniciou
sua carreira nos Estados Unidos, onde estudou e trabalhou por sete anos. Ao retornar ao Brasil,
atuou no mercado publicitário de São Paulo até ser convidado pela Rede Globo a ingressar no
seu departamento de teledramaturgia. Na emissora carioca trabalhou em novelas e em
programas semanais, além de dirigir campanhas promocionais para a Globo Internacional. Em
2005, foi recrutado pela Rede Record para implantar a sua nova sede de teledramaturgia no Rio
de Janeiro, a RecNov. Na empresa dirigiu 15 projetos entre eles séries, novelas e filmes. E desde
2010, em paralelo ao seu trabalho corporativo, tem investido no desenvolvimento e produção
226

de conteúdo original nacional independente para cinema e canais a cabo, além de dirigir
campanhas publicitárias para TV e internet. Atualmente está finalizando seu terceiro longa
metragem "Pandora" com lançamento programado para 2021 (Pipa Pictures) (WOOD, 2020)
Leandro Neri. Nascimento: 5 de outubro de 1971 (idade 48 anos). Foi diretor Geral
desde 1995 na Rede Globo de Televisão nos núcleos de novelas, minisséries, programas de
âncora e de auditório, de eventos musicais ou de marketing, gravados e ao vivo. É solteiro,
mora no Rio de Janeiro. Estudou massamidia na faculdade da cidade de Lagoa RJ. Hoje trabalha
como freelancer. (NERI, 2020)
Rogério Passos. Diretor de audiovisual e artes cênicas e trabalha na Record TV, se
formou na Escola de Comunicação e Artes - ECA - USP e hoje mora no Rio de Janeiro. Rádio
e Televisão pela Escola de Comunicações e Artes da USP, sócio diretor da produtora
Labirintho, trabalha há mais de 20 anos em televisão com experiência nos mais diversos
formatos. Dirigiu minisséries e novelas bíblicas da emissora. Trabalhou no núcleo de
dramaturgia do SBT em São Paulo e atualmente faz parte do quadro de diretores da Record no
Rio de Janeiro. Dirigiu a minissérie "Rei Davi", um dos maiores sucessos da emissora até hoje
(PASSOS, 2020)

Escritores auxiliares da telenovela Apocalipse

Emílio Boechat nasceu em Niterói, RJ. Dramaturgo, roteirista de cinema e TV. Foi
indicado ao Troféu Mambembe de Melhor Autor em 1999. Em televisão, Emilio Boechat já
passou pela Rede Globo, Bandeirantes/ RGB, GNT, Multishow. Na Record TV já trabalha a 13
anos e 6 meses, onde escreveu e colaborou para as novelas bíblicas e mini séries. Em 2017
escreveu com Stephen P. Lindsey os roteiros dos filmes NADA A PERDER 1 e 2 sobre a vida
de Edir Macedo. Formação acadêmica Cinema - Universidade Federal Fluminense 1 ano de
Jornalismo- Comunicação e Jornalismo 1 semestre de engenharia Elétrica e eletrônica. O autor
Emilio Boechat teria deixado o cargo por não concordar com as imposições ideológicas da
história bíblica; ele acabou sendo substituído pelo colaborador Camilo Pellegrini. (PORCHAT,
2020)
Marcos Lazarini dramaturgo brasileiro, natural de Londrina/PR. Na RecordTV como
colaborador das novelas Apocalipse e A Terra Prometida. Deixa a Record e retorna à Globo
oito anos após fiasco de novela. Sócio Arriba Filmes. Escreveu também "A Musa Impassível,"
telefilme da TV Cultura, e a série "Pedro e Bianca" (ganhadora de melhor série para crianças
no International Emmy Awards e o prêmio de ficção e não ficção para a faixa de 12 a 15 anos
227

do Prix Jeunesse), onde foi coordenador de roteiros. (LAZARINI, 2020)


Maria Cláudia Oliveira (Rio de Janeiro) é uma roteirista brasileira e autora de
telenovelas. É formada em jornalismo pela ECO-UFRJ (1986) e co-autora de diversas
telenovelas e seriados para televisão. É Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2005) e
Masters of Digital Media pelo Centre for Digital Media, em Vancouver, no Canadá (2016).
Conjunto de habilidades: Especialista em Marketing / Comunicação. Trabalhou como roteirista
nas novelas bíblicas da RecordTV. Filme os devotos do Samba 2004. (OLIVEIRA, 2020)
Não foram achadas informações sobre os escritores Alexandre Teixeira e João Gabriel
Carneiro durante esta pesquisa.
228

ANEXO B – TABELAS

Tabela 1 – Relação da exibição da telenovela Apocalipse por país, continente, ano,


emissora e público
País Continente Ano Emissora Público

Brasil América do Sul 2017 Record TV Lusófonos


Argentina América do Sul 2018 Telefe Hispânicos
Bolívia América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
Chile América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
Equador América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
Paraguai América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
Perú América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
Uruguai América do Sul 2018 Record TV Américas Hispânicos
El Salvador América Central 2018 Record TV Américas Hispânicos
Guatemala América Central 2018 Record TV Américas Hispânicos
Honduras América Central 2018 Record TV Américas Hispânicos
Panamá América Central 2018 Record TV Américas Hispânicos
Angola África 2018 Platinaline - Angola Lusófonos
Moçambique África 2018 Miramar - África Lusófonos
Polônia Europa 2018 Record TV Europa Lusófonos
Portugal Europa 2018 Record TV Europa Lusófonos
Japão Ásia 2018 Record TV Japan Imigrantes Brasileiros
Estados Unidos América do Norte 2019 UniMas Univision C. Hispânicos
México América do Norte 2019 Televisa Hispânicos
Porto Rico América – Caribe 2019 Univision Com. Hispânicos
República Dom. América – Caribe 2019 Telemicro Canal 15 Hispânicos
Brasil América do Sul 2020 Record TV Lusófonos
Fonte: Feito pelo autor a partir de informações levantadas no site da Record TV Internacional.
229

Tabela 2 - Percentuais médios semanais de audiência domiciliar e individual da novela


Apocalipse

Novela 3 – Apocalipse Alcance


Domiciliar37 Individual38 39Acumulado
(Record TV)

Número Número
Períodos
Ano Rat % total de Rat % total de COV %
(semas)
domicílios pessoas

2017
20/11 a 26/11 8,2 24.088,6 3,5 68.420,2 4,2
2017
27/11 a 03/12 9,8 24.088,6 4,7 68.420,2 17,9
2017
04/12 a 10/12 8,7 24.088,6 4,2 68.420,2 17,9
2017
11/12 a 17/12 7,2 24.088,6 3,4 68.420,2 15,8
2017
18/12 a 24/12 6,4 24.088,6 3 68.420,2 14,4
2017
25/12 a 31/12 5,8 24.088,6 2,8 68.420,2 13,8
2018
01/01 a 07/01 5,9 24.864,7 2,7 69.378,6 13,7
2018
08/01 a 14/01 5,8 24.864,7 2,7 69.378,6 13,5
2018
29/01 a 04/02 6,8 24.864,7 3,2 69.378,6 18
2018
05/02 a 11/02 8,9 24.864,7 4,2 69.378,6 19,8
2018
12/02 a 18/02 7,9 24.864,7 3,7 69.378,6 18,7
2018
19/02 a 25/02 7,6 24.864,7 3,6 69.378,6 17,7
2018
26/02 a 04/03 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 18,8
2018
05/03 a 11/03 8,4 24.864,7 3,9 69.378,6 18,8
2018
12/03 a 18/03 8,5 24.864,7 4 69.378,6 18,9
2018
19/03 a 25/03 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 19
2018
26/03 a 01/04 8,2 24.864,7 3,9 69.378,6 19,5
2018
02/04 a 08/04 9,4 24.864,7 4,5 69.378,6 20
2018
09/04 a 15/04 9,6 24.864,7 4,5 69.378,6 20,8
2018
16/04 a 22/04 9,7 24.864,7 4,6 69.378,6 19,7
2018
23/04 a 29/04 9,5 24.864,7 4,6 69.378,6 19,3
2018
30/04 a 06/05 9,2 24.864,7 4,4 69.378,6 19,7
2018
07/05 a 13/05 8,8 24.864,7 4,2 69.378,6 18,5
2018
14/05 a 20/05 9,5 24.864,7 4,4 69.378,6 18,2
2018
21/05 a 27/05 9 24.864,7 4,4 69.378,6 17,8
2018
28/05 a 03/06 8,9 24.864,7 4,2 69.378,6 18,5
2018
04/06 a 10/06 9,1 24.864,7 4,3 69.378,6 18
2018
11/06 A17/06 10 24.864,7 4,7 69.378,6 18,5
2018
18/06 a 24/06 10,4 24.864,7 5 69.378,6 19
2018
25/06 a 01/07 13,8 24.864,7 6,8 69.378,6 10,3
2018

Fonte: Kantar Ibope Media, 2020.

37
Audiência domiciliar (Rat%) percentual dos domicílios que assistiram ao programa.
38
Audiência individual (Rat%) percentual de indivíduos que assistiram ao programa.
39
COV Individual (Cov%) (alcance acumulado): percentual de pessoas diferentes impactadas pelo programa.
230

Tabela 3 - Percentual de intenção de voto no 1° e 2o turno para presidente da República


do Brasil (2018) em nove cenários de 2017
1° Turno 2° Turno
Cenário 1 Lula (PT) 36% Lula 46%
Cenário 1 Jair Bolsonaro (PSC) 16% Alckmin 32%
Cenário 1 Marina Silva (Rede) 14%
Cenário 1 João Doria (PSDB) 8%
Cenário 1 Alvaro Dias (Podemos) 4%
Cenário 1 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 1 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 1 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 1 Em branco/nulo/nenhum 16%
Cenário 1 Não sabe 2%
Cenário 2 Lula (PT) 35% Lula 48%
Cenário 2 Jair Bolsonaro (PSC) 17% Dória 32%
Cenário 2 Marina Silva (Rede) 13%
Cenário 2 Geraldo Alckmin (PSDB) 8%
Cenário 2 Alvaro Dias (Podemos) 4%
Cenário 2 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 2 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 2 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 2 Em branco/nulo/nenhum 16%
Cenário 2 Não sabe 2%
Cenário 3 Marina Silva (Rede) 23% Lula 44%
Cenário 3 Jair Bolsonaro (PSC) 18% Marina 36%
Cenário 3 Ciro Gomes (PDT) 10%
Cenário 3 João Doria (PSDB) 10%
Cenário 3 Alvaro Dias (Podemos) 5%
Cenário 3 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 3 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 3 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 3 Em branco/nulo/nenhum 26%
Cenário 3 Não sabe 3%
Cenário 4 Marina Silva (Rede) 22% Lula 47%
Cenário 4 Jair Bolsonaro (PSC) 19% Bolsonaro 33%
Cenário 4 Geraldo Alckmin (PSDB) 10%
Cenário 4 Ciro Gomes (PDT) 10%
Cenário 4 Alvaro Dias (Podemos) 5%
Cenário 4 Chico Alencar (PSOL) 2%
Cenário 4 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 4 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 4 Em branco/nulo/nenhum 26%
Cenário 4 Não sabe 3%
Cenário 5 Marina Silva (Rede) 22% Lula 44%
Cenário 5 Jair Bolsonaro (PSC) 19% Moro 42%
Cenário 5 Geraldo Alckmin (PSDB) 9%
Cenário 5 Ciro Gomes (PDT) 9%
Cenário 5 Alvaro Dias (Podemos) 5%
Cenário 5 Fernando Haddad (PT) 3%
Cenário 5 Henrique Meirelles (PSD) 2%
231

Cenário 5 Chico Alencar (PSOL) 2%


Cenário 5 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 5 Em branco/nulo/nenhum 25%
Cenário 5 Não sabe 3%
Cenário 6 Marina Silva (Rede) 20% Alckmin 37%
Cenário 6 Jair Bolsonaro (PSC) 17% Ciro 29%
Cenário 6 Geraldo Alckmin (PSDB) 9%
Cenário 6 Ciro Gomes (PDT) 9%
Cenário 6 João Doria (PSDB) 7%
Cenário 6 Alvaro Dias (Podemos) 5%
Cenário 6 Fernando Haddad (PT) 2%
Cenário 6 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 6 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 6 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 6 Em branco/nulo/nenhum 24%
Cenário 6 Não sabe 3%
Cenário 7 Marina Silva (Rede) 17% Dória 34%
Cenário 7 Jair Bolsonaro (PSC) 15% Ciro 32%
Cenário 7 Sérgio Moro (sem partido) 9%
Cenário 7 Geraldo Alckmin (PSDB) 8%
Cenário 7 Ciro Gomes (PDT) 7%
Cenário 7 João Doria (PSDB) 6%
Cenário 7 Joaquim Barbosa (sem partido) 5%
Cenário 7 Alvaro Dias (Podemos) 3%
Cenário 7 Fernando Haddad (PT) 2%
Cenário 7 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 7 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 7 Rodrigo Maia (DEM) 1%
Cenário 7 João Amoêdo (Novo) 1%
Cenário 7 Em branco/nulo/nenhum 20%
Cenário 8 Não sabe 3%
Cenário 8 Lula (PT) 35% Marina 47%
Cenário 8 Jair Bolsonaro (PSC) 17% Bolsonaro 29%
Cenário 8 Marina Silva (Rede) 13%
Cenário 8 Geraldo Alckmin (PSDB) 8%
Cenário 8 Ciro Gomes (PDT) 4%
Cenário 8 Alvaro Dias (Podemos) 4%
Cenário 8 Henrique Meirelles (PSD) 2%
Cenário 8 Chico Alencar (PSOL) 1%
Cenário 8 Em branco/nulo/nenhum 15%
Cenário 8 Não sabe 2%
Cenário 9 Alckmin 44%
Haddad 17%
Fonte: G1, 2017.
232

Tabela 4 - Percentual da intenção de voto por sexo no 1° e 2o turno para presidente da


República do Brasil (2018) em dois cenérios de 2017
Cenário 1 Cenário 2
Candidato % Sexo Candidato % Sexo
Masculino Feminino Masculino Feminino
Lula 39% 39% Jair Bolsonaro 30% 14%
Jair Bolsonaro 19% 13% Marina Silva 13% 19%
Marina Silva 8% 10% Ciro Gomes 11% 9%
Geraldo Alckmin 6% 7% Geraldo Alckmin 8% 9%
Ciro Gomes 5% 4% Álvaro Dias 4% 4%
Álvaro Dias 3% 3% Fernando Haddad 5% 3%
João Amoedo 2% 1% João Amoedo 2% 2%
Henrique Meirelles 1% 1% Henrique Meirelles 2% 1%
Guilherme Boulos 1% 1% Vera 1% 1%
Cabo Daciolo 1% 1% Cabo Daciolo 1% 1%
Vera 1% 1% Guilherme Boulos 1% 1%
João Goulart Filho 0% 1% João Goulart Filho 1% 1%
Eymael 0% 0% Eymael 0% 0%
Embranco/Nulo/Nenhum 11% 13% Embranco/Nulo/Nenhum 18% 25%
Não Sabe 3% 5% Não Sabe 3% 9%

Fonte: G1, 2017.


233

Tabela 5 - Percentual de intenção de voto pelo nível de escolaridade no 1° e 2o turno para


presidente da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017
Cenário 1 Cenário 2
Candidato % escolaridade Candidato % escolaridade

fundamental

fundamental
% superior

% superior
% médio

% médio
%

%
Lula 49% 36 25% Jair Bolsonaro 13% 27% 27%
Jair Bolsonaro 10% % 27% Marina Silva 18% 17% 12%
Marina Silva 7% 24 9% Ciro Gomes 11% 9% 10%
Geraldo Alckmin 7% % 8% Geraldo Alckmin 10% 8% 8%
Ciro Gomes 5% 9% 6% Álvaro Dias 4% 4% 5%
Álvaro Dias 3% 5% 4% Fernando Haddad 2% 3% 9%
João Amoedo 0% 4% 5% João Amoedo 1% 1% 5%
Henrique Meirelles 1% 3% 1% Henrique Meirelles 2% 1% 1%
Guilherme Boulos 0% 1% 1% Vera 1% 1% 0%
Cabo Daciolo 1% 1% 0% Cabo Daciolo 1% 1% 1%
Vera 0% 1% 1% Guilherme Boulos 1% 1% 2%
João Goulart Filho 0% 1% 0% João Goulart Filho 1% 0% 0%
Eymael 0% 1% 0% Eymael 0% 0% 0%
Embranco/Nulo 11% 0% 10% Embranco/Nulo 25% 22% 15%
Não Sabe 4% 0% 2% Não Sabe 10% 4% 3%
11
%
3%
Fonte: G1, 2017.
234

Tabela 6 - Percentual de intenção de voto pela faixa etária no 1° e 2o turno para


presidente da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017

Candidatos %Faixa Etária

16 a 24 anos

25 a 34 anos

35 a 44 anos

45 a 59 anos

60 ou mais
Cenário 1 Lula 43% 40% 37% 39% 35%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 24% 23% 21% 15% 15%
Cenário 1 Marina Silva 9% 9% 8% 9% 6%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 3% 5% 6% 7% 10%
Cenário 1 Ciro Gomes 3% 4% 5% 5% 6%
Cenário 1 Álvaro Dias 2% 2% 3% 4% 5%
Cenário 1 João Amoedo 1% 2% 2% 1% 1%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 1% 1% 1% 2%
Cenário 1 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 0% 0%
Cenário 1 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1% 0%
Cenário 1 Vera 1% 1% 1% 0% 0%
Cenário 1 João Goulart Filho 1% 0% 0% 0% 1%
Cenário 1 Eymael 0% 0% 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo/Nenhum 7% 11% 11% 13% 12%
Cenário 1 Não Sabe 2% 1% 3% 4% 6%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 28% 25% 24% 17% 17%
Cenário 2 Marina Silva 21% 18% 15% 15% 12%
Cenário 2 Ciro Gomes 8% 8% 12% 11% 11%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 5% 8% 10% 9% 11%
Cenário 2 Álvaro Dias 4% 3% 3% 5% 6%
Cenário 2 Fernando Haddad 4% 5% 3% 4% 4%
Cenário 2 João Amoedo 2% 2% 2% 1% 1%
Cenário 2 Henrique Meirelles 2% 1% 1% 2% 2%
Cenário 2 Vera 2% 1% 0% 1% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 2% 1% 1% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 2% 1% 1% 0% 0%
235

Cenário 2 João Goulart Filho 1% 1% 0% 1% 1%


Cenário 2 Eymael 0% 0% 1% 0% 0%
Cenário 2 Embranco/Nulo 14% 23% 22% 25% 23%
Cenário 2 Não Sabe 4% 2% 6% 7% 11%

Fonte: G1, 2017.


236

Tabela 7- Percentual de intenção de voto pela renda familiar no 1° e 2o turno para


presidente da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017
Candidatos % Renda Familiar
Até 2 S. Mais de 2 Mais de 5 Mais de
M. à 5 S. M. à 10 S. M. 10 S. M.
Cenário 1 Lula 49% 32% 23% 20%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 11% 25% 32% 30%
Cenário 1 Marina Silva 9% 9% 6% 5%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 6% 7% 7% 10%
Cenário 1 Ciro Gomes 4% 5% 5% 8%
Cenário 1 Álvaro Dias 2% 4% 6% 6%
Cenário 1 João Amoedo 1% 1% 5% 7%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 1% 2% 2%
Cenário 1 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 Vera 1% 1% 1% 0%
Cenário 1 João Goulart Filho 0% 1% 0% 1%
Cenário 1 Eymael 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo/Nenhum 12% 11% 9% 8%
Cenário 1 Não Sabe 3% 3% 2% 2%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 14% 28% 32% 33%
Cenário 2 Marina Silva 19% 15% 10% 6%
Cenário 2 Ciro Gomes 10% 10% 9% 13%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 9% 8% 9% 11%
Cenário 2 Álvaro Dias 3% 4% 6% 8%
Cenário 2 Fernando Haddad 3% 4% 8% 9%
Cenário 2 João Amoedo 1% 2% 5% 6%
Cenário 2 Henrique Meirelles 1% 2% 2% 2%
Cenário 2 Vera 1% 1% 0% 0%
Cenário 2 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 2%
Cenário 2 João Goulart Filho 1% 1% 0% 0%
Cenário 2 Eymael 0% 0% 0%
Cenário 2 Embranco/Nulo 26% 18% 15% 8%
237

Cenário 2 Não Sabe 7% 5% 2% 2%


Fonte: G1, 2017.
238

Tabela 8 - Percentual de intenção de voto por região no 1° e 2o turno para presidente da


República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017

Candidatos %Região

Nordeste

Centro-
Sudeste

Norte
Oeste
Sul
Cenário 1 Lula 31% 25% 30% 45% 45%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 20% 28% 26% 20% 20%
Cenário 1 Marina Silva 10% 6% 10% 12% 12%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 9% 5% 6% 3% 3%
Cenário 1 Ciro Gomes 5% 4% 4% 4% 4%
Cenário 1 Álvaro Dias 2% 11% 3% 1% 1%
Cenário 1 João Amoedo 2% 2% 1% 0% 0%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 0% 3% 2% 2%
Cenário 1 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 Cabo Daciolo 1% % 1% 1% 1%
Cenário 1 Vera 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 1 João Goulart Filho 0% 0% 0% 1% 1%
Cenário 1 Eymael 0% % 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo/Nenh 12% 12% 10% 8% 8%
Cenário 1 um 3% 5% 4% 3% 3%
Cenário 2 Não Sabe 22% 30% 29% 26% 26%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 16% 10% 16% 23% 23%
Cenário 2 Marina Silva 9% 8% 5% 10% 10%
Cenário 2 Ciro Gomes 12% 6% 8% 6% 6%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 3% 13% 2% 1% 1%
Cenário 2 Álvaro Dias 5% 2% 1% 2% 2%
Cenário 2 Fernando Haddad 2% 2% 2% 1% 1%
Cenário 2 João Amoedo 1% % 6% 2% 2%
Cenário 2 Henrique Meirelles 1% 0% 1% 2% 2%
Cenário 2 Vera 1% 0% 1% 1% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 1% 1% 1% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 1% 1%
239

Cenário 2 João Goulart Filho 1% % 0% 0% 0%


Cenário 2 Eymael 20% 19% 18% 18% 18%
Cenário 2 Embranco/Nulo 5% 8% 9% 6% 6%
Não Sabe
Fonte: G1, 2017.
240

Tabela 9 - Percentual de intenção de voto por religião no 1° e 2o turno para presidente


da República do Brasil (2018) em dois cenários de 2017
Candidatos %Religião

tem
Espiritualista

Religiões de
Evangélica

Kardecista

Agnóstico
Africana
Católica

Espírita

religião
Matriz

Ateu
Não
Cenário 1 Lula 43% 30% 24% 37% 23% 29%
Cenário 1 Jair Bolsonaro 16% 24% 22% 20% 15% 26%
Cenário 1 Marina Silva 6% 11% 6% 8% 9% 3%
Cenário 1 Geraldo Alckmin 6% 6% 7% 3% 6% 5%
Cenário 1 Ciro Gomes 5% 5% 8% 5% 2% 11%
Cenário 1 Álvaro Dias 4% 3% 8% 3% 7% 1%
Cenário 1 João Amoedo 1% 2% 5% 3% 3% 4%
Cenário 1 Henrique Meirelles 1% 1% 2% 1% 1% 4%
Cenário 1 Guilherme Boulos 0% 1% 1% 1% 1% 2%
Cenário 1 Cabo Daciolo 0% 1% 0% 1%
Cenário 1 Vera 1% 0% 1% 2%
Cenário 1 João Goulart Filho 0% 0% 0% 1% 0% 1%
Cenário 1 Eymael 0% 0% 0% 0% 0%
Cenário 1 Embranco/Nulo 11% 13% 13% 12% 24% 13%
Cenário 1 Não Sabe 4% 3% 2% 2% 5% 1%
Cenário 2 Jair Bolsonaro 19% 26% 14% 12% 23% 26%
Cenário 2 Marina Silva 15% 17% 10% 10% 15% 7%
Cenário 2 Ciro Gomes 11% 9% 12% 12% 9% 16%
Cenário 2 Geraldo Alckmin 9% 8% 11% 13% 6% 5%
Cenário 2 Álvaro Dias 5% 4% 10% 5% 2% 1%
Cenário 2 Fernando Haddad 4% 3% 4% 15% 7% 7%
Cenário 2 João Amoedo 2% 2% 5% 2% 3% 9%
Cenário 2 Henrique Meirelles 2% 2% 1% 1% 1% 4%
Cenário 2 Vera 1% 1% 0% 2% 1%
Cenário 2 Cabo Daciolo 1% 1% 2% 1% 1%
Cenário 2 Guilherme Boulos 1% 1% 1% 5% 2% 2%
241

Cenário 2 João Goulart Filho 1% 1% 0% 1% 00% 1%


Cenário 2 Eymael 0% 0% 0% 0%
Cenário 2 Embranco/Nulo 23% 20% 18% 18% 24% 19%
Cenário 2 Não Sabe 7% 5% 3% 2% 5% 1%

Fonte: G1, 2017.

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