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1) Resenha do livro “Versos, Sons, Ritmos” – Norma Goldstein:

GOLDSTEIN, Norma Seltzer. Versos, sons, ritmos. 14ed. São Paulo: Ática, 2008.

Um dos grandes desafios, principalmente para leitores iniciantes do texto


poético, é provavelmente a compreensão e análise de um poema. Por se tratar de um
gênero não muito difundido e trabalhado de maneira aprofundada nas escolas, por
exemplo, acaba tornando-se um gênero literário que não é “dominado” de maneira
satisfatória por boa parte dos leitores.

Nessa perspectiva, o livro “Versos, Sons, Ritmos” de autoria da doutora em


Letras e professora do Ensino Superior em São Paulo, Norma Goldstein, apresenta, de
maneira clara e simples, os critérios que devem ser utilizados para a análise de um
poema. A obra é constituída por 13 capítulos, nos quais a professora descreve e analisa
as particularidades do texto poético. Ao longo do livro, a autora deixa claro a
inexistência de uma “receita” para análise e compreensão do poema. Dessa forma, ela
apresenta e descreve elementos que facilitam essa compreensão.

No primeiro capítulo, a autora cita de maneira introdutória, as diferenças entre


um texto literário e não-literário, descreve a unidade do poema (características próprias
do poema) e destaca a relevância da sonoridade das palavras para a composição,
estruturação de um poema.

Nos capítulos 2 e 3, Goldstein direciona seus comentários acerca das


características rítmicas do poema e expõe a importância dos ritmos e das propriedades
sonoras, bem como as noções de métrica, que podem ser percebidas a partir da
separação silábica dos poemas, diferenciando os métodos quantitativo e silábico.
Analisa, ainda, as mudanças sofridas pelos “estilos rítmicos” de composição ao longo
do tempo, caracteriza as noções de padrões com modelos e regras, assim, a autora
conceitua e diferencia os versos simétricos e assimétricos.

Já nos capítulos 4, 5 e 6 ela expõe as concepções e características de versos.


Descreve a marcação de versos, utilizada para dar ritmo aos versos, diferencia as
marcações tradicional e latina e expõe os objetivos de cada uma. A autora ainda
apresenta e exemplifica os diferentes tipos de versos e os divide em quatro tipos
(regulares, brancos, polimétricos e livres). Posteriormente, conceitua as estrofes e expõe
as denominações destas de acordo com a quantidade de versos.

Ao longo dos capítulos 7 e 8, Norma apresenta as características de sons do


poema, conceitua as rimas e apresenta suas especificidades (rimas internas, externas,
consoantes, toantes, cruzadas, entre outras). Ela ainda aponta as diferentes figuras de
sons possíveis em um poema: aliteração, assonância, paranomásia, anáfora e
onomatopeia.

No capítulo 9, a professora apresenta e caracteriza os poemas que possuem


forma fixa, porém destaca e aprofunda seu estudo acerca do soneto, forma fixa mais
apreciada pelos poetas, leitores e estudiosos.

O capítulo 10 destina-se a uma apresentação e descrição dos três níveis do


poema (lexical, sintático e semântico) que são classificados pela autora como
fundamentais para análise e compreensão do poema.

No capítulo 11, Norma Goldstein finaliza as discussões de sua obra com uma
análise do poema “Canção” de Cecília Meireles, exemplificando de maneira prática os
diversos pontos abordados nos capítulos anteriores.

Os últimos capítulos, 12 e 13 apresentam, respectivamente, um vocabulário de


diversos termos utilizados ao longo da obra e a referência bibliográfica utilizada pela
autora para a composição de sua obra, onde ela comenta resumidamente cada uma das
obras referenciadas.

As descrições feitas pela autora ao longo do livro, contribuem para uma melhor
interpretação dos poemas. Mesmo leitores inexperientes, a partir da leitura e estudo da
obra de Goldstein adquire mais conhecimento e capacidade para “decompor” o poema e
garantir assim uma maior interpretação de seu conteúdo, ideias e aspectos explícitos e
implícitos em sua composição. A leitura e compreensão do livro é de grande facilidade,
a grande quantidade de exemplos ao longo das conceituações da autora, explicam
claramente a teoria, proporcionando ao leitor uma maior capacidade de compreender e
estudar a literatura poética.

Assim, o livro possui grande relevância para estudantes iniciantes no curso de


Letras que queiram e/ou necessitem de um maior conhecimento acerca do poema para
futuras análises e estudos ou mesmo aqueles que não são iniciantes, mas desejam obter
uma base teórica mais firme para tais estudos. Porém, não se restringe a esse público:
Devido a sua, já citada, facilidade de compreensão, a obra “Versos, Sons, Ritmos” pode
e deve ser lida e estudada por qualquer pessoa que se interesse pela categoria literária
abordada ao longo da obra.

2) Análise do poema de Sérgio de Castro Pinto:

1979: ano I da criança brasileira

criança que pratica esporte


respeita as regras do jogo

criança que pratica esporte


respeita as regras do logro

criança que pratica esporte


respeita as regras do ogro

criança que pratica esporte


respeita as regras do lobo

criança que pratica esporte


respeita as regras da globo

Sérgio de Castro Pinto

Em 1976, o Unicef declarou o ano de 1979 como o ano internacional da criança


brasileira. Isto implicava em voltar-se às atenções mundiais para a criança, os problemas
que as afetavam e os riscos que estas corriam, no mundo inteiro, até os sete anos de
idade. Nesse sentido, a Rede Globo de Televisão aderiu à campanha do Unicef se
tornando grande divulgadora dessa mobilização, inclusive, foi realizada pela emissora
uma espécie de espetáculo para anunciar e divulgar tal campanha, dividido entre o Rio
de Janeiro e São Paulo, que durou mais de 24 horas no qual apresentaram-se diversos
artistas da época. Dentre as diversas manifestações da emissora em relação à campanha,
destaquemos o slogan “Criança que pratica esporte respeita as regras do jogo” numa
menção
à educação através do esporte, à modificação de uma realidade a partir da cultura do
esporte. A partir desse slogan, surge o poema de Sérgio Castro Pinto.
Marcado pela característica de crítico social inerente ao poeta, o poema é uma
crítica, uma reflexão acerca de questões sociais, uma crítica ao capitalismo e à
manipulação midiática sofrida pela grande massa da população. A partir do slogan da
emissora de televisão, o autor utilizou de substituições do último termo da frase para a
construção do sentido do poema: a repetição proposital dos trechos (versos) “criança
que pratica esporte / respeita as regras do[...]” e a modificação do último termo,
alternando-se entre “jogo”, “logro”, “ogro”, “lobo”, “globo” deixam clara a
intencionalidade crítica do autor na composição de sua obra.
O poema analisado estrutura-se em cinco pequenas estrofes de apenas dois
versos cada. Os primeiros versos de cada estrofe compõem-se de nove sílabas poéticas,
sendo assim versos eneassílabos, enquanto os segundos apresentam sete sílabas
poéticas, o que os classifica como versos heptassílabos (redondilha maior). O Poema de
Sérgio Castro Pinto, apresenta um ritmo repetitivo e fácil de ser memorizado devido,
possivelmente, a estrutura constante dos mesmos, os quais apresentam o mesmo “texto”,
mudando-se apenas a última palavra de cada verso: no corpo do poema o autor utilizou,
intencionalmente, de uma espécie de “jogo de palavras”, através dos termos “jogo”,
“logro”, “ogro”, “lobo” e “globo” para compor o sentido crítico do texto poético. Ainda
quanto aos termos utilizados nesse “jogo de palavras”, pode-se perceber a seleção
intencional de palavras dissílabas com repetição da vogal “o”, o que caracteriza a
presença de uma assonância no poema.
Assim como os demais poemas do autor, este em questão, apresenta
características modernistas, onde observa-se uma linguagem coloquial e o
desprendimento em relação a supostas “normas de composição” estabelecidas em
períodos anteriores ao desta criação do poeta. Trata-se de um poema estruturado
uniformemente, porém tal uniformidade não se deve, por exemplo, a um “modelo
estrutural” de composição, mas sim, à já citada, proposital adaptação de um slogan
veiculado por uma emissora de televisão. Devido a esta estrutura uniforme do poema,
nota-se a presença de versos relativamente livres em cada estrofe, mas que, na unidade
do poema, rimam-se regularmente entre uma estrofe e outra, todas as estrofes possuem a
mesma característica sonora, que combinadas, compõem o ritmo do poema.
O poema apresenta a repetição dos verbos “pratica” e “respeita” (verbos de ação
e estáticos, respectivamente) que, no sentido geral do poema, podem ser identificados
como a representação da ação restrita, regulada da criança, devido a uma constante
repressão ou controle por parte de outrem: na primeira estrofe (o slogan propriamente
dito), o controlador dos atos da criança é o próprio jogo, que apresenta regras e normas
em seu funcionamento. Na segunda estrofe, o autor substitui o termo “jogo”, por
“logro”, o que sugere ser, neste momento, o controlador das ações infantis, o logro
enquanto a característica ludibriante por parte de alguém, o ato de enganar, de “agir de
má fé”, onde as crianças são alvos fáceis devido a inocência intrínseca à sua pouca
idade. Já na terceira estrofe a substituição se dá pelo termo “ogro”, representando a
agressividade alheia à qual as crianças são constantemente sujeitadas. Nesse ponto, as
crianças são controladas e oprimidas, provavelmente, por um adulto agressivo que as
coloca em condição inferior por serem crianças. Na penúltima estrofe já se apresenta o
termo “lobo” em substituição ao anterior, caracterizando dessa forma as intenções
disfarçadas em relação à criança, talvez uma analogia ao termo popular “lobo disfarçado
em pele de cordeiro” onde, nesse aspecto, é muito comum crianças serem vítimas de
diversos tipos de agressão e abusos por parte de pessoas que se aproximam
intencionalmente e dissimuladamente delas. Por fim, na última estrofe, o autor substitui
o termo anterior pela palavra “globo”, buscando, dessa forma, criticar a manipulação
midiática por parte das emissoras de televisão, assim como uma suposta promoção por
parte de tal emissora a partir da campanha do Unicef, a qual ela, supostamente,
transformou em um espetáculo midiático em busca de audiência. Desta forma, Sérgio de
Castro Pinto apresenta em versos paralelos, marcados pela repetição e ainda de maneira
metafórica os diversos problemas pelos quais a criança passa, os riscos que corre e a
manipulação que sofre.

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