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Viva Favela

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Atualizado em 19 de agosto | 4:59 PM


Julho de 2007

1 – Qual a importância política da chamada Literatura Marginal?


R: É enorme. A nossa tradição literária ou, melhor, nossa “missão” como autores
literários, como diz Antonio Cândido, sempre foi a de falar pelos “pobres” de mostrar
um engajamento com a questão social. Existe até um livro importante do crítico Roberto
Schwartz chamado O Pobre na Literatura Brasileira. Portanto como tema, a periferia
sempre foi um eixo literário importante. Mas agora, pela primeira vez, desde de
Carolina Maria de Jesus, temos realmente uma literatura feita pelos sujeitos dessa
periferia, com uma grande força literária e com forte impacto político.

2 – Desde o lançamento de Cidade de Deus, como você acha que os círculos


literários estão reagindo ao movimento?
R: Os círculos literários são vários na realidade. O da academia e Universidades reagem
um pouco, discutindo seu valor literário propriamente dito. Mas também esse aspecto
reativo da Universidade a qualquer manifestação nova ou não “classificada” sempre
acontece. Com honrosas exceções, como a de Roberto Schwartz, o grande incentivador
e responsável pela publicação de Cidade de Deus. O círculo dos críticos aceitaram
razoavelmente bem e o círculo dos editores está ainda meio temeroso. Paulo Lins, por
ter sido um best seller, conquistou seu lugar no mercado. Mas outros ainda que estejam
sendo editados por grandes editoras como Objetiva e Ediouro, ainda estão saindo em
pequenas edições. O caso da Editora Casa Amarela é único e louvável por seu
investimento nesse segmento e a Revista Caros Amigos um veiculo super importante
desta literatura. Portanto as reações estão ainda tímidas mas isso era de se esperar.

3 – Além do comprometimento do artista com o local da fala, há outras


semelhanças estéticas que podemos encontrar em comum nos chamados
“escritores periféricos”?
R: Acho que sim. Há uma escrita mais solta, bem mais engajada , um certo
compromisso com a divulgação da informação sobre suas comunidades, vidas e
sentimentos, e muitas vezes um ritmo quebrado, belo e forte. Outro ponto importante é
um certo tipo de escrita mais coletiva, que abre espaço para os manos, outras vozes,
outros gêneros.

4 – Como se dá a influência do rap e do hip-hop nesses autores? Poderíamos falar


de um novo cânone literário?
R: Acho que cada caso é um caso. O próprio rap é um primo irmão da crônica literária.
Tem o mesmo DNA apesar de trazer junto um input poético interessante. Tomando os
dois casos mais notórios, acho que no caso Paulo Lins essa influência é menor ou quase
nenhuma. Claramente sua influência são os autores mais clássicos. No caso Ferrez, o
hip hop e o rap dão bem mais o tom e a levada da narrativa. Acho que com a
diversidade cultural e literária se consolidando e ganhando prestígio, a noção de cânone
envelhece definitivamente. O que já não era sem tempo.
5 -Paulo Lins e Ferrez lançaram seus livros em 1997, ano que é considerado divisor
de águas para a literatura marginal. Como você analisa a importância deles para o
movimento?
R: A importância decisiva deles foi terem aberto esse espaço de criação nas suas
comunidades e serem respeitados por isso , o que estimula novos escritores a
produzirem seus próprios textos e a criarem seus próprios estilos. Outro fator
importante é o de ter se imposto no mercado editorial o que proporciona um canal de
comunicação e maior contato entre centro e periferia, bem como trazer novos ventos
temáticos, de dicção e de estilo para nossa literatura.

6 – Gostaria que você analisasse essa relação entre o publico consumidor de classe
média e os autores da periferia. Como você vê o interesse da classe média pelo
“outro”, e como vc analisa essa mediação sendo feito por produtos culturais?
R: Não sei se o grande público consumidor de classe media já se deu conta da
importância dessa nova literatura. Me parece que ele apenas começa a se interessar por
novos conteúdos , há uma curiosidade grande pelo “outro lado” um pouco
proporcionado pela violência do dia a dia das cidades, enfim um conjunto de fatores que
começa a fazer com que a classe media , digamos, “se toque”. Mas espero que em
breve, alem desse interesse disperso, venha o respeito por uma literatura cheia de garra,
atitude e estilo, coisa que estava fazendo falta no nosso universo literário. Quanto à
mediação por produtos culturais, não é novidade. A cultura sempre foi o caminho mais
fácil de criar canais e mediações, como prova o caso do samba que proporcionou um
trânsito livre entre a favela e o asfalto.

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