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Daniel 1 1

Ellen G. White e a Interpretação


de Daniel e Apocalipse

Documento oficial preparado


pelo
Instituto de Pesquisas Bíblicas
da
Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia
O estudo das profecias de Daniel e Apocalipse é importante para a dinâmica espiritual da Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Tem sido sempre assim. “Os ministros devem apresentar a firme palavra da
profecia como o fundamento da fé dos Adventistas do Sétimo Dia”, declarou Ellen White. “As profecias
de Daniel e Apocalipse devem ser cuidadosamente estudadas e, em ligação com elas, as palavras: ‘Eis o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (Jo 1:29).” Obreiros Evangélicos, 148.

E outra vez escreveu: “Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, terão os
crentes uma experiência religiosa inteiramente diferente. Ser-lhe-ão dados tais vislumbres das portas
abertas do Céu que o coração e a mente se impressionarão com o caráter que todos devem desenvolver a
fim de alcançar a bem-aventurança que deve ser a recompensa dos puros de coração.” Testemunhos para
Ministros, p. 114.

O Método Historicista de Interpretação

Como todo leitor da Bíblia sabe, os livros de Daniel e Apocalipse estão escritos amplamente em símbolos.
Os estudantes da Bíblia, consequentemente, os descrevem como profecia apocalíptica para distingui-los
das profecias diretamente clássicas, tais como as encontradas nos profetas maiores e menores do AT.
Nesses dois livros apocalípticos Deus revela toda a extensão da controvérsia moral que tem convulsionado
nosso planeta, focalizando sobre a vitória final de Sua causa e o juízo final das forças do mal.

Desde o princípio os Adventistas do Sétimo Dia têm seguido o método histórico de interpretação
profética para explicar os símbolos e seus significados. Algumas vezes esta abordagem é chamada de
método historicista ou método contínuo histórico.

O método historicista aceita o pressuposto de que as profecias de Daniel e Apocalipse destinam-se a ser
reveladas e cumpridas no tempo histórico – no período decorrido entre os profetas Daniel e João,
respectivamente, e o estabelecimento final do reino eterno de Deus. O princípio dia-ano (um dia simbólico
= um ano literal) é uma parte integral deste método, visto que ele funciona para revelar os períodos de
tempo simbólico, de forma a podermos localizar os eventos preditos ao longo do seu cumprimento na
história.

Jesus usou o método historicista para interpretar Daniel quando Ele anunciou, "O tempo está cumprido, e
o reino de Deus está próximo " (Mc 1:15). Nesta afirmação do cumprimento profético Ele aludiu à
profecia das 70 semanas (Dan 9:24-27) que predisse o aparecimento do Messias. Perto do fim de Sua vida
Jesus novamente referiu-Se à mesma profecia. Desta vez, entretanto, Ele apontou para outro aspecto – “o
príncipe que há de vir e destruir a cidade e o santuário” (v. 26; ver Mt 24:15; Lc 21:20). Esses eventos
ocorreriam após Sua morte e ascensão. Seu cumprimento histórico ocorreu na destruição de Jerusalém e o
templo pelos romanos no ano 70 AD.

Os reformadores Protestantes (de cujas raízes derivamos) semelhantemente empregaram o método


historicista. Sobre este fundamento eles concluíram que o papado era o foco de várias das profecias em
Daniel e Apocalipse. Seguindo este método os pioneiros Adventistas perceberam, em nosso próprio
tempo, o duplo ministério de Cristo no santuário celestial, nossa identidade como um povo, e nossa
missão. Nosso entendimento de Daniel e Apocalipse tornou-se a estrutura distintiva para manter e
enfatizar as verdades bíblicas que ensinamos como Igreja.
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Os Métodos Preterista e Futurista de Interpretação

As interpretações protestantes de Daniel e Apocalipse no séc. XVI chocaram a Igreja Católica Romana.
Em resposta a Contra-Reforma Católica introduziu os argumentos iniciais para dois diferentes sistemas de
interpretação profética: preterismo e futurismo. Estes movimentos serviram para desviar o dedo acusador
da profecia do sistema papal.

O Preterismo (do Latim, praeter, significando "passado") argumentou que esses livros proféticos
encontraram seu cumprimento no passado pré-cristão ou nos primeiros séculos da era cristã. O Preterismo
eventualmente penetrou no pensamento Protestante no final do século XVIII e se tornou a posição padrão
do Protestantismo liberal. Hoje, a erudição padrão histórico-crítica situa a composição do livro de Daniel
no segundo século a.C. e entende suas alegadas profecias como refletindo a pessoa e tempos de Antíoco
IV Epifânio, o rei Selêucida da Síria. O livro do Apocalipse é restrito a um contexto romano nos primeiros
séculos da era cristã.

O Futurismo entrou nas fileiras Protestantes no primeiro quarto do século XIX. Hoje, a forma mais
proeminente de interpretação futurista situa o cumprimento do conteúdo do Apocalipse (com exceção dos
cap. 1-3) em um período de tribulação de 3 anos e meio no final dos tempos, iniciando com um rapto
secreto da igreja para o céu. A septuagésima semana da profecia das 70 semanas de Daniel 9:24-27 é
separada de seu contexto [i.e, do período total das 70 semanas] e reposicionada nos últimos sete anos do
mundo. Muitos protestantes conservadores têm adotado o futurismo (com adições e variações) como seu
sistema padrão para interpretar as profecias de Daniel e Apocalipse.

Roma astutamente sabia que uma mudança no método de interpretação levaria inevitavelmente a uma
mudança nas conclusões. É fácil perceber que tanto o preterismo como o futurismo desviam o foco
profético de Roma e suas atividades. O Preterismo e os estudos atuais histórico-críticos situam todos os
cumprimentos no passado. O Futurismo situa o cumprimento do conteúdo do Apocalipse em um ponto
futuro – no fim do mundo após um suposto rapto secreto. (Eruditos histórico-críticos também consideram
Daniel 11:40-45 como uma profecia que falhou em se materializar.)

Hoje, os Adventistas do Sétimo Dia permanecem virtualmente sozinhos como proponentes do método
historicista de interpretar Daniel e Apocalipse, o método de Cristo, Paulo e dos Reformadores.

A Contra-Reforma “Bate” à Porta Adventista

Em um sentido muito real o espírito da Contra-Reforma está batendo hoje à porta da Igreja Adventista e
pressionando insistentemente para entrar!

Alguns estudantes Adventistas da Bíblia propõem que a igreja seriamente considere as posições preterista
e crítico-histórica que considerariam esses livros proféticos ou como cumprido ou fracassado no passado.
Diferentes abordagens são então adotadas para fazer tais profecias significativas e relevantes para a igreja
hoje.

Variações Preteristas

Por exemplo, alguns sugerem que uma profecia pode ter múltiplos cumprimentos. Esta abordagem
argumentaria que o chifre pequeno de Daniel 8 poderia encontrar sucessivos cumprimentos (em diferentes
eras) em Antíoco IV, Roma pagã, Roma papal, e mesmo (justo antes do fim) em Satanás, quando ele
personificaria a Cristo.

Outra abordagem afirma que as profecias de Daniel não são uma revelação da presciência de Deus. Antes,
elas pretendiam ser uma declaração de Seu propósito e estavam condicionadas à obediência de Israel.
Quando Israel falhou em aceitar o Messias e foi rejeitado por Deus como Seu agente, o intento original
das profecias de Daniel falhou. Consequentemente, Daniel não tem qualquer significado para a igreja hoje,
a menos que escritores inspirados posteriores façam uma reaplicação de uma determinada profecia. Sobre
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esta base, a cena do juízo pré-advento registrada em Daniel 7:9-10, 13-14 é forçada a se tornar a cena do
juízo executivo de Apocalipse 20:11-15 porque a passagem posterior é considerada como a reaplicação
feita por João de Daniel 7!

Um terceiro subproduto da posição preterista leva alguns a assumir uma abordagem idealista de Daniel e
Apocalipse. Esta posição argumenta que os livros devem ser vistos como ilustrando (em forma simbólica)
o grande conflito entre o bem e o mal – entre Deus e Satanás – do qual somente princípios espirituais
podem ser extraídos. Enquanto tal batalha seja evidente, o idealista escolhe não seguir adiante; ele está
indisposto a fazer aplicação específica dos símbolos a realidades históricas.

Variações Futuristas

Outros estudantes Adventistas da Bíblia (tanto ministros como leigos) estão assumindo uma abordagem de
orientação mais futurista. Comumente eles pretendem ser leais às interpretações historicistas de Daniel e
Apocalipse que nós, como um povo, sustentamos. Mas há um profundo desejo de tornar essas profecias
relevantes aos eventos atuais. Enquanto alguns situam certas profecias após o fechamento da porta da
graça como seu cumprimento primário (tais como as sete trombetas), é mais comum optar por um
cumprimento dual no tempo do fim de certas profecias selecionadas em Daniel e Apocalipse. A única
maneira de reter as posições historicistas da igreja, eles creem, e, ao mesmo tempo, fazer certas profecias
relevantes, é empregando o recurso (device) do cumprimento dual.

Mas não há consistência. Somente certos capítulos são reaplicados. Por exemplo, alguns ensinam que os
animais de Daniel 7 e 8 atualmente estão encontrando outro cumprimento nas atividades dos EUA, Rússia,
Iraque, e Irã. Alguns argumentam que o período de tempo dos 1260 anos terá outro cumprimento no
futuro, em uma base dia-por-um-dia, enquanto outros têm sugerido um cumprimento dual para a profecia
das 70 semanas.

Essas pessoas bem-intencionadas, que argumentam por um cumprimento dual de profecias selecionadas
em Daniel e Apocalipse, têm uma coisa em comum: todos eles creem que Ellen White apoia a teoria do
cumprimento dual para os livros de Daniel e Apocalipse.

Os Adventistas do Sétimo Dia têm sempre reconhecido, a partir dos próprios dados bíblicos, que certas
profecias clássicas (nos profetas maiores e menores) dão clara evidência em seus contextos que um mais
completo cumprimento pode ser esperado após uma aplicação parcial (por exemplo, a profecia de Joel
sobre o derramamento do Espírito Santo [Joel 2:28-32] e a profecia de Malaquias de uma mensagem de
Elias [Mal 4:5-6]).

Entretanto, nunca assumimos tal posição em relação às profecias de Daniel e Apocalipse. Atribuir
cumprimentos dual e múltiplo a essas grandes revelações da presciência divina é dar à face da profecia um
nariz de cera para ser voltado para esse ou aquele lado. Cumprimentos dual e múltiplo roubam dessas
grandes profecias o seu significado real e fazem evaporar sua contribuição para a nossa certeza espiritual.

A série de sete igrejas é única (Ap 1-3). Quando originalmente escritas, essas mensagens, aparentemente,
tinham uma aplicação direta à situação local (1:11), e elas continuam transmitindo lições para a igreja em
cada época. Mas mesmo neste exemplo especial o Espírito parece ter pretendido somente um verdadeiro
cumprimento profético. “Os nomes das sete igrejas são símbolos da igreja em diferentes períodos da era
cristã. O número sete indica plenitude, e simboliza o fato de que as mensagens se estendem até o fim do
tempo, enquanto os símbolos usados revelam o estado da igreja nos diversos períodos da história do
mundo.” (Atos dos Apóstolos, 585).

Seria, porém, verdadeira a afirmação de que, escondidas nos escritos de Ellen White, nós podemos
encontrar as sementes de um novo método de interpretar Daniel e Apocalipse – o método do duplo
cumprimento? É possível que Ellen White de fato tenha ensinado e endossado o método historicista de
interpretar Daniel e Apocalipse e, ao mesmo tempo, inseriu declarações aqui e acolá a partir das quais a
igreja poderia mais tarde construir um novo método de interpretação profética? Não nos esqueçamos a
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verdade válida que Roma plenamente reconheceu quando seus teólogos jesuítas propuseram novos
métodos para interpretar Daniel e Apocalipse: Uma mudança no método inevitavelmente leva a uma
mudança nas conclusões.

Em termos de interpretação profética a Igreja Adventista se encontra em uma encruzilhada. O espírito da


Contra Reforma bate à porta Adventista. A decisão de abrir a porta e seguir o caminho que um
Protestantismo anterior seguiu é uma opção. No clima ecumênico atual a tentação de seguir aquele
caminho é atraente. Mas há uma razão válida pela qual nós deveríamos permanecer leais à fé profética de
nossos pais pioneiros.

A Posição Historicista de Ellen G. White

Não há a mais leve evidência de que Ellen White pretendesse que a igreja seguisse qualquer outro método
de interpretar as profecias de Daniel e Apocalipse além do método historicista. De uma forma muito clara
seus comentários sobre o livro de Apocalipse apresentam a compreensão historicista de que as profecias
de Daniel e Apocalipse se desenrolam na história desde os tempos de Daniel e João até o estabelecimento
do reino eterno de Deus. Por exemplo:

O livro do Apocalipse revela ao mundo o que foi, o que é, e o que será; é para nossa instrução, sobre quem
os fins dos séculos tem chegado. Deveria ser estudado com respeito reverente. Somos privilegiados em
saber o que é para o nosso aprendizado. (Comentários de Ellen G White, The SDA Bible Commentary, vol.
7, p. 954 (ênfase acrescentada).

No Apocalipse são representadas as coisas profundas de Deus. . . . Suas verdades são dirigidas aos
que vivem nos últimos dias da história da Terra, como o foram aos que viviam nos dias de João. Algumas
das cenas descritas nesta profecia estão no passado e algumas estão agora acontecendo; algumas
apresentam-nos o fim do grande conflito entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu e algumas
revelam os triunfos e o regozijo dos remidos na Terra renovada. (Atos dos Apóstolos, 584).
Nestas declarações abrangentes Ellen White demonstra como Deus designou que a profecia apocalíptica
encontrasse um cumprimento sequencial no desenrolar da história. (1) Algumas dessas profecias já
tiveram o seu cumprimento nas eras passadas; (2) algumas das profecias estão encontrando o seu
cumprimento agora; (3) algumas focalizam sobre o conflito final na controvérsia e ainda não tiveram seu
cumprimento; finalmente, (4) algumas porções das profecias relacionam-se ao estado da nova terra
quando, somente então, encontrarão seu cumprimento.

Ellen White afirma que o livro de Apocalipse é tão importante para os cristãos dos últimos dias como foi
para os cristãos nos dias de João. “Suas verdades são dirigidas aos que vivem nos últimos dias da história
da Terra.” Isto não é porque ela está propondo um duplo cumprimento daquelas porções das profecias já
cumpridas. A implicação de sua declaração é clara. O livro continua relevante porque os cumprimentos de
algumas dessas profecias “estão ocorrendo agora”, e outros em breve encontrarão cumprimento no “fim
do grande conflito entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu”. Além disso, os Adventistas de hoje
podem continuar a aprender lições espirituais da história passada e do cumprimento profético. Desta forma
as profecias de Daniel e Apocalipse continuam a dar encorajamento, confiança e motivação aos cristãos
dos últimos dias, apesar de grande parte desses livros terem encontrado completo cumprimento em épocas
passadas.

Ellen White não discute cada porção de Daniel e Apocalipse em seus escritos. Suas apresentações mais
abrangentes são encontradas no bem conhecido livro O Grande Conflito. Por exemplo, ela apresenta uma
clara interpretação do chifre pequeno (Dan 7); o dragão (Ap 12); a besta semelhante a leopardo (Ap 13); e
os períodos de tempo relacionados (3 1/2 tempos = 1260 dias = 42 meses = 1260 anos de supremacia
papal, 538-1798) bem como a besta de dois chifres (Ap 13) e o conflito final sobre o Sábado e a Lei de
Deus simbolizado pela imposição da “marca da besta” pela “imagem da besta” (Ver O Grande Conflito,
pp. 438-450). Essas posições endossam (confirmam) plenamente o método historicista e as principais
conclusões e posições alcançadas por nossos pioneiros que empregaram este sistema. Seus escritos
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divinamente guiados confirmam o fundamento profético (derivado de Daniel e Apocalipse) sobre o qual a
IASD repousa hoje.
Os Escritos de Ellen G. White Ensinam Outro Método de Interpretação Profética?

Os adventistas que estão fazendo uma aplicação de duplo cumprimento a profecias selecionadas em
Daniel e Apocalipse geralmente argumentam que eles encontram o endosso de Ellen White para este
método escondido em certas declarações. Essas supostas chaves para um novo sistema de interpretação
profética estão espalhadas por toda a sua grande coleção de escritos e foram trazidas à luz apenas nos
últimos anos. Analisemos algumas citações comumente usadas, sem tentar ser exaustivos:

Exposição 1
“O mundo está agitado com o espírito de guerra. As profecias do capítulo onze de Daniel tem quase
alcançado o seu cumprimento final.” (Review and Herald, November 24, 1904, p. 94).
Argumento: Ênfase é posta sobre a frase “cumprimento final”. É sugerido que se uma profecia tem um
cumprimento final, ela deve ter tido cumprimentos prévios.

Resposta: Não há um princípio oculto de cumprimento duplo ou múltiplo aqui. Ellen White está
simplesmente notando que a porção final desta longa profecia está prestes a encontrar seu cumprimento.
Daniel 11 está prestes a ser concluído. Que este é o verdadeiro sentido da passagem pode ser visto
comparando sua reafirmação do mesmo ponto cinco anos mais tarde em um artigo intitulado "The Last
Crisis." Assim se lê: “O mundo está agitado com o espírito de guerra. A profecia do capítulo onze de
Daniel tem quase alcançado o seu completo cumprimento.” (Testimonies, vol. 9, p. 14 (publicado 1909
[ênfase acrescentada]).

Exposição 2
“Estamos no limiar de grandes e solenes acontecimentos. Muitas das profecias estão prestes a se
cumprir em rápida sucessão. Cada elemento de energia está prestes a ser posto em ação. Repetir-se-á a
história passada. Antigas controvérsias serão revivescidas, e perigos rodearão de todos os lados o povo de
Deus. A tensão está se apoderando da família humana. Está permeando tudo na Terra. …

“Estudai o Apocalipse em ligação com Daniel; pois a história se repetirá.” Testemunhos para
Ministros, p. 116 (ênfase acrescentada).

“A profecia no décimo primeiro [capítulo] de Daniel quase atingiu o seu cumprimento completo.
Grande parte da história que ocorreu em cumprimento desta profecia será repetida.” Letter 103, 1904
(Manuscripts Released 1077 [ênfase acrescentada]).
Argumento: Uma repetição dos eventos históricos que cumpriram uma determinada profecia indica que a
profecia em si terá um cumprimento dual.

Resposta: Ellen White usa várias vezes a expressão “a história se repetirá”. Mas história e profecia são
dois assuntos diferentes. Não está implicado que a repetição de uma experiência histórica também
significa uma repetição da mesma profecia. Tal conclusão distorce o significado que ela tinha em mente.

Ellen White está nos aconselhando a estudar os cumprimentos proféticos do passado – estudar os
princípios envolvidos – porque problemas semelhantes se levantarão de novo, e o povo de Deus terá que
enfrentá-los. “Antigas controvérsias serão revivescidas”. Preparamo-nos para essas questões através da
compreensão dos desafios envolvidos nesses eventos passados. A história, na verdade, será repetida, mas
não a mesma profecia específica que já teve o seu cumprimento no passado.

Por exemplo, Daniel 7:25 e Apocalipse 13:7 são duas profecias que lidam com a perseguição do povo de
Deus durante os 1.260 anos de domínio papal na Europa. Sabemos que a perseguição contra o povo de
Deus será repetida no final da história humana porque outra profecia o afirma (Ap 13:15-17). Mas esta
repetição da perseguição (história repetida) não envolve a repetição das profecias de Daniel 7:25 e
Daniel 1 6

Apocalipse 13:7. Estudar as vidas dos fiéis e as questões que eles enfrentaram em seus tempos – e como
eles as enfrentaram – pode fortalecer-nos para enfrentar a perseguição em nosso próprio tempo.

Exposição 3

“A luz que Daniel recebeu de Deus foi dada especialmente para estes últimos dias. As visões que ele viu
às margens do Ulai e do Hidequel, os grandes rios de Sinear, estão agora em processo de cumprimento, e
logo ocorrerão todos os acontecimentos preditos. Testemunhos para Ministros, pp. 112-113 (ênfase
acrescentada).
Esta declaração é vinculada à explicação do anjo Gabriel a Daniel após sua visão registrada no
capítulo 8: “Entende, filho do homem, pois a visão pertence ao tempo do fim.” (Dan 8:17).

Argumento: Ellen White morreu na primeira parte do século XX. Como Gabriel, ela está
evidentemente nos dirigindo para um evento futuro além de seu próprio tempo.

Resposta: Ao citar este parágrafo por si só (tirando-o do contexto de seus escritos e crenças
evidentes), podemos fazer parecer que Ellen White está aqui apoiando um duplo cumprimento de Daniel
8. Neste capítulo Gabriel menciona especificamente os reinos da Medo-Pérsia e da Grécia como os
cumprimentos do carneiro e do bode simbólicos, respectivamente (Dan 8:20-21). Isto agora é história
passada. No entanto, Ellen White parece dizer que as visões que Daniel viu no capítulo 8 “estão agora em
processo de cumprimento”, e uma vez que Gabriel também disse que o cumprimento teria lugar no “tempo
do fim”, pareceria que é de se esperar um cumprimento atual ou duplo de Daniel 8. No entanto, tal
conclusão ignora o contexto histórico em que Ellen White escreveu o texto acima, bem como o aspecto
particular da visão a que ela se referia quando disse que estava “agora em processo de cumprimento.”

Ellen White, juntamente com a Igreja Adventista em geral, cria que o período da opressão papal, os
1260 anos, estenderam-se de 538 a 1798 A.D. Este período profético é mencionado em Daniel e
Apocalipse sob três diferentes símbolos temporais: (1) três tempos e meio – Dan 7:25; 12:7; Ap 12:14; (2)
1260 dias – Ap 11:3; 12:6; (3) 42 meses – Ap 11:2; 13:5. Em harmonia com isso, Ellen White e os
pioneiros criam que o período de tempo que se estende de 1798 até o fim do tempo da graça devia ser
designado como o “tempo do fim” mencionado pelo anjo Gabriel. O juízo pré-advento (investigativo)
ocorreria neste período e seria anunciado na terra pela mensagem do primeiro anjo (Dan 7:9-10, 13-14; Ap
14:6-7). Note as claras afirmações de Ellen White sobre este ponto:
“Daniel ficou na sua sorte para dar seu testemunho, que foi selado até ao tempo do fim, quando devia
ser proclamada ao mundo a mensagem do primeiro anjo. Testemunhos para Ministros, p. 115 (ênfase
acrescentada).

“Desde 1798, porém, o livro de Daniel foi descerrado, aumentou-se o conhecimento das profecias, e
muitos têm proclamado a mensagem solene do juízo próximo.” O Grande Conflito, 356.

“A mensagem de Apocalipse 14, proclamando que é vinda a hora do juízo de Deus, é dada no tempo
do fim.... Mensagens Escolhidas, 2:107 (ênfase acrescentada).

“As visões proféticas de Daniel e João predizem um período de escuridão e declínio moral, mas no
tempo do fim – o tempo no qual estamos vivendo agora – elas falarão e não mentirão.” Testemunhos para
a Igreja, 5:9-10 (ênfase acrescentada).
À luz das observações acima é evidente que quando Ellen White diz que as visões de Daniel (cap. 8)
“estão agora em processo de cumprimento” ela estava se referindo ao grande juízo investigativo pré-
advento (Dan 7-8) que estava ocorrendo no céu em seus dias, e que continuará até o fechamento da porta
da graça. Ela não estava revelando um princípio oculto para levar a igreja a descobrir um cumprimento
dual para o carneiro, o bode, os quatro chifres e o chifre pequeno. O aspecto da visão que Daniel viu nas
margens do Ulai, que ainda está em processo de ser cumprida pertence ao ministério de juízo de Cristo no
Lugar Santíssimo antes de Sua recepção do reino eterno e Sua segunda vinda. Na terra as mensagens dos
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três anjos (Ap 14:6-14) continuam a anunciar aos habitantes da terra a urgência dos tempos: “vinda é a a
hora do Seu [de Deus] juízo (Ap 14:7).
Exposição 4

“A questão do Sábado será o tema no grande conflito em que todo o mundo terá uma parte. [Cita o
texto de Ap 13:4-8, 10.] Todo este capítulo é uma revelação do que certamente acontecerá [Cita a
passagem de Ap. 13:11, 15-17]. Comentários de Ellen G. White, The SDA Bible Commentary, vol.7, p.
979 (ênfase acrescentada).
Argumento: Esta passagem é citada como “o argumento decisivo” para provar que Ellen White endossou
um duplo cumprimento das profecias e, neste exemplo, uma repetição da profecia dos 1260 anos como
1260 dias literais.

O leitor é convidado a observar que Ellen White cita Apocalipse 13:4-8 nesta passagem. O texto retrata o
poder papal, sob o símbolo de uma besta leopardo com sete cabeças e dez chifres coroados. A passagem
também inclui o elemento de tempo de sua supremacia antes de seu ferimento: 42 meses proféticos ou
1260 dias proféticos. A atenção do leitor é então dirigida para a declaração que se segue à passagem da
Escritura: “Todo esse capítulo é uma revelação do que certamente ocorrerá” (ênfase acrescentada).

A partir desta sequência de dois pontos a seguinte posição é fundamentada: A carreira de 1.260 anos do
papado é passada. Mas agora Ellen White nos diz que este “capítulo inteiro” – incluindo o elemento de
tempo dos 42 meses – certamente ocorrerá [tempo futuro]. Aqui está uma prova clara para se empregar
um princípio de cumprimento dual para interpretar Daniel e Apocalipse de forma a torná-los relevantes
para os nossos tempos.

Resposta: Esta declaração de Ellen White só precisa ser lida em seu contexto para ver que ela não fornece
nenhuma base para um duplo cumprimento de Apocalipse 13:1-10 ou de seu período de tempo. Se o
volume do Comentário Bíblico Adventista estiver disponível, o leitor está convidado a acompanhar
enquanto esboçamos os conteúdos desta seleção de dois parágrafos impresso como um comentário de
Ellen White sobre Apocalipse 14.

O contexto do pretenso “argumento decisivo” começa em um parágrafo anterior, no qual Ellen White
primeiramente cita Ap 14:9-10, a advertência do terceiro anjo contra a marca da besta e a sua imagem.
Então ela faz uma observação: “É do interesse de todos compreender o que é a marca da besta, e como
poderão escapar das terríveis ameaças de Deus. Por que os homens não estão interessados em saber o que
constitui a marca da besta e sua imagem? [ênfase acrescentada]. Está em direto contraste com a marca de
Deus”. Ela então cita Êxodo 31:12-17, que declara que o Sábado é o “sinal” ou marca de Deus, assim
implicando que a “marca da besta” é alguma coisa que é justamente o oposto do Sábado. Ela continua:

“A questão do Sábado será o tema no grande conflito em que todo o mundo terá uma parte.” [ênfase
acrescentada]. Neste ponto ela cita Apocalipse 13:4-8, 10. Esta passagem provê a informação pela qual é
possível identificar a besta: sua origem/poder derivados do dragão; seu especial domínio por 42 meses
proféticos; sua perseguição dos santos nesse tempo; sua blasfêmia contra o Céu; seu cativeiro; e o fato de
que o mundo adorará e seguirá sua liderança outra vez. Fundamentado nesses dados é possível determinar
que a besta é o poder papal. Isso coloca o leitor em uma posição para identificar a marca e imagem da
besta como ela insistiu para fazer no primeiro parágrafo de sua declaração.

Após citar Apocalipse 13:4-8,10 (provendo a informação para identificar a besta), Ellen White diz,
“Todo este capítulo é uma revelação do que certamente acontecerá.” Ela então imediatamente cita (à guisa
de explicação) Apocalipse 13:11, 15-17. Estes versos predizem o surgimento da besta de dois chifres (v.
11) e a instituição da imagem da besta e a imposição da marca da besta sob pena de boicote e morte.

Assim, é bastante claro que, quando Ellen White diz: “Todo este capítulo é uma revelação do que
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certamente acontecerá”, ela não está dizendo que Apocalipse 13:4-8 e 10 terá um duplo cumprimento.
Forçar tal significado é arrancar a declaração de seu contexto.

Seu tema não é um cumprimento dual de Apocalipse 13:1-10, ou do seu período de tempo. Em vez
disso, seu tema é “a marca da besta” e sua imposição (enforcement – compelir a observar) no tempo do
fim. Essa é a ideia chave de ambos os parágrafos desta seleção. O único propósito para citar Apocalipse
13:4-8, 10 é para que o leitor possa identificar a besta. Se ele pode identificar o animal, ele está em
condições de identificar a sua marca que, afirma Ellen White, é exatamente o oposto do sinal de Deus.
Assim, com a besta e a sua marca no lugar, ela aponta para a previsão profética lidando com a imagem da
besta e o caráter impositivo da marca e da crise que cercam essa questão no futuro.
Exposição 5

Declarações pertencentes ao discurso de Cristo em Mateus 24. Os seguintes itens são usualmente
notados: “Ao referir-Se à destruição de Jerusalém, Suas palavras proféticas estenderam-se para além
daquele acontecimento, à conflagração final...” (O Desejado de todas as nações, p. 628). “Mas esta
profecia foi dada também para os últimos dias” (O Desejado de todas as nações, p. 631). “Esta profecia
terá outra vez seu cumprimento” (O Desejado de todas as nações, p. 633). “As profecias que tiveram seu
parcial cumprimento na queda de Jerusalém têm mais direta aplicação aos derradeiros dias” (O Maior
Discurso de Cristo, pp. 120-121).

Argumento: Infere-se a partir dessas declarações que a profecia de Cristo concernente à destruição de
Jerusalém vai encontrar um segundo cumprimento na destruição do mundo. Assim, afirma-se que, de
acordo com esta exposição, Ellen White realmente ensinou um cumprimento dual da profecia apocalíptica.

Resposta: Aqui está o contexto para as várias citações do O Desejado de todas as nações e O Maior
Discurso de Cristo concernente ao discurso de Cristo no Monte das Oliveiras (Mt 24):

“Jesus não respondeu aos discípulos falando em separado da destruição de Jerusalém e do grande
dia de Sua vinda. Misturou a descrição dos dois acontecimentos. Houvesse desenrolado perante os
discípulos os eventos futuros segundo Ele os via, e não teriam podido suportar esse espetáculo. Por
misericórdia com eles, Jesus misturou a descrição das duas grandes crises, deixando aos discípulos o
procurar por si mesmos a significação. Ao referir-Se à destruição de Jerusalém, Suas palavras proféticas
estenderam-se para além daquele acontecimento, à conflagração final do dia em que o Senhor Se levantará
do Seu lugar para punir o mundo por sua iniquidade, quando a Terra descobrirá seu sangue, e não mais
encobrirá seus mortos. Todo esse discurso foi dado, não para os discípulos somente, mas para os que
haveriam de viver nas últimas cenas da história terrestre. (O Desejado de todas as nações, p. 628 [ênfase
acrescentada]; ver também p. 631).
Note-se desde o início que Ellen White compreendeu claramente que o discurso de nosso Senhor lidou
com dois eventos distintos. Um evento tem a ver com a destruição de Jerusalém, e um tem a ver com a
Segunda Vinda e o fim do mundo. Ele misturou Sua descrição dos dois porque os dois juízos têm
similaridades. Porque esses dois eventos são misturados em um discurso, a profecia tem valor para nós no
tempo do fim do mundo, bem como para os discípulos de então. Não há princípio de cumprimentos
repetidos sendo enunciados aqui. Cada evento que nosso Senhor discute tem o seu próprio cumprimento,
uma única vez, em seu próprio espaço de tempo – a queda de Jerusalém e, mais tarde, no final do tempo, a
queda do mundo.

Assim, podemos dizer que tanto os conteúdos do discurso de nosso Senhor e os comentários de Ellen
White em O Desejado de todas as nações e O Maior Discurso de Cristo indicam claramente que Mateus
24 não é uma profecia única com um duplo cumprimento. Pelo contrário, é uma profecia dupla lidando
com dois eventos distintos (um evento visto como um símbolo do outro, devido a certas semelhanças),
cada evento a ser cumprido em seu respectivo tempo. Por conseguinte, nem Mateus 24, nem os
comentários de Ellen White sobre ele, fornecem uma base sólida a partir da qual derivar um princípio de
duplo cumprimento para as profecias de Daniel e Apocalipse.
Daniel 1 9

Exposição 6:
“A grande obra do evangelho não deverá encerrar-se com menor manifestação do poder de Deus do
que a que assinalou o seu início. As profecias que se cumpriram no derramamento da chuva serôdia no
início do evangelho, devem novamente cumprir-se na chuva serôdia, no final do mesmo”. O Grande
Conflito, pp. 611-612.
Argumento: A profecia da chuva temporã (Pentecostes) tem um duplo cumprimento no
derramamento da chuva serôdia.

Resposta: Os comentários de Ellen White sobre o derramamento do Espírito Santo são similares a
seus comentários sobre Mateus 24. Imediatamente precedendo o parágrafo citado acima, Ellen White cita
Oseias 6:3 e Joel 2:23. Ambas passagens predizem dois eventos: uma chuva anterior (temporã) e uma
posterior (serôdia), justamente como as estações chuvosas ocorrem em Israel, das quais a imagem bíblica
é tirada. Assim, essas profecias que ela menciona encontram um cumprimento no Pentecostes (chuva
temporã) e naturalmente encontrarão outro cumprimento (chuva serôdia) quando a obra do evangelho
chegar a seu final.

Sumário: Estas seis exposições dão uma amostra justa do tipo de declarações que alguns estudantes
adventistas da Bíblia estão usando em um esforço para encontrar apoio em Ellen White para um princípio
de cumprimento dual. Honestidade e um senso de justiça deveria impedir-nos de arrancar os escritos de
alguém que permanece como um forte expoente do método historicista para ensinar uma teoria contrária
de cumprimentos dual ou múltiplos. Como vimos, quando as alegadas declarações são examinadas com
imparcialidade, descobrimos que não há princípio de cumprimento dual ou múltiplo presente para ser
usado como uma ferramenta para explicar as profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse.

Ellen White e os Proponentes do Duplo Cumprimento

Na década de l890 uns poucos Adventistas estavam sugerindo cumprimentos futuros das mensagens
dos três anjos (Ap 14). Ellen White reprovou tais tentativas e considerou seus proponentes como
enganados.

“Em nossos dias, como no tempo de Cristo, pode haver uma leitura ou interpretação errônea das
Escrituras.

“Alguns há que estão investigando as Escrituras em busca de provas de que estas mensagens estão
ainda no futuro. Eles concluem pela veracidade cumulativa das mensagens, mas deixam de assinalar-lhes
o devido lugar na história profética. Portanto, essas pessoas acham-se em perigo de transviar o povo
quanto a localizar as mensagens. Não veem nem entendem o tempo do fim, nem o tempo a que devem
aplicar essas mensagens.” Evangelismo, pp. 612-613 (ênfase acrescentada).

“Não conseguir dormir depois de uma e meia da madrugada. Eu estava levando ao irmão T uma
mensagem que o Senhor me dera para ele. Os pontos de vista particulares que ele mantém são uma
mistura de verdade e de erro. . . . Os grandes sinais demarcadores da verdade, mostrando-nos a direção
na história profética, devem ser cuidadosamente observados, para que não sejam derribados, e
substituídos por teorias que trariam confusão em vez de genuíno esclarecimento …

“Tem havido uns e outros que, estudando a Bíblia, julgaram descobrir grande luz, e teorias novas, mas
não têm sido corretas. As Escrituras são todas verdade, mas por aplicarem-nas mal, homens chegam a
erradas conclusões. . . . Alguns tomarão a verdade aplicável a seu tempo, e pô-la-ão no futuro.
Acontecimentos na sequência da profecia, que tiveram seu cumprimento no distante passado, são
considerados futuros, e assim, por essas teorias, a fé de alguns é solapada.

“Segundo a luz que o Senhor houve por bem conceder-me, estais em risco de fazer a mesma obra,
apresentando perante outros verdades que tiveram seu lugar e fizeram sua obra específica para o tempo,
na história da fé do povo de Deus. Reconheceis como verdadeiros esses fatos na história bíblica, mas os
Daniel 1 10

aplicais ao futuro. Eles têm sua força ainda em seu devido lugar, na cadeia dos acontecimentos que nos
tornaram, como um povo, o que somos hoje, e como tal, eles devem ser apresentados àqueles que se
encontram nas trevas do erro.”

“As direções do Senhor foram assinaladas [a nossos pioneiros], e maravilhosíssimas Suas revelações
do que era a verdade. Ponto após ponto foi estabelecido pelo Senhor Deus do Céu. Aquilo que era verdade
então [ênfase da autora], é verdade hoje. Não cessam, porém, de ouvirem-se as vozes – ‘Isto é verdade. Eu
tenho novo esclarecimento (new light)’. Mas esses novos esclarecimentos (new lights) em sentidos
proféticos são manifestos em aplicar mal a Palavra e levar o povo de Deus ao sabor das ondas sem uma
âncora que os segure.” Mensagens Escolhidas, 2:101-104 (ênfase acrescentada).

Conclusões

Neste resumo sobre Ellen White e a interpretação das profecias de Daniel e Apocalipse três pontos a
destacar:

1. Ellen White claramente endossa o método historicista para interpretar as profecias destes dois
importantes livros.

2. Os escritos de Ellen White não contêm um princípio oculto de cumprimento dual em parágrafos
aleatórios para apoiar a prática atual de reaplicar certas profecias em Daniel e Apocalipse ao cenário atual.

3. Ellen White desaprova as tentativas de dar a tais profecias um cumprimento dual. “Acontecimentos, na
sequência da profecia, que tiveram seu cumprimento no distante passado, são considerados futuros, e
assim, por essas teorias, a fé de alguns é solapada.” Mensagens Escolhidas, 2:102.

Os Adventistas do Sétimo Dia reconhecem que estamos vivendo no “tempo do fim”, o tempo do
fechamento da porta da graça. Em harmonia com o método historicista, nós, juntamente com Ellen White,
temos traçado o desenrolar dos rolos proféticos de Daniel e Apocalipse. As profecias que se cumpriram no
passado nos dão uma firme confiança de que Deus cumprirá as poucas porções que restam. Essas focam
primariamente sobre o conflito final entre o Céu e os poderes das trevas sobre o selo de Deus e a marca da
besta. Que zelo equivocado nos forçaria agora a alterar nosso método de interpretação profética? Qual é a
natureza do impulso que induz alguns entre nós a especular como certas profecias devem ser repetidas
com cumprimentos que são considerados mais importantes que o “primeiro” cumprimento a que tais
pessoas continuam a jurar lealdade? Acreditamos que tal especulação, se seguida, ultimamente levará “o
povo de Deus ao sabor das ondas, sem uma âncora que os segure”. Mensagens Escolhidas, 2:104.

À luz deste resumo podemos estar certos de que, se Ellen White estivesse viva hoje, ela deploraria que
interpretações distorcidas sejam impostas sobre a igreja como resultado de empregar o conceito do duplo
cumprimento. Além disso, podemos estar certos de que ela iria requerer que seus escritos não sejam
usados para apoiar tal erro. E podemos estar certos de que ela acrescentaria: “Se você deseja saber o que o
Senhor me revelou concernente à profecia bíblica, não procure deduzir um princípio oculto de um
parágrafo aqui e uma linha ali. Antes, leia meu livro, O Grande Conflito, onde as linhas principais de
Daniel e Apocalipse são tratadas. Aqui está a verdade profética para o nosso tempo”.
Daniel 1 11

INTRODUÇÃO

Importância do estudo do livro de Daniel

1. Parte do cânon bíblico.


2. “É um importante livro profético do AT, que enfatiza a verdade de que Deus está no controle da
história do mundo”
3. “As coisas reveladas a Daniel foram mais tarde completadas pela revelação feita a João na ilha de
Patmos. Esses dois livros devem ser cuidadosamente estudados.” T.M., 114.
4. “O livro de Daniel é descerrado na revelação a João, e nos transporta para as últimas cenas da
história da Terra.” T.M., 115.
5. “Há necessidade de mais íntimo estudo da Palavra de Deus; especialmente devem Daniel e
Apocalipse merecer a atenção como nunca antes na história de nossa obra. ... Lede o livro de
Daniel. Recapitulai ponto por ponto a história dos reinos ali representados. Contemplai os
estadistas, concílios, poderosos exércitos, e vede como Deus atuou para abater o orgulho dos
homens e lançar por terra a glória humana. ...” T.M., 112
6. “A luz que Daniel recebeu de Deus foi dada especialmente para estes últimos dias. As visões que
ele viu às margens do Ulai e do Hidequel, os grandes rios de Sinear, estão agora em processo de
cumprimento, e logo ocorrerão todos os acontecimentos preditos.” T.M., 112-113.
7. Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, terão os crentes uma
experiência religiosa inteiramente diferente. Ser-lhes-ão dados tais vislumbres das portas abertas
do Céu que o coração e a mente se impressionarão com o caráter que todos devem desenvolver a
fim de alcançar a bem-aventurança que deve ser a recompensa dos puros de coração. T.M., 114.
8. Temas teológicos:
(1) a “absoluta soberania de Deus... que controla todos os poderes terrenos”, revelando, de uma
“maneira notável, a verdadeira filosofia da história;”
(2) a “guia providencial” de Deus, “Suas intervenções miraculosas, Sua presciência e onipotência”,
em favor dos cativos hebreus, para o cumprimento de Seus propósitos em favor de Seus servos;
(3) o “juízo cósmico, escatológico das nações”, um importante tema ausente nos demais livros do AT,
e consequente estabelecimento do reino celestial;
(4) o grande conflito entre Cristo e Satanás, expresso no conflito dos reinos deste mundo contra os
santos e de Babilônia contra Jerusalém – cap. 1:1;
(5) a identificação do poder simbolizado por um “chifre pequeno” que tenta usurpar as prerrogativas
do Príncipe do santuário celestial – cap. 8;
(6) o programa divino para a solução do pecado mediante o sacrifício do Messias – cap. 9:24-27;
(7) a vitória final dos santos, simbolizada na ressurreição – cap. 12:1.

1. Título - O livro leva o nome de seu personagem principal, Daniel. A prática no AT de dar ao livro o nome de seu
personagem principal se observa em outros livros como Josué, Samuel, Ester e Jó. Esse título não indica
necessariamente que a pessoa tenha sido o autor do livro, embora possa ser, como é o caso do livro de Daniel.

2. Autoria - A opinião tradicional de judeus e cristãos é de que o livro foi escrito no 6° século a.C. e que Daniel é o
autor.

Para a erudição conservadora, não há qualquer dúvida acerca desta questão. Tanto cristãos como judeus
longamente consideraram que o autor do livro é o seu herói, denominado Daniel. Por outro lado, os
críticos argumentam fortemente contra esta identificação. A primeira pessoa a negar a datação tradicional
no sexto século a.C., bem como a autoria atribuída a Daniel, foi um filósofo neo-platonista do terceiro
século da nossa era, de nome Porfírio. Este indivíduo foi um dos “mais antigos inimigos e detratores da fé
cristã”,1 tendo escrito uma obra de 15 volumes intitulada Against the Christians (Contra os Cristãos). De
acordo com Jerônimo, “o décimo-segundo livro foi escrito contra o profeta Daniel”, negando sua autoria e
1
Eta Linnemann, “Historical-Critical and Evangelical Theology”, Journal of the Adventist Theological Society, Vol.
5, No 2 (Autumn 1994): 28 [19-36].
Daniel 1 12

afirmando que a composição do livro foi obra de alguém vivendo na Judeia durante o tempo de Antíoco
IV Epifânio (175-163 a.C.).2 Nesta obra ele assume a posição de que o livro de Daniel deve ser história e
não profecia. E por que assumiu tal posição? Porque “o pressuposto subjacente para Porfírio era a absoluta
impossibilidade da profecia preditiva. Ele rejeitou a ideia de que um Deus pessoal pudesse, por revelação
especial, predizer a um Daniel do sexto século o que iria acontecer através dos séculos por vir.”3

Partindo deste pressuposto, desta rejeição da profecia preditiva, e assumindo que o autor do livro de
Daniel possuía um grande conhecimento do reinado de Antíoco Epifânio, Porfírio argumentou que o autor
seria algum judeu anônimo vivendo no segundo século a.C. No rastro do anti-cristão Porfírio vieram o
cético judeu Uriel Acosta (Gabriel da Costa – 1585-1640), o panteísta Benedito (Baruch) Spinoza (1632-
1677) e o deísta inglês Anthony Collins.4 Na atualidade, a maioria dos comentaristas críticos adota, nesta
questão, em maior ou menor grau, o discurso dos autores mencionados, datando o livro no período dos
Macabeus, e rejeitando a existência do profeta Daniel na forma como o fazem os intérpretes
conservadores. Esta postura, na avaliação do professor R. K. Harrison, da Universidade de Toronto, foi
assumida “para preservar sua reputação acadêmica” e não “desafiar a tendência crítica”.5 Neste ponto, é
pertinente a observação de Yamauchi acerca desta aceitação das ideias de Porfírio: “É irônico que não
somente eruditos judeus... mas também pretensos eruditos cristãos agora preferem as posições do anti-
cristão Porfírio [e do cético, do panteísta e do deísta] àquelas de seu oponente cristão, Jerônimo.”6 Para
tais intérpretes, liberais, as predições de Daniel foram escritas após o seu cumprimento, tecnicamente
denominadas vaticinium ex eventu, ou seja, uma profecia após o fato. A declaração a seguir ilustra a
posição assumida por estes intérpretes:

“Nós necessitamos assumir que a visão como um todo é uma profecia após o fato. Por quê?
Porque os seres humanos são incapazes de predizer eventos futuros com exatidão e com séculos
de antecedência... Assim, o que temos aqui, de fato, não é um mapa rodoviário do futuro previsto
no sexto século a.C., mas uma interpretação dos eventos do próprio tempo do autor, 167-164
a.C.”7

A afirmação acima é verdadeira, pois, de fato, os seres humanos são incapazes “de conhecer o futuro”, a
menos que este futuro lhes seja antecipado “por um Ser onisciente”.8 A conclusão, então, é que, se o livro
de Daniel realmente tem a sua origem no sexto século a.C., delineando de maneira precisa a história futura
do mundo, isto evidenciaria que ela não é um produto humano, mas resultado da ação de um Deus pessoal,
que Se interessa pelo futuro de Seus filhos.9 E este é, de fato, o caso. Jesus confirmou a autoria tradicional
de Daniel, reconhecendo-o como um profeta (Mt 24:15). Ao Se referir à destruição de Jerusalém e do
templo pelo exército romano comandado por Tito, um acontecimento que, obviamente, ainda estava no
futuro dos dias de Jesus, o Senhor identificou o episódio com a “abominação da desolação” mencionada
por Daniel (Dn 9:27). “E há forte evidência histórica de que os Evangelhos Sinóticos foram escritos antes
da destruição de Jerusalém no ano 70 AD.”10 Portanto, estamos diante de uma profecia preditiva,
anunciada com mais de 600 anos de antecedência, confirmando as credenciais de Daniel como um profeta
inspirado por Deus.

2
Jerome, Commentary on Daniel, Traduzido por Gleason L. Archer, Jr. (Grand Rapids: Baker, 1958).
3
Gleason L. Archer, Jr., “Modern Racionalism and the Book of Daniel”, Bibliotheca Sacra (April-June 1979): 129
[129-147]. Ver também, M. Mangano, Esther & Daniel. The College Press NIV commentary (Joplin, MO: College
Press Pub., 2001), 131.
4
Cf. Gerhard F. Hasel, “Daniel Survives Critics Den”, Ministry (Jan. 1979): 9.
5
R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1969), 1111.
6
Edwin M. Yamauchi, “Hermeneutical Issues in the Book of Daniel”, Journal of the Evangelical Theological
Society 23/1 (March 1980): 17 [13-21]. Cf. Baldwin, 69.
7
W. Sibley Towner, Daniel, Interpretation (Atlanta: John Knox Press, 1984), 115.
8
Bernard Ramm, Protestant Christian Evidences, 81. Citado por Norman L. Geisler, Baker Encyclopedia of
Christian Apologetics. Baker reference library (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999), 609.
9
Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, 178.
10
Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, 179.
Daniel 1 13

Os estudiosos conservadores, incluindo os Adventistas do Sétimo Dia, afirmam que o profeta Daniel
escreveu o livro no século VI a.C., e que aí se encontram profecias verdadeiras. As afirmações do próprio
livro (Dn 7:1,2,15; 8:1; 9:1; 10:2; 12:4,5), o testemunho de Jesus (Mt 24:15), como também o testemunho
de Josefo, historiador judeu (séc. I d.C.), apoiam esta posição.

Na verdade, somente alguém que viveu no sexto séc. a.C. poderia haver conhecido alguns dos fatos
históricos referidos no livro. O conhecimento de tais fatos desapareceu rapidamente após o sexto séc. a.C.,
e só recentemente foram confirmados pelas descobertas arqueológicas. Ex. Nabucodonosor como
construtor de Babilônia.

Neste estudo, portanto, nos posicionamos com Cristo, afirmando que o autor do livro é um judeu, por
nome Daniel, que foi cativo em Babilônia no sexto século a.C., e que recebeu de Deus revelações
especiais para a orientação de Seu povo durante sua peregrinação neste mundo.

As seguintes evidências favorecem essa opinião:

a. As declarações do livro. O profeta Daniel fala na primeira pessoa em muitas passagens (Dn 8:1-7, 13-19, 27; 9:2-
22; 10:2-5; etc.). Ele declara que recebeu pessoalmente a ordem divina para preservar o livro (12:4). O fato de haver
seções em que o autor se refere a si mesmo na terceira pessoa (1:6-11, 17, 19, 21; 2:14-20; etc.) não é estranho, pois
essa prática é frequente em obras antigas (ver com. de Ed 7:28).
b. Autor familiarizado com a história. Somente um homem do 6° século (a.C.), familiarizado com a cultura
babilônica, poderia informar alguns dos fatos históricos encontra dos no livro. O conhecimento desses fatos se
perdeu depois do 6° século a.C., pois não foi registrado em outra literatura antiga posterior (ver p. 823, 824).
Descobertas arqueológicas revelaram evidências desses fatos.

c. O testemunho de Jesus Cristo. Ao citar uma passagem do livro, Jesus menciona Daniel como o autor (Mt 24:15).
Esse testemunho é evidência convincente para todo crente na inspiração do NT.

O livro tem duas seções distintas: a primeira (Dn l- 6), basicamente histórica, e a segunda (7- 12), profética.
Contudo, o livro é uma unidade literária. Os seguintes argumentos apoiam essa definição:

1. As diferentes seções do livro estão relacionadas entre si. O uso dos utensílios do templo no banquete de Belsazar
pode ser entendido à luz do registro de como os mesmos chegaram a Babilônia (Dn 5:3; cf. 1:1, 2). Daniel 3:12 faz
referência a uma medida administrativa de Nabucodonosor, descrita primeiramente em 2:49. Daniel 9:21 faz
referência a uma visão anterior (ver Dn 8:15, 16).

2. A parte histórica apresenta uma profecia (Dn 2) intimamente relacionada às profecias encontradas nos cap. 7 a 12.
A visão de Daniel 7 amplia o tema tratado no cap. 2. Os elementos históricos e proféticos também estão
relacionados. A seção histórica (Dn 1-6) narra o trato de Deus com a nação babilônica e o papel da mesma no plano
divino. Isso ilustra como Deus lida com todas as nações (ver Ed, 175-177). Como ocorreu com Babilônia, cada um
dos impérios mundiais sucessivos, retratados na porção profética, teve a oportunidade de conhecer a vontade divina e
de cooperar com a mesma, e cada um seria medido pela fidelidade com que cumpriu o propósito divino. Portanto, a
ascensão e queda das nações descritas em Daniel 7 a 12 devem ser entendidas com base nos princípios apresentados
na seção histórica relacionados com Babilônia. Isso unifica o livro e esclarece o papel de cada império.

Em geral, se reconhece a unidade literária do livro, demonstrada na composição, na linha geral de pensamento e nas
expressões usadas nos dois idiomas (ver p. 823, 824). Os argumentos usados em favor da teoria dos dois autores não
têm fundamento.

Na caverna 1 do sítio de Qumran (ver p. 73 -76) foram encontrados três fragmentos do livro de Daniel, os quais
foram publicados por D. Barthélemy e J. T. Milik, em Discoveries in the ]udaean Desert I: Qumran Cave I (Oxford,
1955), p. 150-152. Os fragmentos provêm de dois rolos ou de um só, nos quais os cap. 1 e 2 foram copiados por um
escriba e o cap. 3 por outro, contendo partes das seções de Daniel 1:10 a 17; 2:2 a 6; e 3:22 a 30. Uma comparação
desse texto com o texto massorético mostra 16 variantes, sendo que nenhuma delas afeta o significado da passagem.
Nove dessas 16 variações são de cunho ortográfico que só afetam uma letra: duas delas parecem ser erros de
ortografia; as outras sete se escrevem também de várias maneiras no texto massorético. Encontram-se quatro
acréscimos: uma da conjunção "e", e uma da partícula "que" antes de um "se"; duas palavras têm uma vogal
Daniel 1 14

adicionada. Em um caso, uma vogal que ocorre no texto massorético não está nos fragmentos. Duas terminações
verbais parecem ser erros dos escribas. A lista mostra que as diferenças são tão insignificantes que não seriam
notadas numa tradução. Esse é um argumento convincente em favor da afirmação de que o texto massorético de
Daniel está essencialmente da mesma forma como estava pelo menos no tempo de Cristo.

Também é interessante o fato de o fragmento de Daniel 2 incluir a passagem em que ocorre a transição do hebraico
para o aramaico (ver com. de Dn 2:4). Nesse ponto, há um espaço entre a última palavra em hebraico e a primeira
palavra em aramaico, o que faz uma distinção clara entre as seções dos dois idiomas. Também é digno de nota que,
em harmonia com o texto massorético, esses fragmentos não contêm a apócrifa Canção dos Três Jovens (ver com. de
Dn 3:23).

Na caverna 4, de Qumran, encontraram-se fragmentos de couro de três manuscritos de Daniel, os quais, segundo
informações, estão bem preservados e representam porções consideráveis do livro (ver Frank M. Cross, em Biblical
Archaeologist, 19 [1 956], 85, 86; Cross, em Revue Biblique, 63 [1956], 58).

Da caverna 6, de Qumran, procedem vários fragmentos de papiro de Daniel, que representam os trechos de Daniel
8:20 e 21; 10:8 a 16; e 11:33 a 38 (contendo nove variações ortográficas secundárias), publicados por M. Baillet, em
Discoveries in the ]udaean Desert III: Les "Petites Grottes" de Qumrân (Oxford, 1962), p. 114-116.

Pelo fato de o livro de Daniel estar situado entre os “Escritos” na Bíblia Hebraica, algumas pessoas
afirmam que ele não deveria ser considerado um profeta. Que resposta se pode oferecer a esta
afirmação?

R. O livro de Daniel está situado após o profeta Ezequiel nas Bíblias em português. Entretanto, ocupa um
lugar diferente nas Escrituras hebraicas. Os livros da Bíblia Hebraica tradicionalmente perfazem um total
de 24, e são arranjados em três divisões.11 A primeira divisão é a Lei (Tôrāh), contendo os cinco livros de
Moisés (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). A segunda divisão é os Profetas (Neḇîʾîm),
que se subdivide entre os quatro Primeiros Profetas (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel [na Bíblia Hebraica um só
livro], 1 e 2 Reis [também considerados um único livro na Bíblia Hebraica], e os quatro Profetas
Posteriores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12 Profetas Menores, que são computados como um único
livro). A designação “profetas menores” não se relaciona à importância, relevância, qualidade do
conteúdo, ou a sua maior ou menor inspiração, mas sim ao fato de que seu texto é curto quando
comparado com os chamados “profetas maiores” (Isaías, Jeremias e Ezequiel). A terceira classificação é
conhecida como os Escritos (Keṯûḇîm), e contem 11 livros, assim subdivididos: três livros (Salmos,
Provérbios e Jó), seguidos por um grupo de cinco livros denominado “rolos” (Meg̱illôṯ) (Cantares de
Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester), finalizando com Daniel, Esdras-Neemias (um só livro) e
1 e 2 Crônicas (também um só livro). Estes 24 livros da Bíblia Hebraica correspondem aos 39 livros do
Antigo Testamento encontrados na Bíblia Protestante.12 Exemplo desta tríplice divisão aparece no texto do
Evangelho de Lucas, que relata a conversa de Jesus com os discípulos no caminho de Emaús: “E,
começando por Moisés [a primeira divisão, a Lei], discorrendo por todos os profetas [a segunda divisão],
expunha-lhes o que a Seu respeito constava em todas as Escrituras” [a terceira divisão] (Lc 24:27).

Mas, como visto acima, o livro de Daniel não está incluído entre os Profetas na divisão que aparece na
Bíblia Hebraica, e sim nos Escritos.13 Este fato não deveria conduzir a uma conclusão precipitada, como a
negação de Daniel como um genuíno profeta. É verdade que ele não é identificado como profeta em seu
livro, mas o que está registrado revela que realmente ele foi um profeta verdadeiro, funcionando como tal,
interpretando sonhos (caps. 2 e 4), a escrita na parede (cap. 5) e recebendo revelações divinas por sonho
profético (cap. 7), visão simbólica (cap. 8), e pela aparição de um anjo que lhe falava (caps. 9 e 11). O

11
Para uma avaliação resumida, ver Greg Goswell, “The Order of the Books in the Hebrew Bible”, Journal of the
Evangelical Theological Society 51/4 (December 2008): 673–88.
12
F. F. Bruce, The Canon of Scripture. Includes index (Downers Grove, Ill.: Inter-Varsity Press, 1988), 29.
13
Uma análise mais detalhada acerca da posição do livro de Daniel na Bíblia Hebraica é encontrada em Michael B.
Shepherd, Daniel in the Context of the Hebrew Bible – Studies in Biblical Literature, vol. 123 (New York: Peter
Lang Publishing, Inc., 2009).
Daniel 1 15

reconhecimento de Daniel como profeta é antigo, antecedendo ao tempo cristão. A comunidade de judeus
que vivia em Qumran na virada das eras (antes de Cristo e depois de Cristo) considerava Daniel um
profeta. Evidência disto encontramos em um fragmento de texto escatológico produzido por essa
comunidade, “que emprega citações de Daniel 12:10 e 11:32, que são introduzidas com as palavras
‘escritas no livro do profeta Daniel’.”14

Adicionalmente, traduções antigas, como a Septuaginta (início da tradução no terceiro século a.C.) e
Teodócio (cerca de 180 ou 190 da era cristã),15 situam o livro entre os profetas. Além disso, o
reconhecimento de Daniel como um profeta feito por Flávio Josefo, um historiador judeu do primeiro
século (37- c. 100 AD), que listou Daniel como “um dos maiores profetas” (Against Apion 1.8), e não
entre os Escritos, evidencia que, já naquele tempo, Daniel era considerado um profeta.16 Finalmente, e
mais importante, “na única referência direta e explícita à pessoa de Daniel no Novo Testamento”,17 Jesus
claramente reconheceu Daniel como um profeta ao advertir a Seus seguidores acerca do futuro: “Quando,
pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel...” (Mt 24:15).18

Ao avaliar as evidêncas relacionadas a esta questão, Klaus Koch faz a seguinte ponderação:

“Se alguém examina as conclusões a serem extraídas dessa pesquisa das fontes, é forçado a notar
que não há uma única testemunha para a exclusão de Daniel do corpus profético na primeira
metade do primeiro milênio da nossa era. Em todas as fontes do primeiro século AD – Mateus,
Josefo, Qumran – Daniel é contado entre os profetas. De fato, a primeira evidência literária da
inclusão de Daniel entre os Ketuvim deve ser situado entre o quinto e o oitavo séculos AD.”19

Com isto se resolve a questão se Daniel era ou não um profeta.

Em que tipo de profecia se classifica o livro de Daniel?

R. Tendo definido a questão se Daniel é ou não um profeta, precisamos agora definir que tipo de profecia
é aqui encontrado. Tradicionalmente, as profecias são classificadas em clássicas, ou gerais, e
apocalípticas,20 embora seja prudente não forçar uma linha de demarcação definitiva entre ambas.21 De um
modo geral, com exceção do livro de Daniel, os escritos dos profetas que vão de Isaías a Malaquias são
denominados profecias clássicas.22 Entende-se que “a profecia clássica focaliza primariamente sobre o
próprio tempo e lugar do profeta, mas com lampejos rumo a um Dia do Senhor cósmico, culminando em

14
Arthur J. Ferch, Daniel on Solid Ground (Hagerstown, MD: Review and Herald, 1988), 9. Ver também, Gerhard
F. Hasel, “Daniel Survives Critics’ Den”, Ministry (Jan. 1979), 8-11; Edwin M. Yamamuchi, “Hermeneutical Issues
in the Book of Daniel”, Journal of Evangelical Theological Society 23/1 (Mar. 1980), 14
15
Ver, Gleason L. Archer, Jr., Merece confiança o Antigo Testamento? (São Paulo: Vida Nova, 1991), 48.
16
Norman L. Geisler, Baker Encyclopedia of Christian Apologetics (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999) (Baker
Reference Library), S. 178. Ver também Gleason L. Archer, Jr., “Modern Racionalism and the Book of Daniel”,
Bibliotheca Sacra (April-June 1979): 132.
17
Ferch, Daniel on Solid Ground, 9.
18
S. P[rideaux] Tregelles, Defence of the Authenticity of the Book of Daniel (London: Samuel Bagster and Sons,
1852), 6-7.
19
Klaus Koch, “Is Daniel Also Among the Prophets?”, Interpretation 39/2 (1985): 123. Thomas J. Finley, seguindo
a Koch, também conclui que “a evidência do primeiro século favorece a posição de que o livro de Daniel foi
originalmente uma parte dos Profetas, e somente mais tarde foi mudado para os Escritos.” Finley, “The Book of
Daniel in the Canon of Scripture,” Bibliotheca Sacra 165/2 (2008): 208.
20
“The Nature of Prophecy”, Ministry (October, 1980): 28-33 [Documento sem autoria].
21
William G. Johnsson, “Biblical Apocalyptic”, 790. Segundo alguns estudiosos, a apocalíptica é um subgênero da
profecia clássica. Cf. A. E. Hill & J. H. Walton, A Survey of the Old Testament (Grand Rapids, MI: Zondervan,
1991), 312.
22
William G. Johnsson, “Biblical Apocalyptic”, 789.
Daniel 1 16

um novo céu e uma nova terra.”23 Já a profecia apocalíptica é entendida como focalizando sobre “a
história como um continuum divinamente guiado, conduzindo a, e incluindo, os eventos finais da história
da terra.”24

O livro de Daniel é o primeiro grande livro de literatura apocalíptica no Antigo Testamento, ainda que não
seja o único exemplo. Porções apocalípticas são encontradas em outros livros do AT, como Isaías 24-27;
Ezequiel 38 e 39; Joel 2 e 3; e Zacarias 9-14. Os eruditos, entretanto, “geralmente concordam em que o
livro de Daniel é o exemplo por excelência da literatura apocalíptica no AT.”25 No NT temos o discurso
apocalíptico de Jesus (Mt 24; Mc 13; Lc 17 e 21), de Paulo (1 Te 4; e 2 Te 1 e 2), além, é claro, do
Apocalipse de João.

O termo grego apokalypsis, de onde se origina o português “apocalipse”, significa “revelar”, “descobrir”.
Conquanto toda a Escritura seja uma revelação de Deus (2 Tim 3:16), certas porções são únicas na forma e
meios de transmissão. Com relação ao livro de Daniel, o mesmo ocupa “uma classe de profecia por si
mesma dentro do AT”,26 e revela pelo menos quatro características únicas, que são orientativas para sua
interpretação: (1) uma repetição dos esboços apocalípticos que mostram um contínuo da história da
redenção que culmina no estabelecimento do reino da glória; (2) todos os esboços tem um enfoque
centrado no Messias; (3) divisões predeterminadas de tempo, ou profecias temporais, que servem como o
calendário da história progressiva da redenção de Deus (Dn 7-12) e que determinam o começo do “tempo
do fim”; e (4) o aspecto incondicional da história da redenção, incluindo a realização de um juízo no céu e
a vindicação dos santos fiéis pelo Filho do Homem (Dn 7).27

O fato, porém, de classificarmos Daniel como um livro apocalíptico, não significa que todo o seu
conteúdo seja apocalíptico, mas sim que há um predomínio deste tipo de profecia.28 No caso de Daniel, as
profecias predizem um movimento através do tempo e engloba toda a história da humanidade, desde os
dias do profeta até o estabelecimento do reino de Deus, que irromperá na história humana, levando-a a seu
final, de uma vez por todas. Ao mesmo tempo, é necessário interpretar a literatura apocalíptica, incluindo
os livros de Daniel e Apocalipse, levando em consideração a diferença literária encontrada em cada uma
de suas partes: prosa, poesia, narrativa, discurso, etc.29

Diferente das profecias clássicas, a apocalíptica não admite um cumprimento duplo:


1 símbolo = uma aplicação.

A aceitação deste entendimento com relação ao livro de Daniel transmite segurança aos crentes em todas
as eras: não apenas foram os judeus perseguidos e mortos no passado, como também o foram os cristãos,
com uma predição de um tempo de angústia a sobrevir a todos os fiéis no fim dos tempos (Dn 12; Ap 13).
Entretanto, da mesma forma como Deus atuou em favor de Seus filhos no passado, Ele operará com igual

23
Jon Paulien, “The End of Historicism? Reflections on the Adventist Approach to Byblical Apocalyptic – Part
One”, Journal of the Adventist Theological Society, 14/2 (Fall 2003): 27.
24
Ibid. Cf. William G. Johnsson, “Conditionality in Biblical Prophecy with Particular Reference to Apocalyptic”, em
70 Weeks, Leviticus, Nature of Prophecy, 269. Ver também Kenneth Strand, “Foundational Principles of
Interpretation”, 16-19; William H. Shea, Estudos selecionados em interpretação profética (Engelheiro Coelho, SP:
UNASPRESS, 2007), 67.
25
Baldwin, Daniel, 50.
26
Hans K. LaRondelle, Las profecías del fin, Trad. David P. Gullón (Florida, Bs.As.: Asociación Casa Editora
Sudamericana, 1999), 10. Cf. Leon Morris, Apocalyptic, 2ª ed. (Londres: Inter-Varsity Press, 1973), 80-81.
27
LaRondelle, Las profecías del fin, 12.
28
Para maiores detalhes, ver Jon Paulien, “The End of Historicism? Reflections on the Adventist Approach to
Byblical Apocalyptic – Part One”, Journal of the Adventist Theological Society, 14/2 (Fall 2003): 15–43; Ibid., “The
End of Historicism? Reflections on the Adventist Approach to Byblical Apocalyptic – Part Two”, Journal of the
Adventist Theological Society, 17/1 (Spring 2006): 180–208.
29
Ver Paulien, “The End of Historicism? – Part One”; Ibid., Part Two; Donn W. Leatherman, “Adventist
Interpretation of Daniel 10-12: A Diagnosis and Prescription”, Journal of the Adventist Theological Society, 7/1
(Spring 1996): 133-135.
Daniel 1 17

poder para a libertação de Seus fiéis no presente e no futuro. Finalmente, a mensagem da profecia
apocalíptica encontrada em Daniel é de que os poderes deste mundo não permanecerão para sempre, mas
serão substituídos pelo reino eterno de Deus, que somente os fiéis terão o privilégio de herdar e desfrutar
de suas maravilhas.

3. Contexto histórico - O livro de Daniel contém o registro de alguns incidentes históricos da vida do profeta e de
seus três amigos, exilados judeus a serviço do governo babilônico; apresenta também um registro do sonho profético
do rei Nabucodonosor, interpretado por Daniel, juntamente com registros de visões que o próprio profeta recebeu.
Embora tenha sido escrito em Babilônia durante o exílio e pouco depois disso, o propósito do livro não era fornecer
uma história do exílio judeu ou uma biografia de Daniel. O livro relata as principais experiências do profeta-estadista
e de seus companheiros e foi escrito com objetivos específicos.

A princípio, o profeta fala brevemente da razão de estar a serviço do rei de Babilônia (Dn 1). Ao serem levados para
Babilônia, no primeiro cativeiro em 605 a.C. , durante a primeira campanha de Nabucodonosor contra a Síria, Daniel
e outros príncipes de sangue real foram escolhidos para serem treinados para o serviço no governo. Os primeiros 19
anos de Daniel, em Babilônia, foram os últimos anos da existência de Judá como reino, embora estivesse sujeito a
Babilônia. A inútil política antibabilônica dos últimos reis de Judá provocou uma catástrofe após outra sobre a nação
judaica.

O rei Jeoaquim, durante cujo reinado Daniel foi levado cativo, permaneceu leal a Babilônia por alguns anos.
Contudo, ao final, cedeu à política do partido pró-egípcio de Judá, e se rebelou. Como resultado, o país sofreu
invasões militares, seus cidadãos perderam a liberdade e foram levados cativos, e o rei perdeu sua vida. Seu filho e
sucessor, Joaquim, após um breve reinado de apenas três meses, viu os exércitos de Babilônia retornarem para
castigar os desleais judeus. Ele e milhares dos principais cidadãos de Judá foram levados cativos em 597 a.C. Seu
sucessor, Zedequias, aparentemente tentou permanecer leal a Babilônia. Porém, como era fraco e instável, ele não
pode resistir por muito tempo às propostas do Egito e aos sentimentos antibabilônicos de seus principais
conselheiros. Como resultado, Nabucodonosor, cansado das repetidas revoltas na Palestina, decidiu acabar com o
reino de Judá. Por dois anos e meio os exércitos babilônicos assolaram a terra de Judá, tomaram e destruíram suas
cidades, incluindo Jerusalém, com seu templo e seus palácios, e levaram cativa a maioria dos habitantes de Judá, em
586 a.C .

Daniel estava em Babilônia durante esse período agitado. Ele deve ter visto os exércitos babilônicos partirem em
suas várias campanhas contra sua terra natal, e testemunhado o retorno vitorioso dos mesmos bem como a chegada
de judeus capturados. Entre os cativos estavam o jovem rei Joaquim com sua família (2Rs 24:10-16) e, mais tarde, o
rei Zedequias (2Rs 25:7), a quem haviam vazado os olhos. Durante esses anos, Daniel também devia estar ciente da
agitação política entre os judeus exilados, que fez com que Nabucodonosor mandasse queimar até à morte alguns dos
principais instigadores. Foi essa agitação que fez com que Jeremias enviasse uma carta a seus compatriotas
capturados instando-os a levar uma vida calma e pacífica em Babilônia (Jr 29).

Durante todos esses anos, Daniel e seus três amigos cumpriram com lealdade seus deveres como oficiais reais e
súditos do reino. Após treinamento, eles se tornaram membros da elite de sábios que serviam ao rei como
conselheiros. Foi então que Daniel teve a oportunidade única de explicar a Nabucodonosor o sonho acerca de
impérios futuros (Dn 2). Como resultado, ele foi indicado para uma posição sumamente importante, a qual parece ter
exercido por anos. Esse cargo lhe deu a oportunidade de fazer conhecido ao rei o poder do Deus dos céus e da terra, a
quem ele e seus amigos serviam. Não se sabe por quanto tempo Daniel ocupou o cargo. Parece que ele o deixou
antes de 570 a.C., visto que seu nome não se encontra no "Almanaque da Corte e do Estado", escrito em cuneiforme,
que alista os principais oficiais do governo de Nabucodonosor que estavam no cargo nessa época. Não há outros
almanaques da corte e do estado, da época do reinado de Nabucodonosor. De fato, Daniel não é mencionado em
nenhuma fonte extrabíblica da época.

A ausência do nome de Daniel nesse documento não é estranha, visto não ser sabido por quanto tempo ele
permaneceu no cargo público. Apenas quatro importantes eventos do reinado de Nabucodonosor são registrados no
livro de Daniel, e o profeta desempenhou seu papel em três deles: a educação dos príncipes judeus durante os três
primeiros anos do reinado de Nabucodonosor, incluindo o ano de ascensão (Dn 1); a interpretação do sonho de
Nabucodonosor no segundo ano do reinado (Dn 2); a inauguração da imagem na planície de Dura, resultando no
livramento extraordinário dos amigos de Daniel num ano não especificado (Dn 3); e a interpretação do sonho de
Nabucodonosor por Daniel, anunciando que o rei ficaria louco por sete anos, o que provavelmente ocorreu durante os
últimos anos do monarca (Dn 4).
Daniel 1 18

Nada se sabe das atividades de Daniel durante os anos em que Nabucodonosor esteve incapacitado. Também não há
informação sobre o que Daniel fez depois de o rei ter recuperado as faculdades e o trono, e se ele prestou serviços
durante os reinados dos sucessores Amel-Marduque (o Evil-Merodaque, da Bíblia), Nergal-sar-usur, Labasi-
Marduque e Nabonido. Contudo, ele viu o poderoso império de Nabucodonosor se tornar moralmente fraco e
corrupto sob a liderança de reis que assassinaram seus antecessores. Ele também deve ter testemunhado com
interesse especial a rápida ascensão de Ciro, rei da Pérsia, visto que um homem com esse nome fora mencionado na
profecia como o libertador de Israel (Is 44:28; 45:1). Em 553 a.C ., quando Ciro provavelmente se apoderou do
império dos medos, também é possível que Daniel tenha visto Nabonido apontar seu filho Belsazar para governar
Babilônia, quando Nabonido partiu para conquistar Tema, na Arábia. Foi durante os primeiros três anos de Belsazar
que grandes visões foram dadas ao profeta (Dn 7; 8), e o homem até então conhecido somente como um intérprete de
sonhos e visões se tornou um dos grandes profetas de todos os tempos.

Os babilônios solicitaram os serviços de Daniel mais uma vez, durante a noite da queda de Babilônia, em 539 a.C.,
para ler e interpretar a escritura condenatória na parede da sala de banquete de Belsazar. Depois de os persas se
apoderarem de Babilônia e do império, os novos governantes fizeram uso dos talentos e da experiência do velho
estadista da geração anterior. Daniel outra vez se tornou o principal conselheiro da coroa. Presume-se que tenha sido
ele quem apresentou as profecias de Isaías ao rei (ver PR, 557), as quais influenciaram o governante persa a
proclamar o fim do exílio dos judeus e dar-lhes novamente uma pátria e um templo. Durante esse último período da
carreira pública de Daniel, homens invejosos atentaram contra a vida dele, mas o Senhor interveio de forma
maravilhosa e o livrou (Dn 6). Daniel teve outras importantes visões durante seus últimos anos de vida,
primeiramente sob o governo de Dario, o medo (Dn 9; ver Nota Adicional a Daniel 6) e, então, sob Ciro (Dn 10- 12).

No estudo do livro de Daniel, dois pontos requerem exame cuidadoso:

a. A historicidade de Daniel. Desde que o filósofo neoplatônico Porfírio (233-c. 304 d.C.) fez os primeiros grandes
ataques à historicidade de Daniel, o livro tem estado sob críticas, em princípio apenas de forma esporádica, mas
durante os últimos dois séculos, constantemente. Como resultado, a maioria dos eruditos cristãos, atualm ente,
considera o livro como produto de um autor anônimo que teria vivido no período da revolução macabeia, por volta
do 2° século a.C.

Esses eruditos apresentam duas razões principais para designar uma data tão tardia para o livro de Daniel: (l) uma
vez que algumas profecias apontariam para Antíoco IV Epifânio (175 -c. 163 a.C.) e sendo que a maioria delas, ao
menos aquelas cujo cumprimento foi demonstrado, teria sido escrita após os eventos descritos terem ocorrido, então
as profecias de Daniel devem datar de um tempo posterior ao do reinado de Antíoco IV; e (2) uma vez que, segundo
eles, as seções históricas de Daniel registram eventos que discordam de fatos históricos conhecidos a partir de fontes
disponíveis, então essas discordâncias podem ser melhor explicadas quando se assume que o autor estava distante
desses eventos, no espaço e no tempo, e por isso possuía apenas um conhecimento limitado do que de fato aconteceu
no 7° e 6° séculos a.C., 400 anos antes.

O primeiro argumento não tem validade diante da crença de que os profetas inspirados podem prever seguramente o
curso geral da história. O segundo deve ser considerado por alegar que Daniel teria inexatidões históricas,
anacronismos e conceitos errôneos. Por essa razão, apresenta-se um breve estudo sobre a validade histórica do livro
de Daniel.

De fato, Daniel descreve alguns eventos ainda não comprovados por documentos disponíveis. Um exemplo é a
loucura de Nabucodonosor, não mencionada em nenhum registro babilônico. A ausência de comprovação de uma
incapacidade temporária do maior rei do império neobabilônico não é algo estranho num tempo em que os registros
reais continham apenas narrativas dignas de louvor (ver com. de Dn 4:36). Dario, o medo, cujo verdadeiro lugar na
historia não foi estabelecido por fontes extrabíblicas confiáveis, é também um enigma histórico. Encontram-se
sugestões de sua identidade em autores gregos e em informação fragmentária de fontes cuneiformes (ver Nota
Adicional a Daniel 6).

Outras supostas dificuldades históricas que confundiam comentaristas conservadores dos séculos anteriores têm sido
solucionadas pela expansão do conhecimento histórico fornecido pela arqueologia.

Abaixo, estão alistados alguns dos mais importantes problemas já solucionados:

1. A suposta discrepância cronológica entre Daniel 1:1 e Jeremias 25:1. Jeremias, que segundo o critério geral dos
Daniel 1 19

eruditos é uma fonte histórica confiável, sincroniza o quarto ano de Jeoaquim, de Judá, com o primeiro ano de
Nabucodonosor, de Babilônia. Contudo, Daniel fala que a primeira conquista de Jerusalém por Nabucodonosor
ocorreu no terceiro ano de Jeoaquim, sugerindo que o primeiro ano de Nabucodonosor coincidiria com o terceiro de
Jeoaquim. Antes de a descoberta de registros da época revelar diferentes sistemas de contagem dos anos de reinado
de antigos reis, os comentaristas achavam difícil explicar essa aparente discrepância. Buscou-se solucionar a
dificuldade por supor uma corregência de Nabucodonosor com seu pai Nabopolassar (ver vol. 3, p. 80), ou por
pressupor que Jeremias e Daniel datavam os eventos de acordo com sistemas de contagem diferentes: Jeremias,
segundo o sistema judaico, e Daniel, segundo o babilônico. Ambas as explicações estão ultrapassadas.

A dificuldade foi solucionada com a descoberta de que os reis babilônios, como os de Judá dessa época, contavam os
anos de reinado de acordo com o método do "ano da ascensão" (ver vol. 2, p. 106). O ano em que um rei babilônio
subia ao trono não era computado como seu primeiro ano oficial, mas meramente o ano de sua ascensão; e seu
primeiro ano, isto é seu primeiro ano completo no calendário, só começava no dia de novo ano seguinte, quando,
numa cerimônia religiosa, ele tomava as mãos do deus babilônico Bel.

Também se sabe, por meio de Josefo (citando Beroso) e pela Crônica Babilônica, que Nabucodonosor estava numa
campanha militar na Palestina contra o Egito quando seu pai morreu e ele o sucedeu no trono (ver p. 831, 832;
também vol. 2, p. 64, 65, 130; vol. 3, p. 80). Portanto, Daniel e Jeremias estão completamente de acordo. Jeremias
sincronizou o primeiro ano de Nabucodonosor com o quarto ano de Jeoaquim, enquanto Daniel foi levado cativo no
ano de ascensão de Nabucodonosor, que ele identifica como o terceiro ano de Jeoaquim.

2. Nabucodonosor, o grande construtor de Babilônia. De acordo com historiadores gregos, Nabucodonosor teve um
papel insignificante na história antiga. Nunca o mencionam como um grande construtor ou o criador de uma nova e
mais poderosa Babilônia. O leitor familiarizado com a história clássica grega sabe que essa honra é comumente
atribuída à rainha grega Semiramis, a quem se confere um lugar importante na história de Babilônia.

Porém, registros cuneiformes da época, descobertos por arqueólogos durante os últimos cem anos, mudaram por
completo o quadro apresentado pelos autores clássicos. Esses registros confirmam o relato de Daniel, que atribui a
Nabucodonosor a construção (reconstrução) da "grande Babilônia" (Dn 4:30). Descobriu-se então que Semiramis,
chamada Sammu-ramat em inscrições cuneiformes, era rainha mãe na Assíria, regente de seu filho menor de idade
Adad-Nirari III , e não rainha de Babilônia, como afirmavam as fontes clássicas. As inscrições mostram que ela não
teve participação na construção de Babilônia. Por outro lado, várias inscrições de Nabucodonosor provam que ele
foi, em certo sentido, o criador de uma nova Babilônia, ao reconstruir palácios, templos, a torre-templo da cidade e
ao acrescentar novas construções e fortificações (ver Nota Adicional a Daniel 4).

Ninguém além de um escritor da era neobabilônica poderia ter tal informação, pois ela tinha se perdido
completamente antes da época helenística. De fato, essa informação no livro de Daniel se constitui num desafio para
eruditos críticos que não acreditam que Daniel foi escrito no 6°, mas no 2° século. Um exemplo típico do dilema
desses pesquisadores é a seguinte declaração de Robert H. Pfeiffer, da Universidade de Harvard: "Provavelmente
nunca saberemos como nosso autor soube que a nova Babilônia era criação de Nabucodonosor [.. .],como têm
provado as escavações" (Introduction to the Old Testament [Nova York, 1941], p. 758, 759).

3. Belsazar, rei de Babilônia. O fato de o nome de Belsazar não se encontrar em nenhum escrito extrabíblico da
Antiguidade, enquanto Nabonido sempre é mencionado como o último rei babilônio antes da conquista persa, foi
usado como um dos argumentos mais fortes contra a historicidade do livro de Daniel. No entanto, descobertas a
partir da metade do século 19 têm refutado as críticas a Daniel a esse respeito e vindicado o caráter fidedigno da
narrativa histórica do profeta sobre Belsazar (sobre a descoberta da identidade de Belsazar por orientalistas
modernos, ver Nota Adicional a Daniel 5).

b. Os idiomas do livro. Da mesma forma que Esdras (ver vol. 3, p. 343), uma parte do livro de Daniel foi escrita em
hebraico e outra em aramaico. Alguns explicam o uso de dois idiomas supondo que, no caso de Esdras, o autor
tomou documentos aramaicos acompanhados de suas descrições históricas, e os incorporou a seu livro, que além
dessas passagens estava escrito em hebraico, idioma nacional de seu povo. Essa interpretação não se aplica ao livro
de Daniel, em que a seção em aramaico começa com Daniel 2:4 e termina com o último versículo do cap. 7.

A seguir, há uma lista parcial das explicações dos eruditos para o problema, seguidas de observações de aspectos
contraditórios das mesmas:
Daniel 1 20

l. O autor escreveu os relatos históricos para o povo que falava aramaico, e as profecias, para os eruditos que falavam
hebraico. Porém, o aramaico dos cap. 2 e 7, ambos com grandes profecias, indica que essa opinião não é correta.

2. O uso de dois idiomas aponta para a existência de duas fontes. Esta opinião não pode estar correta, pois o livro tem
uma notável unidade, reconhecida até por muitos críticos radicais (ver p. 819).

3. O livro foi escrito originalmente em um idioma, aramaico ou hebraico, e partes dele foram traduzidas mais tarde.
Esta opinião não responde a pergunta quanto à razão de terem sido traduzidas apenas algumas seções para outro
idioma e não o livro todo.

4. O autor publicou o livro em duas edições, uma em hebraico e outra em aramaico, de modo que todos pudessem lê-
lo. Durante as perseguições na época dos macabeus, partes do livro se perderam, e as partes salvas de ambas as
edições foram reunidas em um livro sem alterações. Esta opinião não pode ser comprovada e se baseia em
conjecturas.

5. O autor começou a escrever em aramaico no ponto em que os caldeus se dirigiram "ao rei em aramaico" (Dn 2:4),
e continuou nesse idioma enquanto escrevia, mas depois, quando voltou a escrever (em Dn 8:1), usou o hebraico.

A última opinião parece apontar a solução, pois as várias seções do livro devem ter sido escritas em épocas
diferentes. Como um oficial do governo, Daniel fa lava e escrevia em vários idiomas. É provável que tenha escrito
algumas narrativas históricas e visões em hebraico e outras em aramaico. Com base nessa suposição, o cap. 1 foi
escrito em hebraico, provavelmente no primeiro ano de Ciro, e as narrativas dos cap. 3 a 6, em aramaico, em épocas
diferentes. As visões proféticas foram registradas em sua maior parte em hebraico (Dn 8-12), embora a visão do cap.
7 tenha sido escrita em aramaico. O relato do sonho do Nabucodonosor acerca dos impérios futuros (Dn 2), por outro
lado, foi escrito em hebraico até o ponto em que a fala dos caldeus é introduzida (Dn 2:4), e então é usado o ara
maico desse ponto até o final da narrativa.

Quando, no final da vida, Daniel reuniu todos os seus escritos num só livro, ele deve ter julgado desnecessário
traduzir certas partes a fim de conferir ao livro uma unidade linguística, pois sabia que a maioria de seus leitores era
bilíngue - fato evidente a partir de outras fontes.

Além disso, deve-se observar que a existência de dois idiomas no livro de Daniel não pode servir de argumento para
uma data posterior para a origem do livro. Aqueles que datam a origem de Daniel no 2° século a.C. também
enfrentam problemas para explicar por que um autor hebreu do período macabeu escreveu parte do livro em hebraico
e parte em aramaico.

É verdade que as peculiaridades ortográficas das seções em aramaico do livro de Daniel são semelhantes às do
aramaico da Ásia Ocidental do 4° e 3° séculos devido, possivelmente, a uma modernização do idioma, característica
observável também na maioria dos livros bíblicos escritos em hebraico. A ortografia não pode revelar a data da
escrita de um livro, assim como a última revisão de uma tradução da Bíblia não pode ser considerada como prova de
que essa Bíblia tenha sido originalmente traduzida no ano de sua impressão. As peculiaridades ortográficas podem
no máximo indicar em que época ocorreram as últimas revisões ortográficas.

Entre os rolos do Mar Morto (ver vol. 1, p. 8-11) existem vários fragmentos de Daniel que datam do 2° século a.C.
Pelo menos dois deles preservam a seção do capítulo em que se faz a mudança do hebraico para o aramaico, e
mostram claramente o caráter bilíngue do livro naquela época (ver p. 819, 820).

4. Tema - O livro de Daniel pode ser considerado uma obra sobre história e profec ia. A profecia preditiva é uma
visão antecipada da história; e a história é o cumprimento da profecia. O elemento preditivo permite ao povo de Deus
ver as coisas transitórias à luz da eternidade, leva-o a se manter alerta para agir com eficácia em momentos
específicos, facilita o preparo pessoal para a crise final e, ao cumprir-se a previsão, fornece uma base firme para a fé.

As quatro principais profecias de Daniel apresentam de forma resumida as experiências do povo de Deus desde os
dias de Daniel até o fim dos tempos, tendo como contexto a história mundial. "A cortina é afastada, e pode-se ver
acima, para trás e pelos lados as marchas e contramarchas das paixões, do poder e dos interesses humanos- as
instrumentalidadesdo Todo-Poderoso -, executando paciente e silenciosamente os conselhos de Sua própria vontade"
(PR, 500). Cada uma das quatro profecias atinge seu clímax quando "o Deus do céu" suscita "um reino que não será
jamais destruído" (Dn 2:44), quando o "Filho do homem" recebe "domínio eterno" (Dn 7:13 , 14), quando a oposição
Daniel 1 21

ao "Príncipe dos príncipes" é quebrada "sem esforço de mãos humanas" (Dn 8:25) e quando o povo de Deus é Iiberto
para sempre de seus opressores (Dn 12: 1). Portanto, as profecias de Daniel antec ipam um a sequência histórica
condu zida por Deus, desde o prec ipício do tempo até o fim dos dias, um vislumbre do tempo que permite àqueles
que, como Daniel, se determinam a amar e servir a Deus, saindo da incerteza e da angústia presente para a paz e a
segurança da vida eterna.

A seção histórica do livro revela a filosofia da história (ver Ed, 173 -184). Essa seção constitui um prefácio para a
seção profética. Ao relatar a maneira como Deus lida com o poder babilônico, o livro ajuda a entender o significado
da ascensão e queda de outras nações cuja história é esboçada na porção profética do livro. Sem um claro
entendimento da filosofia da história, conforme revelada na narrativa do papel de Babilônia no plano divino, o papel
das outras nações que sucederam Babilônia não pode ser bem compreendido (sobre a filosofia divina da história, ver
com. de Dn 4:17).

Na seção histórica do livro, Daniel, o homem de Deus, fica face a face com Nabucodonosor, o gênio do mundo
gentílico, a fim de que o rei tenha a oportunidade de conhecer o Deus de Daniel, o Árbitro da história, e coopera r
com Ele. Nabucodonosor não só era o monarca da maior nação daquele tempo, como também era um sábio e tinha
senso inato da retidão e da justiça. De fato, ele era a personalidade principal do mundo gentílico, que governava a
"mais poderosa das nações" (Ez 31: 11). Ele subira ao poder para cumprir um papel específico no plano divino. Deus
disse sobre ele: "Agora, Eu entregarei todas estas terras ao poder de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Meu servo" (Jr
27:6). Visto que os judeus seriam levados cativos a Babilônia, eles deveriam estar sob o domínio de um rei firme,
mas não cruel (segundo os padrões da época). A missão de Daniel na corte de Nabucodonosor era assegurar a
submissão do rei à vontade de Deus, a fim de que o propósito divino fosse cumprido. Num elos momentos
dramáticos da história, Deus reuniu essas duas grandes persona lidades (ver p. 620, 621).

Os primeiros quatro capítulos de Daniel narram a forma como Deus assegurou a obediência de Nabucodonosor.
Primei ramente, Deus precisava de um homem que representasse os princípios e a política dos céus na corte
babilônica, por isso escolheu Daniel para ser Seu embaixador pessoal perante Nabucodonosor. Os meios que Deus
empregou para atrair a atenção do monarca ao cativo Daniel e a maneira como Nabucodonosor passou a confiar
primeiramente em Daniel e, então, no Deus elo profeta ilustram como Deus usa as pessoas para cumprir Sua vontade
na Terra. Deus pôde usar Daniel, pois ele era um homem de princípios, ele caráter sólido, cujo principal objetivo era
viver para Deus.

Daniel resolveu firmemente (Dn 1:8) viver em harmonia com toda a revelada vontade de Deus. Primeiramente, Deus
o fez alcançar "misericórdia e compreensão" da parte dos oficiais de Babilônia (v. 9). Isso preparou o caminho para o
segundo passo: a demonstração da superioridade física ele Daniel e de seus companheiros (v. 12-15); e, em seguida,
a demonstração da superioridade intelectual. "Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria"
(v. 17), e, como resultado, eles foram considerados "dez vezes mais doutos" do que os colegas (v. 20). Dessa forma,
em termos de personalidade e no aspecto físico e intelectual, Daniel provou ser superior aos demais e, portanto,
ganhou a confiança e o respeito de Nabucodonosor.

Esses eventos prepararam Nabucodonosor para conhecer o Deus de Daniel. Uma série de experiências dramáticas: o
sonho do cap. 2, o incrível livramento da fornalha ardente (Dn 3) e o sonho do cap. 4 demonstraram ao rei a
sabedoria, o poder e a autoridade do Deus de Daniel. A inferioridade do conhecimento humano, demonstrada na
experiência de Daniel 2, fez com que Nabucodonosor admitisse: "Certamente, o vosso Deus é o Deus dos deuses, e o
Senhor dos reis, e o revelador de mistérios" (Dn 2:47). Ele reconheceu espontaneamente que a sabedoria de Deus é
superior, não apenas à sabedoria humana, mas até à suposta sabedoria de seus próprios deuses. O incidente da
imagem de ouro e da fornalha ardente levou Nabucodonosor a admitir que o Deus do céu "livrou os Seus servos"
(Dn 3:28). Sua conclusão foi de que ninguém em todo o reino podia proferir "blasfêmia contra o Deus" dos hebreus ,
tendo em vista que "não há outro deus que possa livrar como este" (v. 29). Nabucodonosor reconheceu que o Deus
dos céus não só é sábio, mas também é poderoso, não só onisciente, mas onipotente. A terceira experiência: os sete
anos durante os quais sua sabedoria e seu poder altivos foram temporariamente retirados, ensinou ao rei não só que
"o Altíssimo" é sábio e poderoso, mas que Ele exerce essa sabedoria e esse poder para governar as questões humanas
(Dn 4:32). Ele tem sabedoria, poder e autoridade. É digno de nota que o primeiro ato de Nabucodonosor depois de
retom ar a razão foi louvar, exaltar e glorificar ao Rei do céu e reconhecer que Deus "pode humilhar aos que andam
na soberba", como ele o fizera por tantos anos (v. 37).

No entanto, as lições que Nabucodonosor aprendeu pessoalmente por um período de muitos anos não beneficiaram
seus sucessores no trono de Babilônia. Como o último rei de Babilônia, Belsazar desafiou abertamente o Deus dos
Daniel 1 22

céus (Dn 5:23), apesar de conhecer a experiência de Nabucodonosor (v. 22). Em vez de trabalhar em harmonia com
o plano divino, Babilônia se tornou "opressora, orgulhosa e cruel" (Ed, 176) e, pela rejeição dos princípios do Céu, o
reino operou a própria ruína (Ed, 177). A nação foi pesada na balança e achada em falta (Dn 5:25-28), e o domínio
mundial, passado aos persas.

Ao libertar Daniel da cova dos leões, Deus demonstrou Seu poder e autoridade perante os governantes do império
persa (ver Dn 6:20-23; PR, 557) como fez antes com os de Babilônia. Um decreto de Dario, o medo, reconhecia "o
Deus vivo" e admitia que Ele "permanece para sempre" (v. 26). Mesmo "a lei dos medos e dos persas que não se
pode revogar" (v. 8) teve de ceder diante dos decretos do "Altíssimo", que "tem domínio sobre o reino dos homens"
(Dn 4:32). Ciro foi favoravelmente impressionado pela evidênc ia miraculosa do poder divino exibido no livramento
de Daniel da cova dos leões (PR, 557). As profecias que predisseram seu papel na restauração de Jerusalém e do
templo (Is 44:26-45:13) também exerceram profunda impressão sobre ele: "O seu coração foi profundamente
movido, e ele se determinou cumprir sua missão divinamente indicada" (PR, 557).

Assim, o livro de Daniel demonstra os princípios segundo os quais a sabedoria, o poder e a autoridade de Deus
atuam por meio da históri a das nações para o cumprimento final do propósito divino. "Deus exaltou Babilônia para
que ela pudesse cumprir este propósito" (Ed, 175). Ela teve seu período de prova, mas "fracassou; esmaeceu sua
glória, passou-se o seu poder, e o lugar foi ocupado por outra nação" (Ed, 177; ver com. de Dn 4:17).

As quatro visões do livro de Daniel tratam da luta entre as forças do bem e do mal sobre esta terra desde a época de
Daniel até o estabelecimento do reino eterno de Cristo. Visto que Satanás usa os poderes da Terra para tentar frustrar
os planos de Deus e destruir Seu povo, essas visões apresentam os poderes pelos quais o maligno tem atuado com
muito empenho.
A primeira visão (Dn 2) apresenta um panorama da história política. Seu objetivo principal era revelar a
Nabucodonosor seu papel como governante de Babilônia, e lhe mostrar "o que há de ser" (v. 29).

Como se fosse um desdobramento da primeira visão, a segunda (Dn 7) enfatiza as experiências do povo de Deus
durante a soberania dos poderes mencionados na primeira visão e prediz a vitória final dos santos e o juízo de Deus
sobre os inimigos (ver v. 14, 18, 26, 27 ).

A terceira visão (Dn 8; 9) complementa a segunda e enfatiza as tentativas de Satanás para destruir a religião e o povo
de Deus.

A quarta visão (Dn l0-12) resume as anteriores e trata o tema de forma mais detalhada. Ela amplia o assunto da
segunda e terceira visões. O foco está no "que há de suceder ao teu povo nos últimos dias; porque a visão se refere a
dias ainda distantes" (Dn 10:14), e "o tempo indicado era longo" (v. 1, KJV). A narrativa da história em Daniel 11:2
a 39 conduz aos "últimos dias" (10:14) e aos eventos do "tempo do fim" (11:40).

As profecias de Daniel estão estreitamente relacionadas às do livro do Apocalipse. Na verdade, o Apocalipse trata do
mesmo tema, mas dá ênfase especial ao papel da igreja cristã como povo escolhido de Deus. Dessa forma, detalhes
que parecem obscuros no livro de Daniel são em geral esclarecidos quando observados no livro de Apocalipse. A
parte da profecia que se refere aos últimos dias, Daniel teve ordem de fechar e selar, até "o tempo do fim" (GC, 356),
quando, por meio de estudo diligente do livro, o "saber" de seu conteúdo se multiplicaria (Dn 12:4). Se, por um lado,
a profecia de Daniel acerca dos últimos dias foi selada (Dn 12:4; AA, 585), João foi especificamente instruído: "Não
seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo está próximo" (Ap 22:10). Assim, para se ter uma
interpretação mais clara de qualquer parte do livro de Daniel que seja obscura, deve-se estudar cuidadosamente o
livro de Apocalipse.

5. Estrutura literária

Importância. O estudo da estrutura literária de qualquer livro bíblico não é um simples exercício
acadêmico. Pelo contrário, a compreensão deste assunto permite estudar um determinado texto bíblico em
seu contexto específico, orientando as conclusões do intérprete segundo o propósito do profeta. Faz
algumas décadas que os especialistas iniciaram estudos sobre a “composição literária”30 do livro de Daniel
e sua estrutura.31 Como se expressou uma estudiosa, “a chave para compreender uma obra é sua forma

30
Adaptado de LaRondelle, “The Historicist Method in Adventist Interpretation”, 86-87.
31
Cf. o trabalho básico publicado por A. Lenglet, “La structure litteraire de Daniel 2-7”, Bíblica 53 (1972): 169-190.
Daniel 1 23

literária”,32 visto que “a estrutura literária destaca temas”33 que exigem uma maior atenção do intérprete.
Ou ainda, como afirmou Davidson, “a estrutura literária de uma passagem bíblica [...] frequentemente
provê uma chave para o fluxo de pensamento ou temas teológicos centrais.”34 A afirmação de Maxwell em
relação ao livro do Apocalipse, de que a estrutura literária constitui-se provavelmente na “mais útil de
todas as possíveis chaves, capazes de desvendar o significado do livro”,35 também é verdade com respeito
a Daniel. E Milgrom reforça a importância da estrutura literária no processo de estudo da Bíblia: “Pelo uso
de palavras repetidas e quiasmas internos, e, acima de tudo, pela escolha do centro ou fulcro em torno do
qual a introversão é estruturada, o impulso ideológico de cada autor é revelado. Em uma palavra, a
estrutura é teologia.”36

“Como resultado desta nova apreciação da estrutura literária, uma interpretação de Daniel... não pode mais
separar um texto ou capítulo da composição total e tentar encaixar a parte isolada com algum evento da
história mundial. A abordagem literária provê um novo padrão para avaliar a exegese de Daniel...” pelos
intérpretes historicitas do passado.37

Função da estrutura literária. Wiliam H. Shea38 apresenta algumas ideias acerca da função da estrutura
literária em forma de quiasma do livro de Daniel, e que destacamos aqui:

1. Recurso elaborado para uma mais fácil memorização, visto que os capítulos estão
tematicamente relacionados.
2. Possibilidade de reconhecer vínculos explicativos entre as narrativas paralelas. Por exemplo,
os capítulos 2 e 7 estão relacionados, e não se referem a períodos diferentes da história.
Assim, a estrutura literária reforça o vínculo.
3. Questão estética. As verdades bíblicas são expressas em formas literariamente atrativas.
4. Unidade do livro. A estrutura literária destaca que as narrativas se encaixam em uma ordem
específica, como os tijolos de uma lareira, de tal forma que a remoção de um ocasiona o
desabamento de toda a estrutura.

Modelos de estrutura literária. Vários estudiosos reconhecem a estrutura básica do livro de Daniel,39
enquanto outros elaboraram estudos mais detalhados de sua estrutura literária.40

Para início de nossas considerações, conforme observado por Montgomery, o livro está estruturado em
“duas óbvias porções literárias”:41

32
Adela Y. Collins, The Apocalypse (Wilmington: Glazier, 1983).
33
Roy E. Gane, The NIV Application Commentary: Leviticus, Numbers (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2004), 30.
34
Richard M. Davidson, “Historical-Grammatical Interpretation of Scripture”, Perspective Digest, Vol. 15 No 3
(2010): 29-30.
35
C. Mervyn Maxwell, Uma nova era segundo as profecias do Apocalipse (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2002), 55.
36
Jacob Milgrom, Leviticus 23-27: A New Translation with Introduction and Commentary, AB 3B (New York:
Doubleday, 2001), 2129-30.
37
LaRondelle, “The Historicist Method in Adventist Interpretation”, 86.
38
William H. Shea, Daniel 1-7, 46-47.
39
C. F. Keil, The Book of the Prophet Daniel. Traduzido do alemão por M. G. Easton (Edimburgh: T & T Clark,
1884), 15-16; James A. Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel (New York:
Charles Scribner's Sons, 1927), S. 89.
40
William Shea, Daniel 1-7, 46; Idem, “Unity of Daniel”, 249; David W. Gooding, “The Literary Structure of the
Book of Daniel and Its Implications”, Tyndale Bulletin 32 (1981): 43-80; Doukhan, Daniel, 3-6; Idem, Secrets of
Daniel, passim; David A. Dorsey, The Literary Structure of the Old Testament: A Commentary on Genesis-Malachi
(Grand Rapids, MI: Baker, 1999); Arthur J. Ferch, “The Apocalyptic ‘Son of Man’ in Daniel 7”, 142; George R.
Law, Identification of Darius the Mede (2010), 12.
41
Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel, S. 89. Ver os argumentos de Keil para
dividir entre 1-7 e 8-12 em The Book of the Prophet Daniel, 15-16.
Daniel 1 24

1. Histórica (denominada “Estórias” por Montgomery) – caps. 1-6


2. Profética (denominada “Visões” pelo mesmo autor) – caps. 7-12

Que o livro de Daniel foi arranjado com um propósito bem definido, e não acidental,42 fica evidente ao
leitor perspicaz. Uma leitura atenta da primeira seção revela que os capítulos não são ordenados
cronologicamente. Observe que os capítulos 5 e 6, que estão datados no período persa, precedem os
capítulos 7 e 8, que pertencem ao período babilônico. Assim, percebe-se que o autor do livro utilizou um
princípio orientador na estruturação do livro, que ignorou o aspecto cronológico. Com respeito à seção
histórica, além da utilização da língua aramaica, que vai de 2:4b até o fim do capítulo 7, é possível
identificar um arranjo literário específico, que relaciona um capítulo ao outro com base em seu conteúdo.
Este arranjo é conhecido como “paralelismo concêntrico”.43

William Shea propõe a seguinte estrutura para os primeiros capítulos do livro de Daniel:44

A. Daniel 2 – profecia sobre o surgimento e queda de reinos


B. Daniel 3 – narrativa sobre a perseguição dos amigos de Daniel
C. Daniel 4 – narrativa sobre a queda e levantar de
Nabucodonosor
C’. Daniel 5 – profecia sobre a queda do rei Belsazar
B’. Daniel 6 – narrativa sobre a perseguição de Daniel
A’. Daniel 7 – profecia sobre o surgimento e queda de reinos

Doukhan observa o mesmo fenômeno de paralelismo concêntrico na segunda metade do livro. Os


capítulos 7 e 12 se relacionam mediante os motivos de Juízo e Parousia; o capítulo 8 se relaciona com o
11 em seu motivo específico de um conflito; e o capítulo 9 está relacionado com o 10 especialmente sobre
o motivo específico das semanas (9:24-27; cf. 10:2, 3 – estas são as duas únicas passagens bíblicas que
usam a palavra sabuim para semanas), mas essencialmente no nível mais profundo da estrutura, com os
paralelos de entendimento da mensagem, oração e jejum, e a visão como resposta à oração. Com base
nestes arrazoados, Doukhan propõe a seguinte estrutura para o livro como um todo:45

Cap. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

O mesmo paralelismo foi notado por David Dorsey, conforme observado na estrutura seguinte:46

Simetria no livro de Daniel

Introdução hebraica: Daniel e seus três amigos na universidade de Nabucodonosor (1)

42
Arthur J. Ferch, “Authorship, Theology, and Purpose of Daniel”, 44.
43
Jacques Doukhan, Daniel, 3.
44
William Shea, Daniel 1-7, 46. Shea reconhece o trabalho básico publicado por A. Lenglet, “La structure litteraire
de Daniel 2-7”, Bíblica 53 (1972): 169-190. Cf. Shea, “Unity of Daniel”, 249. Um arranjo mais complexo é proposto
por David W. Gooding, “The Literary Structure of the Book of Daniel and Its Implications”, TynBul 32 (1981): 43-
79. Ver também, Arthur Ferch, Daniel on Solid Ground, 27. Uma estrutura unindo todos os 12 capítulos é proposta
por James M. Hamilton Jr., God’s Glory in Salvation through Judgment: A Biblical Theology (Wheaton, Illinois:
Crossway, 2010), 325. Ver também, Daniel I. Block, “Preaching Old Testament Apocalyptic to a New Testament
Church”, Calvin Theological Journal 41 (2006): 27-29.
45
Doukhan, Daniel, 3-6.
46
David A. Dorsey, The Literary Structure of the Old Testament: A Commentary on Genesis-Malachi (Grand
Rapids, MI: Baker, 1999).
Daniel 1 25

Seção aramaica (2-7)


a. Visão dos quatro reinos (em imagem humana) (2)
b. história de mártires: Deus salva os três amigos de Daniel da fornalha ardente (3)
c. O orgulho de Nabucodonosor e a soberania de Yahweh (4)
c’. O orgulho de Belsazar e a soberania de Yahweh (5)
b’. História de mártir: Deus salva Daniel na cova dos leões (6)
a’. Visão dos quatro reinos (em imagens de animais) (7)

Seção hebraica (8-12)


a. Visão dos dois reinos (Medo-Pérsia; metáfora de animais) (8)
b. Visão das setenta semanas (9)
a’. Visão dos dois reinos (Medo-Pérsia; metáfora de homem) (10-12)

William Shea conservou os mesmos conceitos básicos de estudos anteriores e desenvolveu uma estrutura
mais bem elaborada, o que destaca a unidade do livro de Daniel.

D
Messias
morre só
9:26
Pessoa de
…………………………… Deus
C) Profecia Profecia C’) C) Profecia Profecia C’)
de rei – cp 4 de rei – cp 5 de rei de rei
Nabucodon… Belsazar Construir Destruir
________________________ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ____9:25_____9:27_______
B) Prova: Prova: B’) B) Prova: Prova: B’)
Imagem Leões Oração por Jejum pelo
Cap. 3 Cap. 6 Retorno, 9A Templo, 10
Povo de Deus Povo de Deus
__________________________________ _ _ _ _ __________________________________
A) Profecia Profecia C’) C) Profecia Profecia A’’)
de reinos: de reinos: de reinos: de reinos:
Homem, cp. 2 Bestas, cp. 7 Bestas, cp. 8 Homens, cp. 11-12A

Prólogo ARAMAICO HEBRAICO Epílogo


Histórico Profético
Cap. 1 Cap. 12B

Em conclusão, devemos observar que as narrativas do livro de Daniel culminam na exaltação dos
adoradores do verdadeiro Deus, e cada visão tem o seu clímax no estabelecimento do reino de Deus.47

47
Desmond Ford, Daniel, 28.
Daniel 1 26

CAPÍTULO 1
1 No ano terceiro do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a
Jerusalém e a sitiou.

O primeiro capítulo apresenta em forma seminal o que encontramos no restante do livro. “Todos os principais temas
que serão desenvolvidos posteriormente mediante narrativa e visão estão presentes nesta passagem introdutória. Por
exemplo, a Bíblia frequentemente tem sido referida como um ‘conto de duas cidades’, Jerusalém e Babilônia, que
são mencionadas primeiramente em Gênesis (14:18; 11:9) e finalmente no Apocalipse (3:12; 21:2; 21:10; 14:8; 18:2;
16:19; 17:5). O verso inicial de Daniel nomeia ambas as cidades como uma pista para o conflito entre a verdadeira e
falsa religião a ser subsequentemente revelado.”48 Devemos notar, também, que aqui não estamos lidando apenas
com um conflito entre nações, e sua consequente disputa de poder e domínio. Quando o povo de Deus, o povo do
pacto, está envolvido, então algo mais se encontra presente. O conflito deve ser analisado não da perspectiva humana
somente, mas de maneira especial da perspectiva do grande conflito cósmico entre Cristo e Satanás. Assim, desde o
início de seu relato, Daniel estabelece que “Babilônia é a inimiga perpétua de Deus e que ataca a Seu povo.”49

No ano terceiro. Com base em sincronismos bíblicos que relacionam os reinados de vários reis de Judá com o de
Nabucodonosor, cujos anos de reinado em Babilônia foram estabelecidos astronomicamente, o terceiro ano de
reinado de Jeoaquim durou, segundo o calendário judaico, do outono de 606 ao outono de 605 a.C. (ver vol. 2, p.
129; vol. 3, p. 80). Portanto, os eventos registrados neste e no versículo seguinte devem ter ocorrido em algum
momento durante o ano civil judaico que começou no outono de 606 e terminou no outono de 605 a.C. Antes de
serem compreendidos os antigos sistemas de contagem dos reinados, este versículo apresentava aos comentaristas
um problema insuperável devido à aparente contradição com Jeremias 25:1. Como resultado de descobertas
arqueológicas modernas, todas as dificuldades históricas e cronológicas desse ponto em questão desapareceram, e as
evidências apresentam um quadro completamente harmonioso (ver p. 822, 823). A integridade do registro sagrado
mais uma vez foi confirmada (ver p. 822).

Jeoaquim era o segundo filho de Josias. Quando Josias morreu em Megido, o povo fez de Joacaz, o quarto filho de
Josias (ver com. de 1Cr 3:15), rei no lugar de seu pai. Depois de Joacaz reinar por três meses, Neco, rei do Egito,
durante a campanha de verão na Mesopotâmia, o depôs e colocou Jeoaquim no trono (2Rs 23:29-34). O novo
governante de Judá, cujo nome foi mudado pelo rei egípcio de Eliaquim ("Meu Deus Se levanta") para Jeoaquim
("Yahweh Se levanta"), foi forçado a pagar pesados tributos ao Egito (2Rs 23:34, 35), mas parece ter permanecido
leal a seu senhor egípcio.

Nabucodonosor. Do heb. Nebukadne'ts,a transliteração hebraica comum do babilônico Nabû-kudurri -utsur, que
significa "Que o [deus] Nabû proteja meu filho" ou "Que Nabû proteja minha pedra de limite". A forma
Nehukadne'ts (Nabucodonosor) ocorre com mais frequência na Bíblia hebraica do que a ortografia mais correta
Nebukadre'ts (ver Jr 21:2; Ez 26:7; etc.). Fontes gregas mostram a mesma troca do “n” e “r”. A LXX traz
Nabouchodonosor; mas nas obras de Estrabão e como variante em Josefo se lê Nabokodrosoros .

A presença de Nabucodonosor na Palestina, em 605 a.C ., como indica Daniel 1:1, é confirmada por meio de dois
relatos babilônicos: (l) uma narrativa do historiador Beroso, cuja obra perdida foi citada por Josefo, com relação a
esse acontecimento, em Contra Ápion (1.19); e (2) uma parte de uma crônica babilônica até então desconhecida (D.].
Wiseman, ed. , Chronicles of Chaldaean Kings, 1956), que abarca todo o reinado de Nabopolassar e os primeiros 11
anos de seu filho Nabucodonosor.

Beroso, como cita Josefo, relata que Nabucodonosor recebeu a ordem de seu pai Nabopolassar para conter uma

48
Desmond Ford, Daniel, 75.
49
Merling Alomía, Daniel: el profeta mesiánico. Vol. II (Lima, Perú: Ediciones Theologica, 2008), 15.
Daniel 1 27

rebelião no Egito, Fenícia e Celessíria. Depois de ter completado a missão, estando ainda no oeste, ele recebeu a
notícia da morte de seu pai. Deixou os cativos, entre os quais alguns judeus, nas mãos de seus generais, e voltou para
Babilônia pela rota mais curta do deserto o mais rápido possível. A pressa se devia, sem dúvida, ao desejo de impedir
que um usurpador lhe tomasse o trono. Beroso diz que Nabucodonosor deixou judeus cativos com seus generais
quando voltou apressadamente a Babilônia. Talvez Daniel e seus amigos estivessem entre esses cativos. A
declaração de D aniel 1:1 e 2 e de Beroso eram os únicos registros antigos conhecidos que falavam dessa campanha
de Nabucodonosor até a descoberta dessa crônica babilônica. A crônica feita de ano a ano proveu, pela primeira vez,
datas exatas da ascensão e da morte de Nabopolassar, da ascensão de Nabucodonosor e da captura de um rei de Judá,
obviamente Jeoaquim, oito anos mais tarde. Isso também possibilitou datar a morte de Josias em 609 e a batalha de
Carquemis em 605.

Antes se datava a ascensão de Nabucodonosor em agosto de 605, por meio do registro de datas encontradas em
tabuletas de argila de documentos comerciais de Babilônia (ver vol. 3, p. 75, 76). Isso se devia ao fato de o último
desses documentos, do ano 21º de Nabopolassar, corresponder a 8 de agosto, e de o primeiro do novo reinado (sem
contar um atribuído antes a julho-agosto, mas depois a outubro) ter sido escrito em setembro.

No entanto, a crônica dá o dia exato. Ela conta como, no 21º ano de seu pai, Nabucodonosor derrotou os egípcios em
Carquemis e subjugou a terra de Hatti (SíriaPalestina). Depois, ao saber da morte de seu pai, em 8 de ab
(aproximadamente 15 de agosto), apressou-se a ir a Babilônia e subiu ao trono em 1º de elul (aproximadamente 7 de
setembro). Mais tarde, no ano de sua ascensão e de novo no seu 1º ano (que começou na primavera de 604), ele
retornou ao oeste e recebeu tributos de seus reis vassalos.

Isso explica como Daniel pôde ter sido levado cativo no terceiro ano de Jeoaquim, o ano que antecedeu ao 1º de
Nabucodonosor (ver p. 822, 823).

Rei da Babilônia. Quando Nabucodonosor investiu contra Jerusalém, no terceiro ano de Jeoaquim. Poucas semanas
ou no máximo poucos meses antes da morte de seu pai, ele ainda não era rei. Mas Daniel, ao registrar os eventos,
provavelmente no 1º ano de Ciro (v. 21), cerca de 70 anos após os mesmos terem ocorrido, chama Nabucodonosor de
"rei da Babilônia". Quando Daniel chegou a Babilônia como um jovem cativo, Nabucodonosor já era rei. A partir de
então, ele viu Nabucodonosor reinar por 43 anos. Portanto, parece bem natural que Daniel o chamasse de "rei". É
possível também, mas pouco provável, que Daniel tenha sido levado durante o curto intervalo entre a morte de
Nabopolassar e o retorno de Nabucodonosor a Babilônia.

2 O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá, e alguns dos utensílios da Casa
de Deus; a estes, levou-os para a terra de Sinar, para a casa do seu deus, e os pôs na casa
do tesouro do seu deus.

O verso 2 informa sucintamente que “o Senhor entregou” a Nabucodonosor “uma parte dos vasos da casa
de Deus; e ele os levou para a terra de Sinar, para a casa do seu deus; e os pôs na casa do tesouro do seu
deus.”50 O texto diz que os utensílios do templo foram levados para a “terra de Sinar”, entendido como
uma referência a Gênesis 12 e a experiência da torre de Babel, uma clara rebelião contra Deus. No Antigo
Testamento, o nome “Sinar” “sugere especialmente um lugar de falsa religião, vontade própria e auto-
engrandecimento (Gen 11:1–9; Zech 5:11).51 Além disso, afirma-se especificamente que foram levados
“para a casa do seu deus” e colocados “na casa do tesouro do seu deus” (Dn 1:2). Esta referência ao
“deus” de Babilônia intensifica o significado teológico desse ato. Estamos diante de uma clara usurpação
50
Na última invasão, e destruição, de Jerusalém, em 586 a.C., a pilhagem foi completa. Uma descrição dos tesouros
do templo de Jerusalém que foram retirados e conduzidos por Nabucodonosor a Babilônia encontra-se em Jeremias
52:17-23 (cf. 2 Reis 25:13-17). O texto de Jeremias informa que os caldeus “cortaram em pedaços as colunas de
bronze que estavam na casa do Senhor, como também os suportes e o mar de bronze que estavam na casa do Senhor;
e levaram todo o bronze para a Babilônia. Levaram também as panelas, as pás, as espevitadeiras, as bacias, os
recipientes de incenso, e todos os utensílios de bronze, com que se ministrava. Tomou também o chefe da guarda os
copos, os braseiros, as bacias, as panelas, os candeeiros, os recipientes de incenso e as taças, tudo quanto fosse de
ouro ou de prata. Quanto às duas colunas, ao mar e aos suportes, que Salomão fizera para a casa do Senhor, o peso
do bronze de todos estes utensílios era incalculável” (Jer 52:17-20). Esdras 1:11 menciona a restituição de 5.400
artigos do templo de Jerusalém que retornaram com os exilados judeus. Para um informe sobre as obras realizadas
por Salomão para o templo de Jerusalém, ver 1 Reis 7:14-50.
51
Goldingay, Daniel, 15.
Daniel 1 28

de prerrogativas: os vasos do templo de Jerusalém, que deveriam ser usados exclusivamente no culto do
verdadeiro Deus, são agora transferidos para o domínio de um sistema religioso rival, que tem o seu
próprio deus – na verdade, tantos deuses que poderia ser chamada com justiça de uma “sociedade
polidemônica” – e seus sacerdotes. A remoção dos vasos do templo constitui “um sinal da vitória de
Nabucodonosor e seu deus sobre o rei israelita e seu Deus. As guerras eram travadas em nome de um deus
e assim o produto da pilhagem pertencia a ele. Os artigos do templo são a sua recompensa. Eles são tabu e
são postos no “tesouro” que pertencia a um templo para este propósito.52 De fato, a remoção dos vasos do
templo de Jerusalém e posterior armazenamento na casa do deus de Babilônia não é “incidental ou
irrelevante. Pelo contrário, é o tema do livro e a chave para tudo o que segue.”53

O tema da usurpação continua de maneira especial nos capítulos 7 e 8, onde somos apresentados a um
poder político-religioso simbolizado por um chifre pequeno, que age insolentemente contra o Altíssimo e
Seus santos.54 Assim, somos introduzidos desde o início a um tema teológico recorrente, de conflito entre
a verdadeira e a falsa religião, simbolizadas por Jerusalém e Babilônia, respectivamente, com o santuário
ocupando um lugar central na teologia do livro.

“Esta remoção dos vasos, sua deposição em um templo pagão e subsequente profanação (Dn 5)” sugere
que este evento “marca a usurpação das prerrogativas de Deus de garantir salvação e expiação ao homem.
O santuário, como uma parte integral do culto de Jeová, é não somente atacado e zombado, mas é também
substituído como outra ‘casa de Deus’ (Dn 1) e outro culto (Dn 5).”55

Humanamente falando, a derrota de Jerusalém foi um resultado das conquistas empreendidas pelo exército
de Babilônia. Mas a avaliação bíblica é diferente. Os versos iniciais de Daniel apresentam o que é
considerado por vários eruditos como o principal tema do livro: a soberania de Deus.56 A primeira
observação que devemos fazer está relacionada com o nome usado pelo profeta para se referir a Deus:
’a
dônāy – Senhor (‫) ֲאד ֹנָ י‬, provavelmente para deixar claro que Deus estava no controle dos eventos que
estavam ocorrendo.57 Adicionalmente, deve ser notado que o verbo “entregar” (Heb. natán), além desta
referência inicial no verso 2, aparece nos versos 9 e 17 (embora, na tradução para o português, os termos
sejam diferentes). Estas três ocorrências combinadas do verbo tornam clara a perspectiva profética acerca
dos acontecimentos naquele distante passado. O que se destaca aqui é como o olhar de Deus acerca dos
acontecimentos históricos é distinto da avaliação do historiador secular. As expressões que estamos
analisando deixam claro que Deus está no controle da história.

O verbo natán, além de significar “entregar”, como usado na versão Almeida Revista e Atualizada,
também significa “permitir, estabelecer, pôr em marcha, dirigir, oferecer, conceder”,58 etc. O verbo
também indica algumas situações de retribuição, “que assinalam explicitamente a Israel como receptor dos
juízos divinos por sua infidelidade, implicando que o ‘entregar [alguém] nas mãos de’ é uma ação de
juízo.”59 Este é um juízo de Deus sobre o povo escolhido, cumprindo assim as profecias que advertiam e

52
Goldingay, Daniel, 15.
53
James M. Boice, Daniel – an Expositional Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1989), p. 15.
54
Cf. Gerhard Hasel, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-
14”. Em Frank B. Holbrook, ed., Symposium on Daniel (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1986), 400.
55
Winfried Vogel, “Cultic Motifs and Themes in Daniel”, Journal of the Adventist Theological Society, 7/1 (Spring
1996): 31.
56
E. C. Lucas, “Daniel”. Em T. Desmond Alexander & Brian S. Rosner, B. S. (2001). New Dictionary of Biblical
Theology (electronic ed.) (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2001), seção “Articles on individual books”.
57
Z. Stefanovic, Daniel, 46. Cf. Baldwin, Daniel, 83.
58
Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Rayman e Rudy Zimmer, Dicionário hebraico-português &
aramaico-português (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 1988), 163.
59
Alomía, 16.
Daniel 1 29

chamavam o povo ao arrependimento.60 O uso deste verbo “mostra que o Senhor estava em pleno controle
quando os líderes de Jerusalém se renderam ao exército babilônico.”61

Alguns dos utensílios. Sem dúvida, Nabucodonosor levou os utensílios mais valiosos e finos do templo para usar no
culto a seu deus Marduque. Ele deve ter deixado apenas o necessário para o ritual diário no templo em Jerusalém.
Houve três ocasiões em que os caldeus levaram utensílios sagrados a Babilônia: (1) na campanha registrada nesta
passagem; (2) quando Jerusalém foi tomada no fim do reinado de Joaquim, em 597 a.C. (2Rs 24:13); e (3) no fim do
reinado de Zedequias, quando, em 586 a.C. após longo cerco, Jerusalém foi tomada e destruída (2Rs 25:8-15). O
saque aos tesouros de Jerusalém pelas forças babilônicas foi o cumprimento da profecia de Isaías pronunciada quase
um século antes (Is 39:6; sobre o destino da arca, ver com. de Jr 37:10).

Terra de Sinar. Comentaristas antigos identificavam este termo com mât Sumêri, "terra de Sumer", ou o sul de
Babilônia, mas essa interpretação foi descartada. Na maioria das referências do AT, Sinar é simplesmente um termo
para designar Babilônia. A origem da palavra "Sinar" ainda é obscura (ver com. de Gn 10:10). Porém, em Gênesis
14:1 e 9, Sinar parece ser o nome de uma área ao norte da Mesopotâmia chamada de Sanhar, em textos cuneiformes.
Como em Gênesis 11:2, Isaías 11:11 e Zacarias 5:11, a Sinar de Daniel é definitivamente Babilônia.

Seu deus. O principal deus dos babilônios era Marduque, que, desde a época da 1ª dinastia, mais de mil anos antes,
era chamado popularmente de Bêl, "senhor". O templo mais importante, chamado Esagila, em cujo átrio ficava a
grande torre do edifício, Etemenanki, estava no coração de Babilônia (ver Nota Adicional a Daniel 4; e também o
mapa na p. 876).

Casa do tesouro. Documentos babilônicos cuneiformes mencionam com frequência os tesouros de Esagila, o grande
templo de Marduque. Não se sabe qual dos muitos edifícios auxiliares pertencentes a esse complexo do templo pode
ter abrigado os tesouros. Contudo, uma casa do tesouro de natureza secular foi escavada dentro do recinto do palácio.
Os escavadores chamaram essa construção de Museu do Palácio porque encontraram ali muitas esculturas e
inscrições de cidades conquistadas. Como num museu moderno, objetos de diferentes partes do império também
eram exibidos. Embora fosse aberto ao público, era proibida a entrada de "pessoas más", de acordo com uma
inscrição da época. Não é impossível que muitos tesouros de Jerusalém, principalmente do tesouro real, estivessem
armazenados nesse museu, sendo vistos por muitos visitantes.

3 Disse o rei a Aspenaz, chefe dos seus eunucos, que trouxesse alguns dos filhos de Israel,
tanto da linhagem real como dos nobres,

Aspenaz. Este nome ocorre em textos cuneiformes de Nippur, do 5° século a.C., numa forma um pouco diferente,
Ashpazanda, mas em textos aramaicos de encantamento, também de Nippur, na forma Aspenaz. Embora o
significado ainda seja obscuro, crê-se que o nome indique origem persa. É possível que este alto oficial fosse persa.
Muitos estrangeiros alcançaram cargos elevados e honra a serviço dos caldeus.

Chefe dos seus eunucos. O título heb. rab-saris, "chefe dos eunucos", também ocorre num texto aramaico, escrito
em 682 a.C. Em inscrições babilônicas, encontra-se como equivalente o título rab sha reshi, literalmente, "o chefe do
que está sobre a cabeça [do rei]". O título aplicava-se ao homem de confiança do rei.

Muitos discutem se o termo saris era usado para designar apenas oficiais que eram eunucos no sentido literal da
palavra, isto é, castrados, ou se era usado de forma geral para designar todo oficial real. Não se pode dar uma
resposta categórica à questão. Contudo, representações pictóricas assírias da vida na corte indicam com clareza, ao se
demonstrar uma diferença nos traços faciais, como a ausência ou presença de barba, que o rei era rodeado por oficias
que eram eunucos literais, bem como por aqueles que não eram. Elas indicam também que os eunucos literais
pareciam ser a maioria. Alguns dos principais homens da história assíria pertenciam a essa classe, como, por
exemplo, Daiân-Ashur, o grão-vizir de Salmaneser III, junto com muitos comandantes militares e outros altos
oficiais. Isaías profetizou que alguns dos descendentes de Ezequias seriam eunucos no palácio do rei de Babilônia (Is
39:7). Alguns acham que Daniel e seus companheiros se incluíam nessa profecia. Daniel, contudo, é chamado de
gebar, "homem" (Dn 5:11). A palavra é usada 17 vezes no livro, sendo que dez vezes se refere a Daniel e seus
amigos, seis a outros oficiais do reino e uma a "homens mais poderosos do exército" (Dn 3:20).

60
Doukhan, Secrets, 16.
61
Z. Stefanovic, Daniel, 47.
Daniel 1 30

Teriam Daniel e seus companheiros literalmente se tornado eunucos em Babilônia?

R. Esta é uma questão frequentemente levantada, e que tem sido longamente debatida, o que demonstra
que desperta algum tipo de preocupação em algumas pessoas. Sendo assim, merece uma resposta honesta,
baseada nos dados disponíveis. É conhecido que os reinos orientais costumeiramente contavam com
eunucos a serviço dos reis, porque se acreditava que eles seriam menos inclinados a conspirar contra o
governante.

Os comentaristas se dividem entre aqueles que respondem afirmativamente à questão e aqueles que
respondem de forma negativa. Entre estes últimos, pode-se mencionar Montgomery, que argumenta
extensivamente para sustentar sua posição.62 Sendo que Nabucodonosor solicitou jovens sem nenhum
defeito, não faria sentido tal exigência se ele planejasse mutilá-los mediante a castração quando
chegassem a Babilônia. Um argumento linguístico é que saris, a forma singular do termo Hebraico
traduzido “eunucos” no v. 3, pode fazer referência a um oficial da corte que não era necessariamente um
eunuco. Argumenta-se que Potifar é denominado um saris ou “oficial” em Gênesis 37:36; 39:1, embora
ele tivesse uma esposa.63 Para alguns, este seria um argumento irrefutável, que comprovaria que Daniel
não se tornou um eunuco da forma como veio a ser entendida posteriormente.

O argumento daqueles que afirmam que sim, Daniel e seus companheiros foram castrados, baseia-se em
algumas inferências do texto bíblico e análise linguística. Em primeiro lugar, deve ser observado que
Daniel e seus companheiros foram colocados sob a autoridade de Aspenaz, o chefe dos eunucos (Dn 1:3).
Em segundo lugar, aponta-se para uma profecia de Isaías, na qual se declara que “dos teus próprios filhos,
que tu gerares, tomarão, para que sejam eunucos no palácio do rei de Babilônia” (Is 39:7). Esta foi uma
mensagem dirigida ao rei Ezequias de Judá, após a visita dos mensageiros de Babilônia, impressionados
com o retrocesso de dez graus observado nos relógios de sol de então (cf. Is 38:7, 8). O texto de Daniel
informa que Nabucodonosor deu ordens para que fossem levados para Babilônia “alguns dos filhos de
Israel,... da linhagem real [e] dos nobres” (Dn 1:3). É entendido que Daniel era da linhagem real,64
“descendente direto de Zedequias”,65 rei de Judá, e que se cumpriu a profecia de Isaías. O tornar-se
“eunuco” é parte do juízo e, portanto, a palavra em si implica humilhação. Se o significado fosse que os
descendentes do rei Ezequias se tornariam oficiais na corte babilônica, isto não seria de todo desagradável
ao rei. Mas a perspectiva de que eles seriam humilhados pela castração e, assim, incapacitados para
perpetuar sua linhagem, soaria realmente como uma sentença de juízo.

Com respeito ao argumento linguístico, deve ser destacado que termos hebraicos, assim como acontece
com a língua portuguesa, passam por um processo denominado de “evolução semântica”, em que o
significado de algumas palavras sofre alteração com o passar do tempo. Desta forma, saris experimentou
uma mudança de significado. Ainda que originalmente saris se referisse a um oficial da corte, a presença
de muitos eunucos nas cortes eventualmente levou a um estreitamento no significado até que, por volta do
primeiro milênio a.C., a palavra passou a se referir especificamente a um eunuco.66

Outro aspecto destacado é a questão da descendência de Daniel. É sabido que este era um tema de especial
relevância para os israelitas. Tanto é assim, que havia mesmo uma lei prevendo a preservação do nome de
alguém em caso de morte e na ausência de filhos. Esta era a conhecida lei do levirato. Se Daniel tivesse se
casado e gerado filhos em Babilônia, é razoável supor que isto seria referido na lista daqueles que
retornaram para Jerusalém. Entretanto, quando se analisa a lista dos que retornaram, nenhuma referência é
feita a qualquer descendente de Daniel. Considerando o protagonismo desempenhado por Daniel em
Babilônia, seria bastante improvável que nenhuma menção fosse feita a seus descendentes. Esta é uma
razoável inferência a partir do próprio texto bíblico.
62
James A. Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel, S. 119.
63
Charles H. H. Wright, Daniel and His Critics (London: Williams & Norgate, 1906), 5.
64
Cf. Ellen G. White, Educação, 9a ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011), 54.
65
Jacques B. Doukhan, Secrets of Daniel, 16. Cf. Flávio Josefo, Antiquities 10. 186; Talmude b. Sanhedrin 93b.
66
K. A. Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Chicago: Inter-Varsity Press, 1966), 165-166.
Daniel 1 31

Considerando os argumentos acima, parece inescapável concluir que, em cumprimento da profecia, Daniel
e seus amigos tenham sido realmente feito eunucos pela castração e, nesta função, servidos em Babilônia.
O cumprimento deste juízo, vaticinado cerca de um século antes, mostra que Deus controla o futuro, e é
uma advertência ao leitor para que se aproxime das profecias de Daniel com uma atitude correta: com
seriedade e respeito, e confiante de que elas se cumprirão, conforme a revelação divina.

Israel. Depois da destruição de Samaria em 723/722 a.C., quando as dez tribos do norte deixaram de existir como
uma nação separada, o reino de Judá permaneceu como o único representante dos descendentes de Jacó ou Israel.
Portanto, o nome Israel é empregado com frequência durante o exílio e no período pós-exílico para designar os
representantes do reino do sul (ver Ez 14:1 ; 17:2; Ed 3:1, ll ; etc.).

Linhagem real. Quando tomou Jerusalém, em 605 a.C., Nabucodonosor levou reféns da casa real de Judá bem como
das principais famílias da nação. Era um antigo costume dos conquistadores tomar nobres como reféns para garantir
a lealdade do inimigo conquistado. A prática é relatada nos registros de Tutmés III, do Egito, que, após derrotar uma
aliança entre governantes sírios e palestinos na batalha de Megido, no século 15 a.C., permitiu que os reis derrotados
permanecessem em seus tronos, mas levou para o Egito um príncipe de cada um de seus inimigos vencidos. No
Egito, eles eram educados segundo o modo de vida egípcio e, quando um dos reis da Palestina ou da Síria morria, um
dos filhos do morto, educado no Egito e simpatizante do faraó, era posto no trono.

Nobres. Do heb. partemim, um empréstimo do antigo termo persafratama, que significa basicamente "principais".
Além desta passagem, partemim ocorre na Bíblia somente em Ester 1:3; e 6:9. A presença desse e de outros
empréstimos da língua persa, no livro de Daniel, pode ser explicada pela razoável suposição de que o primeiro
capítulo de Daniel tenha sido escrito no primeiro ano de Ciro, quando a influência persa se tornou forte (ver Dn
1:21).

4 jovens sem nenhum defeito, de boa aparência, instruídos em toda a sabedoria, doutos em
ciência, versados no conhecimento e que fossem competentes para assistirem no palácio do
rei e lhes ensinasse a cultura e a língua dos caldeus.

Jovens. Do heb. yeladim. Os jovens conselheiros levados com o rei Roboão são chamados de yeladim (lRs 12:8). O
mesmo termo é aplicado a Benjamim, com a idade de cerca de 30 anos, pouco antes de ir ao Egito, e quando já era
pai de l0 filhos (Gn 44:20; cf. Gn 46:21). Portanto, não é estranho ver a palavra que pode significar "criança" ser
aplicada a jovens, dos quais pelo menos um, Daniel, tinha atingido a idade de 18 anos (T4, 570). Com relação a isso,
deve-se mencionar que, numa época posterior, Xenofonte disse que nenhum jovem podia entrar no serviço dos reis
persas antes dos 17 anos (Cyropaedia, i.2).

Nenhum defeito. Integridade física e beleza eram indispensáveis aos oficiais de cargo elevado entre os antigos
orientais, e são qualidades bastante desejadas no moderno Oriente.

Qual, possivelmente, era o conteúdo acadêmico do programa que Daniel e seus amigos estudaram
na “Universidade de Babilônia”?

R. De acordo com algumas passagens (1:4, 17-20; 2:13 e 18), Daniel e seus amigos estavam sendo
educados para atuar como “sábios”, isto é, conselheiros do rei. Ao mesmo tempo, era uma “prática comum
no antigo Oriente Próximo” oferecer treinamento especial para a nobreza estrangeira conquistada, e
eventualmente tais pessoas poderiam ser usadas como escribas, enviados especiais ou mesmo
administradores, em seu próprio lugar de origem.67

Para alcançar seus alvos acadêmicos, os estudantes deveriam ser conhecedores de pelo menos três línguas
para atuar no serviço do rei: “o Sumério, a língua sagrada tradicional escrita em caracteres cuneiformes; a
língua Babilônica (ou acadiano), o dialeto nacional de origem semítica, também em cuneiforme; e

67
Jason A. Garrison, “Nebuchadnezzar’s Dream: An Inversion of Gilgamesh Imagery”, Bibliotheca Sacra 169
(April-June 2012): 175.
Daniel 1 32

Aramaico, a língua internacional dos negócios e da diplomacia.”68 O cuneiforme era extremamente


complexo, envolvendo cerca de quinhentos sinais separados,69 muitos dos quais tinham múltiplos
significados.70

Muito do que era ensinado nas escolas babilônicas seria hoje classificado como ciência oculta, ou artes
mágicas. Os textos que os estudantes deveriam ler incluíam muitos lidando com presságios, fenômenos
astrológicos, ou métodos para combater os maus espíritos.71 Segundo o CBA, o termo “caldeu” (Dn 1:4)
pode ser aplicado a “uma classe de eruditos da corte babilônica que eram os principais astrônomos de seu
tempo... que eram igualmente especialistas em outras ciências exatas, como matemáticas, ainda que
incluíssem em suas atividades magia e astrologia”. Isto os habilitaria a predizer eclipses lunares e solares
por meio de cálculos matemáticos. No entanto, como expressa Doukhan, a observação do céu e de seus
fenômenos tinha como objetivo final a predição do futuro, ou seja, os astrônomos caldeus eram, acima de
tudo, astrólogos,72 e os “motivos religiosos eram predominantes na astronomia babilônica” .73 E Beaulieu
sugere que todos os astrônomos de Babilônia eram “praticantes do ofício de exorcistas...”74 Em conclusão,
“o currículo dos aprendizes de escriba tinha uma natureza essencialmente religiosa e era designada a
tornar os hebreus em genuínos sacerdotes caldeus, especialistas na ciência da adivinhação.”75

Caldeus. Este termo (do acadiano, Kaldu) designa os membros de uma tribo de arameus que, primeiramente, se
estabeleceram na baixa Mesopotâmia e que assumiram o governo de Babilônia quando Nabopolassar fundou a
dinastia neobabilônica. O termo também se aplica a uma classe de eruditos na corte babilônica que eram os
principais astrônomos da época. Esses sábios também eram proficientes em ciências exatas, como matemática,
embora incluíssem magia e astrologia em suas atividades. Comentaristas se dividem quanto à interpretação da frase
"a cultura e a língua dos caldeus". A opinião mais antiga, dos pais da igreja, interpreta essa frase como um estudo da
língua e da literatura aramaica, ao passo que muitos comentaristas modernos tendem a interpretá-la como o
conhecimento científico e linguístico dos caldeus. Todos os conhecidos escritos científicos dessa época foram feitos
em tabletes de barro com escrita cuneiforme, na língua babilônica. Portanto, deve-se concluir que "a cultura e a
língua dos caldeus" incluía um treinamento na língua e na escrita clássica do país, isto é, no idioma babilônico e na
escrita cuneiforme, além do aramaico coloquial. Visto que a proficiência na escrita cuneiforme, com suas centenas de
caracteres, não era fácil de se obter, uma boa bagagem educacional e habilidade natural para o aprendizado de um
novo idioma eram considerados pré-requisitos desejáveis para a admissão na escola real de futuros cortesãos (ver PR,
480).

5 Determinou-lhes o rei a ração diária, das finas iguarias da mesa real e do vinho que ele
bebia, e que assim fossem mantidos por três anos, ao cabo dos quais assistiriam diante do
rei.

Determinou-lhes. Como membros da escola real para cortesãos, os jovens se alimentavam da casa real. O costume é
atestado no período persa posterior, de cuja época há mais registros do que do período neobabilônico.

Ração [...] das finas iguarias. Do heb. pathbag, um empréstimo do antigo termo persa patibaga, "porção" ou
"manjares". Pathbag ocorre seis vezes em Daniel (ver 1:5, 8, 13, 15, 16; 11:26; sobre tais empréstimos linguísticos,
ver com. de Dn 1:3).

68
Doukhan, Secrets, 17. Ver também, W. A. Elwell, Evangelical commentary on the Bible. Vol. 3: Baker reference
library (Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1996, c1989), Dn 1:3.
69
Joan Oates, Babylon (London: Thames and Hudson, 1979), 151.
70
A. Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia: Portrait of a Dead Civilization (Chicago: University of Chicago Press,
1964), 235-238, 244-246.
71
Wiseman, Nebuchadrezzar and Babylon, 86, 88-90, 92-93; Oates, 178-183.
72
Doukhan, Secrets, 17.
73
A. Bernard Knapp, “Mesopotamia, History of”. Em, Freedman, D. N., The Anchor Bible Dictionary (New York:
Doubleday, 1996, c1992), 4:719.
74
Beaulieu, 480.
75
Doukhan, Secrets, 17.
Daniel 1 33

Três anos. Isto é, pelo cálculo inclusivo (ver vol. 2, p. 104, 105), a partir do ano da ascensão de Nabucodonosor,
quando Daniel foi levado cativo (ver com. do v. 1), ao segundo ano do reinado do monarca (ver com. do v. 18).

6 Entre eles, se achavam, dos filhos de Judá, Daniel, Hananias, Misael e Azarias.

Entre eles. Esta expressão mostra que outros jovens foram selecionados para o treinamento além dos quatro
mencionados por nome. Sem dúvida, esses quatro foram mencionados devido a sua experiência singular. Sua
lealdade inabalável a Deus lhes concedeu grandes recompensas em forma de honra secular e bênçãos espirituais (ver
Dn 2:49; 3:30; 6:2; 10:11).

Daniel. Isto é, "Deus é meu juiz". No AT, este nome ocorre pela primeira vez como um dos filhos de Davi (ICr 3:1)
e depois como um sacerdote no 5° século (Ed 8:2; Ne 10:6). Contudo, já era conhecido em ugarítico (Ras Shamra),
em meados do segundo milênio a.C., como nome de um rei lendário, justo, a quem alguns eruditos erroneamente
identificaram com o Daniel mencionado por Ezequiel (ver Ez 14:14; 28:3). O nome Daniel era comum entre o povo
semita. Isso é evidente por ser encontrado entre os babilônios, sabeus do sul da Arábia, nabateus (os sucessores dos
edomitas) e entre os palmirenes do norte da Arábia.

Hananias. Ou, "Yahweh é misericordioso". Hananias era um nome hebraico comum; pelo menos 14 pessoas com
este nome são mencionadas no AT. O nome também se encontra na transliteração acadiana Hananiyama, como
nome de um judeu que viveu em Nippur, no 5° século a.C. Em outro documento cuneiforme de Nippur, o nome está
gravado em argila, com caracteres aramaicos. Também é encontrado em inscrições judaicas posteriores e nos papiros
aramaicos de Elefantina.

Misael. Provavelmente o significado deste nome seja "quem pertence a Deus?" É o nome de vários personagens
bíblicos de antes e depois do exílio (ver Êx 6:22; Ne 8:4). Azarias. Ou, "Yahweh ajuda". O nome ocorre na Bíblia
com frequência. Fora da Bíblia é encontrado inscrito em jarros de mão escavados na Palestina e também em
documentos cuneiformes na forma Azriau.

7 O chefe dos eunucos lhes pôs outros nomes, a saber: a Daniel, o de Beltessazar; a Hananias, o
de Sadraque; a Misael, o de Mesaque; e a Azarias, o de Abede-Nego.

Outros nomes. Os nomes dados aos jovens hebreus significavam sua adoção na corte babilônica, um costume que
tem
muitos paralelos na história bíblica. José recebeu um nome egípcio quando iniciou sua carreira na corte do Egito (Gn
41:45). O nome de Hadassa foi mudado para Ester (Et 2:7), provavelmente ao se tornar rainha. Também se verifica
esse costume entre os babilônios, em fontes antigas. O rei assírio Tiglate-Pileser III adotou o nome Pulu (o Pul
bíblico) quando se tornou rei de Babilônia (ver com. de lCr 5:26; vervol. 2, p. 125, 126), e Salmaneser V parece ter
usado o nome Ululai no mesmo cargo.

Beltessazar. A transliteração hebraica e aramaica representa a pronunciação massorética posterior de um nome


babilônico. Embora eruditos tenham proposto várias identificações com formas babilônicas, nenhuma é totalmente
satisfatória. Em vista do comentário de Nabucodonosor, muitos anos depois, de que o nome babilônico de Daniel foi
dado "segundo o nome do meu deus" (Dn 4:8), parece que a primeira sílaba "Bel" se refira a Bel, o nome popular do
principal deus de Babilônia, Marduque. Por essa razão, a identificação com Balât-sharri-utsur, "proteja a vida do
rei", ou Balâtsu-utsur, "proteja a vida dele", deve ser rejeitada, embora ambas as interpretações encontrem apoio
entre assiriólogos como o equivalente mais próximo da forma hebraica. A sugestão de R. D. Wilson de identificar
Beltessazar com Bêl-lit-shar-utsur, "Bel, proteja o refém do rei", dificilmente estaria correta, sendo pouco provável
que os babilônios tenham dado tal nome a um cativo, como se deduziria dos milhares de nomes babilônicos
encontrados em documentos cuneiformes. A melhor identificação parece ainda ser a dada por Franz Delitzsch que
considera esse nome uma abreviação de Bêl-balâtsu-utsur, "Bel proteja a vida do rei".

Sadraque. O nome não tem significado em babilônico. Alguns eruditos conjecturam que o nome seja uma alteração
de Marduque, ao passo que outros tentam explicá-lo com a ajuda de palavras do idioma sumério. lrving L. Jensen
sugeriu que este era o nome do deus elamita Shutruk, mas é difícil explicar por que os babilônios teriam dado um
nome elamita.
Ainda que o CBA assevere que este nome não pode ser explicado na língua de Babilônia, alguns eruditos sugerem
que poderia ser uma alteração de Marduk, enquanto outros apresentam uma explicação a partir de palavras sumérias.
É o caso de J. Doukhan, que atribui a Sadraque o significado de “orden de Aku” (o Deus sumeriano da lua).
Daniel 1 34

Mesaque. Não há explicação satisfatória quanto à origem deste nome. Como Sadraque, Mesaque não é um nome
babilônico. J. Doukhan insiste, como o fez com Sadraque, também numa identificação com o deus sumeriano Aku:
“Quem é como Aku”.

Abede-Nego. Em geral se concorda que este nome corresponde a 'Ebed-Nebo, "servo do deus Nabu", um nome que
se encontra num papiro aramaico encontrado no Egito.

“Os novos nomes destinavam-se a ajudá-los a esquecer o passado e a lealdade a sua religião, adaptando-os à nova
situação. Seus nomes antigos continham o nome do Deus verdadeiro, ao passo que os novos continham os nomes dos
deuses babilônios.” G. Arthur Keough, Deus e nosso destino – Lição da Esc. Sab., ed. do professor, jan.-mar. 1987,
p. 32.

“Os nomes de Daniel e seus companheiros foram mudados para nomes que representavam divindades caldéias”.
P.R., 480, 481.

“O rei não compeliu os jovens hebreus a renunciarem sua fé em favor da idolatria, mas esperava alcançar isto
gradualmente. Dando-lhes nomes significativos de idolatria, levando-os diariamente a íntima associação com
costumes idólatras e sob a influência de sedutores ritos do culto pagão, ele esperava induzi-los a renunciar à religião
de sua nação e unir-se ao culto dos babilônios.” Ibid.

8 Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho
que ele bebia; então, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se.

Não contaminar-se. Há várias razões por que um judeu piedoso evitaria comer da comida real: (1) os babilônios,
como outras nações pagãs, comiam carnes imundas (ver CRA, 30); (2) os animais não eram mortos de forma
apropriada segundo a lei levítica (Lv 17:14, 15); (3) uma porção dos animais era oferecida primeiramente como
sacrifício a deuses pagãos (ver At 15:29); (4) o consumo abundante de alimento e bebida insalubres era contrário aos
princípios de estrita temperança; e (5) Daniel e seus amigos desejavam uma alimentação isenta de carne (ver Ellen G.
White, Material Suplementar sobre Dn 1:8). Os jovens hebreus se determinaram a não fazer nada que pudesse ser
prejudicial ao desenvolvimento físico, mental e espiritual.

9 Ora, Deus concedeu a Daniel misericórdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos.

Misericórdia. Isto lembra a experiência de José (Gn 39:4, 21), de Esdras (Ed 7:28) e de Neemias (Ne 2:8). Sem
dúvida, a gentileza, cortesia e fidelidade demonstradas por esses homens ganharam o favor de seus superiores (ver
PP, 217; CRA, 31). Ao mesmo tempo, eles atribuíram seu sucesso às bênçãos de Deus. O Senhor trabalha com quem
coopera com Ele (ver p. 825, 826).

10 Disse o chefe dos eunucos a Daniel: Tenho medo do meu senhor, o rei, que determinou a
vossa comida e a vossa bebida; por que, pois, veria ele o vosso rosto mais abatido do que o dos
outros jovens da vossa idade? Assim, poríeis em perigo a minha cabeça para com o rei.

Em perigo a minha cabeça. A frase, literalmente, é "tornais minha cabeça punível com o rei". A expressão não
implica a pena capital, mas simplesmente que o chefe dos eunucos seria responsabilizado se os que lhe foram
confiados se enfraquecessem fisicamente.

11 Então, disse Daniel ao cozinheiro-chefe, a quem o chefe dos eunucos havia encarregado de
cuidar de Daniel, Hananias, Misael e Azarias:

Cozinheiro-chefe. Do heb. meltsar, que, de acordo com registros cuneiformes babilônicos, deriva do acadiano
matsaru, que significa "guardião" ou "defensor". O artigo "o" no hebraico indica que não se trata de um nome
próprio. Portanto, não se sabe o nome do oficial subalterno que foi tutor imediato dos jovens hebreus. Embora tivesse
sido amigável e simpático para com Daniel, Aspenaz, contudo, hesitou em ajudar o jovem cativo. Então, Daniel
procurou o oficial que era seu tutor imediato e lhe fez um pedido específico.

12 Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias; e que se nos deem legumes a comer e água a
beber.
Daniel 1 35

Dez dias. Este parece ser um período curto para se produzir alguma mudança visível na aparência e no vigor físico.
Mas, graças a hábitos de estrita temperança, Daniel e seus companheiros já tinham uma aparência saudável (ver PR,
482) resultante dos benefícios de dieta adequada. Sua recuperação dos rigores da longa marcha desde a Judeia foi,
sem dúvida, mais notável do que a de outros cativos que não cultivavam hábitos saudáveis. No caso de Daniel e de
seus três companheiros, o poder divino se uniu ao esforço humano, e o resultado era perceptível (cf. PP, 214). A
bênção de Deus acompanhou a nobre resolução dos jovens de não se contaminar com as iguarias do rei. Eles sabiam
que a indulgência para com alimentos e bebidas estimulantes os impediria de assegurar pleno desenvolvimento físico
e mental. O cozinheiro-chefe "supunha que um regime de abstenção tornaria esses jovens pálidos, de aparência
doentia [...], ao passo que a alimentação [...] da mesa do rei os tornaria corados e belos, dando-lhes capacidade física
superior" (CRA, 31), mas se surpreendeu quando viu que os resultados eram contrários às suas suposições.

Deus honrou esses jovens por causa de seu firme propósito de fazer o que era certo. Para eles, a aprovação de Deus
era mais estimada do que o favor do homem mais poderoso da terra; mais estimada mesmo que a própria vida (ver
CRA, 31). Essa firme resolução não nasceu com a pressão das circunstâncias imediatas. Desde a infância, esses
jovens foram treinados com hábitos de estrita temperança. Eles conheciam os efeitos degenerativos de uma dieta
estimulante, e havia muito tinham se determinado a não debilitar as faculdades físicas e mentais pela indulgência no
apetite. No final desse período, eles tinham aparência, habilidade física e vigor mental superiores. Daniel não
recusou as iguarias do rei a fim de parecer diferente. Muitos considerariam que, sob tais circunstâncias, havia
motivos plausíveis para se abandonar a adesão estrita aos princípios e que Daniel tinha mente estreita, era fanático e
demasiado meticuloso. Daniel buscou viver em paz com todos e cooperar com seus superiores contanto que isso não
exigisse sacrificar princípios. Estava disposto a abrir de mão de honras mundanas, poder, posição e mesmo da
própria vida se estivesse em jogo a lealdade a Yahweh.

Legumes. Do heb. zero'im, "alimento derivado de plantas", como cereais e vegetais. De acordo com a tradição
judaica, frutas vermelhas e tâmaras também se incluíam neste termo. Visto que tâmaras são parte da dieta básica na
Mesopotâmia, é provável que estivessem incluídas (ver com. do v. 8).

Qual o significado mais amplo do termo “legumes” envolvido na dieta de Daniel?

R. Ser um membro privilegiado da corte babilônica incluía a participação nas “finas iguarias da mesa real
e do vinho que ele bebia” (Dn 1:5). Deve ser notado que o verso inicia com uma ordem real: o próprio rei
“determinou-lhes a ração diária”. Entretanto, por mais tentador que possa parecer ao leitor atual, esta
proposta foi recusada por Daniel. O texto diz que o jovem hebreu “resolveu... firmemente, não
contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia” (Dn 1:8). Em lugar das “finas
iguarias” foi solicitada uma dieta baseada em “legumes”, isto é, uma alimentação vegetariana simples e
integral e, em substituição ao “vinho”, somente “água”, a bebida mais saudável do mundo.

Alguém poderia imaginar que o termo “legumes”, conforme usado na versão Almeida, envolve apenas
alguns poucos produtos que seriam insuficientes para garantir uma boa saúde. Entretanto, o termo
hebraico aqui usado – zeroim – amplia bastante nossa compreensão. Em primeiro lugar, deve ser notado
que o pedido de Daniel retorna até mesmo ao momento da criação do homem, quando foi estabelecida a
alimentação ideal para o ser humano. Zeroim é a palavra que aparece em Gênesis 1:29 ao se referir à dieta
original destinada por Deus à família humana: “E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas
[zar‘a] que dão semente e se acham na superfície de toda a terra, e todas as árvores em que há fruto que dê
semente: isso vos será para mantimento”. Neste termo encontram-se reunidos vários tipos de alimentos de
origem vegetal, como frutas, cereais, hortaliças, legumes, tubérculos, nozes, etc. Portanto, em seu pedido
ao responsável pela alimentação dos cativos, Daniel recorre à dieta original de Deus: “deem-se-nos zeroim
para comer”. 76 Jacques Doukhan observa que as palavras “dar”, “vegetais” e “comer” ocorrem juntas na
Bíblia somente em Gênesis 1:29.77

76
Cf. o recente estudo de Anne E. Gardner, "The Eating of Seeds and Drinking Water by Daniel and Friends: An
Intimation of Holiness," Australian Biblical Review 59 (2011): 53-63.
77
Jacques B. Doukhan, “Allusions à la création dans le livre de Daniel”, em Book of Daniel in the Light of New
Findings, ed. A. S. Van Der Woude (Louvain: Peeters, 1993), 286. Citado por Elias Brasil de Souza, “Wisdom in
Daniel”, 274, nota 32.
Daniel 1 36

13 Então, se veja diante de ti a nossa aparência e a dos jovens que comem das finas iguarias do
rei; e, segundo vires, age com os teus servos.
14 Ele atendeu e os experimentou dez dias.
15 No fim dos dez dias, a sua aparência era melhor; estavam eles mais robustos do que todos os
jovens que comiam das finas iguarias do rei.
16 Com isto, o cozinheiro-chefe tirou deles as finas iguarias e o vinho que deviam beber e lhes
dava legumes.
17 Ora, a estes quatro jovens Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e
sabedoria; mas a Daniel deu inteligência de todas as visões e sonhos.

17. O conhecimento e a inteligência. A instrução que Daniel e seus três amigos receberam foi também um teste de
fé. O saber dos caldeus estava aliado a práticas idólatras e pagãs, e misturava ciência com magia, conhecimento com
superstição. Os aprendi- zes hebreus se mantiveram distante dessas coisas. Não se sabe como evitaram conflitos;
mas, apesar das influências más, eles se apegaram à fé de seus pais, como demonstram claramente os eventos
posteriores. Os quatro jovens aprenderam as habilidades e ciências dos caldeus sem adotar os elementos pagãos
mesclados com as mesmas.

Entre as razões pelas quais os hebreus preservaram a fé imaculada, podem-se notar as seguintes: (l) Firme resolução
em permanecer fiéis a Deus. Eles tinham mais que desejo ou esperança de serem bons. Tinham vontade de fazer o
que é correto e se desviar do mal. A vitória é possível apenas mediante o correto exercício da vontade (ver CC, 48).
(2) Dependência do poder de Deus. Embora valorizassem a capacidade humana e reconhecessem a necessidade de
esforço, eles sabiam que essas coisas por si só não garantiriam o êxito. Reconheciam que, além disso, deve haver
humilde dependência e total confiança no poder de Deus (ver CRA, 154). (3) Cultivo da natureza espiritual e moral e
negação da indulgência com o apetite. Eles sabiam que pôr de lado os princípios uma só vez enfraqueceria o senso
do que é certo e errado, que por sua vez, provavelmente, os levaria a cometer outros erros e, ao final, à apostasia
completa (ver CRA, 155). (4) Vida de constante oração. Daniel e seus amigos perceberam que a oração era uma
necessidade, principalmente devido à atmosfera maligna que continuamente os cercava (ver San, 20).

Visões e sonhos. Daniel e seus amigos foram dotados de qualidades mentais excepcionais e compartilhavam a
mesma lealdade a Deus. Mas ele foi escolhido como o mensageiro especial do Céu. Eruditos modernos que negam o
dom de profecia sugerem que este versículo indica que Daniel tinha um dom especial para aprender o modo caldeu
de interpretar sonhos e visões e que, em concursos sobre o tema, ele superou os colegas. Daniel não pertencia a essa
classe de intérpretes de sonhos. Seu dom profético não era produto de um treinamento bem-sucedido na escola dos
adivinhos, feiticeiros e magos da corte. Ele foi chamado por Deus para realizar uma obra especial e se tornou o
receptor de algumas das mais importantes profecias de todos os tempos (ver Dn 7-12).

18 Vencido o tempo determinado pelo rei para que os trouxessem, o chefe dos eunucos os trouxe
à presença de Nabucodonosor.

Vencido o tempo determinado. Alguns expositores creem que, quando o rei exigiu que os sábios interpretassem seu
sonho no segundo ano de seu reinado (Dn 2: 1), Daniel não foi chamado porque seu treinamento ainda não estava
concluído. Ele e seus amigos teriam sido condenados à mesma sorte dos sábios porque pertenciam à profissão,
embora ainda não fossem membros dela. Essa hipótese, porém, não está correta. Os jovens aprendizes deveriam ser
treinados por três anos a fim de assistir diante do rei (Dn 1:5); ao fim desses dias, eram levados diante do rei para
serem avaliados. Então "passaram a assistir diante do rei" (ver com. do v. 19). Essa declaração indica que o período
de três anos de treinamento terminou antes de o rei os examinar e os achar melhores do que os outros candidatos.
Dificilmente isso poderia ter acontecido depois que um deles, Daniel, já tivesse recebido altas honras e sido
promovido a governador da província e supervisor de todos os sábios, e depois de os outros três terem recebido
cargos importantes (Dn 2:46-49). A sequência lógica e a ordem da narrativa indicam que o curso de três anos de
Daniel já havia terminado antes do sonho de Nabucodonosor, em seu segundo ano de reinado.

Tudo isso leva à conclusão de que esse não era um período de 36 meses, mas que devem ser contados de forma
inclusiva. Eles representam (1) o ano em que Nabucodonosor subiu ao trono (ver com. do v. 2), quando os hebreus
cativos chegaram a Babilônia e começaram o treinamento; (2) o primeiro ano de Nabucodonosor, o ano calendário
que começou no primeiro dia do ano novo seguinte à sua ascensão; e (3) o segundo ano de Nabucodonosor, quando
Daniel terminou seu treinamento e esteve "diante do rei", e o ano em que interpretou o sonho (ver Dn 2:1; e PR,
491).
Daniel 1 37

A aplicação do antigo método de cálculo inclusivo, que é atestado em vários casos como o modo comum de se contar
o tempo (ver vol. 2, p. 120, 121), desfaz a alegação de alguns comentaristas modernos de que o cap. 1 contradiz
cronologicamente o cap. 2. Por exemplo, Jerônimo declarou que o segundo ano de Daniel 2:1 se refere ao segundo
ano após a conquista do Egito; e o erudito judeu Ibn Esdras pensava que fosse o segundo ano após a destruição de
Jerusalém. Mais tarde, alguns conjecturaram que Nabucodonosor reinou com seu pai por dois anos (ver vol. 3, p. 80).

19 Então, o rei falou com eles; e, entre todos, não foram achados outros como Daniel, Hananias,
Misael e Azarias; por isso, passaram a assistir diante do rei.
20 Em toda matéria de sabedoria e de inteligência sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou
dez vezes mais doutos do que todos os magos e encantadores que havia em todo o seu reino.

19. Falou com eles. Quando, ao final do período de treinamento, o chefe dos eunucos apresentou seus alunos ao rei,
um exame realizado pessoalmente por Nabucodonosor provou que os quatro jovens hebreus eram superiores a todos
os outros. "Em força e beleza física, em vigor mental e dotes literários, não tinham rival" (PR, 485). Não se diz como
foi o exame. Por meio de uma descrição posterior das habilidades de Daniel, feita pela mãe de Belsazar, que
provavelmente era filha de Nabucodonosor, sabe-se que Daniel era conhecido como um homem capaz de
"declaração de enigmas e solução de casos difíceis" (Dn 5:12). As perguntas feitas a eles podem ter incluído
explicação de enigmas, que era diversão favorita nas cortes do antigo Oriente. O exame também pode ter incluído a
solução de problemas matemáticos e astronômicos, matérias em que os babilônios eram mestres, conforme revelam
os documentos, ou uma demonstração da habilidade de ler e escrever a difícil escrita cuneiforme.

A sabedoria superior de Daniel e de seus companheiros não era resultado de sorte ou destino, ou mesmo de um
milagre, como em geral se entende. Os jovens se aplicaram com diligência e consciência aos estudos, e Deus
abençoou os esforços deles. O verdadeiro êxito em qualquer empreendimento é assegurado quando se combina
esforço humano com o divino. O esforço humano por si só de nada vale, e o poder divino não torna desnecessária a
cooperação humana (ver PR, 486, 487; cf. PP, 214).

Entre todos. Isto pode ser uma referência aos outros jovens israelitas (v. 3) levados a Babilônia com Daniel e seus
amigos, mas, sem dúvida, também aos jovens nobres cativos de outras terras que receberam o mesmo treinamento
que os hebreus.

Passaram a assistir diante do rei. Comparar com v. 5; e 2:2. Isto é, ingressaram no serviço real. A expressão é
comum no AT (ver Gn 41:46; 1Sm 16:21, 22; 2Cr 9:7; 10:6, 8; cf. Nm 16:9; 27:21; Dt 10:8; 2Cr 29:11).

20. De sabedoria e de inteligência. Literalmente, "sabedoria de entendimento". Como a maior parte das versões, a
ARA insere um "e" entre os dois substantivos. Alguns comentaristas explicam a construção hebraica como resultado
da intenção do autor de expressar a mais elevada forma de inteligência ou ciência, ou de transmitir aos leitores a
ideia de que se tratava de sabedoria determinada ou regulada pela inteligência. Isto é, não havia conhecimento
mágico ou ciência sobrenatural. Isso sugeriria que Daniel e seus amigos superaram os homens de sua profissão em
questões de ciências exatas, como astronomia e matemática, e em estudos linguísticos. Eles tinham domínio da
escrita cuneiforme, dos idiomas babilônico e aramaico e da escrita quadrada aramaica.

Magos. Do heb. chartummim, palavra que ocorre apenas no Pentateuco (Gn 41:8, 24; Êx 7:11, 22; 8:7, 18) e em
Daniel (aqui e em 2:2). É um empréstimo do termo egípcio cheri-dem, no qual cheri significa "chefe" ou "homem
importante", e dem, "mencionar um nome em magia". Portanto, um cheri-dem é um "chefe dos magos" ou "mago
principal". A palavra não era usada em Babilônia e não se encontra em fontes cuneiformes. Com certeza Daniel
aprendeu esse termo com a leitura do Pentateuco, e não estaria necessariamente familiarizado com termos técnicos
egípcios. Daniel conhecia bem os livros de Moisés e era um estudante ávdo dos escritos sagrados de seu povo (ver
Dn 9:2). O uso deste termo hebraico, emprestado do egípcio, ilustra como o estilo do profeta e sua escolha das
palavras eram influenciados pelo vocabulário da Bíblia hebraica então disponível.

Encantadores. Do heb. 'ashafim, um empréstimo do acadiano ashipu, "exorcista". Adivinhação, magia, exorcismo e
astrologia eram comuns entre os povos antigos; mas, em alguns lugares como Babilônia, eram praticados por homens
da ciência. Previam-se eventos futuros buscando por sinais nas entranhas de animais sacrificados ou no voo dos
pássaros. Praticava-se a adivinhação inspecionando-se o fígado de animais sacrificados (hepatoscopia), e
comparandoo com fígados "modelos" de argila com inscrições. Esses modelos, como os manuais modernos de
quiromancia, continham explicações detalhadas das diferenças de formas e instruções para interpretação. Vários
modelos de fígado de argila foram encontrados em escavações na Mesopotâmia. Antigos adivinhos tinham muitos
Daniel 1 38

métodos. Algumas vezes, buscavam conselho derramando óleo na água e interpretando a forma como se espalhava
(lecanomancia), ou sacudindo flechas na aljava e observando a direção em que caía a primeira (belomancia; ver Ez
21:21).

O adivinho interpretava sonhos e inventava fórmulas de encantamento pelas quais se acreditava ser possível afastar
espíritos maus ou enfermidades. Também pedia conselho aos supostos espíritos dos mortos (necromancia). Todo
governante oriental tinha muitos adivinhos e magos a seu serviço. Eles estavam disponíveis em toda ocasião e
acompanhavam o rei em campanhas militares, expedições de caça e visitas de estado. Buscava-se o conselho deles
para tomada de decisões, como a que rota seguir, ou a data para se atacar o inimigo. A vida do rei era, em grande
parte, orientada e governada por esses homens.

É um erro supor que os sábios de Babilônia eram apenas adivinhos e magos. Embora fossem habilidosos nessas
artes, eram também eruditos no verdadeiro sentido da palavra. Assim como na Idade Média, a alquimia era praticada
por pessoas instruídas, e a astrologia era, com frequência, praticada por astrônomos com habilidades científicas. Os
encantadores e adivinhos da Antiguidade se aplicavam também a estudos estritamente científicos. Seu conhecimento
astronômico tinha atingido um surpreendente nível de desenvolvimento, embora o ápice da astronomia babilônica
tenha se dado após a conquista persa. Os astrônomos eram capazes de predizer eclipses lunares e solares mediante
cálculos. Sua habilidade matemática era bastante desenvolvida. Eles empregavam fórmulas cujo descobrimento em
geral é atribuído erroneamente a matemáticos gregos. Além disso, eram bons arquitetos, construtores e médicos. Eles
encontravam por meios empíricos a cura para muitos males. Deve ter sido nessas áreas de conhecimento e habilidade
que Daniel e seus três amigos superaram os encantadores, astrólogos e eruditos babilônios.

21 Daniel continuou até ao primeiro ano do rei Ciro.

21. Até ao primeiro ano. Alguns comentaristas veem uma aparente contradição entre este versículo e a declaração
de Daniel 10:1 de que o profeta recebeu uma visão no terceiro ano de Ciro. O texto, no entanto, não indica
necessariamente que a vida de Daniel não se estendeu além do primeiro ano de Ciro. Daniel pode ter se referido a
essa data por causa de eventos especiais ocorridos naquele ano. Alguns sugerem que o evento foi o decreto do
primeiro ano do rei Ciro que marcou o fim do exílio babilônico (2Cr 36:22, 23; Ed 1:1-4; 6:3). Esse decreto foi o
cumprimento de uma importante profecia que Daniel estudara com atenção, a saber, a profecia de Jeremias, de que o
exílio duraria 70 anos (Jr 29:10; Dn 9:2). Daniel viveu no exílio desde o primeiro cativeiro, em 605 a.C. até o tempo
em que o decreto foi feito por Ciro, provavelmente no verão de 537 a.C . (ver vol. 3, p. 86, 88). Daniel pode ter
desejado informar seus leitores que, embora tivesse sido levado no primeiro cativeiro, ainda estava vivo na época em
que o exílio terminou, cerca de 70 anos depois. Além disso, parece lógica a conclusão de que o cap. 1 e talvez alguns
outros capítulos não foram escritos até o primeiro ano de Ciro. Essa data explica o uso de empréstimos do idioma
persa. Daniel, outra vez, ocupava um cargo oficial, sob o domínio persa, pouco depois da queda de Babilônia (Dn
6:1, 2), e o contato com oficiais persas, sem dúvida, lhe acrescentou ao vocabulário algumas palavras persas usadas
na composição de seu livro.
Daniel 1 39

CAPÍTULO 2

1 Nabucodonosor se esquece do sonho e ordena que os caldeus o relatem mediante


promessas e ameaças. 10 Ao reconhecerem sua incapacidade, eles são sentenciados
à morte. 14 Daniel ganha tempo e interpreta o sonho. 19 Ele louva a Deus.
24 Ao fazer deter o decreto, Daniel é levado ao rei. 31 O sonho.
36 A interpretação. 46 Daniel é promovido.

1. No segundo ano do reinado de Nabucodonosor, teve este um sonho; o seu espírito se perturbou, e
passou-se-lhe o sono.

1. No segundo ano. Sobre a identificação do segundo ano do reinado de Nabucodonosor e a explicação de como os
três anos do treinamento de Daniel (Dn 1:5, 18) se completaram antes do fim do segundo ano do rei, ver com. de
Daniel l:l8.

Sonhos (ARC). Possivelmente o plural tem o objetivo de descrever a série de incidentes no sonho. O singular ocorre
nos v. 3, 4, 5, 6, etc. Os registros da antiga Mesopotâmia falam de muitos sonhos de reis. Num desses, Gudea viu um
homem com uma coroa real sobre a cabeça cuja estatura ia da terra ao céu. Os antigos consideravam os sonhos com
temor, tratava-os como revelações de suas divindades, e buscavam descobrir sua verdadeira interpretação.

O Senhor em Sua providência deu esse sonho a N abucodonosor. Deus tinha uma mensagem para o rei de Babilônia.
Havia representantes nos palácios de Nabucodonosor por meio dos quais Deus podia comunicar o conhecimento de
Si mesmo. Deus não faz acepção de pessoas, nem de nações. Seu objetivo é salvar a tan tos quantos desejem, de
qualquer tribo ou nação. Ele queria salvar os antigos babilônios tanto quanto desejava salvar Israel. O sonho tinha o
objetivo de revelar a Nabucodonosor que o curso da história é traçado pelo Altíssimo e está sujeito à Sua vontade.
Mostrou-se a Nabucodonosor seu papel no grande plano celestial, para que pudesse ter a oportunidade de cooperar
de forma efetiva com o plano divino.

As lições de história dadas a Nabucodonosor foram designadas para instruir nações e pessoas até o fim dos tempos.
Outros poderes depois de Babilônia regeram os povos ao longo dos séculos. Para cada nação, Deus atribuiu um lugar
especial em Seu grande plano. Quando governantes e povos não aproveitaram sua oportunidade, sua glória foi
abatida até o pó. As nações hoje deveriam aprender das lições do passado. Acima da cena inconstante da diplomacia
internacional, o grande Deus do Céu está em Seu trono "executando paciente e silenciosamente os conselhos de Sua
própria vontade" (PR, 500). Finalmente, a estabilidade e a imutabilidade virão quando o próprio Deus, no fim dos
tempos, estabelecer Seu reino, que jamais será destruído (v. 44; ver com. de Dn 4: 17).

Deus Se aproximou do rei Nabucodonosor por meio de um sonho porque, evidentemente, esse era o meio mais eficaz
de
impressionar a mente dele com a importância da mensagem transmitida, ganhar a confiança e assegurar a cooperação
dele. Como todos os povos antigos, Nabucodonosor acreditava que os sonhos eram um dos meios pelos quais os
deuses revelavam sua vontade às pessoas. A sabedoria divina sempre busca os seres humanos onde estão. Ao
comunicar Sua vontade às pessoas, Deus pode usar meios que sejam menos espetaculares, mas que servem
igualmente para cumprir Seus propósitos. Ele adapta Seu modo de trabalhar com as pessoas à capacidade de cada
indivíduo e ao contexto em que vive (ver mais detalhes a esse respeito no com. de Dn 4: l0).

Seu espírito se perturbou. Ou, "estava perturbado". O verbo hebraico assim traduzido ocorre também em Gênesis
41:8 e no Salmo 77:4. O sonho impressionou sobremaneira o rei Nabucodonosor.

2. Então, o rei mandou chamar os magos, os encantadores, os feiticeiros e os caldeus, para que
declarassem ao rei quais lhe foram os sonhos; eles vieram e se apresentaram diante do rei.

Magos. Do heb. charturmnim, um empréstimo do egípcio (ver com. de Dn 1:20).


Encantadores. Do heb. 'ashafim, um empréstimo do acadiano (ver com. de Dn 1:20).
Feiticeiros. Do heb. mekashefim, de uma raiz que significa "usar encantamentos". Os babilônios os chamavam pela
palavra cognata kashapu. O mekashefim professava ser capaz de produzir feitiços (ver com. de Êx 7:11). A lei
mosaica ordenava pena de morte sobre os que praticavam magia negra (Lv 20:27; cf. 1Sm 28:9).
Caldeus. Do heb. Kasdim (ver com. de Dn 1:4).

3. Disse-lhes o rei: Tive um sonho, e para sabê-lo está perturbado o meu espírito.
Daniel 1 40

Para sabê-lo. Embora o rei tivesse ficado impressionado com o sonho, quando ele se despertou percebeu que lhe era
impossível recordar os detalhes (ver PR, 491). Alguns sugeriram que Nabucodonosor não se esqueceu do sonho e
que estava testando a habilidade dos supostos sábios. Mas o rei parece preocupado demais em saber do sonho e de
sua interpretação para usar a ocasião para testar os que pretendiam ser seus intérpretes.

4. Os caldeus disseram ao rei em aramaico: Ó rei, vive eternamente! Dize o sonho a teus servos, e
daremos a interpretação.

Aramaico. Do heb. 'ammith. A família real e a classe governante do império eram caldeus do sul da Mesopotâmia e
falavam aramaico. Portanto, não é de se surpreender que os cortesãos do rei falassem com ele em aramaico e não em
babilônico, a língua da população nativa de Babilônia. Os arameus eram um ramo importante dos povos semitas, e
sua língua incluía muitos dialetos. Deste versículo em diante até o final do cap. 7, o registro está em aramaico e não
em hebraico como no restante do livro (sobre as razões para isso, ver p. 824, 825).

Ó rei, vive eternamente! A fórmula babilônica encontrada em inscrições da época diz mais ou menos assim: "Que
Nabu e Marduque deem longos dias e anos eternos ao rei, meu senhor" (comparar com 1Sm 10:24; 1Rs 1:31; Ne 2:3;
Dn 3:9; 5:10; 6:21).

5. Respondeu o rei e disse aos caldeus: Uma coisa é certa: se não me fizerdes saber o sonho e a sua
interpretação, sereis despedaçados, e as vossas casas serão feitas monturo;

5. O assunto me tem escapado (ACF). Alguns traduzem a expressão como: "a coisa está certa comigo" ou "uma
coisa é certa" (ARA). Essas traduções alternativas se baseiam na suposição de que o termo aramaico 'azda' seja um
adjetivo em vez de verbo. A tradução da ACF se fundamenta na LXX e em Rashi [1040-1105, comentarista bíblico
judeu], que traduz 'azda' como "foi". Qualquer que seja o significado adotado não há dúvida sobre a incapacidade de
Nabucodonosor de recordar os detalhes do sonho (ver com. do v. 3). O sonho foi tirado do rei propositadamente, para
que os sábios não lhe dessem uma falsa interpretação (ver FEC , 412).

Despedaçados. Literalmente, "desmembrados". Eles seriam cortados membro por membro (ver 2 Macabeus l:l6;
Josefo, Antiguidades, xv.8.4). Tal crueldade era comum no mundo antigo. Os assírios e babilônios eram famosos
pela severidade e barbaridade com que tratavam seus ofensores. Assurbanípal relata que cortava em pedaços
governantes rebeldes.

Monturo. Do aramaico newali, termo que, devido à semelhança com uma raiz acadiana, alguns interpretam como
"ruí-
nas". Outros dão a definição "estrumeira" ou "monte de lixo", e interpretam a frase como indicando que as casas
seriam transforma das em "latrinas" (ver 2Rs 10:27). A LXX não apoia nenhuma dessas interpretações, antes diz:
"suas casas serão destruídas".

6 mas, se me declarardes o sonho e a sua interpretação, recebereis de mim dádivas, prêmios e grandes
honras; portanto, declarai-me o sonho e a sua interpretação.
7 Responderam segunda vez e disseram: Diga o rei o sonho a seus servos, e lhe daremos a
interpretação.
8 Tornou o rei e disse: Bem percebo que quereis ganhar tempo, porque vedes que o que eu disse está
resolvido,
9 isto é: se não me fazeis saber o sonho, uma só sentença será a vossa; pois combinastes palavras
mentirosas e perversas para as proferirdes na minha presença, até que se mude a situação; portanto,
dizei-me o sonho, e saberei que me podeis dar-lhe a interpretação.

8. Ganhar tempo. Literalmente, "comprar tempo". Os sábios estaval ganhando tempo, e seus repetidos pedidos
provocaram a suspeita do rei de que estavam procurando tirar algum proveito da demora. Não se sabe se, neste
ponto, ele já estava questionando seriamente a habilidade deles de lhe dar as informações que pedia. Sua fé se
fundamentava na crença de que os deuses se comunicavam com as pessoas por meio de vários canais representados
por esses homens. A hesitação deles em cumprir de imediato o seu pedido, em princípio, provocou a suspeita de que
tinham conspirado para tomar vantagem. Se o sonho continha a informação de uma atitude a ser tomada num
momento favorável, a demora resultaria em perdas trágicas. Algumas comunicações por meio de adivinhações
demandavam que ações fossem tomadas num momento preciso, como acontecia numa conjunção específica de
Daniel 1 41

planetas. As expressões "ganhar tempo" e "até que se mude a situação" (v. 9) podem se referir a tal suposto momento
oportuno.

9. Uma só sentença será a vossa. Literalmente, "vossa lei é uma". A palavra traduzida como "sentença" pode
também ser "decreto" ou "penalidade".

Até que se mude a situação. Até que o rei esquecesse o assunto ou até que eles dessem alguma resposta. "Situação",
neste caso, também pode se referir ao momento favorável para levar a cabo a suposta comunicação com um deus
(ver com. do v. 8).

10. Responderam os caldeus na presença do rei e disseram: Não há mortal sobre a terra que possa
revelar o que o rei exige; pois jamais houve rei, por grande e poderoso que tivesse sido, que exigisse
semelhante coisa de algum mago, encantador ou caldeu.

Não há mortal. Os caldeus se viram obrigados a reconhecer a incapacidade de revelar o sonho. Disseram ao rei que
ele estava pedindo algo além da possibilidade humana, e que nenhum rei jamais tinha feito tal pedido irracional a
seus súditos.

Rei, por grande e poderoso que tivesse sido. "Grande rei ou Sumo rei" (ver 2Rs 18:28) é um antigo título
babilônico. Expressões como "Grande Rei, Poderoso Rei, Rei da Assíria [ou de Babilônia]" são comuns nas
inscrições.

11 A coisa que o rei exige é difícil, e ninguém há que a possa revelar diante do rei, senão os deuses, e
estes não moram com os homens.

Deuses. Alguns veem neste termo dois tipos de deuses. Sugerem que os sábios declaravam ter comunicação com
alguns deuses, como divindades subordinadas que mantinham suposto contato com os seres humanos, mas que os
deuses superiores eram inacessíveis. De qualquer forma, os caldeus estavam revelando as limitações de suas práticas.

Outros sugerem que o plural 'elalún, "deuses", como o plural heb. 'elohim (ver vol. 1, p. 148, 149), podia ser usado
para se referir a uma única divindade, e que, como outros politeístas, os caldeus reconheciam uma divindade
suprema. De qualquer modo, os sábios foram sinceros em admitir que reconheciam uma inteligência superior,
alguma mente, ou mentes mestras, que tinha sabedo ria mais elevada que os seres humanos. Essa confissão de
fracasso forneceu uma excelente oportunidade para Daniel revelar algo do poder de Deus ao qual servia e adorava.

12 Então, o rei muito se irou e enfureceu; e ordenou que matassem a todos os sábios da Babilônia.

Ordenou que matassem. A severidade da sentença não estava fora dos costumes da época. Contudo, era um passo
temerário da parte do rei, porque os homens cuja morte tinha ordenado pertenciam à classe instruída da sociedade.

Babilônia. Possivelmente, apenas a cidade e não todo o reino de Babilônia.

13 Saiu o decreto, segundo o qual deviam ser mortos os sábios; e buscaram a Daniel e aos seus
companheiros, para que fossem mortos.

Buscaram a Daniel. O profeta e seus amigos não teriam sido procurados se ainda não fizessem parte do grupo dos
"sábios". Portanto, a opinião de que ainda estavam em treinamento não é correta (ver com. de Dn 1:18). O fato de
terem concluído o treinamento havia pouco tempo é suficiente para explicar por que não foram chamados para
interpretar o sonho. O monarca teria chamado apenas os de mais experiência, representantes de todo o conhecimento
de sua arte. O rei e os próprios sábios não chamaram Daniel e seus três amigos, assim como médicos especialistas,
diante de uma enfermidade do rei, também não consultam colegas inexperientes e recém-formados. É infundada a
suposição de que o treinamento de Daniel incluísse cursos sobre exorcismo e adivinhação (ver com. de Dn 1:20).

14 Então, Daniel falou, avisada e prudentemente, a Arioque, chefe da guarda do rei, que tinha saído para
matar os sábios da Babilônia.

Prudentemente. Do aramaico te'em, que também pode ser traduzido como "entendimento" ou "discrição". Daniel
demonstrou tato ao buscar seu superior.
Daniel 1 42

15 E disse a Arioque, encarregado do rei: Por que é tão severo o mandado do rei? Então, Arioque
explicou o caso a Daniel.

Severo. A LXX diz pihos, que significa "amargo" ou "áspero". Alguns eruditos também atribuem esse significado ao
aramaico, ao passo que outros insistem que o original tem a ideia básica de urgência.

16 Foi Daniel ter com o rei e lhe pediu designasse o tempo, e ele revelaria ao rei a interpretação.

Designasse o tempo. Uma das coisas que enfureceram o rei era que os sábios estavam tentando adiar a resposta (ver
com. do v. 8). Obviamente o rei ainda estava perturbado com o sonho, e pode ter ficado feliz com a perspectiva de
uma solução para o mistério que lhe incomodava. Visto que Daniel não tinha sido consultado previamente, o rei deve
ter julgado justo dar-lhe uma oportunidade. Em seu contato prévio com esse jovem judeu cativo, com certeza
Nabucodonosor tinha ficado impressionado positivamente com a sinceridade e habilidade de Daniel. A fidelidade
prévia de Daniel nas pequenas coisas abriu as portas para as maiores. Interpretação. A solicitação de Daniel diferia
do pedido dos caldeus. Os sábios pediram que o rei lhes contasse o sonho.Daniel pediu apenas tempo, e assegurou ao
rei que a interpretação seria dada.

17 Então, Daniel foi para casa e fez saber o caso a Hananias, Misael e Azarias, seus companheiros,
18 para que pedissem misericórdia ao Deus do céu sobre este mistério, a fim de que Daniel e seus
companheiros não perecessem com o resto dos sábios da Babilônia.

Para que pedissem misericórdia. Daniel e seus amigos podiam se aproximar de Deus com fé e confiança porque,
até onde sabiam e podiam, eles viviam conforme Sua vontade revelada (ver lJo 3:22). Tinham a consciência de estar
onde Deus queria que estivessem e faziam a obra que o Céu desejava. Se na experiência anterior tivessem
comprometido seus princípios e sucumbido às tentações que os rodeava na corte, não poderiam ter esperado uma
intervenção divina tão direta nesta crise. A experiência deles contrastava-se com a do profeta de Judá que, por sua
desobediência, perdeu a proteção divina (lRs 13:11-32; ver com. de 1Rs 13:24).

19 Então, foi revelado o mistério a Daniel numa visão de noite; Daniel bendisse o Deus do céu.
20 Disse Daniel: Seja bendito o nome de Deus, de eternidade a eternidade, porque dele é a sabedoria e
o poder;
21 é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria aos sábios e
entendimento aos inteligentes.
22 Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com ele mora a luz.
23 A ti, ó Deus de meus pais, eu te rendo graças e te louvo, porque me deste sabedoria e poder; e,
agora, me fizeste saber o que te pedimos, porque nos fizeste saber este caso do rei.

Visão de noite. Do aramaico chezu,parecido ao heb. chazon (ver com. de 1Sm 3: 1).

Daniel bendisse. Ao receber a revelação divina, a primeira atitude de Daniel foi louvar o Revelador de segredos, um
exemplo digno para todos que recebem bênçãos do Senhor (sobre o significado da expressão "bendisse o Deus", ver
com. do Sl 63:4).

20. O nome de Deus. A expressão é usada com frequência para denotar o ser, o poder e a atividade de Deus. Na
Bíblia, com frequência se usa o termo "nome" como sinônimo de "caráter".

Sabedoria. Aqueles que têm falta de sabedoria podem recebê-la de sua verdadeira fonte, em resposta à oração com
fé (Tg 1:5). As jactanciosas pretensões dos babilônios de que suas divindades possuíam sabedo ria e discernimento
se demonstraram falsas. Divindades pagãs continuamente desapontam seus fiéis.

21. É Ele. O pronome é enfático no aramaico. O efeito pode ser mostrado no português com a tradução "é Ele quem
muda".

O tempo e as estações. As duas palavras são quase sinônimas. A última pode se referir a um ponto mais específico
no tempo, e a primeira parece enfatizar mais a ideia de um período.

Remove reis. Aqui se retrata a verdadeira filosofia da história. Reis e governantes estão sob a direção e o controle de
um Poder todo-poderoso (ver Ed, 173; ver com. do v. I; 4:17).
Daniel 1 43

Aos sábios. O Senhor Se alegra em conceder sabedoria àqueles que a usarão com prudência. Ele fez isso com
Daniel, e o faz a todo que confia plenamente nEle.

22. Ele revela. Deus Se revela na natureza (Sll9), na experiência pessoal, por meio do dom profético e de outros
dons do Espírito (1 Co 12), assim como de Sua palavra escrita.

Profundo. Coisas além da compreensão até que sejam reveladas.

Trevas. Aquilo que o ser humano é incapaz de ver não está oculto à vista de Deus (ver Sll39:12; IJo 1:5).

23. Eu Te rendo graças. O pronome é enfático no aramaico. O original diz: "A Ti, ó Deus de meus pais, dou
graças."

O que Te pedimos. Embora o sonho tenha sido revelado a Daniel, ele não toma todo o mérito para si, mas inclui
seus companheiros que oraram com ele.

24 Por isso, Daniel foi ter com Arioque, ao qual o rei tinha constituído para exterminar os sábios da
Babilônia; entrou e lhe disse: Não mates os sábios da Babilônia; introduze-me na presença do rei, e
revelarei ao rei a interpretação.

24. Não mates os sábios. A primeira preocupação de Daniel foi rogar pelos sábios de Babilônia, para que a sentença
de morte sobre eles fosse anulada. Eles não tinham feito nada para ganhar o indulto, mas foram salvos por causa da
presença de um justo em seu meio. Isso acontece com frequência. Os justos são "o sal da terra". Eles têm a qualidade
de preservar. Devido à presença de Paulo no navio, os marinheiros e todos a bordo foram salvos (At 27:24). Os
ímpios não sabem o quanto devem aos justos. Contudo, com frequência os ímpios ridicularizam e perseguem aqueles
a quem deveriam agradecer pela preservação de sua vida.

25 Então, Arioque depressa introduziu Daniel na presença do rei e lhe disse: Achei um dentre os filhos
dos cativos de Judá, o qual revelará ao rei a interpretação.

25. Depressa. Possivelmente, devido à alegria pelo fato de o segredo ter sido revelado. Ele seria poupado da
sangrenta tarefa de executar os sábios, missão para a qual sem dúvida não tinha ânimo.

Achei. Arioque parece atribuir a si mérito indevido, pois sua declaração indica que, por meio de grandes esforços de
sua parte, ele tinha descoberto alguém que poderia interpretar o sonho. Porém, Arioque talvez não soubesse da
entrevista de Daniel com o rei (v. 16). Neste caso, sua declaração seria a forma natural de anunciar a descoberta.

26 Respondeu o rei e disse a Daniel, cujo nome era Beltessazar: Podes tu fazer-me saber o que vi no
sonho e a sua interpretação?

Beltessazar. Sobre o significado deste nome e a razão por que foi dado a Daniel ver com. de Daniel 1:7. Na presença
de Nabucodonosor, Daniel naturalmente assumiu seu nome babilônico.

27. Respondeu Daniel na presença do rei e disse: O mistério que o rei exige, nem ecantadores, nem
magos nem astrólogos o podem revelar ao rei;
28 mas há um Deus no céu, o qual revela os mistérios, pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de
ser nos últimos dias. O teu sonho e as visões da tua cabeça, quando estavas no teu leito, são estas:
29 Estando tu, ó rei, no teu leito, surgiram-te pensamentos a respeito do que há de ser depois disto.
Aquele, pois, que revela mistérios te revelou o que há de ser.
30 E a mim me foi revelado este mistério, não porque haja em mim mais sabedoria do que em todos os
viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses as cogitações da
tua mente.

27. Nem encantadores. Daniel não queria se exaltar acima dos sábios. Em vez disso, seu objetivo era fazer com que
o rei percebesse a futilidade de confiar no conselho e na ajuda desses sábios. Ele esperava chamar a atenção do rei
para o grande Deus dos céus, o Deus a quem Daniel adorava, o Deus dos hebreus, cujo povo tinha sido conquistado
pelo rei.
Daniel 1 44

Nem magos. Ver com. de Dn 1:20.

Nem astrólogos. Do aramaico gazerin,de uma raiz que significa "cortar", "determinar". Portanto, o significado
geralmente aceito é "os que decidem" ou "os que determinam [o destino]". Esses astrólogos adivinhos acreditavam
que podiam determinar o futuro por meio da posição das estrelas, de vários artifícios de cálculos e adivinhação (ver
com. de Dn 1:20).

28. Últimos dias. Ver com. de Is 2:2. A mensagem do sonho era para instruir Nabucodonosor bem como os
governantes e o povo acerca do fim dos tempos (ver com. do v. I). O esboço da profecia nos conduz desde os dias de
Nabucodonosor (ver com. do v. 29) até a segunda vinda de Cristo e o fim do mundo (ver com. dos v. 44, 45).
Nabucodonosor anelava conhecer o futuro (ver San, 34). Deus lhe revelou o que havia de acontecer, não para
satisfazer sua curiosidade, mas para despertar em sua mente um sentido de responsabilidade pessoal para com o
plano celestial.

29. Do que há de ser. No sonho, são descritos acontecimentos futuros que começam no tempo de Daniel e
Nabucodonosor e se estendem até o fim de todas as coisas.

30. Para que. Literalmente, "para que façam saber ao rei a interpretação". A LXX dá um significado simples à
passagem: "mas para que a interpretação fosse dada ao rei, para que tu possas saber os pensamentos de teu coração".

31 Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua; esta, que era imensa e de extraordinário
esplendor, estava em pé diante de ti; e a sua aparência era terrível.
32 A cabeça era de fino ouro, o peito e os braços, de prata, o ventre e os quadris, de bronze;
33 as pernas, de ferro, os pés, em parte, de ferro, em parte, de barro.
34 Quando estavas olhando, uma pedra foi cortada sem auxílio de mãos, feriu a estátua nos pés de ferro
e de barro e os esmiuçou.
35 Então, foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os quais se fizeram como
a palha das eiras no estio, e o vento os levou, e deles não se viram mais vestígios. Mas a pedra que feriu
a estátua se tornou em grande montanha, que encheu toda a terra.
36 Este é o sonho; e também a sua interpretação diremos ao rei.

31. Estátua. Do aramaico tselem, "uma estátua", que corresponde ao heb. tselem, que também pode ser traduzido
como "estátua". A ARA traduz o heb. tselem como "imagem" 12 vezes (como no SI 73:20), "imitações" duas vezes
(como em 1Sm 6:11) e uma vez como "sombra" (Sl39:6), embora "estátua" seja uma tradução adequada em vários
casos (como 2Rs 11:18; 2Cr 23:17; Am 5:26).

De extraordinário esplendor. Ou, como na LXX, "cuja aparência era extraordinária".

Terrível. A palavra ocorre novamente em Daniel 7:7 e 19.

32. Fino ouro. Isto é, "ouro puro".

Bronze. Ou, "cobre" (ver com. de 2Sm 8:8; lRs 7:47).

33. Pernas. A palavra assim traduzida parece se referir à parte inferior das pernas. A palavra traduzida como "coxas"
(v. 32, ARC) refere-se à parte superior dos quadris. Com estas palavras não é possível saber com precisão em que
parte da perna se faz a transição de bronze para ferro.

Barro. Do aramaico chasaf. A partir de um exame dos idiomas cognatos, chasaf parece designar um vaso ou
pedaço de barro, em vez de o barro em si do qual se formam esses objetos. A palavra para "barro", do aramaico tin,
ocorre nos v. 41 e 43, em relação a chasaf, e é traduzido como "barro de lodo". Portanto, parece melhor traduzir
chasaf no v. 33 como "barro de oleiro" ou "cerâmica", em vez de simplesmente "barro".

34. Cortada. Ou, "tirada de uma pedreira" ou "extraída".

Sem auxílio de mãos. Isto é, sem a participação de agente humano.

35. Palha. Para a descrição de como se fazia a trilha nas antigas terras orientais, ver com. de Rt 3:2; e Mt 3:12. Visto
Daniel 1 45

que não se atribui um significado particular à "palha" e ao "vento" que a leva embora (ver com. de Mt 13:3), é
melhor considerá-los como simples detalhes acrescentados para completar a cena (sobre a palha como ilustração
comum, ver com. do SI 1:4; cf. Mt 13:3; ver vol. 3, p. 1140).

36. Diremos. O plural pode indicar que Daniel incluiu seus companheiros consigo. Eles se uniram a Daniel em
oração fervorosa para que a interpretação fosse revelada, e Daniel pode ter desejado reconhecer a participação deles
(v. 17, 18).

Que reinos são simbolizados na estátua de Daniel 2?

Em geral, há duas principais interpretações para os quatro impérios dos capítulos 2 e 7 de Daniel. 78 Os
eruditos liberais interpretam os reinos como Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Como se percebe, tais
intérpretes defendem a presença de um Império Medo separado, seguido por um terceiro reino, que seria a
Pérsia. O principal argumento para sustentar esta posição é a referência a um rei identificado como Dario,
o Medo, em algumas passagens do livro (5:31; 11:1). Esta posição é criticada pelo fato de que não existiu
um Império Medo, como tal, mas tão-somente um reino dos Medos que, em algum momento, rivalizava
com Babilônia, mas que nunca chegou a dominar um território comparável aos outros impérios.79 A
história registra que Ciro derrotou Astíages, o último rei da Média, por volta de 550 a.C., e fundiu os
Medos e Persas em um único Império Medo-Persa, antes de atacar Babilônia em 539. Além disso, no livro
de Daniel encontramos alguns marcadores que apontam para a existência de um reino unido de Medos e
Persas: (1) o Império Babilônico seria dividido e dado aos Medos e Persas (5:28); (2) a referência à lei dos
Medos e Persas (6:8), implicando a existência de uma só lei;80 e (3) o símbolo de um carneiro para
representar o império unido dos Medos e Persas (8:20) – os dois chifres apontam para cada um dos povos.
Dispomos, portanto, de evidência interna conclusiva do texto que lança por terra a ideia de dois impérios
separados, e fortalece aquela mantida pelos conservadores, de que houve um reino formado por dois
povos, os Medos e Persas, sob a liderança deste último. A divisão do Império Medo-Persa em dois
impérios sucessivos é parte da tentativa dos intérpretes liberais em fazer coincidir o personagem
simbolizado pelo chifre pequeno com o rei selêucida Antíoco IV Epifânio. Mas, como argumentado
acima, não há base na Bíblia para sustentar esta posição.

A segunda posição é aquela sustentada pelos eruditos conservadores, seguindo a antiga tradição judaica e
cristã, que consideram os quatro reinos como “Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia (e suas divisões após a
morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C....) e Roma. Já os primeiros pais da igreja, em geral,
identificavam os reinos simbolizados na estátua desta forma.81 Estas identificações se tornam virtualmente
certas à luz de uma correlação dos dados do capítulo 2 com aqueles dos capítulos 7 e 8...”82 “Esta
interpretação encontrou ampla aceitação entre comentaristas antigos e recentes. É encontrada
consistentemente no Talmude (e.g., ‘Abod. Zar. 2b) e entre comentaristas judeus medievais como R.
Saadiah Gaon, R. Moshe ben Maimon, e R. Moshe ben Nachman. Esta tendência tem sido seguida, no
principal, dentro do judaísmo tradicional.”83 Considerando que Roma somente aparece na história de

78
Para uma análise da teoria de que a fonte (ou fontes) do esquema dos quatro impérios em Dn 2 deriva do
pensamento Grego e Persa, ver Gerhard F. Hasel, “The Four World Empires of Daniel 2 Against its Near Eastern
Environment”, Journal for the Study of the Old Testament 12 (1979): 17-30.
79
Yamauchi, “Hermeneutical Issues in the Book of Daniel”, 16.
80
“Tivesse sido um mero império Medo, a lei deveria ter sido ‘a lei dos Medos’ somente.” E. B. Pusey, Daniel The
Prophet: Nine Lectures delivered in the Divinity School of the University of Oxford with copious notes (Oxford:
James Parker & Co., 1868), 133.
81
Cf. Gerhard Pfandl, “Interpretations of the Kingdom of God in Daniel 2:44”, Andrews University Seminary
Studies, Vol. 34, No 2 (Autumn 1996): 268.
82
Kenneth L. Barker, “Premillenialism in the Book of Daniel”, em Richard L. Mayhue & Robert L. Thomas, eds.,
The Master’s Perspective on Biblical Prophecy, The Master’s Perspective Series, Vol. 1 (Grand Rapids, MI: Kregel
Publications, 2002), 211 [páginas totais 209-228]. Cf. Bruce K. Waltke, “The Date of the Book of Daniel”,
Bibliotheca Sacra V133 #532 (Oct 1976): 327-328 [319-329]; Hernandes D. Lopes, Daniel, 45-47.
83
Anderson, R. A. Signs and wonders: A commentary on the Book of Daniel. International theological commentary
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1984), 21.
Daniel 1 46

Israel no ano 63 a.C., é forçoso admitir que a profecia dos quatro reinos é uma predição real de eventos
futuros, destacando mais uma vez a soberania de Deus sobre os reinos deste mundo.

37 Tu, ó rei, rei de reis, a quem o Deus do céu conferiu o reino, o poder, a força e a glória;
38 a cujas mãos foram entregues os filhos dos homens, onde quer que eles habitem, e os animais do
campo e as aves do céu, para que dominasses sobre todos eles, tu és a cabeça de ouro.

37. Rei de reis. Este mesmo título é encontrado na inscrição do rei persa Ariaramnes, contemporâneo de
Nabucodonosor.

O Deus do céu conferiu. Em suas inscrições, Nabucodonosor atribui seu êxito como rei a seu deus Marduque; mas
Daniel, de forma cortês, corrige esse erro. Ele afirma que é o Deus dos céus quem concedeu esse poder a ele.

O reino. O território que Nabucodonosor governava tinha uma história longa e diversificada e estava sob domínio de
diferentes povos e reinos. Em Gênesis, a cidade de Babilônia fazia parte do reino fundado por Ninrode, o bisneto de
Noé (Gn 10:8-10). Existiram várias cidades-estados nos vales do Tigre e do Eufrates em época muito antiga. Mais
tarde, alguns povos foram reunidos e formaram reinos sumérios. Depois do primeiro período de dominação de
Sumer, surgiu o reino de Acade, com seus grandes reis semitas, Sargão e Naram-Sin. Porém, esses semitas foram
substituídos por diferentes nações, como os guti, elamitas e sumérios. Eles, por sua vez, tiveram que dar lugar aos
semitas que fundaram o antigo império babilônico, o qual floresceu na época dos últimos patriarcas. Esse império
amorreu, do qual Hamurábi foi o rei mais importante, chegou a incluir toda a Mesopotâmia e a se expandir até a
Síria, como o império acadiano de Sargão. Mais tarde, a Mesopotâmia foi tomada pelos hurritas e cassitas, e
Babilônia se tornou menos importante do que os poderosos impérios heteu e egípcio. Então, ao norte da
Mesopotâmia surgiu outra potência, o império assírio, que outra vez uniu a Mesopotâmia e a Ásia Ocidental ao
Mediterrâneo. Após um período de domínio assírio, Babilônia se tornou novamente independente sob o domínio
caldeu e voltou a assumir a liderança do mundo. Nabopolassar (626-605 a.C.) foi o fundador do chamado império
caldeu ou neobabilônico, que teve seu período áureo nos dias de Nabucodonosor (605-562 a.C.) e durou até a
conquista de Babilônia pelos medos e persas, em 539 (ver vol. 2, p. 77-79; vol. 3, p. 30-35).

38. Animais do campo. Ver Jr 27:6; 28:14 cf. Gn 1:26. Uma representação adequada do domínio babilônico na
época de Nabucodonosor. O modo como antigos reis incluíam o mundo animal em sua esfera de domínio é ilustrado
por uma declaração de Salmaneser III: "Ninurta e Palil, que amam meu sacerdócio, me deram todos os animais do
campo."

A seguinte passagem da chamada inscrição da "East India House" (Casa da Índia Oriental) é típica da evidência
arqueológica que confirma a descrição de Daniel sobre as conquistas de Nabucodonosor:

"Em seu [de Marduque] excelso serviço, percorri países distantes, montanhas remotas desde o mar Superior
[Mediterrâneo] até o mar Inferior [golfo Pérsico], sendas íngremes, caminhos obstruídos, por onde não se pode
passar, [onde] não há lugar para pôr o pé, [também] rotas não traçadas, [e] caminhos desérticos. Subjuguei o
desobediente; capturei os inimigos, estabeleci justiça na terra; exaltei o povo; bani para longe do meu povo os maus."

Tu és a cabeça. Nabucodonosor era a personificação do império neobabilônico. As conquistas militares e o


esplendor arquitetônico de Babilônia se deviam, em grande parte, a suas proezas.

De ouro. Usou-se ouro em abundância para embelezar Babilônia. Heródoto descreve com profusão de termos o
resplendor do ouro nos templos sagrados da cidade. A imagem do seu deus, seu trono, a mesa e o altar eram feitos de
ouro (Heródoto, i.l81, 183; iii.1-7). O profeta Jeremias compara Babilônia a uma taça de ouro (Jr 51:7). Plínio diz
que as vestes dos sacerdotes eram entrelaçadas com ouro.

Nabucodonosor se destacava entre os reis da Antiguidade. Ele deixou a seus sucessores um reino grande e próspero,
como se pode notar pela seguinte inscrição:

"[Desde] o mar Superior [até] o mar Inferior [uma linha destruída] [...] que Marduque, meu senhor, confiou a mim,
fiz [...] da cidade de Babilônia a principal entre todos os povos e todas as habitações humanas; seu nome [fiz ou
elevei] ao [mais digno] louvor entre as cidades sagradas. [...] Os santuários dos meus senhores Nebo e Marduque
(como um) sábio (governante) [...] sempre."
Daniel 1 47

"Nesse tempo, o Líbano (La-ab-na-a-nu),a montanha [de cedro], a frondosa floresta de Marduque, cujo cheiro é
doce, cujos altos cedros, [seus] pro[dutos], outro deus [ não desejou, que] outro rei não derru[bou] [.. .] meu nâbú
Marduque [tinha desejado] como enfeite adequado para o palácio do governante do céu e da terra, (esse Líbano)
sobre o qual um inimigo estrangeiro estava governando e roubando sua riquezas - seu povo foi espalhado, tinha
fugido para uma distante (região). (Confiando) no poder dos meus senhores Nebo e Marduque, organizei [meu
exército] para u[ma expedição] ao Líbano. Tornei feliz esse país ao erradicar seus inimigos de todas as partes
(literalmente, abaixo e acima). Todos seus habitantes espalhados conduzi de volta a seus lugares (literalmente, reuni
e reinstalei). O que nenhum rei anterior fez (eu consegui): cortei íngremes montanhas, parti rochas, abri passagens e
(assim) construí uma estrada reta para o (transporte de) cedros . Fiz com que o Arahtu flutu[asse] e levasse a
Marduque, meu rei, cedros poderosos, altos e fortes, de preciosa beleza e excelente qualidade, a produção abundante
do Líbano, como (se fossem) caules de canas (levados) pelo rio. Em Babilônia [armazenei] madeira de amoreira. Fiz
os habitantes do Líbano viverem em segurança juntos e não deixei que ninguém os perturbasse. A fim de que
ninguém [lhes] fizesse dano, erigi [ali] uma estela (mostrando) a mim (como) eterno rei" (Ancient Near Eastern
Texts, p. 307).

39a Depois de ti se levantará outro reino, inferior ao teu;

Outro reino, inferior. Como a prata é inferior ao ouro, o império medo persa seria inferior ao neobabilônico.

Alguns comentaristas explicam que o termo "inferior" significa "mais abaixo na imagem" ou "abaixo". A expressão
significa corretamente "para baixo", "para a terra", mas neste versículo, Daniel fala, não da posição relativa dos
metais, mas de nações. Ao se comparar os dois reinos, observa-se que embora o segundo incluísse mais território, foi
certamente inferior em luxo e magnificência. Os conquistadores medos e persas adotaram a cultura da complexa
civilização babilônica, pois a deles era bem menos desenvolvida.

Esse segundo reino da profecia de Daniel é chamado, às vezes, de império medo persa porque começou como uma
coligação da Média e da Pérsia. Ele incluía o mais antigo império medo e as novas aquisições do conquistador persa
Ciro. O segundo reino não pode ser o império medo apenas, como defendem alguns, para a Pérsia ser o terceiro. O
império medo era contempo râneo do neobabilônico, não seu sucessor. A Média foi conquistada por Ciro, o persa,
antes da queda de Babilônia. O fato de que, após a morte de Belsazar, Dario, o medo, "foi constituído rei sobre o
reino dos caldeus" (Dn 9:1) não significa que havia um império medo independente depois do babilônico e antes de
os persas assumirem o domínio (ver vol. 3, p. 33-41, 84-87). Dario, o medo, governou Babilônia com permissão do
verdadeiro conquistador, Ciro (ver Nota Adicional a Daniel 6), como já sabia Daniel. O profeta se refere repetidas
vezes à nação que conquistou Babilônia, a qual Dario representava, como os "medos e persas" (ver com. de Dn 5:28;
6:8, 28), e descreve esse duplo império em outros lugares pelo uso de um só animal (ver com. de Dn 8:3, 4).

A origem dos medos e persas não é clara, mas acredita-se que, por volta do ano 2000 a.C ., várias tribos arianas,
conduzidas pelos madai (medos) começaram a migrar do que é o atual sul da Rússia para o que, mais tarde, tornou-se
o norte da Pérsia, onde surgiram, pela primeira vez na história, no 9° século (ver com. de Gn 10:2; ver vol. 3, p. 35,
36). Entre esses arianos estavam também os persas, que se estabeleceram nas montanhas Zagros, na fronteira com
Elão, mais tarde, no 9° século a.C. Provavelmente por volta de 675 a.C., seu governante se estabeleceu como rei da
cidade de Ansan. Ali, ele e seus descendentes governaram em relativa obscuridade. No começo do 6° século, eles
eram vassalos do rei medo, e governavam um estado fronteiriço relativamente insignificante no grande império
medo, que se estendia desde a parte oriental da Ásia Menor pelo norte e leste do império babilônico (ver mapa na p.
448; ver vol. 3, p. 35, 36).

Em 553 ou 550 a.C., Ciro, que tinha se tornado rei da Pérsia como vassalo do império medo, derrotou Astíages, da
Média. Assim os outrora subordinados persas se tornaram o poder dominante no que havia sido o império medo.
Visto que eram o poder dominante desde o tempo de Ciro, os persas são mencionados como império persa. Mas o
antigo prestígio da Média refletiu-se na frase "medos e persas", aplicada aos conquistadores de Babilônia nos dias de
Daniel e mesmo depois (Et 1:19; etc.). A posição honrosa de Dario, o medo, após a conquista de Babilônia,
demonstra o respeito de Ciro para com os medos, mesmo quando ele próprio tinha realmente o poder (ver vol. 3, p.
36-38, 85, 86).

Anos antes, sob inspiração divina, o profeta Isaías descreveu a obra de Ciro (Is 45:1). Esse conquistador logo
derrotou as tribos vizinhas e governou desde Ararate, ao norte, até o sudeste de Babilônia e o golfo Pérsico, no sul.
Para completar seu império, ele derrotou o rico Creso, de Lídia, em 547 a.C., e tomou Babilônia por meio de uma
estratégia, em 539 a.C. (vervol. 3, p. 36-40). Ciro reconheceu que o Senhor tinha lhe dado todos esses reinos (2Cr
Daniel 1 48

36:23; Ed 1:2; sobre profecias a respeito desse império, ver com. de Dn 7:5; 8:3-7; 11:2).

39b e um terceiro reino, de bronze, o qual terá domínio sobre toda a terra.

Um terceiro reino. O sucessor do império medo-persa foi o império "grego" (mais propriamente macedônio ou
helenístico), de Alexandre e seus sucessores (ver Dn 8:20, 21).

A palavra hebraica para Grécia é Yawan (]avã), que é o nome de um dos filhos de Jafé. Javã é mencionado na
genealogia imediatamente depois de Madai, o progenitor dos medos (ver com. de Gn 10:2). Por volta da época em
que os israelitas estavam se estabelecendo em Canaã, essas tribos indoeuropeias, mais tarde chamadas de gregos,
estavam migrando em ondas sucessivas para a região do mar Egeu (a Grécia continental, as ilhas e costas ocidentais
da Ásia Menor), conquistando ou expulsando os habitantes mediterrâneos anteriores. Esses deslo camentos estavam
relacionados à migração dos povos do mar (que incluíam os filisteus) à costa oriental do Mediterrâneo (ver vol. 2, p.
l0, 16, 17). Os gregos jônicos se encontravam no Egito, na época de Psamético (663-610 a.C.), e em Babilônia,
durante o reinado de Nabucodonosor (605-562 a.C .), como confirmam registros escritos.

A Grécia estava dividida em pequenas cidades-estados com um idioma comum, mas com pouca ação unificada.
Quando se pensa na Grécia antiga visualiza-se principalmente a era áurea da civilização grega, sob a liderança de
Atenas, no 5° século a.C. Esse florescimento da cultura grega aconteceu após o período de maior esforço unido das
cidades-estados autônomas: a exitosa defesa da Grécia contra a Pérsia por volta da época da rainha Ester (sobre as
guerras persas, ver com. de Dn 11 :2; ver também vol. 3, p. 44-47).

"Grécia" (Dn 8:21) não se refere às cidades-estados autônomas da Grécia clássica, mas ao reino macedônico
posterior que conquistou a Pérsia. A Macedônia, uma nação consanguínea situada ao norte da Grécia propriamente
dita, conquistou as cidades gregas e as incorporou pela primeira vez a um estado forte e unificado. Alexandre o
Grande, depois de ter herdado de seu pai o recém-expandido reino grecomacedônico, se pôs em marcha para estender
o domínio macedônico e a cultura grega em direção ao Oriente, e venceu o império persa . A profecia representa o
reino da Grécia como vindo depois do da Pérsia, porque a Grécia nunca se uniu para formar um reino até a fundação
do império macedônico, que substituiu a Pérsia como o principal poder mundial daquela época (sobre profecias
paralelas, ver com. de Dn 7:6; 8:5-8, 21 , 22; 11:2-4).

O último rei do império persa foi Dario III (Codomano), que foi derrotado por Alexandre nas batalhas de Grânico
(334 a.C.), Isso (333 a.C.) e Arbela ou Gaugamela (331 a.C.; sobre o período de Alexandre e as monarquias
helenísticas, ver com. de Dn 7:6; ver também o artigo "O Período lntertestamentário", no vol. 5).

Bronze. Ver com. de 2Sm 8:8. Os soldados gregos se distinguiam por suas armaduras de bronze. Seus capacetes,
escudos e machadinhas eram feitos de bronze. Heródoto conta que Psamético, do Egito, viu nos piratas invasores
gregos o cumprimento de um oráculo que predisse "homens de bronze que vêm do mar" (Heródoto, i.l52, 154).

Terá domínio sobre toda a terra. A história registra que o poder de Alexandre se estendeu sobre a Macedônia,
Grécia e o império persa, incluiu o Egito e se expandiu pelo Oriente até a Índia. Foi o império mais extenso do
mundo antigo até aquela época. Seu domínio era "sobre toda a terra" no sentido de que nenhum poder na terra se
igualava a ele, e não porque incluísse todo o mundo, ou mesmo o mundo que se conhecia até então. Um "poder
mundial" pode ser definido como aquele que está acima de todos os demais, não necessariamente porque governe o
mundo todo. Declarações superlativas eram usadas comumente por governantes da Antiguidade. Ciro se
autodenominava "rei do mundo, [.. .] rei dos quatro cantos do mundo". Xerxes se autodenominava "o grande rei, o rei
dos reis, [...] o rei desse grande e vasto mundo".

40 O quarto reino será forte como ferro; pois o ferro a tudo quebra e esmiúça; como o ferro quebra todas
as coisas, assim ele fará em pedaços e esmiuçará.

O quarto reino. Esta não é a etapa posterior quando o império de Alexandre se dividiu, mas o império seguinte, que
conquistou o mundo macedônico. Daniel representa as monarquias helenísticas, as divisões do império de Alexandre,
por meio dos quatro chifres do bode que simboliza a Grécia (Dn 8:22), não por um animal separado (comparar com
as quatro cabeças do leopardo; ver com. de Dn 7:6).

Naturalmente, o reino que sucedeu as divisões do império macedônico de Alexandre foi o que Edward Gibbon
apropriadamente chamou de "monarquia de ferro" de Roma, embora não fosse uma monarquia no tempo em que se
tornou o principal poder do mundo. Roma foi fundada muito antes da data tradicional de 753 a.C., por tribos latinas
Daniel 1 49

que chegaram à Itália em ondas sucessivas por volta da época em que outras tribos indoeuropeias se estabeleceram
na Grécia. Desde cerca do 8° até o 5° século, a cidade-estado latina foi governada por reis etruscos vizinhos. A
civilização romana recebeu forte influência dos etruscos, que foram à Itália no 10° século, e principalmente dos
gregos, que chegaram dois séculos depois.

Em cerca de 500 a.C., o estado romano se tornou uma república e permaneceu assim por aproximadamente 500 anos.
Por volta de 265 a.C., toda a Itália estava sob controle romano. Por volta do ano 200 a.C., Roma saiu vitoriosa da
batalha com seu pode roso rival norte-africano Cartago (originalmente uma colônia feníci a). Desde então, Roma
dominou o mediterrâneo ocidental e se tornou mais poderosa do que qualquer um dos estados do Oriente, embora
ainda não os tivesse enfrentado. Daí em diante, Roma primeiro dominou e depois absorveu, um após outro, os três
reinos que restaram dos sucessores de Alexandre (ver com. de Dn 7:6) e, assim, tornou-se o poder mundial seguinte,
depois do império de Alexandre. Esse quarto império foi o que mais durou e o mais extenso dos quatro, sendo que,
no 2° século da era cristã, estendia-se desde a Grã-Bretanha até o Eufrates (sobre uma profecia paralela, ver com. de
Dn 7:7).

Esmiúça. Tudo o que foi possível reconstruir da história romana confirma essa descrição. Roma conquistou seu
território pela força ou pelo medo que inspirava seu poder armado. Em princípio, interveio em questões
internacionais numa luta por sua sobrevivência contra seu rival, Cartago, e se viu envolvida em guerra após guerra.
Depois, esmagando um oponente após outro, finalm ente, tornou-se um conquistador agressivo e invencível do
mundo mediterrâneo e da Europa Ocidental. No início da era cristã e pouco depois, o poder de ferro das legiões
romanas respaldava a Pax Romana (paz romana). Roma era o maior e mais forte império que o mundo havia
conhecido até então.

41 Quanto ao que viste dos pés e dos artelhos, em parte, de barro de oleiro e, em parte, de ferro, será
esse um reino dividido; contudo, haverá nele alguma coisa da firmeza do ferro, pois que viste o ferro
misturado com barro de lodo.
42 Como os artelhos dos pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de barro, assim, por uma parte, o
reino será forte e, por outra, será frágil.

41.
. Embora mencione os dedos dos pés, Daniel não chama atenção específica para seu número. Ele diz que o reino
seria dividido (ver T1 , 361). Muitos comentaristas defendem que os dedos dos pés, dos quais se presume que havia
dez, correspondem aos dez chifres do quarto animal do cap. 7 (ver com. de Dn 7:7).

Barro de lodo. Ver com. do v. 33. No 5° século d.C., Roma tinha perdido sua força e tenacidade de ferro, e seus
sucessores eram fracos, como a mistura de barro com ferro.

42. Por uma parte, o reino será forte. Esses reinos bárbaros diferiam grandemente em proeza militar, como declara
Edward Gibbon quando se refere às "poderosas monarquias dos francos e visigodos, e os reinos dependentes dos
suevos e burgúndios".

Frágil. Literalmente, "quebradiço".

43 Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão mediante casamento, mas
não se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro.

Misturar-se-ão com semente humana (ARC). Muitos comentaristas aplicam isso aos matrimônios entre membros
da realeza, embora o significado da declaração possa ser mais amplo (ver ARA). A palavra para humana é 'enash,
"humanidade". "Semente" significa descendentes. Portanto, pode também se tratar de uma indicação geral de
migrações de população, mas que mantêm fortes vínculos com o nacionalismo. A LXX têm muitas variações do
texto mas sorétíco. Os v. 42 e 43 dizem: "Os dedos dos pés certa parte de ferro e certa parte de barro, certa parte do
reino será forte e certa parte será quebrada. E como viste o ferro misturado com o barro, haverá mistura entre nações
[ou entre gerações] de homens, mas eles não concordarão [literalmente, 'não pensarão o mesmo'], nem serão
amigáveis uns com os outros, assim como é impossível misturar ferro com barro." A tradução que Teodócio faz de
Daniel, que praticamente suplantou a LXX, é mais parecida com o texto massorético; no entanto, mesmo essamostra
variações: "Os dedos dos pés certa parte de ferro e certa parte de barro, certa parte do reino será for te e desta [uma
parte] será quebrada. Porque viste o ferro misturado com o barro, haverá mistura na semente dos homens, e não se
fundirão este com aquele, assim como ferro não se mistura com barro."
Daniel 1 50

É difícil avaliar a autoridade da LXX; por isso é impossível saber até que ponto as traduções acima preservaram as
palavras originais de Daniel. Porém, os Papiros de Chester Beatty, na seção de Daniel que data do início do 3° século
d.C., contêm a versão LXX em vez da tradução de Teodócio.

Não se ligarão. A profecia de Daniel sobreviveu e sobreviverá à prova do tempo. Alguns poderes mundiais têm sido
fracos, outros fortes. O nacionalismo continua com vigor. Tentativas de unir em um grande império as diferentes
nações que surgiram do quarto poder fracassaram. Temporariamente, algumas partes se uniram , mas a união não se
provou pacífica ou permanente. Também têm havido muitas alianças políticas entre as nações. Estadistas visionários
procuram de diversas formas construir uma federação de nações que trabalhem com êxito, mas todas essas tentativas
têm sido frustradas .

A profecia não declara especificamente que não poderia haver uma união temporária de diferentes elementos, por
meio da força das armas ou dominação política. Porém, declara que as nações constituintes, caso se realizasse tal
união, não se fundiriam de forma orgânica e permaneceriam mutuamente receosas e hostis. Uma federação criada
sobre tal fundamento está destinada à ruína. O êxito temporário de algum ditador ou nação deve, portanto, não ser
rotulado como uma falha da profecia de Daniel. No final, Satanás conseguirá uma união temporária de todas as
nações (Ap 17:12-18; cf. Ap 16:14; GC, 624), mas esta será breve, e num curto período os elementos que a
compõem se voltarão um contra o outro (GC, 656; PE, 290).

44 Mas, nos dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais destruído; este reino
não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para
sempre,
45 como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o
bronze, o barro, a prata e o ouro. O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é o
sonho, e fiel, a sua interpretação.

44. Suscitará um reino. Muitos comentaristas têm tentado fazer deste detalhe da profecia uma previsão do primeiro
advento de Cristo e a conquista subsequente do mundo pelo evangelho. Este "reino", porém, não existiria ao mesmo
tempo em que qualquer um dos demais reinos; ele sucederia a fase ferro e barro, que ainda não tinha chegado quando
Cristo estava na Terra. O reino de Deus ainda estava no futuro, como afirmou claramente a Seus discípulos na última
Ceia (Mt 26:29). Será estabelecido quando Cristo vier no dia final para julgar os vivos e os mortos (2Tm 4:1; cf. Mt
25:31-34).

45. Pedra. Do aramaico 'eben, idêntico ao heb. 'eben, "uma só pedra", termo usado para se referir a lascas de pedras,
pedras para se atirar com fundas, pedras talhadas, vasilhas de pedra, pedras preciosas. A palavra "rocha", com
frequência usada em referência a Deus (Dt 32:4, 18; 1Sm 2:2; etc.), vem do heb. tsur, em vez de 'eben. Não se pode
afirmar que exista uma relação entre o símbolo de Daniel para o reino de Deus e a figura de uma rocha ou pedra
usada em outra Escritura. A interpretação oferecida por Daniel é suficiente para identificar o símbolo.

Sem auxílio de mãos. Esse reino tem origem sobre-humana. Será fundado pela poderosa mão de Deus, e não pelas
mãos engenhosas do ser humano.

O que é simbolizado pela rocha “cortada sem auxílio de mãos”?

R. O sonho de Nabucodonosor não finalizou com a estátua, mas sim com uma rocha, que atingiu a estátua
e se tornou um grande monte que encheu toda a terra (Dn 2:35). Nas Escrituras um monte é usado como
um símbolo para um reino. Por exemplo, Babilônia é comparada pelo profeta Jeremias a um “monte
destruidor” e que está para se tornar um “monte queimado” (Jer 51:25). Desta forma, simbolicamente, é
apresentado o destino deste mundo, que depende da ação de Deus, e não do homem.

Quatro características específicas são apresentadas sobre ela: (1) é cortada por Deus; (2) será indestrutível,
ou eterna; (3) sua soberania não passará a outro povo; e (4) colocará um fim a todos os reinos previamente
mencionados.
Daniel 1 51

Apesar do anteriormente dito, a interpretação da rocha mencionada em Daniel 2, entretanto, tem variado
no decorrer dos séculos. Um resumo das interpretações84 indica as seguintes posições: os pais da igreja
geralmente identificaram a pedra como uma referência à encarnação de Cristo e que a pedra atingindo a
estátua era um símbolo do segundo advento de Cristo. Durante o terceiro século alguns escritores
passaram a aplicar o reino da pedra à igreja.

Os eruditos histórico-críticos geralmente identificam o reino de pedra com o reino messiânico do AT, ou
seja, o domínio de Israel sobre as nações, supostamente a ser estabelecido após o reinado de Antíoco
Epifânio, mas que, de fato, nunca se materializou. Os preteristas interpretam a pedra como um símbolo da
igreja cristã, começando com o primeiro advento de Cristo. Esta é também a visão dos futuristas e alguns
historicistas.

A maioria dos historicistas hoje, e todos os dispensacionalistas, identificam a pedra como um símbolo para
o reino de Cristo, que será estabelecido por ocasião de Sua segunda vinda. Os argumentos para esta
posição são os seguintes: (1) a pedra atinge a estátua nos pés de ferro e barro (Dn 2:34), que simboliza os
reinos que se estabeleceram após o Império Romano. A pedra, portanto, não pode atingir a estátua durante
o tempo do Império Romano, quando Cristo nasceu; (2) a descrição da pedra atingindo a estátua e
quebrando-a em pedaços sugere um evento catastrófico, que abalaria o mundo, antes que um evento quase
despercebido pelo mundo, como foi o nascimento de Cristo, e o lento começo e relativamente lento
progresso da igreja cristã; e (3) o reino simbolizado pela pedra não existe simultaneamente com os
governos terrestres, pelo contrário, ele destrói a todos os reinos precedentes e ocupa o lugar deles.85

“O segundo capítulo de Daniel pode ser entendido como o alfabeto das declarações proféticas contidas no
livro... Temos aqui os quatro impérios sucessivos. O último deles está em uma condição dividida e
deteriorada, e então, em contraste com tudo o que precede, um reino cuja duração é eterna, estabelecido
pelo Deus do céu: a vinda do Senhor Jesus em juízo destruidor constituindo o ponto da virada que muda
toda a cena...”86

46 Então, o rei Nabucodonosor se inclinou, e se prostrou rosto em terra perante Daniel, e ordenou que
lhe fizessem oferta de manjares e suaves perfumes.

46. O rei [...] se inclinou. Do aramaico segad, palavra que normalmente parece indicar adoração verdadeira. Pela
ordem do texto original, o rei já estava prostrado com o rosto em terra; então deve significar mais que inclinar-se.
Segad é usado no cap. 3 para descrever a adoração à imagem de ouro exigida pelo rei, mas recusada pelos hebreus.
As palavras hebraicas para "oferta de manjares" e "suaves perfumes", combinadas com a palavra para "oferta",
também indicam claramente adoração. Não se diz se Daniel permitiu esses atos sem protestar. O registro diz apenas
que Nabucodonosor ordenou que se oferecessem a Daniel oferta de manjares e suaves perfumes, mas não diz que
isso foi realizado. Daniel pode ter, com tato, chamado atenção ao que ele já tinha afirmado, que a revelação viera do
Deus dos céus e que ele não a tinha recebido por ser superior em sabedoria (ver com. do v. 30).

Prostrou rosto em terra. Atitude de respeito e reverência. Tais expressões de respeito são observadas com
frequência no AT (Gn 17:3; 2Sm 9:6; 14:4).

À luz da recusa de Pedro à adoração de Cornélio (At 10:25, 26), da rejeição de Paulo e Barnabé da adoração dos
homens de Listra (At 14:11-18) e da reprovação do anjo a João quando este se prostrou a seus pés para adorá-lo (Ap
19: lO), é improvável que Daniel tenha permitido que o rei o adorasse. Outros imaginam que, tendo em vista que
Deus aceita a sinceridade da motivação quando as pessoas seguem a maior luz que têm, Daniel pode ter sido
induzido a não interferir na questão nesse momento. Muitos comentaristas seguem a sugestão de Jerônimo de que
Nabucodonosor não estava adorando Daniel, mas por meio de Daniel adorava o Deus deste. Também chamam
atenção para o registro de Josefo de como Alexandre, o Grande se ajoelhou diante do sumo sacerdote judeu , e
quando Parmênio, o general do rei, perguntou sobre o significado desse ato, Alexandre respondeu: "Eu não o adorei,
mas ao Deus que o honrou com Seu sumo sacerdócio" (Antiguidades, xi .8.5). Contudo, uma leitura atenta do

84
Baseado em Gerhard Pfandl, “Interpretations of the Kingdom of God in Daniel 2:44”, 249-268.
85
Ibid., 260-261.
86
S. P. Tregelles, Remarks on the prophetic visions, 19-20.
Daniel 1 52

segundo mandamento do decálogo desaprova todos esses atos.

Nabucodonosor ainda sabia pouco do verdadeiro Deus, e menos ainda de como adorá-Lo. Até então, seu
conhecimento de Deus estava limitado àquilo que tinha visto do caráter divino refletido na vida de Daniel e do que
Daniel tinha lhe falado de Deus. É possível que, de fato, Nabucodonosor, ao ver em Daniel o representante vivo de
Deus, cuja morada não é com os homens (v. l1), teve a intenção de que os atos de adoração dispostos a Daniel
fossem em honra ao Deus de Daniel. Com seu conhecimento limitado do Deus verdadeiro, Nabucodonosor, sem
dúvida, estava fazendo o melhor que sabia no momento para expressar sua gratidão e para honrar Aquele cuja
sabedoria e poder tinham sido demonstrados de forma tão impressionante.

Oferta de manjares. A palavra hebraica que corresponde à palavra aramaica usada aqui, em geral, denota oferta sem
derramamento de sangue (ver com. de Dn 9:21). Suaves perfumes. Isto é, incenso.

47 Disse o rei a Daniel: Certamente, o vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o
revelador de mistérios, pois pudeste revelar este mistério.

Vosso Deus é o Deus dos deuses. Ou, "vosso Deus é Deus de deuses". A expressão está no superlativo.
Nabucodonosor, que chamava seu principal deus, Marduque, de "senhor dos deuses", reconhece que o Deus de
Daniel é infinitamente superior a qualquer dos deuses babilônicos.

O Senhor dos reis. É evidente que Nabucodonosor sabia que esse era um título aplicado a Marduque, na história
babilônica da criação. O rei, ano a ano, recebia novamente seu reinado de Marduque no festival de ano novo. Além
disso, seu nome e ra inspirado em Nabu, o filho de Marduque, o escriba que escreveu as Tábuas do Destino.

Nabucodonosor era um homem de inteligência e sabedoria superiores, como revelam sua iniciativa de treinamento
profissional para oficiais da corte (Dn 1:3, 4) e sua habilidade de avaliar a "sabedoria e inteligência" (v. 18-20).
Embora fosse imperfeito o conceito de Nabucodonosor sobre o verdadeiro Deus, ele teve prova irrefutável de que o
Deus de Daniel era infinitamente mais sábio do que todos os sábios e deuses de Babilônia. Experiências posteriores
convenceriam o rei Nabucodonosor com respeito a outros atributos do Deus dos céus (ver com. de Dn 3:28, 29; 4:34,
37; ver também p. 826, 827).

48 Então, o rei engrandeceu a Daniel, e lhe deu muitos e grandes presentes, e o pôs por governador de
toda a província da Babilônia, como também o fez chefe supremo de todos os sábios da Babilônia.

Governador. Ou, "principal prefeito". Daniel não interpretou o sonho com o objetivo de obter qualquer recompensa
do rei. Seu único propósito era exaltar a Deus diante do rei e de todo o povo de Babilônia.

49 A pedido de Daniel, constituiu o rei a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego sobre os negócios da


província da Babilônia; Daniel, porém, permaneceu na corte do rei.

A pedido de Daniel. Daniel não se iludiu com as grandes honras que lhe foram conferidas. Ele se lembrou de seus
companheiros. Eles tinham compartilhado seus momentos de oração (v. 18), e também com partilhariam a
recompensa. Na corte do rei. Lugar onde se assentavam os reis do Oriente para julgar e onde se reuniam com os
conselheiros (ver com. de Gn 19:1).
Daniel 1 53

DANIEL 3
1. O rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro que tinha sessenta côvados de altura e
seis de largura; levantou-a no campo de Dura, na província da Babilônia.

1. Nabucodonosor. Não se dá nenhuma data para os acontecimentos deste capítulo. O nome do rei é a única
indicação de quando ocorreram. A LXX e a tradução grega de Teodócio datam os eventos no 18° ano de
Nabucodonosor. Alguns eruditos consideram isso como uma interpolação. Eles concluem que os tradutores
acreditavam que a imagem colossal foi erigida para marcar a conquista final de Jerusalém. No entanto, essa cidade
não foi destruída no 18° ano de Nabucodonosor, mas no 19° (2Rs 25:8-10). A data 580 a.C., sugerida por alguns,
deriva da cronologia de Ussher (ver vol. 1, p. 158, 175) e não tem base histórica adequada. Alguns comentaristas
colocam esta narrativa no período seguinte à loucura de Nabucodonosor descrita no cap. 4, mas essa posição é
infundada, como se demonstrará.

É certo que os eventos narrados neste capítulo ocorreram depois daqueles do cap. 2, porque Daniel 3:12 e 30 se
refere ao texto de 2:49. Além disso, uma comparação das declarações de louvor de Nabucodonosor (Dn 3:28, 29;
4:34-37) indica que a loucura do rei foi um evento posterior. A história secular não ajuda a datar este evento, visto
que registros da época não mencionam o incidente. Contudo, um almanaque da corte, escrito em 570/569 a.C., exclui
esse ano como possível data e torna improvável que o evento tivesse ocorrido havia pouco tempo. O almanaque dá
uma lista de todos os principais oficiais do governo que exerceram algum cargo naquele ano. Daniel e seus três
amigos não são mencionados. Visto que o evento descrito no cap. 3 resultou numa promoção dos três hebreus, e,
sendo improvável que tivessem sido removidos do ofício logo após a promoção, pelo menos os três, um tempo
considerável pode ter passado entre a experiência narrada no cap. 3 e a data do almanaque da corte.

A influência do sonho (Dn 2) sobre os eventos do cap. 3 (ver PR, 504, 505) implica que os eventos do cap. 3 não
podem ser datados na última parte do reinado de Nabucodonosor. Alguns sugerem a data 594/593, pela seguinte
razão: essa data coincide com o quarto ano de Zedequias, que nesse ano viajou a Babilônia (Jr 51:59). É possível que
a viagem tenha sido feita em resposta à convocação de Nabucodonosor a todos seus governadores e vassalos, "todos
os oficiais das províncias" (Dn 3:2), para estar em Babilônia para homenagear a imagem que o rei tinha erigido.
Como Zedequias era de caráter fraco e vacilante, dificilmente era de se esperar que tivesse zelo religioso como o que
impossibilitou Sadraque, Mesaque e Abede-Nego de obedecer à ordem do rei. Porém, datar o evento na época da
visita de Zedequias não passa de uma possibilidade (ver San, 27).

O porquê de não se mencionar Daniel na narrativa é uma pergunta sem resposta. Não é possível saber se ele estava
enfermo ou ausente, por causa de importante missão. Alguns conjecturam que, envergonhado por ter rejeitado a
mensagem do sonho, o rei teria feito arranjos para enviar Daniel para longe, a fim de tratar de questões importantes.
Porém, há certeza de que, se fosse provado, Daniel teria se mantido tão leal quanto seus companheiros.

Imagem de ouro. A imagem do cap. 2 representava o reino de Nabucodonosor com a cabeça de ouro (v. 38). Não
satisfeito com esse símbolo, o rei idealizou uma imagem feita de ouro da cabeça aos pés, por meio da qual desejava
simbolizar a glória perpétua e universal de seu império, e um reino que não seria sucedido por nenhum outro.

Qual o significado do metal usado para a construção da estátua?

R. O texto bíblico informa que “o rei Nabucodonosor fez uma imagem de ouro que tinha sessenta
côvados de altura e seis de largura” (Dn 3:1). As medidas da estátua apontam para uma obra com 27
metros de altura e 2.70 de largura (proporção 10 x 1). Apenas para efeito de comparação, o Colosso de
Rodes media 31,5 metros de altura. Portanto, a tecnologia para se construir algo assim já se encontrava
disponível. Provavelmente também havia um pedestal sobre o qual estava situada a estátua, o que
diminuiria o seu tamanho talvez pela metade.

Antes de responder à pergunta, entretanto, é oportuna uma observação acerca da composição da estátua. O
fato de se afirmar que a estátua era “de ouro” poderia levar alguém a concluir que a mesma era feita de
ouro puro. Como disse um escritor, “todo o ouro e prata capturado pelos babilônios em Jerusalém foi
Daniel 1 54

necessário para dar à estátua sua estabilidade”.87 Entretanto, esta não deve ser necessariamente a
conclusão. Pela dimensão da estátua e as propriedades físicas do ouro, é altamente improvável que fosse
fabricada de puro ouro, embora Heródoto (1.183) descreva uma estátua de Bel feita de 800 talentos (22
toneladas) de ouro.88 Sugere-se que a estátua era feita de algum material (que pode ser madeira ou tijolos)
e depois recoberta de ouro (ver Is 40:19; também o mobiliário do santuário, feitos de madeira e recobertos
de ouro).89 Para todos os efeitos práticos, porém, quem a contemplasse teria a nítida impressão de que era
feita totalmente de ouro, e alcançaria o objetivo de Nabucodonosor.

O episódio envolvendo a estátua de ouro relembra a narrativa do capítulo 2, do sonho da estátua composta
de diferentes metais. Esta conexão entre os capítulos 2 e 3 foi reconhecida por antigos exegetas, como
Hipólito de Roma, na primeira metade do século terceiro.90 Como visto anteriormente, o sonho do capítulo
2 causou uma “profunda impressão”91 na mente do rei. Como sugerido por Calvino, foram os
“conselheiros” do rei que o incitaram e “elaboraram o plano... para a construção da estátua.”92 Esta
“suposição provável”93 é corroborada por Ellen White, quem afirma que “os sábios do seu reino, tirando
vantagem” da impressão causada pelo sonho, e também pelo “retorno à idolatria”, “propuseram-lhe que
fizesse uma imagem semelhante àquela vista em sonho, e a erguessem em lugar onde todos pudessem
contemplar a cabeça de ouro, que tinha sido interpretada como representando o seu reino.”94

No sonho da estátua Nabucodonosor foi representado apenas pela cabeça de ouro. Mas Nabucodonosor
parecia não estar satisfeito em ser apenas uma cabeça de ouro. Seguindo a sugestão de seus conselheiros,

“em lugar de reproduzir a imagem como a tinha visto, ele excederia o original. Sua imagem não
seria desigual em valor da cabeça aos pés, mas seria inteiramente de ouro, símbolo que
representaria Babilônia como um reino eterno, indestrutível, todo-poderoso, que haveria de
quebrar em pedaços todos os outros reinos, permanecendo para sempre.”95

O contraste com a estátua do sonho do capítulo 2 é evidente, não apenas com respeito ao material que
constituía a ambas as estátuas, mas também pela ausência do barro na estátua levantada na planície de
Dura. Em lugar do barro, havia um sólido pedestal, sobre o qual repousava a estátua. O simbolismo
envolvido é evidente: com tal fundamento, a estátua não seria destruída pela “pedra” (Dn 2:34, 45), pois
não haveria um ponto fraco nesta obra. Além disso, enquanto no capítulo 2 o reino eterno seria
estabelecido por Deus (“o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais destruído... subsistirá para
sempre” – Dn 2:44), no capítulo 3 repete-se a informação de que a estátua ali presente era obra do rei
Nabucodonosor.

O relato torna evidente que “havia definitivamente um elemento de orgulho em todo este
empreendimento. Daniel tinha deixado claro que nenhum império permaneceria, incluindo o do grande
Nabucodonosor. O coração do rei estava cheio de orgulho por causa de suas conquistas, mas junto com o

87
Ginzberg, 4:328.
88
Citado por Goldingay, Daniel, 69.
89
Ibid.; William R. A. Boyle, The Inspiration of the Book of Daniel and Other Portions of Holy Scripture with a
Correction of Profane and An Adjustment of Sacred Chronology (London: Rivingtons, Waterloo Place, 1863), 75;
Wiersbe, 38; Otto Zöckler, The Book of the Prophet Daniel: Theologically and Homiletically Expounded. Traduzido,
ampliado e editado por James Strong (New York: Charles Scribner’s Sons, 1876). Comentário sobre o capítulo 3:1,
2.
90
Citado por Paul-Alain Beaulieu, “The Babylonian Background of the Motif of the Fiery Furnace in Daniel 3”,
Journal of Biblical Literature 128, no 2 (2009): 276.
91
E. G. White, Profetas e reis, 504.
92
Calvino, 197.
93
Ibid.
94
E. G. White, Profetas e reis, 504.
95
White, Profetas e reis, 504.
Daniel 1 55

orgulho estava também o temor e preocupação por si mesmo e seu vasto reino. Ele queria se assegurar de
que seu povo fosse leal a ele e que não haveria rebeliões”.96

Outro aspecto que não deve ser passado por alto é que a construção da estátua completamente de ouro
aponta para a unidade do império – sob a tutela da religião. Todos os povos estavam ali representados para
se curvarem e adorarem – em Babilônia – a porta do céu – o caminho alternativo. No livro do Apocalipse
somos informados de que os moradores da terra se curvam diante da Babilônia mística do tempo do fim.
Tanto no caso da Babilônia histórica como da Babilônia mística, a unidade é promovida pela religião de
Babilônia.

OBS: Como temos lidado com as mensagens celestiais? Procuramos ajustá-las a nossas
conveniências/preferências pessoais? Procuramos reescrevê-las? Estamos tentando adaptar nossa vida às
mensagens de Deus ou fazendo justamente o oposto, adaptando a mensagem de Deus à nossa vida?

Levantou-a. A mesma palavra usada em Daniel 2:44 para descrever o estabelecimento do reino de Deus aparece
como uma palavra-chave no capítulo 3, onde é usada 8 vezes (vv. 1, 2, 3, 5, 7, 12, 14, 18) para descrever a edificação
da estátua. O significado é óbvio: o reino de Nabucodonosor substitui o reino de Deus.

A história apresenta uma tentativa do rei de impedir o estabelecimento do reino de Deus. O projeto desafiador de
Nabucodonosor assemelha-se à tentativa realizada pelos construtores da torre de Babel, na planície de Sinear, que
também desafiaram o plano de Deus. Ambas as histórias ocorreram em uma “planície”, e ambas findaram em um
fiasco.

A quem representava a estátua? São duas as possibilidades: (1) poderia representar a um homem, neste caso, o
próprio rei Nabucodonosor, posição mantida por alguns intérpretes; e (2) poderia ser a representação de um deus,
neste caso Marduk, o deus principal de Babilônia. Esta é a posição assumida por, entre outros, William H. Shea, 97
que argumenta que a teologia babilônica considerava um pecado para o rei pretender a divindade, e que tal pretensão
resultaria numa punição infligida pelos deuses. Z. Stefanovic98 apresenta as seguintes razões: (a) considerando que o
rei estava fisicamente presente na cerimônia, não faria sentido exigir dos súditos inclinar-se diante da estátua e não
diretamente à própria pessoa do rei; (b) o conceito de adoração a um rei não é encontrado nas histórias registradas no
livro de Daniel; e (c) na Mesopotâmia, exceto em uns poucos casos, os reis eram considerados os pastores de seu
povo a serviço dos deuses.

Sessenta côvados de altura. As medidas da imagem testemunham do uso do sistema sexagesimal (um sistema
baseado no número 60) em Babilônia, uso confirmado também por fontes cuneiformes. O sistema sexagesimal de
cálculo foi uma invenção dos babilônios. Esse sistema tem algumas vantagens sobre o decimal. Por exemplo, 60 é
divisível por 12 fatores, ao passo que 100 é divisível por apenas nove fatores. O sistema ainda é usado para algumas
medidas, como segundos, minutos, horas , dúzias. Portanto, era natural que os babilônios construíssem essa imagem
de acordo com medidas do sistema sexagesimal. A menção deste detalhe confere um verdadeiro tom babilônico à
narrativa.

Críticos apontam as proporções da imagem, 60 x 6 côvados, cerca de 27 x 3 m, como evidência do caráter lendário
da história, porque as proporções da figura humana são inferiores a 5 x I. No entanto, não se sabe a aparência da
imagem. É bem possível que a parte da imagem em si medisse menos que a metade da altura total e ficasse num
pedestal de 30 côvados de altura ou mais, de forma que toda a estrutura, pedestal e imagem, tivesse 60 côvados de
altura. A Estátua da Liberdade, em Nova York, tem uma altura total de 92 m , e metade disso é o pedestal; a imagem
tem 46 m dos pés ao topo da cabeça. J. A. Montgomery observa que a palavra aramaica tselem, traduzida como
"imagem", é usada numa inscrição aramaica do 7° século encontrada em Nerab, próximo a Alepo, para descrever
uma estela que está esculpida parcialmente. Apenas a parte superior está decorada com o relevo do busto de um
corpo humano. Portanto, tselen, "imagem", não se limita à descrição de uma figura humana ou outra representação,
mas pode incluir também o pedestal.

96
W. W. Wiersbe, Be resolute (Colorado Springs, Colo.: Victor, 2000), 38.
97
Shea, Daniel 1-7, p. ?
98
Zdravko Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise: Commentary on the Book of Daniel (Nampa, Idaho: Pacific
Press, 2007),122.
Daniel 1 56

Na história, há paralelos dessa enorme imagem. Pausânias (geógrafo grego, c. 115-180 d.C.) descreve o Apolo
Amicleano, uma coluna estreita, com cabeça, braços e pés na forma humana. Os Colossos de Memnon, da antiga
Tebas, no alto Egito, foram construídos de pedra e eram representações do rei Amenhotep III. As ruínas ainda
permanecem, com cerca de 20m de altura. O melhor paralelo antigo talvez seja o Colosso de Rodes que representa o
deus Hélios. Foi construído do material de guerra deixado para trás quando Demétrio Poliorcetes levantou seu inútil
cerco da ilha em 305-304 a.C. O Colosso levou 12 anos para ser construído. Era feito de folhas de metal que cobriam
uma estrutura, e chegava à altura de 70 côvados, l0 côvados a mais que a imagem de Nabucodonosor. Por volta de
225 a.C., um terremoto demoliu o Colosso. Ele ficou em ruínas por aproximadamente 900 anos, até que os
sarracenos o venderam como sucata.

No campo de Dura. O nome desta planície sobrevive no nome de um afluente do Eufrates, chamado Nahr Düra, que
desemboca no Eufrates oito quilômetros abaixo de Hilla. Alguns montes vizinhos também levam o nome de Dura.
Segundo tradição corrente entre os habitantes do atual Iraque, os eventos descritos em Daniel 3 aconteceram em
Kirkuk, que hoje é o centro dos campos de petróleo iraquianos. A tradição pode ter se originado porque antes havia
gases de ignição que escapavam de fissuras no solo em vários lugares nessa região, e também porque havia ali
grande quantidade de material combustível como petróleo e asfalto. A tradição, é claro, deve ser rejeitada. O
incidente ocorreu próximo a Babilônia. Dura fica "na província da Babilônia".

Dur é a palavra babilônica para “muro”. O significado, então, é “planície do muro”. Que muro? Os muros da própria
cidade de Babilônia: os muros da antiga cidade, ou cidade interior, e a nova, obra de expansão realizada por
Nabucodonosor.

2. Então, o rei Nabucodonosor mandou ajuntar os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os


tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias, para que viessem à
consagração da imagem que o rei Nabucodonosor tinha levantado.

Mandou ajuntar. Provavelmente, uma reunião para reafirmar a autoridade de Nabucodonosor, face aos
eventos de rebelião anteriormente descritos. Neste caso, a estátua foi erigida e dedicada para fortalecer a
unidade do império, exigindo de todos os principais líderes um juramento de lealdade. Observe que
somente pessoas de posição foram convocadas, ficando de fora os cidadãos comuns do império.

Deve ser observado cuidadosamente que encontramos neste relato um vínculo muito estreito entre o
Estado e a religião. Esta foi uma tentativa de “unificar o culto religioso de seu vasto império”.99
Percebemos assim o uso da religião para conseguir a unidade do império. Nas palavras de um intérprete,
“Nabucodonosor planejou unificar seu império por meio da religião e do temor”.100

Sátrapas. O termo aramaico 'achashdarpan, "príncipe" ou "sátrapa", era antigamente considerado de origem persa.
Essa opinião foi abandonada, pois fontes cuneiformes mostram que na form a satarpanu a palavra era usada desde a
época de Sargão II (722-705 a.C.). A origem deve ser hurrita. É evidente que os persas importaram esse título oficial
do Ocidente. Portanto, o uso do título na época de Nabucodonosor não está fora de lugar (ver mais sobre isso no
com. de Et 3:12).

No período dos persas, o título designava oficiais que regiam satrapias, as maiores divisões do império.

Prefeitos. A palavra aramaica segan pode ser traduzida como "prefeitos" ou "governadores". Ela vem do acadiano
shaknu, que tem o mesmo significado. Esses oficiais administravam as províncias, seções nas quais as satrapias
estavam divididas.

Governadores. Do aramaico pechah, um sinônimo de signin (ver com. anterior sobre "prefeitos").

Juízes. A palavra aramaica 'adargazar,"juízes", é encontrada apenas na forma persa do período médio andarzaghar,
que significa "conselheiro". O fato de não ter sido atestada em textos anteriores não prova que não existia antes do
período persa, porque praticamente toda descoberta de uma nova inscrição revela que palavras antes desconhecidas
existiam havia tempo.

99
A. C. Gaebelein, The Prophet Daniel: A Key to the visions and Prophecies of the book of Daniel (New York:
Publication Office “Our Hope”, 1911), 42.
100
W. W. Wiersbe, Be resolute (Colorado Springs, Colo.: Victor, 2000), 38.
Daniel 1 57

Tesoureiros. Ainda não se determinou a origem da palavra aramaica gedavar.

Magistrados. A palavra aramaica dethavar, literalmente, significa "legislador", por tanto, "juiz". Ela se encontra em.
fontes cuneiformes na forma cognata datavari.

Conselheiros. Do aramaico tiftay, "xerife" ou "policial". A palavra é encontrada na mesma forma e com o mesmo
significado no papiro aramaico de Elefantina (sobre esses papiros, ver vol. 3, p. 65-71).

Oficiais. O aramaico shilton, "governador", do qual deriva o título su ltão. O termo designa todos os oficiais
subalternos de importância.

Consagração da imagem. A dedicação era uma cerimônia religiosa, para consagrar a estátua como um objeto
sagrado. É uma hanukkah (vv. 2 e 3). A Bíblia usa a palavra em relação ao altar ou ao Templo. Aqui estava
envolvida uma substituição. Sendo a imagem sagrada um ídolo, uma representação de Marduk, o prostrar-se diante
da imagem significava render culto ao deus de Babilônia em detrimento do culto de Jeová. 101

3 Então, se ajuntaram os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os tesoureiros, os


magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias, para a consagração da imagem que o rei
Nabucodonosor tinha levantado; e estavam em pé diante da imagem que Nabucodonosor tinha
levantado.

Então, se ajuntaram os sátrapas. A repetição de todos os títulos, característica da retórica semita, como a lista
subsequente dos instrumentos musicais (v. 5, 7, 10, 15), não se encontra na LXX, possivelmente por que tais
repetições não eram bem vistas na época. Porém, a tradução grega posterior de Teodócio preserva a repetição.

4 Nisto, o arauto apregoava em alta voz: Ordena-se a vós outros, ó povos, nações e homens de
todas as línguas:

Arauto. Do aramaico karoz, em geral considerada de origem grega (cf. o gr. kerux). Há algum tempo, críticos
usavam esta palavra como prova para a origem posterior do livro de Daniel. Porém, H. H. Schaeder demonstrou que
a palavra é de origem iraniana (Iranische Beiträge I [Hale, 1930], p. 56).

5 no momento em que ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de
foles e de toda sorte de música, vos prostrareis e adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor
levantou.

Trombeta. Sobre os instrumentos musicais hebreus, ver vol. 3, p. 14-27. Neste caso, contudo, descreve-se uma
orquestra babilônica, na qual vários instrumentos diferem daqueles usados entre os antigos hebreus.

Pífaro. Do aramaico mashroqi, que designa a flauta, assim como a mesma palavra em siríaco e mandeano.

Harpa. Do aramaico qithros. Em geral, considera-se que qithros provém do grego kitharis ou kithara, "cítara".
Inscrições antigas não têm provido evidência de derivação acadiana ou iraniana. No entanto, não seria estranho
encontrar empréstimos de palavras gregas num livro escrito em Babilônia. Sabe-se a partir de textos cuneiformes, da
época de Nabucodonosor, que jônios e lídios estavam entre os muitos estrangeiros que trabalhavam nas construções.
Esses carpinteiros e artesãos podem ter compartilhado com os babilônios alguns instrumentos musicais antes
desconhecidos ali. Seria natural que, com sua aceitação pelos babilônios, os nomes gregos desses instrumentos
fossem adotados. Dessa forma, pode-se explicar facilmente a existência de nomes gregos para alguns instrumentos
musicais.

Sambuca (ARC). Uma transliteração equivocada do aramaico sabeka' (nos v. 7, 10, 15, sabeka'), provavelmente
pela semelhança de sons. A palavra em português denota uma versão antiga do trombone. O sabeka' ("cítara", ARA)
era um instrumento triangular de quatro cordas e um tom. Embora o nome apareça em grego como sambuke e em
latim como sambuca, não tem origem ocidental, como demonstrou Lidzbarski. Os gregos e romanos adotaram o
nome dos fenícios, junto com os instrumentos musicais, fato confirmado também por Estrabão, que diz que a palavra
é de origem "bárbara" (Geografia, x.3.l7).
101
Ver, Z. Stefanovic, 123.
Daniel 1 58

Saltério. Do aramaico pesanterin. A palavra "saltério" deriva do grego por meio do latim. O psalterion era um
instrumento de corda triangular, com o diapasão acima das cordas.

Gaita de foles. Do aramaico sumponeyah. A palavra ocorre no grego (sumphonia) como um termo musical e como
nome de um instrumento, uma gaita de foles. A primeira referência a este instrumento na literatura fora de Daniel
encontra-se em Políbio (xxv i.l0; xxxi.4), que descreve a sumphonia como um instrumento que figurava em anedotas
do rei Antíoco IV. Porém, o instrumento é representado num relevo heteu de Eyuk, uma cidade cerca de 30 km ao
norte de Boghazkoi, na Anatólia central , de meados do 2° milênio a.C . O relevo parece indicar que, como em
épocas posteriores, a gaita de foles era feita de pele de cachorro.

Música. A música constituía uma parte importante do culto israelita e também de outros povos do antigo Oriente
próximo (1 Cro 25 – Davi compôs música para a adoração de Deus). Música adiciona pompa e grandeza à cerimônia,
além de produzir o suspense que a ocasião requeria. O papel primário da música neste contexto é produzir a ilusão
do sentimento religioso. Este fenômeno está presente até mesmo em comunidades religiosas. A música propicia um
estado de êxtase, onde os crentes gritam, numa manifestação de entusiasmo delirante. Aqui a reflexão não é
necessária. Mas o episódio da planície de Dura adverte-nos contra uma religião calcada simplesmente nas emoções
dos adoradores. Sem dúvida, se se considera a grandeza da imagem, brilhando sob o sol do Oriente, a quantidade de
pessoas reunidas no lugar, e uma orquestra executando a trilha sonora ao vivo, compreende-se que tudo foi
arquitetado para conduzir as pessoas a uma decisão favorável aos planos do rei. Mas a religião aqui descrita não é o
resultado de reflexão, de escolha, nem uma expressão de fé ou de uma profunda experiência espiritual. Aqui, a
adoração é o resultado da imposição. Os joelhos se dobram, mas o coração está distante.

Adorareis a imagem de ouro. Até aqui, a narrativa não menciona que se exigiria adoração da imagem. O convite
enviado a todos os oficiais do reino de Nabucodonosor para se reunirem na planície de Dura, segundo o registro, fala
apenas da dedicação da imagem (v. 2), embora os povos da época, acostumados a práticas idólatras, podem não ter
tido dúvida quanto à razão pela qual fora erigida a imagem. Prestar homenagem à imagem daria prova de sujeição ao
poder do rei, mas, ao mesmo tempo, mostraria o reconhecimento de que os deuses de Babilônia, ou os deuses do
império, eram superiores a todos os deuses locais. Prostrar e adorar descreve um ato religioso.

6 Qualquer que se não prostrar e não a adorar será, no mesmo instante, lançado na fornalha de fogo
ardente.
7 Portanto, quando todos os povos ouviram o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério
e de toda sorte de música, se prostraram os povos, nações e homens de todas as línguas e adoraram a
imagem de ouro que o rei Nabucodonosor tinha levantado.

6. Qualquer que se não prostrar. O rei e seus conselheiros, que aparentemente esperavam que alguns não
obedecessem à ordem, ameaçaram com a punição mais cruel todo aquele que se recusasse a se prostrar. Além dos
judeus, cujas convicções religiosas os proibiam de se ajoelhar diante de imagens (Êx 20:5), os povos antigos não
tinham objeção quanto a adorar ídolos. Portanto, a recusa de se ajoelhar diante da imagem de Nabucodonosor seria
considerada como prova de hostilidade para com o rei e seu governo. Não se sabe se o rei previa a difícil situação em
que colocaria seus leais servos judeus. Pode ser que tenha enviado Daniel para longe a fim de poupá-lo da situação
(ver com. do v. 1). Por seus contatos com Daniel, o rei deve ter sabido que um judeu fiel se recusaria a adorar a
imagem, e que tal recusa não poderia ser interpretada como sinal de deslealdade.

Fornalha de fogo ardente. Embora não haja muitos exemplos antigos deste tipo de pena de morte, alguns são
confirmados. Um vem do 2° milênio a.C., no qual servos recebem esta punição. É digno de nota que a mesma
palavra que Daniel usou para fornalha ('attun) também se encontra em textos babilônicos cuneiformes (utûnum). O
segundo exemplo vem do genro de Nabucodonosor, Nergal-sharusur. Numa de suas inscrições, ele diz ter "queimado
até a morte adversários e desobedientes" (comparar com Jr 29:22).

Assumindo que a cerimônia se realizava entre os muros exterior e interior de Babilônia, que a cidade era um grande
canteiro de obras, que não se utilizavam pedras nas construções, e sim tijolos, conclui-se que as fornalhas onde se
queimavam os tijolos eram encontradas em toda aquela área. É provável que a fornalha ardente fosse um forno para
queimar tijolos. Visto que todos os edifícios eram construídos de tijolos, muitos, de tijolos queimados, esses fornos
eram abundantes nos arredores da antiga Babilônia. Escavações mostram que antigos fornos de tijolos eram
semelhantes aos atuais, que se encontram naquela área em grande número. Esses fornos são estruturas simples em
forma de cone, construídas de tijolos. No seu interior são colocados os tijolos para serem queimados. Uma abertura
de um lado do muro permite que o combustível seja jogado no interior. O combustível consiste de uma mistura de
Daniel 1 59

óleo cru e palha. Assim se produz um enorme calor, e pela abertura o observador pode ver os tijolos queimados.
Tipicamente, uma fornalha tinha duas aberturas: uma no alto e outra no lado (v. 26).

Enquanto o arauto anunciava o decreto real, as chamas da fornalha estavam à vista da multidão. O terror de sua
presença produziu o resultado esperado: todos se prostraram. Todos?

8 Ora, no mesmo instante, se chegaram alguns homens caldeus e acusaram os judeus;

8. Alguns homens caldeus. Obviamente, membros da casta de magos-cientistas e astrólogos-astrônomos e não


membros da nação caldeia, em contraste com cidadãos da nação judaica (ver com. de Dn 1:4). Não se tratava tanto
de antagonismo racial ou nacional, mas de inveja e ciúmes profissional. Os acusadores eram membros da mesma
casta à qual pertenciam os três judeus.

Acusaram. Do aramaico 'akalu qartsehon, uma expressão pitoresca, traduzida de forma prosaica como "acusaram".
Uma tradução literal seria: "eles comeram os pedaços de"; e daí, figurativamente, "caluniaram" ou "acusaram". A
expressão aramaica, de significado similar, também se encontra em acadiano, ugarítico e outros idiomas semíticos.

Contrastar com a atitude de Daniel no capítulo 2, responsável por suspender a sentença de morte sobre todos os
sábios do reino. A retribuição foi no sentido oposto: enquanto a vida deles foi preservada, agora acusavam aos
amigos de Daniel, sabendo que o resultado seria a fornalha de fogo, o que, desde a perspectiva humana, só teria um
desfecho – a morte.

9 disseram ao rei Nabucodonosor: Ó rei, vive eternamente!


10 Tu, ó rei, baixaste um decreto pelo qual todo homem que ouvisse o som da trombeta, do pífaro, da
harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles e de toda sorte de música se prostraria e adoraria a
imagem de ouro;
11 e qualquer que não se prostrasse e não adorasse seria lançado na fornalha de fogo ardente.
12 Há uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província da Babilônia: Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego; estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti, a teus deuses não servem, nem
adoram a imagem de ouro que levantaste.
13 Então, Nabucodonosor, irado e furioso, mandou chamar Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. E
trouxeram a estes homens perante o rei.

9. Ó rei, vive eternamente! Ver com. de Dn 2:4.

12. Tu constituíste. Uma clara referência à promoção registrada no final do capítulo anterior (Dn 2:49). A menção
do elevado cargo desses judeus tinha o propósito de enfatizar o perigo resultante da desobediência desses homens e
também de chamar atenção para a seriedade de sua ingratidão para com seu benfeitor. Por outro lado, o fato de os
caldeus darem importância à posição oficial a qual esses judeus tinham sido promovidos pelo rei sugere que a
denúncia foi motivada por ciúmes. Suas palavras também continham insinuações ocultas contra o rei, e o acusavam
de falta de visão política ao indicar para um alto cargo administrativo prisioneiros de guerra estrangeiros de quem,
naturalmente, não se poderia esperar lealdade para com o rei de Babilônia e seus deuses. O rei deveria ter previsto
isso, insinuavam.

14 Falou Nabucodonosor e lhes disse: É verdade, ó Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que vós não
servis a meus deuses, nem adorais a imagem de ouro que levantei?

14. Nem adorais [...]? A pergunta introdutória de Nabucodonosor se baseou na primeira parte da acusação dos
caldeus. Certamente todos sabiam que esses oficiais judeus não adorava m os ídolos babilônicos. Mas, uma vez que o
próprio rei reconhecera o Deus que serviam como "o Deus dos deuses, e o Senhor dos reis" (Dn 2:47), não havia até
então nenhuma razão válida para acusar esses homens de atos subversivos. Porém, uma ordem direta havia sido
negligenciada, e mesmo desprezada, e a nítida recusa de cumprir a ordem real de adorar a imagem, provavelmente,
foi interpretada como se a tolerância do rei para com esses subversores os estivesse levando à desobediência e
rebelião. Isso explicaria o ódio e a fúria de Nabucodonosor.

15 Agora, pois, estai dispostos e, quando ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do
saltério, da gaita de foles, prostrai-vos e adorai a imagem que fiz; porém, se não a adorardes, sereis, no
Daniel 1 60

mesmo instante, lançados na fornalha de fogo ardente. E quem é o deus que vos poderá livrar das
minhas mãos?

Quem é o deus[...]? Esta pergunta não deve ser considerada uma blasfêmia direta contra Deus. No entanto, era um
desafio dirigido a Yahweh com espírito insolente e um altivo senso de superioridade. Alguns comparam estas
palavras com as ditas pelo rei assírio Senaqueribe: "Não te engane o teu Deus, em quem confias" (Is 37: 10). No
entanto, o caso de Nabucodonosor era diferente. Senaqueribe elevou seu deus acima de Yahweh, o Deus dos judeus.
Nabucodonosor declarou que o livramento da fornalha ardente era algo que nenhum deus poderia dar. Ao afirmar
isso, ele comparou indiretamente o Deus dos judeus aos seus deuses, cuja impotência nesses casos conhecia bem.

16 Responderam Sadraque, Mesaque e Abede-Nego ao rei: Ó Nabucodonosor, quanto a isto não


necessitamos de te responder.

Não necessitamos. Do aramaico chashach, "ter necessidade de". Alguns interpretam esta resposta como bastante
arrogante, e apontam a semelhança da reação de alguns mártires para com seus perseguidores. Contudo, J. A.
Montgomery mostrou que o termo "responder" deve ser interpretado num sentido legal. Em idiomas semelhantes e
em outros diferentes se encontram analogias que mostram que o sentido é "apresentar uma defesa" ou "apologia".
Visto que os acusados não negaram a verdade da acusação, não sentiram necessidade de se defender. O caso deles
estava nas mãos de Deus (ver v. 17), e deram sua resposta como completa submissão à Sua vontade, qualquer que
fosse o resultado da prova. Pode-se notar, pela declaração final, que eles não tinham certeza de que sairiam vivos
daquela experiência (v. 18). Se tivessem certeza do Iivramento, sua resposta poderia ser interpretada como
arrogância espiritual. Nesse caso, a atitude mostrou a firme convicção de que seu proceder era o único factível, que
não necessitava defesa, nem mais explicações.

17 Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das
tuas mãos, ó rei.
18 Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro
que levantaste.

17. Se. A frase introdutória deste versículo tem sido tema de debates entre os comentaristas. As versões bíblicas
concordam com o sentido de: "Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, Ele nos livrará" (ARA); ou : "Se
assim for, o nosso Deus a quem servimos , pode livrar-nos" (T B). No entanto, alguns comentaristas interpretam a
passagem de forma literal: "Se o nosso Deus, a quem servimos, é capaz de nos livrar." Esta última tradução não
condiz com a fé dos três judeus acusados. As duas primeiras versões refletem de forma fiel a firme fé desses homens
na onipotência de Deus e em Sua sabedoria inescrutável. Deus poderia salvá-los se isso fosse o melhor para eles e
para a glória de Seu nome. O "se" não deve ser considerado como sinal de dúvida no poder de Deus para salvar, mas
como sinal de incerteza se Deus os salvaria ou não.

A LXX não tem o "se", e a frase toda é uma declaração positiva (v. 16-1 8): "Pois o Deus do céu é nosso único
Senhor, a quem tememos, e que é capaz de nos livrar da fornalha ardente; e das tuas mãos, ó rei." Contudo, os
eruditos em geral preferem o texto massorético (ver com. do v. 16).

19 Então, Nabucodonosor se encheu de fúria e, transtornado o aspecto do seu rosto contra Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego, ordenou que se acendesse a fornalha sete vezes mais do que se costumava.

Sete vezes mais. O aramaico chadshih'ah, literalmente, "um sete", cujo significado é "sete vezes", é uma construção
incomum, mas usa-se a mesma forma numa carta em aramaico do 5° século a.C ., de Elefantina. Alguns gramáticos
creem que seja a abreviação de uma expressão aramaica comum, enquanto outros, como Montgomery, entendem que
"pode provir das reminiscências da recitação das tabelas de multiplicação". O intenso calor da fornalha era,
provavelmente, produzido por um extraordinário suprimento de palha e petróleo. O petróleo era obtido dos vários
poços da Mesopotâmia, que há muito tempo proporcionam esse produto em abundância, hoje usado nos fornos de
tijolos modernos dessa região (ver com. do v. 6). O propósito desta ordem furiosa talvez não fosse aumentar a
punição. Um aumento do calor na fornalha não teria aumentado a tortura das vítimas. O rei queria impedir qualquer
possibilidade de intervenção (ver Ellen G. White, Material Suplementar, sobre este versículo).
Daniel 1 61

O número sete aqui não deve ser tomado literalmente, e sim como uma forma simbólica de se ordenar o
aquecimento da fornalha até sua máxima intensidade.102 Isto significa que a temperatura alcançaria entre
900 e 1.100 graus centígrados. O seu poder foi sentido até mesmo do lado de fora, visto que os soldados
morreram em virtude do calor que emanava de seu interior (v. 22).

20 Ordenou aos homens mais poderosos que estavam no seu exército que atassem a Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego e os lançassem na fornalha de fogo ardente.

Homens mais poderosos. Ou, "alguns homens fortes" ou "soldados mais fortes do seu exército" (NVI). Talvez a
escolha de militares de força extraordinária fosse outra medida para eliminar a possibilidade de intervenção divina.

21 Então, estes homens foram atados com os seus mantos, suas túnicas e chapéus e suas outras roupas
e foram lançados na fornalha sobremaneira acesa.
22 Porque a palavra do rei era urgente e a fornalha estava sobremaneira acesa, as chamas do fogo
mataram os homens que lançaram de cima para dentro a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego.

21. Mantos. As palavras em aramaico que descrevem os "mantos" e as "túnicas" ainda não são plenamente
compreendidas. Lexicógrafos concordam que esta versão está correta.

Chapéus. Do aramaico karvelah, palavra de origem acadiana, conforme mostram textos cuneiformes, em que ocorre
como karvallatu, "boné". Na inscrição de Dario I, em Naqsh-i-Rustam, o termo designa o elmo, mas em textos
babilônicos posteriores está como "chapéus". A menção dos artigos de vestimenta, de material facilmente inflamável,
sem dúvida, tem o propósito de enfatizar o milagre que se seguiu (ver v. 27).

23 Estes três homens, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, caíram atados dentro da fornalha
sobremaneira acesa.

Fornalha sobremaneira acessa. Em continuidade ao v. 23, manuscritos das mais antigas traduções de Daniel, a
LXX e a de Teodócio, contêm um longo acréscimo apócrifo de 68 versículos, chamado "A Canção dos Três Jovens
Santos". A canção consiste de três partes: (l) oração de Azarias (Abede-Nego), composta de confissão e súplica (v.
24-45); (2) um interlúdio em prosa, descrevendo o calor do fogo e a descida do anjo do Senhor para esfriar as
chamas (v. 46-50); e (3) a bênção dos três (v. 51-91). Embora reconhecido por Jerônimo como ilegítimo, esse
acréscimo apócrifo foi inserido nas Bíblias católico-romanas como canônico. Eruditos discutem se a canção é de
origem cristã ou judaica. Vários deles creem que a obra foi produzida por volta de 100 a.C . (ver p. 819, 820).

24 Então, o rei Nabucodonosor se espantou, e se levantou depressa, e disse aos seus conselheiros: Não
lançamos nós três homens atados dentro do fogo? Responderam ao rei: É verdade, ó rei.

E se levantou depressa. Evidentemente, o rei tinha ido ao lugar de execução, sem dúvida, para ter certeza de que
sua ordem seria cumprida. É provável que, sentado, observava as vítimas ao serem lançadas no fogo.

25 Tornou ele e disse: Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, sem
nenhum dano; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses.

Passeando dentro do fogo. O original diz que os quatro homens estavam andando no meio do fogo, dentro da
fornalha. Fogo, ou uma coluna de fogo, frequentemente é associado na Bíblia com a manifestação da presença de
Deus (Ex 3:2,4; 19:18; 20:18,21). Deus falou aos filhos de Israel do meio de um fogo (Dt 4:11,12). Este verso mostra
que o poder de Deus transcende a morte.

Semelhante a um filho dos deuses. Ou, "ao Filho de Deus" (ACF). Comentaristas têm interpretado de diferentes
formas a exclamação do atônito Nabucodonosor com respeito ao quarto indivíduo na fornalha. Eruditos judeus
sempre o identificaram simplesmente como um anjo. Essa opinião se reflete na LXX, que traduz a frase "como um
anjo de Deus". Antigos intérpretes cristãos (Hipólito, Crisóstomo e outros), por outro lado, viram neste quarto
personagem a segunda pessoa da Divindade. A maioria dos cristãos conservadores defende essa opinião, embora
comentaristas críticos a descartem, bem como diversas versões (ver ARC, NVI, NTLH).

102
Doukhan, Secrets, 52. Ver discussão em Baukal Jr., 161-165.
Daniel 1 62

O problema está na gramática do aramaico e na interpretação. A palavra aramaica 'elahin, "deuses", é o plural de
'elah, "deus". Em alguns casos em que se usa 'elahin, faz-se referência a deuses pagãos (Dn 2: 11, 47; 5:4, 23).
Porém, há duas passagens, além da que está em discussão, em que 'elahin pode ser interpretado como se referindo ao
verdadeiro Deus (Dn 5: 11, 14). Portanto, a tradução "Deus" (ACF, KJV) para 'elahin se justifica quando se
estabelece que Nabucodonosor estava empregando o termo como um nome próprio. Do ponto de vista gramatical,
ambas as traduções "semelhante ao Filho de Deus", e, "semelhante a um filho dos deuses", estão corretas.

O contexto mostra que Nabucodonosor reconheceu a superioridade do Deus Altíssimo de Israel (ver Dn 3:26, 28, 29;
4:2). Nessas declarações, o rei não estava se referindo a deuses em geral, mas a Deus especificamente. Por essa
razão, intérpretes conservadores preferem a tradução da ACF e da KJV e podem defender com base linguística sua
preferência (ver PR, 509; Problems in Bible Translation, p. 170-173).

Aqui temos uma reação de consequência diante do milagre testemunhado pelo rei. Se os soldados foram
mortos pelo excessivo calor, a coisa óbvia a acontecer seria também a morte dos três hebreus. Além do
intenso calor, dois outros fatores poderiam ter levado os três jovens à morte: a falta de suficiente oxigênio
para respirar e uma quantidade excessiva de monóxido de carbono que certamente resultaria em morte por
asfixia.103 Entretanto, não foi isto o que sucedeu. E assim, sobressaltado, sem entender o que estava
acontecendo, o rei pede ajuda a seus conselheiros, se é que a podem dar. Não haviam sido atirados três
homens amarrados dentro da fornalha? Então o rei “declara a contradição de seus próprios olhos”: através
da porta lateral da fornalha, como é que ele via “quatro homens soltos [as cordas haviam sido consumidas]
que andam passeando dentro do fogo, sem nenhum dano; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho
dos deuses [lit. um filho da Deidade].” 104

Na verdade, o rei não tem dúvida acerca da ação anteriormente praticada. Realmente, foram atirados três
homens dentro da fornalha. Isto é confirmado pelos seus interlocutores: “É verdade, ó rei” (v. 24). Ao que
parece, somente o rei viu o quarto personagem. O texto não identifica claramente o quarto personagem
que apareceu na fornalha ardente. Mas ele é descrito como um ser sobrenatural, visto que é relacionado
com “os deuses”. Calvino identifica o quarto personagem com um anjo enviado por Deus “para encorajar
os santos homens com sua presença, a fim de que não recuassem” ou ainda “acalmar sua aflição”.105
Ginzberg entende que este era o anjo Gabriel.106

Deve ser observado, entretanto, que a expressão “filho de” é um idiomatismo semítico que aponta para a
natureza daquilo que se pretende qualificar. Ex.: “filho de homem” – alguém de natureza humana; “filho
da morte” – alguém que possui uma natureza mortal; etc. Assim, ao referir-se ao quarto personagem como
um “filho de deuses”, o rei percebe que ali está Alguém que tem uma natureza divina.107 A tradição cristã
identificou o “filho de Deus” mencionado aqui como sendo Cristo.108 Na seção profética do livro
encontramos um personagem que é identificado como o protetor do povo hebreu e também como o
comandante dos exércitos celestiais (Dn 12:1; 10:13). Sendo assim, Miguel, o defensor do povo de Deus,
“seria o anjo ideal para proteger e defender os três hebreus no fogo”.109 J. Vernon McGee declara sua
convicção de que “o quarto Homem era o Filho de Deus, o pré-encarnado Cristo.”110 Esta é uma antiga
posição entre os pais da igreja, tais como Tertuliano, Agostinho e Hilário, no que foram seguidos por
outros expositores.111 Esta mesma identificação também é adotada por Ellen White:

103
Baukal Jr., 152-153.
104
Montgomery, S. 214. (Ênfase original).
105
Calvino, 217.
106
Ginzberg, Legends, 329.
107
Doukhan, Secrets, 53.
108
Collins, 190.
109
Shea, Daniel 1-7, 115.
110
McGee, J. V. Thru the Bible commentary. Based on the Thru the Bible radio program. (electronic ed.) (Nashville:
Thomas Nelson, 1997, c1981), 3:547.
111
Cf. Albert Barnes, Notes, Critical, Illustrative, and Practical, on The Book of Daniel, with on Introductory
Dissertation (New York: Leavitt & Allen, 1853), 192-193.
Daniel 1 63

Como sabia o rei pagão a que era semelhante o Filho de Deus? Os cativos hebreus que ocupavam
posição de confiança em Babilônia tinham representado a verdade diante dele na vida e no
caráter. Quando perguntados pela razão de sua fé, tinham-na dado sem hesitação. Clara e
singelamente tinham apresentado os princípios da justiça, ensinando assim aos que lhes estavam
ao redor a respeito do Deus a quem adoravam. Eles tinham falado de Cristo, o Redentor
vindouro; e na aparência do quarto no meio do fogo, o rei reconheceu o Filho de Deus.112

Finalmente,113 há um maravilhoso contraste entre o relato da aparição do personagem celestial no capítulo


3 com a visão do capítulo 7. Na visão da corte celestial (cap. 7), em que o Ancião de Dias, isto é, Deus, o
Pai, conduz o tribunal, entra em cena um ser “semelhante a um filho de homem” (Dn 7:13). O que é
interessante observar é o contraste entre os capítulos que destaca uma mensagem de confiança e
segurança. No capítulo 3, que trata de um episódio ocorrendo neste mundo, o protetor se apresenta como
um ser celestial, com todo o poder para livrar da mão dos tiranos perseguidores. No capítulo 7, que está
focado na esfera celestial, o ajudador é semelhante a nós, que sabe as dores, as dificuldades e os desafios
que a humanidade enfrenta, e sabe o significado de permanecer fiel em meio às provações. Seja na terra,
seja no céu, quem nos ajuda está plenamente qualificado para defender a nossa causa.

26 Então, se chegou Nabucodonosor à porta da fornalha sobremaneira acesa, falou e disse: Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego, servos do Deus Altíssimo, saí e vinde! Então, Sadraque, Mesaque e Abede-
Nego saíram do meio do fogo.

Deus Altíssimo. O reconhecimento de Nabucodonosor de que o Deus dos hebreus era o "Deus Altíssimo" não
implica necessariamente que o rei tinha abandonado seus conceitos politeístas. Para ele, o Deus de Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego não era o único Deus verdadeiro, mas simplesmente o Deus Altíssimo, o principal de todos
os deuses, da mesma forma que os gregos chamavam Zeus de ho hupsistos theos, "o deus maior". Confirmou-se o
uso deste termo na Fenícia e, mais tarde, em inscrições de Palmira.

27 Ajuntaram-se os sátrapas, os prefeitos, os governadores e conselheiros do rei e viram que o fogo não
teve poder algum sobre os corpos destes homens; nem foram chamuscados os cabelos da sua cabeça,
nem os seus mantos se mudaram, nem cheiro de fogo passara sobre eles.

Os sátrapas. Sobre os oficiais mencionados aqui, ver com. do v. 2.

Mantos. Ver com. do v. 21.

28 Falou Nabucodonosor e disse: Bendito seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que
enviou o seu anjo e livrou os seus servos, que confiaram nele, pois não quiseram cumprir a palavra do
rei, preferindo entregar o seu corpo, a servirem e adorarem a qualquer outro deus, senão ao seu Deus.

28. Bendito seja o Deus. O livramento miraculoso dos três homens impressionou o rei de forma profunda e mudou
sua opinião anterior e equivocada (v. 15) sobre o Deus dos hebreus. Nabucodonosor louva o poder desse Deus,
anuncia publicamente que esse Deus salvou Seus adoradores e decreta que quem desonrá-Lo será punido com a
morte (v. 29). Esse reconhecimento revelou progresso em seu conceito sobre Deus (ver Dn 2:47; p. 826, 827).

29 Portanto, faço um decreto pelo qual todo povo, nação e língua que disser blasfêmia contra o Deus de
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego seja despedaçado, e as suas casas sejam feitas em monturo; porque
não há outro deus que possa livrar como este.

29. Faço um decreto. Dessa forma incomum, muitos que de outro modo jamais ouviriam falar do Deus dos hebreus
foram apresentados a Ele. Contudo, Nabucodonosor se excedeu em suas prerrogativas quando buscou pela força
fazer com que as pessoas honrassem o Deus dos hebreus (PR, 511).

112
White, Profetas e reis, 509.
113
Cf. Shea, Daniel 1-7, 115-116.
Daniel 1 64

Despedaçado. Sobre os castigos mencionados nesta passagem, ver com. de Dn 2:5.

30 Então, o rei fez prosperar a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego na província da Babilônia.

30. Fez prosperar. A forma verbal assim traduzida significa, basicamente, "fazer prosperar" e, num sentido mais
amplo, "promover". Não se diz como se realizou esta promoção. Os três hebreus podem ter recebido dinheiro, ou
mais influência e poder na administração da província, ou títulos mais elevados. Pela lealdade em face da morte, os
três demonstraram qualidades de caráter que tornaram evidente que podiam ter mais responsabilidades do que
anteriormente.

Que paralelos existem entre o relato do capítulo 3 de Daniel com Apocalipse 13?

R. O livro do Apocalipse faz muitas referências ao livro de Daniel. Neste caso específico, encontramos
vários paralelos significativos, que são importantes não apenas para uma reflexão acadêmica, mas
sobretudo espiritual.114

1. O primeiro aspecto a se observar é que em ambos os capítulos o assunto é de adoração, no caso, uma
falsa adoração, a idolatria.
2. O objeto de adoração em ambos os capítulos é uma imagem: em Daniel uma imagem literal e, no
Apocalipse, é espiritual (Ap 13: 14 e 15).
3. Em Daniel 3, a adoração era exigida pela Babilônia histórica, enquanto que em Apocalipse 13 a
adoração da imagem da besta será exigida pela Babilônia espiritual. Convém recordar que a primeira
referência a Babilônia no livro do Apocalipse ocorre nesta perícope, que inclui os capítulos 12 a 14
(11:19-15:4).
4. Na Babilônia histórica os três hebreus se recusaram a prestar adoração à imagem levantada pelo rei,
enquanto que, em Apocalipse, os 144.000 também se recusam a adorar a imagem da besta, prestando sua
adoração somente ao Deus Criador.
5. Outro paralelo encontra-se no uso do número 6 em ambos os capítulos. Em Daniel 3 a medida da
estátua é de 60x6, enquanto no Apocalipse encontramos o misterioso número 666 (Ap 13:18).
6. Na Babilônia histórica havia um decreto de morte contra todos os que se recusassem a adorar à imagem;
da mesma forma, a Babilônia mística do tempo do fim também emitirá um decreto de morte contra os que
se recusarem a adorar a imagem da besta (Ap 13:15).
7. O resultado em ambos os capítulos se repete: os três hebreus foram livrados da fornalha de fogo ardente
na Babilônia histórica, e os santos também serão preservados das tentativas de destruição por parte da
Babilônia espiritual.
8. Finalmente, Deus recompensou os fieis em Babilônia e também recompensará plenamente os fiéis do
tempo do fim (cf. Ap 15:2-3; 21; 22).

114
Cf. Pfandl, Daniel: Vidente de Babilonia, 34.
Daniel 1 65

DANIEL 4
Introdução by Shea – Os capítulos 4 e 5 de Daniel lidam com o destino de dois reis do Império Neo-Babilônico –
Nabucodonozor, o fundador e primeiro grande rei daquele império (cap. 4), e Belsazar, o último rei do império e que
não era tão grande (cap. 5). O fato de que a vida de Daniel podia englobar toda a história do império neo-babilônico
mostra quão curta sua existência realmente foi. Daniel veio para Babilônia como um jovem (18 anos) no princípio
do reinado de Nabucodonozor, e ainda estava lá como um ancião quando Belsazar morreu no palácio na noite em
que os persas conquistaram a cidade.

Daniel não somente viveu em Babilônia durante este longo período de tempo, como também interagiu em
um nível profissional com ambos os reis. Deus usou Daniel para comunicar profecias a eles – profecias sobre seu
reino e profecias sobre eles mesmos. Assim estes dois capítulos lidam não somente com esses reis babilônios, mas
também com Daniel e como ele os serviu. O papel de Daniel para ambos os reis foi similar: ele serviu como um
homem sábio inspirado que lhes trouxe mensagens do verdadeiro Deus sobre sua vida e tempos.

Nabucodonosor recebeu uma mensagem de Deus através de um sonho; Deus falou a Belsazar através da
escritura de uma mão desincorporada sobre a parede da sala de audiência do palácio. Em ambos os casos os reis
necessitaram alguém para interpretar a mensagem de Deus, e em ambos os casos os homens sábios de Babilônia
foram inadequados para a tarefa. Daniel teve de ser chamado porque as misteriosas mensagens vieram do verdadeiro
Deus a quem ele servia. Ambas as mensagens eram mensagens de juízo que recairiam sobre os reis. Ambos seriam
julgados de acordo aos conteúdos das profecias que Daniel interpretou para eles. E em ambos os casos tudo
aconteceu assim com Daniel predisse.

Entretanto, há uma diferença significativa entre o destino destes dois reis. Nabucodonozor recebeu uma
prolongada sentença de insanidade, mas eventualmente se recuperou, se arrependeu, e voltou-se em fé para o
verdadeiro Deus. Belsazar, por outro lado, recebeu seu juízo na mesma noite em que a profecia foi dada. Com sua
morte naquela noite, o Império Neo-Babilônico passou para as mãos do Império Medo-Persa.

Os temas destes dois capítulos são similares, então, muito embora sejam desenvolvidos em forma diferente.
Estes elos temáticos vinculam estes dois capítulos no centro da estrutura literária quiástica da seção aramaica do livro
(caps. 2-7). Nesta estrutura o capítulo 2 é conectado tematicamente com o capítulo 7; o capítulo 3 é conectado
tematicamente com o capítulo 6. E no centro desta estrutura, o capítulo 4 é conectado com o capítulo 5. Assim, os
capítulos 4 e 5 se conectam como um par no centro da estrutura quiástica. Eles se conectam pela natureza de seus
conteúdos, e eles são colocados lado a lado para enfatizar adicionalmente esta conexão.

1 O rei Nabucodonosor a todos os povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam em toda a
terra: Paz vos seja multiplicada!

A todos os povos. Os eventos no cap. 4 estão narrados na forma de uma proclamação real. Por não encontrarem
outros casos de conversões desse tipo, eruditos modernos declaram que tal edito é historicame nte absurdo. Os
argumentos do silêncio, porém, nunca são conclusivos. Por outro lado, a conversão de um rei a uma nova religião ou
deus é confirmada em outros escritos. Por exemplo, o rei Amenhotep IV, do Egito, abandonou a religião politeísta de
seus ancestrais e da nação e fez esforços para introduzir uma nova religião monoteísta no reino. Ele construiu uma
nova capital, mudou o próprio nome, fechou os antigos templos, renunciou os deuses anteriores, erigiu novos
templos ao seu deus e fez tudo o que estava ao seu alcance para promover a nova religião.

Além disso, pouco se sabe da história de Nabucodonosor de fontes seculares. Portanto, é impossível verificar todos
os eventos do reinado desse monarca a partir de fontes da época. De fato, não há fontes seculares contemporâneas
para a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, ou mesmo de sua longa campanha contra Tiro, embora a
historicidade desses eventos não seja discutida. Portanto, não é estranho não encontrar referência em registros
babilônicos para a enfermidade mental do rei. Tais registros, naturalmente, omitem informações que tratam das
desgraças de um herói nacional. A mudança neste capítulo da primeira para a terceira pessoa e de volta para a
primeira (ver v. 2-27; cf. v. 28-33; 34-37) tem sido explicada supondo-se que Daniel escreveu o edito sob ordem de
Nabucodonosor ou que, como conselheiro chefe do rei, Daniel tenha acrescentado algumas partes ao edito escrito
pelo próprio rei. O edito refletia os sentimentos do rei quando sua plena faculdade mental foi restabelecida. "O
outrora orgulhoso rei tinha-se tornado um humilde filho de Deus" (PR, 521; cf. Ellen G. White, Material
Suplementar sobre Dn 4:37).
Daniel 1 66

Paz vos seja multiplicada! A introdução da proclamação contém uma expressão de bons votos. Os editos,
promulgados mais tarde pelos reis persas, eram semelhantes na forma (ver Ed 4: 17; 7:12). Uma fórmula típica nas
cartas em aramaico, de Elefantina, do 5° século a.C., é: "A saúde de __ que o Deus do céu busque."

2 Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo.
3 Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas, as suas maravilhas! O seu reino é reino
sempiterno, e o seu domínio, de geração em geração.

3. Seu reino. A doxologia da segunda parte do v. 3 ocorre novamente com variações no v. 34 (cf. Dn 7:14, 18).

4 Eu, Nabucodonosor, estava tranquilo em minha casa e feliz no meu palácio.

Tranquilo. Esta frase indica que o rei governava seu reino tranquilamente. Portanto, os eventos deste capítulo
pertencem à última parte de seu reinado de 42 anos. O rei estava "feliz" em seu palácio em Babilônia (ver a Nota
Adicional a Daniel 4); e, como o rico insensato da parábola, cujos campos tinham produzido abundantemente (Lc
12:16-21), ele se esqueceu de sua responsabilidade para com Aquele a quem devia sua grandeza.

5 Tive um sonho, que me espantou; e, quando estava no meu leito, os pensamentos e as visões da
minha cabeça me turbaram.

Espantou. A forma abrupta como se apresenta o evento ilustra como foi inesperado (ver Dn 2:1).

6 Por isso, expedi um decreto, pelo qual fossem introduzidos à minha presença todos os sábios da
Babilônia, para que me fizessem saber a interpretação do sonho.

Decreto. Ver Dn 3:29. Como no sonho do cap. 2, os sábios foram chamados. Porém, neste caso, o rei não tinha
esquecido o sonho. A ordem do rei para que se interpretasse o sonho, portanto, foi bem diferente da descrita em 2:5.

7 Então, entraram os magos, os encantadores, os caldeus e os feiticeiros, e lhes contei o sonho; mas não
me fizeram saber a sua interpretação.

Magos. Dos quatro grupos de sábios alistados neste versículo, os magos e os astrólogos foram apresentados em
Daniel 1:20 (ver com. ali), a terceira classe, os caldeus, em 2:2 (ver com. de Dn 1:4), e a quarta classe, os
encantadores, em 2:27 (ver com. ali).

Não me fizeram saber. Alguns sugerem que, uma vez que os sábios de Babilônia eram especialistas em
interpretação de sonhos e sinais sobrenaturais, talvez tenham oferecido algum tipo ele interpretação. De fato, o sonho
era tão explícito que o próprio rei pressentiu que contivesse alguma mensagem ruim para si mesmo (ver PR, 516).
Foi isso que o alarmou. Contudo, antigos cortesãos costumavam adular seus soberanos e evitavam dizer-lhe
diretamente qualquer coisa desagradável. Portanto, mesmo que entendessem parte do sonho e tivessem uma ideia do
significado, eles não teriam tido coragem de dar as conclusões. Caso tenham dado alguma explicação, ela se provou
insatisfatória para o rei. Eles certamente não poderiam dar a interpretação exata e detalhada como Daniel o fez mais
tarde (ver PR, 517, 518). Em vez de "não me fizeram saber" a NVI diz "não puderam interpretá-lo". É verdade que
"nenhum dos sábios pôde interpretá-lo" (PR, 516).

8 Por fim, se me apresentou Daniel, cujo nome é Beltessazar, segundo o nome do meu deus, e no qual
há o espírito dos deuses santos; e eu lhe contei o sonho, dizendo:

Beltessazar. A narrativa introduz Daniel primeiramente com o nome judeu, pelo qual era conhecido por seus
conterrâneos, e então pelo nome babilônico, dado a ele em honra ao principal deus de Nabucodonosor (ver com. de
Dn 1:7). Não se sabe por que Daniel foi mantido em segundo plano por tanto tempo, embora fosse considerado "o
chefe dos magos" (v. 9). Alguns sugerem que Nabucodonosor queria saber o que os caldeus tinham a dizer sobre este
sonho perturbador, antes de ouvir toda a verdade, a qual suspeitava ser desfavorável (comparar com o caso do rei
Acabe, 1Rs 22:8). Somente depois de a outra casta de sábios que se ocupava das ciências ocultas se mostrar incapaz
de satisfazer o rei, foi que este mandou chamar o homem que tinha anteriormente demonstrado habilidade e
sabedoria superior para interpretar sonhos (Dn 2; cf. 1:17, 20).

Dos deuses santos. Ou, "do Deus santo" (ver RSV margem); e ainda "o santo espírito de Deus" (versão de
Daniel 1 67

Teodócio).
A LXX omite os v. 5b a l0b. O termo aramaico para "deuses" é 'elahin, usado com frequência para designar deuses
falsos (ver Jr 10:11; Dn 2:11 , 47; 3:12; 5:4), mas que também pode ser aplicado ao verdadeiro Deus (ver com. de Dn
3:25; cf. 5:11, 14). A expressão revela o que inspirou a confiança do rei no poder e entendimento superior de Daniel.
Também revela que Nabucodonosor possuía um conceito da natureza dessa Divindade a quem Daniel devia tal poder
e sabedoria. Sem hesitação, Daniel e seus companheiros deram testemunho do Deus a quem adoravam. A expressão,
repetida nos v. 9 e 18 deste capítulo, mostra claramente que Nabucodonosor não tinha se esquecido do que aprendeu
anteriormente com respeito ao sublime dom profético desse judeu e de seu relacionamento com o único Deus
verdadeiro.

9 Beltessazar, chefe dos magos, eu sei que há em ti o espírito dos deuses santos, e nenhum mistério te é
difícil; eis as visões do sonho que eu tive; dize-me a sua interpretação.

Chefe dos magos. Este termo usado pelo rei é, provavelmente, sinônimo do usado em Daniel 2:48: "governador de
toda a província da Babilônia, como também o fez chefe supremo de todos os sábios da Babilônia". A palavra
"chefe" (Dn 2:48; 4:9) vem da mesma palavra aramaica, rav.

Dize-me as visões (ARC). O rei parece ordenar a Daniel que lhe diga o sonho e sua interpretação, mas ao mesmo
tempo passa a narrar o sonho (v. lO). A LXX não tem este versículo nos manuscritos existentes. Ela contém o relato
dos v. I a 9 de forma abreviada. Alguns comentaristas consideram a versão grega de Teodócio ("ouve a visão do
sonho que tive, e dize-me sua interpretação") como a melhor solução. Outros ainda, como Montgomery, argumentam
que a palavra aramaica chzwy (originalmente sem pontos vocálicos), traduzida como "dize-me" (ARC), era
originalmente chzy, "eis aqui", como demonstra o papiro aramaico de Elefantina. Assim, o texto então seria: "eis as
visões do sonho que eu tive; dize-me a sua interpretação" (ARA).

10 Eram assim as visões da minha cabeça quando eu estava no meu leito: eu estava olhando e vi uma
árvore no meio da terra, cuja altura era grande;
11 crescia a árvore e se tornava forte, de maneira que a sua altura chegava até ao céu; e era vista até
aos confins da terra.
12 A sua folhagem era formosa, e o seu fruto, abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela
os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e todos os
seres viventes se mantinham dela.

10. Vi uma árvore. A sabedoria divina com frequência emprega parábolas e metáforas como veículos de
transmissão da verdade. Esse método impressiona. Os símbolos ajudam a pessoa a reter a mensagem e seu conteúdo
na memória por mais tempo do que se a mensagem tivesse sido comunicada ele outra forma (ver a metáfora ele Ez
31:3-14).

Os antigos estavam acostumados a ver um significado em todo sonho incomum. Talvez seja por isso que Deus
empregou o sonho nesta ocasião.

13 No meu sonho, quando eu estava no meu leito, vi um vigilante, um santo, que descia do céu,
14 clamando fortemente e dizendo: Derribai a árvore, cortai-lhe os ramos, derriçai-lhe as folhas, espalhai
o seu fruto; afugentem-se os animais de debaixo dela e as aves, dos seus ramos.
15 Mas a cepa, com as raízes, deixai na terra, atada com cadeias de ferro e de bronze, na erva do
campo. Seja ela molhada do orvalho do céu, e a sua porção seja, com os animais, a erva da terra.
16 Mude-se-lhe o coração, para que não seja mais coração de homem, e lhe seja dado coração de
animal; e passem sobre ela sete tempos.
17 Esta sentença é por decreto dos vigilantes, e esta ordem, por mandado dos santos; a fim de que
conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer e até
ao mais humilde dos homens constitui sobre eles.

13. Um vigilante. Do aramaico 'ir, derivado do verbo 'ur, "vigiar", e corresponde ao hebraico 'er, que não significa
"manter vigilante", mas "ser vigilante" ou "o que está desperto", conforme explica a nota sobre a palavra no Códice
Alexandrino. A LXX traduz a palavra por aggelos, "anjo". Mas Teodócio, em vez de traduzi-la, simplesmente faz a
transliteração ir. Os tradutores judeus Áquila e Símaco a traduzem como egrēgoros, "o vigilante", termo encontrado
no livro de Enoque e outros escritos judaicos apócrifos para designar os anjos superiores, bons ou maus, que vigiam
e não dormem. Como designação para anjos, o termo "vigilante" ocorre exclusivamente nesta passagem no AT.
Daniel 1 68

Sugere-se que os caldeus podem ter conhecido os anjos com este termo, embora não se tenha evidência disso. O
atributo "santo" e a frase "que descia do céu" mostram que o vigilante é um mensageiro celestial. É evidente que se
reconhecia o vigilante como portador das credencias do Deus do céu (ver PR, 518).

De acordo com o texto, em seu sonho Nabucodonosor viu “um vigilante, um santo, que descia do céu” (v.
13). Aqui é descrito apenas um ser de origem celestial, e não dois. O significado é simples: este é um
“santo mensageiro”.115 O termo “vigilante” não é encontrado em outros lugares da Bíblia, apenas neste
capítulo (vv. 13, 17 e 23), mas ocorre em escritos apocalípticos judaicos posteriores, como Enoque,
Jubileus, os 12 Testamentos, etc. A versão Grega Antiga traduz como “anjo” (ἄγγελος) em vez de
“vigilante” e “santo”, enquanto nas versões de Áquila e Símaco se usa “vigilante” (ἐγρήγορος).116 Os
comentaristas geralmente identificam o “vigilante” com um anjo, ou algum ser celestial, que faria parte de
um concílio, ou corte, celestial, que ouve a palavra de Deus e executa Suas ordens.117 Assim, o que estaria
sendo descrito neste capítulo de Daniel estaria em paralelo com o que acontecia no mundo antigo, em que
os governantes tinham agentes que eram seus “olhos e ouvidos” que os ajudavam a controlar o reino. De
igual forma, “o rei celestial governa o Seu reino” usando membros do Concílio de Jeová que agem como
Seus olhos, mantendo-O informado dos negócios do reino e cuidando para que Sua vontade seja
executada.118

Por outro lado, a descrição do “vigilante” como alguém que “descia do céu” constitui uma “expressão
técnica”119 usada frequentemente na Bíblia para descrever a vinda de Deus à terra para realizar uma obra
de juízo. Por exemplo, no episódio da Torre de Babel, está escrito que “o Senhor desceu para ver a cidade
e a torre que os filhos dos homens edificavam” (Gn 11:5). E, no caso de Sodoma e Gomorra, antes da
destruição destas cidades, lemos: “Disse mais o Senhor: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-
se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito. Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado
corresponde a esse clamor que é vindo até Mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei” (Gn 18:20-21). E não é
demasiado lembrar que este capítulo trata de um juízo de Deus sobre o rei Nabucodonosor. De fato, no
sonho o “vigilante” anuncia o destino/juízo da árvore, símbolo de Nabucodonosor/Babilônia.

No contexto da Bíblia, o “vigilante santo” pode se referir ao próprio Deus, “o guarda de Israel”, que “não
dormita, nem dorme” (Sl 121:4). No livro de Jó (7:20) Deus é descrito como o “Espreitador dos homens”
(a Bíblia de Jerusalém usa a expressão “sentinela dos homens”). Montgomery se refere a uma “razoável
interpretação” que “identificaria o Vigilante com o Anjo de Jeová, o Filho do Homem, o Messias, e assim
com a Segunda Pessoa da Trindade.”120 Seguindo esta sugestão, o antecedente ao “vigilante” do capítulo 4
seria o “um como filho de Deus” do capítulo 3, "no episódio da fornalha ardente.121

15. Mas a cepa[...] deixai. Comparar comJó 14:8; Is 11:1. Os futuros brotos deste tronco (ver Jó 14:7-9)
tipificavam, segundo se vê pela comparação dos v. 26 e 36, a restauração de Nabucodonosor de sua enfermidade, e
não a continuidade da supremacia de sua dinastia, como alguns comentaristas entendem. Toda a passagem
obviamente designa um indivíduo e não uma nação.

Com cadeias. Muitos comentaristas veem nesta declaração uma referência a cadeias de metal presas ao redor de um
tronco, talvez para impedi-lo de se rachar ou partir, embora tal prática não possa ser demonstrada por meio de fontes

115
Z. Stefanovic, Daniel, 156. De acordo com Montgomery, o termo “santo” é usado como explicação nesta
construção. Cf. Montgomery, A critical and exegetical commentary on the book of Daniel. Includes indexes (New
York: Charles Scribner's Sons, 1927), 231.
116
J. J. Collins, F. M. Cross & A. Y. Collins, Daniel: A commentary on the book of Daniel. Hermeneia--a critical and
historical commentary on the Bible (Minneapolis: Fortress Press, 1993), 224.
117
Calvino, 1:253; D. S. Russell, Daniel. The Daily study Bible series (Louisville: Westminster John Knox Press,
2001, c1981), 75.
118
J. E. Goldingay, Word Biblical Commentary: Daniel, Vol. 30 (Dallas: Word, Incorporated, 2002), 88.
119
Z. Stefnovic, Daniel, 160.
120
Montgomery, A critical and exegetical commentary on the book of Daniel, 232.
121
Nabucodonosor reconheceu que o santo Vigia era “semelhante em aparência Àquele que caminhava com os três
hebreus na fornalha ardente”. Ellen G. White, Review and Herald, 01/02/1881.
Daniel 1 69

antigas. A LXX não faz menção dessas cadeias. De acordo com essa versão, o v. 15 diz: "E assim disse ele: deixai
uma de suas raízes na terra, a fim de que, com os animais da terra nas montanhas de pasto, ele se alimente como um
boi." Teodócio defende o texto massorético. Visto que a interpretação do sonho não chama atenção para as cadeias,
apenas conjectura-se a seu respeito. Nos v. 15 e 16, há uma mudança de "cepa, com as raízes" para o que isso
representava. Alguns, como Jerônimo, fazem a transição na frase considerada e veem cadeias literais no ato de atar,
como as que se necessitariam para prender o rei enlouquecido, ou cadeias figuradas, representando as restrições
postas sobre o monarca como resultado de sua insanidade. Contudo, parece mais natural aplicar as cadeias à cepa e
considerá-las indicativas do cuidado que seria exercido para preservá-la.

16. O coração. Fez-se claramente a transição da metáfora da árvore para o objeto real simbolizado por ela (ver com.
do v. 15). O termo "coração", neste caso, parece indicar natureza. O rei assumiria a natureza de um animal.

Sete tempos. A palavra traduzida como “tempos” neste verso é o aramaico ᶜiddan, que ocorre treze vezes
no livro de Daniel, com o significado de “tempo” em geral,122 um ponto de tempo específico123 e um certo
número de anos.124 A mais “antiga e comum interpretação dos sete tempos” é que significa sete anos,125 e
é assim utilizada na antiga versão grega, a LXX, e por intérpretes judeus medievais. 126 “O uso da palavra
para ‘tempo’ como ano é peculiar a Daniel (compare 4:23, 25, 32; 7:25; 12:7), mas é bem estabelecido.
Assim é provavelmente melhor traduzir na maioria dos idiomas como ‘anos’ aqui.”127 Doukhan oferece
outros argumentos para a interpretação dos “sete tempos” como sete anos, dos quais destacamos:128

1. É significativo que a doença do rei começa exatamente “ao cabo de doze meses” (v. 29),
implicando que o período de “sete tempos” corresponderia a sete períodos de doze meses;
2. O relacionamento entre estes dois períodos de tempo (12 meses e sete anos) está esboçado no
estilo do texto. As duas expressões ecoam uma à outra, o que é confirmado pela construção
literária, visto que no original aramaico elas são introduzidas pela mesma fraseologia: “ao
cabo de doze meses” (v. 29) e “ao fim daqueles dias” (v. 34);
3. A etimologia da palavra aramaica ᶜiddan (tempo) está relacionada à palavra od (repetir,
retornar), insinuando uma repetição do mesmo tempo, ou da mesma estação (Dn 2:21) de cada
novo ano;
4. Daniel 7:25 define ᶜiddan como sendo um ano, um conceito ainda mais explícito na passagem
paralela de Apocalipse 12:6 e 14.

Além disso, o livro de Daniel se divide em uma seção histórica (caps. 1-6) e profética, ou apocalíptica
(caps. 7-12). O relato do cap. 4 se situa, portanto, na seção histórica do livro, constituindo assim um
capítulo histórico, e não apocalíptico.129 Sendo o contexto histórico, o período de sete tempos deve ser
interpretado literalmente: o profeta diz ao rei que este era o tempo que se passaria exclusivamente sobre
ele, que Deus utilizaria para tratar o seu orgulho desmedido.130 As palavras são muito claras: “Todas estas
coisas sobrevieram ao rei Nabucodonosor” (4:28). Estamos, portanto, diante de uma profecia temporal
que diz respeito tão-somente ao rei de Babilônia: começou com ele e terminou com ele. Logo, não se pode
interpretar este período simbolicamente. No capítulo 4 (vv. 16, 23, 25 e 32) os “sete tempos” referem-se a
“sete anos literais na vida do rei”.131
122
Cf. Dn 2:8 – “Bem percebo que quereis ganhar tempo...”
123
Cf. Dn 3:5 – “no momento em que ouvirdes o som...”
124
Cf. Dn 7:25 – “e os santos lhe serão entregues nas mãos por um tempo, dois tempos e metade de um tempo.”
125
R. Péter-Contesse & J. Ellington, A Handbook on the Book of Daniel. UBS handbook series. Helps for translators
(New Yord: United Bible Societies, 1993), 111. Ver também, A. C. Gaebelein, The Prophet Daniel: A Key to the
Visions and Prophecies of the Book of Daniel (New York: Publication Office “Our Hope”, 1911), 52.
126
Doukhan, Secrets of Daniel, 71.
127
Péter-Contesse & Ellington, A Handbook on the Book of Daniel, 111.
128
Cf. Doukhan, Secrets of Daniel, 71.
129
Gerhard Pfandl, “Why should the seven times in Daniel 4 not be interpreted with the year-day principle?”,
Interpreting Scripture: Bible Questions and Answers. Biblical Research Institute Studies, vol. 2, Gerhard Pfandl, ed.
(Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2010), 240.
130
Alomía, 115.
131
Pfandl, “Why should the seven times in Daniel 4 not be interpreted with the year-day principle?”, 240.
Daniel 1 70

Finalmente, o verso 34 declara o fim do período dos “sete tempos” – “Mas ao fim daqueles dias, eu,
Nabucodonosor...” – e o restabelecimento da dignidade do reino, a majestade, o resplendor, etc (v. 36),
indicando, sem lugar a dúvidas, que a profecia foi cumprida durante sua própria vida.

O que dizer da interpretação que aplica aos “sete tempos” aqui mencionados o princípio dia-ano de
intepretação profética, em que cada tempo equivaleria a um período de 360 anos e que, multiplicado
por sete, resultaria em 2.520 anos literais?

Em primeiro lugar, conforme visto acima, a interpretação simbólica dos “sete tempos” é equivocada neste
contexto, visto que a profecia diz respeito somente ao rei Nabucodonosor. Além disso, os intérpretes
acima mencionados propõem que este suposto período de 2.520 anos, que seria um espaço de tempo para
a “provação dos gentios”, teria se iniciado no ano 607 a.C. e terminado em 1914 AD. Por que 607 a.C.?
Porque nesta data, supostamente, Jerusalém teria sido destruída. Esta afirmação é historicamente
equivocada, por duas razões: (1) o cerco da cidade mencionado em Daniel 1:1 está bem estabelecido pelas
fontes históricas no ano 605 a.C.,132 e (2) a real destruição de Jerusalém por Nabucodonosor somente veio
a acontecer no ano 586 AD.

Quaisquer outras sugestões de datas para o início e término deste período, sejam anteriores ou posteriores
às mencionadas acima, não encontram sustentação no texto bíblico, por mais atrativas e lógicas que
possam parecer em um primeiro momento. No estudo sério da Bíblia não há lugar para devaneios
exegéticos ou alegorizações, que resultam em construções artificiais e conclusões enganosas, com ares de
profundidade teológica.

Nabucodonosor seria provado mais uma vez e Deus lhe daria outra oportunidade. O capítulo 4 começa e
termina com este personagem histórico. Ele não será mencionado como protagonista de nada mais no livro
de Daniel. De fato, a história de Nabucodonosor termina no capítulo 4. Logo, os “sete tempos” também
findam aqui. O uso da palavra “tempos” em vez de “anos” “é para chamar nossa atenção para o número
sete, símbolo do divino. E, realmente, a doença não tem causas naturais, mas foi divinamente infligida. O
fim de sua provação está ‘selado’ (Dn 4:16, 34). Deus controla seu destino, e ninguém pode mudá-lo.”133

17. Vigilantes. Ver com. do v. 13. O plural pressupõe a existência de um conselho ou uma assembleia celestial (ver
Jó 1:6-12; 2: 1-6).

Os viventes. Esta frase revela o propósito divino de executar a ordem. A maneira de Deus lidar com Babilônia e seu
rei deve mostrar a outras nações e seus reis os resultados de se aceitar ou rejeitar o plano divino para as nações.

Que o Altíssimo tem domínio. Nos assuntos das nações, Deus está sempre "a executar, silenciosamente,
pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade" (Ed, 173). Às vezes, assim como com o chamado de Abraão,
Ele ordena uma série de eventos designados a demonstrar a sabedoria de Seus caminhos. Outras vezes, como no
mundo antediluviano, Ele permite que o mal siga seu curso e demonstra a tolice de se opor aos princípios corretos.
Mas, ao final , como no livramento dos hebreus do Egito, Ele intervém para que as forças do mal não vençam os
instrumentos que Ele dispõe para a salvação do mundo. Se Deus ordena, permite ou intervém, "o complicado jogo
dos eventos humanos está sob divino controle" e "um divino e soberano propósito tem manifestamente estado a
operar através dos séculos" (PR, 536, 535; ver Ed, 174; Rm 13:1).

"A cada nação [...] tem Deus designado um lugar em Seu grande plano" e provê oportunidade para que cumpra o
propósito do "Vigia e Santo" (Ed, 178, 177). Segundo os desígnios divinos, a função do governo é proteger e manter
a nação, dar ao povo a oportunidade de alcançar o propósito do Criador e permitir que outras nações façam o mesmo
(Ed, 175), a fim de que todos busquem "a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de
cada um de nós" (At 17:27).

A força de uma nação é proporcional à fidelidade com que cumpre o propósito de Deus; seu êxito depende do uso do

132
Donald J. Wiseman, Chronicles of Chaldaean Kings, 23 ss.
133
Doukhan, Secrets of Daniel, 71.
Daniel 1 71

poder que lhe é confiado; sua conformidade com os princípios divinos é sempre a medida de sua prosperidade; e seu
destino é determinado pelas escolhas que seus líderes e povo fazem com respeito a esses princípios (Ed, 175, 174,
177, 178; PP, 536). Deus dá sabedoria e poder que fortalece as nações fiéis a Ele, mas abandona as que atribuem a
glória a conquistas humanas e agem de forma independente dEle (PR, 501).

Os seres humanos "que se recusam a sujeitar-se ao governo de Deus, são de todo inaptos para governar a si próprios"
(GC, 584). Quando, em vez de proteger as pessoas, a nação se torna um opressor altivo e cruel, sua queda é
inevitável (Ed, 176). Quando rejeitam os princípios divinos, a glória e o poder das nações desaparecem, e seu lugar é
ocupado por outras (Ed, 177). 'Todos estão pela sua própria escolha decidindo seu destino", e ao rejeitar os princípios
divinos provocam sua própria ruína (Ed, 178, 177). "O complicado jogo dos acontecimentos humanos acha-se sob a
direção divina. Por entre as contendas e tumultos das nações, Aquele que Se assenta acima dos querubins dirige os
negócios da Terra" e governa "acima de tudo para o cumprimento de Seu propósito" (Ed, 178; ver com. de Dn 10:1
3).

Ao mais humilde. Do aramaico shefal, "baixo", "humilde". O verbo é traduzido como "humilhar" (4:37) e
"humilhaste" (Dn 5:22).

18 Isto vi eu, rei Nabucodonosor, em sonhos. Tu, pois, ó Beltessazar, dize a interpretação, porquanto
todos os sábios do meu reino não me puderam fazer saber a interpretação, mas tu podes; pois há em ti o
espírito dos deuses santos.

Saber a interpretação. Ver com. do v. 7.

Dos deuses santos. Ver com. do v. 8.

19 Então, Daniel, cujo nome era Beltessazar, esteve atônito por algum tempo, e os seus pensamentos o
turbavam. Então, lhe falou o rei e disse: Beltessazar, não te perturbe o sonho, nem a sua interpretação.
Respondeu Beltessazar e disse: Senhor meu, o sonho seja contra os que te têm ódio, e a sua
interpretação, para os teus inimigos.

Atônito. Do aramaico shemam, que, na forma encontrada aqui , significa "pálido", "perplexo" ou "perturbado". O
último significado talvez seja o mais apropriado neste caso. Ao entender o sonho de imediato e suas implicações,
Daniel deve ter se sentido extremamente perturbado com a responsabilidade de revelar o terrível significado ao rei
(ver Dn 2:5).

Por algum tempo. Do aramaico sha'ah. É impossível definir o período indicado por sha'ah; pode ser breve ou
longo (ver o uso de sha'ah em Dn 3:6, 15; 4:33; 5:5). Deve ter passado tempo suficiente para que Daniel revelasse a
seu patrono real que "seus pensamentos o turbavam [ou o alarmavam]". Sem dúvida, Daniel estava procurando
palavras e expressões adequadas para contar ao rei as terríveis notícias com respeito a seu futuro.

Então, lhe falou o rei. O fato de Nabucodonosor passar a falar em terceira pessoa não justifica a conclusão de que
outro falava dele, e que, portanto, o documento não é genuíno, ou que o versículo inclua um dado histórico
interpolado no documento. Mudanças similares da primeira para a terceira pessoa e vice-versa se encontram em
outros livros bíblicos (ver Ed 7: 13-15; Et 8:7, 8) e seculares, antigos e modernos (ver com. de Ed 7:28). O rei viu a
consternação na face de Daniel. Pela natureza do sonho, dificilmente poderia esperar ouvir algo agradável. Contudo,
ele encorajou seu fiel cortesão a lhe dizer toda a verdade sem temor de ficar sujeito a reprovação.

Os que te têm ódio. Embora Daniel tivesse sido feito cativo pelo rei e sido deportado de sua pátria para servir a
estrangeiros, os opressores de seu povo, ele não abrigava maus sentimentos para com Nabucodonosor. De fato, suas
palavras testemunham que era leal ao rei, provavelmente em contraste com muitos dos judeus de sua época. Por
outro lado, as palavras de Daniel não devem ser interpretadas necessariamente como maldade para com os inimigos
do rei. A resposta exibe simplesmente uma reação de um cortesão oriental.

20 A árvore que viste, que cresceu e se tornou forte, cuja altura chegou até ao céu, e que foi vista por
toda a terra,
21 cuja folhagem era formosa, e o seu fruto, abundante, e em que para todos havia sustento, debaixo da
qual os animais do campo achavam sombra, e em cujos ramos as aves do céu faziam morada,
Daniel 1 72

22 és tu, ó rei, que cresceste e vieste a ser forte; a tua grandeza cresceu e chega até ao céu, e o teu
domínio, até à extremidade da terra.

22. És tu. Sem deixar o rei esperar por muito tempo, Daniel claramente lhe anunciou, embora o monarca, sem
dúvida, já suspeitasse que a árvore representava a si próprio.

Até ao céu. Para alguns, os termos pelos quais o profeta descreveu a grandeza de Nabucodonosor podem parecer
exagerados, mas deve-se ter em mente que Daniel usava linguagem e expressões de um cortesão oriental, com as
quais ele e o rei estavam acostumados. Esses termos são similares à altiva linguagem de Nabucodonosor, exibida em
várias de suas inscrições descobertas por arqueólogos. Eles também se parecem com as palavras empregadas pelos
predecessores assírios de Nabucodonosor e outros monarcas orientais.

23 Quanto ao que viu o rei, um vigilante, um santo, que descia do céu e que dizia: Cortai a árvore e
destruí-a, mas a cepa com as raízes deixai na terra, atada com cadeias de ferro e de bronze, na erva do
campo; seja ela molhada do orvalho do céu, e a sua porção seja com os animais do campo, até que
passem sobre ela sete tempos,
24 esta é a interpretação, ó rei, e este é o decreto do Altíssimo, que virá contra o rei, meu senhor:
25 serás expulso de entre os homens, e a tua morada será com os animais do campo, e dar-te-ão a
comer ervas como aos bois, e serás molhado do orvalho do céu; e passar-se-ão sete tempos por cima de
ti, até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer.

25. Com os animais. Embora as palavras do mensageiro celestial claramente indicassem uma calamidade, os magos
foram incapazes de determinar a natureza da punição. Não se declara o motivo para a expulsão do rei da sociedade,
embora seja provável que ele o tenha compreendido. Pode-se concluir que a punição foi a insanidade, não apenas
pelas observações gerais deste versículo, que descreve seu futuro, mas também pela declaração de que sua razão foi
restabelecida (v. 34). Não tem fundamento a afirmação de que o rei foi expulso devido a descontentamentos, ou
como resultado de uma revolução.

26 Quanto ao que foi dito, que se deixasse a cepa da árvore com as suas raízes, o teu reino tornará a ser
teu, depois que tiveres conhecido que o céu domina.

26. Tornará a ser teu. Muitos imaginam por que o rei insano não foi morto, ou por que seus súditos e ministros de
estado não colocaram outra pessoa no trono durante o tempo em que esteve incapacitado. Têm-se as seguintes
explicações: Os supersticiosos daquela época criam que todos os distúrbios mentais eram causados por espíritos
malignos que assumiam controle de suas vítimas. Se alguém matasse o insano, o espírito se apoderava do assassino
ou instigador do crime; e se sua propriedade fosse confiscada ou seu cargo ocupado por outro, uma terrível vingança
recairia sobre os responsáveis pela injustiça. Por isso, pessoas insanas eram removidas da sociedade e não eram
incomodadas (ver 1Sm 21:12-22:1).

27 Portanto, ó rei, aceita o meu conselho e põe termo, pela justiça, em teus pecados e em tuas
iniquidades, usando de misericórdia para com os pobres; e talvez se prolongue a tua tranquilidade.

Põe termo [...] em teus pecados. Um princípio divino é comunicado ao monarca arrogante. Os juízos de Deus
podem ser evitados mediante arrependimento e confissão (ver Is 38:1, 2, 5; Jr 18:7-10; Jn 3:1-10). Por essa razão,
Deus anunciou o juízo iminente sobre Nabucodonosor, mas lhe deu um ano inteiro para se arrepender, e assim evitar
a calamidade (ver Dn 4:29). Porém, o rei não mudou seu modo de vida e, como resultado, atraiu sobre si a execução
do juízo. Em contraste, os ninivitas, que tiveram 40 dias para se arrepender, aproveitaram a oportunidade; assim, eles
e a cidade foram poupados (Jn 3:4-10). "Certamente, o SENHOR Deus não fará coisa alguma, sem primeiro revelar
o Seu segredo aos Seus servos, os profetas" (Am 3:7). Deus avisa povos e nações da destruição iminente. Ele envia
uma mensagem ao mundo hoje, advertindo que o fim rapidamente se aproxima. Pode ser que poucos deem ouvidos a
essa advertência, mas pelo fato de terem sido devidamente avisados, não terão desculpas no dia da calamidade.

Usando de misericórdia. O rei foi advertido a ser justo para com seus súditos e a exercer misericórdia para com
oprimidos, miseráveis e pobres (ver Mq 6:8). Com frequência, alistam-se essas virtudes em conjunto (ver SI 72:3, 4;
Is 11:4).
Daniel 1 73

“Daniel não finalizou seu sermão profético sem oferecer esperança. A profecia incluía restauração como seu
elemento final. Daniel concluiu com um apelo ao rei, chamando-o ao arrependimento.”134

“Daniel não apelou para o rei se arrepender meramente com palavras; ele chamou por ações que fôssem
proporcionais com a profundidade e sinceridade de seu arrependimento. Ele chamou por atos corretos e restauração.
Em nome dos oprimidos, Daniel desafiou este temível conquistador que havia causado tanta destruição através do
Oriente Próximo. Nabucodonosor havia oprimido outros até o limite; agora ele tinha a oportunidade corrigir aqueles
erros e endireitá-los. Ele tinha o poder para fazê-lo. A questão era: faria ou não?

“O sonho e o apelo do profeta apontaram ao rei arrependimento, confissão e restauração. As proezas militares de
Nabucodonosor eram dignas de nota; poderia também deixar atrás de si um registro de restauração após tais
conquistas? Seria necessário um grande homem e um humilde homem para fazê-lo. Mas se Nabucodonosor não
fosse suficientemente humilde para fazê-lo por si mesmo, Deus faria este trabalho de humilhação em favor do rei”. 135

28 Todas estas coisas sobrevieram ao rei Nabucodonosor.


29 Ao cabo de doze meses, passeando sobre o palácio real da cidade de Babilônia,
30 falou o rei e disse: Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu
grandioso poder e para glória da minha majestade?

29. Sobre o palácio. Não se sabe de que palácio Nabucodonosor contemplava a cidade. Possivelmente foi do alto
dos famosos jardins suspensos, cujos muros largos e fortes foram escavados, ou do palácio de verão na parte norte da
nova cidade, que é agora um monte de ruínas conhecido como Babil (sobre Babilônia, ver Nota Adicional a Daniel
4).

30. Que eu edifiquei. Estudiosos da história antiga de Babilônia recordam estas palavras arrogantes ao lerem as
declarações do rei nas inscrições preservadas em meio ao pó e aos escombros das ruínas de Babilônia. Numa dessas
inscrições, o orgulhoso rei proclama: "Então, eu construí o palácio, o assento de minha realeza, o vínculo da raça
humana, a morada de júbilo e regozijo" (E. Schrader, Keilinschriftliche Bibliothek, vol. 3, parte 2, p. 39). Em outro
texto, ele diz: "Na Babilônia, cidade que eu prefiro, que amo, está o palácio, a admiração do povo, o vínculo do país,
o palácio brilhante, a morada da majestade no solo de Babilônia" (Ibid, p. 25). As escavações de R. Koldewey
mostraram que Nabucodonosor tinha razões humanas para se orgulhar de sua criação, embora não tenham
confirmado em todos os detalhes as declarações exageradas de autores clássicos sobre o tamanho da Babilônia antiga
(ver Nota Adicional a Daniel 4).

A declaração de Nabucodonosor de ter edificado a cidade de Babilônia não deve ser interpretada como referência à
fundação da cidade, que aconteceu de fato pouco depois do dilúvio (Gn 11:1-9; cf. Gn 10:10). A referência é ao
grande trabalho de reconstrução que seu pai Nabopolassar começou, e que Nabucodonosor completou. As atividades
de Nabucodonosor como construtor foram tão extensas que ofuscaram todos os feitos prévios. Diz-se que se podia
ver pouco do que não tinha sido erigido na sua época. Isso era verdade quanto aos palácios, templos, muros e mesmo
às residências. O tamanho da cidade foi mais que duplicado com o acréscimo de novas áreas à antiga Babilônia,
como subúrbios em ambas as margens do rio Eufrates.

31 Falava ainda o rei quando desceu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Já passou de ti o
reino.
32 Serás expulso de entre os homens, e a tua morada será com os animais do campo; e far-te-ão comer
ervas como os bois, e passar-se-ão sete tempos por cima de ti, até que aprendas que o Altíssimo tem
domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer.

31. Desceu uma voz. Comparar com Isaías 9:8, em que "desceu" é, literalmente, "caiu". As arrogantes declarações
do rei foram imediatamente seguidas de sua humilhação. Não se declara se esta voz foi ouvida apenas pelo rei ou se
também por seu séquito .

33 No mesmo instante, se cumpriu a palavra sobre Nabucodonosor; e foi expulso de entre os homens e
passou a comer erva como os bois, o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceram os
cabelos como as penas da águia, e as suas unhas, como as das aves.

134
William H. Shea, Daniel 1-7, 75.
135
Ibid.
Daniel 1 74

No mesmo instante, se cumpriu. Muitos comentaristas identificam a enfermidade de Nabucodonosor com uma
forma de insanidade em que a pessoa se vê como animal e imita seu modo de vida.

Encontrou-se um exemplo antigo dessa enfermidade mental. Uma tabuleta cuneiforme não publicada, do Museu
Britânico, menciona um homem que comia pasto como uma vaca (F. M. Th. de Liagre Bohl, Opera Minora [1953],
p. 527). Não é necessário identificar com precisão a enfermidade de Nabucodonosor ou igualá-la a algo conhecido
pela medicina atual. A experiência pode ter sido única. A narrativa é breve, e um diagnóstico preciso feito com tão
pouca informação seria inválido.

Penas da águia. A palavra "penas" foi acrescentada. O cabelo, quando não cuidado e exposto por muito tempo às
influências do clima e aos raios de sol, fica crespo e rebelde.

34 Mas ao fim daqueles dias, eu, Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu, tornou-me a vir o
entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é
sempiterno, e cujo reino é de geração em geração.

Ao fim daqueles dias. Isto é, ao fim dos "sete tempos" ou sete anos, preditos para a duração da loucura de
Nabucodonosor (ver com. do v. 16).

Levantei os olhos. É importante notar que o restabelecimento da razão ocorreu quando o rei reconheceu o
verdadeiro Deus. Quando em oração olhou para os céus, o humilhado rei foi elevado da condição de um animal bruto
à de um ser que tem a imagem de Deus. Aquele que por anos tinha estado no solo, impotente e rebaixado, foi mais
uma vez elevado à dignidade humana que Deus concedeu às Suas criaturas formadas segundo Sua imagem. A
característica essencial do milagre que aconteceu no caso de Nabucodonosor ainda se repete, embora de uma forma
menos espetacular, na conversão de cada pecador.

Bendisse o Altíssimo. O primeiro desejo do outrora altivo rei, após sua terrível experiência, foi agradecer a Deus,
louvá-lo como o Eterno e reconhecer a perpetuidade de Seu reino.

35 Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera
com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que
fazes?

Reputados em nada. Comparar com Is 40:17. A segunda parte deste versículo tem um paralelo estreito com Isaías
43:13. Alguns sugerem a possibilidade de que, em sua associação com Daniel, o rei tenha conhecido as palavras de
Isa ías, e que essas então lhe vieram à mente. A confissão foi maravilhosa, vinda da boca de um monarca outrora
altivo. É o testemunho de um converso penitente, uma declaração do coração de um homem que aprendeu com sua
experiência a conhecer e a reverenciar a Deus.

36 Tão logo me tornou a vir o entendimento, também, para a dignidade do meu reino, tornou-me a vir a
minha majestade e o meu resplendor; buscaram-me os meus conselheiros e os meus grandes; fui
restabelecido no meu reino, e a mim se me ajuntou extraordinária grandeza.

Tornou-me a vir. Com a restauração de sua consciência, Nabucodonosor também reconquistou a dignidade real e o
trono. A fim de mostrar a estreita relação entre o restabelecimento da razão e a restauração da soberania, este
versículo repete (ver v. 34) o primeiro elemento da recuperação. O segundo vem imediatamente, no modo semita
simples de narrar. Um narrador ocidental teria dito: "Quando meu entendimento retornou, também retornaram minha
posição e glória reais."

Buscaram-me. A palavra "buscaram" não indica necessariamente que, durante o período de insanidade, permitiu-se
que o rei vagasse pelos campos e pelo deserto sem supervisão, mas a busca de alguém tendo em conta seu posto
oficial. Quando se tornou conhecido que o rei tinha recuperado a razão, os regentes do estado o levaram de volta com
todo respeito devido, a fim de lhe restaurar o governo. Durante a insanidade do rei, esses homens tinham se
encarregado das questões do governo.

37 Agora, pois, eu, Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas as suas obras
são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos que andam na soberba.

Louvo, exalço. Esta é a conclusão da proclamação de Nabucodonosor, na qual, como pecador convertido, ele
Daniel 1 75

reconhece a justiça de Deus. A confissão de que Deus é "Rei do céu" expressou sua reverência para com o Deus que
acabava de receber. O monarca curado aprendeu bem a lição (ver PR, 521; Ellen G. White, Material Suplementar,
sobre este versículo). Nabucodonosor teve compreensão progressiva sobre Deus (ver Dn 2:47; 3:28; p. 826) .

A lição de Nabucodonozor é para nós136

Embora não tenhamos o poder e a autoridade de Nabucodonozor como governante de Babilônia, ainda
assim podemos aprender de sua experiência. Como ele, provavelmente tendemos a pensar melhor de nós mesmos do
que deveríamos. Como ele, louvamos nossas próprias realizações, grandes ou pequenas. “Não é esta a grande
Babilônia que eu edifiquei” ainda ecoa em nossa experiência hoje. Esta espécie de orgulho e auto-congratulação não
morreu com a morte do Império Neo-Babilônico. Segue viva hoje em a natureza humana e continua a manifestar-se
em diferentes maneiras. É o fundamento da moderna religião do humanismo, que assegura que os seres humanos são
tão competentes mental e fisicamente que não necessitam ajuda de qualquer fonte externa como Deus. Mas
exatamente quando chegamos a este ponto em nossa experiência, alguma coisa surge para perturbar nossa auto-
confiança e lançar-nos de volta aos braços do Pai Celestial que somente pode satisfazer nossas necessidades últimas.
O problema pode ser individual, como uma crise de saúde. Ou pode estar relacionado com a família, como a morte
de algum ser querido. Pode ser alguma coisa local, como uma enchente ou incêndio. Ou nacional e internacional,
como guerra ou fome. Não importa a forma em que a crise se manifeste, aprendemos que nossos próprios inventos
não são adequados para enfrentá-la. Nossa dependência não pode repousar sobre o próprio eu; deve ser colocada
sobre alguma coisa maior que nossas próprias habilidades. Como Nabucodonozor, devemos finalmente encontrar
nossa razão para viver em alguma coisa maior que, e fora de nós mesmos. ... Nós encontramos nossa mais elevada
posição na vida quando nos ajoelhamos humildemente ao pé da cruz. Nabucodonozor o descobriu, e nossa
experiência leva-nos à mesma conclusão.

Algumas vezes nos lamentamos acerca destas situações probantes. “Por que eu?”, é um constante clamor
quando vêm as provas. Os reveses que experimentamos na vida podem não ser tão diretos ou tão severos quanto
aqueles que Nabucodonozor enfrentou, mas eles deveriam ter o mesmo resultado final. Deveríamos ser aptos a ver a
mão de Deus guiando-nos através de tais experiências probantes; deveríamos finalmente ser aptos a ver como Ele
tem usado para refinar nosso caráter e ensinar-nos a depender dEle em tais tempos trabalhosos. Ao final desta
experiência, Nabucodonozor falou não para se lamentar contra Deus pela insanidade que havia vindo sobre ele. Não
foi tão severa. Não durou tanto tempo. Não havia nenhum argumento contra Deus; Nabucodonozor simplesmente se
levantou e louvou a Deus pela parte que Ele tinha desempenhado em sua vida.

Nós também deveríamos ser aptos a olhar para nossas experiência passadas e ver a maneira em que Deus
nos tem conduzido. Corretamente entendidas, não mudaríamos nada que a liderança de Deus permitiu que
sobreviesse a nossa vida, embora alguns episódios possam ter sido duros e dolorosos naquele momento. Quando
chegamos ao ponto final como Nabucodonozor, a dureza de tais experiências se desvanece e se transforma em louvor
ao Deus que nos conduziu, ainda através do vale da sombra da morte.”

NOTA ADICIONAL DO CAPÍTULO 4

Importantes escavações foram realizadas em Babilônia, desde 1899 até 1917, sob a direção de Robert Koldewey, que
trabalhou para a Deutsche Orient-Gesellschaft (Sociedade Oriental Alemã). Descobriram-se algumas das mais
importantes áreas do grande sítio de ruínas da antiga Babilônia, embora grandes áreas não tenham sido tocadas
nessas escavações. Babilônia foi uma cidade importante da Mesopotâmia desde o despontar da história (Gn 11).
Hamurábi tinha feito dela a capital de sua dinastia . Como sede do santuário do famoso deus Marduque, foi um
centro religioso mesmo durante períodos quando não desfrutava de supremacia política, como, por exemplo, durante
o tempo em que a Assíria era o principal poder regional. Quando Nabopolassar reconquistou a independência de
Babilônia, a cidade se tornou mais uma vez a metrópole do Oriental Médio. No entanto, foi principalmente sob o
governo de Nabucodonosor, o grande edificador do império neobabilônico, que Babilônia se tornou "ajoia dos
reinos, glória e orgulho dos caldeus" (Is 13: 19).

Foi a cidade de Nabucodonosor que Koldewey desenterrou, durante os 18 anos de escavações alemãs. Não se
encontrou praticamente nada dos estágios anteriores da cidade. Para isso atribuíram-se duas razões: (l) a mudança do
curso do rio Eufrates elevou o nível da água, de modo que os estratos da cidade antiga estão agora abaixo do nível da
água; e (2) a destruição de Babilônia pelo rei assírio Senaqueribe, em 689 a.C ., foi tão completa que restou pouco da
antiga cidade que pudesse ser descoberto por gerações posteriores. Por isso, todas as ruínas atuais visíveis datam do
136
Shea, Daniel 1-7, 82-83.
Daniel 1 76

império neobabilônico e de épocas posteriores. Mesmo essas mostram desolação e confusão incomuns, por duas
razões: (l) grande parte da cidade foi destruída pelo rei Xerxes, da Pérsia, após duas revoltas babilônicas contra seu
governo; e (2) as ruínas de Babilônia foram usadas por Seleuco para construir Seleucia, por volta de 300 a.C. A
maior parte das edificações das vilas vizinhas e da cidade de Hilla, bem como a grande represa do rio Hindiya, foram
construídas com tijolos de Babilônia.

A despeito dessas desvantagens, os escavadores tiveram êxito em esclarecer boa parte do desenho da Babilônia de
Nabucodonosor. Nisso, eles tiveram ajuda de antigos documentos cuneiformes encontrados durante as escavações.
Esses documentos contêm descrições detalhadas da cidade, de seus principais edifícios, muros e bairros, de modo
que se conhece mais da planta da Babilônia de Nabucodonosor do que de muitas cidades medievais europeias.
Portanto, há muita informação disponível quanto a cidade em cuj as ruas Daniel caminhou e a respeito da qual
Nabucodonosor proferiu as palavras registradas em Daniel 4:30.

A extensão da antiga Babilônia – Antes que as escavações revelassem a verdadeira dimensão da Babilônia de
Nabucodonosor e da mais antiga, eruditos se baseavam na descrição de Heródoto. Esse historiador declara ter
visitado a Mesopotâmia em meados do 5° século a.C .; e suas declarações, portanto, são com frequência
consideradas as de uma testemunha ocular. Ele afirma que (i.178, 179) Babilônia tinha a forma ele um grande
quadrado, de 22 km de lado. Essas medidas dariam aos muros da cidade uma extensão total de 88 km , e à cidade em
si uma área de quase 490 quilômetros quadrados. Ele também afirma que os muros tinham a espessura de 30m e
altura de 104 metros.

Antes que as escavações modernas revelassem o tamanho da antiga Babilônia, os estudiosos tentavam harmonizar as
afirmações de Heródoto com as ruínas visíveis. O assiriologista francês Jules Oppert, por exemplo, procurou explicar
a declaração de Heródoto estendendo a área da cidade de Babilônia até incluir a Birs Nimrud, 19 km a sudoeste das
ruínas de Babilônia, ou a Tell el-Oheimir, l3 km ao leste. Essa explicação é insatisfatória. Já nos dias de Oppert,
sabia-se que Birs Nimrud é o sítio da antiga Borsipa, e Tell el-Oheimir, o de Kish; ambas cidades famosas e
independentes com muros de proteção separados. Visto que jamais se encontrou um muro que rodeasse tanto
Babilônia como também Borsipa ou Kish, e uma vez que tal muro não é mencionado em nenhum dos documentos
contemporâneos que descreve a cidade antiga, o cálculo de Oppert, baseado na declaração de Heródoto a respeito da
extensão dos muros de Babilônia, não pode ser aceito.

As escavações revelaram que, antes da época de Nabucodonosor, a cidade era quase quadrada, com muros de 1,5 km
de extensão de cada lado: a cidade interna, no mapa da p. 876 (CBA, em português). Os palácios e prédios
administrativos estavam na parte noroeste da cidade, e ao sul deles ficava o principal conjunto de templos chamado
Esagila, dedicado a Marduque, principal deus de Babilônia. O rio Eufrates fluía ao longo do muro ocidental de
Babilônia. Quando Babilônia foi capital do vasto império, no tempo de Nabopolassar e Nabucodonosor, precisou ser
aumentada. Construiu-se uma nova área às margens ocidentais do Eufrates. A extensão é conhecida, mas poucas
escavações foram realizadas nessa parte. O que se sabe de seus templos e ruas foi reunido a partir de documentos
cuneiformes que descrevem essa área. Ela estava ligada à cidade antiga por uma ponte que ficava sobre oito pilares,
como revelaram as escavações.

Nabucodonosor também construiu um novo palácio distante e ao norte da antiga cidade, o famoso palácio de verão.
Construiu-se um grande muro externo para envolver o palácio. O novo muro ampliou muito a área da cidade. Não
existe evidência de um muro ao longo do rio desde o palácio de verão até a antiga área do palácio. Portanto, conclui-
se que o rio em si era considerado uma proteção suficientemente forte.

Os muros, que ainda podem ser vistos como monturos grandes e altos, estendiam-se por aproximadamente 20 km.
Essa é a extensão total dos muros de ambas as cidades, interna e externa. A circunferência da cidade de
Nabucodonosor, incluindo as áreas ribeirinhas, desde o palácio de verão até o setor do antigo palácio, tinha cerca de
15 km.

Escavações modernas mostram que a descrição de Heródoto quanto às dimensões dos muros precisa ser modificada.
As fortificações que rodeavam a cidade interna consistiam de muros duplos: o interno, com 6,5 m de espessura, e o
externo, com 3,7 m de espessura. O sistema de fortificações externas também era duplo, com um preenchimento de
cascalho entre ambos os muros e um caminho na parte superior, de acordo com Heródoto. A espessura de cada um
deles era a seguinte: muro interno, 7,1 m; espaço para preencher, 11,2 m; muro externo, 7,8 m, com uma espécie de
reforço na base, de 3,3 m de espessura. Portanto, o total da espessura dessa fortificação externa era de 29,4 m. Das
suas muitas torres, 15 foram escavadas.
Daniel 1 77

As escavações nada dizem sobre a altura dos muros, visto que restam apenas as bases, e em nenhuma parte têm mais
que 12 m, como na porta de Ishtar. Parece inconcebível que mesmo um muro duplo, com a espessura de base de 29
m, possa ter tido 104 m de altura. Não se conhece nenhum tipo de muro de cidade, antiga ou moderna, com essas
proporções. Portanto, a declaração de Heródoto com respeito à altura do muro de Babilônia não deve ser considerada
literalmente.

Quais as razões para essas inconsistências? É dada a seguinte explicação: Quando Heródoto visitou Babilônia, em
grande parte a cidade jazia em ruínas, tendo sido destruída por Xerxes após duas revoltas contra seu governo.
Templos, palácios e todas as fortificações foram totalmente demolidos. Na época de sua visita, Heródoto precisou
depender de informações orais com respeito às dimensões das antigas construções, a aparência dos edifícios e o
tamanho da cidade e dos muros. Visto que não falava a língua dos babilônicos, mas dependia de um guia de fala
grega, ele pode, devido a dificuldades de tradução, ter recebido informação inexata. Algumas de suas declarações
errôneas podem dever-se a lapsos de memória.

O assiriologista F. M. Th. de Liagre Böhl apresentou outra explicação. Ele sugere que Heródoto pode ter considerado
toda a fortaleza de Babilônia, incluindo as áreas que ficavam dentro da região que podia ser inundada em tempos de
perigo. Böhl destaca que é extremamente difícil a um leigo distinguir entre os diques de canais secos e o restante de
muros de cidades antigas. A única diferença é a ausência de fragmentos de cerâmica nos diques. Há fragmentos de
cerâmica em abundância próximos aos antigos muros da cidade. Portanto, deve-se considerar possível que Heródoto
tenha tomado por restos dos muros da cidade alguns dos muitos diques (ver Ex Oriente Lux, n. l0, 1945-48, p. 498, n.
28). Embora a antiga Babilônia não tivesse o tamanho fantástico que Heródoto lhe atribuiu, ela era enorme numa
época em que as cidades eram pequenas para os padrões modernos. Seu perímetro de 17,5 km suplantava o de 12,5
km de Nínive, a capital do império assírio; o dos muros da Roma imperial, de l0 km; e os 6,5 km dos muros de
Atenas na época do apogeu dessa cidade, no 5° século a.C. Essa comparação com outras cidades famosas da
Antiguidade mostra que Babilônia era, com a possível exceção da antiga Tebas, no Egito, então em ruínas, a maior
de todas as capitais antigas, embora fosse bem menor do que os escritores clássicos a retratam. É compreensível que
Nabucodonosor se sentisse no direito de se vangloriar por ter edificado "a grande Babilônia" com o seu "grandioso
poder" (Dn 4:30).

Uma cidade de templos e palácios – Pelo fato de Babilônia abrigar o santuário do deus Marduque, considerado o
senhor do céu e da terra, o principal de todos os deuses, os antigos babilônicos consideravam sua cidade o "umbigo"
do mundo. Por isso, Babilônia era um centro religioso sem comparação. Um tablete cuneiforme do tempo de
Nabucodonosor alista 53 templos dedicados a deuses importantes, 955 pequenos santuários e 384 altares de rua,
todos dentro dos limites da cidade. Em comparação, Assur, uma das principais cidades da Assíria, com seus 34
templos e capelas, fazia uma impressão relativamente pobre. Pode-se entender bem por que os babilônios se
orgulhavam da cidade, dizendo: "Babilônia é a origem e o centro de todas as terras". Seu orgulho se reflete nas
famosas palavras de Nabucodonosor citadas no com. de Daniel 4:30 e também numa antiga canção de louvor (como
a de E. Ebeling, Keilschrifttexte aus Assur religiosen Inhalts, Parte I [Leipzig, 1915], N. 8):

"Ó Babilônia, quem te contempla se enche de regozijo,


Quem habita em Babilônia vive mais,
Quem fala mal de Babilônia é como aquele que mata a própria mãe.
Babilônia é como uma doce tamareira, cujo fruto é agradável ao olhar."

O centro da glória de Babilônia era a famosa torre-templo Etemenanki, "a pedra fundamental do céu e da terra", com
uma base quadrada de 90 m de cada lado e, provavelmente, 91 ,4 m de altura. Esse edifício foi superado em altura
nos tempos antigos apenas pelas duas grandes pirâmides de Gizé, no Egito. A torre deve ter sido construída no local
onde estava a torre de Babel. A estrutura de tijolos consistia de sete níveis, dos quais o menor e mais elevado era um
santuário dedicado a Marduque, o principal deus de Babilônia (ver mais detalhes, no com. de Gn ll :9).

Um grande conjunto de templos, chamado Esagila, literalmente, "o que levanta a cabeça", rodeava a torre
Etemenanki. Seus átrios e edifícios foram o cenário de muitas cerimônias religiosas realizadas em honra a Marduque.
Grandes e coloridas procissões terminavam nesse lugar. Com exceção do grande templo de Amon, em Karnak,
Esagila foi o maior e mais famoso de todos os templos do Oriente antigo. Na época em que Nabucodonosor subiu ao
trono, ele já tinha uma longa e gloriosa história, e o novo rei reconstruiu inteiramente e embelezou grandes espaços
do conjunto de templos, incluindo a torre Etemenanhi.
Daniel 1 78

Tanto em número como em tamanho, os palácios de Babilônia revelavam ostentação incomum. Durante seu longo
reinado de 43 anos, Nabucodonosor construiu três grandes castelos ou palácios . Um deles ficava dentro da cidade
interna, os outros, fora. Um era o palácio de verão, na parte mais ao norte do novo quarteirão oriental. O monturo
que cobre suas ruínas é o mais alto entre todas as ruínas da antiga Babilônia, e é o único lugar que ainda leva o antigo
nome Babil. Contudo, a completa destruição desse palácio na Antiguidade e o subsequente saque de tijolos de sua
estrutura não deixaram muito para os arqueólogos descobrirem. Por isso, sabe-se pouco sobre o palácio.

Outro grande palácio, que os escavadores chamam de palácio central estava imediatamente fora do muro norte da
cidade interna. Esse também foi construído por Nabucodonosor. Os arqueólogos encontraram essa grande construção
também num estado sumamente desolado, com exceção de uma parte, o museu de antiguidades. Ali, objetos va
liosos do passado glorioso da história babilônica, como estátuas antigas, inscrições e troféus de guerra, foram
reunidos e exibidos "para que os homens contemplem", como expressou Nabucodonosor em uma das inscrições.

O palácio do sul ficava no canto noroeste da cidade interna e continha, entre outros edifícios, os famosos jardins
suspensos, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Um grande edifício abobadado tinha em seu topo um jardim
irrigado por um sistema de canos por meio dos quais se bombeava água. Segundo Diodoro, Nabucodonosor
construiu esse maravilhoso edifício para que sua esposa meda [da Média] encontrasse, na Babilônia plana e sem
árvores, um substituto das colinas arborizadas de sua pátria, da qual sentia falta. Nas abóbadas abaixo dos jardins
suspensos armazenavam-se provisões de cereais, azeite, frutas e especiarias para as necessidades da corte e de seus
dependentes. Escavadores encontraram, nessas salas, documentos administrativos, alguns dos quais mencionam que
o rei Joaquim , de Judá, recebia rações reais.

Junto aos jardins suspensos ficava um extenso conjunto de edifícios, salas e quartos que tinham substituído o palácio
menor de Nabopolassar, pai de Nabucodonosor. Esse palácio do sul era considerado a residência oficial do rei, lugar
de todas as cerimônias do estado. Ao centro ficava a grande sala do trono, com 17 por 52 m e, possivelmente, 18 m
de altura. Essa imensa sala pode ter sido onde Belsazar promoveu o banquete de sua última noite de vida, pois
nenhuma outra sala do palácio era grande o suficiente para acomodar mil convidados (ver Dn 5:1).

Uma das estruturas coloridas dessa cidade era a famosa porta de Ishtar, junto ao palácio do sul, que formava uma das
entradas pelo norte da cidade interna. Essa era a mais bela das portas de Babilônia, pois por ela passava o "caminho
da procissão", que levava dos diferentes palácios reais ao templo Esagila. Felizmente, essa porta não foi tão
completamente destruída como os demais edifícios de Babilônia e é a mais impressionante de todas as ruí-nas da
cidade. Tem altura de aproximadamente 12m.

As estruturas interiores dos muros e portas da cidade, dos palácios e templos eram de tijolos crus. As coberturas
externas consistiam de tijolos queimados e, em alguns casos, esma ltados. Os tijolos externos dos muros da cidade
eram amarelos; os da porta, azuis; os dos palácios, rosa; e os dos templos, brancos. A porta Ishtar era uma estrutura
dupla, por causa dos muros duplos. Tinha 50 m de extensão e consistia de quatro estruturas semelhantes a torres de
espessuras e alturas variadas. Os muros eram de tijolos cujas superfícies esmaltadas formavam figuras de animais em
relevo. Havia pelo menos 575 deles, incluindo bois amarelos, com listras decorativas de pelo azul, e patas e chifres
verdes. Eles se alternavam com animais mitológicos amarelos, chamados sirrush, que tinham cabeças e caudas de
serpentes, corpos com escamas e pés de águia e gato (ver ilustração na p. 951, e em Dicionário Bíblico Adventista,
fig. 137).

O acesso à porta de Ishtar (ver ilustração na p. 951) tinha muros de defesa de ambos os lados da rua. Nesses muros
havia leões feitos com tijolos esmaltados e em relevo, brancos com jubas amarelas ou amarelos com jubas vermelhas
(que com o tempo ficaram verdes), num fundo azul.

Assim era a cidade colorida e poderosa que o rei Nabucodonosor construiu: a joia das nações. Seu orgulho por ela se
reflete nas inscrições que deixou para a posteridade. Uma delas, no Museu de Berlim, diz:

"Fiz de Babilônia, a cidade santa, a glória dos grandes deuses, mais destacada que antes, e promovi sua reconstrução.
Fiz com que o santuário dos deuses e deusas fosse iluminado como o dia. Nenhum rei entre todos os reis jamais
criou, nenhum rei anterior jamais construiu, o que construí magnificamente para Marduque. Promovi ao máximo o
complexo de Esagila, e a renovação de Babilônia mais do que se fez antes. Todas minhas obras valiosas, o
embelezamento dos santuários dos grandes deuses, que eu empreendi mais do que meus ancestrais reais, escrevi num
documento para gerações futuras . Todos os meus feitos, que escrevi neste documento, lerão os que saibam ler e
lembrarão a glória dos grandes deuses. Que minha vida seja longa, que me regozije em meus descendentes; que
Daniel 1 79

minha descendência governe sobre o povo de cabeça negra por toda a eternidade, e que a menção do meu nome seja
proclamado para o bem em todas as épocas futuras."
Daniel 1 80

DANIEL 5
1 O rei Belsazar deu um grande banquete a mil dos seus grandes e bebeu vinho na presença
dos mil.

O rei. Quando Nabonido estava no Líbano se recuperando de uma enfermidade, pouco antes de sair para uma
campanha contra Tema, na Arábia ocidental, chamou seu filho mais velho (Belsazar), e "lhe confiou o reino" (ver
Nota Adicional a Daniel 5). Isso foi no "terceiro ano". Se ocorreu no terceiro ano de reinado, isso foi no inverno de
553/552 a.C. Alguns eruditos creem que esse ano foi o terceiro depois da conclusão do templo em Harã. Se assim
foi, a indicação de Belsazar como corregente ocorreu dois ou três anos mais tarde da data indicada, mas algum tempo
antes do sétimo ano de reinado de Nabonido, quando estava em Tema. Dessa época em diante, Belsazar controlou os
assuntos de Babilônia como corregente com seu pai, enquanto Nabonido residiu em Tema por muitos anos. De
acordo com o "Relato em Verso de Nabonido", Belsazar tinha o "reinado". Portanto, Daniel não cometeu erro algum
quando chamou Belsazar de "rei", embora críticos anteriormente declarassem que Daniel tinha errado.

Belsazar. O nome babilônico Bêl-shar-utsur significa "Bel, proteja o reil" Belsazar era o primogênito de Nabonido,
o último rei do império neobabilônico (ver Nota Adicional a Daniel 5).

Um grande banquete. Pode-se concluir dos v. 28 e 30 que o banquete ocorreu durante a noite em que Babilônia
caiu diante dos exércitos de Ciro. Xenofonte preservou a tradição de que, na época da queda de Babilônia, "ocorreu
um banquete em Babilônia, durante o qual toda Babilônia bebeu e se divertiu a noite toda" (Cyropaedia, vii.5.l5). É
inexplicável que Belsazar tenha dado um banquete imediatamente depois da queda de Sipar, e apenas alguns dias
depois da batalha perdida em Opis (ver vol. 3, p. 34). Ao que parece, ele se sentia completamente seguro em sua
capital, protegido por fortes muros e um sistema de canais que poderiam, em caso de perigo, inundar a região
circundante, e assim dificultar a um invasor o acesso à cidade (ver PR, 523).

É fato conhecido que era comum antigos monarcas darem banquetes para seus cortesãos. Uma estela descoberta em
Nimrud, a antiga Calá, menciona o fato de que o rei Assurnasirpal II deu uma grande festa na inauguração de um
novo palácio. Declara-se que serviu alimento, vinho e proveu alojamento a 69.574 pessoas, por 10 dias. O historiador
grego Ctésias declara que os reis persas alimentavam 15 mil pessoas todos os dias, e que Alexandre, o Grande, teve
10 mil convidados na sua festa de casamento. Festa semelhante também é descrita em Ester 1: 3 a 12.

Na presença dos mil. A ênfase dada ao fato de Belsazar beber diante de seus convidados parece indicar que em
Babilônia existia o mesmo costume da corte persa, onde o rei geralmente comia numa sala separada, e apenas em
ocasiões excepcionais, com seus convidados. O banquete ele Belsazar parece ter sido uma ocasião assim. O banquete
deve ter ocorrido no maior salão do palácio (ver p. 877, 878).

2 Enquanto Belsazar bebia e apreciava o vinho, mandou trazer os utensílios de ouro e de


prata que Nabucodonosor, seu pai, tirara do templo, que estava em Jerusalém, para que
neles bebessem o rei e os seus grandes, as suas mulheres e concubinas.
3 Então, trouxeram os utensílios de ouro, que foram tirados do templo da Casa de Deus que
estava em Jerusalém, e beberam neles o rei, os seus grandes e as suas mulheres e
concubinas.
4 Beberam o vinho e deram louvores aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de
madeira e de pedra.

2. Apreciava o vinho. Alguns creem que estas palavras indicam que Belsazar estava bêbado quando deu a ordem de
trazer os utensílios sagrados de Jerusalém. Outros explicam que a frase significa que a ordem foi dada após a
refeição, no momento que o vinho começou a ser servido. Recorrem a declarações gregas clássicas que dizem que os
persas tinham o costume de beber vinho após a refeição. Contudo, era incomum para um oriental profanar objetos
sagrados de outras religiões. Portanto, não seria natural que Belsazar ordenasse isso enquanto estivesse no controle
de sua razão (ver PR, 523).

“Príncipes e estadistas bebiam vinho como água, e se aviltavam sob sua enlouquecedora influência.”{PR 267.4}
Daniel 1 81

Suas mulheres e concubinas. As duas palavras aramaicas traduzidas como "mulheres" e "concubinas" são
sinônimas, e ambas significam "concubinas". Uma pode representar uma classe superior. Sugere-se que a classe de
concubinas pode ter consistido de mulheres de lares respeitáveis, ou mesmo da nobreza; e a outra classe seria de
mulheres levadas por dinheiro ou capturadas em guerra. Embora as mulheres participassem do banquete, como diz
esta passagem, parece que a "rainha" não se encontrava entre os que bebiam vinho. Sua entrada na sala de banquete é
descrita depois que se vê a escritura na parede (v. 10). A LXX não faz referência à participação de mulheres no
banquete. Alguns creem que seja porque, de acordo com o costume dos gregos, as esposas não participavam de tais
festas.

Utensílios. Os utensílios do templo foram levados de Jerusalém em três ocasiões: (l ) uma parte deles na época em
que Nabucodonosor levou cativos de Jerusalém, em 605 a.C . (Dn l:l, 2); (2) a maioria dos utensílios restantes de
metais preciosos quando o rei Joaquim foi levado cativo, em 597 (2Rs 24:1 2, 13); e (3) o restante dos objetos, a
maioria de bronze, quando o templo foi destruído, em 586 (2Rs 25:1 3-1 7).

Seu pai. Parece que Belsazar era neto do grande rei (ver PR, 522); sua mãe era provavelmente filha de
Nabucodonosor (ver p. 886-888). A palavra "pai" deve ser interpretada como "avô" ou "ancestral", como em muitas
outras passagens da Bíblia (ver com. de 1Cr 2:7; sobre a ascendência de Belsazar desde Nabucodonosor, ver Nota
Adicional a Daniel 5). Por si só, a expressão "seu pai" poderia também ser entendida no sentido de "seu
predecessor". Um exemplo desse emprego se encontra numa insc rição assíria que chama o rei israelita, Jeú , "filho
de Onri ", embora os dois não fossem consanguíneos. Na verdade, Jeú exterminou toda a casa de Onri (2Rs 9; 10).

4. Deram louvores aos deuses. Os louvores dos pagãos bêbados eram em honra aos deuses babilônicos, cujas
imagens enfeitavam os vários templos da cidade.

5 No mesmo instante, apareceram uns dedos de mão de homem e escreviam, defronte do


candeeiro, na caiadura da parede do palácio real; e o rei via os dedos que estavam
escrevendo.

Na caiadura da parede. Se a grande sala do trono escavada por Koldewey, no palácio do sul da Babilônia de
Nabucodonosor (ver p. 877, 878), foi o cená rio deste banquete, não é difícil imaginar o que aconteceu no momento
fatal descrito aqui . A sala tinha 17 por 52 m. No centro de um dos lados, oposto à entrada, hav ia um vão, onde devia
estar o trono. As paredes eram cobertas de gesso branco e fino. Pode-se imaginar que o candelabro, ou candeeiro,
estava próximo ao trono do rei. Naquela época se usavam candeeiros com várias lâmpadas de azeite. Diante do
candeeiro, do outro lado da sala, surgiu a misteriosa mão e escreveu no gesso, de forma que Belsazar a viu. Não se
explica se a escritura tinha a forma de letras pintadas ou se foi talhada no gesso.

Via os dedos. Não se declara quanto da mão era visível. A palavra aramaica pas, traduzida como "parte" (ARC),
algumas vezes é interpretada como "palma", e outras para designar a mão até o punho, em contraste com o antebraço.

6 Então, se mudou o semblante do rei, e os seus pensamentos o turbaram; as juntas dos


seus lombos se relaxaram, e os seus joelhos batiam um no outro.

As juntas [...] se relaxaram. Comparar com Is 21:3. A consciência acusada suscitou o terror, que encheu o rei de
terríveis pressentimentos. Seus pensamentos devem ter se aprofundado em trevas ao perceber o perigo mortal ao qual
o império tinha sido exposto devido a erros políticos do passado, por sua própria vida e atos imorais, pela recente e
desastrosa derrota de seu exército e pelos atos sacrílegos. Não é de se surpreender que "seus pensamentos o
turbaram".

“Cessou a ruidosa festa, enquanto homens e mulheres, possuídos de terror, observavam a mão traçando os
misteriosos caracteres. Perante eles passaram-se, como numa visão panorâmica, as obras de suas vidas más; parecia-
lhes estarem citados ante o tribunal do eterno Deus, cujo poder eles acabavam de desafiar. Onde apenas poucos
momentos antes havia hilaridade e ditos blasfemos, viam-se agora faces pálidas e exclamações de terror. Quando
Deus faz os homens temerem, eles não podem ocultar a intensidade desse terror.” {PR 268.3}

7 O rei ordenou, em voz alta, que se introduzissem os encantadores, os caldeus e os


feiticeiros; falou o rei e disse aos sábios da Babilônia: Qualquer que ler esta escritura e me
declarar a sua interpretação será vestido de púrpura, trará uma cadeia de ouro ao pescoço e
será o terceiro no meu reino.
Daniel 1 82

7. Encantadores. Ver com. de Dn 1:20.


Caldeus. Ver com. de Dn 1:4.
Feiticeiros. Ver com. de Dn 2:27.

Púrpura. Do aramaico 'argewan. Antigamente, a púrpura real tinha uma cor vinho escuro, próximo ao carmesim.
Evidências documentais do tempo dos persas (Et 8:15; Xenofonte, Anahasis, i.5.8), dos medos (Xenofonte,
Cyropaedia, i.3.2; ii.4.6) e de períodos posteriores confirmam que púrpura era a cor da realeza na Antiguidade.
Daniel confirma esse costume no período neobabilônico, que precedeu ao persa.

Cadeia de ouro. O costume de honrar os favoritos entre os servidores públicos da coroa concedendo-lhes cadeias de
ouro, condecorações ou colares jáexistia no Egito muitos séculos antes (ver com. de Gn 41 :42). Isso era comum
entre as nações antigas.

O terceiro no meu reino. Antes que se compreendesse plenamente o lugar de Belsazar no reino e sua relação com
Nabonido (ver Nota Adicional a Daniel 5), comentaristas podiam apenas conjecturar quanto à identidade do segundo
governante do reino. A existência de tal governante estava implícita na promessa de tornar o leitor da misteriosa
escritura na parede "o terceiro" no reino. A rainha-mãe, a esposa de Belsazar, ou um filho foram apontados. Pensou-
se, é claro, que o próprio Belsazar fosse o primeiro governante do império. Mas, uma vez que se soube que ele era
apenas um corregente com seu pai, e, portanto, o segundo no reino, ficou claro por que ele não podia conferir
posição mais elevada no reino do que "o terceiro".

8 Então, entraram todos os sábios do rei; mas não puderam ler a escritura, nem fazer
saber ao rei a sua interpretação.
9 Com isto, se perturbou muito o rei Belsazar, e mudou-se-lhe o semblante; e os seus
grandes estavam sobressaltados.

Então, entraram todos os sábios. Alguns viram uma contradição entre esta declaração e o relato do versículo
anterior que registra palavras do rei dirigidas aos sábios. A explicação mais natural é que as palavras do rei
registradas no v. 7 foram ditas aos sábios que já estavam presentes no banquete quando a escritura apareceu na
parede. O v. 8, então, se aplica a "todos os sábios do rei", incluindo aqueles que foram à sala de banquetes em
resposta à ordem de Belsazar.

Não puderam ler. Não se declara a razão, e qualquer explicação que se ofereça não passa de conjectura.
Aparentemente, as palavras estavam em aramaico (ver com. dos v. 26-28), mas eram tão poucas e misteriosas que
mesmo o conhecimento de cada uma não revelaria a mensagem contida nelas. Não se diz se o rei não conseguiu lê-
las devido a ter bebido vinho demais, ou se as letras não podiam ser distinguidas devido a seu deslumbrante brilho
(ver Ellen G. White, Material Suplementar, sobre os v. 5-9), ou se a escritura era singular, decifrável somente por
meio de iluminação divina. A conjectura de que os caracteres estavam em hebraico antigo, sendo ilegíveis para os
babilônios, não parece plausível. É extremamente improvável que os sábios de Babilônia não pudessem ler esses
antigos caracteres semitas, que tinham sido usados não só pelos hebreus, mas também pelos fenícios e outros povos
da Ásia Ocidental.

10 A rainha-mãe, por causa do que havia acontecido ao rei e aos seus grandes, entrou na
casa do banquete e disse: Ó rei, vive eternamente! Não te turbem os teus pensamentos,
nem se mude o teu semblante.
11 Há no teu reino um homem que tem o espírito dos deuses santos; nos dias de teu pai,
se achou nele luz, e inteligência, e sabedoria como a sabedoria dos deuses; teu pai, o rei
Nabucodonosor, sim, teu pai, ó rei, o constituiu chefe dos magos, dos encantadores, dos
caldeus e dos feiticeiros,
12 porquanto espírito excelente, conhecimento e inteligência, interpretação de sonhos,
declaração de enigmas e solução de casos difíceis se acharam neste Daniel, a quem o rei
pusera o nome de Beltessazar; chame-se, pois, a Daniel, e ele dará a interpretação.

10. A rainha-mãe. Desde a época de Josefo (Antiguidades, x.ll.2), comentaristas consideram esta "rainha" como a
mãe ou avó do rei (ver PR, 527). De acordo com o costume oriental, ninguém a não ser a mãe de um monarca
ousaria entrar na presença do rei sem ser chamada. Mesmo sua esposa colocaria a própria vida em risco se fizesse
isso (ver Et 4:11, 16). Cartas cuneiformes babilônicas escritas por alguns reis às suas mães mostram um notável tom
Daniel 1 83

respeitoso e revelam claramente a posição elevada que ocupavam as mães reais. Essa elevada posição de rainha-mãe
também pode ser deduzida do fato de que quando, em 547 a.C., a mãe de Nabonido, avó de Belsazar, morreu em Dur
Karâshu, no Eufrates, acima de Sipar, houve um prolongado luto oficial na corte. O fato de que ela morrera antes dos
eventos descritos neste capítulo era desconhecido aos comentaristas que identificavam a "rainha" como a avó de
Belsazar.

Ó rei, vive eternamente! Ver com. de Dn 2:4 sobre esta saudação comum.

11. Há no teu reino um homem. Não é estranho que Daniel não estivesse entre o grupo de sábios chamados pelo
rei. Seu período de serviço público tinha, sem dúvida, terminado algum tempo antes, talvez com a morte de
Nabucodonosor, ou ainda antes (ver p. 821, 822). Contudo, devia ser bem conhecido pelos representantes da geração
anterior, à qual pertencia a mãe do rei (sobre as possíveis razões de sua aposentadoria, ver com. do v. 13).

O espírito dos deuses santos. Comparar com a declaração de Nabucodonosor (Dn 4:8, 9). A semelhança apoia a
probabilidade, sugerida também por outra evidência, de que a rainha era parente próximo de Nabucodonosor,
provavelmente sua filha (ver p. 886-888). A informação que ela dá a respeito do distinto serviço de Daniel no
passado e sobre a elevada posição do profeta no governo de Nabucodonosor é aparentemente nova para Belsazar.
Isso sugere que Daniel não tinha assumido nenhum cargo nesse reinado, antes do evento narrado aqui. Por isso,
talvez poucos o conhecessem, ou mesmo ninguém, no séquito do rei.

Nabucodonosor, sim teu pai. Ver com. do v. 2.


Magos. Ver com. de Dn 1:20; cf. 2:2, 27.

12. Casos difíceis. Do aramaico qitrin, literalmente, "nó". A palavra foi mais tarde usada como um termo mágico na
Síria e na Arábia. Neste caso, o significado parece ser "tarefas difíceis" ou "problemas".

13 Então, Daniel foi introduzido à presença do rei. Falou o rei e disse a Daniel: És tu aquele
Daniel, dos cativos de Judá, que o rei, meu pai, trouxe de Judá?

13. És tu aquele Daniel [...]? Esta frase também pode ser traduzida como: 'Tu és aquele Daniel". Se fosse essa a
tradução correta, a saudação sugeriria que Belsazar conhecia a origem de Daniel, mas que não tinha tido nenhuma
relação direta com ele. Daniel não era mais o chefe dos magos na corte (Dn 2:48, 49). Parece que, com a morte de
Nabucodonosor, a política que Daniel defendia tinha se tornado desfavorável na corte de Babilônia, e que, como
resultado, ele fora retirado do serviço público. É evidente que Belsazar e seus predecessores sabiam tudo sobre o
modo como Deus lidara com Nabucodonosor (Dn 5:22), mas tinham rejeitado abertamente a política deste último de
reconhecer o verdadeiro Deus e cooperar com Sua vontade (Dn 4:28-37; 5:23). O fato de Daniel ter, mais tarde,
entrado para o serviço da Pérsia (Dn 6:1-3) indica que sua aposentadoria durante os últimos anos do império
babilônico não se deveu a problemas de saúde ou idade avançada. A severa reprovação a Belsazar (Dn 5:22, 23)
evidencia a hostilidade do rei contra os princípios e a política de governo que Daniel representava. Sua desaprovação
da política oficial babilônica pode ter sido um dos fatores que levou os primeiros governantes do império persa a
favorecê-lo.

14 Tenho ouvido dizer a teu respeito que o espírito dos deuses está em ti, e que em ti se
acham luz, inteligência e excelente sabedoria.
15 Acabam de ser introduzidos à minha presença os sábios e os encantadores, para lerem
esta escritura e me fazerem saber a sua interpretação; mas não puderam dar a
interpretação destas palavras.
16 Eu, porém, tenho ouvido dizer de ti que podes dar interpretações e solucionar casos
difíceis; agora, se puderes ler esta escritura e fazer-me saber a sua interpretação, serás
vestido de púrpura, terás cadeia de ouro ao pescoço e serás o terceiro no meu reino.

14. Espírito dos deuses. Em contraste com as palavras da rainha (v. 11) e de Nabucodonosor (Dn 4:8), Belsazar
omite o adjetivo "santo" em relação a "deuses".

17 Então, respondeu Daniel e disse na presença do rei: Os teus presentes fiquem contigo, e
dá os teus prêmios a outrem; todavia, lerei ao rei a escritura e lhe farei saber a
interpretação.
Daniel 1 84

Fiquem contigo. Alguns imaginam que como um vidente divinamente iluminado, Daniel recusou a distinção e o
lugar de honra prometido ao intérprete, a fim de evitar qualquer aparência de interesse próprio na presença do rei.
Isso pode ser verdade. Também é possível que Daniel, sabendo que o reino de Belsazar estava prestes a findar, não
tinha interesse em receber quaisquer favores do homem que naquela mesma noite, por atos e palavras, tinha
blasfemado do Deus dos céus e da terra. Mesmo nesse tempo, na velhice, Daniel não se oporia em princípio a aceitar
uma posição no governo, como demonstra o fato de que, pouco tempo depois, ele ocupou mais uma vez um cargo
oficial (Dn 6:21). Sem dúvida, o cargo foi aceito porque Daniel sentiu que poderia exercer influência positiva sobre o
rei e ser um instrumento nas mãos de Deus para libertar seu povo do exílio. No entanto, talvez Daniel tenha sentido
que aceitar honra ou dignidade de Belsazar não só seria inútil, mas poderia até ser prejudicial e perigoso.

18 Ó rei! Deus, o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino e grandeza, glória e
majestade.
19 Por causa da grandeza que lhe deu, povos, nações e homens de todas as línguas
tremiam e temiam diante dele; matava a quem queria e a quem queria deixava com vida; a
quem queria exaltava e a quem queria abatia.
20 Quando, porém, o seu coração se elevou, e o seu espírito se tornou soberbo e
arrogante, foi derribado do seu trono real, e passou dele a sua glória.
21 Foi expulso dentre os filhos dos homens, o seu coração foi feito semelhante ao dos
animais, e a sua morada foi com os jumentos monteses; deram-lhe a comer erva como aos
bois, e do orvalho do céu foi molhado o seu corpo, até que conheceu que Deus, o Altíssimo,
tem domínio sobre o reino dos homens e a quem quer constitui sobre ele.
22 Tu, Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que sabias tudo isto.
23 E te levantaste contra o Senhor do céu, pois foram trazidos os utensílios da casa dele
perante ti, e tu, e os teus grandes, e as tuas mulheres, e as tuas concubinas bebestes vinho
neles; além disso, deste louvores aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de
madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem sabem; mas a Deus, em cuja mão
está a tua vida e todos os teus caminhos, a ele não glorificaste.

18. Nabucodonosor. Antes que Daniel lesse e interpretasse a escritura, relembrou ao rei a experiência de
Nabucodonosor como resultado de sua recusa em cumprir o destino divino com respeito a si mesmo e à sua nação.
Além disso, Nabucodonosor tinha sido mais poderoso e prudente do que Belsazar. O profeta mostrou a Belsazar
como ele, o neto, tinha agido impiamente para com Deus, Senhor de sua vida, e nada tinha aprendido com a
experiência de Nabucodonosor.

“Belsazar estava pecando contra a luz e o conhecimento; ele não estava em trevas e ignorância concernente ao
verdadeiro Deus (vv. 22-24)”.137

“Belsazar e seu pai, Nabonido, tinham deliberadamente escolhido outros deuses para adorar. Eles adoravam não
somente a Marduque, o deus regular e proeminente de Babilônia, mas também a SIN, o deus lua. Nabonido era um
devoto especial deste deus. Ele selecionou templos do deus lua para reconstruir e renovar, tanto na Síria como em
Babilônia. Chegou mesmo a construir um templo para Sin na Arábia.”138

“É interessante ver esta conexão com o deus lua à luz da maneira como os eventos ocorreram em Babilônia
naquela noite de outubro em que a cidade foi tomada. (Nabonido foi derrotado no décimo-quarto dia de Tishri, e a
cidade de Babilônia caiu diante do exército persa dois dias mais tarde. Através do uso de tabelas compiladas por
modernos astrônomos e assiriólogos, o dia em que Babilônia caiu pode ser identificado como o 12 de outubro de 539
a.C em termos de nosso calendário139). O assalto final dos persas sobre Babilônia começou na noite do décimo-
quinto dia de Tishri e foi completado pela manhã do décimo-sexto dia (o dia babilônio se estendia de um pôr-do-sol
ao outro). Na noite do décimo-quinto dia de um mês lunar como Tishri, uma lua cheia deveria estar brilhando.
Assim Babilônia caiu quando Sin, o deus lua, se apresentava em seu mais pleno poder. Embora elevado por
Nabonido a uma posição de proeminência no panteão babilônico, o deus lua não tinha poder contra o decreto de
Yahweh, o verdadeiro Deus, quem tinha predito a derrota (ruína, destruição) de Babilônia pelos medos e persas. O

137
Shea, Daniel 1-7, 88.
138
Ibid.
139
Ibid., 87.
Daniel 1 85

poder de Deus se demonstrou soberano sobre todos os elementos da natureza e humano. Nada poderia impedi-LO de
cumprir Seus propósitos – certamente nem o poder (fraqueza!) do falso deus da lua.

“Estes eventos revelam outro interessante detalhe em termos do calendário. O mês de Tishri era o sétimo
mês de ambos calendários – judeu e babilônico. O festival hebraico do Yom Kippur, o Dia da Expiação, ocorria no
décimo dia de Tishri. Em outras palavras, o Dia da Expiação judaico ocorreu justamente cinco dias antes da queda
de Babilônia. Quando Daniel leu o escrito sobre a parede, ele interpretou o significado da terceira palavra, tekel,
como significando: “Pesado foste na balança e achado em falta” (v. 27). O verbo aqui está no tempo passado –
“pesado foste”. Quando pronunciou Deus tal juízo concernente a Babilônia? De todos os dias no calendário judeu, o
dia da expiação era o dia de juízo por excelência. Era um dia de juízo no campo de Israel, e é ainda considerado ser
um dia de juízo em modernos rituais da sinagoga. Não havia um tempo mais apropriado para Deus pronunciar uma
sentença sobre Babilônia e Belsazar que o Dia da Expiação, que precedeu a ruína do reino por somente cinco
dias.”140

“Porém, mais importante que o destino de Belsazar era o destino das nações que ocorreu naquela noite. As fortunas
da história se voltaram de Babilônia para coroar a Pérsia como o próximo grande império mundial. A Medo-Pérsia
haveria de estender suas fronteiras ainda mais longe que Babilônia. A cidade de Babilônia foi incorporada ao império
persa e por um tempo serviu como uma das capitais de inverno dos reis persas. Quando Babilônia finalmente se
rebelou contra Xerxes (o Assuero do livro de Ester) em 482 a.C., ele sufocou a revolta com tal violência que desde
aquele tempo em diante, a cidade começou a perder a sua importância. O primeiro golpe, entretanto, para a perda do
poder de Babilônia, ocorreu ao tempo da conquista medo-persa em 539 a.C.”141

“O livro de Daniel integra história e profecia. As grandes linhas da história profética que Daniel esboçou
estão enraizadas na história de seu tempo. O primeiro poder mundial referido nas profecias de Daniel – caps. 2 e 7 –
foi Babilônia – representado pela cabeça de ouro (2:32, 37) e o leão (7:4). O próprio Daniel viveu sob o poder
mundial de Babilônia (caps. 1-5, 7, 8), e também viveu para servir sob os conquistadores persas (caps. 6, 9-12).
Assim o próprio Daniel viu o cumprimento da primeira parte destas grandes profecias que Deus lhe deu.”142

“Daniel reconheceu esta transição de impérios mundiais em uma interessante e sutil maneira em suas
palavras dirigidas a Belsazar naquela noite final antes da queda de Babilônia. Ele destacou para Belsazar que o rei
havia louvado “aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra...” (v. 23). Esta sequência soa
familiar ao leitor da profecia do capítulo 2 de Daniel. A grande imagem se constituía de ouro, prata, bronze, ferro e
barro, seguida pela grande pedra (2:31-35). A exceção do fato de que Daniel substituiu “madeira” pelo “barro”, a
sequência é a mesma em suas palavras a Belsazar na noite da transição do império de ouro de Babilônia para o
império de prata da Medo-Pérsia. Daniel fez uma interessante variação aqui no capítulo 5, entretanto, pois quando
ele começou a enumerar estes metais, ele colocou a prata primeiro, antes do ouro. Por que esta menor, mas
significativa, alteração? Porque o cumprimento da profecia dada no capítulo 2 estava realmente ocorrendo naquela
noite; a prata estava substituindo o ouro, e Daniel o expressa em suas palavras ao rei.” 143

24 Então, da parte dele foi enviada aquela mão que traçou esta escritura.

24. Então. Referência ao momento então recente de embriaguez e orgia, quando Belsazar louvou seus deuses e
bebeu vinho nos utensílios sagrados do templo de Jerusalém, conforme descrito no v. 23.
Aquela mão. Ver com. do v. 5.
Esta escritura. A inscrição ainda era
visível na parede.

25 Esta, pois, é a escritura que se traçou: MENE, MENE, TEQUEL e PARSIM.

“A mão que havia traçado os caracteres não se via mais, mas estas quatro palavras estavam ainda luzindo com
terrível clareza...” {PR 270.2}

140
Ibid., 89.
141
Ibid., 92-93.
142
Ibid., 93.
143
Ibid.
Daniel 1 86

Esta, pois, é a escritura. Daniel leu as palavras escritas na parede, aparentemente quatro palavras em aramaico. É
inútil especular sobre a natureza da escritura e sua relação com alguma escrita conhecida (ver com. do v. 8). Mas,
mesmo depois de lidas, as palavras não poderiam ser compreendidas a não ser mediante iluminação divina. Uma
verdade estava expressa em cada palavra-chave, daí a necessidade de interpretação (CBA).

Qual o significado da inscrição na parede do palácio? Por que os sábios de Babilônia não foram
capazes de interpretar a escritura na parede?

Em primeiro lugar devemos observar que a inscrição é de origem sobrenatural. A tradução literal do
aramaico diz: “de Sua presença foi enviada a palma da mão”, referindo-se de modo reverente à ação de
Deus.144 O livro de Daniel enfatiza que a mão de Deus está ativa na história, realizando os Seus eternos
propósitos e tornando evidente que Ele tem o controle de tudo o que acontece no mundo em geral e com
os Seus filhos em particular (2:45; 8:25; 9:15; 4:35b). Isto é especialmente relevante no contexto do que
estamos analisando, visto que esta noite testemunhará de maneira extraordinária o cumprimento da
profecia do capítulo 2 de Daniel, em que a cabeça de ouro, símbolo de Babilônia, será substituída pelo
peito e braços de prata, símbolo do Império Medo-Persa. Também se cumpre a palavra de Daniel, de que
“Deus é quem remove reis, e estabelece reis” (2:21).

Voltando à inscrição na parede, assim está escrito: “Esta, pois, é a escritura que foi traçada: MENE,
MENE, TEQUEL, UFARSlM.” (Dn 5:25). Alguém poderia questionar por que os sábios não puderam
entender a inscrição, visto o aramaico ser um idioma oficial de Babilônia. Várias propostas têm sido
apresentadas no decorrer da história, em uma tentativa de resolver este quebra-cabeça.145 Tem sido
sugerido que a dificuldade primária para a leitura da inscrição estaria na forma como se escrevia o
aramaico naquele distante passado: sem vogais e sem separação entre as palavras. Desta forma, a inscrição
pareceria com algo assim: ‫מנאמנאתקלפרס‬. Alguns ainda sugerem que a inscrição poderia estar em uma
posição vertical, o que poderia dificultar ainda mais o processo. Outra sugestão é que “a inscrição era um
número escrito em cuneiforme, que foi traduzido para o aramaico e então interpretado.”146 Calvino
entende que Deus simplesmente cegou os infiéis para que não entendessem a mensagem. O desafio para
os sábios de Babilônia, entretanto, não era dar a definição do dicionário para estas quatro palavras, e sim
revelar o significado que elas tinham para o rei.147

A interpretação dada por Daniel divide a inscrição em três palavras de três letras, cada uma com três
níveis de significado. O primeiro nível representa medidas de pesos (não moedas): uma mina (600 g), um
shekel (10 g) e ufarsin (a metade de uma mina, 300g).148 A mensagem foi expressa em uma linguagem do
mercado, que o vendedor poderia usar para informar aos clientes os diferentes pesos e valores de suas
mercadorias. O vínculo era claro para Belsazar: é a liquidação do estoque e o fim de seus negócios.149 O
segundo nível representa as ações de avaliação realizada por Deus: “contou, ou numerou, Deus o teu
reino” – Deus é o contador, o numerador, significando que os dias de duração de Belsazar tinham sido
numerados.150 A repetição de mene indica que os dois reis de Babilônia, Nabonido, o pai, e Belsazar, o
filho, não tinham qualquer futuro, porque seus dias haviam terminado.151 “Pesado foste na balança” – nos
tempos bíblicos era uma metáfora familiar para o juízo divino; e “dividido foi o teu reino” – observe o
jogo de palavras envolvendo o verbo aramaico peras, “dividir”, e a palavra pāras, que significa Pérsia ou

144
Z. Stefanovic, Daniel, 195.
145
Cf. Rabbi Michael Hilton, “Babel Reversed – Daniel chapter 5”, Journal for the Study of the Old Testament 66
(1995): 105-106.
146
David Instone Brewer, “MENE MENE TEQEL UPARSIN: Daniel 5:25 In Cuneiform”, Tyndale Bulletin 42.2
(Nov. 1991): 310 [310-316]. Contudo, esta sugestão não é tão recente: cf. bibliografia em Al Wolters, “The Riddle of
the Scales in Daniel 5”, Hebrew Union College Annual, 62 (1991): 155-177.
147
Z. Stefanovic, Daniel, 198.
148
Primeiramente proposto por C. Clermont-Ganneau, in Journal Asiatique, Juillet-Aout (1886): 36-67; reimpresso
in Recueil d'Archéologie Orientale I (1888): 136-159. Cf. Doukhan, Secrets of Daniel, 83.
149
Doukhan, Secrets of Daniel, 83.
150
C. F. Keil, The Book of the Prophet Daniel. Trad. M. G. Easton (Edimburgh: T. & T. Clark, 1884), 189.
151
Alomía, Daniel, 139.
Daniel 1 87

os persas.152 Não se trata de uma divisão em duas metades iguais, cabendo uma à Média e outra à Pérsia.
Pelo contrário, significa que haverá “uma divisão em pedaços, uma destruição, uma dissolução do reino”
por obra dos Medos e Persas. O terceiro nível representa o resultado da avaliação feita por Deus acerca de
Belsazar e seu império: “deu cabo dele” – a contagem, ou numeração, chegou ao seu final; “foste achado
em falta” – deficiente em valor moral ou, em outras palavras, “ele é uma fraude”;153 e “[o reino] foi
entregue aos medos e persas. Os três níveis, portanto, referem-se a um par de balanças como imagem do
juízo de Deus.”154 A forma plural parsin aponta para os dois reinos combinados, Média e Pérsia, que
colocariam um ponto final na história de Belsazar e do Império Babilônico.155

26 Esta é a interpretação daquilo: MENE: Contou Deus o teu reino e deu cabo dele.

MENE. O termo aramaico mene' é um particípio passivo do verbo "enumerar" ou "contar" e, sozinho, significa,
simplesmente, "enumerado" ou "contado". Por meio de iluminação divina, Daniel extraiu desta palavra a
interpretação: "Contou Deus o teu reino, e deu cabo dele."

“É interessante que esta palavra fosse repetida. Isto pode ser significativo em termos dos dois governantes –
Nabonido e Belsazar – que governavam juntos sobre o mesmo trono ao mesmo tempo. Um não sobreviveria ao outro
e continuaria a reinar; o reino de ambos viria a um fim ao mesmo tempo – Belsazar por meio da morte, e Nabonido
por meio da derrota e do exílio.”156

27 TEQUEL: Pesado foste na balança e achado em falta.

TEQUEL. Os eruditos judeus, chamados massoretas, que em algum período do 7° ao 9° século da era cristã
adicionaram sons vocálicos aos manuscritos bíblicos (ver vol. 1, p. 12, 13), apontaram o termo aramaico teqel como
um substantivo. Da mesma forma que mene' (ver com. do v. 26), deveria obviamente ser apontado como um
particípio passivo (teqil). A forma teqel, provavelmente, foi escolhida pelos massoretas devido à sua semelhança de
som com mene'. Teqil é o verbo "pesar". Daniel informou de imediato ao rei o ato divino. Belsazar foi achado em
falta de dignidade moral.

Achado em falta. Estas terríveis palavras de condenação, dirigidas ao dissoluto rei de Babilônia, condenam todos
que, como Belsazar, negligenciam as oportunidades que Deus provê. No juízo investigativo que está em andamento
(ver com. de Dn 7:10), os seres humanos são pesados nas balanças do santuário para ver se seu caráter moral e estado
espiritual cmTespondem aos benefícios e bênçãos que Deus lhes tem conferido. Não há como apelar das decisões
desse tribunal. Tendo em vista a solenidade deste tempo, todos devem vigiar para que o momento decisivo, que
determina para sempre o destino de cada um, não os encontre despreparados e "em falta" (ver 2Co 5:10; Ap 22:11,
12).

28 PERES: Dividido foi o teu reino e dado aos medos e aos persas.

PERES. Esta palavra não é um particípio passivo como as duas mene' e teqil, embora a vocalização indique que os
massoretas a consideraram como uma forma verbal. É um substantivo, neste caso no singular. A forma plural
apareceu na inscrição (v. 25). Ali também está ligada às palavras anteriores pela conjunção we, "e". O we aparece
como u na palavra upharsin. Isso se deve à diferença entre upharsin e peres. Peres significa "parte" ou "porção" e, se
a forma plural upharsin (v. 25) é adotada, pode ser traduzida como "pedaços". A interpretação de Daniel: "dividido
foi o teu reino", também poderia ser traduzida como: "teu reino está quebrado em pedaços". O significado não é que
o reino seria dividido em duas partes, uma aos medos e outra aos persas. O reino seria dividido em pedaços,
destruído e dissolvido. Isso se daria por meio dos medos e persas. É interessante que a forma aramaica peres
contenha as consoantes das palavras aramaicas (ver vol. 1, p. 1, 2) para Pérsia e persas, que estavam naquele
momento às portas de Babilônia.

152
Z. Stefanovic, Daniel, 196.
153
Doukhan, Secrets of Daniel, 84.
154
Wolters, “The Riddle of the Scales in Daniel 5”, 155.
155
Uma discussão quanto ao plural uparsin encontra-se em Antonine de Guglielmo, “Dan. 5:25—An Example of a
Double Literal Sense”, Catholic Biblical Quarterly 11 Nº 2 (1949): 202-206.
156
Ibid., 89.
Daniel 1 88

Dado aos medos e aos persas.157 – “A história de como o exército medo-persa conquistou Babilônia é contada pelo
historiador grego Heródoto, quem visitou a região um século depois da ocorrência destes eventos. Os habitantes lhe
contaram que os persas desviaram o rio Eufrates e então entraram na cidade através do leito do rio, deste modo
ultrapassando o intricado sistema de muralhas fortificadas. Tudo isto ocorreu em Tishri (outubro). Este é o mês em
que o Eufrates atinge o seu mais baixo nível. Assim não é inteiramente claro quanta água do rio os persas tiveram
que desviar. De qualquer modo, eles conseguiram entrar na cidade através do leito do rio.

“Havia também o obstáculo representado pelos portões da cidade... Estes, provavelmente, eram levemente
defendidos, mas os persas teriam de forçá-los para entrar. A questão é, como?

“A teoria prevalecente é que uma quinta coluna traidora no interior da cidade, constituída por babilônios
desgostosos com o governo de Nabonido, estavam dispostos a abrir os portões para seus libertadores conquistadores.
Nabonido era um rei impopular, e existem textos, escritos após a queda de Babilônia, que sugerem mesmo que ele
era mau. Naturalmente, isto poderia ser propaganda persa escrita para assegurar uma pronta aceitação entre a
população. Mas uma resposta acerca de como os persas foram capazes de romper os muros da cidade ao longo do
rio é que os traidores do lado de dentro da cidade voluntariamente os abriram.

“Outra possibilidade pode ser sugerida a partir de Isaías 45:1-3, onde Deus promete ir adiante das tropas de
Ciro e entregar Babilônia em suas mãos:

“Assim diz o SENHOR ao Seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações ante a
sua face; e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, que não se fecharão. Eu irei adiante de ti,
endireitarei os caminhos tortuosos, quebrarei as portas de bronze, e despedaçarei as trancas de ferro; dar-te-ei os
tesouros escondidos, e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o SENHOR, o Deus de Israel, que te
chama pelo teu nome”.

“Esta notável profecia tem sido um obstáculo aos intérpretes críticos da Bíblia. Eles não podem ver como
Isaías, que viveu no oitavo século a.C., poderia profetizar tão específicamente destes eventos que somente
ocorreriam no sexto século a.C. A profecia até mesmo destaca a Ciro pelo nome quase dois séculos antes que se
cumprissem estes fatos. Para encaixar estes fatos com seu entendimento de como a Escritura foi escrita, alguns
intérpretes levantam a hipótese de um ‘segundo Isaías’ que viveu no sexto século a.C. e que teria conhecido estes
eventos e o nome de Ciro.

“Para aqueles que creem que a Escritura é inspirada por Deus, entretanto, esta profecia é simplesmente uma
evidência de Sua notável presciência e de como Ele escolheu dar este conhecimento aos Seus servos, os profetas.
Com tais evidências de Deus falando através de Seus profetas, que fé deveríamos manter na palavra de Deus através
deles!

“Certamente, Deus enviou um anjo para abrir milagrosamente as portas da prisão para libertar a Pedro (Atos
12:10). Talvez, então, não hajam sido os traidores babilônios quem abriram as portas do rio, afinal de contas. Pode
ser que haja sido o mesmo anjo que escreveu sobre as paredes do palácio pouco tempo antes. Se uma ação
sobrenatural ocorreu no palácio, então certamente não é difícil conceber de outra ação sobrenatural que se segue
pouco tempo depois. Talvez Deus não dependeu de uma mão humana para cumprir Sua palavra a Isaías concernente
a Ciro; talvez Ele mesmo atuou para cumprir Sua própria palavra, assim como disse que faria.”

29 Então, mandou Belsazar que vestissem Daniel de púrpura, e lhe pusessem cadeia de
ouro ao pescoço, e proclamassem que passaria a ser o terceiro no governo do seu reino.

29. Então, mandou Belsazar. O rei cumpriu a promessa feita a Daniel, embora Daniel tenha indicado claramente
que não estava interessado nas honras oferecidas. Por causa da embriaguez de Belsazar, pode não ter sido possível
deter sua atitude. Alguns alegam que não foi possível exaltar a Daniel como o terceiro, porque, de acordo com o v.
30, Belsazar foi morto naquela mesma noite. Isso se baseia na suposição de que a proclamação foi feita em público
nas ruas da cidade. Mas as palavras do rei não apoiam tal suposição. A proclamação pode ter sido feita apenas diante
dos príncipes reunidos no palácio, e não se tornado efetiva devido aos eventos que se sucederam.

30 Naquela mesma noite, foi morto Belsazar, rei dos caldeus.

157
Shea, Daniel 1-7, 90-92.
Daniel 1 89

30. Naquela mesma noite. Embora Belsazar não seja mencionado em fontes cuneiformes que descrevem a queda de
Babilônia, Xenofonte declara que "o rei ímpio" de Babilônia, cujo nome não se menciona no relato, foi morto
quando o comandante do exército de Ciro, Gobrias, entrou no palácio (Cyropaedia, vii.5.30). Embora se deva
reconhecer que a narrativa de Xenofonte não é historicamente confiável em todos os detalhes, muitas de suas
declarações se baseiam em fatos. De acordo com fontes cuneiformes, Nabonido estava ausente de Babilônia na época
de sua queda. Quando Nabonido se rendeu, Ciro o enviou à distante Carmania. Portanto, o rei que foi morto durante
a tomada de Babilônia só poderia ter sido Belsazar. Há um resumo da história de Belsazar na Nota Adicional a
Daniel 5.

31 E Dario, o medo, com cerca de sessenta e dois anos, se apoderou do reino.

31. Dario, o medo. O governante mencionad o neste versículo e no cap. 6 é uma figura obscura para a história
secular. A Nota Adicional a Daniel 6 apresenta uma pesquisa breve das várias identificações propostas por
comentaristas, bem como uma possível solução para os vários problemas históricos envolvidos. A conjunção "e",
com a qual o versículo se inicia, mostra que o autor do livro relacionou estreitamente a morte de Belsazar, registrada
no versículo anterior, com a ascensão de "Dario, o medo", ao trono. Nas edições impressas da Bíblia Hebraica, este
versículo é o primeiro do cap. 6. Contudo, a maioria das versões modernas, seguindo a LXX, unem o v. 31 ao cap. 5.
Isso é preferível. Não há diferença entre a grafia do nome de Dario, mencionado aqui e a de "Dario, rei da Pérsia",
em Esdras 4:24 (ver com. ali) e a grafia registrada em outras partes. Não há diferença em aramaico, nem em
hebraico, tampouco em português.

Sessenta e dois anos. A avançada idade de Dario foi talvez responsável pela brevidade de seu reinado. O livro de
Daniel menciona apenas o primeiro ano de reinado de Dario (Dn 9:1, 2; ll:l). A morte do rei ocorreu "cerca de dois
anos após a queda de Babilônia" (PR, 556, 557).

NOTA ADICIONAL DO CAPÍTULO 5

Um dos maiores enigmas para os comentaristas bíblicos através dos séc ulos tem sido a identidade de Belsazar. Até
1861, não se havia descoberto nenhuma refe rência a esse rei nos registros antigos. O nome Belsazar era conhecido
apenas pelo livro de Daniel e por obras que tomaram o nome emprestado de Daniel, como, por exemplo, o livro
apócrifo de Baruque e os escritos de Josefo. Houve muitas tentativas de harmonizar a história secular com os
registros bíblicos. A dificuldade se acentuou pelo fato de que várias fontes antigas alistavam os reis de Babilôni a até
o final da história dessa nação, e todas mencionavam Nabonido, escrito de form as diferentes, como o último rei
antes de Ciro, que foi o primeiro rei da Pérsia. Uma vez que Ciro conquistou Babilônia e sucedeu seu último rei,
parecia não have r lugar para Belsazar na linhagem real. O livro de Daniel, contudo, coloca os eventos que
imediatamente precederam a queda de Babilônia durante o reinado de Belsazar, um "filho" de Nabucodonosor (ver
com. de Dn 5:2), qu e perdeu sua vida durante a noite da conquista de Babilônia pelos invasores medos e persas (Dn
5: 30).

Das várias tentativas de se explicar as aparentes discrepâncias entre o registro bíblico e outras fontes antigas alistam-
se as seguintes (segundo Raymond P. Dougherty, Nabonidus and Belsazar, p. 13, 14):

Belsazar é (l) outro nome do filho de Nabucodonosor conhecido como Evil-Merodaque; (2) irmão de Evil-
Merodaque; (3) filho de Evil-Merodaque, portanto, neto de Nabucodonosor; (4) outro nome para Nergal-shar-usur,
genro de Nabucodonosor; (5) outro nome para Labashi Marduque, filho de Nergal-shar-usur; (6) outro nome para
Nabonido; e (7) filho de Nabonido e de uma filha de Nabucodonosor.

De acordo com outra opinião, defendida pela maioria dos eruditos críticos antes da descoberta do nome de Belsazar
em fontes cuneiformes no final do século 19, o nome Belsazar era uma invenção do autor do livro de Daniel, que,
como afirmam esses críticos, viveu na época dos macabeus, no 2° século a.C.

Essa lista de opiniões divergentes demonstra a natureza e extensão dos problemas históricos que confrontaram os
intérpretes do livro de Daniel, que parece apresentar mais dificuldades do que qualquer outro livro do AT. Uma das
grandes vitórias da arqueologia bíblica do século 19 é que a identidade e o cargo de Belsazar foram completamente
estabelecidos a partir de documentos da época, confirmando assim a confiabilidade de Daniel 5. A extrema
importância dessa conquista demanda breve revisão do tema.
Daniel 1 90

Em 1861, H. F. Talbot publicou alguns textos encontrados no templo da lua, em Ur, no ]ournal of the Royal Asiatic
Society (vol. 19, p. 195). Os textos continham uma oração de Nabonido em favor de Bel-shar-utsur, seu filho mais
velho. Vários escritores, entre os quais George Rawlinson, irmão do famoso decifrador da escrita cuneiforme,
identificou esse Bel-shar-utsur com o Belsazar da Bíblia. Outros rejeitaram essa identificação, entre os quais o
próprio Talbot, que em 1875 publicou uma lista de seus argumentos junto com uma nova tradução do texto,
mencionando Belsazar (Records of the Past, vo!. 5, p. 143-148). Sete anos mais tarde (1882), Theophilus G . Pinches
publicou um texto encontrado no ano anterior, que agora é chamado de Crônica de Nabonido. Esse texto descreve a
tomada de Babilônia por Ciro, e afirma também que Nabonido ficou em Tema por muitos anos enquanto seu filho
estava em Babilônia. Embora, na época, Pinches não tenha compreendido por completo o texto, e tenha identificado
Tema incorretamente, que fica no oeste da Arábia, ele fez várias deduções acuradas sobre Belsazar. Ele observou,
por exemplo, que Belsazar "parece ter sido comandante-em-chefe do exército, provavelmente tinha mais influência
no reino do que seu pai e, portanto, era considerado rei" (Transactions of the Society of Biblical Archaeology, vol. 7
[1882], p. 150).

Nos anos seguintes, se descobriram mais textos que lançaram luz sobre as várias funções e importantes funções que
Belsaza r, filho de Nabonido, desempenhou antes e durante o reinado do pai. Porém, nenhum desses textos chamava
Belsazar de rei como o faz a Bíblia. Contudo, vários eruditos, com base nas evidências cumulativas, sugeriam o que,
mais tarde provou-se correto, que os dois reis deviam ter sido corregentes. Em 1916, Pinches publicou um texto em
que Nabonido e Belsazar foram invocados juntos num juramento. Ele afirmou que textos como esses indicavam que
Belsazar deve ter tido "uma posição de vice-rei", embora tenha declarado que "ainda temos que descobrir qual a
posição exata de Belsazar em Babilônia" (Proceedings of the Society of Biblical Archaeology, vol. 38 [1916] , p. 30).

A confirmação de que havia uma corregência entre Nabonido e Belsazar finalmente ocorreu em 1924, quando Sidney
Smith publicou o chamado "Relato em Verso de Nabonido", do Museu Britânico, no qual se faz a clara declaração de
que Nabonido "confiou o reinado" a seu filho mais velho (Babilonians Historical Texts [London, 1924], p. 88; ver
tradução de Oppenheim em Ancient Near Eastern Texts, Ed. por Pritchard [Princeton, 1950], p. 313). Esse texto
eliminou todas as dúvidas de que Belsazar tinha sido rei e foi um golpe severo contra os eruditos da Alta Crítica que
afirmavam que o livro de Daniel tinha sido escrito no 2° século a.C. O dilema deles se reflete nas palavras de R. H.
Pfeiffer, da Universidade de Harvard, que declara:

"Presume-se que jamais saberemos como nosso autor soube [.. . ] que Belsazar, mencionado apenas nos registros
babilônicos, em Daniel, e em Baruque 1:11, que é baseado em Daniel, atuava como rei quando Ciro conquistou
Babilônia" (Introduction to the Old Testament [New York, 1941], p. 758, 759).

A descoberta de tantos textos cuneiformes que esclarecem a respeito do reinado de Nabonido e Belsazar levaram
Raymond P. Dougherty, da Universidade de Yale, a reunir todo o material, cuneiforme e clássico, em uma
monografia, que foi publicada em 1929, com o título Nabonidus and Belsazar (New Haven, 1929, 216 p.).

Inscrições cuneiformes indicam que Nabonido era filho do príncipe de Harã, Nabu-balâtsuiqbi, e da sacerdotisa do
templo da lua, em Harã. Depois de os medos e os babilônios terem conquistado Harã, em 610 a.C., a mãe de
Nabonido foi , possivelmente, levada como uma distinta prisioneira ao harém de Nabucodonosor, de forma que
Nabonido cresceu na corte sob as vistas do grande rei. É muito provável que ele seja o "Labineto" de Heródoto
(i.74), que atuava como mediador da paz entre os lídios e os persas, em 585 a.C. Isso parece evidente a partir das
seguintes observações: Heródoto chama o rei de Babilônia que reinava na época da queda de Sardes, em 546, de
Labineto (i.77). Mais tarde, ele identifica o pai do governante de Babilônia, na época de sua queda em 539, com o
mesmo nome (i.l88). Sabe-se que Nabonido era rei de Babilônia, em 546, e também que ele era pai de Belsazar. O
fato de, em 585, Nabonido ter sido escolhido para atuar como representante diplomático de Nabucodonosor era uma
elevada honra, e mostra que o jovem deve ter sido um favorito do rei naquela época. É possível, como imagina
Dougherty, que sua esposa Nitocris, a qual Heródoto descreve como uma mulher sábia (i.185, 188), fosse filha de
Nabucodonosor com uma princesa egípcia.

Porém, a relação familiar entre Belsazar, filho de Nabonido, e Nabucodonosor ainda não está definitivamente
estabelecida a partir de registros da época.

Devido à falta de informações mais completas, é impossível, no presente, determinar com precisão como devem ser
entendidas as repetidas declarações de Daniel 5, de que Nabucodonosor era pai de Belsazar. De acordo com o
emprego na Bíblia, "pai" pode significar também "avô" ou "ancestral" (ver com. de lCr 2:7). Sugerem-se três
Daniel 1 91

interpretações: (1) Nabonido era genro de Nabucodonosor, e Belsazar era neto de Nabucodonosor por parte de mãe.
(2) Nabonido foi chamado de filho porque sua mãe pertencia ao harém de Nabucodonosor e, portanto, era seu
enteado. (3) Belsazar era filho apenas no sentido aná logo de Jeú, rei de Israel, a quem as inscrições assírias da época
chamam de "filho de Onri".

Registros cuneiformes lançaram muita luz sobre Belsazar, seu posto e suas atividades durante os anos em que foi
corregente com seu pai. Depois de conferir o reinado a Belsazar, em 553/552 a.C., ou pouco depois (ver com. de Dn
5:1), Nabonido conduziu uma expedição exitosa contra Tema, e residiu ali por muitos anos. Durante esse período,
Belsazar atuou como rei em Babilônia e comandante-em-chefe do exército. Embora documentos legais continuassem
a ser datados segundo os anos de reinado de Nabonido, o fato de os nomes de pai e filho terem sido pronunciados
juntos em juramentos, ao passo que, no reinado de outros reis, usava-se apenas um nome, revela claramente o
reinado em conjunto de Nabonido e Belsazar.

Informações de fontes seculares, brevemente esboçadas, confirmam a exatidão histórica de Daniel 5. Na conclusão
de sua monografia sobre Belsazar e Nabonido, Dougherty expressou sua convicção:

"De todos os registros não babilônicos que tratam da situação no fim do império neobabilônico, o quinto capítulo de
Daniel segue com precisão a literatura cuneiforme quanto ao que se refere aos notáveis eventos. O relato das
Escrituras pode ser interpretado como superior, pois emprega o nome Belsazar, porque lhe atribui poder real e
porque reconhece a existência de um governo duplo no reino. Documentos cuneiformes babilônicos do 6° século a.C
. proporcionam uma clara evidência da exatidão desses três pontos históricos básicos contidos na narrativa bíblica
que trata da queda de Babilônia. Os textos cuneiformes escritos sob influência persa no 6° século a.C. não
preservaram o nome de Belsazar, mas seu papel como príncipe herdeiro com poder real durante a permanência de
Nabonido na Arábia é descrito de forma convincente. Dois famosos historiadores gregos do 5° e 4° séculos a.C. não
mencionam Belsazar pelo nome e apenas insinuam vagamente a verdadeira situação política que existia na época de
Nabonido. Anais gregos do início do 3° século a.C. até o 1° século a.C. não dizem nada a respeito de Belsazar e da
importância que teve durante o último reinado do império neobabilônico. Toda a informação encontrada nos
documentos disponíveis com data posterior aos textos cuneiformes do 6° século a.C. e anteriores aos escritos de
Josefo do 1o século d.C. não puderam fornecer material necessário para o contexto histórico do 5° capítulo de Daniel"
(op. cit., p. 199, 200).
Daniel 1 92

DANIEL 6
1 Pareceu bem a Dario constituir sobre o reino a cento e vinte sátrapas, que estivessem por todo o reino;

1. Sátrapas. Arameo 'ajashdarpan (ver com. cap. 3: 2). "Los diversos detalles de la administración provincial del
Imperio Persa antes de la reorganización hecha por Darío I son todavía un tanto oscuros. Herodoto (iii. 89) afirma
que Darío I creó 20 satrapías como principales divisiones del imperio. Cada satrapía estaba dividida en provincias.
"Las inscripciones de Darío dan diferentes números de satrapías (21, 23, 29), lo que indica que durante su reinado
quizá el rey cambió tanto el número como el tamaño de las satrapías. Algunos historiadores griegos usan el término
"sátrapa" para funcionarios inferiores, como aparentemente lo hizo Daniel cuando usó ese término para referirse a los
gobernadores provinciales. Compárese con las 127 provincias de Est. 1: 1 en tiempo de Jerjes.

2 e sobre eles, três presidentes, dos quais Daniel era um, aos quais estes sátrapas dessem conta, para que o rei não
sofresse dano.

2. Tres gobernadores. Este cuerpo administrativo no se menciona en fuentes que no sean bíblicas. Falta por
completo toda prueba documental de la época en cuanto a la organización del imperio persa antes del reinado de
Darío I.

Daniel era uno. El anciano profeta muy pronto se distinguió por su servicio concienzudo.

No fuese perjudicado. La razón de la complicada organización de la administración civil de Persia se pinta acá con
vivos colores. Ver en Esd. 4: 13-16 las precauciones existentes en el sistema imperial para evitar la pérdida de
ingresos fiscales y otros perjuicios.

3 Então, o mesmo Daniel se distinguiu destes presidentes e sátrapas, porque nele havia um espírito excelente; e o
rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino.

3. Un espíritu superior. Esta no era la primera vez en la que observadores reales habían notado un “espíritu”
excepcional en Daniel. Nabucodonosor había testificado que Daniel poseía "espíritu de los dioses santos" (cap. 4: 8).
La reina madre repitió esta expresión en su entrevista con Belsasar durante su última y fatal noche (cap. 5: 11). En
esa misma ocasión, ella llamó la atención al "mayor espíritu" que se había observado en Daniel (cap. 5:12). Este
espíritu se había manifestado no sólo al resolver "dudas" (cap. 5:12), sino también en su escrupulosa integridad,
fidelidad invariable, lealtad al deber e integridad en palabras y hechos, cualidades que rara vez se veían en los
funcionarios de ese tiempo. A Darío le bastó conocer brevemente a este anciano estadista, sobreviviente de la edad
de oro de la Babilonia imperial, para convencerse de que sería una decisión sabia poner a Daniel como principal
administrador del nuevo imperio y consejero de la corona.

4 Então, os presidentes e os sátrapas procuravam ocasião para acusar a Daniel a respeito do reino; mas não
puderam achá-la, nem culpa alguma; porque ele era fiel, e não se achava nele nenhum erro nem culpa.

4. Acusar a Daniel. Al hacer sus planes de ensalzar a Daniel al más alto cargo civil del gobierno, es indudable que
el rey estaba actuando para beneficiar a la corona y al imperio. Sin embargo, no tomó en cuenta los celos que
naturalmente surgirían entre los dignatarios medos y persas cuando un judío, anterior ministro de los babilonios,
ocupara un cargo que según sus expectativas habría de ser para ellos.

Ocasión alguna o falta. A pesar de su avanzada edad -tenía entonces más de 80 años- Daniel podía desempeñar sus
deberes para el Estado de tal manera que no se le podía acusar de ningún error o falta. Este logro se debía a su
integridad personal y a la (p. 838) confianza que tenía en la infalible orientación de su padre celestial. Amar y servir
a Dios le era más importante que la vida misma. La adhesión estricta a las leyes de la salud desde su juventud
indudablemente le dio vigor mucho mayor que el que era común en los hombres de su edad.

5 Disseram, pois, estes homens: Nunca acharemos ocasião alguma para acusar a este Daniel, se não a
procurarmos contra ele na lei do seu Deus.

5. La ley de su Dios. Un examen cuidadoso de las costumbres de Daniel, una observación minuciosa de su trato con
compañeros y subordinados y un repaso cuidadoso de los registros, revelaban que no había irregularidades que
dieran motivos a quejas o acusaciones. Sin embargo, los enemigos de Daniel que nunca se lo encontraba rindiendo
Daniel 1 93

culto a ninguno de los templos de Babilonia, ni tomaba partes en las ceremonias religiosas paganas. Sin duda habían
notado que faltaba a su oficina todos los sábados, el día de descanso semanal prescrito en "La ley de su Dios". Sin
duda razonaron que sus horas fijas de oración interferían con el cumplimiento de sus deberes oficiales.

6 Então, estes presidentes e sátrapas foram juntos ao rei e lhe disseram: Ó rei Dario, vive eternamente!

Estos gobernantes y sátrapas. No hay necesidad de suponer que todos los gobernantes del imperio se reunieron ante
el rey para tratar este asunto. Es indudable que solo se presentaron los que envidiaban el cargo de Daniel. Si se
hubieran reunidos todos para esa ocasión, el rey podía haber sospechado, especialmente si Daniel no hubiese estado
entre ellos. Los conjurados probablemente calcularon que si sólo unos pocos de ellos iban ante el rey con el pedido,
las posibilidades de engañar al monarca eran mayores que si se esperaban a que todos los gobernadores de todos los
rincones del imperio pudiesen reunirse para aparecer ante él.

Para siempre vive. Ver com. cap. 2: 4.

7 Todos os presidentes do reino, os prefeitos e sátrapas, conselheiros e governadores concordaram em que o rei
estabeleça um decreto e faça firme o interdito que todo homem que, por espaço de trinta dias, fizer petição a
qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões.

7. Todos. Sin duda una mentira, porque es dudoso que todos hubieran sido consultados.

Cualquiera que. . . demande petición. Un decreto de esta naturaleza hubiera sido completamente extraño para los
persas, quienes se ganaron la reputación de ser muy bondadosos en asuntos de tolerancia religiosa. Es inconcebible
que un hombre como Ciro hubiera firmado tal decreto. Sin embargo, indudablemente Darío de Media tenía otra
formación. Sabemos poco acerca de la manera de pensar de los medos en cuanto a tolerancia religiosa. Ciro, el rey de
persa, reconstruyó templos de naciones destruidas por los babilonios, y así demostró su espíritu de tolerancia para
con los sentimientos y prácticas religiosas de otros pueblos. Por otra parte, Darío I dice que su percheros, el falso
Esmerdis, un mago de Media que reinó durante medio año en 522 a. C., mostró su intolerancia destruyendo templos.
Aunque las generalizaciones están sujetas a error, debemos aceptar la posibilidad de que los medos, o al menos
algunos gobernantes, mostraron menos tolerancia religiosas que los persas.

Se ha observado también que la orden de no orar durante un mes a nadie salvo al rey, aunque en esa ocasión iba
dirigida en forma específica a Daniel, puede haber sido sugerida por una costumbre nacional religiosa de los medos
en tiempos anteriores, según la cual se le rendían honores divinos al rey.

Herodoto (i. 199) hace notar que Dios es, uno de los primeros reyes conocido de los medos, había echo que su
persona fuese objeto de reverente pavor ante los ojos de sus súbditos, retirándose de la vista de los hombres comunes
para convencer a su pueblo de que era diferente de ellos. Es evidente que aun los reyes persas estuvieran
ocasionalmente dispuestos a aceptar honores divinos porque el echo de que en Egipto permitieron que se agregaran
atributos divinos a sus nombres. Las inscripciones jeroglíficas se refieren a Cambises como "hijo de Re", el dios sol,
y a Darío como "el hijo de dios". Por eso no es necesario recurrir a los emperadores romanos para encontrar los
primeros paralelos históricos de la orden de Dan. 6: 7 como algunos críticos lo han pretendido.

Fosos de los leones. La literatura de la época y la obras de arte a menudo presentan a los reyes de la antigüedad,
tales como los de Egipto, Asiria, Persia, ocupados en el deporte de la caza de animales salvajes. Generalmente se
cazaban leones y también panteras, toros salvajes y elefantes. Los informes hablan de reyes vasallos que enviaban
como tributo animales salvajes capturados a sus señores reales de Mesopotamia. Se les guardaban en jardines
zoológicos, como símbolos del poder mundial del monarca y para diversión del rey y de sus amigos. Aunque los
registros de la época de los persas no dan ejemplos de que se hubieran impuesto la pena capital echando al culpable a
las fieras, si se refieren a formas extremadamente bárbaras de aplicar dicha pena por parte de reyes persas que por lo
demás eran muy benévolos.

8 Agora, pois, ó rei, sanciona o interdito e assina a escritura, para que não seja mudada, segundo a lei dos medos
e dos persas, que se não pode revogar.

8. Que no pueda ser revocado. Compárese con la inmutabilidad de la ley de los (p. 839) "medos y persas" en Est. 1:
19; 8: 8. Esta característica también es confirmada por los escritores griegos. Por ejemplo, Diodoro de Sicilia (xvii.
30) describe los sentimientos de Darío II hacia la sentencia de muerte que dictó contra Jaridemos. Sostiene que el
Daniel 1 94

rey, después de haber pronunciado la pena capital, se arrepintió y se acusó a sí mismo de haber errado, pero era
imposible deshacer lo que había hecho por su autoridad real.

De Media y de Persia. Los expositores de la alta crítica a menudo señalaban la presencia de esta expresión en el
libro de Daniel, usada en una época cuando los persas en realidad tenían mayor dominio del imperio que los medos,
como una prueba de que este libro fue escrito más tarde. Sostenían que tal término sólo se habría usado cuando la
gente ya estaba un tanto olvidada de la verdadera situación política. Los documentos de la época descubiertos desde
entonces han mostrado que esta declaración de la alta crítica estaba equivocada. Dichos documentos se refieren a los
persas como "medos", y a los "medos y persas" de la misma manera como lo hace la Biblia. Los documentos
cuneiformes también mencionan a varios reyes persas con el título de "rey de los medos" tanto como con el título
acostumbrado de "rey de Persia". Puesto que Darío era "de Media", es natural que cualquier cortesano que se
refiriese en su presencia a la ley del país hablase de "la ley de Media y de Persia".

9 Por esta causa, o rei Dario assinou a escritura e o interdito.


10 Daniel, pois, quando soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa e, em cima, no seu quarto,
onde havia janelas abertas do lado de Jerusalém, três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava graças,
diante do seu Deus, como costumava fazer.

10. Su casa. Quizá la casa de Daniel tenía un techo plano como la mayoría de las casas de Mesopotamia, tanto
antiguas como modernas. Generalmente hay en una esquina un departamento que se alza por encima del techo plano,
y que tiene ventanas con celosías para la ventilación. Tales piezas eran un lugar ideal para retraerse con propósitos
de devoción.

Abiertas las ventanas. Se usa una expresión aramea idéntica en un papiro arameo de Elefantina. El papiro describe
una casa que tenía "ventanas abiertas" en la parte baja y arriba (Cowley, N.º 25, línea 6). Otro papiro habla de una
casa cuya "única ventana se abre a los dos compartimientos" (Kraeling, N.º 12, línea 21). Las ventanas abiertas de
Daniel se abrían hacia Jerusalén, la ciudad de la que había salido siendo muchacho y la cual probablemente nunca
volvió a ver. Ver 1 Rey. 8: 33, 35; Sal. 5: 7; 28: 2 con referencia a la costumbre de volverse hacia Jerusalén ah orar.

Se arrodillaba. La Biblia hace notar varias posiciones para orar. Encontramos a siervos de Dios orando mientras
están sentados, como David (2 Sam. 7: 18), inclinándose, como Eliezer (Gén. 24: 26) y Elías (1 Rey, 18: 42), y a
menudo de pie, como Ana (1 Sam. 1: 26). La actitud más común al orar parece haber sido la de arrodillarse, de la
cual tenemos los siguientes ejemplos: Esdras (Esd. 9: 5), Jesús (Luc. 22: 41), Esteban (Hech. 7: 60). Mayores
informaciones en PR 33-34; OE 187.

Tres veces al día. Según las tradiciones posteriores judías, la oración elevada tres veces al día debía ofrecerse a la
tercera, sexta y novena horas del día (se contaban las horas desde la salida del sol). La tercera hora y la novena
correspondían con la hora del sacrificio de la mañana y de la tarde. El salmista siguió la misma práctica (Sal. 55:
17). En tiempos posteriores el orar tres veces al día se convirtió en costumbre fija para todo judío ortodoxo que vivía
según los reglamentos rabínicos (Berakoth iv. i). Pareciera que esta costumbre de las tres oraciones diarias hubiera
sido también adoptada por la iglesia cristiana primitiva (Didajé 8).

11 Então, aqueles homens foram juntos, e, tendo achado a Daniel a orar e a suplicar, diante do seu Deus,
12 se apresentaram ao rei, e, a respeito do interdito real, lhe disseram: Não assinaste um interdito que, por espaço
de trinta dias, todo homem que fizesse petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, fosse
lançado na cova dos leões? Respondeu o rei e disse: Esta palavra é certa, segundo a lei dos medos e dos persas,
que se não pode revogar.

11. Hallaron a Daniel orando. Los conjurados no tuvieron necesidad de esperar mucho tiempo hasta ver que Daniel
desacataba la prohibición del rey. Hubiese decreto o no lo hubiese, ese hombre de Dios creía que debía continuar
con sus costumbres habituales de oración. Dios era para él la fuente de toda sabiduría y del éxito de su vida. El
favor del cielo le era más caro que la vida misma. Su conducta era el resultado natural de su confianza en Dios.

13 Então, responderam e disseram ao rei: Esse Daniel, que é dos exilados de Judá, não faz caso de ti, ó rei, nem
do interdito que assinaste; antes, três vezes por dia, faz a sua oração.

13. De los cautivos. La manera de hacer la acusación revelaba todo el odio y menosprecio que esos hombres sentían
por Daniel. No hicieron referencia a la dignidad del cargo que ocupaba, sino que lo describieron meramente como a
un extranjero, un judío deportado. Sin duda así esperaban que el rey sospechara que su conducta era un acto de
Daniel 1 95

rebelión contra la autoridad real. Lo que en realidad preguntaban era lo siguiente: Un hombre a quien el rey había
honrado tanto, y que tenía tantos motivos para mostrar su gratitud para con el rey por medio de una estricta
obediencia a los decretos reales, ¿cómo podía ser tan desvergonzado como para desafiar (p. 840) abiertamente las
órdenes del rey? Sus palabras tenían el propósito de que Darío considerara a Daniel como un personaje ingrato, y
aun traidor.

14 Tendo o rei ouvido estas coisas, ficou muito penalizado e determinou consigo mesmo livrar a Daniel; e, até ao
pôr-do-sol, se empenhou por salvá-lo.

14. Librar a Daniel. El monarca vio la celada que se le había tendido. Cuando se le propuso el decreto, los
hombres habían recurrido a lisonjas, y el anciano rey había accedido sin darse cuenta del complot que estaba en el
fondo del plan de esos hombres, en cuyo buen juicio el rey acostumbraba confiar. Repentinamente se dio cuenta de
que el origen del decreto no era como él lo había pensado: para honrar su reinado y a su persona, sino para privarlo
de un verdadero amigo y funcionario público digno de confianza. A pesar de sus esfuerzos casi frenéticos, el rey no
pudo encontrar una excusa legal por la cual pudiera salvar a Daniel y al mismo tiempo conservar el concepto básico
de los medos y pensasen cuanto a la inviolabilidad de la ley.

15 Então, aqueles homens foram juntos ao rei e lhe disseram: Sabe, ó rei, que é lei dos medos e dos persas que
nenhum interdito ou decreto que o rei sancione se pode mudar.

15. Rodearon al rey. Por segunda vez en aquel día aciago los enemigos de Daniel vinieron ante el rey, esta vez, al
atardecer. Durante horas habían esperado que se cumpliera la sentencia, y cuando nada ocurrió, volvieron a
entrevistarse con el rey y con descaro pidieron que muriera su víctima. Sabían que tenían derecho de insistir
legalmente para que Daniel fuera ejecutado, y que la ley no daba derecho a ninguna escapatoria.

16 Então, o rei ordenou que trouxessem a Daniel e o lançassem na cova dos leões. Disse o rei a Daniel: O teu
Deus, a quem tu continuamente serves, que ele te livre.

16. Te libre. Adviértase el notable contraste de las palabras del rey con las que pronunciara Nabucodonosor en
otra ocasión un tanto similar (cap. 3: 15). Darío puede haber sabido de los milagros que Dios había realizado en días
de Nabucodonosor y Belsasar.

17 Foi trazida uma pedra e posta sobre a boca da cova; selou-a o rei com o seu próprio anel e com o dos seus
grandes, para que nada se mudasse a respeito de Daniel.

17. Fue traída una piedra. No se ha desenterrado todavía ningún antiguo foso de leones, y por lo tanto es
imposible reconstruir un cuadro preciso de un lugar tal.

La cual selló. El sellamiento oficial efectuado por el rey y sus príncipes tenía un doble propósito. Le garantizaba al
rey de que Daniel no sería muerto por ningún otro medio, en caso de que no fuese lesionado por los leones. Puesto
que Darío esperaba que el Dios de Daniel salvaría a su fiel siervo de los leones, naturalmente quería precaverse
contra cualquier interferencia de los hombres que se habían propuesto quitar la vida a Daniel. Por otra parte, el sello
aseguraba a los enemigos de Daniel que no se podría hacer ninguna tentativa de salvarlo en caso de que no fuese
inmediatamente despedazado por las fieras. Los consejeros de Darío pueden haber temido que los amigos de Daniel
o el rey intentarían salvarlo del foso en cuanto se hubiese retirado la gente del lugar de la ejecución. Por eso se usó
tanto el sello de ellos como el del rey, para asegurar que la piedra no sería tocada durante la noche.

Las tumbas egipcias selladas pueden servir para ilustrar la manera de sellar una abertura. Después que se había
cerrado la puerta por última vez, se la cubría de revoque y se la sellaba en toda su superficie húmeda, o se le pasaba
un sello en forma de rollo. Tal vez se siguió un procedimiento similar en el caso del sellamiento del foso de los
leones. Con toda probabilidad se usaron los cilindros-sellos que eran comunes entre los asirios, babilonios y persas.
Cada excavación hecha en Mesopotamia presenta numerosos ejemplos de tales sellos.

18 Então, o rei se dirigiu para o seu palácio, passou a noite em jejum e não deixou trazer à sua presença
instrumentos de música; e fugiu dele o sono.

18. Instrumentos de música. Arameo dajawah. Su significado no es claro. En la Biblia aparece sólo en este pasaje.
El comentador judío medieval Rashi explicó que significaba "mesas". Ibn Ezra, otro erudito judío, interpretó el
significado como "instrumentos de música". Su interpretación puede haber influido sobre los traductores de la RVR.
Daniel 1 96

Entre las muchas otras interpretaciones que se encuentran en las traducciones y comentarios, todas las cuales son
conjeturas, pueden señalarse las siguientes: "alimentos", "músicos", "bailarinas", "perfumes", "entretenedores" y
"concubinas". La BJ añade la siguiente aclaración, en nota de pie de página: "Traducción conjetural".

19 Pela manhã, ao romper do dia, levantou-se o rei e foi com pressa à cova dos leões.

19. Muy de mañana. Arameo shefarpar, "amanecer". El significado de este pasaje se revela claramente en la
traducción de Keil: "El rey tan pronto como se levantó, al amanecer, fue apresuradamente con la primera luz".

20 Chegando-se ele à cova, chamou por Daniel com voz triste; disse o rei a Daniel: Daniel, servo do Deus vivo!
Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões?

20. Triste. Arameo 'atsib, "triste", "apenado", "lleno de ansiedad". La voz refleja las emociones, y es difícil
ocultar los sentimientos íntimos. El rey había pasado por la terrible prueba de ver que su siervo más fiel era arrojado
a los leones. Esa espantosa vivencia fue seguida por una noche larga e insomne. No es pues de extrañarse de que su
voz revelara su íntima inquietud, ansiedad y amargo remordimiento.

Siervo del Dios viviente. Las palabras de Darío revelan cierto grado de conocimiento del Dios y de la religión de
Daniel. El hecho (p. 841) de que el rey hablara del Dios de Daniel como del "Dios viviente" sugiere que Daniel lo
había instruido en la naturaleza y el poder del verdadero Dios.

21 Então, Daniel falou ao rei: Ó rei, vive eternamente!

21. Oh rey, vive para siempre. Ver com. cap. 2: 4 con referencia a este saludo ceremonial.

22 O meu Deus enviou o seu anjo e fechou a boca aos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada
em mim inocência diante dele; também contra ti, ó rei, não cometi delito algum.

22. Cerró la boca de los leones. El autor de la epístola a los Hebreos se refiere a esto que le pasó a Daniel y atribuye
la liberación del profeta al poder de la fe (Heb. 11: 33).

Fui hallado inocente. Es de suponer que Daniel no había tratado de disculparse antes de ser echado a los leones.
Cualquier palabra pronunciada entonces podría haber sido interpretada por sus enemigos como una señal de
debilidad o de temor. Sin embargo, después de que Dios había creído conveniente salvarle la vida, Daniel quiso
declarar su inocencia.

23 Então, o rei se alegrou sobremaneira e mandou tirar a Daniel da cova; assim, foi tirado Daniel da cova, e
nenhum dano se achou nele, porque crera no seu Deus.

23. Sacar a Daniel del foso. Los requisitos del decreto real habían sido cumplidos. Ese decreto no exigía la
ejecución del transgresor sino sólo que fuera "echado en el foso de los leones" (vers. 7). Por supuesto, no hay duda
de que estas palabras implicaban una sentencia de muerte. Daniel había sido echado en el foso de los leones, y no
había restricciones constitucionales que le impidieran al rey que sacase a Daniel de dicho foso.

24 Ordenou o rei, e foram trazidos aqueles homens que tinham acusado a Daniel, e foram lançados na cova dos
leões, eles, seus filhos e suas mulheres; e ainda não tinham chegado ao fundo da cova, e já os leões se
apoderaram deles, e lhes esmigalharam todos os ossos.

24. Fueron echados. . . ellos. El airado rey actuó en la forma acostumbrada de los déspotas de su tiempo. La historia
antigua da muchos ejemplos de tales hechos. Algunos comentadores críticos han tratado de mostrar que esta
narración no es histórica, diciendo que el foso en que eran guardados los leones no podría haber sido suficientemente
grande para recibir a 122 hombres con sus familias; y además que no podría haber habido suficientes leones en
Babilonia para comer a tantas víctimas. Pero la Biblia no dice en ninguna parte que ése fue el número de los
condenados a muerte. Esos eruditos críticos han llegado a la conclusión innecesaria de que todos los 120 príncipes y
los 2 presidentes de los vers. 1 y 2 estuvieron implicados en este desafortunado suceso. Sería pura especulación decir
cuántos tuvieron que ver con este asunto.

Sus hijos. Tanto Herodoto (iii. 119) como Amiano Marcelino (xxiii. 6, 81) atestiguan que condenar a muerte a las
esposas y a los hijos junto con los hombres sentenciados estaba de acuerdo con las costumbres persas.
Daniel 1 97

25 Então, o rei Dario escreveu aos povos, nações e homens de todas as línguas que habitam em toda a terra: Paz
vos seja multiplicada!
26 Faço um decreto pelo qual, em todo o domínio do meu reino, os homens tremam e temam perante o Deus de
Daniel, porque ele é o Deus vivo e que permanece para sempre; o seu reino não será destruído, e o seu domínio
não terá fim.
27 Ele livra, e salva, e faz sinais e maravilhas no céu e na terra; foi ele quem livrou a Daniel do poder dos leões.

26. De parte mía es puesta esta ordenanza. PARALELO com o DECRETO de NABUCODONOZOR no cap. 3.

Después de la maravillosa liberación de los tres amigos de Daniel del horno de fuego, Nabucodonosor había
promulgado un edicto para todas las naciones de su reino en el que prohibía, bajo pena de muerte, que se dijera
cualquier cosa contra el Dios de los hebreos (cap. 3: 29). En forma similar, como consecuencia de la milagrosa
protección de Daniel en el foso de los leones, Darío promulgó un edicto que mandaba a todas las naciones de su
reino que temieran y reverenciaran al Dios de Daniel. No necesariamente debemos concluir por esto que el rey
mismo abandonó el politeísmo de los medos. Darío reconoció al Dios de Daniel como el Dios viviente, cuyo reino y
dominio son eternos, pero no se dice que lo reconoció como el único Dios verdadero. Ver p. 779.

28 Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario e no reinado de Ciro, o persa.

28. Durante el reinado. La repetición de estas palabras no indica una separación entre el reino persa y el medo, sino
meramente una distinción de gobernantes, uno medo, el otro, persa. La construcción de la oración permite interpretar
que Ciro fue corregente con Darío o su sucesor.

NOTA ADICIONAL DEL CAPÍTULO 6


A continuación presentaremos un resumen y una evaluación de las diversas opiniones que se tienen en cuanto a la
identidad de Darío de Media. Antes de que se contara con el testimonio de la arqueología moderna, el libro de Daniel
presentaba varios problemas históricos, la mayoría de los cuales han sido resueltos satisfactoriamente (ver p. 775).
De los problemas aún sin resolver, el mayor es el que atañe a la persona y cargo de Darío. Sin embargo, la forma
notable en que se han confirmado otras declaraciones históricas de la Biblia, justifica la confianza de que este
problema también se resolverá.

Los representantes de la alta crítica presentan la explicación sencilla, pero inaceptable, de que las partes históricas
del libro de Daniel son legendarias y que Darío es un personaje imaginario inventado por un autor del libro del siglo
II a. C. El hecho de que no se pueda encontrar confirmación secular de ciertas declaraciones históricas de la Biblia,
(p. 842) no es razón suficiente para dudar de la fidelidad histórica y de la exactitud de las Sagradas Escrituras.
Muchas declaraciones bíblicas que antiguamente fueron puestas en duda por algunos eruditos críticos han sido
confirmadas y están en completa armonía con los hechos de la historia antigua, según lo revelan los descubrimientos
arqueológicos.

Daremos a continuación un resumen de las declaraciones bíblicas referentes a Darío:

1. Darío era de ascendencia meda (cap. 5: 31; 9: 1; 11: 1).


2. Era "hijo de Asuero" (cap. 9: 1).
3. Llegó a "ser rey sobre el reino de los caldeos" (cap. 9: 1). Por lo tanto, "tomó" [o "recibió" (BJ)] el reino" (cap. 5:
31).
4. Tenía 62 años cuando Babilonia fue tomada (cap. 5: 30-31).
5. Sólo se menciona el primer año de su reinado (cap. 9: 1; 11: 1).
6. Constituyó "sobre el reino ciento veinte sátrapas" que estaban a las órdenes de "tres gobernadores" (cap. 6: 1-2).
7. Ciro fue el sucesor de Darío o reinó al mismo tiempo (cap. 6: 28).

De esta información se deduce lo siguiente: después de la caída de Babilonia, el Imperio Babilónico fue gobernado
por Darío, quizá durante la primera parte del reinado de Ciro, según el cómputo de Babilonia. Darío, hijo de Asuero
(en griego, Jerjes), es llamado de Media en contraste con Ciro, que es llamado persa (cap. 6: 28). Tenía ya 62 años
cuando fue conquistada Babilonia, y quizá murió poco después.
Daniel 1 98

Ningún documento extrabíblico -con excepción de los que se basan en Daniel, tales como las obras de Josefo-,
menciona a un Darío como gobernante del derrocado Imperio Babilónico antes de Darío I (522-486 a. C.). Futuros
hallazgos arqueológicos podrían darnos referencias directas de Darío de Media. Mientras tanto, los intérpretes
bíblicos deben tratar de identificar a Darío de Media con alguno de los personajes históricos conocidos por otro
nombre durante el tiempo de Ciro. Josefo dice que el Darío del libro de Daniel "tenía otro nombre entre los griegos"
(Antigüedades x. 11. 4).

De las varias identificaciones propuestas, merecen ser examinadas las siguientes:

1. Que Darío de Media era Astiages, el último gobernante del reino medo antes de que Ciro tomara el imperio.
Astiages era hijo de Ciajares (o Ciaxares) I, cuyo nombre, se afirma, puede ser identificado lingüísticamente con el
de Asuero del cap. 9: 1, aunque Asuero, en otros casos, representa al nombre de Jerjes (ver com. Est. 1: 1). Puesto
que Astiages comenzó a reinar alrededor del año 585 a. C., ya habría sido anciano en ocasión de la caída de
Babilonia en 539 a. C., tal como se nos dice que lo era Darío (cap. 5: 31). Este hecho hace más factible la posibilidad
de esta identificación sugerida.

Hay serias objeciones contra esta identificación. Según las fuentes griegas, Astiages era abuelo de Ciro. Cuando Ciro
era joven, Astiages varias veces intentó matarlo. Más tarde, cuando fue rey sobre las tribus persas, Ciro se rebeló
contra el monarca y depuso a Astiages en el año 553/552 o en el 550 a. C., y lo puso como gobernador de Hircania al
sur del mar Caspio. Ni aun los documentos griegos insinúan que Astiages se asociara con Ciro para la toma de
Babilonia en el 539. Además, es dudoso que Astiages, contemporáneo de Nabucodonosor y cuñado del gran rey
babilonio, viviese todavía en ese tiempo. Por lo tanto, es poco probable que se los pueda considerar como la misma
persona.

2. Que Darío de Media era Cambises, hijo de Ciro. Cambises es mencionado en varias tablillas cuneiformes con el
título de rey de Babilonia, corregente con su padre Ciro, a quien se llama en esas mismas tablillas rey de las tierras.
Sin embargo, la corregencia con su padre es el único factor a favor de la identificación de Cambises con el Darío de
Daniel. En todo lo demás, Cambises no coincide con el cuadro presentado por la Biblia. No podría haber tenido 62
años en el año 539 a. C. No era medo, sino persa como su padre. Y no era hijo de Asuero. A causa de las muchas
dificultades que surgen, debe rechazarse la identificación de Cambises con Darío.

3. Que Darío de Media era Gobrias (el punto de vista que ha encontrado más apoyo). Según Jenofonte (Ciropedia
vii), Gobrias era un anciano general que tomó Babilonia para Ciro. La Crónica de Nabonido, un importante
documento cuneiforme, lo menciona al describir la caída de Babilonia. Dice que "Ugbaru, el gobernador de Gutium,
y el ejército de Ciro entraron en Babilonia sin combatir" el día 16 del mes de Tisri.

Después de describir la entrada de Ciro en Babilonia, menciona también a un cierto "Gubaru, su gobernador", quien
"instaló (p. 843) [sub] gobernadores en Babilonia". Además, después de narrar cómo los dioses llevados por
Nabonido a Babilonia fueron devueltos a sus respectivas ciudades, la tablilla dice que, en el mes de Arahshamnu, en
la noche del día 11, Ugbaru murió". La oración siguiente está mutilada, y los eruditos no han podido ponerse de
acuerdo si se refiere a la muerte de Ugbaru o a la de un personaje real. La siguiente oración menciona que hubo un
duelo oficial en todo el país durante una semana.

Varios eruditos han pensado que Ugbaru y Gubaru son sólo diferentes grafías del mismo nombre y que representan
al Gobrias de los documentos griegos. Sin embargo, Ugbaru murió en el mes de Arahshamnu -ya sea en el año de la
caída de Babilonia o en el siguiente-, mientras que hubo otro Gubaru, que vivió por muchos años como gobernador
de las satrapías de Babilonia y de Siria y de territorios adyacentes, y que más tarde fue suegro de Darío I, el Grande,
como lo prueban documentos de la época. De acuerdo con este punto de vista, Ugbaru y Gubaru de la Crónica de
Nabonido deben ser dos personas diferentes. Ugbaru, habiendo tomado la ciudad de Babilonia, murió después.
Gubaru continuó viviendo como gobernador de Babilonia.

Los que identifican a Darío de Media con Gobrias e igualan a Ugbaru con Gubaru señalan que Gobrias es presentado
como el que tomó a Babilonia y que virtualmente llegó a ser su gobernante. Por lo tanto, se le podría haber llamado
"rey" aunque los registros de entonces sólo lo llaman gobernador. El hecho de que, según la Crónica de Nabonido,
aparece como nombrando gobernadores sobre Babilonia, parece corroborar lo que dice Dan. 6: 1-2, donde esa tarea
se atribuye a Darío de Media. Se ha explicado también que el nombre Gubaru es de origen medo. Además su cargo
anterior como gobernador de Gutium, una provincia fronteriza de Media, parecería admitir la posibilidad de que
fuera medo.
Daniel 1 99

Aunque esta identificación de Darío con Ugbaru (Gobrias) es más aceptable que las dos mencionadas anteriormente,
hay también objeciones contra este punto de vista. Gobrias es llamado gobernador, no un rey. Siendo que vivió
muchos años después de la caída de Babilonia, debe haber tenido mucho menos de 62 años en 539 a. C.

Una alternativa a la teoría de Gobrias, basada en una reinterpretación de la Crónica de Nabonido, propone que Darío
de Media no fue Gubaru -el ulterior gobernador según las tabletas que se refieren al convenio sino el Ugbaru de la
Crónica de Nabonido, el gobernador de Gutium que tomó Babilonia para Ciro y que murió en el mes de
Arahshamnu, no tres semanas después, sino un año y tres semanas más tarde. Esto daría tiempo para que ocurriera lo
descrito en el cap. 6, durante su gobierno "sobre el reino de los caldeos" (cap. 9:1). Aplicado a Ugbaru, el término
"rey" sería sólo un tratamiento de cortesía; Ciro, ya el amo de Persia, Media y Lidia antes de conquistar Babilonia,
era de facto el gobernante de todo el imperio.

4. Que Darío de Media era Ciajares II, el hijo de Astiages. Compárense las declaraciones que aparecen en PR 384,
407-409 acerca de Ciro como sobrino y general de Darío con lo que dice Jenofonte, que
(1) Ciro, nieto de Astiages por su madre Mandana, había conocido a su tío Ciajares durante los años que
Ciro pasó en la corte de su abuelo medo (Ciropedia i. 3. 1; 4. 1, 6- 9, 20-22; 5. 2);
(2) que Ciajares sucedió a su padre en el trono como rey de Media, después de la muerte de éste (i. 5. 2);
(3) que cuando Ciro hubo conquistado Babilonia, visitó a su tío llevándole obsequios y le ofreció un
palacio en Babilonia; que Ciajares aceptó los regalos, y dio su hija a Ciro y también el reino (viii. 5. 17-
20).

Aunque no se pueden aceptar los detalles del relato tal como los presenta Jenofonte, es posible que el escritor griego
conservara correctamente la tradición de que Ciajares fue el último gobernante medo, y que era suegro de Ciro
además de ser íntimo amigo del gran persa. Si estos puntos pueden aceptarse como hechos históricos, se puede creer
que Ciro, al rebelarse contra Astiages, permitió que Ciajares II reinara como rey nominal para complacer a los
medos. Al mismo tiempo todos sabían en el reino que el verdadero soberano era Ciro, y que Ciajares II sólo era una
figura decorativa. En tal caso, Darío de Media puede ser identificado con Ciajares II, quien tal vez había ido a
Babilonia aceptando la invitación de Ciro para figurar como rey.

Siempre que Jenofonte sea exacto, se puede demostrar que Ciajares II tenía ya una edad avanzada cuando cayó
Babilonia, en base a lo siguiente: Ciajares II era suegro de Ciro. Ciro mismo tendría con toda probabilidad por lo
menos 40 años entonces, lo que es (p. 844) evidente porque su hijo Cambises tenía suficiente madurez como para
representarlo oficialmente durante las actividades del día de año nuevo. Por lo tanto, Ciajares II podría haber tenido
62 años cuando cayó Babilonia; edad que Daniel asignó a Darío de Media. Su edad relativamente avanzada -en un
tiempo cuando la mayoría de la gente moría joven- podría haber determinado que no sobreviviera por mucho tiempo
a la caída de Babilonia. Esto explicaría por qué Daniel menciona únicamente el primer año de su reinado. Jenofonte
no nos informa nada más acerca de Ciajares poco después de la conquista de Babilonia.

La declaración hecha por Daniel de que Darío era "hijo" de Asuero quizá debiera entenderse como que era "nieto" de
Asuero. Hay abundantes pruebas de que la palabra hebrea que significa "hijo" puede también traducirse por "nieto",
o aun un descendiente más remoto (ver com. 2 Rey. 8: 26). La forma castellana Asuero viene del hebreo
´Ajashwerosh, que podría ser una traducción de Uvaxshtrah, la antigua grafía persa de Ciajares I, pero no de
Astiages.

Si después de su llegada a Babilonia, Darío se convirtió en amigo especial de Daniel, es comprensible que el profeta
fechara las visiones recibidas durante ese corto reinado en relación con los años de Darío (cap. 9: 1; 11: 1), y no con
los años de Ciro. Sin embargo, después del año atribuido a Darío, Daniel fechó los acontecimientos en relación con
los años del reinado de Ciro (cap. 1: 21; 10: 1).

Las pruebas de la época que podrían aclarar esta reconstrucción de la historia de Ciajares II son ambiguas y escasas.
Hay una posible referencia a Ciajares en la Crónica de Nabonido. Puesto que es cierto que Gubaru vivió muchos
años después de la toma de Babilonia, mientras que Ugbaru murió poco después, y puesto que durante el mismo mes
hubo duelo oficial por la muerte de algún alto personaje, podría verse a Ciajares II en el Ugbaru de la Crónica de
Nabonido. O el nombre de Ciajares puede haber estado en la línea mutilada que habla de la muerte de un personaje
distinguido, motivo de duelo nacional. Sin embargo, parece haber un error en la primera mención de Ugbaru en la
Crónica de Nabonido. O el nombre de Ugbaru es el error de un escriba que lo confundió con Gubaru, o el título
"gobernador de Gutium" fue transferido por equivocación de Gubaru a Ugbaru por el autor de la tablilla.
Daniel 1 100

Podría encontrarse otra prueba de esa época en la doble mención de un Ciajares en la gran inscripción de Darío I en
Behistún (acerca de esta inscripción, ver t. I, pp. 106, 117). Entre los varios pretendientes al trono contra los cuales
luchó Darío I, había dos que decían ser de la familia de Ciajares. El Ciajares en cuestión podría haber sido Ciajares I,
padre de Astiages, o tal vez Ciajares II, suegro de Ciro y último rey nominal de Media.
Este resumen demuestra que hay aún muchos factores oscuros para resolver el problema de la identificación de Darío
el Medo mediante documentos históricos y arqueológicos. Sin embargo, considerando todas las posibilidades, este
Comentario se inclina por el cuarto punto de vista.
Daniel 1 101

CAPÍTULO 7
Embora a visão do capítulo 7 seja paralela com o sonho da estátua do capítulo 2, devemos observar que os
dois capítulos são apresentados a partir de perspectivas “radicalmente diferentes”. No sonho da estátua é a
perspectiva humana, a forma como o homem olharia aos grandes impérios. Mas no sonho dos animais
encontramos a perspectiva de Deus, como Deus vê os reinos deste mundo,158 e como Ele lidaria com os
poderes que, de alguma forma, ameaçam, perseguem e matam os Seus santos. E esta é, naturalmente,
outra diferença entre os dois capítulos: o capítulo 7 acrescenta detalhes acerca de um poder político-
religioso que traria sofrimento e morte aos santos antes do estabelecimento do reino eterno de Deus. 159 E,
talvez por isto, para tornar evidente o domínio celeste sobre os negócios humanos, o capítulo 7 ocupe o
próprio “coração do livro de Daniel”, sendo “provavelmente a cena mais importante em todo o livro em
termos de seu impacto sobre o pensamento judaico e cristão posterior.”160

O capítulo 7 também é considerado “um dos grandes enigmas na pesquisa do AT”.161 Alguns importantes
e difíceis temas no capítulo tem desafiado a habilidade dos intérpretes no decorrer dos séculos, como a
identidade dos dez chifres, o chifre pequeno, o Ancião de dias, o ser semelhante a um filho de homem e os
santos do Altíssimo. Tais dificuldades tornam o estudo do livro “fascinante, tentador e desafiador”.162
Além disso, a unidade do capítulo é outra questão que divide os intérpretes.163

A seguir apresentamos um esboço da estrutura literária de todo o capítulo, e também da visão em si, em
que se destaca a centralidade da ação divina no contexto do conflito pelo domínio deste mundo, porque é
importante para a compreensão do conteúdo aí revelado. Sendo este capítulo “o centro de gravidade de
todo o livro” e “um dos pontos mais altos da Escritura”,164 “o capítulo mais importante... do livro de
Daniel”,165 sua interpretação deve merecer a atenção do estudioso das profecias bíblicas.

Observe que, mais uma vez, discernimos um arranjo quiástico para as estruturas literárias tanto do capítulo
em si, como da visão.166 Esta estruturação em forma de quiasma revela que o tema do juízo ocupa o
próprio centro do capítulo. Não somente o tema do juízo ocupa o centro do capítulo 7, como também,
conforme destacado por Doukhan, o capítulo 7 ocupa o centro do livro de Daniel, o que permite concluir
que o juízo é o tema central deste livro profético.167 Portanto, o arranjo quiástico do capítulo 7 indica que
“o assunto mais importante na visão, e que o profeta desejava ressaltar, é o juízo divino que se realiza no
céu, em resposta às atividades dos poderes que contendem pelo domínio na terra”.168 A figura seguinte
permite visualizar o que foi dito:

158
J. M. Boice, Daniel: An expositional commentary. Originally published: Grand Rapids, MI: Ministry Resources
Library, c1989 (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2003), 77. Cf. Daniel I. Block, “When Nightmares Cease: A
Message of Hope from Daniel 7”, Calvin Theological Journal 41 (2006): 108-114.
159
Cf. Beale, “The Influence of Daniel Daniel Upon the Structure and Theology of John’s Apocalypse”, 420.
160
J. L. Mays, Harper & Row, P., & Society of Biblical Literature. Harper's Bible Commentary (San Francisco:
Harper & Row, 1996, c1988), Dn 7:9.
161
Helge S. Kvanvig, “An Akkadian Vision as Background for Dan 7?”, Studia Theologica, 35 (1981): 85.
162
Arthur Ferch, “The Judgment Scene in Daniel 7”, em Arnold V. Wallenkampf e Richard W. Lesher, eds., The
Sanctuary and the Atonement (Washington, DC: BRI), 157.
163
Ver sumário das discussões em, Collins, Cross & Collins, Daniel, A Commentary on the Book of Daniel.
Hermeneia: a Critical and Historical Commentary on the Bible (Minneapolis: Fortress Press, 1993), 278.
164
André Lacocque, The Book of Daniel, trad. David Pellauer (Atlanta: John Knox Press, 1979), 98.
165
Towner, Daniel, 91.
166
William H. Shea, "Daniel and the Judgement", 114. Adaptado de Arthur J. Ferch, “The Apocalyptic ‘Son of Man’
in Daniel 7”, 142.
167
Jacques Doukhan, Secrets of Daniel, 112. Ver também, Ferch, “Authorship, Theology, and Purpose of Daniel”,
41.
168
Alves, João Antônio R., O juízo investigativo pré-advento (Cachoeira, BA: CePLiB, 2008), 266.
Daniel 1 102

A. Prólogo (vv. 1-2a)


B. A Visão em si (2b-14)
C. Primeira breve reação do profeta à visão (15-16)
D. A primeira breve interpretação do anjo à visão (17-18)
C’. A segunda e mais extensa reação do profeta à visão (19-22)
B’. A segunda e mais extensa interpretação do anjo à visão (23-27)
A’. Epílogo (v. 28)

Devem ser observadas as duas dimensões em que se move a visão, vertical e horizontal, ora descrevendo
cenas que se desenrolam em nosso mundo, ora retratando cenas do mundo celestial: duas cenas terrenais
(vv. 3-8 e 11-12) e duas cenas celestiais (vv. 9-10 e 13-14). Esta ordem pode ser esquematizada assim:

A Primeira cena terrenal: visão dos animais – vv. 3-8


B Primeira cena celestial: visão do tribunal celestial – vv. 9-10
A Segunda cena terrenal: visão dos animais – vv. 11-12
B Segunda cena celestial: visão do Filho do homem – vv. 13-14

A dimensão vertical desta visão é de interesse e importante quando comparada com a visão do capítulo 8 e
quando a visão do capítulo 8 é estudada em seus próprios méritos.169

Tendo visualizado a estrutura literária de todo o capítulo 7, a seguir apresentamos a estrutura somente da
visão. Mais uma vez, deve ser observado que o tema do juízo ocupa o centro do quiasma.

Estrutura literária da visão do capítulo 7


I. Visão preliminar dos reinos terrenais (vv. 2b-3)
II. Detalhes da visão (4-14)
A. Três primeiras bestas (4-6)
B. Quarta besta (v. 7)
C. Descrição do chifre pequeno e sua loquacidade (v. 8)
D. Começo do juízo (vv. 9-10)
C’. (Destino do) chifre pequeno e sua loquacidade (v. 11a)
B’. Destino da quarta besta (v. 11b)
A’. Destino das três primeiras bestas (v. 12)
D’. Conclusão do juízo: reino dado ao Filho do Homem
(13-14)
Estrutura literária da visão do capítulo 7, por W. Shea 170

Na visão do capítulo 7 o juízo divino é mencionado três vezes: (1) “assentou-se o tribunal e se abriram os
livros” (v. 10); (2) “fez justiça aos santos do Altíssimo” (v. 22); e (3) “depois se assentará o tribunal” (v.
26). Como se percebe na análise literária acima, é impossível não reconhecer a importância do tema do
juízo no livro de Daniel como um todo e no capítulo 7 em particular.

Tendo destacado o tema central do capítulo, passemos agora aos detalhes da profecia.

169
Shea, 112.
170
Shea, “Daniel and the Judgment”, 113. Ver também, Ferch, “The Apocalyptic ‘Son of Man’ in Daniel 7”, 136-
137; idem, Daniel on solid Ground, 27; Sidney Greidanus, Preaching Christ from Daniel: foundations for expository
sermons (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2012), 212.
Daniel 1 103

1 No primeiro ano de Belsazar, rei da Babilônia, teve Daniel um sonho e visões ante seus
olhos, quando estava no seu leito; escreveu logo o sonho e relatou a suma de todas as
coisas.

No primeiro ano de Belsazar. Deve-se observar que Daniel não apresenta as informações de seu livro numa ordem
cronológica estrita. Os eventos dos cap. 5 e 6 aconteceram depois dos registrados no cap. 7. Mas, sem dúvida, por
razões de continuidade, a narrativa histórica se completa nos cap. 1 a 6 (sobre a identidade e papel de Belsazar na
história, ver Nota Adicional a Daniel 5).

Teve Daniel um sonho. Literalmente, "viu um sonho". Num sonho, o Senhor deu a Daniel uma visão da futura
história do mundo.

A profecia ele Daniel 7 abrange essencialmente o mesmo período histórico do sonho do cap. 2; e ambos abrangem
desde os dias do profeta até o estabelecimento do reino de Deus. Nabucodonosor viu os poderes mundiais
representados por uma grande estátua de metal; Daniel os viu como animais e chifres, e também viu aspectos da
históri a relacionados à experiência do povo de Deus e ao cumprimento do plano divino. A profecia de Daniel 2 trata
de questões políticas, em grande parte. Em primeiro lugar, ela foi dada para instruir Nabucodonosor e assegu rar sua
cooperação no plano divino (ver com. de Dn 2: 1). A visão não tem como tema a relação do povo de Deus com
mudanças políticas. A profecia de Daniel 7, como as do restante do livro, foram dadas em especial para o povo de
Deus a fim de que pudesse entender seu papel no plano divi no. A profecia inspirada dos eventos futuros foi
apresentada tendo como pano de fundo o contexto do grande conflito entre Cristo e Satanás. Os esforços do arquiin
imigo para destruir "os santos" foram desmascarados, e a vitória final da verdade é assegurada.

Escreveu. A fim de que se preservasse para gerações futuras.

A suma de todas as coisas. As pa lavras aramaicas assim traduzidas são difíceis de se verter para o português. A pa
lavra para "suma" é re'sh, que significa "cabeça" ou "começo". A versão original grega diz: eis kephalaia logon, que
pode ser interpretado como "um resumo". É evidente que o significado da expressão é que Daniel anotou e relatou o
conteúdo principal do sonho. Alguns tradu zem a frase como "os detalhes importantes".

2 Falou Daniel e disse: Eu estava olhando, durante a minha visão da noite, e eis que os
quatro ventos do céu agitavam o mar Grande.

Ventos. Do aramaico ruach, equivalente ao heb. ruach, que tem uma variedade de significados, como ar e "vento"
(Êx 10:13; Jr 2:24), "hálito" (Jó 19:17), "espírito" humano (SI 32:2) e "Espírito" divino (SI 51:12, KJV). Num sentido
metafórico, a palavra também é usada para falar de coisas vãs e vazias (Jr 5:13). Quando empregada numa visão
simbólica, como neste caso, a palavra parece indica r atividade ou alguma forma de energia, deter minada
exatamente pelo contexto. Por exemplo, o "vento" da visão simbólica de Ezequiel, que fez reviver os ossos secos,
representava a energia divina revivendo a inerte nação de Israel (Ez 37:9-14). Os "ventos" de Daniel, que agitavam o
grande mar, fazendo com que emergissem quatro animais, ou impérios, representavam esses movimentos
diplomáticos, bélicos, políticos ou de outra natureza, que moveriam a história desse período.

Os "quatro ventos", dos quatro pontos cardeais, sem dúvida, representam a atividade política em várias partes da
Terra (Jr 49: 36; cf. Dn 8:8; 11:4; Zc 2:6; 6:5).

Agitavam. Do aramaico guach. A forma do verbo sugere ação continuada.

Mar Grande. Não se especifica nenhum corpo de d'água, como o Mar Mediterrâneo. O mar simboliza as nações do
mundo – o "grande mar" da humanidade em todas as eras (ver Ap 17:15; cf. Is 17:12; Jr 46:7).

3 Quatro animais, grandes, diferentes uns dos outros, subiam do mar.

Quatro animais. A aplicação do símbolo não é deixada à especulação. De acordo com o v. 17, os quatro animais
representam "quatro reis, que se levantarão da terra". Em vez de "reis", a LXX, Teodócio e a Vulgata trazem
"reinos". O quarto animal é especifica mente chamado de "quarto reino" (v. 23). Em geral, se aceita que esses quatro
animais representam os mesmos quatro poderes simbolizados pela estátua de Daniel 2.

Diferentes. Esta diversidade é ilustrada pelos metais em Daniel 2:38 a 40.


Daniel 1 104

Subiam. Os poderes representados não são contemporâneos, mas sucessivos.

Que poderes são simbolizados pelos animais no sonho/visão de Daniel 7?

R. Ao se analisar os símbolos bíblicos, o intérprete não pode ignorar as expressões encontradas no texto bíblico.
Assim, devemos observar que o texto informa que os três primeiros animais se assemelhavam a um animal
conhecido. O primeiro não era um leão, mas “como um leão” (v. 4), o segundo, não um urso, mas “como um urso”
(v. 5), e o terceiro, não um leopardo, mas “como um leopardo” (v. 6). A preposição “como” deve ser destacada, pois
aparece no v. 4 e se repete nos vv. 5 e 6. O que pode ser percebido aqui é que não se faz referência a animais reais
encontrados na natureza, mas similares a animais conhecidos, mas com atributos diferentes adicionais, como as asas
do leão e do leopardo, as quatro cabeças do leopardo etc, o que os diferencia daquilo que é conhecido. Deve ser
observado que o quarto animal não encontra sequer algo parecido no mundo natural, por isto o profeta se refere a ele
como “terrível e espantoso” (v. 7). Enquanto os outros animais entram e saem do cenário rapidamente, o quarto
animal, com suas divisões, recebe um tratamento mais demorado. Independente, porém de tais características, eles
simbolizam reinos que se sucederiam no cenário da história universal.

Alguém poderia objetar e dizer que, no mesmo período, em outras regiões do mundo, outros impérios e/ou culturas
existiam. Isto é verdade. Entretanto, aqui não se trata apenas de descrever a história como tal, mas a história na
perspectiva do plano da salvação. Neste sentido, a única história que merece ser descrita é aquela que envolvia o
povo de Deus de então, pois, como disse Jesus, a salvação vem dos judeus (João 4).

Como salientado por Uriah Smith, “não é até que uma nação afete decididamente os filhos de Deus, e o processo
(outworking) do grande conflito, que o poder é notado. Isto se torna especialmente evidente quando nos
aproximamos do tempo do fim. É uma regra de interpretação que nós olhamos para as nações que devem ser notadas
na profecia quando elas se tornam de tal forma conectadas com o povo de Deus que a menção delas se torna
necessária para que os registros da história sagrada estejam completos.” 171

A destruição do povo judeu – física ou espiritualmente – poderia comprometer o plano de Deus de enviar o Messias
prometido da linhagem de Abraão. Todos os quatro impérios subjugaram o povo de Deus por algum tempo e tiveram
a possibilidade, de alguma forma, de interferir no plano de Deus para a humanidade. Entretanto, conforme a profecia,
os reinos deste mundo passariam, e somente o reino de Deus subsistiria para sempre. Com isto fica claro que o plano
de Deus poderia ser ameaçado, mas nunca destruído. A vitória final estará com o Senhor e Seus fiéis. A sequência,
portanto, dos reinos simbolizados na profecia são Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma.

Aqui podemos fazer um quadro entre os símbolos dos capítulos 2 e 7. Já vimos na estrutura quiástica que estes dois
capítulos se correspondem. Agora veremos a correspondência entre os símbolos:

Daniel 2 Significado Daniel 7


Cabeça de ouro Babilônia Leão com asas
Peito/braços de prata Medo-Pérsia Urso levantado de um lado
Ventre/quadris de bronze Grécia Leopardo 4 asas/cabeças
Pernas de ferro Roma Animal terrível e espantoso

4 O primeiro era como leão e tinha asas de águia; enquanto eu olhava, foram-lhe
arrancadas as asas, foi levantado da terra e posto em dois pés, como homem; e lhe foi dada
mente de homem.

Leão [...] asas de águia. Um símbolo apropriado para Babilônia. O leão alado é encontrado em objetos de arte
babilônicos. A combinação de leão e águia era comum. Via-se com frequência um leão com asas de águia, às vezes,
com garras ou bico. Uma combinação semelhante era de águia com cabeça de leão. O leão alado é uma das formas
deste animal que, com frequência, é representado em combate junto a Marduque, o padroeiro da cidade de Babilônia
(sobre essa combinação de leão e águia, ver S. H. Langdon, Semitic Mythology; The Mythology of All Races, vol. 13;
p. 118, 277-282; ver também, na mesma obra, Fig. 51 , na p. 106, o leão alado; e p. 116, 117, a águia com cabeça de

171
Uriah Smith, Daniel and Revelation (ed. de 1891), 45.
Daniel 1 105

leão; ver ainda ilustrações da combinação de vários animais babilônicos e assírios em L. E. Froom, Prophetic Faith
of Our Fathers, vol. 1, p. 50, 52).

Outros profetas se referem ao rei Nabucodonosor com figuras semelh antes (]r 4:7; 50:1 7, 44; Lm 4:19; Ez 17:3, 12;
H c 1:8). O leão, como rei dos animais, e a águia, como rainha das aves, representavam adequadamente o imperio
babilônico no auge de sua glória. O leão é notável por sua força , enquanto a águia é famosa pelo poder e alcance de
seu voo. O poder de Nabucodonosor foi sentido não apenas em Babilônia, mas do Mediterrâneo até o golfo Pérsico,
e da Ásia Menor ao Egito. Assim, é adequado representar o alcance do poder de Babilônia por um leão com asas de
águia.

Arrancadas. O leão já não podia voar como a águia sobre sua presa. Sem dúvida, isso se refere ao período em que
governantes menos poderosos sucederam Nabucodonosor no reino de Babilônia, quando o poder dos caldeus perdeu
sua glória. Alguns sugerem uma possível referência também à experiência de Nabucodonosor, quando por sete anos
foi privado não só de seu trono, mas também de sua razão (Dn 4: 31-33).

Levantado. Um leão que se levanta como homem indica a perda das características de leão.

Mente de homem. O apelido do rei Ricardo, Coração de Leão, representava sua coragem e ousadia incomuns. Em
contrapartida, um leão com "mente de homem" indicaria covardia e timidez. Nos seus anos de declínio, Babilônia se
enfraqueceu pela arrogância e luxúria, e caiu como presa dos medos e persas.

Alguns veem na expressão "mente de homem" o desaparecimento da característica animal de voracidade e


ferocidade e a humanização do rei de Babilônia. Isso poderia ser aplicado a Nabucodonosor após sua experiência
humilhante, mas não seria uma representação adequada do reino nos seus últimos anos.

5 Continuei olhando, e eis aqui o segundo animal, semelhante a um urso, o qual se


levantou sobre um dos seus lados; na boca, entre os dentes, trazia três costelas; e lhe
diziam: Levanta-te, devora muita carne.

Um urso. O império persa, ou medopersa, correspondente à prata da estátua (ver com. de Dn 2:39). Como a prata é
inferior ao ouro, assim, ao menos em alguns aspectos, o urso é inferior ao leão. Contudo, o urso é cruel e voraz,
características atribuídas aos medos (Is 13:17, 18).

Sobre um dos seus lados. O intérprete (v. 16) não explica esta característica da visão. Porém, uma comparação com
Daniel 8:3 e 20 sugere que o reino era composto de duas partes: os medos e os persas, sendo que os últimos se
tornaram o poder dominante poucos anos antes do império duplo conquistar Babilônia (ver com. de Dn 2:39).

Três costelas. Estas não são mencionadas na interpretação (v. 17-27); no entanto, muitos comentaristas as
consideram um símbolo dos três poderes principais conquistados pelo império medo-persa: Lídia, Babilônia e Egito
(ver com. de Is 41:6).

É necessário manter em mente, como destacado por Gardner, que “a interpretação de quase cada detalhe da descrição
do urso em Daniel 7 é disputado pelos eruditos.”172 Após revisar as diferentes sugestões para a identificação do urso
desta profecia, Gardner concluiu, à semelhança de muitos autores prévios, que o urso representa o império Medo-
Persa, que sucedeu a Babilônia no cenário político naquela região do mundo. O fato de que um lado era mais alto que
outro indica que um dos poderes (Pérsia) se tornou mais forte que o outro (Média). Com respeito ao significado das
três costelas, constituem “os povos ou países que foram conquistados e anexados” 173 pelo Império Medo-Persa
combinado. Quanto à identificação dos três reinos simbolizados pelas costelas, intérpretes antigos e atuais entendem
as conquistas realizadas por este poder combinado contra os reinos da Lídia (546 a.C.), Babilônia (539 a.C.) e Egito
(525 a.C.).174

E lhe diziam. Não se identifica quem fala. O sujeito deve ser considerado de forma impessoal: "foi dito".

172
A. E. Gardner, “Decoding Daniel: The Case of Dan 7,5”, Biblica 88 (2007): 233.
173
Keil, C. F., The Book of the Prophet Daniel, 224; Archer, “Modern Rationalism and the Book of Daniel”, 140.
174
Kenneth L. Barker, “The Premillennialism in the Book of Daniel”, The Master’s Seminary Journal 4/1 (Spring
1993): 30. De Haan também interpreta as três costelas como uma referência a “três grandes poderes mundiais de seus
dias, incluindo Babilônia.” M. R. De Haan, Daniel the Prophet: thirty-five simple studies in the book of Daniel, 201.
Cf. Keil, 224; Seiss, 189; Pusey, 72; Lopes, Daniel, 92.
Daniel 1 106

6 Depois disto, continuei olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas
costas quatro asas de ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado
domínio.

Semelhante a um leopardo. O leopardo é um animal feroz e carnívoro, notável por sua velocidade e agilidade (ver
Hc 1:8; cf. Os 13:7).

O poder que sucederia o império persa é identificado em Daniel 8:21 como "Grécia". Essa "Grécia", porém, não deve
ser confundida com a Grécia do período clássico, visto que este período precedeu a queda da Pérsia. A "Grécia"
apresentada em Daniel é o império semigrego macedônico de Alexandre, o Grande (ver com. de Dn 2:39), que
inaugurou o que é chamado de período helenístico. Antes de Alexandre, não se podia fazer referência ao "primeiro
rei" (Dn 8:21) de um império grego que fosse "um rei poderoso" com "grande domínio" (Dn 11:3).

Em 336 a.C., Alexandre assumiu o trono da Macedônia, um estado semigrego na fronteira norte da Grécia. O pai de
Alexandre, Felipe, já tinha unido a maioria das cidades-estados da Grécia sob seu domínio, por volta de 338 a.C.
Alexandre provou sua índole subjugando revoltas na Grécia e Trácia. Após a ordem ter sido restaurada em seu
próprio reino, Alexandre se lançou à tarefa de conquistar o império persa, uma ambição que herdou de seu pai. Entre
os fatores que impulsionavam o jovem rei a levar avante seus planos estavam a ambição pessoal, a necessidade de
expansão econômica, o desejo de difundir a cultura grega e uma animosidade natural contra os persas, devido a
conflitos anteriores com seus compatriotas.

Em 334 a.C., Alexandre cruzou o Helesponto e entrou no território persa com apenas 35 mil homens, a insignificante
soma de 70 talentos e provisões para apenas um mês. A campanha rendeu uma série de vitórias. A primeira delas foi
alcançada em Grânico, a segunda em Isso, no ano seguinte, e outra em Tiro, um ano depois. Ao passar pela Palestina,
Alexandre conquistou Gaza e, então, entrou no Egito praticamente sem enfrentar oposição. Ali, em 331 a.C., ele
fundou a cidade de Alexandria. Declarou-se sucessor dos faraós, e suas tropas o aclamaram como um deus. Quando
novamente, nesse ano, iniciou sua jornada, ele dirigiu seus exércitos para a Mesopotâmia, o coração do império
persa. Os persas se posicionaram perto de Arbela, ao leste da junção dos rios Tigre e Grande Zab, mas as forças
persas foram derrotadas e fugiram. As fabulosas riquezas do maior império do mundo estavam à disposição do
jovem rei, com 25 anos .

Após uma organização preliminar de seu império, Alexandre prosseguiu em suas conquistas em direção ao norte e ao
leste. Por volta de 329 a.C., ele já havia tomado Maracanda, atual Samarcanda, no Uzbequistão. Dois anos mais
tarde, invadiu o noroeste da Índia. Porém, pouco depois de cruzar o rio Indo, suas tropas se recusaram a ir além, e ele
se viu obrigado a ceder. Ao retornar à Pérsia e Mesopotâmia, Alexandre foi confrontado com a grandiosa tarefa de
organizar a administração de seus territórios. Em 323 a.C., ele estabeleceu sua capital em Babilônia, cidade que
ainda preservava resquícios da glória dos tempos de Nabucodonosor. No mesmo ano, depois de se exceder na
bebida, Alexandre adoeceu e morreu de "febre do pântano", o que se imagina ser o nome antigo da malária, ou de
enfermidade semelhante.

Quatro asas de ave. Embora o leopardo seja um animal veloz, sua agilidade natural parece inadequada para
descrever a surpreendente velocidade das conquistas de Alexandre. A visão mostrava o animal com asas que lhe
foram acrescentadas, não duas, mas quatro, indicando velocidade superlativa. O símbolo descreve adequadamente a
rapidez fulminante com que Alexandre e os macedônios, em menos de uma década, chegaram a se apoderar do maior
império do mundo até então. Na Antiguidade, não existiu outro exemplo de movimentos tão rápidos de tropas em
escala tão extensa e bem-sucedida.

Quatro cabeças. Obviamente, equivalem aos quatro chifres do bode, que representava os quatro reinos (mais tarde
reduzidos a três) que ocuparam o território conquistado por Alexandre (ver com. de Dn 8:8, 20-22). No entanto, por
alguns anos, os generais macedônios de Alexandre tentaram preservar, em teoria se não na prática, a unidade do
vasto império. Alexandre morreu sem planejar a sucessão de seu trono. Primeiramente, seu meio-irmão Felipe,
deficiente mental, e depois seu filho póstumo Alexandre foram os governantes titulares sob a regência de um ou
outro dos generais; então, o império foi dividido num grande número de províncias, as mais importantes das quais
eram controladas por cerca de seis generais que atuavam como sátrapas (ver p. 908, mapa A).

Mas a autoridade central, isto é, a regência dos dois reis marionetes, nunca foi forte o suficiente para unir o vasto
império. Depois de 12 anos de lutas internas, durante os quais o controle de diversas partes do território mudou
Daniel 1 107

repetidamente, ambos os reis foram mortos. Então, Antígono surgiu como o último dos pretendentes ao poder central
sobre todo o império. Ele encontrou oposição da coalizão de quatro poderosos líderes: Cassandro, Lisímaco, Seleuco
e Ptolomeu, que tinham a intenção de dividir o território entre eles. Em 306, juntamente com seu filho Demétrio,
Antígono se declarou rei de todo o império e sucessor de Alexandre. Diante disso, os quatro aliados abandonaram
seus títulos de sátrapas e se declararam reis de seus respectivos territór ios (ver p. 824, mapa B).

A longa luta de vida ou morte entre os defensores da unidade, sob o governo de Antígono e Demétrio, e os
partidários da divisão do império entre os quatro generais foi decidida na batalha de Ipso, em 301 a.C . Antígono foi
morto, Demétrio fugiu, e o território foi dividido. Isso deixou, com exceção de pequenos fragmentos, quatro reinos
independentes (ver p. 909, mapa C) no luga r do imenso império que Alexandre tinha conquistado, mas não fora
capaz de consolidar. Ptolomeu tinha o Egito, a Palestina e parte da Síria; Cassandro tinha Macedônia, com soberania
nominal sobre a Grécia; Lisímaco ficou com a Trácia e grande parte da Ásia Menor; e Seleuco ficou com a maior
parte do que fora o império persa: parte da Ásia Menor, norte da Síria, Mesopotâmia e regiões ao oriente. Demétrio,
reduzido ao controle de uma frota e de algumas cidades costeiras, não tinha reino. No entanto, mais tarde, ele
deslocou os herdeiros de Cassandro e fundou a dinastia dos Antígonas, na Macedônia.

Cerca de 20 anos depois da divisão, os quatro reinos foram reduzidos a três, pois Lisímaco foi eliminado (ver p. 909,
mapa D). Grande parte de seu território foi tomado pelo império selêucida, mas parte foi invadida pelos gauleses, ou
se desintegrou em pequenos estados independentes, sendo Pérgamo o mais importante deles. Contudo, a Macedônia,
o Egito e o império selêucida (às vezes, conhecido como Síria, pois a parte oriental logo se perdeu) continuaram
como as três principais divisões do antigo império de Alexandre, até serem anexados, um a um ,
pelo império romano.

Muitos historiadores, principalmente autores de livros escolares, que precisa eliminar detalhes para dar uma visão
global, passam por alto a divisão em quatro e só mencionam a posterior e permanente divisão em três reinos
principais que mantiveram su a identidade até a época do império romano.

Alguns tentam encontrar a continuação dos quatro reinos até o período romano, contando Pérgamo como sucessor do
breve reino de Lisímaco. Mas, quando se fala de três reinos principais e do reino bem menor de Pérgamo, ou de três
reinos mais um grupo de estados menores, é notável que, no momento crítico, quando fracassou a última esperança
de unificar o império de Alexandre, e a divisão foi inevitável, todo o território, com exceção de fragmentos menores,
se dividiu em quatro reinos (ver p. 909, mapa C), conforme especificado pela profecia (Dn 8: 22).

O império de Alexandre, mesmo em sua fase dividida, ainda era uma continu ação e realização do ideal de seu
fundador: um mundo greco-macedônico-asiático de povos diversos unidos pelo idioma, pensamento e pela
civilização dos gregos. Exceto pela centralização política, o mundo helenístico constituía um a unidade como fora
sob o domínio de Alexandre, e em certos aspectos mais do que fora antes. Esse império foi representado
adequadamente por um único animal com várias cabeças (ou em Dn 8, com vários chifres; sobre o helenismo e o
surgimento de Roma, ver artigo sobre o período intertestamentário no vo l. 5).

7 Depois disto, eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível, espantoso e
sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava, e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que
sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele e tinha dez chifres.

O quarto animal. Comparar com o v. 19. Talvez não houvesse na natureza nenhuma semelhança pela qual se
pudesse designar essa entidade horrenda, pois não se faz nenhuma comparação como ocorre com os três primeiros
animais. Porém, não há dúvida de que representa o mesmo poder retratado pelas pernas de ferro da grande estátua
(ver com. de Dn 2:40).

A história mostra claramente que o poder mundial que sucedeu o terceiro império dessa profecia é Roma. No
entanto, a transição foi gradual, de modo que é impossível apontar para um evento específico que indique o momento
da mudança. Como foi visto, o império de Alexandre foi dividido depois de 301 em quatro (depois três) reinos
helenísticos (ver com. de Dn 8:8), e sua substituição pelo império romano foi um processo gradual de várias etapas
importantes. Escritores divergem quanto à data que indica a hegemonia do império romano.

Por volta de 200 a.C. , quando Cartago já não era mais uma rival (embora fosse destruída apenas meio século
depois), Roma dominava o Mediterrâneo ocidental e tinha começado a se relacionar com o Oriente, onde se tornaria
dominante também. Em 197 a.C., Roma derrotou a Macedônia e colocou os estados gregos sob sua proteção. Em
190, Roma derrotou Antíoco JII e tomou o território selêucida pelo leste até os montes Tauros. Em 168, na batalha de
Daniel 1 108

Pidna, Roma acabou com a monarquia na Macedônia, dividindo-a em quatro confederações; e, provavelmente no
mesmo ano, advertiu Antíoco IV a abandonar a ideia de atacar o Egito. Em 146, Roma anexou a Macedônia como
província e pôs a maioria das cidades gregas sob o governador da Macedônia.

Se a dominação romana do Oriente for contada desde a data em que os monarcas dos três reinos helenísticos foram
eliminados pelo poder romano, o ano 168 pode ser considerado como o primeiro passo no processo. Porém, os reis
selêucidas e ptolomaicos permaneceram em seus tronos até muito depois, até o ano 63, na Síria, e 30, no Egito. Se as
datas da anexação desses três reinos como províncias romanas forem escolhidas, essas datas seriam 146, 64 e 30
a.C., respectivamente. Alguns historiadores enfatizam 168 porque, por volta desse ano, Roma tinha conquistado a
Macedônia e salvado o Egito de cair nas mãos do reino selêucida, ao proibir a invasão de Antíoco IV. Isso demonstra
que Roma, na prática, já controlava os três reinos, embora tivesse conquistado apenas um deles.

Não se pode dar uma data única para um processo gradual. A despeito da escolha da data ou das datas mais
importantes, a mudança do poder para Roma é clara, e a absorção do território de Alexandre desde a Macedônia até o
Eufrates se completou em 30 a.C. (ver artigo sobre o período intertestamentário no vol. 5).

Grandes dentes de ferro. Estes enormes dentes metálicos retratam crueldade e força. Assim como o animal
devorava e fazia em pedaços sua presa com esses dentes grotescos, também Roma devorou nações e povos em suas
conquistas. Algumas vezes, cidades inteiras foram destruídas, como no caso de Corinto, em 146 a.C. , outras vezes
reinos, como a Macedônia e os domínios selêucidas, que foram divididos e convertidos em províncias. Pisava aos
pés o que sobejava. Quando não destruía ou subjugava um povo, Roma o empregava como escravo ou o vendia
como tal. Na intensidade de seu poder destruidor, Roma superou os reinos que antes governaram o mundo. Dez
chifres. Explicado como "dez reis" (v. 24). Se os "quatro reis" do v. 17 representam reinos (ver com. do v. 3)
paralelos aos quatro impérios do cap. 2, então há razão para entender esses "dez reis" também como reinos, assim
como os quatro chifres do bode são "quatro reinos" (Dn 8:22). As sucessivas invasões do império romano por parte
de várias tribos germânicas e a substituição dele por vários estados separados ou monarquias são fatos bem
comprovados pela história. Devido ao fato de que pelo menos 20 tribos bárbaras invadiram o império romano,
comentaristas compilaram várias listas de reinos fundados no território do império. A seguinte é uma delas:
ostrogodos, visigodos, francos, vândalos, suevos, alamanos, anglo-saxões, hérulos, lombardos e burgúndios. Alguns
preferem alistar os hunos no lugar dos alamanos. Contudo, os hunos desapareceram cedo sem deixar um reino
estabelecido. O período foi de grandes transtornos, confusão e mudança , durante o qual um grande número de
estados assegurou a independência.

Dez chifres. O número dez aponta para a total fragmentação do império romano. Já no quarto século AD Jerônimo
havia se referido a esta fragmentação. É consistente com a profecia interpretar os dez chifres como símbolos de
reinos nos quais o Império Romano Ocidental se dividiu após a sua queda em 476 AD. Quanto à identificação de
cada um dos chifres, encontramos uma variedade de interpretações, ainda que haja uma certa concordância na
maioria deles. Por exemplo, Gibbon os identifica como os Alamanos, Francos, Burgúndios, Vândalos, Suevos,
Visigodos, Saxões, Ostrogodos, Lombardos e os Hérulos. (Cf., M. H. Brown, The Sure Word of Prophecy, pp. 54,
55). Maquiavel, sem diretamente se referir a esta profecia, apresenta a seguinte lista: os Ostrogodos, Visigodos,
Suevos, Vândalos, Francos, Burgúndios, Hérulos, Saxões, Hunos e os Lombardos, dez ao todo.175

Com respeito às nações que se originaram a partir da fragmentação do Império Romano, Guinness oferece a seguinte
proposta, no que é seguido por outros estudiosos: Itália, Áustria, Suiça, França, Alemanha, Inglaterra, Holanda,
Bélgica, Espanha e Portugal.176

8 Estando eu a observar os chifres, eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual
três dos primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de
homem, e uma boca que falava com insolência.

175
Citado por Samuel J. Cassels, Christ and Antichrist or Jesus of Nazareth Proved to Be The Messiah and the
Papacy Proved to Be the Antichrist Predicted in the Holy Scriptures (Philadelphia: Presbyterian Board of
Publication, 1846), 156. Ver também, Albert Barnes, Notes, Critical, Illustrative, and Practical, on the Book of
Daniel, With An Introductory Dissertation (New York: Leavitt & Allen, 1853), 322; H. Grattan Guinness, The
Divine Program of the World’s History, 318.
176
Guinness, The Approaching End of the Age , 321.
Daniel 1 109

Outro pequeno. Literalmente, "outro chifre, um pequeno". Embora pequeno no início, este chifre é descrito, mais
tarde, como "mais robusto do que os seus companheiros", literalmente, "maior que seus companheiros". Ele
simboliza a continuação do poder romano por meio da igreja romana.

"Das ruínas da Roma política, surgiu o grande império moral na 'forma gigante' da igreja romana" (A. C. Flick, The
Rise of the Medieval Church [1900], p. 150; ver também o com. dos v. 24, 25).

"Sob o império romano, os papas não tinham poderes seculares. Mas, quando o império romano se desintegrou e seu
lugar foi ocupado por vários reinos bárbaros, a igreja católica romana não só se tornou independente desses estados
em assuntos religiosos, mas também dominou as questões seculares. Algumas vezes, sob governadores como Carlos
Magno (768-8 14 d.C .), Otto, o Grande (936 -973) e Henrique III (1039-1056), o poder civil controlou a igreja até
certo ponto. Mas, em geral, sob o fraco sistema pol ítico do feudalismo, a igreja bem organizada, unificada e
centralizada, tendo o papa como o cabeça, não era apenas independente em questões eclesiásticas, mas também
controlava qu estões civis" (Carl Conrad Eckhardt, The Papacy and World-Affairs [1937], p. 1).

Que características mencionadas no texto bíblico permitem uma identificação do chifre pequeno em Daniel 7?

R. Os intérpretes se dividem quanto à identificação deste símbolo. Para os estudiosos da escola preterista, o chifre
pequeno simboliza o rei Antíoco IV Epifânio, que governou uma parte do antigo império grego e que,
eventualmente, também regia a Palestina. Assim, o símbolo do chifre pequeno apenas apontava para um governante
do segundo século antes de Cristo, sem qualquer aplicação ao futuro. Mas, seria esta a melhor interpretação?

Para responder a esta pergunta, crucial na interpretação das profecias de Daniel, é importante verificar as
características do poder simbolizado pelo chifre pequeno segundo as apresenta o mesmo profeta. Considerando que
os animais anteriormente mencionados representam impérios sucessivos, e que o chifre pequeno é mencionado
somente após o animal terrível e espantoso com dez chifres sobre a cabeça, este fato, por si só, aponta para um
momento na história que vai muito além do segundo século a.C., quando Antíoco IV desenvolveu sua carreira.
Analisando-se o próprio texto, encontramos que:

1. A ponta pequena surge do quarto animal – entre os dez chifres. Surge da besta romana (vv. 7, 8, 24) e de
alguma maneira deve ser, portanto, uma continuação do Império Romano.
2. O tempo do surgimento da ponta pequena e os eventos ocorridos naquele tempo ajudam a identificá-la. Os dez
chifres da besta romana representam as divisões do Império Romano Ocidental, que chegou ao seu fim no ano
476 AD. A ponta pequena surgiu entre estes dez chifres, assim que ela cresceu em poder após as tribos bárbaras
dividirem o Império Romano, por volta do quinto ou sexto séculos A.D.
3. Três chifres/reinos seriam arrancados diante da ponta pequena.
4. A ponta pequena falaria grandes ou “insolentes” palavras contra o Altíssimo (vv. 8, 11, 20, 25). Além de
tomar alguns dos títulos anteriormente usados pelos Césares, o bispo de Roma assumiu títulos religiosos e
prerrogativas que somente podem ser descritos como palavras “insolentes”.
5. Os santos do Altíssimo deveriam ser entregues ao poder da ponta pequena e oprimidos por ela. Portanto, a
ponta pequena seria um poder perseguidor (v. 25).
6. A ponta pequena tentaria “mudar os tempos e a lei” (Dn 7:25). A palavra aramaica para “tempos” é zimnin,
a forma plural de zeman. Quando usada no singular, esta palavra se refere a um ponto no tempo, mas como
plural, ela faz referência a pontos repetidos no tempo. Estes pontos repetidos no tempo estão vinculados no
mesmo verso com a lei de Deus.
7. A característica final também se encontra em Daniel 7:25: “Os santos lhe serão entregues nas mãos por um
tempo, tempos e metade de um tempo”.

Conclusão: A análise do texto em si provê informações quanto a características do poder simbolizado pelo chifre, e
que auxilia em sua identificação. É um poder político – visto que é representado por um chifre, símbolo usado por
Daniel para descrever outros reinos – e também religioso, característica que se destaca por suas referências à intrusão
deste poder no âmbito religioso: palavras contra o Altíssimo, perseguição dos santos do Altíssimo, etc.

De acordo com Mangano, “comentaristas frequentemente identificam este chifre pequeno como o Anticristo, o
‘homem da iniquidade’ de 2 Tessalonicenses 2:8-9 e a ‘besta’ de Apocalipse 13:1-10. Esta identificação é baseada na
associação da destruição do chifre pequeno com a cena de um grande juízo e a gloriosa aparição da plenitude do
Daniel 1 110

Reino de Deus (7:11, 26-27).177 Muitos comentaristas interpretaram o chifre pequeno de Daniel 7 com os papas de
Roma. Para Paul Butler, “o chifre pequeno que cresceu é o papado Católico Romano que sucedeu o império
Romano...”.178

Diante. Do aramaico qodham, palavra que aparece com freguência em Daniel, significando "antes", no que se refere
a tempo, ou "na presença de". A frase "diante do qual" pode ser interpretada como "dar lugar a ele".

Três dos primeiros chifres. O "chifre pequeno" é um símbolo da Roma papal. Portanto, arrancar os três chifres
simboliza a destruição de três das nações bárbaras. Entre os principais obstáculos para o surgimento da Roma papal,
como poder político, estavam os héru los, os vândalos e os ostrogodos. Os três apoiavam o arianismo, que foi o
maior rival do catolicismo na época.

Os hérulos foram a primeira das tribos bárbaras a governar Roma. Eles constituíam tropas auxiliares alemãs de Roma
que se revoltaram e, em 476 d.C., depuseram o jovem Rômulo Augusto, último imperador do Ocidente. À frente dos
hérulos e de outras tribos mercenárias estava Odoacro que se declarou rei de Roma. Odovacar, um ariano, embora
tolerante para com os católicos, era odiado pelos italianos. Por sugestão do imperador Zeno, do Oriente, Teodorico,
líder dos ostrogodos, foi o seguinte a invadir a Itália. Ele chegou ali em 489, e em 493 assegurou a rendição de
Odovacar para, logo depois, o matar (ver Thomas Hodgkin, Italy and Her Invaders, vol. 3, p. 180-213).

No que se refere à igreja romana, a chegada de Teodorico não teve nenhuma alteração para melhor, só uma mudança
de líderes. Teodorico era ariano tanto quanto seu predecessor no trono da Itália. Embora ele fosse tolerante para com
as diferentes religiões de seu rei no, as ambições desmedidas do pontífice romano não podiam se concretizar sob um
sistema que conferia apenas tolerância.

Enquanto isso, os vândalos, liderados por Genserico, tinham se estabelecido no norte da África, e tomado Cartago,
em 439 d.C. Como eram arianos fanáticos e guerreiros, constituíam uma ameaça à supremacia da igreja católica no
Ocidente. Eles eram intolerantes para com os católicos, os quais chamavam de hereges. Para auxiliar a causa dos
católicos no Ocidente, o imperador Justiniano, que governava a metade oriental do império romano em
Constantinopla, enviou Belisário, o mais hábil de seus generais. Belisário venceu por completo os vândalos em 534.

Essa vitória fez dos ostrogodos o único poder ariano sobrevivente na Itália que pudesse perturbar a hegemonia do
papado no Ocidente (ver Hodgkin, op. cit., vol. 3, cap. 15). Depois de ter eliminado os vândalos, em 534 d.C. ,
Belisário começou sua campanha contra os ostrogodos na Itália. Embora essa campanha tenha durado 20 anos até os
exércitos imperiais obterem a vitória completa (ver Hodgkin, op. cit., vol. 5, p. 3-66), a ação decisiva ocorreu no
início dela. Os ostrogodos, que foram expulsos de Roma, voltaram e a sitiaram em 537. O cerco durou um ano; mas,
em 538, Justiniano enviou outro exército à Itália e, em março, os ostrogodos abandonaram o cerco (ver Hodgkin, op.
cit., vol. 4, p. 73-113, 210-252; Charles Diehl, "Justinian", em Cambridge Medieval History, vol. 2, p. 15). É verdade
que eles voltaram a entrar na cidade em 540, mas sua ocupação foi breve. A retirada de Roma, em 538, marcou o
verdadeiro fim do poder ostrogodo, embora não da nação dos ostrogodos. Assim, foi "arrancado" o último dos três
chifres que ficavam no caminho do "chifre pequeno".

Justiniano foi notável não apenas pelo êxito em reunir temporariamente a Itália e algumas regiões do Ocidente com a
metade oriental do que tinha sido o império romano, mas também pela organização das leis existentes no império,
incluindo novos editos do próprio Justiniano, num código unificado. Incorporadas a esse código imperial estavam
duas cartas oficiais de Justiniano, que tinham toda força de edito real, nas quais ele legalmente confirmava o bispo de
Roma como "cabeça de todas as igrejas santas" e "cabeça de todos os sacerdotes santos de Deus" (Código de
Justiniano, livro 1, título 1). Na última carta, ele também aprovou as atividades do papa como punidor de hereges.

Embora esse reconhecimento legal da supremacia eclesiástica do papa tenha ocorrido em 533 d.C ., é óbvio que o
edito imperial não podia se efetivar enquanto o reino ariano dos ostrogodos estivesse no controle de Roma e da maior
parte da Itália. Só depois que o domínio dos ostrogodos fosse quebrantado é que o papado estaria livre para exercer o
seu poder. Em 538, pela primeira vez desde o fim da linhagem imperial do Ocidente, a cidade de Roma ficou livre da
177
Mangano, Esther & Daniel, 253.
178
Paul T. Butler, Daniel. Bible Study Textbook Series (Joplin, MO: College Press, 1970), 274. Cf. a obra de
Cassels, cujo título, Christ and Antichrist or Jesus of Nazareth Proved to Be The Messiah and the Papacy Proved to
Be the Antichrist Predicted in the Holy Scriptures não deixa margem a dúvidas acerca de sua posição. A obra de
Cassels foi recomendada por pessoas de expressão de diferentes confissões, como Presbiteriana, Metodista
Episcopal, Batista, Batista do Sul (EUA), Igreja de Cristo e Presbiteriana Unida. Cf. Cassels, p. (2).
Daniel 1 111

dominação do reino ariano. Naquele ano, o reino ostrogodo foi ferido de morte (embora os ostrogodos tenham
sobrevivido mais alguns anos como povo). É por isso que 538 é uma data mais importante que 533.

Resumindo: (I) Antes de 533 d.C., o papa já tinha sido reconhecido de forma ampla, embora não universal, como
bispo supremo das igrejas do Ocidente, e tinha exerc ido influência política considerável, de tempos em tempos, sob
o patrocínio dos imperadores ocidentais. (2) Em 533, Justiniano reconheceu a supremacia eclesiástica do papa como
"cabeça de todas as igrejas santas" tanto no Oriente como no Ocidente, e esse reconhecimento legal foi incorporado
ao código de leis imperiais, em 534. (3) Em 538, o papado ficou efetivamente livre do domínio dos reinos arianos
que sucederam os imperadores ocidentais no controle de Roma e da Itália. Daí em diante, o papado pôde ampliar seu
poder eclesiástico. Os outros reinos se tornaram católicos, um a um; e, visto que os distantes imperadores do Oriente
não retiveram o controle da Itália, o papa se projetava, com frequência , como figura principal no Ocidente nos
turbulentos acontecimentos que se seguiram. O papado adquiriu governo territorial e, finalmente, alcançou o apogeu
do domínio político, bem como religioso na Europa (ver Nota Adiciona l a Daniel 7). Embora esse domínio tenha se
dado bem depois, pôde-se encontrar o ponto decisivo no período de Justiniano.

Alguns consideram significativo que Virgílio, o papa que ocupava o cargo em 538, tivesse substituído, no ano
anterior, um papa que tinha estado sob influê ncia gótica. O novo papa devia seu cargo à imperatriz Teodora, e foi
considerado por Justiniano como o meio para unir todas as igrejas, no Oriente e no Ocidente, sob seu próprio
domínio imperial. Ressalta-se que, a partir de Virgílio, os papas foram se tornando mais e mais estadistas do que
ecles iásticos e, com frequência, chegaram a ser governantes de estados (Charles Bemont e G. Monod, Medieval
Europe, p. 121).

Que poderes são representados pelos três chifres que foram arrancados pelo chifre pequeno, conforme o verso
8?

R. Com respeito a esta pergunta, temos alguma certeza na identificação, mas não há unanimidade. Tradicionalmente
os chifres são identificados entre os intérpretes historicistas como uma representação das seguintes tribos bárbaras:
Hérulos, Vândalos e Ostrogodos. As batalhas entre os povos de então eram de natureza política e também religiosa.
Em alguns momentos pontos controvertidos de doutrina religiosa as motivavam. O poder do Estado foi usado de
forma não usual para eliminar as tribos consideradas hereges, ou seja, as que não aderiam à forma de cristianismo
ensinada pela Sé Romana. O Estado saía lucrando e a Igreja Romana se fortalecia cada vez mais. Foi assim que
Justiniano, o imperador do Oriente, ordenou um ataque de suas forças contra os Vândalos, no norte da África, e os
derrotou no ano 534.

Posteriormente, o general Belisário, seguindo as ordens do imperador Justiniano, marchou para Roma a fim de
libertá-la da ocupação dos Ostrogodos, que aí estavam já por seis anos. O ano 538 marca o fim do controle exercido
pelos arianos sobre a antiga capital e o início do efetivo domínio pelo bispo católico de Roma. Como veremos mais
adiante, esta data é crucial para a interpretação do período profético mencionado no verso 25. Ainda que os
Ostrogodos tenham permanecido na península italiana por mais alguns anos, até sua derrota definitiva em 555, “o
ano 538 é o momento decisivo na guerra Gótico-Bizantina: antes de 538 os Bizantinos são os invasores e os
Ostrogodos os defensores. Após 538, os Ostrogodos sentem-se como invasores, tendo perdido suas bases de
operações.”179 Assim, 538 assinala o começo do fim para a existência desta tribo.

Com relação ao terceiro poder arrancado diante do chifre pequeno, há alguma variação. Embora não se pretenda
atribuir a esta questão uma importância teológica indevida, é preciso reconhecer que alguns intérpretes sugerem
como alternativa a substituição dos Hérulos e, em seu lugar, inserir os Visigodos. 180 Os Hérulos são uma
possibilidade, sim. Afinal, foram eles que conquistaram Roma no ano 476, pondo fim à parte Ocidental do império.
Entretanto, pelos argumentos apresentados a seguir, os Visigodos constituem uma alternativa preferível, visto que os
acontecimentos envolvendo esta tribo são muito mais significativos do ponto de vista da interpretação profética. Um
estudioso181 apresenta dois argumentos contra a identificação dos Hérulos como um dos três chifres arrancados: (1) o
assassinato de Odoacro não resultou na destruição dos Hérulos. Embora Odoacro fosse parcialmente descendente dos
Hérulos, seus soldados eram mercenários provenientes de várias tribos, assim, não havia um “reino Hérulo”; (2) a

179
Heinz Schaidinger, “Historical Confirmation of Prophetic Periods”, Biblical Research Institute Release, No 7
(Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2010), 28-29.
180
Ver, por exemplo, William H. Shea, Daniel: una guía para el estudioso, 116-117; Doukhan, Secrets of Daniel,
106; Schaidinger, 6, 30 (nota 97).
181
Schaidinger, 30 (nota 97).
Daniel 1 112

luta entre Teodorico e Odoacro não se relacionava em nada com o bispo de Roma. O papado não obteve lucro algum
com a mudança de regência, pois ambos eram adversários teológicos do cristianismo católico.

O personagem que se destaca nos eventos que culminaram com a eliminação dos Visigodos é Clóvis, o líder dos
Francos, que “foi convertido ao cristianismo 182 ... e tornou-se um grande defensor da autoridade do bispo de
Roma.”183 Na verdade, os Francos foram a primeira tribo bárbara a se converter à forma de cristianismo sustentado
por Roma.

Na avaliação de um historiador, “... a aceitação do cristianismo por Clóvis teria efeitos duradouros na história futura
da Igreja. ... a monarquia franca tornou-se um sustentáculo vigoroso do papado na baixa Idade Média. Os reis francos
atravessaram os Alpes muitas vezes para salvar o bispo romano das mãos de seus inimigos na Itália.” 184 Outro
historiador considera que a conversão de Clóvis “transformou automaticamente as guerras de Clóvis em guerras
santas contra os hereges e os descrentes”,185 ou “guerras religiosas – cruzadas...”.186 Em seu discurso para motivar as
tropas contra os visigodos arianos, Clóvis proferiu as seguintes palavras: “Entristece-me o fato desses arianos
dominarem uma parte da Gália. Marchemos, com a ajuda de Deus, e subjuguemos o seu país.” 187 É claro, portanto,
que a vitória de Clóvis sobre os Visigodos no ano de 508 AD constituiu-se num marco não só político, mas
sobretudo religioso. Além disto, a disposição dos Francos de colocar a espada a serviço dos bispos de Roma
caracterizou uma união em que o Estado (no caso, a França) colocou-se a serviço da religião (representada por
Roma). Temos aqui, portanto, a união da Igreja com o Estado, em que o poder do Estado seria usado pela Igreja para
punir os “hereges”, ou seja, todos aqueles que sustentassem, ou aderissem a, uma forma de crença diferente da de
Roma. Esta união do “trono” com o “altar” seria responsável pelas atrocidades cometidas no período medieval, como
a “santa” inquisição, contra os Valdenses, Huguenotes, etc. Curiosamente, os mesmos Francos que iniciaram esta
aliança foram responsáveis, agora como a França revolucionária, por terminá-la em 1798.

Resumindo, a vitória de Clóvis aconteceu no ano 508 AD, uma data significativa na interpretação dos períodos dos
1.290 e 1.335 dias (Dn 12:11, 12). Portanto, a sugestão de que os três chifres se referem aos Vândalos, Visigodos e
Ostrogodos parece ser mais adequada para a interpretação da profecia. Com a eliminação das tribos mencionadas, o
cristianismo católico estava finalmente livre de oposição teológica para florescer nos níveis religioso e político. 188

Neste chifre. Visto que os dez chifres representam o império romano dividido após sua queda (ver com. do v. 7), o
chifre pequeno deve representar algum poder que viria a existir entre eles e substituir alguns desses reinos (ver
citação no com. de Dn 8:23).

Olhos. Em geral, símbolo de inteligência. Em contraste com os bárbaros, que eram em grande parte iletrados, o
poder representado pelo "chifre pequeno" era notável por sua inteligência, perspicácia e previsão.

Que falava com insolência. Ver com. do v. 25.

9 Continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de Dias se assentou; sua
veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça, como a pura lã; o seu trono eram
chamas de fogo, e suas rodas eram fogo ardente.

182
Os historiadores discutem, a partir das evidências históricas, qual seria a data precisa para a conversão de Clóvis
ao cristianismo católico romano. Cf. a discussão do tema em Jean C. Zukowsky, The Role and Status of the Catholic
Church in the church-state relationship within the Roman Empire from A.D. 306 to 814, 168ss (Berrien Springs, MI:
Adventist Theological Society Publications, 2013); Heinz Schaidinger, “Historical Confirmation of Prophetic
Periods”, Biblical Research Institute Release, No 7 (Silver Spring: MD, Biblical Research Institute, 2010). Com
respeito ao seu batismo, a melhor evidência disponível o situa no Natal do ano 508. Cf. Heidi Heiks, AD 508 Source
Book (TEACH Services, Inc., 2011), xxv-xxix.
183
Earle E. Cairns, O cristianismos através dos séculos, 128.
184
Cairns, Ibid., 104.
185
William J. Courtenay, “Clovis I”, em The McGraw-Hill Encyclopedia of World Biography (New York: McGraw-
Hill, 1973), 3:56. Citado em Alberto R. Timm, “A importância das datas de 508 e 538 d.C. para a supremacia papal”,
Parousia, Ano 4, Nº 1, 1º semestre de 2005, p. 10. Recomendamos a leitura completa do artigo de A. Timm.
186
H. M. Gwatkin e J. P. Whitney, The Cambridge Medieval History (New York: Macmillan, 1926), 2:112. Citado
em Timm, “A importância das datas de 508 e 538 d.C. ...”, 10.
187
Gwatkin e Whitney, 2:113.
188
Doukhan, Secrets of Daniel, 107.
Daniel 1 113

Foram postos. Do aramaico remah, palavra que significa "colocar" ou "estabelecer", embora também possa
significar "lançar" (Dn 3:20; 6:16, 24). A LXX traz tithemi, que é definido como "estabelecer", "colocar" ou "erigir".
A tradução "foram postos" parece se basear numa interpretação que considerou os tronos como pertencentes aos
animais. Aqui se mostra uma representação simbólica do grande juízo final, que determina o destino de homens e
nações.

O Ancião de Dias. A expressão é descritiva, não um título. O original aramaico não tem o artigo definido, que é
acrescentado aqui e usado nos v. 13 e 22 como um artigo de referência, isto é, com a função de se referir ao Ser
descrito antes. Deus, o Pai, é representado.

Sua veste. Deve-se ter cautela ao interpretar as visões simbólicas. "Ninguém jamais viu a Deus" (Jo 1:18). Daniel
viu apenas uma representação da Divindade. Não se pode saber até que ponto a representação reflete a realidade. Na
visão, a Divindade é representada de várias formas, e a forma que assume em geral tem a ver com o objetivo didático
da visão. Numa visão do segundo advento, João viu Jesus sentado num cavalo branco, com vestes tingidas de sangue
e com uma espada que saía de Sua boca (Ap 19: 11-15). Obviamente, não se espera ver o Salvador vestido assim,
armado e montado a cavalo, quando voltar. No entanto, cada um desses elementos tem valor ilustrativo (ver com. de
Ap 19:11-15). Na visão de Daniel, pode-se ver na veste branca um símbolo de pureza e no cabelo branco um sinal de
antiguidade, mas ir além do simbolismo e especular sobre a aparência dAquele que habita "em luz inacessível, a
quem homem algum jamais viu" (1Tm 6: 16) é entrar no campo da especulação (ver T8, 279). Não se pode negar que
Deus é um Ser pessoal. "Deus é espírito; não obstante é um Ser pessoal, pois o homem foi criado à Sua imagem" (T8,
263). "Ninguém deve alimentar a especulação a respeito da natureza divina. Nesse assunto, o silêncio é eloquência"
(T8, 279; sobre a interpretação de visões simbólicas, ver com. de Ez 1:10).

10 Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares o serviam, e


miríades de miríades estavam diante dele; assentou-se o tribunal, e se abriram os livros.

10. Milhares de milhares. Estes representam os anjos celestiais que ministram diante do Senhor e cumprem sempre
Sua vontade. Os anjos desempenham uma parte importante no juízo. Eles são tanto ministros quanto testemunhas
(GC, 479).

Assentou-se. Ou, "começou a se assentar". Daniel viu o juízo final em suas duas fases, investigativa e executiva. No
juízo investigativo, serão avaliados os registros de todos que alguma vez professaram lealdade a Cristo. A
investigação não é conduzida com fins de informar a Deus ou a Cristo, mas para a informação de todo o universo, a
fim de que Deus possa ser vindicado ao aceitar alguns e rejeitar outros. Satanás reivindica todos os seres humanos
como seus súditos. Aqueles pelos quais Jesus intercede em juízo, Satanás acusa diante de Deus; mas Jesus alega a fé
e o arrependimento deles. Como resultado do juízo, se obterá um registro daqueles que serão cidadãos do futuro
reino de Cristo. Esse registro inclui nomes de homens e mulheres de toda nação, tribo, língua e povo. João fala dos
remidos na NovaTerra como "as nações" dos salvos (Ap 21:24).

E se abriram os livros. Comparar com Ap 20:12. Os seguintes registros são considerados: (l) o livro da vida, no
qual está registrado o nome daqueles que aceitaram servir a Deus; (2) o livro da memória, um registro das boas obras
dos santos; e (3) um memorial dos pecados (cf. GC, 480, 481). Ao comentar uma visão da fase executiva do juízo, no
final dos mil anos, Ellen G. White faz a seguinte classificação: (1) o livro da vida, que registra as boas obras dos
santos; (2) o livro da morte, com o registro das más obras dos impenitentes, (3) o livro dos estatutos, a Bíblia,
segundo cujas normas todos são julgados (PE, 52).

11 Então, estive olhando, por causa da voz das insolentes palavras que o chifre proferia;
estive olhando e vi que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para ser
queimado.

Estive olhando. Na visão profética, Daniel viu que um evento seguia rapidamente a outro. Nota-se a repetição das
frases "estive olhando" e "vi" em toda a narrativa das visões. Estas frases introduzem a transição de uma cena à
seguinte.

Insolentes palavras. Ver com. do v. 25.

Foi morto. Isto representa o fim do sistema ou da organização, simbolizado pelo chifre. Paulo apresenta o mesmo
Daniel 1 114

poder com o título "homem da iniquidade", "filho da perdição", "o iníquo", e fala de sua destruição na segunda vinda
de Cristo (2Ts 2:3-8; cf. Ap 19:19-21).

12 Quanto aos outros animais, foi-lhes tirado o domínio; todavia, foi-lhes dada prolongação
de vida por um prazo e um tempo.

Foi-lhes tirado o domínio. O território de Babilônia foi dominado pela Pérsia, mas os súditos de Babilônia não
foram aniquilados. Da mesma forma, quando a Macedônia conquistou a Pérsia e quando Roma conquistó a
Macedonia, no fueron aniquilados los habitantes de los países conquistados. junto con la destrucción final del poder
del cuerno pequeño toda la tierra será despoblada (ver com. vers. 11).

13. Como un hijo de hombre. Arameo, kebar 'enash, literalmente "como hijo de hombre". Según el uso arameo, la
frase podría traducirse: "como hombre" ( Hans Bauer y Pontus Leander, Grammatik des Biblisch-Aramäischen
[Halle, 1927], p. 315d). La LXX (p. 856) reza Hós huiós anthropóu, también literalmente, "como hijo de hombre".
Algunas de las traducciones castellanas revisadas (BJ, NC) siguen esta traducción literal. Hay quienes han creído que
tal traducción disminuye la majestad de nuestro Redentor. La frase "hijo de hombre" indudablemente es algo
indefinida. Sin embargo, en arameo tiene mucho significado. El arameo, así como otros idiomas antiguos, omite el
artículo cuando se quiere dar énfasis a la calidad y lo usa cuando se desea recalcar la identidad. El orden normal de la
narración profética es que el profeta primero describe lo que ha visto, y luego se ocupa de la identidad. Los datos
proféticos se presentan generalmente sin el artículo. Cuando se los vuelve a mencionar, se usa el artículo (ver com.
vers. 9). De esa manera se habla de "cuatro bestias grandes" (vers. 3), y no "las cuatro bestias grandes", pero
posteriormente de "todas las bestias" (vers. 7). El Anciano de gran edad es presentado como "Anciano de días" (ver
com. vers. 9), pero más tarde es mencionado como "el Anciano de días" (vers. 13, 22; ver com. vers. 9). Compárese
también, "un carnero" y "el carnero", "un macho cabrío" y "el macho cabrío" (cap. 8: 3-8), etc. En armonía con esta
regla, el Hijo de Dios es presentado -literalmente- como "uno de forma humana". No se le aplica nuevamente esta
expresión en esta profecía. Si así fuera, probablemente aparecería el artículo definido. En el NT la expresión "Hijo
del Hombre" que, según la opinión de la mayoría de los comentadores, se basa en el cap. 7: 13, aparece casi
invariablemente con el artículo.

En vez de la traducción "hijo de hombre", la traducción "uno, de forma humana" representaría más adecuadamente la
frase aramea. Dios prefirió presentar a su Hijo en esta visión profético poniendo especial énfasis sobre su humanidad
(ver DMJ 20).

En la encarnación, el Hijo de Dios tomó sobre sí la forma humana (Juan 1: 1-4, 12, 14; Fil. 2: 7; Heb. 2: 14; etc.) y
llegó a ser el Hijo del Hombre (ver com. Mar. 2: 10), uniendo así la divinidad con la humanidad con un lazo que
nunca había de quebrarse (DTG 17). Así los pecadores arrepentidos tienen como su representante ante el Padre a
"uno como" ellos mismos, uno que fue tentado en todo como lo son ellos y que se conmueve por sus flaquezas (Heb.
4: 15). ¡Qué pensamiento consolador!

Vino hasta el Anciano de días. Esto no puede representar la segunda venida de Cristo a esta tierra, puesto que
Cristo llega hasta el "Anciano de días". Aquí se representa la entrada de Cristo en el lugar santísimo para la
purificación del santuario (CS 479, 533-534).

Quem é representado pelo Filho do homem de Daniel 7:13,14?

R. Muita discussão está envolvida nesta questão e os eruditos ainda não chegaram a um consenso quanto ao
significado desta expressão (Aram. bar 'ĕnâš). Como afirmou um estudioso, “quase nenhum outro problema da
ciência bíblica tem desafiado mais os eruditos que a correta interpretação de Daniel 7:13ss, e especialmente da figura
do ‘filho do homem’ ali presente.” 189 Por sua vez, Baldwin declara que o verso 13 “tem sido o assunto de mais
monografias (papers) que qualquer outro no livro.”

Julian Morgenstern, “The ‘Son of Man’ of Dan 7:13ss: A New Interpretation”, Journal of Biblical Literature,
189

Vol. 80, No 1 (mar. 1961): 65. Ver também: James Muilemburg, “The Son of Man in Daniel and the Ethiopic
Apocalypse of Enoch”, Journal of Biblical Literature, Vol 79, No 3 (Sept., 1960), 197-209; E[dward] J. Young,
Daniel's Vision of the Son of Man (London: Tyndale Press, 1958), 3-28.
Daniel 1 115

Basicamente, há quatro identificações: (1) o Filho do homem é uma figura angélica; 190 (2) o Filho do homem é o
mesmo que os “santos do Altíssimo”; 191 (3) esta figura simboliza o povo judeu; e (4) este personagem representa o
Messias.192

De acordo com Collins, “as mais antigas interpretações e adaptações do ‘um semelhante a um filho de homem’, tanto
judaicas como cristãs, assumem que a frase se refere a um indivíduo e não é um símbolo para uma entidade
coletiva.” O mesmo autor acrescenta ainda que “a interpretação messiânica prevalece na literatura rabínica e é a
opinião majoritária entre os comentaristas judeus medievais”, enquanto que “os intérpretes cristãos primitivos
assumem a identidade do ‘filho de homem’ com Cristo.” 193 Mesmo Montgomery, que defende a posição de que a
expressão se refere a uma entidade coletiva, declara que “deve ser admitido que a mais antiga interpretação do ‘Filho
de Homem’ é Messiânica.”194

É importante destacar também que o próprio Jesus aplicou o título “Filho do homem” a Si mesmo nos Evangelhos
(Mt 9:6; 11:10; 12:8; 13:41; 16:13, 28; etc.). Este era um título messiânico bem-compreendido em Seu tempo. A
tradição judaica, representada por intérpretes como Rashi, Ibn Ezra, Saadia Gaon, entre outros, é unânime em
reconhecer o “filho de homem” como o Messias-Rei.195 Alguns estudiosos veem neste título uma referência direta a
Daniel 7:13. Assim, é evidente que Ele se identificou com esta figura apresentada em Daniel.196

Tais conclusões estão em harmonia com declarações de Ellen White, que, sem qualquer dúvida, identifica o Filho do
homem de Daniel 7:13-14 com Jesus Cristo.197

14. Le fue dado dominio. En Luc. 19: 12-15 se representa a Cristo como a un noble que emprendió un viaje a tierras
lejanas para recibir un reino, y volver. Al final de su ministerio sacerdotal en el santuario, mientras todavía está en el
cielo, Cristo recibe el reino de su Padre y después vuelve a la tierra a buscar a sus santos (ver CS 481; PE 55, 210).

15. Turbó. Arameo kerah, "estar afligido", "enfermo".

16. Uno de los que. No se identifica a este ser. Daniel está aún en visión y el ser a quien se dirige probablemente es
uno de los que ayudan en el juicio. Cuando con corazón sincero buscamos un mejor entendimiento espiritual, el
Señor tiene a alguien listo para ayudarnos. Los ángeles ansían comunicar la verdad a los hombres. Son espíritus
ministradores (Heb. 1: 14) comisionados por Dios para traer mensajes del cielo a la tierra (Hech. 7: 53; Heb. 2: 2;
Apoc. 1: 1).
17. Cuatro reyes. Ver com. vers. 3-7.

18. Poseerán el reino. Todos los reyes y gobiernos terrenales desaparecerán, pero el reino del Altísimo durará para
siempre. La usurpación y el mal gobierno de los impíos durará algún tiempo, pero pronto terminará. Entonces esta
tierra será devuelta a su Dueño legítimo, quien la compartirá con los santos. Los que durante mucho tiempo han
estado en la pobreza y han sido menospreciados por los hombres pronto serán honrados y ensalzados por Dios.

Hasta el siglo, eternamente y para siempre. El énfasis de la frase hace resaltar la idea de perpetuidad. No hay nada
transitorio en la ocupación de la tierra restaurada. El contrato de alquiler nunca expirará, y los habitantes vivirán
seguros en sus moradas propias. "No edificarán para que otro habite, ni plantarán para que otro coma", porque los
"escogidos" de Dios "disfrutarán la obra de sus manos" (Isa. 65: 22)
190
Ziony Zevit, “The Exegetical Implications of Daniel VIII 1, IX 21”, Vetus Testamentum VolXXVIII, Fasc 4, 488-
490.
191
Alguns eruditos identificaram os “santos do Altíssimo” como anjos no céu, e não como seres humanos na terra. G.
F. Hasel criticou esta interpretação, concluindo que os referidos “santos” têm de ser seres humanos. Esta posição foi
confirmada por outros estudiosos. Cf. Hasel, “The Identity of ‘The Saints of the Most High’ in Daniel 7”, Biblica,
56/2 (1975): 173-192; idem, “Daniel Confirmed by the Dead Sea Scrolls”, Journal of the Adventist Theological
Society, Vol. 1, No 2 (Autumn 1990): 45 [pp. totais 37-49]. Cf. a lista de autores em idem, “Daniel Confirmed by the
Dead Sea Scrolls”, 49, n. 53.
192
Daniel I. Block, “When Nightmares Cease: A Message of Hope from Daniel 7”, Calvin Theological Journal 41
(2006): 113.
193
Collins, Cross & Collins, Daniel, 306, 307.
194
Montgomery, 320.
195
Doukhan, Secrets of Daniel, 117.
196
Shea, Daniel 7-12, 148.
197
Ellen G. White, O grande conflito, 420, 421, 426; Cristo em Seu santuário, 98, 110.
Daniel 1 116

19. Saber la verdad. Compárese con el vers. 7. Daniel repite las especificaciones anteriormente descritas. Le
interesa especialmente la cuarta bestia, tan diferente de las anteriores en su aspecto y en su actividad. Su (p. 857)
pregunta concentra dramáticamente la atención en el gran poder perseguidor de la historia (ver com. vers. 24-25).

20. Más grande. Arameo rab, "grande", "magno". " frase reza literalmente, "su apariencia grande más que sus
compañeros". Aunque pequeño en sus comienzos, este cuerno pequeño creció hasta ser mayor que cualquiera de los
otros cuernos. Este poder sería superior a todos los otros poderes terrenales. Ver com. vers. 24-25 donde hay una
interpretación de las características aquí presentadas.

21. Hacía guerra contra los santos. Este cuerno pequeño representaba un poder perseguidor que llevaba a cabo una
campaña de exterminio contra el pueblo de Dios (ver com. vers. 25).

Los vencía. Durante largos siglos (ver com. vers. 25) los santos parecían indefensos ante esa fuerza destructora.

22. Vino el Anciano de días. Daniel relata los acontecimientos en la forma en que los vio en visión. La venida del
Anciano de días quiere decir la aparición de ese Ser en el telón profético. En cuanto al significado de estos
acontecimientos, ver com. vers. 9-14.

Se dio el juicio. No sólo se daría el fallo a favor de los santos, sino que según Pablo (1 Cor. 6: 2-3) y Juan (Apoc.
20: 4) los santos ayudarán en la obra del juicio durante los 1.000 años (CS 719).

23. Devorará. Ver com. vers. 7.

24. Diez cuernos. Respecto a las divisiones del Imperio Romano, ver com. vers. 7.

De los primeros. Mejor, "de los cuernos anteriores". Los anteriores representaban reinos seculares. El poder
representado por este cuerno peculiar era de naturaleza político-religiosa. El papado es un reino eclesiástico
gobernado por un "Pontífice"; los otros reinos eran poderes seculares gobernados por reyes.

25 Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em


mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois
tempos e metade de um tempo.

25. Hablará palabras. Arameo millin (singular millah), simplemente, "palabras". La expresión "grandes cosas"
(vers. 8, 20) es una traducción del vocablo arameo rabreban. Millah se traduce "asunto" en cap. 2: 5, 8, 10-11, 23; 5:
15, 26; 7: 1; "palabra" en los cap. 4: 31, 33; 5: 10; 7: 11, 25, 28; "edicto" en 3: 28; 6: 12 y "respuesta" en 2: 9.

Contra. Arameo letsad. Si bien tsad significa "lado", letsad no significa, como se esperaría, "al lado", sino "contra".
Pero aquí parecería significar además "ponerse en lugar de". Al oponerse al Altísimo, el cuerno pequeño pretendería
ser igual a Dios (ver com. 2 Tes. 2: 4; cf. Isa. 14: 12-14).

La literatura eclesiástica abunda en ejemplos de las pretensiones arrogantes y blasfemas del papado. Ejemplos típicos
son los siguientes tomados de una gran obra enciclopédica escrita por un teólogo católico del siglo XVIII: "El papa
es de una dignidad tan grande y es tan excelso, que no es un mero hombre, sino como si fuera Dios y el vicario de
Dios...
"El papa está coronado con una triple corona, como rey del cielo y de la tierra y de la regiones inferiores...
"O papa é como se fosse Deus na Terra, único soberano dos fiéis de Cristo, chefe de reis, com plenitude de poder, a
quem foi conferida pelo Deus onipotente a direção não só do reino terreno, mas também do celestial. [...] O Papa tem
tamanha autoridade e tanto poder que pode modificar, explicar ou interpretar até as leis divinas. [...] O Papa pode
mudar a lei divina, visto que seu poder não é de homem, mas de Deus, e ele atua como vice-regente de Deus na Terra
com amplo poder de atar e soltar suas ovelhas. [...] Qualquer coisa que se diga que faz o próprio Senhor Deus, e o
Redentor, isso faz Seu vicário, contanto que não faça nada contrário à fé" (traduzido de Lucius Ferraris, "Papa II",
Prompta Bibliotheca, vo!. 6, p. 25-29).

Magoará. Este fato é descrito anteriormente nas palavras: "este chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia
contra eles" (v. 21). A frase retrata perseguição contínua e implacável. O papado reconhece que perseguiu e defende
esse fato como um exercício legítimo de poder supostamente dado a ele por Cristo. A Catholic Encyclopedia diz:
Daniel 1 117

"Na bula 'Ad exstirpanda' (1252), Inocêncio IV diz: 'quando aqueles condenados como culpados de heresia forem
entregues ao poder civil pelo bispo ou seu representante, ou a Inquisição, o magistrado-chefe da cidade deve levá-los
imediatamente e, dentro de cinco dias no máximo, executar as leis contra eles.' [...] Não pode restar nenhuma dúvida
quanto a quais regulamentos civis se indicam, pois as passagens que ordenam queimar os hereges impenitentes foram
inseridas nos decretos papais das constituições imperiais 'Com missis nobis' e 'Inconsutibilem tunicam'. A bula
mencionada 'Ad exstirpanda' permaneceu dali em diante como documento fundamental da Inquisição, renovada ou
reforçada por vários papas, como Alexandre IV (1254-1261), Clemente IV (1265-1268), Nicolau IV (1288-1292),
Bonifácio VIII (1294-1303) e outros. As autoridades civis, portanto, eram obrigadas pelos papas, sob pena de
excomunhão, a executar as sentenças legais que condenavam hereges impenitentes à fogueira" (José Bléitzer, art.
"Inquisition", vol. 8, p. 34).

Cuidará. Do aramaico sebar, "esforçarse", "tentar" (NVI). Indica-se tentativa deliberada (ver GC, 446).

Tempos. Do aramaico zimnin (singular, zeman), um termo que denota tempo fixo, como em Daniel 3:7, 8; 4:36; 6:10
e 13, ou um período de tempo, como em 2:16; e 7:12. Em Daniel 2:21 , há uma sugestão quanto ao significado da
expressão "mudar os tempos", em que se usam juntas outra vez as mesmas palavras aramaicas para "mudança" e
"tempos". Porém, Daniel ali atribui a Deus a prerrogativa de "mudar tempos". Só Deus tem o destino das nações sob
Seu controle. É Ele que "remove reis e estabelece reis" (Dn 2:21). "Em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos
interesses, poderio e paixões humanas, [está] a força de um Ser todo misericordioso, a executar, silenciosamente,
pacientemente, os conselhos de Sua própria vontade" (Ed, 173). É Deus que também determina o "tempo" (aramaico
zeman) quando os santos possuirão o reino (Dn 7:22). O esforço do chifre pequeno para mudar os "tempos" indicaria
uma tentativa deliberada de exercer a prerrogativa de Deus de dirigir o curso da história humana.

Qual a natureza do elemento temporal referido em Daniel 7:25 – “tempo, tempos e metade de um
tempo”? Literal ou simbólico?

R. Não é possível superestimar a importância de determinar corretamente o significado deste elemento temporal na
profecia de Daniel. De sua correta interpretação dependerá a compreensão de outras referências temporais no mesmo
livro, tais como as 2.300 tardes e manhãs (Dn 8:14), as 70 semanas (Dn 9:24), os 1.260 dias (Dn 12:7), os 1.290 dias
(Dn 12:11) e os 1.335 dias (Dn 12:12). Portanto, é na interpretação de Daniel 7:25 que lançamos os fundamentos
para todo futuro estudo das profecias temporais encontradas no livro.

O mesmo fraseado – “tempo, tempos e metade de um tempo – é usado em Daniel 12:7 e Apocalipse 12:4. Embora o
texto não declare especificamente que o termo aramaico ᶜiddan (traduzido como “tempo”) deva ser interpretado
como “ano” (neste caso teríamos um ano, dois anos e metade de um ano), evidências encontradas no próprio livro de
Daniel, como também no Apocalipse, favorecem esta interpretação. Em primeiro lugar, devemos lembrar que o
mesmo termo ᶜiddan é usado no capítulo 4, em referência ao rei Nabucodonosor. Conforme vimos, o livro de Daniel
pode ser dividido em termos amplos como sendo uma metade histórica (caps. 1-6) e outra profética (caps. 7-12). A
experiência do capítulo 4, envolvendo Nabucodonosor, encontra-se na seção histórica, diz respeito a um personagem
histórico e é interpretado como sete anos. Além do mais, devemos observar as frases temporais relacionadas com
Daniel 7:25: (a) 2300 tardes e manhãs – Dn 8:14; (b) 1290 dias – Dn 12:11; (c) 1335 dias – Dn 12:12; (d) 42 meses –
Ap 11:2; 13:5; (e) 1260 dias – Ap 12:6. Com respeito a esta última referência, observe que o próprio texto de
Apocalipse 12 apresenta a equivalência entre os 1260 dias do verso 6 com “um tempo, tempos e metade de um
tempo” do verso 14. Assim, não há qualquer dúvida quanto a interpretar a referência em Daniel 7:25 como
significando 3 anos e meio.

Ademais dos argumentos acima, é necessário interpretar o elemento temporal mencionado de acordo com o contexto
em que se situa. Em primeiro lugar, é claro a qualquer estudioso bíblico que o contexto em que se encontra a
profecia é simbólico, como evidenciado pelas referências a estranhos animais, não encontrados na natureza. Em
segundo lugar, a natureza do elemento temporal é simbólica. Por último, a quantidade em que se expressa o
elemento temporal também é simbólica. Assim podemos concluir com segurança que aqui estamos lidando com
profecia simbólica. E é no contexto de profecias simbólicas que encontramos as referências temporais. Sendo assim,
“a consistência requer que os elementos temporais sejam tratados na mesma forma como o resto da imagística”. 198 A
conclusão, portanto, é que a referência temporal também é simbólica. Sendo assim, estamos diante de um período de
“um tempo”, que equivale a 360 dias simbólicos (ou 360 anos literais), “dois tempos”, que equivalem a 720 dias

198
Ferch, Daniel on Solid Ground, 88.
Daniel 1 118

simbólicos (ou 720 anos literais) e “metade de um tempo”, que equivale a 180 dias simbólicos (ou 180 anos literais),
o que nos leva a interpretar os três anos e meio como simbolizando um total de 1260 anos literais. 199

Lei. Do aramaico dath, termo empregado para se referir tanto à lei humana (Dn 2:9, 13, 15; 6:8, 12, 15) quanto à
divina (Ed 7:12, 14, 21 , 25 , 26). Neste caso, é evidente que se refere à lei divina, visto que a lei humana é mudada
segundo a vontade das autoridades, e tais mudanças dificilmente seriam o tema da profecia. Ao indagar sobre como o
papado se esforçou para mudar a lei divina, encontramos a resposta na grande apostasia dos primeiros séculos da era
cristã que introduziu inúmeras doutrinas e práticas contrárias à vontade de Deus, conforme revelada nas Escrituras
Sagradas. A mudança mais audaciosa tem que ver com o dia semanal de adoração. A igreja romana admite
abertamente a responsabilidade de introduzir a adoração no domingo, afirmando que tem o direito de fazer tais
mudanças (ver GC, 446). Um catecismo autorizado para sacerdotes diz: "Mas a Igreja de Deus [isto é, a igreja
romana] em sua sabedoria ordenou que a celebração do sábado deve ser transferida para o 'dia do Senhor"'
(Catechism of the Council of Trent, tradução de Donovan, 1829 ed., p. 358). Esse catecismo foi escrito por ordem do
Concílio de Trento e publicado sob o pontificado de Pio V.

Na época do NT, os cristãos observavam o sábado, o sétimo dia da semana (ver com. de At 17:2). A transição do
sábado para o domingo foi um processo gradual que começou antes de 150 d.C. e continuou por cerca de três
séculos. As primeiras referências históricas à observância do domingo por cristãos professos ocorrem na Epístola de
Barnabé (cap. 15) e na obra de Justino Mártir (First Apology, cap. 67), que datam de cerca de 150 d.C. Ambas
condenam a observância do sábado e instam a que se observe o domingo. As primeiras referências autênticas ao
domingo como o "dia do Senhor" vêm do livro apócrifo Evangelho Segundo Pedro e de Clemente de Alexandria
(Miscelânias, v. 14) do fim do 2° século.

Antes da revolta judaica, sob a liderança de Bar Kokhba, 132-135 d.C., o império romano reconhecia o judaísmo
como uma religião legal, e o cristianismo, como uma seita judaica. Mas, como resultado dessa revolta, os judeus e o
judaísmo foram desacreditados. Para evitar a perseguição que se seguiu a partir de então, os cristãos buscaram por
todos os meios possíveis deixar claro que não eram judeus. Repetidas referências de escritores cristãos dos três
séculos seguintes à observância do sábado como uma prática "judaizante", juntamente com o fato de não haver
nenhuma referência histórica à observância cristã do domingo como dia sagrado antes da revolta judaica, apontam o
período de 135 a 150 d.C. como o tempo quando os cristãos começaram a atribuir a santidade do sábado ao primeiro
dia da semana.

Porém, a observância do domingo não substituiu de imediato a do sábado, mas a acompanhou e a complementou. Por
vários séculos, os cristãos observaram ambos os dias. No começo do 3o século, por exemplo, Tertuliano observou
que Cristo não invalidou o sábado. Pouco depois, no livro apócrifo Epístola dos Apóstolos (ii. 36), advertiam-se os
cristãos a "observarem o sábado e a festa do dia do Senhor".

No início do 4o século, o domingo tinha alcançado uma clara preferência oficial sobre o sábado. Em seu
Commentary on Psalm 92, Eusébio, principal historiador da igreja desse período, escreveu: "tudo o que era dever
fazer no sábado foi transferido para o dia do Senhor, como mais propriamente pertencente a ele, porque esse dia tem
primazia e é mais honroso que o sábado judaico."

A primeira ação oficial da Igreja Católica que expressa preferência pelo domingo foi tomada no Concílio de
Laodiceia, no 4° século. O cânon 29 desse concílio estipula que os "cristãos não devem judaizar e ficar sem trabalhar
no sábado; mas devem honrar o dia do Senhor [domingo] de forma especial e, sendo cristãos, devem, se possível,
não fazer nenhuma obra nesse dia; contudo, se forem encontrados judaizando, serão excluídos de Cristo". Esse
concílio dispôs que houvesse culto no dia de sábado, mas designou que esse dia fosse um dia de trabalho. É digno de
nota que esta, a primeira lei eclesiástica que ordena a observância do domingo, especifique o "judaizar" como a razão
de se evitar a observância do sábado. Além disso, a rígida proibição da observância do sábado é evidência de que
muitos ainda estavam "judaizando" nesse dia. De fato, escritores do 4° e 5° séculos repetidamente advertem seus
companheiros cristãos contra essa prática. Por exemplo, por volta do ano 400, Crisóstomo observou que muitos ainda
observavam o sábado da forma judaica, e, portanto, "judaizavam".

Registros da época também revelam que as igrejas em Alexandria e Roma foram as principais responsáveis por
promover a observância do domingo. Por volta de 440 d.C., o historiador da igreja Sócrates escreveu que "embora
quase todas as igrejas do mundo celebrem os mistérios sagrados no sábado, toda semana, os cristãos de Alexandria e
de Roma, devido a uma antiga tradição, pararam de fazer isso" (Ecclesiastical History, v. 22). Por volta da mesma
199
Cassels, 157.
Daniel 1 119

época, Sozomeno escreveu que "o povo de Constantinopla, e de quase todo lugar, se reúne aos sábados, bem como
no primeiro dia da semana, costume que nunca se observa em Roma ou Alexandria".

Três fatos estão claros: (1) O conceito da santidade do domingo entre os cristãos se originou, basicamente, na
tentativa de se evitar práticas que tenderiam a identificá-los com os judeus e, assim, atrair perseguição. (2) A igreja
em Roma logo desenvolveu uma preferência pelo domingo; e a importância cada vez maior dada ao domingo na
igreja primitiva, em detrimento do sábado, seguiu muito de perto o crescimento gradual do poder de Roma. (3)
Finalmente, a influência romana prevaleceu para fazer da observância do domingo uma lei da igreja, como fez com
muitas outras práticas, como a adoração a Maria, a veneração de santos e anjos, o uso de imagens e oração pelos
mortos. A alegada santidade do domingo está sobre a mesma base dessas outras práticas não bíblicas introduzidas na
igreja pelo bispo de Roma.

Qual o significado da expressão “cuidará em mudar os tempos e a lei” de Daniel 7:25?

R. Como tem sido visto, neste capítulo Daniel faz uma descrição de um poder político-religioso, simbolizado por um
chifre pequeno, com “uma boca que falava com insolência” (Dn 7:8, 20), que “fazia guerra contra os santos, e
prevalecia contra eles” (v. 21), etc. Aparentemente, como um clímax para suas atividades, o chifre pequeno se volta
contra o Altíssimo e uma de suas ações diz respeito aos “tempos e a lei”, que merece nossa atenção.

Para responder à pergunta, é necessário observar o texto e o seu contexto, para encontrar uma resposta que seja
consistente com os dados bíblicos. Como é sabido, “Deus tem dado várias leis no AT, mas a lei de Deus por
excelência é a lei dos Dez Mandamentos (ver Êx 34:28; Dt 4:13; 10:4). A única provisão relativa a tempo na lei mais
especial de Deus aparece no quarto mandamento, que lida com o Sábado, o sétimo dia (ver Êx 20:8-11). Líderes
religiosos das mais diversas tendências, em diferentes épocas, têm-se esforçado para alterar o mandamento e assim
transferir a obrigatoriedade da observância do Sábado para o Domingo.” 200 Embora não se encontre nenhum
mandamento bíblico que sustente tal mudança, é comum encontrar aqueles que baseiam seu argumento no silêncio
do Novo Testamento quanto a uma repetição específica para se continuar observando o sábado como o dia de
repouso designado por Deus.

De fato, este é um problema exegético, que tem que ver com a forma como o Novo Testamento abole uma lei do
Antigo Testamento. Com respeito a esta questão, temos duas opções: (1) uma lei de Deus do AT está em vigor até
que seja específica e claramente abolida; e (2) uma lei de Deus do AT é abolida a menos que seja especificamente
repetida no NT. Na verdade, a escolha de uma das opções reflete a crença da pessoa acerca do tema da revelação
divina. A revelação do NT é diferente da do AT? O que Deus revelou no passado perdeu as credenciais divinas em
algum momento da história? Aqueles que optam pela segunda opção creem que há uma radical descontinuidade entre
ambos os Testamentos. Mas, se entendemos que Deus tem lidado com a humanidade essencialmente da mesma
forma, então ficamos com a primeira opção. E onde encontramos, no NT, um mandamento anulando o Sábado? O
ônus da prova está com aquele que afirma o cancelamento da santidade do sábado e sua transferência para outro dia
qualquer. Não são aqueles que creem na continuidade da revelação entre o Antigo e o Novo Testamentos que
precisam encontrar um mandamento neotestamentario afirmando a vigência do sábado. E, como é sabido, Jesus não
iria contra a revelação anteriormente dada mediante Seus servos, mas sim foi contra a maneira como a observância
do mandamento foi distorcida pelas tradições humanas.

Por que os autores do NT não mencionam o sábado em seus escritos? Compreendendo que toda Escritura é inspirada
por Deus e útil para o ensino (2 Tim 3:16) e que a única Escritura disponível naquele tempo era o AT, os autores
neotestamentários não consideraram necessário repetir todas as leis de Deus em seus escritos. Cada um escreveu para
atender a questões específicas relacionadas com a comunidade cristã a que se dirigia, e nada foi escrito como um
novo conjunto de leis para substituir a instrução de Deus encontrada nos livros do AT.

Daniel 7:25 diz que o poder religioso identificado pelas várias características da ponta pequena faria uma tentativa de
mudar um tipo particular de tempo, um ponto repetido no tempo que está conectado com a lei de Deus. Esta predição
se encaixa precisamente com o papel da ponta pequena em relação com o Sábado do sétimo dia de Deus.

200
William H. Shea, Daniel: Uma guia para el estudioso (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana,
2010), 120.
Daniel 1 120

“Tem sido razoavelmente proposto que a justaposição de tempos e lei neste verso representa um caso de hendiadis201
ou relacionamento gramatical em que ‘dois termos formalmente coordenados – verbos, substantivos, ou adjetivos –
(neste caso, dois substantivos) ligados pela conjunção ‘e’ expressam um conceito único em que um dos componentes
define o outro’. O que isto significa em termos de interpretação é que o chifre pequeno tentará mudar os tempos em
relação com a lei”.202

Embora se argumente em favor de uma possível origem apostólica para a observância do domingo em substituição
ao sábado,203 eruditos católicos reconhecem que tal mudança não tem fundamentação bíblica. John O’Brian, um
proeminente professor da Universidade Católica de Notre Dame (Universidade de Nossa Senhora), assim expressou
acerca do tema:

“A Bíblia não contem todos os ensinamentos da religião cristã, nem formula todos os deveres de seus membros.
Tomemos, por exemplo, o assunto da observância do domingo, a assistência aos serviços divinos e a abstenção
do trabalho servil desnecessário nesse dia, assunto sobre o qual nossos vizinhos protestantes têm colocado
grande ênfase por muitos anos. Permitam-me expressar-me em um espírito amigável com meus queridos leitores
não católicos:

“Vocês creem que a Bíblia somente é um guia seguro em questões religiosas. Vocês também creem que um dos
deveres fundamentais impostos sobre vocês por sua fé cristã é a observância do domingo. Mas onde a Bíblia fala
de tal obrigação? Eu tenho lido a Bíblia desde o primeiro verso do Gênesis até o último verso do Apocalipse, e
não encontrei qualquer referência ao dever de santificar o domingo. O dia mencionado na Bíblia não é o
domingo, o primeiro dia da semana, mas o sábado, o último dia da semana.

“Foi a … Igreja [Católica] que... mudou a observância para o domingo... Ao observar o domingo como vocês
fazem, acaso não é evidente que, em realidade, vocês estão reconhecendo a insufiência da Bíblia somente como
regra de fé e conduta religiosa, e proclamando a necessidade de uma autoridade doutrinal divinamente
estabelecida que, em teoria, vocês negam?”

Elaborando ainda mais o argumento, O’Brian acrescenta:

“O terceiro [quarto, no pensamento da maioria dos protestantes] mandamento é: ‘Lembra-te de santificar o dia
de sábado’. Como os primeiros dois mandamentos, este também diz respeito a nossos deveres para com Deus.
Particularmente, o dever de adorá-Lo em um dia designado. A palavra ‘sábado’ significa descanso e o sábado é
o sétimo dia da semana.”

“Por que, então, os cristãos observam o domingo em vez do dia mencionado na Bíblia?...”

“A Igreja recebeu de seu fundador, Jesus Cristo, a autoridade para fazer tal mudança. Ele solenemente conferiu
sobre sua Igreja o poder de legislar, governar e administrar... Deve-se notar que a Igreja não mudou a lei divina
que obriga aos seres humanos a adorar, senão que simplesmente mudou o dia em que tal ato de adoração pública
deveria ser oferecido...”

“Mas, sendo que o sábado, e não o domingo, é especificado na Bíblia, não é curioso que os não católicos que
professam tomar sua religião diretamente da Bíblia, e não da Igreja [Católica], observam o domingo em vez do
sábado? Claro que isto é inconsistente; mas esta mudança se realizou mais ou menos quinze séculos antes do
nascimento do protestantismo e, por esse tempo, esse costume era de observância universal. Eles [os
protestantes] têm continuado com o costume, embora este repouse sobre a autoridade da Igreja Católica, e não
sobre algum texto explícito na Bíblia. Essa observância fica como uma lembrança da Madre Igreja da qual as

201
O Dicionário Aurélio define hendiadis como uma “figura que consiste em exprimir por dois substantivos ligados
por coordenação uma ideia que normalmente se representaria subordinando um deles ao outro.”
202
William H. Shea, "Daniel and the Judgement", 136. (Ênfase acrescentada).
203
“A lei de santificar o domingo, em vez do sábado, foi feita pela igreja, provavelmente pelos apóstolos.” Cf. James
Groenings, A Catholic Catechism for the Parochial and Sunday Schools of the United States (New York, Cincinnati,
Chicago: Benziger Brothers, 1900), 65; Catechism of the Council of Trent. Translated into English, With Notes, by
Theodore Alois Buckley (London: George Routledge and Co., 1852), 394, 398-399.
Daniel 1 121

seitas não-católicas se apartaram, como uma criança que foge de sua casa, mas ainda carrega em sua carteira a
foto de sua mãe ou uma mecha de seu cabelo.”204

No contexto do livro de Daniel, é irônico observar que aquilo que os “Medos e Persas nunca ousariam fazer com sua
própria lei, ainda que promulgada por engano ou equívoco”, o poder religioso simbolizado pelo chifre pequeno
“tentaria fazer com a lei de Deus.” 205 E o que é mais triste em todo este drama, é que cristãos sinceros concordam
com este atentado à lei do próprio Deus, aparentemente inconscientes de sua relevância para a experiência espiritual.
Talvez por isto alguns procurem diminuir a importância deste assunto, relegando-o a uma posição secundária, ou
apelando para questões subjetivas, afirmando que o amor a Deus e ao próximo é tudo o que importa, e não que dia
específico deve ser reservado para a adoração a Deus, etc. Para quem procura se convencer com tais argumentos, o
seguinte arrazoado de Doukhan amplia a compreensão e mostra a real dimensão deste conflito relacionado com a lei
e o dia de adoração:

“Com relação a Deus, a ponta pequena não se limita às presunçosas palavras dirigidas contra o Altíssimo (v.
8); também deseja “mudar os tempos e a lei”. Na linguagem de Daniel, isto implica uma tentativa de
usurpar a Deus, pois para Daniel, somente Deus pode mudar os tempos (cf 2:21). Realmente a Bíblia
explica esta prerrogativa de Deus sobre a base de que, como o Criador, Ele é o único que pode controlar o
tempo (cf. Jer 31:35; cf. Gên 1:4, 14). Ao dizer que a ponta pequena mudaria os tempos e a lei, Daniel pode
bem estar apontando para a lei, que é, através da memória da criação que ela transmite, o próprio sinal do
controle sobre o tempo exercido por Deus, através da lei do Sábado (Ex 20:8-11). Ademais, a associação
“tempos-lei” também é significativa nesta conexão desde que alude ao Sábado, uma lei que introduz uma
dimensão de tempo na vida de culto.206

O mesmo autor acrescenta outros argumentos que convidam à reflexão todo aquele que considera a Deus como
Alguém que merece a mais séria atenção:

“A observância de um dia em vez de outro pode parecer muito peculiar e mesmo ridícula... Mas, o que pode
parecer como insignificante denota, de fato, uma profunda diferença. Respeito pelo Sábado como o dia que
foi determinado pelo Criador, e não por outro dia decretado pela tradição humana, indica a lealdade do
crente. É a partir do alto somente, do Absoluto, que o crente extrai seu sistema de valores. Por guardar o
Sábado, o sinal de pertencer a Deus (Ex 31:12-17; Ez 20:12), o crente, notavelmente, torna-se um sinal ele
mesmo – um sinal de que o reino a que ele pertence não é do mundo, mas de Deus.

“A quebra do Sábado não tem nada a ver com um feriado semanal; é a expressão concreta de fé na Criação,
o sinal de sua dependência do céu. Quando isto é bem compreendido, a guarda do Sábado exclui qualquer
tendência a legalismo ou formalismo. Como o sinal absoluto de fé no Deus do céu, o Sábado leva em si
mesmo a visão de que a salvação se origina somente do alto.” 207

Um tempo, dois tempos e metade de um tempo. O termo aramaico 'iddan, aqui traduzido como "tempo", ocorre
também em Daniel 4:16, 23, 25 e 32, em que a palavra, sem dúvida, significa "um ano" (ver com. de Dn 4:16). A
palavra traduzida como "tempos", também de 'iddan, era apontada pelos massoretas como plural, mas eruditos
concordam que deveria ser apontada como dual, indicando assim "dois tempos". A palavra mais traduzida como
"metade", pelag, também pode ser traduzida como "meio" (NVI).

Ao se comparar essa passagem com outras profecias paralelas que se referem ao mesmo período, mas que o
designam de outra maneira, pode-se calcular o total de tempo compreendido. Em Apocalipse 12:14, o período é
denominado como "um tempo, tempos e metade de um tempo". Um pouco antes, faz-se menção ao mesmo período
com a designação "mil duzentos e sessenta dias" (Ap 12:6). Em Apocalipse 11:2 e 3, a expressão "mil duzentos e
sessenta dias" corresponde a "quarenta e dois meses". Assim, fica claro que um período de três tempos e meio
equivale a 42 meses, que, por sua vez, equivalem a 1.260 dias, e que um "tempo" representa 12 meses ou 360 dias,
período que corresponde a um ano profético. Contudo, um ano profético de 360 dias, ou 12 meses de 30 dias, não
204
John A. O’Brian, The Faith of Millions: The Credentials of Catholic Religion (Huntington: Our Sunday Visitor,
1963), 138, 139, 406. Citado por William H. Shea, Daniel: Una guía para el estudioso, 120-122. Ver também, Paul
Z. Gregor, “Daniel’s Message to a Modern Man”, Journal of the Adventist Theological Society, 21/1-2 (2010): 112
[99-113].
205
Elias Brasil de Souza, “Wisdom in Daniel”, 277.
206
Doukhan, Daniel, 20.
207
Doukhan, Daniel, 70-71.
Daniel 1 122

deve ser confundido com um ano judaico, que era um ano lunar de extensão variável (com meses de 29 dias e de 30
dias) nem com o calendário solar de 365 dias (ver vol. 2, p. 96, 97). Um ano profético significa 360 dias proféticos,
mas um dia profético representa um ano solar.

Essa distinção deve ser explicada da seguinte forma: um ano profético de 360 dias não é literal, mas simbólico;
portanto, seus 360 dias são proféticos, não dias literais. Pelo princípio dia-ano, conforme ilustrado em Números
14:34 e Ezequiel 4:6, um dia na profecia simbólica significa um ano literal. Assim, um ano profético, ou "tempo",
representa 360 anos literais e naturais. Da mesma forma, um período de 1.260 ou 2.300 dias ou qualquer outro
número de dias proféticos significa a mesma quantidade de anos literais e reais (isto é, anos solares completos
marcados pelas estações, controladas pelo sol). Embora o número de dias em cada ano lunar variasse, o calendário
judaico era corrigido pela adição ocasional de um mês extra (ver vol. 2, p. 89), de modo que, para os escritores
bíblicos, uma longa série de anos sempre era igual ao mesmo número de anos solares naturais (sobre a aplicação
histórica do princípio dia-ano, ver p. 26-64).

A validade do princípio dia-ano tem sido demonstrada pelo cumprimento preciso de várias profecias calculadas por
meio desse método, principalmente os 1.260 dias e as 70 semanas. Um período de três anos e meio literais seria
insuficiente para o cumprimento do requisito das profecias de 1.260 dias com respeito ao papado. Mas, quando pelo
princípio dia-ano o período se estende a 1.260 anos, a profecia tem um cumprimento singular.

Em julho de 1790, trinta bispos católicos romanos compareceram diante dos líderes do governo revolucionário da
França para protestar pela legislação que tornava independentes os clérigos franceses da jurisdição do papa e os fazia
responsáveis diretos perante o governo. Perguntaram se os líderes da revolução deixariam todas as religiões livres
"com exceção daquela que uma vez foi suprema, que foi mantida pela piedade de nossos pais e por todas as leis do
Estado, e que tem sido por mil e duzentos anos a religião nacional?" (A. Aulard, Christianity and the French
Revolution, p. 70).

O período profético do "chifre pequeno" começou em 538 d.C., quando os ostragados abandonaram o cerco a Roma,
e o bispo de Roma, liberto do controle ariano, ficou livre para exercer as prerrogativas do decreto de Justiniano, de
533, e a partir de então aumentar a autoridade da "Santa Sé" (ver com. do v. 8). Exatamente 1.260 anos depois
(1798), as vitórias espetaculares do exército de Napoleão, na Itália, colocaram o papa à mercê do governo
revolucionário francês, que então o advertiu de que a religião romana seria sempre 1mmiga irreconciliável da
República; e acrescentou: "existe uma coisa ainda mais essencial para alcançar o fim desejado, e essa é destruir, se
possível, o centro da unidade da igreja romana; e depende de vossa senhoria, que reúne em sua pessoa as qualidades
mais distintas do general e do hábil político, alcançar essa meta se a considera factível " (ibid., p. 158). Em resposta a
essas instruções, e por ordem de Napoleão, o General M . Berthier invadiu Roma com um exército francês,
proclamou que o governo político do papado chegara ao fim, e levou o papa prisioneiro para a França, onde morreu
no exílio.

A derrota do papado, em 1798, marcou o clímax de uma longa série de eventos relacionada com seu declínio
progressivo, e foi também a conclusão do período profético de 1.260 anos (ver Nota Adicional a Daniel 7).

Que elementos nos permitem datar o início e o fim dos 1260 anos?

R. Este período é mencionado sete vezes nas Escrituras, sendo duas no AT e o restante no NT. A lista, juntamente
com a descrição do período, é apresentada a seguir:

Dan. 7:25 - Um tempo, dois tempos, e metade de um tempo (em Aramaico).


Dan. 12:7 - Um tempo, dois tempos e metade de um tempo (em Hebraico).
Apoc. 11:2 - Quarenta e dois meses.
Apoc. 11:3 - Mil duzentos e sessenta dias.
Apoc. 12:6 - Mil duzentos e sessenta dias.
Apoc. 12:14 - Um tempo, tempos, e metade de um tempo (em Grego).
Apoc. 13:5 - Quarenta e dois meses.

Deve ser observado que uma característica básica deste período é a opressão sofrida por aqueles que são fiéis a Deus.
De acordo com o texto bíblico, (a) os santos seriam entregues nas mãos do poder simbolizado pelo chifre pequeno
(Dn 7:25), (b) o poder do povo santo seria destruído (Dn 12:7), (c) a cidade santa seria pisada a pés pelos gentios (Ap
11:2), (d) as testemunhas de Deus estariam vestidas de saco (Ap 11:3), (e) a igreja, simbolizada por uma mulher,
Daniel 1 123

seria alimentada no deserto, fora do alcance da serpente (Ap 12:6, 14) e, finalmente, (f) a besta semelhante a
leopardo dirigiria suas ações contra Deus e contra os santos (Ap 13:5-7). Tendo em vista tais semelhanças, parece
claro que estamos diante do mesmo período, referido de variadas maneiras. A equação é simples: um tempo (ou seja,
“ano”), somado a dois tempos (isto é, “dois anos”) e finalmente acrescido da metade de um tempo (que significa
“meio ano”) totaliza 3 anos e meio. Considerando que cada mês tem 30 dias, temos um total de 1260 dias ou 42
meses.

Não é difícil perceber que este seria um período verdadeiramente difícil para os santos de Deus, durante o qual suas
vidas correriam perigo real, sendo perseguidos pelo poder simbolizado pelo chifre pequeno.

Passemos agora ao tema específico da pergunta para datar o início e o fim do período dos 1260 anos de Daniel 7.
Para isto, precisamos verificar o que o texto bíblico em si tem a nos dizer. Uma olhada, mesmo superficial, em
Daniel 7 informa ao leitor que existem alguns marcadores profético/temporais que delimitam o período e impedem
que nos percamos no passado longínquo ou no futuro sem esperança. Devemos observar que este período de tempo é
dito ser ocupado por um poder político/religioso denominado “chifre pequeno”. O contexto do capítulo 7 deixa claro
que aqui estamos lidando com elementos simbólicos. Sendo o chifre simbólico, não se refere a um ser humano
específico, mas a um poder que teria um tempo específico de atuação, quando manifestaria seu ódio contra o povo
dos santos do Altíssimo.

O primeiro aspecto a ser notado é que o chifre pequeno é mencionado após a referência aos dez chifres que se
encontram na cabeça do quarto animal, que simboliza o império romano ocidental, cujo término é datado em 476
AD, por ocasião da deposição de Rômulo Augusto, o seu último imperador. Sendo assim, esta data já impõe um
limite que deve ser levado em consideração na tentativa de estabelecer a data para o início do período. Assim, a
primeira conclusão à qual o texto nos dirige é que o período assinalado dos 1.260 anos não poderia se iniciar antes de
476, e sim depois.

Além disso, encontramos uma referência à queda de três chifres diante do chifre pequeno. Isto indica que os três
poderes aqui simbolizados deveriam estar estabelecidos para serem arrancados, e isto somente aconteceu após a
queda do Império Romano Ocidental. Sendo assim, temos uma data aproximada. Entretanto, falta-nos estabelecer de
modo mais específico uma data, para então fixar os períodos para o início e fim do período dos 1.260 anos. Como
não encontramos em Daniel 7 os elementos necessários para esta tarefa, é necessário procurar em outros textos
bíblicos, relacionados com este capítulo de Daniel, e que nos ajudem na determinação das datas que estamos
buscando. Podemos justificar esta comparação com outros capítulos bíblicos com base no princípio hermenêutico de
que, pelo fato de toda a Escritura ser inspirada por Deus, “uma parte dela pode legitimamente ser usada para ajudar a
explicar outra parte” e também porque há um vínculo entre os temas de Daniel e Apocalipse, embora não sejam
precisamente idênticos,208 mas que poderão fornecer informação adicional que nos ajudará neste sentido. Antes,
porém, é importante apresentar um aspecto da composição do Apocalipse que é crucial para o trabalho que estamos
fazendo. Este aspecto é reconhecido pelos estudiosos, que veem o Apocalipse como um mosaico formado por
referências ao AT. Estas referências podem aparecer em forma de citações, ecos, alusões, paralelos verbais,
temáticos, etc.209

E qual a passagem do Apocalipse que ressoa aspectos do conteúdo de Daniel 7? Em uma de suas visões, o apóstolo
João contempla uma besta que emerge do mar (Ap 13). Daniel 7, com os seus estranhos animais – leão, urso,
leopardo e um animal terrível e espantoso –, forma o pano de fundo para a visão de Apocalipse 13, onde os animais
são combinados em uma única besta: “semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão” (Ap
13:2). Outras semelhanças encontramos na descrição das ações desta besta, de tal maneira que os vínculos entre

208
C. Mervyn Maxwell, “The Mark of the Beast”, em Frank B. Holbrook, ed., Symposium on Revelation: Exegetical
and General Studies – Book 2 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), 62.
209
Ver Paulien, The Deep Things of God, 134-152; idem, “Dreading the Whirlwind Intertextuality and the Use of the
Old Testament in Revelation”, Andrews University Seminary Studies, 39:1 (Spring 2001): 5-22; G. K. Beale, “A
Response to Jon Paulien On the Use of the Old Testament in Revelation”, Andrews University Seminary Studies,
39:1 (Spring 2001): 23-34; Steve Moyise, “Authorial Intention and the Book of Revelation”, Andrews University
Seminary Studies, 39:1 (Spring 2001): 35-40; idem, “Does the Author of Revelation Misappropriate the Scriptures?”,
Andrews University Seminary Studies, 40:1 (Spring 2002): 3-21; Richard Lehmann, “Relationship Between Daniel
and Revelation”, em Frank B. Holbrook, ed., Symposium on Revelation: Introductory and Exegetical Studies – Book
1 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), 139-141; David Mathewson, “Assessing Old Testament
Allusions in the Book of Revelation”, Evangelical Quarterly 75:4 (2003): 311-325.
Daniel 1 124

Daniel 7 e Apocalipse 13 são reconhecidos por diferentes especialistas, que afirmam que “Apocalipse 13 está
modelado sobre Daniel 7”, 210 ou que “Daniel 7 é o background indispensável para compreender esta visão de
João”.211 Portanto, ao tratar de compreender esta profecia, precisamos analisar também o que diz o Apocalipse. Para
efeito de maior clareza, no quadro seguinte apresentamos um resumo dos vínculos, que torna evidente a relação entre
ambos os capítulos.212

Concluímos, portanto, com base nos paralelos apresentados acima, que devemos analisar os textos de Daniel 7 e
Apocalipse 13 para encontrar elementos adicionais que nos permitam datar o início e o fim do período dos 1.260
anos. Encontramos em Apocalipse 13 alguns elementos valiosos que nos ajudam no processo de estabelecer as datas
que estamos buscando. O primeiro é sua referência à entrega pelo dragão de “poder, trono e autoridade” à besta que
sobe do mar. O dragão é identificado como sendo “a antiga serpente, que se chama diabo e satanás” (Ap 12:9), que é
sua identificação primária. Entretanto, em sentido secundário, o dragão simboliza o Império Romano. Com respeito a
esta entrega de poder, discutiremos a seguir. Mas interessa-nos neste ponto a referência encontrada no verso 3,
envolvendo a besta do mar, no qual se afirma que uma de suas cabeças foi “golpeada de morte”. No texto original se
lê hos esphagmenem eis thanaton (ὡς ἐσφαγμένην εἰς θάνατον), que significa literalmente “ferida para morte”. É
importante destacar que a preposição grega eis (εἰς) significa “para”, “objetivo”,213 ou seja, havia um claro propósito
de matar a besta.

Alguém poderia objetar, argumentando que anteriormente os bispos de Roma enfrentaram situações dramáticas em
que sua autoridade foi questionada. Um exemplo clássico envolveu o rei Filipe, o Belo, da França, e Bonifácio VIII,
que culminou com a prisão do papa. Embora ele tenha sido libertado, veio a óbito um mês depois. Segundo o
historiador eclesiástico Phillip Schaff, “ele morreu de melancolia e desespero, e talvez realmente insano. Ele
recusava alimento, e batia sua cabeça contra a parede. ... e pensava que todos que se aproximavam dele queriam
colocá-lo na prisão.”214 Pode ser mencionado também o cativeiro babilônico da igreja, um período de 70 anos, em
que a igreja esteve submissa aos reis franceses, etc.

Deve ser ressaltado que aqui o texto declara explicitamente que esta não era uma disputa entre dois governantes,
cada qual em seu âmbito, mas entre um poder, a França de um lado, e a Igreja, do outro, sendo que o primeiro tratava
de destruir o segundo. Este objetivo distingue o episódio ocorrido em 1798 como sendo distinto de todos os
anteriores.

No dia 15 de fevereiro de 1798, data do aniversário de ascensão de Pio Vi ao pontificado, uma árvore da liberdade foi
plantada no Capitólio em Roma, foi proclamada uma República, e o papa foi aprisionado.

A aceitação de que a profecia relativa ao período dos 3 tempos e meio de Daniel 7:25 encontrou o seu cumprimento
em 1798 teve um impacto decisivo na interpretação das profecias. De uma maneira muito especial na história da
interpretação profética, o estudioso tinha em suas mãos “a chave para decifrar o código profético”, pois havia um
ponto específico de “correlação entre a profecia e a história”. 215 Como o expressou o historiador da Universidade de
Chicago, Ernest Sandeen, “a identificação dos eventos [Revolução Francesa, década de 1790] com aqueles
210
Gregory K. Beale, The Use of Daniel in Jewish Apocaliptic Literature and in the Revelation of St. John (Lanham,
MD: University Press of America, 1984), 247. Ver também, K. Hanhart, “The Four Beasts of Daniel's Vision in the
Night in the Light of Rev. 13:2”, New Testament Studies 27 (1981): 576-583; Steve Moyise, The Old Testament in
the Book of Revelation. Journal for the Study of the New Testament Supplement Series 115 (Sheffield: Sheffield
Academic Press, 1995), 45ss; Alan F. Johnson, The Expositor’s Bible Commentary, ed. Frank E. Gaebelein,
Revelation, vol 12, p. 525.
211
W. A. Elwell, Vol. 3: Evangelical commentary on the Bible. Baker reference library (Ap 13:11). (Grand Rapids,
MI: Baker Book House, 1996, c1989).
212
Alves, João Antônio R., “O sábado no Apocalipse e sua relação com a crise final”, DavarLogos: Revista bíblico-
teológica (2010): 62. Ver também, LaRondelle, Las profecias del fin, 300-301; Idem, “Babylon: Anti-Christian
Empire”, em Frank B. Holbrook, ed., Symposium on Revelation: Exegetical and General Studies – Book 2 (Silver
Spring, MD: Biblical Research Institute, 1992), 165-166; Maxwell, “The Mark of the Beast”, 65.
213
εἰςf: a marker of intent, often with the implication of expected result—‘for the purpose of, in order to.’ J. P. Louw
& E. A. Nida, Greek-English lexicon of the New Testament: Based on semantic domains (electronic ed. of the 2nd
edition.) (New York: United Bible societies, 1996, c1989), 1:783-784.
214
Schaff, P., & Schaff, D. S. (1997). History of the Christian church. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems,
Inc.
215
Ernest R. Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago:
University of Chicago Press, 1970), 7.
Daniel 1 125

profetizados em Daniel 7 e Apocalipse 13 proporcionou aos comentadores bíblicos uma pedra de Roseta
profética”.216 Ou ainda, nas palavras de outro estudioso, “…a revolução francesa se tornou a Pedra de Roseta pela
qual toda profecia da Escritura deveria ser correlacionada com os eventos da história humana.” 217

Conclusão: O ano de 1798 pode ser tomado como a data para o fim dos 1260 anos porque naquele ano uma longa
tendência de decrescente eficácia do Catolicismo Romano sobre as mentes dos homens na Europa chegou ao clímax por
uma deliberada e singular tentativa de destruir a Igreja, ferindo o centro de sua unidade. Esta data pode ser acatada, além
disso, como sendo satisfatória, naquilo em que ela coincide com o começo do movimento missionário mundial de
Apocalipse 10 e precede a "amargura" e o "juízo" de 1844.

OBS. Apesar do período parecer tão longo, deve ser observado que há um limite imposto por Deus às atividades
deste poder blasfemo e perseguidor: o tempo foi limitado a 1260 anos. Haveria um fim ao sofrimento infligido por
este poder. E soa como boas-novas, e plena de esperança, a informação de que o fim para os santos é no reino eterno
de Deus. Assim, a nota que ressoa não é de desespero, mas de confiança em um futuro brilhante no reino do Senhor
Jesus.

Quem “inventou” o princípio de interpretação profética que torna equivalente um dia profético a um ano
literal? Teria sido algum grupo religioso específico, ou foi o desenvolvimento gradual de um princípio a partir
de estudos conduzidos por diferentes pessoas, em diferentes épocas e lugares?

R. Como visto anteriormente, o fundamento para interpretar as profecias temporais de Daniel como sendo
simbólicas está presente na própria Bíblia. Este princípio foi reconhecido bem cedo na história da interpretação,
como evidenciado pelos sábios judeus do terceiro século antes de Cristo que, ao realizarem a tradução das Escrituras
Hebraicas para a língua grega, versão que ficou conhecida como “Septuaginta”, compreenderam as 70 semanas de
Daniel 9 como “semanas de anos”, ou seja, 70 x 7 = 490 anos. Isto pode ser claramente visto a partir da leitura da
Septuaginta: em sua tradução das “semanas” mencionadas em Daniel 9:25-27, os tradutores judeus acrescentaram a
frase “de anos”. Este é o primeiro exemplo publicado do que seria posteriormente conhecido como o “princípio dia-
ano” de interpretação profética.218 A aplicação deste princípio a outras profecias temporais, como a dos 1290, 1335 e
2300 dias requereu, naturalmente, a passagem de alguns séculos, pois somente depois de um tempo considerável é
que tais profecias se tornaram compreensíveis. O primeiro intérprete a reconhecer a aplicação deste princípio às
profecias dos 1290 e 2300 dias foi o Rabi Nahawendi, nos primeiros anos do século IX. 219

Não podemos nos esquecer, entretanto, que este princípio de interpretação foi reconhecido, no mínimo, no terceiro
século a.C. em algo tão importante como a tradução das Escrituras Hebraicas para a língua Grega. Depois disto,
observou-se uma aceitação e utilização deste princípio para a interpretação das profecias temporais do livro de
Daniel.

26 Mas, depois, se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o
consumir até ao fim.

Depois, se assentará o tribunal. Ver com. dos v. 9-11. O veredito será sentença de morte para o papado. Esse poder
continuará sua guerra contra os santos até o fim e, então, seu domínio será retirado para sempre, e será consumido.

É possível estabelecer uma data para o juízo baseada somente no capítulo 7 de Daniel?

R. Esta é uma pergunta interessante e muito importante para a compreensão de um aspecto da mensagem de Daniel
que, frequentemente, é passado por alto. Como temos visto até aqui, a profecia deste capítulo apresenta um quadro
de vários reinos, simbolizados por diferentes animais, que se sucedem no transcurso da história. Os reinos são:

(1) Babilônia, cujas datas limites podem ser definidas como 605 a.C. (considerando apenas a Nabucodonosor) ou 626
a.C. (se considerarmos Nabopolassar, o pai de Nabucodonosor) e 539 a.C. (data da queda de Babilônia, conquistada
que foi pelos medos e persas, conforme a profecia do capítulo 5);

216
Ibid.
217
William Faupel, The Everlasting Gospel: The Significance of Eschathology in the Development of Pentecostal
Thought (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996), 92.
218
LeRoy E. Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers, 1:170, 174-176.
219
Froom, 1:713.
Daniel 1 126

(2) Medo-Pérsia, império cuja extensão temporal vai de 539 a.C., quando conquistou Babilônia, a 331 a.C., quando
os persas foram derrotados por Alexandre, o Grande;
(3) Grécia, que pode ser datada de 331 a.C. a 168 a.C., quando o embaixador romano ordenou a retirada de Antíoco
IV Epifânio do Egito; e
(4) o Império Romano, com seu início em 168 a.C. O final do império romano ocidental é datado em 476 A.D.,
quando o seu último imperador, Rômulo Augusto, foi deposto, no rastro das invasões bárbaras.

De acordo com a profecia, após a queda do Império Romano Ocidental em 476 A.D., entraram em cena as nações
simbolizadas pelos dez chifres, que somente se levantariam após a queda de Roma. Por sua vez, entre os dez chifres
mencionados, surgiria o chifre pequeno, cuja carreira é descrita na profecia. Assim como os reinos simbolizados
pelos animais tiveram o seu período de existência, o chifre pequeno também teria um tempo para desempenhar o seu
papel na história.

O período de dominação do chifre pequeno é definido em Daniel 7:25 como “um tempo, dois tempos e metade de
um tempo” que, segundo o princípio de interpretação profética que equivale um dia profético com um ano literal, se
estendeu de 538 d.C. a 1.798 d.C. É neste intervalo, entre a supremacia do chifre pequeno e o estabelecimento do
reino eterno de Cristo, que se realiza o juízo descrito em Daniel 7. Deve-se observar que o v. 26 oferece a seguinte
informação: “Mas depois se assentará o tribunal...”. No v. 10 vimos a primeira referência a este “assentar do
tribunal”, que ocorre após a informação do surgimento do chifre pequeno e de seu falar insolente (v. 8). No v. 22
encontramos outra referência ao juízo, imediatamente após a informação de que o chifre fazia guerra contra os
santos. Mas em nenhuma destas referências ao tribunal/juízo há uma informação com relação ao tempo em que se
assentaria este tribunal ou que se realizaria esta sessão do juízo. Por outro lado, o v. 26, com o temporal “depois”,
nos leva naturalmente a perguntar: depois de quê? A resposta é simples: depois do período de 1.260 anos de
atividade do chifre pequeno, de suas palavras insolentes, de sua guerra contra os santos do Altíssimo, de sua tentativa
de mudar os tempos e a lei, etc. Como este período terminou em 1.798, concluímos, a partir desta análise do capítulo
7 somente, que o juízo/tribunal teria seu início em algum momento depois de 1.798. Não encontramos aqui uma data
definida, mas uma data aproximada. Quanto tempo depois de 1.798? A profecia de Daniel 7 não nos diz. Mas a
profecia do capítulo 8 nos ajuda nesta questão, mas deixaremos sua análise para depois. Por ora, é suficiente saber
que o juízo teria o seu início em algum momento após 1798. Abaixo diagramamos o argumento, para facilitar a
visualização:

Babilônia – 605–539 a.C.


Medo-Pérsia – 539–331 a.C.
Grécia – 331–168 a.C.
Roma – 168 a.C.–476 AD
Dez chifres/Reinos – após 476 AD
Chifre Pequeno – 538–1798
Juízo – após 1798

27 O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao
povo dos santos do Altíssimo; o seu reino será reino eterno, e todos os domínios o servirão
e lhe obedecerão.

Serão dados. Eis um vislumbre consolador do resultado final de toda a turbulência e perseguição pelas quais terão
passado os santos. Esta é uma bendita promessa. Cristo em breve voltará para buscar Seus santos e os levar para que
desfrutem seu reino eterno e sua recompensa.

Todos os domínios. Na Terra restaurada, morada dos justos, não haverá discórdia nem descontentamento. Todo o
universo pulsará em completa harmonia. Todos os salvos obedecerão voluntariamente a Deus e habitarão na Sua
presença para sempre.

28 Aqui, terminou o assunto. Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos muito me


perturbaram, e o meu rosto se empalideceu; mas guardei estas coisas no coração.

Meus pensamentos muito me perturbaram. Ou, "me assustaram".


Daniel 1 127

Rosto. Do aramaico ziw, que de acordo com alguns eruditos significa "semblante", e segundo outros, "brilho",
provavelmente no sentido de "aparência". A revelação da história futura dos santos surpreendeu e entristeceu
sobremaneira o profeta.

O Início e o Fim dos 1260 Dias.

As datas de 538 e 1798 são apropriadas?

1. Problemas surgem quando 538 é usada como uma data inicial:

1.a. Não há nenhum poderoso papa no sexto século até Gregório, o Grande (590-604). Este Gregório é
chamado o "Pai da Igreja Medieval".

1.b. Há uma dúvida acerca da "supremacia papal" durante este século:

1.b.1. Os papas não foram supremos eclesiasticamente após 538:

 Virgílio (537-555) foi condenado no Concílio de Constantinopla (553) e foi


excomungado pelos bispos do norte da África e Itália.
 Pelágio I (556-561) foi impopular com os bispos ocidentais. Apenas dois puderam ser
achados para ordená-lo. Quando ele pediu aos francos e ao general Narsés para ajudá-lo
a pôr fim ao cisma entre ele e os outros bispos ocidentais, não recebeu o auxílio
solicitado. Teve que publicar uma encíclica para limpá-lo da acusação de heresia, mas
que teve efeito apenas dentro de sua própria diocese.
 Philip Schaff diz que os anos entre 561 e 590 estão entre "os mais sombrios e os mais
estéreis nos anais do papado" (History, 3:328).

1.b.2. Os papas não foram supremos politicamente:

 O papa Pelágio não pôde compelir os francos ou Narsés a ajudá-lo (ver acima).
 O Imperador Justiniano, em todo o seu reino, reservou o direito de nomear bispos e
convocar concílios. Ele pessoalmente dirigiu a contenda para a condenação de Virgílio
em 553.

1.c. Depois que os "três chifres" foram "arrancados", existiam ainda outras tribos que eram arianas, e também outras
que necessitavam se converter do paganismo.

1.c.1. Os Visigodos não estavam oficialmente convertidos do Arianismo até o Concílio de Toledo (589).

1.c.2. Os Lombardos não estavam até 698.

1.c.3. Os Anglo-Saxões foram evangelizados por Roma durante o pontificado de Gregório, o Grande, e a
Inglaterra não se decidiu pelo Catolicismo romano até o Sínodo de Whitby (664).

1.d. Foram as "três tribos" "arrancadas" real e verdadeiramente em 538?

Os Ostrogodos, usualmente cancelados na primitiva literatura Adventista, em 538, devastaram a Itália


entre 540-551.

2. Há problemas com respeito a considerar 1798 como data terminal:

2.a. Os franceses tinham frequentemente repudiado o papado antes:

2.a.1. Em 1296 e 1301, Filipe IV, o Belo, desafiou as bulas papais Clericis laicos e Unam Sanctam. Mais tarde
ele disse a Bonifácio VIII: "Sabe, insolente sacerdote, que não estamos sujeitos a ninguém em assuntos
temporais,e que a tua fatuidade deve humilhar-se diante de nós." (L.M. De Cormenin, History of the Popes,
2:34).
Daniel 1 128

2.a.2. O Concílio de Paris em 1393 retirou totalmente sua obediência de Benedito XIII.

2.b. Papas tinham sido capturados, exilados ou impedidos de entrar em Roma antes de 1798.

2.b.1. Os deputados do rei franco Luís II auxiliaram o antipapa Anastácio a aprisionar Benedito III (855).

2.b.2. O rei francês Lotário II encarcerou o papa em São Pedro por dois dias, com a bênção dos arcebispos de
Colônia e de Treves.

2.b.3. Hildebrando (Gregório VII) teve que deixar Roma e morreu no exílio.

2.b.4. Bonifácio VIII foi posto em algemas.

2.b.5. "Eu poderia acrescentar muito mais, mas isto é suficiente para resumi-los: trinta foram compelidos a
deixar Roma; quatro foram aprisionados; quatro foram impossibilitados de pôr o pé em Roma; sete reinaram no exílio
em Avinhão; perfazendo ao todo, quarenta e cinco, ou um quinto na lista dos soberanos pontífices." (Henry E. Manning,
The Temporal Power of the Vicar of Jesus Christ, p. 186).

Definição de Termos:

1. O que se quer dizer por "1.260 anos de supremacia papal"?

1.a. Grandes papas?

 Tem havido apenas poucos papas realmente grandes, muitos medíocres e um bom número muito
pobres.
 Embora haja algum fundamento em afirmar que o papa Gregório adquiriu os primeiros legados
para o papado romano, o papa não é geralmente considerado ter dirigido um domínio secular até ter
recebido a Doação de Pepino em 756. Ele perdeu seus Estados papais em 1870, e recebeu de volta
apenas uma pequena parte em 1929.
 Não há nenhum período de 1260 anos de poder temporal para o papado conhecido na história.

1.c. Supremacia sobre reis?

 Durante o pontificado de Gregório I a rainha Bruneilda "dispôs das sedes episcopais a seu bel
prazer, e expeliu de seu mosteiro o abade Columbano que havia recusado obedecer a suas ordens" (J.
B. Bury et. al, The Cambridge Medieval History, 2:124).
 Em 739 Gregório III não pôde persuadir o rei Carlos a expulsar os Lombardos de Roma, embora
enviasse muitos dons e apelos. (Ibid., 130).
 Durante o período de Gregório, o Grande, o rei Sisebut, da Espanha, agiu como cabeça da igreja em
seu país, e o papa não fez nenhuma tentativa para interferir. (Idem, 260).
 No século 16, Filipe II da Espanha enviou um exército contra o papa, com plena sanção dos
prelados espanhóis.
 Henrique I, da Inglaterra (1100-1135), proibiu apelos à Sé Apostólica.
 Eduardo I, da Inglaterra (1272-1307) e Filipe IV, o Belo, da França (1285-1314) resistiram
fortemente a Bonifácio VIII (1294-1303). Quando o papa publicou a bula Clericis laicos, condenando
qualquer um que proibisse o envio de dinheiro para Roma, Eduardo prescreveu o clero. Quando
Bonifácio tentou conquistar a última palavra com a bula Unam Sanctam, Filipe enviou um exército e
prendeu-o. O papa faleceu um mês mais tarde, livre, mas longe de "supremo".

1.d. Catolicidade pan-européia?

. Veja acima em relação às datas tardias quando algumas tribos tornaram-se católicas.

. A Inglaterra, Escócia, norte da Alemanha e partes da Suíça, todas apostataram da Igreja Católica Romana no
séc. 16.

1.e. Supremacia eclesiástica?


Daniel 1 129

. Durante o Grande Cisma (1378-1415) o "papa" – qualquer que fosse ele – era regente de apenas metade
ou um terço das igrejas, quando muito.

. Quando extensas partes da Europa tornaram-se protestantes, os líderes das igrejas protestantes não
estavam mais de qualquer modo submissos ao papa.

1.f. Perseguições papais?

. Veja acima em relação aos casos quando os papas eram incapazes de obter o auxílio do "braço secular"
para executar seus desejos.

. As grandes perseguições papais não começaram até o tempo de Inocêncio III (1198-1216) e cessaram
substancialmente durante o século 18, se não mais cedo (a pior onda de perseguição estava terminada pelo
fim da Guerra dos Trinta Anos - 1618-1648).

. Houve perseguição de Arianos por edito imperial no quarto século e o desarraigar das três tribos Arianas
foi uma forma de perseguição antes de 538.

. Nenhum período completo de 1260 anos de perseguição em uma escala severa necessita ser procurada,
desde que Jesus disse que os dias seriam abreviados por causa dos eleitos (Mt. 24:22).

1.g. Conclusão: A ausência – ou presença - da maioria dos fatores costumeiramente associados com a "supremacia
papal" entre 538 e 1798 não é de muita importância, afinal de contas.

Uma Solução Proposta:

1. O que requer a profecia para o começo do período?

a. Dn. 7:8 - "eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual três foram arrancados."
b. Dn. 7:24 - "os dez chifres são dez reinos que se levantarão daquele mesmo reino; e depois deles se levantará
outro... e abaterá a três reis."
c. II Tes. 2:7-8 - "o mistério da iniquidade".
d. Ap. 13:1-2 - "besta que sobe do mar com 10 chifres e 7 cabeças, nos chifres 10 diademas. Deu-lhe o dragão seu poder,
seu trono e grande autoridade."

Comentário:

. A profecia dos 1260 dias deve ser entendida em seus próprios termos e não a base de ideias preconcebidas. A Bíblia não
diz, por exemplo, que a grande apostasia devia começar em 538; Paulo diz que o mistério da iniquidade estava em
operação em seus próprios dias. Os estudantes desta profecia, portanto, não deveriam ficar perplexos ao depararem com
um vigoroso papado operando antes de 538. Ademais, deve ser notado que a profecia dos 1260 dias é limitada a começar
após a queda de Roma. Este é um ponto importante. A ponta pequena de Daniel 7 levanta-se "após" levantarem-se os dez
reis que são representados pelas outras dez pontas. Deveras, ela se levanta para iniciar seu período de 1260 dias após
aquelas tribos que ela deve logo suplantar estarem estabelecidas. É bem sabido que os Ostrogodos nem mesmo
penetraram no território do Império Romano Ocidental (exceto poucas incursões) até receberem permissão para isso do
Imperador oriental Zenon, em 487 AD. Assim, os 1260 dias não podem começar senão depois de 487.

. Em Apocalipse 13:1-3, os diademas do dragão estão sobre os seus chifres, ao passo que no capítulo 12 eles estão sobre
suas sete cabeças. Isto deve indicar que a doação do dragão de poder, sede (trono) e grande autoridade ocorre após a
queda de Roma, depois de 476, após as dez tribos haverem suplantado o Império Romano Ocidental.

. Embora Daniel 7:8 afirme que os três chifres são desarraigados "diante do" pequeno chifre, não importa se os
Ostrogodos estavam ainda ativos depois de 538. A expressão "diante de quem" (aramaico godam) em Daniel 7:8 significa
"na presença de", de preferência a "antes de". Assim, o arrancamento dos três chifres não fornece um indício exato para o
começo do período, para o que não se destinava.

. O chifre que é chamado "pequeno" quando a princípio mencionado não permanece pequeno; ele torna-se grande. Deve
ser admitido que é o seu extraordinário crescimento que resulta no arrancamento de seus três rivais. Disto devia-se esperar
Daniel 1 130

que quando a princípio observado (a queda do Império Romano) ele era pequeno e aparentemente impotente; que após
um período de crescimento ele poderia ser descrito como tendo poder e grandeza.

. Assim, a profecia chama a atenção para um poder apóstata já operando nos dias de Paulo, mas que é visto estar
especialmente entrando em uma nova era de importância algum tempo após a queda de Roma.

. Mas, se Daniel e Paulo não dão qualquer maneira precisa para realmente datar o início (ou término) do período, o
Apocalipse o faz. Apocalipse 13 fala do dragão dando-lhe poder, sede (trono) e grande autoridade. Isto, em conexão com
o que o Apocalipse declara para marcar o fim do período, constitui uma maneira clara para marcar o início.

2. O que requer a profecia para o término do período?

a. Dn. 7:26 - "Mas depois se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o consumir até o fim."
b. Dn. 12:4-10 - tempo do fim - esquadrinhar - saber multiplica - um tempo, dois tempos e metade de tempo.
c. Ap. 13:3-10 - besta emerge do mar - cabeça golpeada de morte.
d. Ap. 10:1-11 - Os anjos e os sete trovões. João e o livrinho.

Comentário:

. Estas passagens mostram que, em termos gerais, o período de tempo de 1260 dias duraria até o juízo estabelecer-se (Dn.
7:26), quando muitos seriam purificados (Dn. 12:10; cf. Mal. 3:1-4). Ele também chega ao fim quando o livrinho é aberto,
e o livrinho é aberto no momento em que um vasto movimento entra em cena para proclamar a mensagem do fim do
tempo através da terra e mar em volta do mundo. Contudo, esta abertura do livrinho não vem exatamente no fim do
mundo, porque após ele ser comido uma obra de profetizar ante todas as nações deve ainda se realizar. Os Adventistas
localizam o começo do julgamento em 1844 e a "amarga" experiência ocorrendo no mesmo ano. O livro, contudo, é
aberto e desdobrado perante o mundo antes disto; e assim foi que o movimento das modernas missões protestantes entrou
em cena durante a década de 1790. Destes fatos pode-se admitir confiadamente que os 1260 dias deveriam findar por
volta de 1800.

. A referência à "ferida mortal" torna possível fixar a data específica que a profecia tinha em vista. As palavras na KJV,
"como se ela estivesse ferida para morte" são a tradução do grego hos esphagmenem eis thanaton - lit. "como se para
causar morte". A importante coisa a notar é a intenção de causar morte, claramente implicada pelo uso da preposição eis.
Como um fato consumado, a morte não ocorreu. Se assim fosse, a Bíblia continuaria para falar de uma ressurreição; em
vez disso, ela diz que a ferida mortal foi "curada". A referência a indo em cativeiro e sendo morto por uma espada no
verso 10 deve ser entendida como mais gráfica que literal.

As passagens citadas de Daniel e Apocalipse ordenam-nos procurar o fim do período algum tempo em volta de 1800,
antes do Desapontamento de 1844, e especificamente quando um golpe é infligido sobre a Igreja apóstata, cuja intenção é
matá-la.

3. O que requer a profecia para o período como um todo?

a. Dn. 7:24-25 -
b. II Tes. 2:1-4 -
c. Ap. 11:2 -
d. Ap. 13:5-8 -

Comentário:

* Nota-se imediatamente que nada é dito em qualquer destes versos, ou em qualquer dos outros anteriormente citados,
acerca de 1260 dias de "poder temporal". Quando o papado adquiriu domínios temporais na parte central da Itália, e
quando os perdeu, nada tinha a ver com a datação da profecia. Há uma, e somente uma, referência às possessões
temporais que é significativa nestas profecias, e esta encontra-se em Apocalipse 13 - "o dragão deu-lhe sua sede (trono)."

* Estes textos, em conjunto com os anteriores, descrevem um poder que é preeminentemente religioso: é um sistema que
blasfema, persegue e é adorado. Contudo, é alguém que está armado com o poder e autoridade do dragão (algumas vezes,
Roma; todas as vezes, o diabo).
Daniel 1 131

* É necessário, da linguagem da profecia, encontrar um período de contínua perseguição por 1260 dias? Não
necessariamente. Pode bem ser um idiomatismo Bíblico falar de uma atividade que ocupa apenas parte de um período
fixo como se ocupasse o todo dele. Em Juízes 14 é dito que a mulher de Sansão chorou diante dele "os sete dias, enquanto
durou sua festa", embora ela não pudesse ter começado a fazê-lo até o quarto dia, e deve ter cessado o choro antes de
terminado o sétimo dia, como uma cuidadosa análise do incidente revela (ver também Núm. 14:33 e Juízes 3:11 para
outro exemplo). Daniel pode bem estar falando da perseguição como durando 1260 dias porque a perseguição é uma
característica de um período fixo.

* Além disto, pode ser observado que a Bíblia não requer um período de grande poder começando abruptamente em 538
e terminando com semelhante precipitação em 1798. A ponta pequena é uma pequena ponta ao começar o período, e
evidentemente torna-se grande com o transcorrer do tempo. Um senso de equilíbrio leva em consideração um declínio
semelhante em poder em relação ao fim do período. Realmente, deve ser reenfatizado aqui que a apostasia é descrita na
Bíblia como estando "a operar" muito antes de 538 e como não estando morta após 1798 (o golpe tinha a intenção de
matar).

* Intérpretes da profecia dos 1260 dias não necessitam estar preocupados com uma suposta "ferida mortal" em 1517,
quando ocorreu a Reforma. Nem com a presença de Arianos na Europa Ocidental muito depois de 538. Assim como a
completa ascensão do papado gastou séculos para realizar-se, assim também séculos foram necessários para que fosse
assolado.

* E o que é exatamente a "ponta pequena"? É ela um único papa que foi posto em prisão, ou insultado, ou ameaçado?
Dificilmente! A ponta pequena deveria continuar 1260 anos, e nenhum papa viveu tanto tempo, encarcerado ou não. Não
é a ponta pequena tanto o "homem do pecado" como o "mistério da iniquidade" (II Tes. 2)? Não é ela o inteiro sistema
monstruoso de apostasia Catolicismo Romano, tomado como um todo, com tudo o que esse termo implica, um vasto
sistema de blasfêmia, superstição, intolerância e falsas doutrinas, encabeçado por uma sucessão de grandes homens do
pecado sobre quem, afirma o Concílio de Trento, toda a Igreja é constituída?

* Para o que, então, diz a Bíblia, deveríamos olhar como o cumprimento da ponta pequena e seus 1260 dias? Um vasto
sistema de blasfêmia, o Catolicismo Romano, a princípio crescendo e mais tarde declinando em sua influência sobre as
mentes do povo da Europa; que é excepcionalmente dirigido por um homem que fala grandes coisas; um sistema que
recebe poder e sede do dragão após a queda de Roma e alcança o fim de seu período de tempo arbitrariamente designado
com uma tentativa para matá-lo ao redor de 1800; a besta cuja atividade durante os 1260 dias pode ser caracterizada, em
termos gerais, como blasfêmia, perseguição, e a mudança das leis.

4. O que aconteceu em 1798? - O Evento.

* Em 1798, a 15 de fevereiro, o aniversário de ascensão de Pio Vi ao pontificado, uma árvore da liberdade foi plantada no
Capitólio em Roma, foi proclamada uma República, e o papa foi aprisionado. Uma testemunha ocular em Roma na época
escreveu:

"Para que ao cabeça da Igreja pudesse ser feito sentir com mais amargura sua humilhante situação, o dia escolhido para
plantar a árvore da Liberdade no Capitólio foi o aniversário de sua eleição à soberania. Enquanto ele estava, segundo o
costume, na Capela Sistina, celebrando sua ascensão à cadeira papal, e recebendo as congratulações dos Cardeais, o
cidadão Haller, o comissário-geral e Cervoni, que então comandava as tropas francesas dentro da cidade, deleitaram-se
em um singular triunfo sobre este desafortunado potentado. Durante a cerimônia ambos entraram na Capela, e Haller
anunciou ao soberano pontífice sobre seu trono, que seu reino estava no fim.

"O pobre velho pareceu surpreso à precipitação desta inesperada notícia, mas logo restabeleceu-se com conveniente
firmeza; e quando o general Cervoni, acrescentando o ridículo à opressão, presenteou-o com o distintivo nacional, ele
rejeitou-o com uma dignidade que mostrou que ele estava ainda superior aos seus infortúnios. Ao mesmo tempo que Sua
Santidade recebeu esta notícia da dissolução de seu poder, seus guardas suíços foram demitidos e soldados republicanos
postos em seu lugar" (R. Duppa, A Brief Account of the Subversion of the Papal Government, 1798, pp. 43-44).

O papa foi subsequentemente arrebatado de um lugar para outro, mas finalmente para a fortaleza francesa de Valença,
onde morreu cerca de dezoito meses mais tarde, em 28 de julho de 1799.

Mas tem havido muitas outras tentativas para derrotar papas individuais. Foi este único feito com a "intenção de matar" a
ponta pequena como um todo, isto é, o Catolicismo Romano e tudo o que ele representa? Sim, deveras foi isto. Quando os
exércitos franceses estavam vitoriosos na Itália em 1797, Napoleão recebeu uma comunicação do Diretório datada de 13
Daniel 1 132

Pluviose do Ano V, e assinada por La Revelliere Lapeaux, Barras e Reubell, dizendo que "a religião romana seria
combatida na França; ela devia ser combatida em Roma." A mensagem continuou:

"Há, sem dúvida, meios que podem ser empregados em casa para diminuir sua influência imperceptivelmente, ou por
legislação ou por instituições que obliterarão velhas impressões, substituindo-as por novas mais convenientes para a real
ordem das coisas, mais de conformidade com a razão e sã moralidade. Mas há uma coisa mais essencial para a
realização do fim desejado, e que é destruir, se possível, o centro de unidade da Igreja Romana; e isto é para vós, que
unis em vossa pessoa as mais distintas qualidades do general e do esclarecido político, para concretizar este objetivo, se
vós o considerais praticável" (Citado em A. Aulard, Christianity and the French Revolution, 1927, p. 151).

Pode ser notado, incidentalmente, que Napoleão não atacou o papado em seguida. Ele esperou até a morte de Duphot em
Roma provê-lo com um conveniente pretexto. Mas uma coisa é muito clara: o governo francês ordenou-o destruir a
unidade da Igreja a fim de auxiliá-lo em sua tarefa de destruir a Igreja como um todo.

É este objetivo ou intenção que marca este cativeiro do papa como singular entre todos os cativeiros que o homem do
pecado tem sofrido. Todas as anteriores ações militares contra sua pessoa tinham sido meramente políticas, pessoal ou
local; os perpetradores eram todos bons católicos. Em 1798 os atacantes estavam visando a morte do sistema completo
que ele representava. Assim, este evento convenientemente marca o fim do período de 1260 dias.

5. O Fim de um Declínio

* Poucas citações e observações devem bastar para mostrar que o evento de 1798 não foi uma ocorrência acidental,
isolada, mas o clímax de uma longa e significativa tendência anti-papal. A Reforma deve ser mencionada primeiro, a qual
tinha começado a enfraquecer a influência católica cerca de dois séculos e meio antes. Então veio a Guerra dos Trinta
Anos (1618-1648), que tinha desgostado completamente os homens sobre a Europa de todo conceito de perseguição
religiosa. Depois disto veio a Era do Iluminismo, com sua ênfase sobre liberalismo e ceticismo, e então a era da revolução
quando primeiro a América, e então a França, travaram guerras de liberdade.

* Ao terminar a Revolução Americana, muitos observadores no lado Ocidental do Atlântico acharam a religião tão morta
que eles se maravilhariam se ela pudesse ainda reviver, e a Europa estava em muitos aspectos do mesmo modo. O
historiador E. de Pressense tem observado que:

"Nada é tão triste como a história religiosa do século dezoito. A piedade desfalece. ...Na Inglaterra e na Alemanha um
vento ressequido sopra sobre corações e mentes. Ali é pregado nos púlpitos protestantes - naqueles que estão em pé - uma
religião sem esplendor, sem mistérios, que não tem a audácia da filosofia nem a da fé... No seio da Igreja da França a
decadência é visível a todos os olhos" (The Church and the French Revolution).

* Aulard foi atingido pela "escassez e insignificância" das insurreições camponesas em oposição aos ataques
revolucionários contra a Igreja Católica na França, indicando quão levianamente as massas francesas consideravam a
Igreja da qual todos eles tinham presumido serem membros fiéis (Op. Cit., pp. 31-34).

* Duppa diz que a prisão do papa foi recebida com quase completa indiferença e despreocupação na própria cidade de
Roma Op. Cit.).

* Manuel de Godoy, então primeiro-ministro da Espanha, o mais católico país da Europa, não mostra nenhum interesse
pelo cativeiro papal em seu diário durante 1798 (Dom Manuel de Godoy, Memoirs).

* Na verdade, quando foi sugerido que seria dado asilo ao papa na Espanha, o Rei Carlos IV concordou permiti-lo vir sob
condições tais que o papa não podia em razão aceder (Duppa, p. 53).

* Jean Lefflon, em sua "Histoire de l'Eglise", Institut Catholique de Paris, vol. XX, diz: "Raramente, durante toda a sua
história, tinha a igreja conhecido mais crítica situação. A França, sua filha mais velha, 'infiel com respeito a todas as
tradições, caiu em descrença; a Itália foi eliminada, esmagada pela Revolução; a Bélgica estava incorporada à República
Francesa; a Alemanha estava contaminada pela Era do Iluminismo; a Polônia estava dividida entre as três vizinhas
potências; Espanha e Portugal eram governados por ministros hostis à Igreja, e na Grã-Bretanha, bem como nos Países
Baixos, os católicos estavam rebaixados à categoria de ilhotas. Em resumo, o Catolicismo, como um todo, parecia morto'.

* Oradores subornados pronunciam seu sermão funeral com uma deleitosa e blasfema ironia; na Alemanha, historiadores
sérios como Spittler anunciam doutoralmente que ele cessou de existir. É considerado humorístico chamar o falecido
Daniel 1 133

pontífice Pio VI "o Último". Sobretudo, como podia um sucessor ser eleito na Europa oprimida pela guerra...? Os
cardeais estão dispersos, sem auxílio, alguns cativos, deportados, ou mesmo infiéis;... Isto bem parece como se todas as
coisas estivessem no fim. (J. Schmidlin. Histoire des Popes de l'Epoque Conteporaine, VII, p. 4).

* Conclusão: O ano de 1798 pode ser tomado como a data para o fim dos 1260 anos porque naquele ano uma longa
tendência de decrescente eficácia do Catolicismo Romano sobre as mentes dos homens na Europa chegou ao clímax por
uma deliberada e singular tentativa de destruir a Igreja, ferindo o centro de sua unidade. Esta data pode ser acatada, além
disso, como sendo satisfatória, naquilo em que ela coincide com o começo do movimento missionário mundial de
Apocalipse 10 e precede a "amargura" e o "juízo" de 1844.

6. O que ocorreu em 538 para cumprir a profecia?

a. Por que escolher 538? É admitido que 538 é escolhido inicialmente porque é 1260 anos antes de 1798. Nenhum
embaraço é admitido em seguir este procedimento, porque o conhecimento deve avançar do conhecido para o
desconhecido. A data de 1798 parece clara. É, portanto, apenas óbvio que a próxima pergunta deva ser: "Ajusta-se 538
como a data inicial?"

b. Por que não 330, 380 ou 590, etc.? A data de 330, quando Constantino mudou a sede do Império para Bizâncio, deve
ser rejeitada porque é anterior à queda de Roma em 476. O mesmo deve ser dito de 380, a data do decreto de Teodósio
impondo a crença na Trindade. Mas 590, o começo do pontificado de Gregório I, deve também ser rejeitado, embora seja
posterior a 476, pela razão que ela é menos de 1260 anos antes de 1798. A pergunta a ser respondida, em vista da clareza
de 1798 como uma data final, deve ser: "É 538 adequada como uma data inicial?"

c. O que é bom acerca de 538 ? A data de 538 é boa antes de tudo porque vem 1260 anos antes de 1798, e, em segundo
lugar, porque vem após a queda de Roma em 476. Além disso, pode ser observado que pelo mesmo tempo antes desta
data, o dragão tinha estado dando mais e mais poder à besta. O Decreto de Milão tinha tornado a Igreja legal em 313 e
seu clero tinha logo sido posto na folha de pagamento do Estado. Os decretos de Teodósio (380), Graciano (382),
Teodósio II e Valentiniano III (445) tinham colocado a espada do Império em apoio da palavra dos papas. Nenhum
desses eventos, contudo, pode marcar o começo do período, porque a concessão de poder de que fala Apocalipse 13 é
feita enquanto os diademas estão sobre os chifres do dragão, isto é, depois de 476. Assim, é de especial interesse observar
que, em 533, o Imperador Justiniano graciosamente reconheceu o papa de Roma como "o cabeça de todas as santas
Igrejas", e assegurou-lhe que "nós (o Imperador) nos empenharemos sob todos os aspectos... para aumentar a honra e
autoridade de vossa Sé." Assim, em um ou outro aspecto, em geral ou especificamente, o poder tinha sido transferido
para o papado pelo dragão antes de 538.

Tudo o que faltava era a transferência da "sede" ("trono"). Mas não tinha Roma sido dada aos papas desde 330, quando
Constantino mudou a capital para Bizâncio? Dificilmente! Mas mesmo que isto fosse verdadeiro, tal transferência é
demasiado precoce. Devemos procurar a doação da sede depois de 476. Aconteceu isto em 476? Não! Quando veio ao
fim o Império Romano Ocidental, tal fato foi realizado pelos Hérulos, os quais eram Arianos. E os Hérulos foram
imediatamente sucedidos pelos Ostrogodos, também Arianos. De 476 a 538 a Itália em geral, e Roma em particular,
foram dominadas por uma religião que era basicamente hostil aos objetivos do papado.

Os Arianos Ostrogodos foram deveras antagônicos às pretensões do papado. Embora Teodorico, seu rei, fosse um
esclarecido e nobre monarca, ele sabia como manter em cheque as ambições católicas e não admitiria qualquer desmando
de um papa. Entre 517 e 524, quando os católicos em Borgonha começaram uma cruzada contra os Arianos, Teodorico
lançou-se com um exército contra eles e tomou várias de suas cidades. E ainda mais significativo, quando Justiço,
Imperador Oriental, começou a perseguir os Arianos na Grécia, Teodorico enviou o Papa João I (523-526) com
instruções para fazer parar as perseguições, se não ele veria "toda a Itália posta à espada". Quando o velho Papa retornou,
apenas com relativo sucesso, o rei o colocou na prisão de Ravena, onde logo morreu. (James T. Shotwell, et. al., ed.
Records of Civilization, Sources and Studies, III, pp. 131-138).

Pode também ser observado que nessa ocasião a mais forte potência católica na Europa era a nação franca, mas que
estava impossibilitada de exercer suas ambições durante o apogeu dos Arianos, porque os Ostrogodos, sob Teodorico,
eram uma potência mais forte.

Devido ao sábio domínio de Teodorico, os Ostrogodos eram populares na Itália e, por esta razão, também era difícil para
os papas levantar manifestações populares em seu próprio favor. Havia sempre o perigo de que os papas, se encorajados,
pedissem auxílio aos francos, e o povo da Itália preferisse os benignos Ostrogodos, a despeito do seu Arianismo, aos
selvagens Francos, a despeito do seu Catolicismo. (Veja Thomas Hodgkin, Letters of Cassiodorus, 21).
Daniel 1 134

Não há nenhuma dúvida de que os Católicos não podiam exercer o poder do dragão na Europa até eles adquirirem a sede
do dragão, que estava na mão dos seus inimigos religiosos.

d. Obteve a besta a sede do dragão em 538 ?

Em 526 Teodorico faleceu, sendo sucedido por uma linha de fracos reis Ostrogodos. Por outro lado, em 527 Justiniano
tornou-se Imperador no Oriente, um forte e vigoroso monarca.

É desnecessário entrar aqui em muitos detalhes, mas em 534 Belisário, general dos exércitos de Justiniano, destruiu os
Vândalos no norte da África. Em 535 Justiniano declarou uma guerra "sem trégua" contra os Ostrogodos e ordenou a
Belisário volver em direção ao norte, para a Itália. Seu avanço pela Sicília e sul da Itália foi extraordinário e, a 9 de
dezembro de 536, ele entrou em Roma. Na verdade ele entrou na cidade sem lutar. Os godos simplesmente
abandonaram-na para que Belisário dela se apossasse. Enquanto o exército imperial entrava pelas portas do sul, o exército
gótico pacificamente saía pelas portas do norte.

Se os godos deixaram Roma em 536, por que não é esta data escolhida, em vez de 538 ? A razão é que os godos
retornaram dentro de poucas semanas com um exército de 150.000 (?) homens e Belisário, com apenas 5.000 sob seu
comando, achou-se cativo dentro da cidade que ele tinha "conquistado". Ao começar o ano 537, dificilmente se poderia
dizer que Roma tinha sido libertada das mãos dos Arianos.

Também não há qualquer dúvida acerca de que lado a balança do poder pendeu durante 537. Quando Belisário tentou
uma batalha de arremesso fora dos muros da cidade, seu exército foi derrotado, e salvou-se apenas por uma rápida fuga
para trás pelas portas da cidade.

Contudo, sob a liderança de seu incompetente rei Vitiges, os godos cometeram uma série de disparates que iriam custar-
lhes a cidade, sua independência nacional e, por fim, resultar na destruição de sua inteira raça.
Os godos desenvolveram grandes máquinas puxadas por bois para assaltar a cidade. Ao soar da corneta, uma manhã bem
cedo, a hoste gótica atacou a cidade. Belisário ordenou a seus homens não atirarem até sua ordem. Então, antes que as
máquinas de assalto dos godos estivesse em posição, ele deu a ordem. Setas choveram sobre os bois que, ao caírem,
deixavam as máquinas ineficazes. Na confusão que se seguiu, Belisário enviou suas tropas para fora dos muros e logo
30.000 godos jaziam mortos.

Um outro sério erro cometido pelos godos foi o corte dos catorze aquedutos que traziam água para Roma. Seu objetivo
era levar os romanos ao desespero pela sede; desafortunadamente, a água derramou-se sobre as extremidades dos
aquedutos, à razão de milhares de galões por minuto, e logo criaram-se vastos pântanos onde os godos estavam
acampados. Mosquitos de malária desenvolveram-se aos bilhões, acrescentando a morte ao desconforto.
Pelo fim de 537, fome e peste espreitavam ambos os acampamentos. Foi combinada uma trégua de três meses, durante
cujo tempo as negociações deveriam prosseguir com o Imperador. Os godos confiaram em Belisário e negligenciaram
suas fortificações; enquanto isto, Belisário trouxe reforços para dentro da cidade.

Antes de expirar a trégua, em fevereiro ou março de 538, Belisário desconsiderou todas as suas promessas feitas aos
godos e enviou uma coluna veloz para atacar as cidades góticas à distância de duzentas milhas ao norte. Quando os
restantes godos em Roma souberam que os próprios lares, que seus sacrifícios estavam designados a proteger, tinham
sido entregues ao fogo e à espada, ajuntaram seus esfarrapados pertences e bateram em uma retirada desolada e patética.
Dos 150.000 que, afirma-se, tinham marchado sobre Roma no inverno do princípio de 537, apenas alguns milhares
restavam com vida na primavera de 538.

É verdade que os godos demoraram-se na Itália por mais quinze anos. É verdade que, quando Belisário retirou seus
exércitos imperiais da Itália, eles conseguiram uma vez mais invadir o país; mas isto não era uma reconquista genuína.
Tão logo retornaram as tropas imperiais sob o hábil comando de Narsés, os godos receberam um curto prazo para se
retirarem com o seu exército.

E por que estavam os godos tão fracos em 553, quando tinham sido tão fortes em 537 ? Pela razão de que tinham sido
dizimados, massacrados, reduzidos à impotência, pelos decisivos eventos em Roma, que tinham alcançado seu clímax no
ano de 538.
Daniel 1 135

O ano decisivo, na extensa e prolongada batalha entre o império e os godos, foi de 537-538. A partida dos godos de
Roma na primavera de 538 marca sua derrota. Embora a cidade de Roma, de tempos em tempos depois disto,
momentaneamente caísse nas mão dos próprios godos, a partida decisiva dos Arianos de Roma ocorreu no ano 538 AD.

Por esta razão, juntando-se aos outros fatores dados acima, 538 pode ser tomado como o ano em que o dragão (Roma
Imperial) deu sua "sede" ("trono") à besta (Roma Católica) e o começo dos 1260 dias proféticos.

NOTA ADICIONAL A DANIEL 7

O desenvolvimento da grande apostasia que culminou com o papado foi um processo gradual ao longo de séculos. O
mesmo se deu com o declínio desse poder.

Com respeito ao futuro, Jesus advertiu Seus discípulos: "Vede que ninguém vos engane", pois "levantar-se-ão muitos
falsos profetas e enganarão a muitos", "operando grandes sinais e prodígios" para recomendar suas pretensões más, a
fim de "enganar, se possível, os próprios eleitos" (Mt 24:4, li, 24).

Paulo declarou que surgiriam "homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles" (At 20:30).
O resultado seria uma "apostasia" durante a qual se revelaria o poder ao qual se refere como "homem da iniquidade"
e "mistério da iniquidade", e se oporia à verdade, se exaltaria sobre Deus e usurparia a autoridade de Deus sobre a
igreja (2Ts 2:3, 4). Essa entidade, que segundo a advertência de Paulo já estava operando de forma limitada (v. 7),
operaria "segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira" (v. 9). Seu crescimento
sutil seria camuflado de forma tão astuta que somente os que sinceramente cressem e amassem a verdade estariam
seguros frente a suas declarações enganosas (v. 10-12).

Antes do fim do 1º século, o apóstolo João escreveu que "muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" (lJo
4:1); e, um pouco mais tarde, ele disse que "muitos enganadores têm saído pelo mundo fora" (2Jo 7). Isso, disse ele,
é o "espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo" (lJo 4:3).

Essas previsões advertiam sobre a presença de forças sinistras já operantes na igreja, forças que pressagiavam
heresia, cisma e apostasia de grandes proporções. Pretendendo possuir privilégios e autoridade que pertencem apenas
a Deus, porém, operando mediante princípios satânicos e por meio de métodos satânicos, esse instrumento, ao final,
enganaria a maioria dos cristãos para que aceitassem sua liderança e, assim, controlaria a igreja (ver At 20:29, 30;
2Ts 2:3-12).

Nos tempos apostólicos, cada congregação local escolhia seus próprios oficiais e regulava sua própria conduta.
Contudo, a igreja universal era "um corpo" em virtude da operação invisível do Espírito Santo, e da direção dos
apóstolos, que unia crentes em todos os lugares em "um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (ver Ef 4: 3-6).
Líderes das igrejas locais deveriam ser homens "cheios do Espírito" (At 6:3), escolhidos, qualificados e dirigidos
pelo Espírito Santo (ver At 13:2), apontados (At 6:5) e ordenados pela igreja (At 13:3).

No entanto, à medida que a igreja abandonou seu "primeiro amor" (Ap 2:4), perdeu sua pureza de doutrina, seus
elevados padrões de conduta pessoal e o laço invisível de união provido pelo Espírito Santo. Na adoração, o
formalismo assumiu o lugar da simplicidade. A popularidade e o poder pessoal passaram a determinar cada vez mais
as escolhas dos líderes, que assumiram mais autoridade sobre a igreja local e, depois, buscaram estender sua
autoridade sobre as igrejas vizinhas.

A administração da igreja local sob a direção do Espírito Santo, finalmente, foi substituída pelo autoritarismo
eclesiástico nas mãos de um único oficial, o bispo, a quem cada membro da igreja estava sujeito pessoalmente e pelo
qual tinha acesso à salvação. Daí em diante, a liderança pensou apenas em governar a igreja em vez de servi-la, e o
"maior" já não se considerava "servo de todos". Assim, gradualmente se desenvolveu o conceito de uma hierarquia
sacerdotal que se interpôs entre o cristão, como indivíduo, e o Senhor.

De acordo com escritos atribuídos a Inácio de Antioquia, que morreu por volta de 117 d.C., a presença do bispo era
essencial à celebração de ritos religiosos e à direção de questões da igreja. Irineu, falecido por vo,lta do ano 200,
catalogava os bispos das diferentes igrejas de acordo com a idade e importância das igrejas que presidiam. Dava
honra especial às igrejas fundadas pelos apóstolos e defendia que todas as outras deveriam concordar com a igreja de
Daniel 1 136

Roma quanto a questões de fé e doutrina. Tertuliano, falecido em 225, ensinava a supremacia do bispo sobre os
presbíteros, anciãos escolhidos pela igreja local.

Cipriano, que morreu por volta de 258, é considerado o fundador da hierarquia católica romana. Ele defendia a teoria
de que há apenas uma igreja verdadeira e que, fora dela, não há salvação. Defendeu a ideia de que Pedro tinha
fundado a igreja em Roma e de que o bispo da igreja de Roma deveria, portanto, ser honrado sobre os outros bispos,
e suas opiniões e decisões deveriam prevalecer sempre. Enfatizou a importância da sucessão apostólica direta,
afirmou que o sacerdócio do clero era literal e que nenhuma igreja deveria celebrar ritos religiosos ou conduzir suas
questões sem a presença e o consentimento do bispo.

IFatores que contribuíram para a ascensão e, finalmente, a supremacia do bispo de Roma foram: (1) Como capital do
império e metrópole do mundo civilizado, Roma era o lugar natural para a sede da igreja universal. (2) A igreja de
Roma era a única no Ocidente que afirmava ter origem apostólica, o que, naquele tempo, fazia parecer natural que o
bispo de Roma tivesse prioridade sobre os demais. Roma ocupava uma posição bastante honrosa mesmo antes do
ano 100 d.C. (3) A mudança da capital política de Roma para Constantinopla, por Constantino (330), deixou o bispo
de Roma relativamente livre do controle imperial; e, a partir de então, o imperador quase sempre apoiou as
reivindicações do bispo de Roma contra as dos outros bispos. (4) Em parte, o imperador Justiniano apoiou
fortemente o bispo de Roma e fez avançar seus interesses por meio de um edito imperial que reconhecia sua
supremacia sobre as igrejas do Oriente e do Ocidente, edito que não pôde se tornar plenamente efetivo até o declínio
do domínio ostrogodo sobre Roma, em 538. (5) O êxito da igreja de Roma em resistir a vários movimentos
chamados éticos, em especial o gnosticismo e montanismo, lhe rendeu grande reputação de ortodoxia. Certas facções
que em outras partes estavam em contendas, com frequência, apelavam ao bispo de Roma para que fosse o árbitro de
suas diferenças. (6) Controvérsias teológicas, que dividiram e enfraqueceram a igreja no Oriente, deixaram a igreja
de Roma livre para se dedicar a problemas mais práticos e para tirar vantagem de oportunidades que surgiram para
estender sua autoridade. (7) Repetidos casos de êxito em evitar ou mitigar ataques bárbaros contra Roma aumentaram
o prestígio político do papado e, com frequência, na ausência de liderança civil, o papa cumpriu na cidade as funções
essenciais de um governo secular. (8) Invasões islâmicas constituíram um obstáculo para a igreja no Oriente,
eliminando o único rival importante de Roma. (9) Os invasores bárbaros do Ocidente já estavam, em sua maioria,
nominalmente convertidos ao cristianismo, e essas invasões livravam o papa do controle imperial. (l0) Com a
conversão de Clóvis (496), rei dos francos, o papado fundou um exército forte para defender seus interesses e ajudar
efetivamente a converter outras tribos bárbaras.

Professando o cristianismo, Constantino, o Grande (que morreu por volta de 337), vinculou a igreja ao estado,
subordinando a igreja ao poder civil, e fez da igreja um instrumento da política do estado. Sua reorganização da
administração política do império romano se tornou o padrão para a administração eclesiástica da igreja romana, e
assim da hierarquia católica romana. Por volta de 343, o Concílio de Sárdica atribuiu ao bispo de Roma jurisdição
sobre os bispos metropolitanos ou arcebispos. O papa Inocêncio I (que morreu por volta de 417) reivindicava
jurisdição suprema sobre todo o mundo cristão, mas não foi capaz de exercer esse poder.

Agostinho (que morreu por volta de 430), um dos grandes pais da igreja e fundador da teologia medieval, defendia
que Roma sempre tivera supremacia sobre as igrejas. Sua obra clássica A Cidade de Deus ressalta o ideal católico de
uma igreja universal que controlasse um estado universal, e isso forneceu a base teórica para o papado na Idade
Média.

Leão I, o Grande, que morreu em 461 , foi o primeiro bispo de Roma a proclamar que Pedro tinha sido o primeiro
papa, a afirmar a sucessão do papado a partir de Pedro, a sustentar que a primazia havia sido legada diretamente por
Jesus Cristo e a obter êxito em aplicar esses princípios à administração papal. Leão I conferiu à teoria do poder papal
sua forma definitiva e fez desse poder uma realidade. Foi ele que obteve um edito do imperador declarando que as
decisões papais teriam força de lei. Com o apoio imperial, ele se colocou acima dos concílios da igreja, assumindo o
direito de definir doutrinas e ditar decisões. Seu êxito em persuadir Átila a não entrar em Roma (452) e sua tentativa
de deter Genserico (455) aumentaram seu prestígio e o do papado. Leão I, o Grande, foi definitivamente um líder
secular bem como espiritual para o povo cristão. Pretensões ao poder papal feitas por papas posteriores se basearam
em grande parte na suposta autoridade de documentos falsificados conhecidos como "fraudes piedosas", como a
chamada Doação de Constantino.
A conversão de Clóvis, líder dos francos, à fé romana, por volta do ano 496, quando a maioria dos invasores
bárbaros ainda era ariana, deu ao papa um forte aliado político disposto a lutar as batalhas da igreja. Por mais de 12
séculos, a espada da França, a "filha mais velha" do papado, foi uma agente eficaz para a conversão de homens à
igreja de Roma e para manter a autoridade papal.
Daniel 1 137

O pontificado do papa Gregório I, o Grande (que morreu em 604), o primeiro dos prelados medievais da igreja,
marca a transição dos tempos antigos para os medievais. Gregório ousadamente assumiu o papel, embora não o
título, de imperador no Ocidente. Ele lançou as bases para o poder papal na Idade Média, e é de sua administração
em particular que datam posteriores reivindicações absolutistas do papado. Grandes esforços missionários iniciados
por Gregório, o Grande, ampliaram em muito a influência e a autoridade de Roma.

Quando, mais de um século depois, os lombardos ameaçaram invadir a Itália, o papa apelou a Pepino, rei dos
francos, para auxiliá-lo. Respondendo ao pedido, Pepino derrotou por completo os lombardos e, em 756, entregou ao
papa o território que tinha tirado deles. Essa dádiva, comumente conhecida como Doação de Pepino, marca a origem
dos estados papais e o início formal do governo temporal do papado.

No 7° e no 8° séculos, em termos gerais, o poder papal esteve em baixa. O grande papa seguinte e um dos maiores
foi Gregório VII (que morreu em 1085). Ele proclamou que a igreja romana jamais tinha errado e jamais poderia
errar, que o papa é juiz supremo, que não pode ser julgado por ninguém, que não há apelo à sua decisão, que ele
somente tem direito à homenagem de todos os príncipes e que apenas ele pode depor reis e imperadores.

Por dois séculos, houve uma luta constante entre papa e imperador pela supremacia. Às vezes um, às vezes outro
alcançou êxito temporário. O pontificado de Inocêncio III (que morreu em 1216) encontrou o papado no apogeu de
seu poder, e durante o século seguinte esteve no zênite de sua glória. Afirmando ser o vicário de Cristo, Inocêncio III
exerceu todas as prerrogativas reivindicadas por Gregório mais de um século antes.

Um século depois de Inocêncio III, o papa medieval ideal Bonifácio VIII (que morreu em 1303) tentou governar
como seus ilustres predecessores tinham feito , porém não obteve o mesmo êxito. Ele foi o último papa a tentar
exercer autoridade universal conforme instituída por Gregório VII e mantida por Inocêncio III. A decadência do
poder do papado se tornou completamente evidente durante o chamado cativeiro babilônico (1309-1377), quando os
franceses transferiram à força a sede do papado de Roma para Avignon, na França. Logo depois do retorno a Roma,
começou o que se conhece como o Grande Cisma (1378-1417). Durante esse tempo, houve ao menos dois e, às
vezes, três papas rivais, cada um denunciando e excomungando seus rivais e afirmando ser o verdadeiro papa. Como
resu ltado, o papado sofreu perda irreparável de prestígio aos olhos da Europa. Bem antes da época da Reforma, se
levantaram muitas vozes dentro e fora da Igreja Católica criticando suas declarações arrogantes e seus muitos abusos
de poder tanto secular quanto espiritual. Além disso, o renascimento cultural (Renascença), na Europa Ocidental, a
era da descoberta, o crescimento de estados nacionais fortes, a invenção da imprensa e vários outros fatores
contribuíram para a perda gradativa do poder papal. Por volta da época de Martinho Lutero, muito havia sido feito
para minar a autoridade do bispo de Roma.

Durante a Reforma, que se entende ter começado em 1517, com a divulgação das Noventa e Cinco Teses, o poder
papal foi expulso de grandes regiões da Europa do norte. Esforços do papado para combater a Reforma resultaram na
criação da Inquisição, do lndex e na organização da ordem jesuíta. Os jesuítas se tornaram o exército intelectual e
espiritual da igreja para extermínio do protestantismo. Por proximadamente três séculos, a igreja de Roma travou
uma luta vigorosa que gradualmente se enfraqueceu diante das forças que batalhavam pela liberdade civil e religiosa.

Finalmente, durante a Revolução Francesa, a Igreja Católica foi proscrita da França, a primeira nação da Europa a
patrocinar a causa católica. Por mais de 12 séculos, a França havia defendido as declarações e lutado nas batalhas da
igreja. Foi a nação onde os princípios papais tinham sido testados de forma mais plena do que em qualquer outro
lugar, e achados em falta. Em 1798, o governo francês ordenou que o exército que estava na Itália, sob o comando do
general Berthier, levasse o papa prisioneiro. Embora o papado tivesse continuado, seu poder foi tirado e, desde então,
nunca mais exerceu o mesmo tipo ou medida de poder que teve outrora. Em 1870, os estados papais foram
completamente absorvidos ao reino unido da Itália, e o poder temporal que o papado tinha exercido por mais de mil
anos chegara ao fim. O papa tonou-se voluntariamente "prisioneiro do Vaticano" até que seu poder temporal foi
restaurado, em 1929 (ver com. de Dn 7:25).

Esse breve resumo demonstra que a ascensão do poder papal foi um processo gradual que se alongou por séculos. O
mesmo se deu com seu declínio. É possível dizer que o primeiro processo se desenvolveu desde cerca de 100 d.C. a
756; o segundo, de cerca de 1303 a 1870 d.C. O papado esteve no auge de seu poder desde a época de Gregório VII
(1073-1085) até Bonifácio VIII (1294-13 03). Está claro que não é possível dar datas que marquem uma transição
precisa da irrelevância à supremacia, ou entre a supremacia e a relativa irrelevância. Da mesma forma, como se dá
em todos os processos históricos, o surgimento e a queda do papado foram acontecimentos graduais.
Daniel 1 138

Porém, por volta de 538 d.C. o papado estava completamente formado e operante em diversos aspectos e, em cerca
de 1798 - 1.260 anos depois, ele tinha perdido praticamente todo o poder que acumulou ao longo de séculos. A
profecia atribuiu 1.260 anos ao papado para uma demonstração de seus princípios, políticas e objetivos. Desse modo,
essas duas datas deveriam ser consideradas como marco do início e do final do período profético do poder papal.
Daniel 1 139

DANIEL 8
Começando com o cap. 8, o autor retorna ao uso do hebraico, a língua do santuário (Doukhan), que foi substituído
pelo aramaico desde o cap. 2:4 até o final do cap. 7. A partir do cap. 8, v. 1, o hebraico é o idioma utilizado até o
final do livro.

Dois animais familiares

Dois reinos

A visão do capítulo 8 partilha alguns temas comuns com o cap. 7. Esta conexão se evidencia desde as
primeiras palavras. O profeta intencionalmente liga a visão do cap. 8 com a precedente do cap. 7.

“Eu, Daniel, tive uma visão


depois daquela que eu tivera a princípio” (8:1)

A visão do capítulo 7 foi dada no primeiro ano de Belsazar, aproximadamente 550 a.C. A visão do capítulo 8
ocorreu dois anos depois, em 548 a.C. Portanto, a visão do capítulo 7 é aquela que o profeta diz ter aparecido antes
(8:1).

Como no cap. 7, a sucessão dos impérios universais é mencionada novamente por uma referência a animais.
Mas aqui, pela primeira e única vez no livro de Daniel, todos os animais são explicitamente identificados. O
carneiro simboliza “os reis da Média e da Pérsia (8:20) e o bode é “o rei da Grécia” (8:21). Os quatro chifres que se
levantam do chifre quebrado deste animal são “quatro reinos” (v. 22). A alusão da profecia é fácil de identificar. É
sabido que, com a morte de Alexandre, o império grego foi realmente dividido em quatro reinos.

Então a palavra profética parece seguir precipitadamente. Através de um notável atalho, a visão ignora o
próximo link, o quarto reino, e passa a lidar com “a ponta pequena” (v. 9).

Desde o começo se percebem no mínimo duas razões porque este link foi negligenciado no capítulo 8:
1. Desde a experiência da visão anterior do cap. 7, o profeta desenvolveu uma grande preocupação
concernente à ponta pequena e está ansioso para voltar a ela.
2. O quarto reino é o reino que recebeu a maior consideração no cap. 7 (7:7, 8, 19, 23). É, a propósito,
digno de nota que os dez chifres estão integrados no quarto reino (7:24). Embora os dez reinos que eles
representam surgirão posteriormente, a quarta besta é inicialmente descrita como tendo dez chifres. É
também significativo que o parágrafo lidando com os dez chifres pertençam ao mesmo padrão “behold”
como o quarto reino (7:7). Este não é o caso da ponta pequena que é introduzida por um novo “behold”
(7:8) e pertence, portanto, a uma seção distinta do quarto reino.

O quarto reino (a quarta besta com os dez chifres) é assim “vista” pelo profeta em sua totalidade, i.e.,
em seu tempo de unidade bem como seu período de divisões. Todo o quadro está ainda vívido na
mente de Daniel e portanto será meramente sugerido no fluxo da visão de Daniel 8.

Um Poder Diferente

A ponta pequena que aparece no cap. 8 após a queda dos reinos universais, se assemelha com a aparência,
atividades e destino da ponta pequena do cap. 7. Em ambos capítulos – 7 e 8 – a ponta pequena aparece no mesmo
tempo, imediatamente após os impérios universais (7:2-7, 15-20; cf. 8:2-8, 20-22). No capítulo 7, como no 8, a
ponta pequena se levanta em oposição a Deus, os santos e a lei.

1. Contra Deus, a ponta pequena se levanta como um poder presunçoso e mesmo usurpador em ambos capítulos
(7:25a; cf. 8:25b).
2. Contra os santos, a ponta pequena exerce opressão e perseguição em ambos capítulos (7:25; cf. 8:24).
3. Contra a lei, a ponta pequena “cuidará em mudar os tempos e a lei” (7:25), e “deitou por terra a verdade” (8:12).
A palavra verdade (’emet), que é usada aqui, transmite a ideia de fidelidade (de ’mn) e é também uma referência
implícita à lei. As Escrituras frequentemente associam o conceito hebraico ’emet (verdade-fidelidade) e o
conceito de lei (cf. Mal 2:6; Sl 119:43, 142, 151, etc.). A noção filosófica de verdade não é parte do
Daniel 1 140

pensamento. Verdade em Hebraico é aquilo que permanece em conformidade com a lei (cf. Mal 2:6 e Ro 2:20).
Consequentemente, vários comentaristas judeus, incluindo Ibn Ezra, Rashi, e Metsudath David, tem percebido
esta passagem (8:12) no sentido de uma rejeição da lei. “Ela (a ponta pequena) cancelará a lei (Torah) e a
observância dos Dez Mandamentos” (comentário de Ibn Ezra sobre 8:12 em Miqraoth Gdoloth; cf. Rashi e
Metsudath David em Miqraoth Gdoloth, ad loc).
4. Finalmente, em ambos capítulos, a ponta pequena está relacionada com um período de tempo: 1260 dias no
capítulo 7, 2300 tardes e manhãs no capítulo 8.

Tudo o que acontece à ponta pequena no capítulo 7 tem sua contraparte na ponta pequena do capítulo 8. Em
verdade, a ponta pequena do capítulo 8 e a ponta pequena do capítulo 7 são, sem dúvida, a mesma.

O Dia da Expiação

O paralelismo de motivos que relacionam os dois capítulos vai além da epopeia da ponta pequena. Este
paralelismo vincula a cena do juízo (Dn 7) com a purificação do santuário (Dn 8). A estrutura de toda a passagem
lidando com a ponta pequena (8:9-14) semelhantemente sugere o mesmo movimento para cima e para baixo visto
pelo profeta entre o céu e a terra.

v. 9 De um deles saiu um chifre pequeno, e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e a
para a terra gloriosa – terra

v. 10a Cresceu até atingir o exército dos céus – céu

v. 10b A alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou – terra

v. 11a Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército – céu

vv. 11b-12 Dele tirou o sacrifício costumado, e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O
exército lhe foi entregue, com o sacrifício costumado, por causa das transgressões; e
deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou – terra

vv. 13-14 Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará
a visão do costumado sacrifício, e da transgressão assoladora, visão na qual era entregue o
santuário e o exército, a fim de serem pisados? E ele me disse: Até duas mil e trezentas
tardes e manhãs; e o santuário será purificado – céu

A última cena (vv. 13-14), que lida com a purificação do santuário, é um diálogo entre dois seres celestiais e
consequentemente pertence ao mundo celestial, desse modo seguindo o movimento alternado da visão (gaze) do
profeta. Assim, o evento da purificação do santuário no capítulo 8, bem como o evento do juízo no cap. 7, são
vistos no mesmo âmbito celestial. Finalmente, tanto a purificação do santuário como o juízo pertencem ao
mesmo tempo do fim, o próprio tempo que precede a vinda do reino celestial (7:26; 8:17, 26).
O paralelismo entre os dois capítulos mostra quão relacionados o juízo e a purificação do santuário estão. Esta
conexão particular é realmente sugestiva para a mente judaica, apontando para o Dia da Expiação, o único dia
quando o juízo é evocado e o santuário é purificado.
Já desde o início do cap. 8 a imagem do carneiro e do bode preparou o caminho para esta referência ao Dia da
Expiação: a associação destes dois animais ocorre precisamente naquele dia (Lev 16:5, 6).
Ademais de sua função de representação no cap. 8, o carneiro e o bode foram também designados apontar para o
Dia da Expiação. Significativamente, o autor bíblico recorre a vários meios para atrair a atenção para a
associação destes dois animais.
1. No livro de Daniel a história regularmente segue um ciclo de quatro reinos (caps. 2; 7; 11:1-4);
somente no capítulo 8 lida com dois reinos. Esta ruptura das regras mostra que os dois animais estão
isolados a propósito.
2. Os impérios que foram referidos através das bestas selvagens (leão, urso, leopardo, etc.) no cap. 7 são
agora, no cap. 8, inesperadamente representados por animais limpos (o carneiro e o bode), que são
familiares ao estilo de vida israelita. A mudança de animais impuros e selvagens para animais limpos e
Daniel 1 141

familiares representando os mesmos impérios pagãos revela uma intenção óbvia, de revelar a
associação do carneiro-bode, e apontar para o Dia da Expiação.
3. As quatro bestas do cap. 7, em contraste com os dois animais do capítulo 8, funcionam como claros
representantes dos impérios para os quais apontam. Assim Babilônia era tradicionalmente representada
por um leão, como atestado na Bíblia e também na arqueologia. Muito embora as seguintes bestas
pareçam não ser atestadas na história como símbolos nacionais, elas são descritas assim para
corresponder com suas ações. O urso, que representa a Pérsia, evoca as conquistas vorazes dos persas.
O leopardo, representando a Grécia, simboliza as conquistas rápidas da Grécia; e se o leopardo tem
quatro cabeças é para sugerir que seu domínio se estenderá por toda a terra, como transmitido através
do simbolismo do número quatro. Finalmente, a quarta besta, com “grandes dentes de ferro”, que
“devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava” engloba o império totalitário de Roma.
As quatro bestas de Daniel 7 tipificam os impérios que representam, enquanto os dois animais de
Daniel 8 não tem nada a ver com os impérios que supostamente representam. Consequentemente, se os
motivos do carneiro e do bode foram escolhidos para representar dois impérios enquanto não se
assemelhando às características desses impérios, é porque eles desempenham outra função além de
meramente ilustrativa.

4. Em Daniel 8, o profeta omitiu os dois reinos que parecem ser os mais importantes para ele: Babilônia, o
reino ainda presente no tempo de Daniel (Dn 2:38), e Roma, o estranho e espantoso reino que o
fascinou (Dn 7:19). Por outro lado, o profeta reteve os dois reinos que são comparativamente
insignificantes (Medo-Pérsia e Grécia). A intenção do autor bíblico é indicada aqui. Se Daniel
escolheu esses dois reinos (o segundo e o terceiro na sequência profética da Daniel 2 e 7) antes que os
outros dois a fim de transmitir sua mensagem, é precisamente por causa de sua insignificância. Ele
queria focalizar a atenção sobre o motivo do carneiro e do bode, antes que sobre os reinos em si. O que
importava para o profeta não era tanto os dois reinos per se (Medo-Pérsia e Grécia), mas o tema do Dia
da Expiação.

Agora entendemos porque a ponta pequena aparece após a Grécia em Daniel 8, e não de acordo com a
sequência de Daniel 7, após Roma. A ponta pequena é retratada em Daniel 8 de uma maneira
suficientemente clara para sugerir que é a mesma ponta pequena como em Daniel 7. Portanto, a
menção do reino que precede a ponta pequena (em Daniel 7, a quarta besta, i.e., Roma) não é mais
requerida em Daniel 8. A expressão “de um deles” (8:9) deveria então ser entendida como relacionada
à quarta besta de Daniel 7, que está implicada em Daniel 8, e não está relacionada a um dos chifres da
terceira besta de Daniel 7, isto é, Grécia em Daniel 8. Isto é confirmado pelo fato de que a ponta
pequena é descrita como “surgindo dos quatro ventos do céu” (8:8), uma expressão específica que está
associada em Daniel 7 com as quatro bestas (7:2, 3). Também, esta referência particular aos “ventos do
céu”, antes que aos quatro chifres, pode explicar (ou é confirmada por) a curiosa discordância de
gêneros na frase hebraica “um (feminino) deles (masculino)” em paralelo com “ventos (feminino) do
céu (masculino)”. Esta anomalia pode ter sido intendida como um recurso literário para sugerir um elo
orgânico com os “ventos do céu” a parte dos quatro chifres mencionados justo antes. Desde que a
quarta besta está ausente de Daniel 8, o autor sente ser necessário referir-se a ela por meio da expressão
geral “um deles”, isto é, um dos quatro ventos do céu, deste modo implicando a presença de todas as
quatro bestas de Daniel 7. Como uma questão de fato, esta interpretação está implicada na explicação
do anjo em 8:23. Lá, o advento da ponta pequena intervem “após (’aharît) estes reinos” e não
imediatamente após eles, que sugere que a ponta pequena surge após o período de tempo que segue o
terceiro reino, consequentemente após o quarto reino.

Indubitavelmente esta preocupação especial para isolar e enfatizar a associação dos dois animais (o
carneiro e o bode) a fim de transmitir uma alusão do Dia da Expiação era preparar o terreno para o que
seguiria. Realmente, na extensão desta passagem, no clímax da visão, há uma referência direta ao Dia
da Expiação. O profeta fala em Daniel 8:14 da purificação do santuário. É significativo que a obscura
expressão nisdaq, que literalmente significa “ser restabelecido em seus direitos”, foi traduzido pela
LXX como a “purificação (katharisthesetai) do santuário”. Os eruditos da LXX entenderam esta
passagem como uma referência ao Dia da Expiação, o mesmo dia quando o santuário era purificado
(Lev 16:19, 30). É também a mesma interpretação que o próprio Rashi apoia quando ele lê neste verso
uma alusão direta à expiação (kpr) dos pecados de Israel.
Daniel 1 142

1. Terceiro ano. Aproximadamente 548 a.C. (Shea, 2:86).

Antes. Referência à visão do cap. 7.

2 Quando a visão me veio, pareceu-me estar eu na cidadela de Susã, que é província de


Elão, e vi que estava junto ao rio Ulai.

Susã – na província ocidental do Elão. Mesmo lugar onde ocorre a ação do livro de Ester (Ester 1:2). Elão era um
estado fronteiriço entre Babilônia e Pérsia. Algumas vezes estava sob o controle de Babilônia; algumas vezes estava
sob o controle da Pérsia. Em outras ocasiões era capaz de manter-se livre e independente de ambos os poderes.220

É discutido se o profeta Daniel esteve fisicamente em Susã ou se apenas em visão. O contexto não implica
necessariam ente presença corporal. A frase "quando a visão me veio" deve ser entendida como algo para introduzir
uma série de eventos contemplados em visão, sem que n ecessariamente h aja presença real. Há outros exemplos de
profetas transportados em visão, m as não transportados de fato, como a "visita" de Ezequiel a Jerusalém (ver com.
de Ez 8:3) e a de João ao deserto (Ap 17:3). Também se podem mencionar as experiências de Ellen G. White (ver
PE, 32, 39). Por outro lado, não se pode provar que Daniel não esteve fisica mente em Susã, nessa ocasião. Não é
difícil imaginar que, em su as viagens a negócios oficiais ou por outra razão, ele fosse à antiga capital de E lão. Na
época da visão, se for considerado 55 3 como o lo ano de Belsazar, Elão ainda era, provavelmente, uma província
babilônica , embora tenha passado para as mãos de Ciro algum tempo antes de este tomar Babilônia. Josefo afirma
que o profeta esteve de fato em Susã na época da visão (Antiguidades, x.11.7).

Cidadela. Do heb. birah, "cidadela" ou "acrópole". No hebraico, o termo acompanha a palavra Susã. A frase pode
ser traduzida como "Susã, a praça forte" (BJ), segundo a forma do nome mais familiar nos tempos modernos.
Segundo o historiador grego Xenofonte, reis persas, posteriormente, usaram a cidade como residência de inverno, e
passavam o restante do ano em Babilônia ou em Ecbátana (para mais informações sobre Susã, ver Et 1:2)

3 Então, levantei os olhos e vi, e eis que, diante do rio, estava um carneiro, o qual tinha
dois chifres, e os dois chifres eram altos, mas um, mais alto do que o outro; e o mais alto
subiu por último.

Um carneiro, o qual tinha dois chifres. O anjo mais adiante identifica esse símbolo como representante dos reis da
Média e da Pérsia (v. 20).

Mais alto do que o outro. Embora tenha se levantado depois da Média, a Pérsia se tornou o poder dominante
quando Ciro derrotou Astíages, da Média, em 553 ou 550. Contudo, os medos não eram tratados como inferiores ou
um povo subjugado, mas sim como confederados (ver com. de Dn 2:39)

4 Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte, e para o sul; e nenhum
dos animais lhe podia resistir, nem havia quem pudesse livrar-se do seu poder; ele, porém,
fazia segundo a sua vontade e, assim, se engrandecia.

4. Dava marradas para o ocidente. Ciro conquistou a Lídia (na Anatólia, ou antiga Turquia), em 547 a.C ., e
Babilônia, em 539. Cambises estendeu as conquistas até o sul, ao Egito e à Núbia, em 525. Dario Histaspes foi para o
norte contra os escitianos, em 513 (ver vol. 3, p. 39-44). O império medo-persa abrangia um território muito maior
que seu predecessor, Babilônia. Os exércitos da Pérsia tinham tanto êxito que, nos dias de Assuero (Et l:l), o império
se estendia da Índia à Etiópia, as extremidades leste e sul do mundo conhecido da época. Um título comum do
monarca persa era "rei de reis" ou "rei dos países".

E, assim, se engrandecia. Literalmente, "fazia grandes coisas", "se fez grande".

5 Estando eu observando, eis que um bode vinha do ocidente sobre toda a terra, mas sem
tocar no chão; este bode tinha um chifre notável entre os olhos;
6 dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, o qual eu tinha visto diante do rio; e
correu contra ele com todo o seu furioso poder.

220
William H. Shea, Daniel 7-12, 89.
Daniel 1 143

7 Vi-o chegar perto do carneiro, e, enfurecido contra ele, o feriu e lhe quebrou os dois
chifres, pois não havia força no carneiro para lhe resistir; e o bode o lançou por terra e o
pisou aos pés, e não houve quem pudesse livrar o carneiro do poder dele.

5. Bode. Identificado pelo anjo como representante da Grécia (v. 21), isto é, o império macedônico de Alexandre
(ver com . de Dn 7:6).

Vinha do ocidente. A Grécia ficava a oeste do império persa.

Sem tocar no chão. Esta descrição de grande rapidez descreve adequadamente a surpreendente velocidade das
conquistas de Alexandre (ver com. de Dn 7:6).

Chifre notável. De acordo com o v. 21 (ver também a profecia paralela, Dn 11 :3, 4), esse chifre representa o
primeiro grande rei grego, isto é, Alexandre o Grande (ver com. de Dn 7:6).

7. Enfurecido. Do heb. marar, na forma encontrada aqui, "estar enfurecido". A linguagem deste versículo retrata a
totalidade da sujeição da Pérsia a Alexandre. O poder do império persa foi quebrado por completo. O país foi
assolado, seus exércitos foram feitos em pedaços e espalhados, e suas cidades, saqueadas. A cidade real de
Persépolis, cujas ruínas ainda permanecem como monumento de seu antigo esplendor, foi destruída pelo fogo.

8 O bode se engrandeceu sobremaneira; e, na sua força, quebrou-se-lhe o grande chifre, e


em seu lugar saíram quatro chifres notáveis, para os quatro ventos do céu.

O bode se engrandeceu sobremaneira. Ou, "se magnificou sobremaneira" (ver com. dos v. 4, 9).

E, na sua força. A profecia predisse a queda de Alexandre enquanto seu império estivesse no auge de seu poder.
Aos 32 anos, ainda jovem, o grande líder morreu de uma febre agravada, sem dúvida, por sua própria intemperança
(ver com. de Dn 7:6).

Quatro chifres notáveis. Sobre os quatro reinos macedônicos (ou helenísticos) nos quais se dividiu o império de
Alexandre, ver com. de Daniel 7:6; 11:3, 4.

9 De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o
oriente e para a terra gloriosa.

De um dos chifres. No hebraico, esta frase apresenta confusão de gênero. A palavra "deles" (como traduz a AA),
hem, é masculina. Isso indica que, gramaticalmente, o antecedente é "ventos" (v. 8) e não "chifres", visto que
"ventos" pode ser tanto masculino como feminino, mas "chifres", apenas feminino. Por outro lado, a palavra para
"um", 'achath, é feminino, sugerindo "chifres" como o antecedente. 'Achath poderia, claro, se referir à palavra para
"ventos", que ocorre com mais frequência no feminino. Mas é questionável que o escritor fosse atribuir dois gêneros
diferentes ao mesmo substantivo em uma relação de contexto tão estreita. Para se ter uma concordância gramatical,
'achath deveria ser mudado para o masculino, fazendo com que toda a frase se referisse claramente a "ventos"; ou a
palavra para "deles" deveria ser mudada para o feminino, mas nesse caso a referência seria ambígua, dado que
"vento" ou "chifres" pode ser o antecedente. Vários manuscritos em hebraico têm a palavra para "deles" no feminino.
Se esses manuscritos refletem o significado correto, a passagem ainda seria ambígua.

Comentaristas que interpretam o "chifre pequeno" do v. 9 como Roma não podem explicar satisfatoriamente como se
poderia dizer que Roma surgiu de uma das divisões do império de Alexandre. Mas, se "deles" se refere a "ventos",
então toda dificuldade desaparece. A passagem simplesmente afirma, nesse caso, que de um dos quatro pontos
cardeais surgiria outro poder. Roma surge ao oriente. Na explicação literal dos símbolos da visão, é dito que Roma
surge "no fim do seu reinado" (v. 23), isto é, o "reinado" dos quatro chifres. Porém, o v. 23 se refere apenas à época
quando o "chifre pequeno" surgiria e não diz nada do lugar de seu surgimento, ao passo que o v. 9 tem a ver
exclusivamente com sua localização.

Deve-se lembrar que o profeta dá um breve relato dos símbolos proféticos, como lhe foram apresentados. Ele ainda
não está interpretando a visão. A interpretação dessa parte da visão ocorre no v. 23. Uma regra importante ao se
interpretar os símbolos de uma visão é dar interpretação apenas àqueles elementos da representação destinados a ter
um valor interpretativo. Como nas parábolas, certos elementos são necessários para se completar a ilustração, mas
Daniel 1 144

não são em si mesmos significativos. Só uma palavra inspirada pode determinar quais desses têm valor
interpretativo. Visto que, nesse caso, a palavra inspirada, isto é, o v. 23, fala apenas do tempo em que o poder
representado por esse chifre surgiria, e nada diz a respeito de sua origem geográfica, não há razão para se enfatizar a
frase "de um deles".

Visto que a visão de Daniel 8 é paralela aos esboços proféticos dos cap. 2 e 7, e visto que em ambos os esboços o
poder que sucede a Grécia é Roma (ver com. de Dn 2:40; 7:7), a compreensão razoável, nesse caso, é que o poder do
"chifre" descrito no v. 9 também se aplica a Roma. Essa interpretação se confirma pelo fato de que Roma
precisamente cumpre as várias especificações da visão.

Um chifre pequeno. De acordo com a escola preterista de interpretação, Antíoco IV Epifânio, o oitavo rei da
linhagem selêucida (175-164 a.C.) é representado pelo chifre pequeno mencionado em Daniel 7 e 8, como também
em Daniel 9:24-27. Antíoco ocupa também a maior parte do capítulo 11 (vv. 16-45). Os expositores futuristas, de
igual forma, percebem a Antíoco nos capítulos 8 e 11.

Entre os intérpretes judeus do primeiro século, Josefo (37?-100 AD) é a única fonte conhecida a fazer uma
identificação direta do chifre pequeno de Daniel 8 com Antíoco Epifânio. Mas para chegar a tal conclusão, ele
substituiu a referência aos 2.300 dias em Dn 8:14 por 1.296 dias, o que revela um esforço consciente de sua parte
para ajustar o tempo profético de Daniel 8 com a informação histórica provida por 1 Macabeus com respeito à
profanação do templo de Jerusalém, que durou 3 anos e dez dias.

Entre os intérpretes cristãos primitivos, dos quais se podem citar a Epístola de Barnabé, Justino Mártir, Irineu,
Tertuliano, Clemente de Alexandria, Júlio Africano e Orígenes, destacam-se suas interpretações de Roma como
sendo o quarto império, ou situando o período dos 2.300 dias no tempo do império persa ou de Roma, ou
identificando o chifre pequeno do cap. 8 com um futuro anticristo (Irineu e Orígenes) ou ainda interpretando a
profecia das 70 semanas de Dn 9 como alcançando o primeiro século da nossa era. Nenhum deles fez qualquer
referência a Antíoco Epifânio como desempenhando um papel significativo no cumprimento de qualquer destas
profecias.

Foi Hipólito, um discípulo de Irineu, que chegou a ser bispo nas vizinhanças de Roma no início do terceiro século
(sua morte é datada em 236 AD), o primeiro comentarista cristão a identificar o chifre pequeno de Dn 8 com
Antíoco Epifânio. Sua exposição do livro de Daniel é a mais completa que sobreviveu entre os escritores até o seu
tempo. Ainda que tenha feito uma exposição sistemática das profecias de Daniel, encontra-se nele uma variedade de
correntes interpretativas: tanto o historicismo, como o preterismo e ainda o futurismo podem ser identificados em seu
comentário. O historicismo é a corrente principal, mas o preterismo aparece em sua identificação de Antíoco IV
como um personagem importante nos capítulos 8 e 11, enquanto o futurismo destaca-se em sua interpretação das
profecias temporais (incluindo a 70ª semana do capítulo 9), no fim do tempo.

É em Daniel 8:10, na referência ao chifre pequeno, que Hipólito se afasta do método historicista e assume o
preterismo, identificando o símbolo do chifre como Antíoco Epifânio. Em sua exposição deste aspecto da profecia,
Hipólito segue de perto o livro dos Macabeus (as referências são da versão do Pe. Matos Soares, Ed. Paulinas).
Observe:

Hipólito 1 Macabeus
Após ter reinado [Antíoco IV] na Síria, E Antíoco estabeleceu-se no seu reino (da Síria) [1:17]
E dominou o Egito E começou a querer reinar no país do Egito... e depois
de ter assolado o Egito... Antíoco voltou [1:17, 21]
E subiu a Jerusalém E marchou contra Israel. E chegou a Jerusalém com um
formidável exército [1:21, 22]
E entrou no santuário, todos os tesouros na casa do E entrou cheio de soberba no santuário, e tomou o altar
Senhor, e o candelabro de ouro, e a mesa, e o altar, de ouro, e o candelabro..., e a mesa da proposição... E
tomou a prata, e o ouro, e os vasos preciosos, e os
tesouros escondidos, que encontrou [1:23, 24]
E fez uma grande matança na terra; E fez grande matança de homens, e falou com grande
soberba [1:25]
Como está escrito: “E o santuário será pisado a pés, até No dia quinze do mês de Casleu, no ano cento e
tarde e manhã, mil e trezentos dias.” Pois aconteceu que quarenta e cinco, o rei Antíoco colocou o abominável
o santuário permaneceu desolado durante aquele ídolo da desolação sobre o altar de Deus [1:57]
Daniel 1 145

período, três anos e meio, para que os mil e trezentos


dias pudessem ser cumpridos;
Até que Judas se levantou Então levantou-se em lugar dele seu filho Judas, que
tinha o sobrenome de Macabeu [3:1]
Após a morte de seu pai Matias, Dito isto, [Matatias] abençoou-os, e foi unir-se com seus
pais [2:69]
Tu [Deus] sabes os seus desígnios contra nós. Como
poderemos nós subsistir diante da sua face, se Tu, ó
Deus, não nos assistires [3:52, 53]
E destruiu o acampamento de Antíoco, Então Judas voltou para recolher os despojos do
acampamento [4:23]
E libertou a cidade, Logo se juntou todo o exército, e subiram ao monte Sião
[4:37]
E recuperou (restaurou) o santuário, E viram o santuário deserto, e o altar profanado [4:38]
E restaurou-o em estrita harmonia com a lei. E escolheu sacerdotes sem mancha, cheios de amor pela
lei de Deus, os quais purificaram os santos lugares
[4:42, 43]

Como se percebe, Hipólito derivou sua interpretação de Dn 8:10-14 do relato histórico encontrado em 1 Macabeus.
Adicionalmente, é importante destacar que o período de tempo de Dn 8:14 foi reduzido de 2.300 para 1.300 dias.
Como não há nenhum manuscrito bíblico que apóie tal variante, a conclusão é que Hipólito realizou a mudança.

Hipólito é o primeiro comentarista cristão a identificar o chifre pequeno de Daniel 8 com Antíoco Epifânio, e o
segundo a fazê-lo desde os Macabeus, sendo que o primeiro foi Josefo. Até onde se pode determinar, Hipólito não
dependeu de Josefo. Sua obra aparentemente dependeu diretamente de 1 Macabeus. Hipólito também foi o primeiro
comentarista cristão a aplicar qualquer das profecias do capítulo 11 de Daniel a Antíoco Epifânio.

Hipólito desempenhou um papel importante na subsequente elaboração desta posição por Porfírio.

IDENTIFICANDO A PONTA
PEQUENA DE DANIEL 8

Argumentos em favor de Antíoco IV Epifânio


como a ponta pequena

1. Antíoco foi um rei selêucida. Como membro desta dinastia de reis, ele pode haver surgido de um dos quatro
chifres mencionados em Daniel 8:8 – sempre que esta fosse a origem da ponta pequena.
2. A sucessão de Antíoco foi irregular. Se a frase “não por sua própria força”, ao começo de Daniel 8:24 é
original no TM, isto sugeriria que, historicamente falando, a ponta pequena chegou ao poder através de uma
sucessão irregular.

Um filho de Seleuco IV Filopáter devia haver sucedido ao governante depois que o cortesão Heliodoro
assassinou a seu pai. Não obstante, o irmão do rei, Antíoco IV, chegou ao trono em seu lugar ajudado pelos
exércitos de Pérgamo. É possível aplicar a frase “mas não por sua própria força” a este rumo dos
acontecimentos.
3. Antíoco perseguiu aos judeus.

4. Antíoco contaminou o templo de Jerusalém e interrompeu seus serviços. Entretanto, resta ver se com efeito
ele fez contra o templo todas as coisas que Daniel 8 diz que a ponta pequena fez.

Resumo:

Portanto, existem dois argumentos razoavelmente claros em favor da identificação da ponta pequena como Antíoco
IV: sua sucessão irregular e sua perseguição dos judeus. Existem outros dois argumentos que possivelmente
poderiam apoiar esta identificação, mas devem ser limitados até certo ponto. Estes têm que ver com sua origem e
com a contaminação do templo. A questão aqui é se estes quatro pontos, dois razoavelmente poderosos e dois
Daniel 1 146

limitados, provêem uma base sólida para fazer esta identificação. Do outro lado desta questão existe uma quantidade
de argumentos de Daniel 8 contrária a identificar a Antíoco IV com a ponta pequena.
Argumentos contra a identificação de Antíoco IV
como a ponta pequena

1. Natureza da ponta pequena: um reino


a. A ponta pequena como um símbolo para rei/reino. Daniel 8:23 identifica a ponta pequena como um
“rei”. Porém a questão que pode surgir é se o termo não tinha o propósito de significar um “reino” antes
que um “rei” em particular. Diversos pontos sugerem esta possibilidade. Dado que os quatro chifres
precedentes são identificados como reinos no verso 22, se poderia esperar fôssem sucedidos por outro reino
antes que por um rei individual. Os dois chifres que aparecem sobre a cabeça do carneiro persa
representavam os “reis da Média e da Pérsia” (v. 20), quer dizer, as casas dinásticas que governaram estas
nações.

Voltando ao capítulo 7, a interpretação historicista do chifre pequeno sugere que este representa ao papado,
que surgiu entre os chifres-nações da Europa, os quais resultaram do quebrantamento da besta-império
romana. Também se deveria notar que, se bem no cap. 7 os quatro animais se referiam a “quatro reis” (v.
17), foram entendidos como representando reinos e não monarcas individuais (v. 23). O mesmo conceito é
evidente previamente no cap. 2, onde se disse a Nabucodonozor que ele era a cabeça de ouro que seria
sucedido por outro reino (Dn 2:38, 39).

O único lugar entre estes símbolos onde se pode apontar claramente a identificação de um chifre como um
rei individual é no caso de Alexandre, representado pelo grande chifre do bode grego (Dn 8:21).
Obviamente, o chifre de Alexandre não surgiu dos outros quatro do bode. Se o chifre pequeno de Daniel 8
saiu de outro chifre e é interpretado como um rei, tal interpretação resultaria única entre esta série de
símbolos. Ainda que este detalhe não é definitivo quando estudado isoladamente, parece mais razoável
supor que o chifre pequeno representa um reino corporativo antes que um rei individual.
2. Grandeza comparativa da ponta pequena.
O carneiro persa “se engrandecia” (8:4); o bode grego “se engrandeceu sobremaneira” (v. 8). Por contraste, o
chifre pequeno se engrandeceu extremamente em diferentes direções. No nível horizontal “cresceu muito” rumo
ao sul, o oriente e a terra gloriosa. No plano vertical “se engrandeceu até o exército do céu”, e finalmente “se
engrandeceu contra o príncipe dos exércitos” (8:9-11).
O verbo “engrandecer”, gadal, aparece somente uma vez em relação com a Pérsia e só uma vez com a Grécia,
porém aparece três vezes com o chifre pequeno. Em vista deste uso verbal, e do advérbio para “sobremaneira”
que o acompanha na primeira INSTANCIA, é evidente que esta é uma progressão do comparativo ao superlativo.
Transferindo isto em termos históricos, significa que Antíoco IV deveria exceder em grandeza ao Império Persa e
ao Grego. Obviamente, isto não foi assim, dado que ele governou somente uma parte do Império Grego e com
pouco êxito.
Este argumento encontra um apoio adicional quando regressamos ao paralelismo do chifre pequeno de Daniel 7.
Ali descobrimos outro detalhe que milita contra a identificação do chifre pequeno com Antíoco IV: a cena de
juízo. Parece improvável que a corte celestial fosse convocada em sessão em tão grandiosa escala com o
propósito de julgar a Antíoco IV. Um ambiente muito menos fascinante, tal como a predição de Micaías filho de
Imla, concernente a Acab, em 1 Reis 22, deveria haver sido adequado para Antíoco IV. Em outras palavras, por
causa de sua grandeza, a visão da sessão da corte celestial em Daniel 7 não faria jogo com a importância política
e religiosa de quem estava sendo julgado ali, se é que o chifre pequeno fosse Antíoco. Dado o paralelismo entre
os chifres pequenos de Daniel 7 e 8, isto simplesmente enfatiza a disparidade entre Antíoco IV e a grandeza
superlativa do chifre pequeno de Daniel 8.
3. Atividades do chifre pequeno.
a. Conquistas. O chifre “cresceu muito para o sul, o oriente e a terra gloriosa” (v. 9).
(1) Para o sul. Antíoco III foi o rei que agregou a Palestina ao território governado pelos selêucidas
quando derrotou as forças de Ptolomeu em Panéias, em 198 a.C. Antíoco IV tentou estender sua
fronteira sul até o Egito com a campanha de 170-168 a.C. Teve êxito ao conquistar a maior parte do
Delta em 169 a.C. No ano seguinte marchou sobre Alexandria para empreender o seu sítio, porém teve
que regressar por ordem de um embaixador romano, e assim abandonou suas pretensões de conquista
Daniel 1 147

no Egito. De maneira que seu êxito parcial no Egito foi transitório, e é duvidoso que na realidade
crescesse “muito para o sul”.
(2) Para o oriente. Antíoco III subjugou o oriente em suas campanhas de 210-206 a.C., que o levaram até
a fronteira da India. Entretanto, depois que os romanos o derrotaram em Magnésia, a maioria dos
territórios envolvidos se rebelaram e se tornaram independentes.
Antíoco IV tentou reconquistar algo deste território nos últimos anos de seu reinado. Não obstante,
depois de alguns êxitos diplomáticos e militares iniciais na Armênia e Média, se viu impossibilitado de
avançar contra os partos. Morreu no curso de sua campanha contra estes últimos, aparentemente de
causas naturais, no inverno de 164/3 a.C.
Enquanto Antíoco IV teve alguns êxitos iniciais, não conseguiu nem de perto tanto como Antíoco III; e
esse projeto ficou incompleto no momento de sua morte. Portanto, é pertinente perguntar se a extensão
destes êxitos militares parciais e incompletos se encaixaria com a predição profética concernente ao
chifre pequeno como “crescendo excessivamente para o oriente”.
(3) Para a terra gloriosa. Em 1 Mac 1-6 se menciona a Antíoco IV como o governante selêucida que
profanou o templo e perseguiu aos judeus. Isto não ocorreu por causa de alguma conquista própria, e
sim porque Antíoco III já havia conquistado a Palestina aos Ptolomeus em 198 a.C. Ele não podia
haver “crescido excessivamente para a terra gloriosa”, presumivelmente Judéia, em algum sentido de
conquista o adquirindo controle sobre ela através de uma ação militar. Somente pôde haver “[crescido]
excessivamente” no sentido de exercer ou abusar de seu controle sobre ela, uma vez que já era parte de
seu reino quando ascendeu ao trono.
Ainda que Antíoco IV não foi o conquistador da Palestina, as derrotas sofridas aí perto do final de seu
reinado resultou na independência da Judéia do domínio selêucida. Para o fim de 164 a.C. os judeus
libertaram o templo contaminado das mãos dos selêucidas e o rededicaram (1 Mac 5:52). Antíoco
morreu no Oriente pouco tempo depois, ao princípio de 163 a.C. (1 Mac 6:15).
(4) Resumo. Antíoco IV nunca capturou Alexandria, a capital do Egito, porém desfrutou de êxitos
militares no Baixo Egito durante sua campanha de 169-167 a.C. Entretanto, teve que abandonar suas
pretensões no Egito por causa da pressão diplomática de Roma. Só a primeira parte de sua campanha
para o oriente foi exitosa. Morreu antes de haver realizado seus planos para essa região e consolidar
seu controle sobre ela.
Ainda que afligiu mais duramente aos judeus que seus predecessores, não foi ele quem anexou a Judéia
ao império selêucida, dado que já era parte desse domíno quando ascendeu ao trono. As três derrotas
sofridas ali por suas tropas, pouco tempo antes de que morresse, iniciaram um processo que resultou na
independência da Judéia.
As três conquistas de Antíoco IV nestas três esferas geográficas foram insignificantes e inclusive
negativas, em alguns casos. De maneira que não se ajusta bem às especificações da profecia, a qual
declara que o chifre pequeno “cresceu muito para o sul, para o oriente, e para a terra gloriosa”.
b. Atividades antitemplo.

4. Fatores de tempo para o chifre pequeno.


a. Tempo de origem. O surgimento da ponta pequena está datado desde o ponto de vista dos quatro reinos
que saíram do império de Alexandre. Devia surgir “no fim do reinado” deles (8:23).
A dinastia selêucida esteve composta de uma lista de mais de 20 reis que governaram desde 311 até 65 a.C.
Antíoco IV foi o oitavo na lista, e governou desde 175 a 164/3 a.C. Uma vez que mais de uma dúzia de
selêucidas governaram depois dele, e menos de uma dúzia governaram antes dele, dificilmente se pode dizer
dele que surgiu “no fim do reinado” deles.
Seria mais correto fixar o período de seu governo na metade da dinastia; e a cronologia apoia este
argumento. Os selêucidas governaram por um século e um terço antes de Antíoco IV e um século depois
dele. Este fato coloca a este governante particular a duas décadas do ponto médio da dinastia. Desta
maneira, Antíoco IV não surgiu “no fim do reinado”.
b. Duração. Os dados cronológicos dados na pergunta e a resposta de Daniel 8:13, 14, hão sido interpretados
como a duração da profanação do templo ou a perseguição dos judeus. Dispomos de dados precisos para a
interrupção dos serviços do templo e sua contaminação. O ídolo pagão foi estabelecido no altar de ofertas
queimadas no 15o dia do 9o mês do 145o ano da era selêucida, e nesse lugar começaram os sacrifícios
pagãos 10 dias mais tarde (1 Mac 1:54, 59).
Daniel 1 148

No 25o dia do 9o mês do 148o ano da era selêucida, se consagrou o novo altar construído e as celebrações
continuaram até 8 dias mais tarde (1 Mac 4:52, 54). De maneira que aqui está envolvido um período de três
anos, ou de três anos e 10 dias. Nem os 2300 dias literais (6 anos, 4 meses e dois terços de um mês) nem os
1.150 dias literais (compostos por pares de sacrifícios vespertinos e matutinos para fazer dias completos) se
ajustam a este período histórico, desde que inclusive o mais curto dos dois períodos se excede em dois
meses.
c. Fim. Quando Gabriel chegou para explicar a Daniel a visão do capítulo 8, introduziu sua explicação com a
declaração: “Entende, filho do homem, porque a visão é para o tempo do fim” (8:17). Ao começo de sua
verdadeira explicação, Gabriel enfatizou de novo este ponto ao declarar: “Eis que te farei saber o que há de
acontecer no último tempo da ira; porque esta visão se refere ao tempo determinado do fim” (8:19). As
frases “no último tempo” e “tempo do fim” também são essenciais para uma correta identificação da ponta
pequena.
Desde que a terceira e final seção da visão está maiormente relacionada com a ponta pequena e suas
atividades, parece razoável concluir que a ponta pequena pertence mais diretamente ao “tempo do fim”. O
fim da ponta pequena, portanto, deveria coincidir de uma forma ou outra com o “tempo do fim”.
Como mínimo cronológico, as profecias temporais de Daniel (Dn 9:24-27) tinham que estender-se até o
tempo do Messias, no 1o séc. AD. “O tempo do fim” só podia chegar algum tempo depois do cumprimento
dessa profecia. Portanto, não há forma em que se possa haver coincidido a morte de Antíoco em 164/3 a.C.
com o “tempo do fim”, que é quando a ponta pequena chegaria ao seu fim.
5. Natureza do fim do chifre pequeno
De acordo com a profecia, a ponta pequena devia chegar ao seu fim de uma maneira particular: “mas será
quebrado sem esforço de mãos humanas” (8:25). Esta fraseologia soa, de certo modo, de uma maneira similar
com a descrição da sorte para o rei do norte: “mas chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra” (11:45). O
fim da ponta pequena de Daniel 7 aconteceria por uma decisão de Deus na corte celestial. Em Daniel 2, a
imagem chegava ao fim por uma pedra que a golpeava nos pés, e essa pedra era cortada sem o auxílio de
qualquer mão humana (Dn 2:45).
Todas as conclusões para as profecias de Daniel 2, 7, 8 e 11 haveriam de produzir-se pela intervenção direta de
Deus na história humana. Visto que a natureza da declaração que aparece em Daniel 8:25 (e seus paralelos nas
outras profecias de Daniel), é difícil ver como Antíoco IV poderia cumprir esta especificação particular. Até
onde sabemos (cf. 1 Mac 6), ele morreu em 164/3 a.C. de causas naturais – não em uma batalha nem por
circunstâncias extraordinárias – durante o curso de sua campanha pelo oriente.
6. Origem do chifre pequeno
Qual a origem da ponta pequena? De um dos quatro chifres ou de um dos quatro ventos? A importância desta
questão é: se o chifre pequeno se desenvolveu a partir do chifre selêucida (uma das divisões do império grego), então
ele poderia ter sido um rei selêucida semelhante a Antíoco Epifanio. Entretanto, se procedia de um dos ventos, então
não representaria a Antíoco IV, uma vez que ele procederia mais naturalmente do chifre selêucida. A análise da
frase revela que a origem é de um dos quatro ventos, quer dizer, de uma das direções do espaço. A compreensão da
sintaxe dos vv. 8 e 9 indica que quando o chifre pequeno apareceu no cenário da ação, não procedeu do chifre
selêucida nem dos outros três. Na visão panorâmica simplesmente ele é visto como procedendo de uma das direções
do espaço. Deste modo, a sintaxe desta declaração não apoia a pretensão de que o chifre pequeno se desenvolveu a
partir do chifre/reino selêucida.

Interpretação historicista (representada principalmente pelos escritores ASD): Este "chifre pequeno" representa
Roma em ambas as fases, pagã e papal. Daniel viu Roma, primeiramente, em sua fase pagã e imperial, guerreando
contra o povo judeu e os cristãos primitivos e, depois, na fase papal, seguindo até o presente e o futuro, guerreando
contra a igreja verdadeira (sobre essa dupla aplicação, ver com. dos v. 13, 23).

Muito. Do heb. yether, que significa basicamente "restante". Em poucos casos, como neste, o termo descreve o que
está acima da medida, no sentido de deixar um resto. É traduzido como "excelente" (Gn 49:3), "largueza" (Sl 31:23)
e "ainda maior" (Is 56:12). A palavra traduzida como "sobremaneira", em Daniel8:8, é me'od, a palavra mais
comumente utilizada para significar "muito" (66 vezes na ARA). No AT, me'od é traduzida como "grande",
"sobremodo" e "sobremaneira" 54 vezes (Nm 22:3; Gn 15:1; 1Rs 1:4; etc.). Não se pode argumentar que yether (Dn
8:9) represente um grau maior que me'od. Qualquer predomínio de Roma sobre a Grécia deve se provar
historicamente, não com base nestas palavras.
Daniel 1 149

Para o sul. O Egito foi, durante muito tempo, um protetorado não oficial de Roma. Seu destino já estava nas mãos
de Roma em 168 a.C., quando se ordenou que Antíoco Epifânio, que buscava fazer guerra contra os ptolomeus, se
retirasse do país. O Egito, ainda sobre a administração de seus governantes ptolomaicos, foi um peão da política
romana oriental por muitos anos, antes de se tornar província romana, em 30 a.C.

Para o oriente. O império selêucida perdeu suas terras mais ocidentais para Roma, em 190 a.C. e, finalmente,
tornouse a província romana da Síria, em 65 a.C. ou pouco depois.

Para a terra gloriosa. Do heb. tsevi, "ornamento", "decoração", "glória". Aqui, refere-se a Jerusalém ou a Palestina.
Tsevi é traduzido como "gloriosa" em Daniel ll:l6 e 41. A Palestina foi incorporada ao império romano em 63 a.C.

10 Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por
terra e os pisou.

Exército dos céus. Daniel ainda descreve o que viu em visão. Uma vez que o anjo, depois, dá a interpretação (v. 24),
não se é deixado no escuro quanto ao significado do que é descrito aqui. O "exército" e as "estrelas" obviamente
representam "os poderosos e o povo santo" (v. 24).

11 Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar
do seu santuário foi deitado abaixo.

Príncipe do exército. O v. 25 fala deste mesmo poder que se levanta contra o Príncipe dos príncipes. A referência é
a Cristo, que foi crucificado sob a autoridade de Roma (ver com. de Dn 9:25; 11:22).

Dele. Do heb. mimmennu. O hebraico desta passagem apresenta dificuldades de tradução. Uma tradução bem
diferente se encontra na versão grega de Teodócio. Ela diz: "E [isso será] até o capitão ter livrado o cativeiro: e por
causa dele o sacrifício foi interrompido, e ele prosperou; e o lugar santo ficará desolado." Não há como determinar
até que ponto essa versão reflete mais perfeitamente o texto original de Daniel. O texto massorético refletido na ARA
parece no todo ser a tradução mais natural.

Sacrifício diário. Do heb. tamid, palavra que ocorre 103 vezes no AT, usada tanto como advérbio quanto como
adjetivo. Indica algo "contínuo" ou que dura "continuamente", e se aplica a vários conceitos, como emprego contínuo
(Ez 39:14), sustento permanente (2Sm 9:7-13), tristeza contínua (SI 38:17), esperança contínua (SI 7 1:14),
provocação contínua (Is 65: 3), etc. É usada, com frequência, em relação ao ritual do santuário para descrever várias
características de seus serviços regulares, como o "pão contínuo" que era mantido sobre a mesa da proposição (Nm
4:7), a lâmpada que devia estar acesa continuamente (Êx 27:20), o fogo que devia ser mantido acesso no altar (Lv 6:
13), os holocaustos que deviam ser oferecidos dia após dia (Nm 28:3, 6) e o incenso que devia ser oferecido de
manhã e à tarde (Êx 30:7, 8). A palavra em si não significa "diariamente", mas simplesmente "contínuo" ou
"regular". Das 103 ocorrências, ela é traduzida na ARA como "diário" apenas nas cinco ocorrências em Daniel (8:11,
12, 13; 11:31; 12:11). A ideia de "diário" se derivou, evidentemente, não da palavra em si, mas daquilo com o que
estava associada.

Em Daniel 8:11, tamid tem o artigo definido e, portanto, é usado como adjetivo. Além disso, se apresenta
independentemente, sem um substantivo. No Talmude quando tamid é usado de forma independente, como neste
caso, a palavra denota o sacrifício diário. Os tradutores das versões que acrescentaram a palavra "sacrifício",
obviamente entenderam que o holocausto diário era o tema da profecia.

Quanto ao significado de tamid, nesta passagem há três pontos de vista principais:

1. O termo "diário" se refere exclusivamente aos sacrifícios oferecidos no templo em Jerusalém. Alguns eruditos que
defendem esta ideia aplicam a retirada do "diário" à interrupção do serviço do templo por Antíoco Epifânio, por um
período de três anos, 168-165 ou 167-164 a.C. (ver com. de Dn 11:14). Outros a aplicam à desolação do templo pelos
romanos, em 70 d.C.

2. O termo "diário" significa "paganismo", em contraste com "a abominação desoladora" (Dn 11:31), ou o papado.
Ambos os termos identificam poderes perseguidores. A palavra para "diário", com o significado correto de
"contínuo", se refere à longa continuidade da oposição de Satanás à obra de Cristo por meio do paganismo. A
Daniel 1 150

retirada do diário e o estabelecimento da "abominação desoladora" representa a Roma papal substituindo a Roma
pagã, e esse evento é o mesmo descrito em 2 Tessalonicenses 2:7 e Apocalipse 13:2.

3. O termo "diário" ("contínuo") se refere ao ministério sacerdotal contínuo de Cristo no santuário celestial (Hb 7:25;
1Jo 2:1) e à verdadeira adoração de Cristo na era do evangelho. A retirada do "diário" representa a substituição pelo
papado da união voluntária de todos os crentes em Cristo pela união obrigatória com uma igreja visível, da
autoridade de um cabeça visível (o papa) no lugar de Cristo, a cabeça invisível da igreja, de uma hierarquia
sacerdotal no lugar do acesso direto a Cristo para todos os crentes, de um sistema de salvação por obras ordenadas
pela igreja no lugar da salvação pela fé em Cristo e, mais particularmente, do confessionário e da missa no lugar da
obra mediadora de Cristo como sumo sacerdote nas cortes celestiais. Esse sistema desviou por completo a atenção do
ser humano de Cristo e, assim, o privou dos benefícios de Seu ministério.

Além disso, visto que esse terceiro ponto de vista defende que o "chifre pequeno" é um símbolo da Roma imperial
bem como da Roma papal (ver com. dos v. 9, 13), previsões com respeito a suas atividades podem também ser
compreendidas como aplicadas à Roma pagã, bem como à Roma papal. Assim, o "diário" pode também se referir ao
templo terrestre e a seus serviços; e a retirada do "diário" pode apontar para a desolação do templo pelas legiões
romanas, em 70 d.C. e a consequente cessação dos serviços sacrificais. Foi a esse aspecto da atividade da
"abominação desoladora" que Cristo se referiu ao falar dos eventos então futuros (ver com. de Dn 11:31; cf. Mt
24:15-20; Lc 21:20).

Ao comentar sobre esses três pontos de vista, pode-se dizer que o primeiro fica descartado pelo fato de Antíoco não
se ajustar aos períodos de tempo ou a outras especificações da profecia (ver com. de Dn 9:25).

Tanto a segunda interpretação quanto a terceira são defendidas por eruditos adventistas, contudo a terceira é a que
encontra maior aceitação por parte dos estudiosos ASD atualmente. Alguns consideram que o "diário" se refere ao
paganismo, e outros que o "diário" se refere ao ministério sacerdotal do Senhor. (sobre o desenvolvimento histórico
do segundo e do terceiro pontos de vista, ver p. 47-52 do CBA).

(A partir daqui, G. Pfandl, análise de Peters). A raiz verbal rum é usada em seis outras passagens do livro
de Daniel (Dan 5:19 “whom he would he set up [rum];” Dan 5:20 “But when his heart was lifted up [rum]”;
Dan 5:23 “And you have lifted yourself up [rum] against the Lord”; Dan 11:12 “his heart will be lifted up
[rum]”; Dan 11:36 “he shall exalt [rum] and magnify himself”; Dan 12:7 “he held up [rum] his right hand”)
sendo traduzida por lift up ou exaltar. A pergunta é: por que, em Daniel 8:11, é traduzida por “remover,
tirar”?

A razão para esta exceção em Daniel 8:11 é que a raiz verbal rum no Hiphil/Hophal assume um
significado específico nas cláusulas com a preposição min (from) e um objeto direto ou preposicional. M.
Pröebstle fez um estudo das 23 passagens onde rum aparece com a preposição min e objetos direto ou
preposicional (Lev 2:9; 4:8, 10, 19; 6:8; Num 17:2; 18:26, 28, 29, 30, 32; 31:28, 52; 1 Sam 2:8; 1 Reis
14:7; 16:2; Isa 14:13; 57:14; Ezek 45:1; Ps 75:7; 89:20; 113:7; Dan 8:11; todas as referências de acordo
com a Bíblia Hebraica) e chegou às seguintes conclusões:

1. Se o objeto não é pessoal, i.e., um objeto físico ou parte de um animal (morto), rum designa a
atividade de remover ou separar alguma coisa de um grupo maior do qual aquele objeto era uma parte
(Ver Lev 2:9; 4:8, 10, 19; 6:8; Num 17:2; 18:26, 28, 29, 30, 32; 31:28, 52; Isa 14:13; 57:14; Ez 45:1). Para
ilustrar este ponto veja os seguintes textos:

a. Lev 2:9 “the priest shall take [rum] from [min] the grain offering”
b. Num 17:2 "Tell Eleazar . . . to pick up [rum] the censers out of [min] the blaze”
c. Ezek 45:1 “when you divide the land by lot into inheritance, you shall set apart [rum] a district for
the LORD, a holy section of [min] the land”.

2. Se o objeto é uma pessoa, a atividade de separação ou remoção expressada por rum adquire a noção
adicional de exaltação. Uma pessoa é separada de um grupo e elevada a um status superior, geralmente
pelo próprio Deus (Ver 1 Sam 2:8; 1 Reis 14:7; 16:2; Ps 75:7; 89:20; 113:7)
1 Sam 2:8 “[God] lifts [rum] the beggar from [min] the ash heap, To set them among princes”
Ps 113:7 “I have exalted [rum] one chosen from [min] the people.
Daniel 1 151

Em outras palavras, em um contexto cúltico rum no Hiphil/Hophal significa “separar” ou “remover,” mas
quando o contexto se refere a status social significa “exaltar”. Expressões paralelas a rum, e. g., sur
“remover” (Lev 4:9, 31, 35; Ez 21:31; 45:9) e badal no Niphal “separar [a si mesmo]” (Nm 8:14; 16:21)
provê claro apoio para a conclusão de que rum em um contexto cúltico sempre significa “separar,
remover.”

Aplicando os conceitos acima a Daniel 8:11b chegamos às seguintes conclusões:

1. Em Daniel 8:11, em um contexto cúltico, o objeto é impessoal. A palavra rum, portanto, designa a
atividade de remover ou colocar à parte o tamid.
2. A preposição min indica de quem o tamid é removido. E, como indicado acima, a pessoa de quem o
tamid é removido é o Príncipe do Exército, e não o chifre pequeno. (até aqui, G. Pfandl).

Lugar. Do heb. makon. A palavra é usada na frase "para a Casa de Deus, para a restaurarem no seu lugar" (Ed
2:68). Este não é o termo regular para “lugar” no A.T. Makon aparece 17 vezes no A.T., e na maioria das
ocorrências significa “fundação”. A profecia não diz que o chifre pequeno se levantou literalmente até o céu e que
literalmente deitou abaixo o lugar do seu santuário. Mas o chifre pequeno certamente se envolveria em uma atividade
que teria influência no céu concernente à fundação do santuário de Deus. E o que é esta fundação? “Justiça e direito
são o fundamento do teu trono”. (Sal 89:14). “Justiça e juízo são a base do seu trono”. (Sal 89:14).

Como o chifre pequeno tirou o contínuo do Príncipe e lançou por terra o lugar do santuário de Deus? Ao colocar a
intercessão humana nas mãos de sacerdotes, ao estabelecer o uso do confessionário e ao sacrificar novamente a
Cristo em cada missa, este poder religioso eclipsou o ministério celestial de Cristo na mente dos fiéis. Desta forma os
crentes não se achegam diretamente a Cristo, mas usam intermediários como o sacerdote, os santos, ou Maria. Ao
substituir o papel de Cristo no santuário celestial pelo serviço do sacerdote aqui na terra, o chifre pequeno “lançou
por terra”, simbolicamente, “o lugar de seu santuário”, e desta forma o profanou.

Outra atividade da ponta pequena é descrita no verso 12:

12 O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou
por terra a verdade; e o que fez prosperou.

12. Exército. Do heb. tsava', que geralmente significa "hoste" ou "exército" e, algumas vezes, "serviço", como
trabalho voluntário ou militar (ver Jó 7:1; 10:17; 14:14; Is 40:2). Interpretada como "hoste" ou "exército", a previsão
pode se referir às multidões que caíram sob a influência desse poder. O poder se tornaria grandioso, "mas não por sua
própria força" (Dn 8:24; ver com. de Dn 10:1).

O hebraico é um pouco difícil, porém “a tradução mais plausível ... é ‘assim um exército será estabelecido sobre o
diário ... em um ato de rebelião’”.221 O verbo nathan – “entregar” [ARA]), quando usado com a preposição le,
significa com bastante frequência “apontar alguém sobre”, “colocar sobre” (ver Dn 11:21). 222 O que o texto parece
estar dizendo é que, uma vez que o chifre pequeno usurpou o contínuo, ele imediatamente designou uma hoste ou
exército sobre ele, para controlá-lo ou ministrá-lo.

A frase hebraica “em transgressão/rebelião” é difícil de traduzir. A versão Almeida Revista e Atualizada
(ARA) traduziu-a “por causa das transgressões”, sugerindo que o que aconteceu ao contínuo e ao santuário foi o
resultado da rebelião do povo de Deus – que Deus estava punindo a Seu povo. Mas esta posição não parece ser
correta porque o livro de Daniel nunca considera a perseguição e o sofrimento dos santos como uma punição por
seus próprios pecados.223 Eles, como Daniel e seus companheiros, são perseguidos em razão de sua inabalável
lealdade a Deus. Esta transgressão ou rebelião “é certamente a ofensa da ponta pequena”. 224 Podemos traduzir a frase
hebraica, então, como “no curso da transgressão” ou “em um ato de rebelião”.

221
John E. Goldingay, Daniel (Dallas, TX: Word, 1989), 197.
222
F. Brown, S. R. Driver, & Charles A Briggs, Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford:
Clarendon Press, 1951), 680.
223
Ver John J. Collins, Daniel: A Commentary on the Book of Daniel (Minneapolis: Fortress, 1993), 335.
224
Ibid.
Daniel 1 152

Daniel nos está informando que a atividade da ponta pequena contra o contínuo e o santuário celestial é, em
essência, a manifestação de um espírito de rebelião contra Deus. Sua obra pode ser definida através de uma única
palavra – “rebelião” (hebr.) Peshac é um dos termos mais fortes para pecado no AT, porque designa o pecado como
um ataque contra a soberania de Deus. A pessoa “que comete um peshac não se rebela simplesmente contra Yahweh
ou se insurge contra Ele, mas rompe com Ele, tira aquilo que é Seu, rouba e defrauda, coloca suas mãos sobre aquilo
que Lhe pertence”. Este entendimento do termo peshac descreve de maneira precisa a atividade do chifre pequeno. 225

Deitou por terra a verdade. O verbo “lançar/deitar” é usado novamente pelo profeta, mas desta vez é seguido por
uma frase indicando a direção da ação (“deitou por terra” [ARA]). O termo “verdade” neste contexto parece referir-
se à verdade sobre o diário e o santuário. Então, a declaração “deitou por terra a verdade” é um sumário da obra da
ponta pequena. Esta verdade é suficientemente abrangente para englobar a revelação do plano redentivo de Deus,
bem como a revelação de Sua vontade para nossas vidas (cf. Mal 2:5-8). Deitar a verdade por terra deve ser
compreendido metaforicamente. Significa desprezar, desconsiderar, rejeitar a verdade. Estas ideias já estão presentes
no contexto.

A descrição da obra da ponta pequena termina com a declaração “e o que fez prosperou” (Dn 8:12). A ponta
pequena cresceu em poder sem qualquer oposição significativa, chegando mesmo até o céu. Mas este estado de
coisas não seria permanente. (Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review
Supplement, set. 1994, 7).

13 Depois, ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando
durará a visão do sacrifício diário e da transgressão assoladora, visão na qual é entregue o
santuário e o exército, a fim de serem pisados?

‫ד־מ ַתי ֶה ָחזֹון ַה ָת ִמיד וְׁ ַה ֶפ ַשע ש ֵֹמם ֵתת‬


ָ ‫אמר ֶא ָחד ָקדֹוש ַל ַפ ְׁלמֹונִ י ַה ְׁמ ַד ֵבר ַע‬ ָ ‫ וָ ֶא ְׁש ְׁמ ָעה ֶא ָח‬31
ֶ ֹ ‫ד־קדֹוש ְׁמ ַד ֵבר וַ י‬
‫וְׁ ק ֶֹדש וְׁ ָצ ָבא ִמ ְׁר ָמס׃‬

¿Até quando? O verso 13 inicia a seção da audição da profecia, que inclui importante referência ao santuário. Neste
verso se registra uma pergunta apresentada por um ser celestial: “ad-matay hehazon?” Geralmente ad-matay é
traduzida como “how long…?” ou “for how long be the vision…?” em todas as versões inglesas mais conhecidas.

Qual o significado de ad-matay? A primeira palavra, ad, é uma preposição temporal que deveria ser traduzida “até”.
Está unida ao advérbio interrogativo temporal, matay, significando “quando”. Assim, a tradução desta expressão é
“até quando?” Esta expressão aponta para aquilo que deveria ocorrer no final do período de tempo e depois.
Adicionalmente, deve ser observado que no AT, o advérbio interrogativo de tempo é usado somente para tempo
futuro.226

É uma noção comum, mas equivocada, de que a ênfase é sobre o inteiro período de tempo das 2300 tardes e manhãs.
Geralmente se interpreta a pergunta a partir da referência seguinte no verso acerca da “transgressão assoladora, visão
na qual é entregue o santuário e o exército, a fim de serem pisados”. Esta seria uma referência, portanto, ao período
durante o qual o santuário seria desecrado.227

Entretanto, a ênfase na questão do verso 13 realmente é sobre o ponto final das 2300 tardes e manhãs e o que deveria
ocorrer desde aquele ponto de tempo em diante. A ênfase não é sobre a duração (how long) e sim sobre a
terminação (até quando) e o que segue. Esta percepção exegética encontra apoio contextual no temporal “até” ( ad)
na resposta do verso 14a, que por sua vez é seguido por “então” (waw após informação temporal) na última parte do
verso 14.

Deve ser notado também que a ênfase explícita na visão-audição do capítulo 8 focaliza sobre o tempo do fim. O anjo
intérprete informa a Daniel em termos explícitos que “esta visão se refere ao tempo do fim” (v. 17, ARA); e
novamente, “a visão da tarde e da manhã ... é verdadeira”, mas “se refere a dias ainda mui distantes” (v. 26, ARA).
No verso 19 o encorajamento vem de que a visão “se refere ao tempo determinado do fim” (ARA). Esta ênfase sobre

225
Ángel M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set. 1994.
226
Ver Hartman & Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY: Doubleday, 1978), 226.
227
Ver, por ex., Gleason L. Archer, “Daniel”, em The Expositor’s Bible Commentary (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 1985), p. 102.
Daniel 1 153

o tempo do fim no capítulo 8 corrobora o significado do tempo do fim do diálogo pergunta-resposta nos versos 13-
14.228

Literalmente: “até quando a visão?” O sujeito de ad-matay, “até quando”, é hehazon, “a visão”, sendo que os
demais elementos do verso estão em aposição a “visão”.

Uma pergunta importante: a que visão está-se referindo o ser celestial?

O termo para visão utilizado no verso 13 é hazon, que se refere a uma visão simbólica, como se encontra registrado a
partir do início do capítulo 8, com personagens simbólicos como o carneiro, o bode, o chifre pequeno, etc. Para
identificar a visão hazon mencionada pelo ser celestial, é necessário encontrar sua utilização prévia neste capítulo. E
onde a encontramos? Nos versículos 1 e 2, onde é utilizada por três vezes. Desta forma, pode-se concluir com certeza
de que a visão referida pelo anjo é a visão simbólica do carneiro e do bode, incluindo o chifre pequeno e suas
atividades, e que se estende, de acordo com o anjo, até o tempo do fim (cf. 8:17, 26).

Quando o ponto de terminação da visão tiver sido alcançado, alguma coisa relacionada com o santuário deveria
acontecer,229 e que será mencionada no verso seguinte.

Sacrifício contínuo. Como anteriomente, aqui se usa hattamid. O termo “sacrifício” foi acrescentado pelos
tradutores. Desta forma, tamid, que é substantivo, se torna um adjetivo de “sacrifício”. Não é uma boa tradução, pois
muda o sentido do texto, e favorece a interpretação que identifica a Antíoco Epifânio como o chifre pequeno de Dn
8. O significado, portanto, é o mesmo dado no v. 11, ou seja, o ministério sumo-sacerdotal do Príncipe do exército no
santuário celestial.

Transgressão assoladora. Aqui se emprega o termo do AT mais sério com relação ao pecado – peshah – e adiciona
o qualificador: “assolador”, “abominável”, “horror”. É uma expressão horrível de pecado, que, julgando pelo
contexto, foi perpetrado no santuário. Para o CBA, “este termo abarca tanto o sistema pagão como o sistema papal de
falsa religão em luta com a religião de Deus” (ver com. vers. 9, 11).

A resposta à pergunta do ser celestial (v. 13) acerca da visão e os eventos vinculados com ela é fornecida numa curta
sentença no verso 14.

‫ּושֹלש ֵמאֹות וְׁ נִ ְׁצ ַדק ק ֶֹדש׃‬ ֶ ֹ ‫ וַ י‬31


ְׁ ‫אמר ֵא ַלי ַעד ֶע ֶרב ב ֶֹקר ַא ְׁל ַפיִ ם‬
14. “Até 2300 tardes e manhãs, e o santuário será purificado”.

Três elementos constitutivos da profecia:


(1) temporal (2300 tardes e manhãs),
(2) entidade (santuário) e
(3) evento (purificação).

Cada elemento deve ser corretamente identificado para se obter uma correta interpretação da profecia.

Interpretação do elemento temporal: as 2.300 tardes e manhãs.

A interpretação deste elemento está diretamente vinculada à identificação do chifre pequeno anteriormente
mencionado neste capítulo. Os eruditos que assumem que o chifre simboliza a Antíoco IV Epifânio entendem que o
tempo aqui mencionado deve ser compreendido como tempo literal. Assim fazendo, procuram harmonizar as 2.300
tardes e manhãs com o período durante o qual este rei selêucida assolou o templo de Jerusalém. Este período é muito
bem situado historicamente, segundo o relato encontrado nos capítulos iniciais do primeiro livro dos Macabeus (1
Mac 1:54; 4:52-53). Pelas informações fornecidas neste livro, a desolação do santuário em Jerusalém durou
exatamente três anos (25 de kislev de 167 a 25 de kislev de 164), ou a duração foi de três anos e dez dias, se se
considerar que no dia 15 de kislev de 167 foram levantados altares em cidades judaicas. Considerando estes eventos,

228
Hasel, G. F. “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14”, em
Symposium on Daniel, 429-430.
229
Hasel, 433.
Daniel 1 154

historicamente reconhecidos, alguns intérpretes concluem que aqui se cumpriu a profecia anteriormente mencionada
no v. 13, da transgressão assoladora.

Para chegar a tal conclusão, entretanto, tais intérpretes entendem que aqui se faz referência aos sacrifícios da manhã
e da tarde, que eram oferecidos no santuário. Considerando que eram dois sacrifícios – um pela manhã e outro pela
tarde – , eles dividem 2.300 por dois e assim alcançam o resultado de 1.150 dias. Este período final é interpretado
então como aquele correspondente aos três anos durante os quais o templo foi profanado por Antíoco IV. Entretanto,
como um simples cálculo matemático torna bastante claro, ainda assim alguma coisa está faltando. Deve-se observar
que 3 anos de 360 dias, se se utiliza um calendário lunar, em que cada mês é de 30 dias, alcança um total de 1.080
dias, o que significa que faltam 70 dias para se completar os 1.150 propostos pelos intérpretes. Por outro lado,
utilizando-se um calendário com 365 dias, alcança-se um total de 1.095 dias, que também não se encaixa na
proposta, pois faltam 55 dias para se chegar aos 1.150. Qualquer que seja o calendário escolhido, não há um ajuste
perfeito. No seu melhor, esta proposta não passa de uma aproximação. Para aqueles que crêem na inspiração bíblica,
isto não é satisfatório, pois se espera que a revelação divina tenha um cumprimento claro e inequívoco.

Várias razões contrariam a tese preterista:

1. “Oferta queimada” ou “sacrifício diário” não está no texto de Daniel 8.


2. O ciclo de ofertas queimadas e toda a atividade sacerdotal diária no santuário é manhã-tarde, e não tarde-manhã.
3. Em Números 28, os dois sacrifícios diários fazem uma unidade.

“Cada dia, de manhã e à tarde, oferecem holocaustos...” 2 Cro 13:11

“A contribuição... era destinada para os holocaustos, para os da manhã e os da tarde”. 2 Cro 31:3

“Ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor, de manhã e à tarde”. Esdras 3:3

Seguindo o método historicista, interpretamos as 2300 tardes e manhãs simbolicamente, porque:

1. o contexto é simbólico (animais, chifre pequeno, etc.;


2. a natureza das unidades (tarde-manhã) é simbólica; e
3. a quantidade (2.300) em que se expressa o tempo também é simbólica.

Tardes e manhãs. Do heb. 'ereb boqer, literalmente, "tarde manhã", expressão que se compara à descrição dos dias
da criação: "Houve tarde e manhã, o primeiro dia" (Gn 1:5), etc. Na LXX, a palavra "dias" vem depois da expressão
"tardes e manhãs".

Na tentativa de fazer coincidir, ainda que aproximadamente , este período com os três anos da devastação do templo
por parte de Antíoco IV, alguns sutilmente contaram as "2.300 tardes e manh ãs" como 1.150 dias literais. A respeito
disso, C. F. Keil advertiu que o período profético das 2.300 tardes e manhã não pode ser entendido como "2.300
meio-dias nem como 1.150 dias inteiros, porque tarde e manhã na criação constituem não a metade, mas o dia
inteiro". Depois de citar essa declaração, Edward Young diz: "Por isso, devemos entender que a frase significa 2.300
dias" (The Prophecy of Daniel, p. 174).

Comentaristas têm tentado, mas sem êxito, encontrar algum acontecimento na história que se ajuste ao período de
2.300 dias literais. Como observa Wright: "Contudo, todos os esforços para harmonizar o período, seja de 2.300 dias
ou de 1.150 dias, com qualquer época histórica precisa mencionada no livro dos Macabeus ou em Josefo provaram-
se inúteis. [. ..] O professor Driver tem razão ao declarar: 'Parece impossível encontrar dois eventos separados por
2.300 dias (= 6 anos e 4 meses) que corresponda à descrição"' (Charles H. H. Wright, Daniel and His Prophecies,
1906, p. 186, 187). A única forma de se dar consistência a esses "dias" é computá-los no sentido profético mediante a
aplicação do princípio dia-ano.

O tempo mencionado aqui é específico e definido, mas, em Daniel 8, não se indica nenhuma data para seu início.

As evidências internas permitem determinar, ainda que não de maneira tão precisa, o período em que se encaixa
a visão de Daniel 8:14. Deve-se ressaltar que a pergunta do anjo em Daniel 8:13 inquiria sobre “a extensão da
visão, e não sobre a extensão das atividades do chifre pequeno”.230 De acordo com Shea, “as atividades do chifre
230
Shea, Daniel 7-12, 106.
Daniel 1 155

pequeno estão incluídas na visão, e realmente marcam sua culminação, mas elas não são tudo o que há na
visão”.231 Por ser tão inclusiva, a visão abarca “desde o carneiro persa até o chifre pequeno”.232

Esta referência ao carneiro persa indica que o início da visão coincide com o período de domínio do
império medo-persa, cujo início é datado no ano 539 a.C. e que haveria de continuar até o ano 331 a.C. 233 A data
de início para a visão, portanto, é delimitada por estes dois pontos extremos, ou seja, em algum momento entre
539 a.C. e 331 a.C., teria início o período profético das 2.300 tardes e manhãs. O ponto de partida específico
para a visão se encontra no capítulo 9 do livro de Daniel, que se vincula fortemente com o capítulo 8. Tais
vínculos se apresentam a seguir.

Vínculos entre os capítulos 8 e 9 de Daniel

As conexões podem ser resumidas assim:

1. El verbo hatak, cuyo significado más probable en Daniel 9 es “cortar”, y que se utiliza en relación a
las 70 semanas, indicando que este período de tiempo fue “cortado” de otro período. El período de tiempo más
largo inmediatamente disponible, desde el cual se podría “cortar” las semanas, es el de los 2300 días del capítulo
8. Este verbo solo ocurre esta única vez en el Antiguo Testamento. Entretanto, las fuentes judaicas post-bíblicas
atestiguan que en el hebreo post-bíblico, a la excepción de un ejemplo, todas las ocurrencias de la palabra
significan “cortar”.234

2. Los dos capítulos también se vinculan por su alusión al “tiempo” referido en ambas profecías. El
único elemento de la visión no explicado por el ángel fue el temporal y fue acerca de este elemento que Daniel
estuvo especialmente “espantado” (8:27). Así, cuando el ángel volvió (cap. 9) sería de esperar que explicara el
elemento acerca del cual el profeta no había sido instruido en la visión del capítulo 8. 235 No capítulo 9 se
encontra um elemento temporal que constitui uma explicação parcial, mas significativa, do elemento encontrado
no capítulo 8. A ênfase principal do período de tempo anterior é colocada sobre o fim da profecia. Daniel 9
enfatiza o começo do período de tempo e os eventos que levariam à inauguração da obra do Messias no santuário
celestial. Uma vez que o santuário foi ungido (9:24), o ministério diário do Príncipe começou.
Ambos períodos proféticos começam durante o tempo do império Medo-Persa. Daniel 9 define mais
precisamente este momento histórico ao identificá-lo como o tempo quando o decreto para restaurar e reedificar
Jerusalém é emitido (v. 25).

3. Adicionalmente, se debe subrayar la conexión lingüística directa existente entre ambos capítulos, que
se demuestra a través del uso del término “visión”. En hebreo, dos son las palabras usadas para “visión” en el
libro de Daniel: mar’eh y hazon. En el capítulo 9 Gabriel vino para hacerle entender a Daniel la visión mar’eh.
Mas no capítulo 9 não há visão. Portanto, o anjo está se referindo a uma visão que o profeta teve antes. Mar’eh é
o mesmo termo usado em Daniel 8:26 (“La visión [mar’eh] de las tardes y mañanas...”) para designar a “visão”
lidando com o período de tempo das 2300 tardes e manhãs. (Daniel 8:14 - “Hasta dos mil trescientas tardes y
mañanas;...”). Así se establece este vínculo terminológico.236 La tesis de Shea es que “las dos palabras... no se
usan como sinónimos sino que se usan como términos técnicos para referirse a diferentes aspectos de esta
profecía y que Dios usó la palabra mar’eh para llamar la atención de Gabriel y Daniel para un aspecto particular
de esta profecía”.237 É importante observar que a parte da visão (hazon) em Daniel 8 que o profeta não entendeu
foi aquela lidando com os 2300 anos, que ele chama a mar’eh (v. 27). O verbo que Daniel usa, bin (!yb -

231
Ibid.
232
Ibid., 107. Ver também, Idem, “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 249-
250).
233
Idem, Daniel 7-12, 107.
234
Ibid., 107-108. Idem, “Unity of Daniel”, 229-230. Para um estudo mais amplo sobre este verbo, ver, Idem, “The
Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 241-246).
235
Idem, Daniel 7-12, 107-108. Um estudo mais completo se encontra em, idem, “The Relationship Between the
Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 228-250.
236
Idem, Daniel 7-12, 108-9. Ver também, A. M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”,
Adventist Review Supplement, set. 1994, 11.
237
Shea, “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 235. Uma discussão sobre o uso
destes dois termos no livro de Daniel se encontra em, ibid., 232-239. Ver também, Hasel, “The ‘Little Horn,’ the
Heavenly Sanctuary and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14", 434-436.
Daniel 1 156

“entender”), é usado novamente em Daniel 9:23 quando Gabriel lhe diz, “entende [bin] a visão [mar’eh]” (ha,r>M;B;
!behw' >). Em outras palavras, o anjo veio para orientar a Daniel na compreensão daquilo que o profeta não havia
compreendido antes no capítulo 8.

4. Las conexiones temáticas giran alrededor de tres temas que ambos capítulos comparten, involucrando tres
elementos principales:
a. El primero se refiere al “Príncipe” (´sar), contra quien se “engrandeció” y se “levantó” el cuerno
pequeño (8:11 y 25). El “Mesías Príncipe” (nagid) también sufre una agresión en el capítulo 9, y su
vida es “quitada” (vv. 25-26).
b. El segundo elemento dice respecto al “santuario”, que tuvo su “lugar... echado por tierra” en el capítulo
8 (v. 11), mientras que en el capítulo 9 el santuario es “destruido” (v. 26).
c. Finalmente, hay una referencia a los sacrificios. En Daniel 8:12 el cuerno pequeño quitó el continuo
(tamid), mientras en 9:27 cesarían el sacrificio (zebah) y la ofrenda (minhah) (Shea, “The Relationship
Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 249). En la ley levítica minhah es la palabra común
que indica una ofrenda de cereales. Una ofrenda especificada de "flor de harina" acompañaba al
sacrificio de la tarde y de la mañana (Núm. 28: 3-8). (CBA – 9:21).

Estes argumentos, derivados de uma análise das próprias profecias, vinculam os capítulos 8 e 9 de
Daniel, e proporcionam os dados necessários para os cálculos cronológicos pertinentes. Em consequência, pode-
se tomar “o preciso ponto cronológico” para o início das 70 semanas e “usá-lo como o ponto de partida para o
período” dos 2300 dias.238

Conteúdo das 70 Semanas

Considerando que la profecía se refiere de manera específica a la ciudad de Jerusalén, y no solamente al


templo, este aspecto debe ser observado cuidadosamente. Nos livros de Esdras y Nehemías, encontram-se quatro
decretos. Os dois primeiros (Esdras 1 y 6) se refieren solamente al templo. El tercer decreto (Esdras 7),
relacionado con la ciudad de Jerusalén, conforme lo especificado por Gabriel, fue dado por Artajerjes en el año
457 a.C., marcando así el inicio del período.

1. CIRO - 538 A. C. (Esdras 1:2-4)


Permissão para os judeus retornarem para Judá.
Autorização para reconstruir o Templo.
Reconstrução do altar no átrio do Templo.
Oposição dos Samaritanos - Interrupção da Obra.

2. Dario I - 520 a. C. (Esdras 6:1-12)


a. decreto para a reconstrução do templo.
b. templo concluído e dedicado 4 anos mais tarde em 516 a.C. (vv. 15-18).

Nenhum destes dois decretos afetaram a arruinada cidade de Jerusalém.


Outros seriam necessários.

4. Artaxerxes I (444 a.C.)

Renovação do decreto dado a Esdras. Foi dado a Neemias, nomeando-o governador de Judá, com permissão e
responsabilidade para reconstruir a cidade (Nee 1, 2).

A carta de autorização dada a Neemias serviu meramente para complementar o decreto dado a Esdras.

3. Artaxerxes I - 7º ano (457 a.C.)


a. dado ao próprio Esdras (Ed 7:12-26)
b. autoridade para instalar oficiais públicos

238
Shea, “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9", 250. Ver também, G. F. Hasel,
“Revelation and Inspiration in Daniel”, Min, outubro 1974, 20-23; idem, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly
Sanctuary and the Time of the End: A “Study of Daniel 8:9-14", em Symposium on Daniel, 436-438.
Daniel 1 157

c. requisitar fundos do tesouro real


d. ensinar a lei de Deus aos não-judeus

O decreto deveria autorizar a restauração da cidade. O verbo traduzido “restaurar” não se refere à reconstrução física
da cidade, mas antes ao retorno da cidade para os judeus, a fim de que ela fosse administrada segundo as suas
próprias leis (1 Reis 20:34; 2 Reis 14:22).

O decreto de Artaxerxes em 457 a.C. incluiu vários elementos importantes, a maioria dos quais não estava
presente nos decretos anteriores. Ele (1) deu permissão aos exilados para retornarem para Jerusalém; (2) fundos
foram designados para os servicos do Templo; (3) o Templo e o pessoal do Templo foram isentados do
pagamento de impostos; (4) Esdras deveria investigar a condição do povo de Judá, possivelmente a fim de levar
a todos a viver em harmonia com a lei mosaica; e (5) ele deveria estabelecer um sistema legal baseado na Torah
para todos os judeus na Judéia e por toda a província do Trans-Eufrates. Este último ponto incluiu o
estabelecimento de magistrados e juízes para implementar a lei.

O decreto de 457 a.C. foi suficientemente abrangente para incluir a reconstrução da cidade. Esdras relata que os
exilados que foram autorizados por Artaxerxes a retornar para Jerusalém iniciaram imediatamente a reconstrução
a cidade (Esd 4:7-23; cf. 9:9). Seus inimigos foram bem-sucedidos em interromper o processo de reconstrução,
não porque a reconstrução da cidade foi considerada ilegal, mas porque eles temiam que poder garantido pelo rei
aos judeus poderia levar a uma insurreição. Vários anos mais tarde Artaxerxes renovou o decreto original e
autorizou Neemias a regressar para Jerusalém e finalizar o projeto (Nee 1).239

Assim, o decreto dado a Esdras é o que melhor se encaixa na especificação da profecia em Daniel 9:25. Este foi
o decreto inicial que levou à restauração e reedificação da cidade de Jerusalém.

Datando o decreto

As linhas de evidência que permitem fixar os anos do reinado de Artaxerxes são: (1) fontes históricas clássicas,
(2) o Cânon de Ptolomeu, (3) os papiros de Elefantina, (4) tabletes comerciais babilônicas, e (5) fonte
astronômica babilônica.240

1. Historiadores gregos – Heródoto preservou algumas destas datas através da datação das olimpíadas.
2. Cânon de Ptolomeu – astrônomo que viveu em Alexandria no 2º séc. AD. Preparou uma tabela
correlacionando os anos de reinado de certos governadores do mundo antigo com eclipses astronômicos.
Esta lista cobre até o 8 séc. a.C. Alguns dos eclipses ocorreram durante o reinado de Artaxerxes e ajudam a
fixar suas datas.
3. Tabletes comerciais babilônicos - cobrem um período que se estende do 7º séc. a.C. ao 1º séc. AD. Dados
sobre o reino de Artaxerxes podem ser localizados nestes tabletes.
4. Papiros de Elefantina – apresentam dois conjuntos de datas: um utiliza o calendário egípcio e outro o
calendário persa-babilônico. Estes papiros são cartas e documentos comerciais escritos em aramaico por
judeus servindo no exército persa na ilha de Elefantina no Nilo. Desde que os calendários egípcio e persa-
babilônico operavam em maneiras diferentes, estas datas duplas servem para checar uma a outra e ajudam a
fixar os anos de reinado dos reis durante os quais eles foram escritos. Alguns destes documentos vêm do
tempo de Artaxerxes.

Papiros de Elefantina - Uno de los papiros de doble fecha descubierto en la colonia Judía de Elefantina, Egipto (ver
t. III, pp. 106-111), fue escrito en el año de ascensión al trono de Artajerjes en enero del 464 a. C. Este es el único
documento judío de ese año que se conozca. Comparándolo con otros registros antiguos, se puede deducir que,
mediante el cómputo judío, el "comienzo de su reinado" o "año ascensiones" (ver t. II, pp. 141-143) comenzó
después del Año Nuevo Judío de 465 a. C. y terminó en el siguiente Año Nuevo judío, en septiembre-octubre del 464
a. C. Entonces, su "primer año" (su primer año calendario completo) habría ido desde septiembre-octubre del 464 a.
239
Ángel M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set.
1994, 13.
240
Shea, “When Did the Seventy Weeks of Daniel 9:24 Begin?”, Journal of the Adventist Theological Society,
2/1 (1991): 126-135; idem, Daniel 7-12, 64-66. Ver também Shea e Goldstein, “1844, A People of Prophecy”,
AtR, 3 setembro 1992, 8-11. Cf. seus últimos estudos em, Shea, “Who Succeeded Xerxes on the Throne of
Persia?”, JATS 12/1 (2001): 83-88; idem, “Supplementary Evidence in Support of 457 B.C. as the Starting Date
for the 2300 Day-Years of Daniel 8:14”, JATS 12/1 (2001): 89-96).
Daniel 1 158

C. hasta septiembre-octubre del 463 a. C. El 7° año de Artajerjes se extendería entonces, desde el otoño (septiembre-
octubre) del 458 a. C. hasta el otoño del 457 a. C. Las disposiciones del decreto no fueron llevadas a cabo hasta
después de que Esdras volvió de Babilonia, lo que ocurrió entre julio y septiembre del 457 a. C. 241

Todas as linhas de evidência apontam para a mesma conclusão cronológica: Xerxes morreu em 465 a.C., e
Artaxerxes foi entronizado na parte final do mesmo ano. Sob o sistema Persa e Babilônico de computação dos anos
de reinado, o restante do ano durante o qual havia morrido o rei era considerado o ano 0 (zero) do novo rei que o
sucedia. Era chamado seu “ano de ascensão”. O primeiro ano oficial do novo rei começava com o próximo novo ano
que começava na primavera. Segundo este cômputo, o sétimo ano de Artaxerxes começou na primavera de 458 a.C.
e findou na primavera de 457 a.C. Assim, pelo calendário Persa, Esdras teria começado sua jornada a partir de
Babilônia na primavera de 458 a.C. e chegado a Jerusalém no verão daquele mesmo ano. 242

Os judeus, entretanto, consideravam o começo do novo ano no outono, de acordo com o calendário civil pelo qual
eles registravam os reinados de seus próprios reis e reis de outras nações. (Os judeus também usavam um calendário
religioso, que iniciava o ano em um tempo diferente). Assim, pelo calendário civil judaico, o sétimo ano de
Artaxerxes teria começado no outono de 458 a.C. e findado no outono de 457 a.C. Por este cômputo, Esdras teria
começado sua jornada rumo a Jerusalém na primavera de 457, chegando lá no verão do mesmo ano. Desde que
Esdras usou o calendário civil judaico, e não o calendário Persa, deveríamos aplicar sua data – 457 a.C. – ao decreto
de Artaxerxes relacionado com a reconstrução de Jerusalém, antes que 458 a.C., como o teriam considerado os
Persas. A data de 457 a.C. fornece o ponto de partida para a profecia das setenta semanas que aparece em Daniel
9:24.

Alguns têm sugerido que durante o período pós-exílico os judeus usaram um calendário primavera-a-primavera e
que, consequentemente, o sétimo ano do rei seria 458 a.C. As evidências bíblicas, entretanto, apontam para uma
conclusão oposta. Estudos feitos na cronologia dos reis de Judá indicam que o calendário civil usado em
Jerusalém ia de outono a outono. Este também foi o caso durante o período do exílio (Ez 1:2; 8:1; 40:1), e
durante o tempo de Esdras e Neemias (Nee 1:1; 2:1). O calendário de Esdras era do tipo outono-a-outono, de
maneira que o sétimo ano de Artaxerxes foi 457 a.C.243

Profecia concernente ao Messias

“Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém,
até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas...” (Dn 9:25)

7 semanas
69 semanas 483 anos
62 semanas

457 a.C. Decreto para restaurar e reedificar Jerusalém


408 a.C. Término das primeiras sete semanas (49 anos)
27 A.D. Depois das 69 semanas (483 anos) o Príncipe seria ungido
(batismo de Jesus – Lc 3:1, 21)

457 a.C. 27 AD

Tecnicamente, Jesus tornou-Se o Messias quando foi ungido.

Em Seu batismo, ocorrido em 27 AD, Jesus foi ungido pelo Espírito Santo.

“para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna...” (9:24)

241
Ver CBA, vol. III, pp. 103-108, um estudo de Esdras 7 e a precisão histórica da data 457 a. C. como 7° ano de
Artaxerxes. Ver um estudo completo do tema em S. H. Horn e L. H. Wood, The Chronology of Ezra 7. Ed. rev.
1970.
242
Shea, Daniel 7-12, 65.
243
Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set. 1994, 13.
Daniel 1 159

Expiação era central ao sistema do santuário hebreu (Lv 4 e 16). Mas a expiação mencionada aqui vai além daquela
que se realizava no santuário terrestre.

Daniel 9:24 apontava para uma grande expiação final: a expiação de Jesus Cristo na cruz do calvário.

“Depois das sessenta e duas semanas será morto o Ungido, e já não estará...” (Dn 9:26)
“Ele fará firme aliança com muitos por uma semana; na metade da semana fará cessar o sacrifício” (Dn 9:27)

31 AD - Morte do Messias – metade da semana.

“para selar a visão e a profecia” – PROFETA

34 AD Apedrejamento de Estêvão (Atos 6:12-7:60)


e o evangelho alcança o mundo gentio (Atos 9, 10).
Em algum ponto durante os 1810 anos restantes (2300 menos 490 = 1810) a ponta pequena
interferiu com a obra sacerdotal do Príncipe no lugar santo (ver Daniel 7:25; 12:11).
1844 AD Toda a visão de Daniel 8 é cumprida.
A obra diária do Príncipe dá lugar ao dia escatológico da expiação.
A usurpação do diário pela ponta pequena chega ao fim.

Esta certamente é uma profecia impressionante, única na Bíblia. Seu cumprimento exato mostra que Deus é
realmente o Senhor da história e que Ele não nos deixou na ignorância concernente ao desenvolvimento do plano
da salvação dentro desta história. A profecia está realmente interessada na obra de nosso Senhor e Salvador,
Jesus Cristo. Através de cuidadoso estudo das Escrituras, intensa oração, e a orientação especial do Espírito
Santo, nossos pioneiros encontraram nesta profecia sobre Cristo a razão para a existência do remanescente. 244

Identificando o santuário de Daniel 8:14


Santuário. De fato, é evidente que o texto em análise não faz referencia ao tabernáculo do deserto, visto que já não
mais existía. De igual forma, a pregunta não dizia respeito ao primeiro templo, ou templo de Salomão, uma vez que
jazia em ruínas desde a destruição de Jerusalém no ano 586 a.C. É verdade que a profecía predizia a reconstrução
desse templo, porém também predisse a sua destruição em Dn 9:26b (“E o povo de um príncipe que virá, destruirá a
cidade e o santuário”), o que realmente aconteceu em 70 AD mediante ação do exército romano. Além disso, a
análise contextual de Daniel 8 revela que a referencia é ao santuário celestial, que seria ungido ou dedicado por
ocasião da ascensão de Jesus no ano 31 AD. Os versículos 10-12 indicam que o chifre pequeno dirige suas atividades
simbolicamente em direção ao céu, o que permite concluir que o santuário referido em 8:14 é o celestial, o santuário
da nova aliança, "que o Senhor erigiu, não o homem" (Hb 8:2; GC, 411-417). Cristo é o sumo sacerdote desse
santuário (Hb 8:1). João anteviu um tempo quando se daria atenção especial ao "santuário de Deus, o seu altar e os
que naquele adoram" (Ap 11:1). Os símbolos empregados pelo revelador são notavelmente similares aos empregados
em Daniel 8:11 a 13.

Identificando o evento: a purificação do santuário

Será purificado. Do heb. tsadhaq, "ser justo", "ser reto". O verbo ocorre na forma nifal apenas nesta passagem, o
que sugere um significado especial ao termo. Lexicógrafos e tradutores sugerem significados diversos, como "ser
posto em retidão" ou "ser posto numa condição reta", "ser retificado", "ser declarado reto", "ser justificado" e "ser
vindicado". A tradução "será purificado" é a tradução da LXX, que aqui apresenta a forma verbal katharisthesetai.
Não se sabe se os tradutores da LXX adaptaram o significado do heb. tsadhaq ou se traduziram a partir de
manuscritos empregando uma palavra hebraica diferente, talvez tahar, a palavra hebraica comum para "estar limpo",
"limpar". A Vulgata tem a forma mundabitur, que também significa "limpo" (ver com. de Dn 9:24).

Para determinar o acontecimento relacionado ao santuário celestial referido neste versículo, é útil examinar os
serviços do santuário terrestre, pois os sacerdotes desse santuário ministravam "em figura e sombra das coisas
celestes" (Hb 8:5). Os serviços no tabernáculo do deserto e no templo consistiam de duas divisões principais: os
diários e os anuais. A ministração diária de Cristo como sumo sacerdote foi tipificada nos serviços diários. O Dia da
Expiação anual tipificava uma obra que Cristo realizaria no final dos tempos (para uma discussão detalhada dessas

244
Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set. 1994, 13.
Daniel 1 160

duas fases do ministério sacerdotal, ver com. de Lv 1:16; ver também GC, 418-432). A profecia de Daniel 8:14
anuncia o tempo para o início dessa obra especial. A purificação do santuário celestial compreende toda a obra do
juízo final, que começa com a fase investigativa e termina com a fase executiva, que resulta na erradicação
permanente do pecado de todo o universo.

Um aspecto importante do juízo final é a vindicação do caráter de Deus perante todos os seres do universo. As
acusações falsas que Satanás apresentou contra o governo de Deus serão demonstradas sem fundamento. No final, se
verá que Deus foi completamente justo na escolha de determinados indivíduos para comporem Seu futuro reino, e ao
impedir outros ele entrarem ali. Os atos finais de Deus despertarão nas pessoas a confissão: "justos e verdadeiros são
os Teus caminhos" (Ap 15:3), "Tu és justo" (Ap 16:5), e, "verdadeiros e justos são os Teus juízos" (Ap 16:7). O
próprio Satanás será levado a reconhecer a justiça de Deus (ver GC, 670, 671). A palavra traduzida como "justo" é
dikaios, equivalente ao termo heb. tsadhiq, derivado de tsadhaq, forma da qual se traduz "será purificado", em
Daniel 8:14. Portanto, o heb. tsadhaq pode transmitir a ideia adicional ele que o caráter de Deus será completamente
vindicado como o clímax da "hora do Seu juízo" (Ap 14:7), que começou em 1844 (ver Problems in Bible
Translation, p. 174-177).

El uso de sdq em Daniel 8:14

Por que se usa sdq em Daniel 8:14, se o termo empregado em Levítico 16 para referir-se à purificação do
santuário é taher? No AT a raiz sdq assume várias formas: dois substantivos - sedeq, masc., e sedaqah, fem.; um
adjetivo – saddiq; um verbo – sadaq; e um substantivo aramaico – sidqah, fem. Segundo uma contagem, a raiz
ocorre 523 vezes no AT. Divide-se entre as várias formas: sedeq (119 x), sedaqah (157), saddiq (206), sadaq (41).
De interesse para o estudo de Dn 8:14 é o verbo sadaq, que ocorre 22 vezes na forma ativa do verbo (qal), cinco
vezes no intensivo (piel), 12 no causativo (hiphil), uma vez no reflexivo (hithpael), e uma vez no passivo (niphal).
Esta última ocorrência encontra-se em Dn 8:14, daí a forma nisdaq. Esta forma passiva do verbo é um hapax
legomenon, i.e., uma palavra que ocorre somente uma vez em toda a Bíblia. Daí a questão: qual a melhor tradução
para o termo?

Segundo os dicionários, nisdaq é simplesmente a forma passiva de sdq, e teria o significado de “ser justo”,
“estar correto”, ou semelhante. Esta seria a tradução mais simples e direta, e é seguida pelas traduções mais recentes
da Bíblia, que simplesmente seguem o significado imediato e ordinário da palavra.

Entretanto, este procedimento não responde a todas as questões envolvidas no texto. O termo nisdaq refere-
se a uma ação relacionada com o santuário. Ademais, o que o termo significava na mente de Daniel? Isto,
naturalmente, conduz à questão da interpretação. Tem sido proposto que sdq tem um significado expandido, que
extrapola seu significado mais simples e direto. Isto se evidencia em passagens bíblicas onde sdq se usa em paralelo
com outras palavras. Por exemplo, sdq se associa com “fidelidade” (Is 11:5), “salvação” (Is 45:8; 62:1); “right” (Dt
32:4; Is 45:19), justiça (Is 59:9; Jer 22:3), “santo” (Jer 31:23), “juízo” (Sal 9:4), “paz” (Sal 85:10; Is 60:17),
“equidade” (Sal 9:8), “pureza” (cleanness – Sal 18:24), “integridade”, “imaculado” blameless (Gn 6:9; Sl 7:8),
“glória” (Is 58:8), “inocência” (Sal 94:21), “sabedoria” (Prov 23:24).

É legítimo estender o significado de nisdaq considerando o uso da raiz sdq em paralelos literários? Podem
os paralelos literários de termos como zakah (“puro”, “limpo” – Sal 51:4; Jó 25:4; 15:14) e taher (“puro”, “limpo”
(Jó 4:17; 17:9) tornarem-se significados estendidos de sdq? Considere Jó 25:4:

A. Como pode o homem ser justo (sdq) diante de Deus


B. Como pode aquele que é nascido de mulher ser puro (zkh)

Estas duas linhas estão relacionadas e destacam a fraqueza e fragilidade humana. Mas seriam idênticas em
significado? As duas linhas não dizem exatamente a mesma coisa. Os termos isolados sdq e zkh não podem ser
considerados idênticos em significado baseado no fato de que eles ocorrem em linhas paralelas exatas. Entretanto, as
duas palavras estão obviamente relacionadas, assim como as duas linhas em que elas ocorrem estão intimamente
relacionadas, assim que se pode dizer que elas abarcam uma a outra em significado.

Observe este outro texto (Jó 4:17):

A. Pode o homem mortal ser justo (sdq) à vista de Deus?


B. Pode o homem ser puro (thr) à vista de seu Criador?
Daniel 1 161

Mais uma vez as linhas estão relacionadas, pois falam da fraqueza e fragilidade do homem diante de Deus.
Mas seriam idênticas em significado?

Como visto antes, os termos isolados sdq e thr não podem ser considerados idênticos em significado
baseados no fato de que ocorrem em linhas paralelas exatas. Entretanto, eles estão obviamente relacionados e seus
significados abarcam um ao outro.

É um fato: sdq permanece em um relacionamento paralelo tanto com zkh como com thr, termos que
significam “puro”, “limpo”. O que é expresso na linha A é similar ao que é expresso na linha B. Consequentemente,
as ideias chave desses conjuntos de linhas relacionam-se umas com as outras, ou o argumento não faria sentido.

O que encontramos na terminologia thr/zkh são claramente significados estendidos de sdq, embora não
significados idênticos ao de sdq. O significado de sdq é aquela palavra ou palavras que melhor expresse(m) seu
intento total. Significados estendidos de sdq são aquelas palavras com cujos conceitos sdq tem alguma coisa em
comum, talvez, ilustrados por círculos que se sobrepõem. (N.E.Andreasen, 485)

Considerando o contexto de Dn 8:14, percebem-se as ações do chifre pequeno e seu exército. Segundo Shea,
tais ações resultaram na contaminação do santuário celestial, em um paralelo espiritual com a contaminação histórica
realizada por Nabucodonosor ao invadir o templo de Jerusalém. Se o tema aqui em 8:14 fosse somente a
contaminação produzida pelo chifre pequeno, então poderia ser utilizado o mesmo termo taher de Levítico, com o
sentido de “purificar”. Entretanto, o contexto de Daniel 8 indica que algo mais está envuelto nas ações do poder
antitemplo ali descrito. A obra realizada pelo chifre pequeno sobre a tierra afeta negativamente ao santuário celestial
nos seguintes aspectos: (1) o lugar de seu santuário foi lançado por terra (8:11); (2) foi tirado o tamid do Príncipe, ou
seja, sua “contínua ministração no santuário” (8:11); (3) sua intromissão na esfera do santuário foi semelhante à de
uma “invasor estrangeiro”; (4) se exaltou contra o Príncipe, assumindo um caráter sacerdotal; (5) lançou por terra a
verdade sobre o santuario, sobre o Príncipe e seu ministério; (6) de alguma forma o chifre introduziu transgressão
nos serviços do santuário, que deveriam tratar as transgressões.245 Shea compreende que se produziu uma
contaminação no santuário, a partir do momento em que o chifre pequeno assumiu o controle sobre ele e introduziu
algumas coisas inadequadas em seu serviço.246 Devemos ressaltar, contudo, que G. F. Hasel e Ángel M. Rodríguez
interpretam a ação do chifre pequeno como produzindo uma profanação, e não uma contaminação.247

A contraparte positiva divina a tudo o que foi realizado pelo chifre pequeno inclui:
(1) devolver el santuario al lugar que verdaderamente le corresponde;
(2) devolver el santuario a la persona correcta;
(3) purificar el santuario de toda la contaminación introducida por el cuerno pequeño; y
(4) dar un tratamiento adecuado a los pecados de los santos ahí registrados como habiendo sido perdonados por la
sangre de Cristo.

Considerando o espectro de atividades relacionadas com o santuário celestial, justifica-se a utilização de


nisdaq em lugar de taher, posto que inclui todos os matizes de significado, como “‘purificado’, ‘reconsagrado’,
‘vindicado’, ‘restaurado’, ‘vitorioso’”.248

245
Shea, “Unity of Daniel”, 198-199. Ver también, idem, “Spatial Dimensions in the Vision of Daniel 8", 507,
514-518.
246
Anotações de classe, Doutrina do santuário, Instituto Adventista de Ensino, Brasil, janeiro 1991.
247
Ángel M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set. 1994, 8.

248Shea, “Unity of Daniel”, 200; idem, Daniel 7-12, 110. Hasel também interpreta sdq como uma expressão
“policrômica”, com um alcance semântico amplo. Cf., idem, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary and the
Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14", 453. Ver também, Jerome Justesen, “On the Meaning of Sadaq”, AUSS
2 (1964): 53-61; W. E. Read, “Further Observations on Sadaq”, AUSS 4 (1966): 29-36. Augsburger, 72, sugere que
taher, uma palavra cerimonial, seria inapropriada no contexto de Daniel 8, enquanto sdq, que descreve um ato
divino, é a palavra correta para descrever o cumprimento antitípico aí profetizado.
Daniel 1 162

Contextualmente, Shea prefere a tradução “ser restaurado”. 249 O santuário, cujo “lugar” foi deitado por
terra, será “restaurado a seu lugar legítimo”. Ademais, como o santuário foi tomado do Príncipe, “esta ação, por
último, lhe restaurará o santuário”, ou seja, “o santuário será restaurado à pessoa legítima”. Unindo ambas
expressões, Shea oferece como alternativa para a tradução a frase, “então o santuário será restaurado a seu
lugar/pessoa legítimos”.250 Posteriormente, agregou-lhe a dimensão relacionada com a “condição” do santuário, de
modo que o santuário seria “restaurado a sua pureza original”. Ademais, desde a perspectiva legal, o santuário
também seria “vindicado”.251

Resumindo,

o santuário foi contaminado simbolicamente pelo Chifre pequeno; será purificado por este juízo. Foi
lançado por terra em termos de ação simbólica; será restaurado ao céu outra vez, figurativamente. Os juízos
terrenais contra os santos têm sido contrários aos juízos do santuário celestial; agora se verá que as decisões
celestiais estavam corretas e que as dos tribunais terrenais estavam equivocadas. Agora as decisões equivocadas
dos tribunais terrenais serão revogadas, e os claros juízos do céu se manifestarão. Em todas essas maneiras, o
santuário será posto em ordem. Será justificado; emergirá vitorioso; será vindicado; será purificado da
contaminação terrena que sofreu.252

Estas conclusões são relevantes para os arrazoados posteriores acerca do juízo investigativo no
contexto do capítulo 8 de Daniel.

15 Havendo eu, Daniel, tido a visão, procurei entendê-la, e eis que se me apresentou diante
uma como aparência de homem.

Procurei entendê-la. Daniel não entendeu o significado do que tinha visto. Muitas vezes, os portadores de uma
mensagem profética precisam estudar essa mensagem a fim de descobrir seu significado (1Pe 1: 10-12). É dever do
profeta relatarfielmente o que viu e ouviu (ver Ap 1:11).

16 E ouvi uma voz de homem de entre as margens do Ulai, a qual gritou e disse: Gabriel,
dá a entender a este a visão.

Gabriel. No AT, o nome Gabriel ocorre apenas aqui e em Daniel 9:21. O NT relata a aparição deste ser celestial para
anunciar o nascimento de João Batista (Lc 1:11-20) e, mais uma vez, para anunciar a Maria o nascimento do Messias
(Lc 1:26-33). O visitante angélico declarou de si mesmo: "Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus" (Lc 1:19).
Gabriel ocupa a posição da qual Satanás caiu (ver DTN, 693; cf. DTN, 99). Gabriel também foi o portador das
mensagens proféticas a João (Ap l:l ; cf. DTN, 99; ver com. de Lc 1:19).

17 Veio, pois, para perto donde eu estava; ao chegar ele, fiquei amedrontado e prostrei-me
com o rosto em terra; mas ele me disse: Entende, filho do homem, pois esta visão se refere
ao tempo do fim.

Tempo do fim. Esta expressão ocorre somente no livro de Daniel (8:17, 19; 11:35, 40).

O período revelado na visão alcança até o tempo quando o poder desolador será destruído, um evento associado à
vinda de Jesus (2Ts 2:8).

249Shea, “Daniel and the Judgement”, 410; idem, “Unity of Daniel”, 200; idem, Anotações de classe, Doctrina del
santuario, Universidad Adventista del Plata, Argentina, fevereiro de 2002.

250Idem, “Daniel and the Judgement”, 411.

251Idem, Anotações de classe, Doctrina del santuario, Universidad Adventista del Plata, Argentina, fevereiro de
2002.

252Idem, Daniel 7-12, 110-111.


Daniel 1 163

Ao se buscar uma interpretação dos símbolos desta visão, deve-se ter em mente o fato de que os últimos eventos
representados nela serão cumpridos no fim da história do mundo. Qualquer explicação que encontre um
cumprimento completo da visão num período anterior, como a época dos macabeus (ver com. de Dn 8:25) não
desvenda claramente as especificações do anjo, e deve ser considerada errônea e enganosa.

19 e disse: Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira, porque
esta visão se refere ao tempo determinado do fim.

No último tempo da ira. Ver com. do v. 17.

20 Aquele carneiro com dois chifres, que viste, são os reis da Média e da Pérsia;
21 mas o bode peludo é o rei da Grécia; o chifre grande entre os olhos é o primeiro rei;
22 o ter sido quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se
levantarão deste povo, mas não com força igual à que ele tinha.

Carneiro. Ver com. vers. 3-4.

Bode peludo. Do heb. sa'ir, que pode ser usado adjetivamente como “peludo”, mas também é usado de forma
independente para descrever um bode (Gn 37:31; Lv 4:23; etc.; sobre a interpretação, ver com. de Dn 8:5).

Chifre grande. Símbolo de Alexandre Magno, o "primeiro rei" do Império Grego, e que substituiu ao Império Persa
no cenário político da região. (ver com. vers. 5-8; cap. 7: 6).

Quatro reinos. Comparar com o v. 8 e com Dn 11 :4; sobre os reinos helenísticos que surgiram do império de
Alexandre, ver com. de Dn 7:6. O cumprimento exato destes detalhes da visão garante que o que se segue certamente
acontecerá conforme predito.

23 Mas, no fim do seu reinado, quando os prevaricadores acabarem, levantar-se-á um rei


de feroz catadura e especialista em intrigas.
24 Grande é o seu poder, mas não por sua própria força; causará estupendas destruições,
prosperará e fará o que lhe aprouver; destruirá os poderosos e o povo santo.
25 Por sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o engano, no seu coração se
engrandecerá e destruirá a muitos que vivem despreocupadamente; levantar-se-á contra o
Príncipe dos príncipes, mas será quebrado sem esforço de mãos humanas.

No fim do seu reinado. Isto é, depois que as divisões do império de Alexandre tivessem existido por algum tempo.
O império romano surgiu de forma gradual e conquistou a supremacia só depois que as divisões do império
macedônico se enfraqueceram. A profecia se aplica a Roma em suas formas pagã e papal. Parece haver uma
combinação de aplicações, com alguns elementos que se aplicam a ambas as formas, outros mais especificamente a
uma ou a outra (ver com. de Dn 8: 11). É fato histórico que a Roma papal foi a continuação do império romano:
"Quaisquer tenham sido os elementos romanos que os bárbaros e arianos deixaram [...] foram [...] postos sob a
proteção do bispo de Roma, que era a principal pessoa ali depois do desaparecimento do imperador. [...] A igreja
romana, dessa forma, secretamente se colocou no lugar do império mundial romano, do qual é a continuação real;
o império não pereceu, apenas passou por uma transformação. [.. .] isso não é mera 'observação sagaz', mas o
reconhecimento histórico do verdadeiro estado de coisas, e a maneira mais apropriada e frutífera de descrever o
caráter dessa Igreja. Ela ainda governa as nações. [...] É uma criação política, e tão imponente como um império
mundial, por ser a continuidade do império romano. O papa, que se autodenomina 'Rei' e 'Pontífice Máximo' é o
sucessor de César" (Adolf Harnack, What Is Christhianity? [Nova York; G. P. Putnam's Sons, 1903], p. 269, 270,
itálicos no original).

Os prevaricadores. As versões gregas trazem "pecados", tradução que pode ser obtida do hebraico por meio de uma
mudança na pontuação massorética.

Acabarem. Pode ser uma referência a várias nações, ou talvez em específico aos judeus, que encheram a taça de sua
iniquidade (ver Gn 15:16; Ed, 173-177).

Levantar-se-á. Isto é, assumirá poder.


Feroz catadura. Provável alusão à Deuteronômio 28:49 a 55.
Daniel 1 164

Intrigas. Do heb. chidhoth, "enigmas" (Nm 12:8; Jz 14:12; Ez 17:2) ou "perguntas difíceis" (lRs 10:1). Alguns
creem que o significado nesta passagem seja "linguagem ambígua" ou "duplicidade".

24. Não por sua própria força. Comparar com "o exército lhe foi entregue" (v. 12). Alguns veem aqui referência ao
fato de o papado reduzir o poder civil à subserviência e fazer com que a espada do estado se levantasse em favor de
seus objetivos religiosos.

Causará estupendas destruições. Este poder perseguiu até à morte os que se opuseram às suas afirmações
blasfemas, e teria eliminado "o povo santo" se o Senhor não tivesse intervindo.

25. Astúcia. Ou, "engano". Os métodos deste poder são a sutileza e o engano.

Que vivem despreocupadamente. Isto é, enquanto muitos sentem que estão vivendo em segurança, serão destruídos
inadvertidamente.

Príncipe dos príncipes. É evidente que se refere ao mesmo ser designado como "príncipe do exército", no v. 11,
ninguém além de Cristo. Foi um governador romano que sentenciou Cristo à morte, mãos romanas O pregaram na
cruz, e uma lança romana perfurou Seu lado.

Sem esforço de mãos humanas. Isto implica que o próprio Senhor, ao final, destruirá esse poder (ver Dn 2:34). O
sistema eclesiástico representado por esse poder continuará até que seja destruído sem esforço de mãos humanas, na
segunda vinda de Cristo (ver 2Ts 2:8).

Alguns comentaristas defendem o ponto de vista de que o poder do "chifre pequeno" (em Dn 8) simboliza Antíoco
Epifânio (ver com. de Dn 11:14). No entanto, um exame cuidadoso da profecia torna evidente que esse rei selêucida
perseguidor não cumpre as especificações reveladas. Os quatro chifres do bode (Dn 8:8) eram reinos (v. 22), e é
natural esperar que o "chifre pequeno" seja também um reino. Mas Antíoco foi apenas um rei do império selêucida,
portanto, parte de um chifre. Sendo assim, ele não poderia ser outro chifre. Além disso, esse chifre se tornou muito
forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa da Palestina (v. 9). A entrada de Antíoco no Egito terminou em
humilhação diante dos romanos. Seus êxitos na Palestina foram breves e seu avanço ao oriente foi interrompido por
sua morte. Sua política de impor o helenismo fracassou por completo, e a sagacidade não lhe rendeu prosperidade
notável (v. 12).

Além disso, Antíoco não viveu no final (v. 23) dos reinos helenísticos divididos, mas em cerca da metade do
período; seu poder dificilmente poderia ser atribuído a qualquer coisa além de sua própria força (v. 22); sua astúcia e
estratégia mais fracassaram que prosperaram (v. 25); ele não se levantou contra nenhum "Príncipe dos príncipes"
judeu (v. 25); ele deitou a verdade por terra (v. 12) de forma temporária e não teve êxito, pois isso levou os judeus a
defenderem sua fé contra o helenismo. Muito embora tenha dito palavras arrogantes, oprimido o povo de Deus e
profanado o templo, durante um breve período, e se possam alegar alguns outros pontos parcialmente verdadeiros
quanto às suas atividades, é óbvio que não se encontra em Antíoco um cumprimento adequado de muitas
especificações da profecia (ver mais no com. do v. 14; Dn 9:25; 11:31).

26 A visão da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão,
porque se refere a dias ainda mui distantes.

Da tarde e da manhã. Clara referência à profecia do v. 14 (ver com. ali). Neste momento, o anjo não dá mais
esclarecimentos da visão dos 2.300 dias, mas apenas enfatiza sua veracidade.
Preserva. Comparar com instruções similares registradas em Daniel 12:4 (ver com. ali).
A dias ainda mui distantes. O cumprimento dos vários detalhes da visão deste capítulo se estenderia ao futuro
distante.

27 Eu, Daniel, enfraqueci e estive enfermo alguns dias; então, me levantei e tratei dos
negócios do rei. Espantava-me com a visão, e não havia quem a entendesse.

Eu, Daniel, enfraqueci. Sem dúvida, Daniel estava profundamente preocupado com os eventos revelados. Em vez
de prever um fim imediato à ira, Gabriel informou ao profeta que o fim se daria num futuro distante.
E não havia quem a entendesse. Mais informações foram dadas depois (ver com. de Dn 9:23).
Daniel 1 165

O significado de Daniel 8:14253

Foi através do estudo de Daniel 8:14 como um ponto de partida que o Adventismo veio à existência como
um movimento histórico, desenvolveu sua identidade cultural, e identificou sua missão. Nós somos confrontados
aqui com um aspecto fundacional (foundational) e vital no pensamento adventista. Este tipo de desenvolvimento foi
possível porque Daniel 8 inclui uma profecia de tempo que identifica 1844 como uma data significativa no
calendário de Deus e também porque Daniel 8 e 9:23-27 aponta para a obra redentora de Cristo. Esta atividade
salvífica está conectada naquelas passagens não somente à cruz, mas também à contínua obra mediadora de Cristo no
santuário celestial. A exploração dos rituais do santuário e seu significado simbólico resultou na doutrina adventista
do santuário.

1. Daniel 8:14 provê-nos como adventistas com uma identidade histórica. O movimento adventista não é um
acidente histórico, mas o resultado da intervenção especial de Deus nos negócios humanos. O cumprimento de
Daniel 8:14 em 1844 valida, e mesmo legitima, sua presença no mundo e particularmente entre a comunidade
cristã.

Quando Cristo iniciou Sua obra sumo sacerdotal no céu, a igreja foi batizada pelo Espírito Santo (Atos 2:33). Os
discípulos sabiam que alguma coisa de importância transcendental tinha ocorrido no céu porque o Espírito foi
derramado sobre eles. Semelhantemente, quando a profecia dos 2300 anos foi cumprida em 1844, alguma coisa
sem precedentes ocorreu no santuário celestial, ou seja, o dia da expiação antitípico tinha começado. Naquele
momento Deus levantou sobre a terra um movimento de reforma que trabalharia com Ele em preparar o mundo
para encontrá-LO como juiz, em restaurar a verdade de Deus que tinha sido lançada por terra, e em desmascarar
o último engano de Satanás antes da segunda vinda de Cristo (Ap 10:11; 14:7-12).

2. A identidade histórica, a teologia, e a missão do movimento adventista não podem ser separadas da obra
redentiva de Cristo. Foi precisamente a obra de Cristo que tornou necessária a criação deste movimento.
Portanto, é Cristo quem provê identidade ao movimento. A doutrina do santuário é uma exposição do plano de
salvação de Deus através de Cristo, e provê um pilar fundacional à fé adventista.

A doutrina do santuário é uma perspectiva única desde a qual estudar o plano da redenção. Ela ilumina o
desenvolvimento daquele plano dentro da história, identificando seus componentes chaves e, em conjunção com
as profecias de Daniel, mesmo o movimento histórico quando elas deveriam ocorrer e a oposição histórica dos
inimigos de Deus... Esta doutrina está centralizada na obra de Cristo e provê uma visão integrada da mesma.
Pode-se ver facilmente a progressão na obra de Cristo através do estudo da teologia do santuário. Ele é visto
como a vítima sacrifical, sumo sacerdote, mediador, juiz, advogado e rei.

3. O fim dos 2300 anos em 1844 relembra-nos que a história da salvação está ainda em progresso, que o plano de
Deus está-se desenvolvendo como Ele planejou e antecipou. A história da salvação não veio a um fim em 31
A.D. As profecias bíblicas relembram-nos que Deus estava e ainda está ativo dentro da história do mundo,
guiando-a ao seu alvo particular, ou seja, o estabelecimento de Seu reino sobre a terra. Os períodos proféticos
servem como marcos dentro da história, indicando o momento quando o plano redentivo de Deus está-se
aproximando de sua consumação.

4. Daniel 8:14 e a doutrina do santuário informa-nos que Cristo está realizando exatamente agora a última etapa de
sua obra sumo-sacerdotal no santuário celestial. Sabemos onde estamos com respeito ao que está transcendendo
no céu. O dia da expiação antitípico está em progresso, e Deus está julgando a Seu povo. Estamos chegando ao
próprio fim da misericórdia de Deus, e estamos para encarar a confrontação final entre as forças de Deus e
satanás. A consumação de nossa salvação está para acontecer.

5. A obra de mediação e juízo de Cristo não somente nos convoca a estar agressivamente envolvidos na
proclamação do evangelho eterno de Deus no contexto da tríplice mensagem angélica, mas também nos desafia
a avaliar nosso relacionamento com Cristo. Nossa experiência religiosa deveria ser caracterizada por uma
humilde dependência do Salvador e, com fé, repousar nEle. Enquanto o santuário celestial está sendo purificado,
nossa vida espiritual deveria também ser purificada do pecado. Esta purificação pessoal acontece em
arrependimento e perdão através de Cristo.

253
Ángel M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set.
1994, 14-15.
Daniel 1 166

6. O juízo investigativo em progresso no céu justamente agora é um testemunho do fato de que Deus e o universo
toma a cada ser humano seriamente. Deus, através de Cristo, lida com os seres humanos no santuário celestial
como indivíduos. Isto reafirma nossa dignidade e valor em Cristo, quem representa cada um de nós como nosso
advogado. Nenhum ser humano é um desconhecido no concílio divino. Os redimidos se unirão à família celestial
não como estranhos mas como pessoas bem conhecidas, como parentes que têm a simpatia e respeito do restante
da família de Deus.

7. O juízo investigativo significa que as decisões e ações humanas têm um impacto cósmico. O que somos,
pensamos, e fazemos está indelevelmente preservado nos registros celestiais. Isto, longe de ser uma fonte de
stress e temor, deveria ser o próprio fundamento do regozijo. O que fazemos, o que nos tornamos, não está
perdido na vastidão do tempo e do espaço, mas está preservado dentro do santuário de Deus. Cada boa obra,
cada oração, cada palavra de encorajamento, cada expressão de amor, está preservado como um testemunho à
multiforme sabedoria de Deus, quem é apto para transformar seres humanos pecadores em novas e santas
criaturas. Naturalmente, o pecado também está registrado lá. As fraquezas humanas, rebeliões, erros e falhas
estão preservadas lá. Mas porque Cristo é o advogado do crente, o perdão está disponível e é garantido àqueles
que se aproximam de Deus através dEle. Durante o juízo investigativo, os pecados não serão levados em conta
contra aqueles que permaneceram em um relacionamento de concerto com Cristo, porque foram levados por Ele
sobre a cruz. Então aqueles pecados serão apagados, para não mais serem lembrados. O caráter do crente,
semelhante ao de Cristo, será fixado por toda a eternidade.

8. A purificação do santuário celestial aponta de maneira especial para a natureza moral de nosso Deus. Aquele que
governa o universo é uma Pessoa cuja vontade é lei, uma lei de amor. Ele é o árbitro moral do universo, que,
portanto, é responsável diante dEle. O remanescente deveria encontrar conforto em saber que há Um a cargo do
cosmos e que Ele é todo poderoso e todo-amor. A fim de restaurar e preservar a ordem no universo, juízo e
responsabilidade são indispensáveis. Desde que o juízo está baseado sobre a lei de Deus, o remanescente se
caracteriza pela guarda dos mandamentos de Deus como uma resposta amorosa a Sua graça.

9. A purificação do santuário testifica do fato de que o mal não é eterno. Ele chegará a um fim, acompanhado pelos
gritos de regozijo dos filhos leais de Deus louvando Sua justiça e amor. Somente através da justiça e do amor
pode o pecado e o mal ser extinguido. No final de Seu ministério no Lugar Santíssimo do santuário celestial,
Cristo virá para libertar a Seu povo do poder da morte e de seus inimigos. Naquele tempo Azazel-Satanás será
reconhecido através de todo o universo como a fonte e a origem do pecado e do mal e sua extinção será
decretada. A vitória de Deus e do Cordeiro sobre os poderes de Satanás será final.

O significado salvífico da cruz é enriquecido através do estudo do sacerdócio de Cristo. Pouco é conhecido
sobre o pleno impacto e realizações da cruz. É realmente a maior revelação de Deus ao universo e o evento
indispensável na resolução do problema do pecado. Mas esta revelação não há sido totalmente entendida, e há
dimensões dela que requererão a eternidade para compreender. A obra sacerdotal de Cristo no santuário celestial
está constantemente revelando a riqueza da cruz. De fato, Sua obra de mediação e juízo é simplesmente e
fundamentalmente uma revelação do mistério da cruz.

COMENTARIOS DE ELLEN G. WHITE


1-27- PR, 548, 553, 554
12 - PE, 74
13, 14- PR, 554
14- Ev, 223; PE, 42, 54, 63, 243, 250, 253; GC, 326, 328, 352, 399, 409, 417, 424, 426, 457, 486; LS, 58, 63, 278;
HR, 369, 375, 377; T1, 52, 58
16 - DTN, 234
26, 27 - PR, 554
27 - GC, 325
Daniel 1 167

DANIEL 9

1 Daniel, considerando el tiempo de la Cautividad,


3 confiesa los pecados,
16 y ora por la restauración de Jerusalén.
20 Gabriel le instruye acerca de las setenta semanas.

1. El año primero de Darío. Respecto a la identidad y la fecha de Darío de Media, ver la Nota Adicional del cap. 6.
Rara vez el primer ministro de un país vencido es designado por el vencedor como un alto funcionario, pero (p. 875)
tal fue el caso de Daniel. Debido a su integridad y a sus habilidades, los persas no lo mataron sino que lo ubicaron
en un cargo elevado.

2. Miré atentamente en los libros. Aunque estaba ocupado con los asuntos del Estado, el profeta no dejó de
estudiar la Palabra de Dios. Evidentemente Daniel estaba perplejo sobre cómo relacionar lo que le había sido
revelado en la visión del cap. 8 con los acontecimientos del futuro inmediato: el retorno de los judíos al final de los
70 años (Jer. 29: 10). Ver com. Dan. 9: 21.

Setenta años. Respecto a la ubicación de estos años, ver el t. III, pp. 99- 100. Ese período casi había terminado. No
es de extrañarse que la atención de Daniel se hubiera fijado en esa profecía concerniente al tiempo. Estaba ansioso
de que el Señor no demorara la liberación de su pueblo cautivo.

3. Buscándole en oración. Aunque el Señor había prometido la liberación de su pueblo en el tiempo designado,
Daniel conocía la naturaleza condicional de muchas de las promesas de Dios (ver Jer. 18: 7-10). Puede haber temido
que la impenitencia de su pueblo pudiese postergar el cumplimiento de la promesa (SL 48). Además, la visión de
Dan. 8 predecía una desolación adicional para el santuario y para la ciudad. El profeta debe haber quedado
profundamente perplejo por su falta de comprensión de la visión de "las tardes y mañanas" (cap. 8: 26).

4. Oré. Los vers. 4-19 registran una de las más notables oraciones del AT. Es una oración en labor del pueblo de
Dios, ofrecida por un sincero suplicante.

Dios grande, digno de ser temido. Compárese con Neh. 1: 5; 9: 32. La palabra que se traduce "digno de ser
temido" (Heb. nora') significa "que inspira pavor" o "reverenciado" (ver com. Sal. 111: 9).

Que guardas el pacto. Daniel comienza su oración con un reconocimiento de la fidelidad de Dios. Dios nunca deja
de cumplir sus promesas. Es un Dios fiel a sus pactos. Cumplirá su parte del acuerdo. Si el pacto falla, es por culpa
del hombre (ver Heb. 8: 8).

Te aman. El amor a Dios y la observancia de sus mandamientos siempre van juntos. Se amonesta a los que aman a
Dios que demuestren ese amor guardando sus mandamientos (Juan 14: 15). Un requisito esencial acompaña al otro.
El amor a Dios traerá como resultado la obediencia alegre y voluntaria. Al final del tiempo la verdadera iglesia se
distinguirá por su obediencia de los mandamientos (Apoc. 12: 17).

5 Hemos pecado. Compárese con 1 Rey. 8: 47; Sal. 106: 6. Daniel se identifica con su pueblo. No hay en su
oración nada de justicia propia.

6. Los profetas. Había sido el deber de los profetas llamar la atención del pueblo a su descuido de los preceptos
divinos, y también dar instrucciones en casos de emergencia o crisis. Pero los israelitas habían ignorado casi
totalmente la dirección que tan bondadosamente Dios les había dispensado. El pecado del pueblo no se debía a
ignorancia sino a desobediencia voluntaria.

7. Justicia. Daniel hace contrastar la justicia de Dios con la injusticia de Israel. En todo su trato con los hombres en
general y con Israel en particular, Dios siempre ha manifestado justicia.

9. El tener misericordia y el perdonar. Literalmente, "las compasiones y los perdones". A pesar de la rebelión y de
la apostasía de Israel, Daniel seguía confiando en que el Señor, por su gran misericordia, estaba siempre dispuesto a
perdonar a los que acudieran a él con corazón contrito. Con esa confianza Daniel ruega a Dios en favor del pueblo
de Israel. Presenta la compasión de Dios en contraste con la pecaminosidad del pueblo.
Daniel 1 168

11. Ha caído. Moisés había predicho que descendería una maldición sobre todos los que voluntariamente
desobedecieran la ley de Dios (Lev. 26: 14-41; Deut. 28: 15-68). Eso era sólo lo que merecían.

Siervo de Dios. A Moisés se le aplica el mismo título en Deut. 34: 5 y Jos. 1: 13.

13. Conforme está escrito. Ver Deut. 29: 21,27.

14. Veló. Heb. shaqad, que significa "estar alerta", "estar despierto".

15. Sacaste tu pueblo. Daniel cita la extraordinaria liberación de los hijos de Israel de la esclavitud egipcia y basa su
petición en el gran acto de misericordia realizado por el Señor en ocasión del éxodo.

16. Justicia. "Justicias" (BJ). En hebreo el sustantivo está en plural, lo que sin duda sugiere los muchos actos de
justicia que Dios había hecho en favor de su pueblo. Daniel no presenta su súplica basándose en alguna bondad de
su pueblo; como base de su petición, cita las acciones bondadosas del Señor para con Israel en tiempos pasados. 876

Tu santo monte. Israel debiera haber sido una luz para todo el mundo (ver com. 2 Sam. 22: 44, 50; 1 Rey. 8: 43; 2
Rey. 23: 27), pero por su rebelión obstinada, Jerusalén e Israel eran ahora objeto de burla y reproche entre las
naciones de la tierra.

17. Haz que tu rostro resplandezca. Expresión que significa "mirar con favor" (ver Núm. 6: 25).

Santuario. Los pensamientos de Daniel estaban centrados en el santuario de Jerusalén. Durante los muchos años del
cautiverio la ciudad y el santuario habían yacido en ruinas, y ahora el tiempo de la reconstrucción estaba cerca.

19. No tardes. Heb. 'ajar, "demorar", "vacilar". Daniel está ansioso de que la liberación prometida no se postergue
más. El Señor se deleita en que nosotros le roguemos así, pidiéndole que apresure su salvación prometida.

21. Gabriel. Ver cap. 8: 15-16. Este es el mismo ser que había explicado las tres primeras secciones de la visión del
cap. 8. Ahora vuelve con el propósito de completar su tarea asignada.

Algunos comentadores no han visto la estrecha relación entre los cap. 8 y 9, y por eso no han comprendido la
relación entre los 2.300 "días" del cap. 8 y las 70 "semanas" del cap. 9. Sin embargo, el contexto requiere
precisamente esta relación, como lo demuestran los siguientes hechos:

1. Todos los símbolos de la visión del cap. 8: 2-14, exceptuando los 2.300,"días" de los vers. 13-14, se explican
cabalmente en el mismo capítulo 8: 15-26 (CS 371-372). En verdad, en los vers. 24-25 se explica todo el tema de los
vers. 13 y 14, excepto el asunto del tiempo. En el vers. 26 Gabriel menciona el factor tiempo, pero interrumpe su
explicación antes de decir algo más (ver más adelante la explicación N.° 3).

2. Daniel sabía que los 70 años del cautiverio predicho por el profeta Jeremías estaban por finalizar (cap. 9: 2; ver t.
III, pp. 93-95, 97-100; com. Jer. 25: 11).

3. Daniel no entendía el período de 2.300 días, la única parte de la visión que no había sido explicada aún (cap. 8: 27;
ver la explicación N.° 1), y evidentemente temía que implicara una prolongación del cautiverio y que continuara la
desolación del santuario (ver cap. 9: 19). Sabía que la promesa de restauración era condicional y dependía del sincero
arrepentimiento de Israel (SL 48; ver t. IV, p. 36).

4. La perspectiva de una terrible persecución durante el transcurso de los 2.300 "días" (Dan. 8: 10-13, 23-25) era más
de lo que podía soportar el anciano Daniel, y como resultado fue "quebrantado" y estuvo "enfermo algunos días"
(cap. 8: 27; CS 372). Por eso el ángel interrumpió la explicación de la visión.

5. Durante el intervalo que precedió al regreso del ángel (cap. 9: 21) Daniel volvió a estudiar las profecías de
Jeremías para lograr una comprensión más clara del propósito divino respecto al cautiverio (ver t. IV, p. 33),
especialmente con relación a los 70 años
(cap. 9: 2).

6. Tras llegar a la conclusión de que la transgresión de la mayoría de los israelitas era la causa de lo que él
evidentemente tomó como una prolongación de los 70 años (ver explicación N.° 3), Daniel intercedió muy
Daniel 1 169

fervorosamente ante Dios pidiendo perdón, el retorno de los cautivos exiliados y la restauración del santuario de
Jerusalén que estaba desolado (ver cap. 9: 3-19). Su oración termina con una reiteración del pedido de que Dios
perdonara los pecados de la nación y que no demorara la promesa de la restauración (vers. 19).

7. Nótese particularmente que la parte de la visión del cap. 8 que había quedado sin explicar, predecía que el
"santuario" y el "ejército" serían "pisoteados" (vers. 13-14, 24) durante un período de 2.300 "días". En su oración
Daniel ruega a Dios que el tiempo del cautiverio no se extienda (vers. 16-19). Una cuidadosa comparación entre la
oración del cap. 9 y el problema del cap. 8 deja en claro, sin lugar a dudas, que Daniel tenía en cuenta este problema
mientras oraba. Pensaba que la visión de los 2.300 "días" de desolación del santuario y persecución del pueblo de
Dios implicaba que Dios iba a postergar o "tardar" la restauración (cap. 9: 19).

8. En respuesta a esta oración, Gabriel, que había sido enviado para explicar la visión del cap. 8 (cap. 8: 15-19) pero
que aún no había terminado la explicación (ver la explicación N.° 4), saludó a Daniel con el anuncio: "Ahora he
salido para darte sabiduría y entendimiento" (cap. 9: 22).

9. Con toda claridad, la explicación del cap. 9: 24-27 es la respuesta del cielo a la oración de Daniel (vers. 23), y la
solución del problema que motivó la oración (ver las [p. 877] explicaciones N.° 6 y N.° 7). Compárese la orden
original dada a Gabriel para que explicase la visión a Daniel (cap. 8: 16) con la renovación de la orden cuando oró
Daniel (cap. 9: 23), y la orden dada por Gabriel a Daniel de entender y conocer (cap. 8: 17, 19), con expresiones
similares en el cap. 9: 23.

10. Nótese especialmente que a Daniel se le dijo que entendiera la "orden" y la "visión" (cap. 9: 23), es decir, la
visión que había visto .al principio" (vers. 21). Esto sólo puede referirse a la visión del cap. 8: 2-14, ya que no se
había dado ninguna otra visión desde aquélla. Compárense las palabras "enseña a éste la visión" (cap. 8: 16) con
"entiende la visión" (cap. 9: 23).

11. De esa manera el contexto aclara, sin ninguna duda, que la explicación del cap. 9: 24-27 es una continuación que
completa la explicación comenzada en el pasaje del cap. 8: 15-26, y que la explicación del pasaje del cap. 9: 24-27
trata exclusivamente de la parte no explicada de la visión, es decir del factor tiempo de los 2.300 "días" del cap. 8:
13-14. En ambos casos el ángel es Gabriel (cap. 8: 16; 9: 21), el tema es idéntico y el contexto demuestra que la
última parte de la explicación del cap. 9 toma el hilo de la explicación en el punto en que fue dejada en el cap. 8.

Con presteza. Cuán reconfortante es saber que el cielo está cerca de la tierra. Siempre que necesitamos ayuda y la
pedimos, el Señor envía a un santo ángel para que venga a socorrernos sin demora.

Vino a mí. Heb. naga', que puede significar meramente "alcanzó" o "se aproximó a". No podemos asegurar cuál
significado tiene aquí.

Sacrificio. Heb. minjah. En la ley levítica ésta es la palabra común que indica una ofrenda de cereales. Una ofrenda
especificada de "flor de harina" acompañaba al sacrificio de la tarde y de la mañana (Núm. 28: 3-8). Daniel
evidentemente oraba a la hora cuando en el templo correspondía el sacrificio vespertino.

22. Entender. Se refiere sin duda a la visión mencionada en el cap. 8: 26-27, la cual "no se podía comprender" (cap.
8: 27, BJ). Daniel no podía entender la relación entre los 70 años de cautiverio predichos por Jeremías (Jer. 29: 10) y
los 2.300 días (años) que habrían de pasar antes de la purificación del santuario. Se desvaneció cuando el ángel le
dijo que la visión sería para "muchos días" (Dan. 8: 26).

23. Entiende la visión - mareh. Una referencia a la visión de las "tardes y mañanas" (cap. 8: 26). En sus últimas
palabras a Daniel en ocasión de su visita previa, Gabriel declaró que la visión de las 2.300 tardes-mañanas era
"verdadera". De modo que en el cap. 9: 24, el divino instructor comienza por donde terminó en el cap. 8: 26.

v. 24 - “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade”
“para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados
“para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna
“para selar a visão e a profecia e para ungir o Santo dos Santos” (Dn 9:24)

Seis ações são mencionadas nesta profecia, segundo William Shea, para a qual sugere a seguinte estrutura:

1. Fazer cessar a transgressão


Daniel 1 170

2. Dar fim aos pecados


3. Expiar a iniquidade
4. Trazer a justiça eterna
5. Selar a visão e a profecia
6. Ungir o Santo dos Santos

O arranjo sugerido por Maxwell254 divide as ações em dois pares de três, como se vê a seguir:

A cessar a transgressão B trazer a justiça eterna


A’ findar os pecados B’ selar a visão e a profecia
A” expiar a iniquidade B” ungir o Santo dos Santos

Neste arranjo, Maxwell difere de Shea no sentido de que nenhuma obra se espera seja realizada pelo povo judeu, no
que concerne a “transgressão”, “pecados” e “iniquidade”. Para Maxwell, todas estas formas de pecado seriam
tratadas por Cristo ao efetuar a sua expiação. De igual maneira, Gerhard Pfandl destaca que estes seis propósitos
“descrevem principalmente os resultados da vida e obra de Cristo aqui na Terra”.255

Seguindo o modelo apresentado por Shea, o significado das ações aqui mencionadas seriam os seguintes:

1. cessar a transgressão (pesha’) - pecado como rebelião


2. Dar fim aos pecados (hatta’t) - pecado como “errar o alvo”

Responsabilidade do povo judeu durante o período das 70 semanas.

3. Expiar a iniquidade
4. Trazer a justiça eterna

Estes dois pares, que formam o centro da estrutura quiástica, destacam a atividade salvífica de Jesus.
Expiação era central ao sistema do santuário hebreu (Lv 4 e 16). Mas a expiação mencionada aqui vai além
daquele que se realizava no santuário terrestre.

5. Selar a visão e a profecia [nabi]


6. Ungir o Santo dos Santos [qodesh qodashim]
C. F. Keil notes that the same exact phrase is used in Ezekiel 45:3 of a future temple and concludes that
“the reference is to the anointing of a new sanctuary, temple, or most holy place.” Specific reasons for
this interpretation of the sixth clause is stated well by Leon Wood.

The phrase “holy of holies” (qodesh qadashîm) occurs, either with or without the article, thirty-nine times
in the Old Testament, always in reference to the Tabernacle or Temple or to the holy articles used in
them. When referring to the most holy place, where the Ark was kept, the article is regularly used (e.g.,
Ex. 26:33), but it is not when referring to the holy articles (e.g., Ex. 29:37) or to the whole Temple
complex (e.g., Ezek. 43:12). In view of these matters, it is highly likely that the phrase refers to the
Temple also here, which, in view of the context, must be a future Temple; and, since the phrase is used
without the article, reference must be to a complex of that Temple, rather than its most holy place.

A frase hebraica traduzida “santo dos santos” é qodesh qodashim. Uma interpretação desta declaração (mantida
desde os dias dos primeiros Pais da Igreja) aplica-a à unção de Jesus Cristo como o Messias. Esta interpretação,
entretanto, é contrária à maneira em que qodesh qodashim (“santo dos santos”, “santíssimo”) é usada no AT. Fora de
Daniel esta frase ocorre cerca de 40 vezes no AT. Em cada exemplo (ocorrência) ela se refere ao santuário ou alguma
coisa vinculada com ele. (A única possível exceção é 1 Crônicas 23:13, mas isto é debatível. Parece-me que mesmo
nesta passagem a expressão também se refere ao santuário – Shea, “The prophecy of Daniel 9:24-27”, 83). Segundo
Maxwell,256 “a expressão que aparece ao final do versículo 24, não pretende significar que Jesus ungiu apenas a
área mais interna do santuário celestial. Nos textos bíblicos, muitas coisas associadas ao santuário são identificadas

254
C. Mervyn Maxwell, Uma nova era segundo as profecias de Daniel (Tatuí, SP: CPB, 2002), 217.
255
Gerhard Pfandl, Daniel – Lição da escola sabatina, ed. do professor, out.-dez. 2004, p. 129.
256
C. M. Maxwell, Uma nova era segundo as profecias de Daniel, 218.
Daniel 1 171

como ‘santíssimas’ ou ‘muito santas’, inclusive o altar dos holocaustos (Êxodo 29:37), o altar de ouro (Êx 30:10),
ofertas pelo pecado (Lv 6:29) e o incenso (Êx 30:36). O que Jesus ungiu após a Sua ascensão ao Céu, depois da
ressurreição, foi o santuário celestial como um todo”.

Se o “santo dos santos” mencionado no verso 24 deveria estar conectado com um santuário, a pergunta surge: Que
santuário? Não poderia ser o tabernáculo ou o templo de Salomão. Eles já eram história passada ao tempo em que foi
dada esta profecia. Não poderia ter sido o segundo templo construído em Jerusalém. Aquele templo foi dedicado para
uso ao terminar sua construcao em 515 a.C. (Esdras 6:15-18), muito tempo antes da vinda do Messias predita nesta
profecia. Por um processo de eliminação, as aplicações potenciais deste “santo dos santos” se reduzem a uma: o
santuário celestial, mencionado especialmente nos livros de Hebreus e Apocalipse no NT.

Os templos eram ungidos para inaugurar seus serviços (ver Êxodo 40:9ss; Lv 8:10-11). A unção predita neste verso
aponta naturalmente para a inauguração do ministério sacerdotal de Cristo no templo celestial seguindo-se a Sua
ascensão (Heb 9:21-24). A interpretação do santuário desta frase é importante porque vincula a profecia ao âmbito
celestial, assim como 7:9-14 e 8:11-14 conectam suas respectivas profecias à mesma esfera celestial. (Shea, “The
Prophecy of Daniel 9:24-27”, 82-83).

Em sua ascensão, iniciou Jesus Seu ministério no lugar santíssimo?

Algumas observações sobre Hebreus 6:19.257

1. O contexto de Hebreus 6:19

Alguns autores entendem que o contexto de Hebreus se relaciona com Levítico 16. Neste caso, o véu mencionado
em Hebreus 6 seria o segundo véu, isto é, o que separa o lugar santo do santíssimo, e com isto se fundamentaria a
posição de que, em Sua ascensão, Jesus entrou diretamente ao lugar santíssimo do santuário celestial. Se
verdadeira esta interpretação, lançaria por terra a posição ASD, que sustenta que Cristo iniciou Seu ministério
sumo-sacerdotal no lugar santo do santuário celestial.
Deve-se observar, entretanto, que Hebreus 6:19 tem seu próprio contexto, e o termo “véu” deve ser interpretado
dentro de seu contexto específico. Em Levítico 16:2, o contexto identifica katapetasma como o segundo véu e to
hagion como o “santuário interior” (inner shrine). Também, em Hebreus 9:3 o contexto geral e o uso do adjetivo
numérico deuteron identifica katapetasma como o segundo véu. Mas os contextos de Levítico 16 e Hebreus 9 não
são os mesmos como o de Hebreus 6. O fato de que o termo katapetasma apareça em Hebreus 6:19 não permite
assumir que o segundo véu é intendido, pois este termo é utilizado livremente para todos os três véus do santuário.

Como o contexto de Hebreus 6:19 ajuda na identificação do vocábulo katapetasma? Hebreus 6:13-20 lida com
as bênçãos do concerto abraâmico e sua dispensação a Abraão e seus descendentes:
1. Deus jurou por Si mesmo que cumpriria Suas promessas (vv. 13-16);
2. A fim de convencer aos herdeiros do concerto de que Ele cumpriria Sua palavra, Deus fez um juramento (v.
17);
3. Assim, por duas coisas imutáveis temos forte encorajamento para nos apropriar da esperança (o
cumprimento das promessas de Deus) colocada diante de nós (v. 18).
4. A esperança entra “dentro do véu”, onde Jesus entrou em nosso favor segundo a ordem de Melquisedeque
(vv. 19-20).

Este contexto não lida com o santuário per se, isto é, seus compartimentos, mobília, serviços, etc., nem contém
qualquer referência ao Dia da Expiação, como se encontra nos contextos de Levítico 16:2 e Hebreus 9:3. Em
Hebreus 6:19, katapetasma simplesmente é introduzido numa discussão acerca do concerto abraâmico e a
dispensação das bênçãos daquele concerto. Não há nada aqui que identificaria o véu que estamos lidando, mas
katapetasma é introduzido simplesmente para localizar onde Jesus está ministrando – o lugar onde se centraliza
a esperança do povo do concerto e desde onde são dispensadas as bênçãos do concerto. Dentro do contexto mais
amplo da discussão em todo o livro de Hebreus, pareceria que katapetasma é usado aqui metaforicamente para o
santuário desde o qual se dispensam as bênçãos do concerto abraâmico.

O que segue é a tradução de um artigo de George E. Rice, “Hebrews 6:19 – Analysis of Some Assumptions
257

Concerning Katapetasma”, em Frank B. Holbrook, ed., Issues in the Book of Hebrews (Silver Spring, MD: Biblical
Research Institute, 1989), 229-234.
Daniel 1 172

2. O termo katapetasma

Em razão de que o tabernáculo do deserto forma a base para a discussão do santuário no livro de Hebreus, um
exame de katapetasma e kalumma na LXX se provará interessante.
2.1. Das seis referências ao véu do átrio, katapetasma é usado cinco vezes (Êx 37:26; 39:19; Núm 3:26; 4:32; 3
Reis 6:36 [1 Reis 6:36]) e kalumma uma vez (Êx 27:16).
2.2. Em onze referências ao primeiro véu do santuário, katapetasma é usado seis vezes (Êx 26:37; 37:5 [36:37],
39:19 [40], Lv 21:23; Núm 3:10; 18:7), kalumma katapetasma uma vez (Êx 40:5), katakalumma duas
vezes (Núm 3:25; 4:31), kalumma uma vez (Núm 4:25), e epispastron uma vez (Êx 26:36).
2.3. Das 25 referências ao véu interior, katapetasma é usado 23 vezes (Êx 26:31, 33 [três vezes], 34, 35; 27:21;
30:6; 35:12; 37:3 [36:35]; 38:18 [36:36]; 39:4 [38:27]; 40:3, 22, 26; Lv 4:6, 17; 16:2, 12, 15; 24:3; Núm
4:5; 2 Crôn 3:14), to katakalumma tou katapetasmatos uma vez (Êx 40:21), e katakalumma uma vez
(Núm 3:31).

Certamente, katapetasma é usado quase exclusivamente para o véu interior (23 vezes das 25 ocorrências). Mas
o mesmo pode ser dito para o véu do átrio (cinco de seis ocorrências)! Katapetasma também é a principal escolha
para o primeiro véu do santuário (seis de onze ocorrências).

Em outras palavras, das 42 referências na LXX aos três véus do santuário do deserto, katapetasma é usado 34
vezes. Ou dito de outra forma: em somente oito exemplos entre estas 42 referências aos véus do santuário
katapetasma não é usado por si. Adicionalmente, em dois exemplos adicionais katapetasma está combinado com
kalumma, assim deixando somente seis exemplos entre 42 onde a palavra não aparece.

Assim, sem dúvida, katapetasma é a expressão favorita, não somente para o véu interior, mas para o primeiro
véu e também para o véu do átrio. E em vista deste uso de katapetasma na LXX, somos forçados a concluir que
suposições como as de Lenski devem ser reexaminadas. Certamente, os leitores hebreus da LXX eram conscientes
que katapetasma era assim usado esmagadoramente para todos os três véus, e é por esta mesma razão que Hebreus
9:3 indubitavelmente identifica qual katapetasma está sendo referido mediante o uso do adjetivo numérico deuteron.

OBRA DO MESSIAS

1. ELE FARIA UMA GRANDE EXPIAÇÃO.


“Para expiar a iniquidade” (Dn 9:24c)

2. Esta expiação traria a justiça eterna.


“Para trazer a justiça eterna” (Dn 9:24d)

3. O santuário celestial seria ungido para o início de Sua obra sumo-sacerdotal.

4. Data para a vinda do Messias.


“Até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas” (Dn 9:25)

5. O Messias seria morto.

6. MESSIAS REJEITADO EM SUA MORTE


“E já não estará” (Dn 9:26b)

7. O MESSIAS FAZ A GRANDE OFERTA FINAL DO VELHO CONCERTO A ISRAEL


“Ele fará firme aliança com muitos por uma semana” (Dn 9:27a)

8. O Messias traz o sistema sacrifical a um fim.

O RETRATO DE JESUS QUE APARECE EM DANIEL 9


É DO MESSIAS COMO SACRIFÍCIO.

Sua morte, Sua rejeição por ocasião da Sua morte, e os múltiplos resultados de Sua morte são características
proeminentes desta profecia.

Estes resultados incluem:


Daniel 1 173

1. expiação e justiça
2. o fim do sistema sacrifical
3. o início de um novo sacerdócio
no santuário celestial.

Em Daniel 9 Cristo é Aquele que nos JUSTIFICA

“E o povo de um príncipe que virá destruirá a cidade e o santuário”. Intérpretes historicistas e futuristas comumente
hão identificado o príncipe mencionado aqui como um Romano. Isto é porque os romanos destruíram Jerusalém em
70 A.D. Entretanto, este príncipe pode ser identificado como romano somente a expensas do termo hebraico para
“príncipe” nesta passagem.

Se se observa a estrutura desta passagem no texto hebraico e se notam os títulos empregados, torna-se aparente que
há um padrão na maneira em que estes títulos são usados. Este padrão clarifica se um, dois, ou três personagens estão
sob consideração. Observe o arranjo:

1. v. 25 Messias (māšîah) Príncipe (nāgîd) A + B


2. v. 26a Messias (māšîah) --- A -
3. v. 26b --- Príncipe (nāgîd) - B

Este padrão pode ser descrito como a quebra de uma díada ou par de palavras (Messias Príncipe). O par de palavras
original foi quebrado, e os termos individuais (Messias / Príncipe) foram reutilizados no verso 26. Assim o sentido
deste padrão sugere que todos os três títulos referem-se à mesma pessoas. Isto está em contraste com a posição
preterista que opta por três diferentes indivíduos nestes títulos (Ciro ou outros, no v. 25; Onias III, no v. 26a; Antíoco
IV, no v. 26b) ou para aqueles historicistas e futuristas que veem dois (Cristo, vv. 25 e 26a; príncipe romano, v.
26b).258

Jesus Cristo cumpriu as especificações desta profecia como o Messias Príncipe que deveria vir ao final das 69
semanas (v. 25). Jesus foi o Messias que foi cortado (v. 26a). Segue-se então que Ele também deveria ser o Príncipe
do povo que destruiria a cidade e seu templo (v. 26b). A identificação dEle como o “Príncipe que há de vir” (v. 26b)
se encaixa bem com a referência ao tempo quando Ele deveria vir no verso precedente (v. 25). Os romanos são
mencionados nesta profecia, mas somente como o “desolador” que é mencionado após isto.

Enquanto o exército romano foi o poder militar que realizou a destruição da cidade e seu templo, os romanos não
foram a causa última que trouxe tal destruição. A razão pela qual os romanos atacaram Jerusalém foi porque os
judeus da cidade se haviam rebelado contra eles. Tivesssem os judeus permanecido leais e subservientes vassalos, e
os romanos nunca teriam atacado Jerusalém.

Foram os próprios judeus, portanto, que precipitaram a cadeia de eventos que finalmente levaram à destruição de
Jerusalém pelos romanos. Eles rejeitaram seu Messias Príncipe e também se revoltaram contra seus senhores
romanos. A situação foi bastante similar àquela ocorrida quando Nabucodonosor, estimulado pela rebelião de
Zedequias, sitiou Jerusalém no sexto século a.C. (ver Jer 38:17-23). Os líderes dos judeus no primeiro século A.D.
não aprenderam da falha de seus líderes no sexto século a.C. E a história se repetiu.

Assim, longe de seguir a sequência de eventos parece ser prevista pelas sucessivas declarações deste verso:
o Messias seria levado à morte;
o povo do Messias O rejeitaria quando Ele fosse levado à morte; e
o povo que rejeitou o Messias quando Ele morreu também traria sobre eles mesmos a destruição de sua cidade e
templo. (William Shea, “The Prophecy of Daniel 9:24-27”, em Frank B. Holbrook, ed., The Seventy Weeks,
Leviticus, and the Nature of Prophecy [Washington, DC: Biblical Research Institute, 1986], 92-94).

v. 26 – “y el pueblo de un príncipe que ha de venir destruirá la ciudad y el santuario; y su fin será con inundación, y
hasta el fin de la guerra durarán las devastaciones”.

Esta parte do verso muda o foco do Messias para o povo judeu e o que acontecerá a eles. A profecia aponta para a
reconstrução de Jerusalém e também para a sua redestruição. Encartado entre estes dois pólos históricos e sua

Maxwell interpreta o “príncipe” como o general romano Tito, e o “povo” simbolizaria seus soldados. Ver, idem,
258

237-238, 257.
Daniel 1 174

extensão no tempo profético se encontra a carreira do Messias. Quando sua carreira terminar, em algum ponto
posterior não especificado, a cidade voltaria a ficar em ruínas como aconteceu por ocasião da conquista de
Nabucodonosor em 586 a.C.

Os romanos cumpriram esta redestruição da cidade quando a conquistaram e destruíram no ano 70 AD. Eles
queimaram as partes baixa e alta da cidade e derrubaram seus muros. Com exceção das três torres do palácio de
Herodes, toda a Jerusalém foi destruída. Epifânio oferece um relato acerca da condição de Jerusalém quando o
imperador Adriano a visitou em 130 AD: “Ele encontrou o templo de Deus derrubado e toda a cidade devastada, com
exceção de umas poucas casas e a igreja de Deus” (Weights and Measures,14:54c). (Ver William H. Shea, Daniel 7-
12, 74-75; idem, “The Prophecy of Daniel 9:24-27”, 94-95).

v. 27 – “Y por otra semana confirmará el pacto con muchos; a la mitad de la semana hará cesar el sacrificio y la
ofrenda. Después con la muchedumbre de las abominaciones vendrá el desolador, hasta que venga la consumación, y
lo que está determinado se derrame sobre el desolador”.

“E sobre a asa da abominação virá um desolador” (trad. de W. Shea). O verbo “virá” não está escrito no texto
hebraico, mas sua presença pode ser implicada a partir da natureza existencial desta declaração. Literalmente, a
sentença diz: “Sobre (a) asa das abominações (haverá – there shall be) um desolador”. Desde que “haverá” está
implicado a fim de traduzir a declaração sensível, “virá” é uma interpretação natural. O “desolador” é um particípio
da mesma raiz como o substantivo plural “desolações” que aparece ao final do verso precedente. Neste exemplo o
particípio está funcionando como um substantivo. Este desolador pode ser identificado como a causa daquelas
desolações tanto léxica como historicamente.

“Sobre a asa de” parece ser um idiomatismo para expressar consequências imediatas, isto é, alguma coisa que
aconteceria pouco depois. Assim, em contraste com as atividades antideus do poder em 8:12-13; 11:31, e 12:11, este
desolador e suas desolações viriam após ou surgiriam no cenário de ação após as abominações terem aparecido. As
abominações viriam primeiro e o desolador o seguiria, no mínimo em termos de tempo, se não também em termos de
causa.

Historicamente esta desolação foi efetuada pelos romanos. Os judeus estavam de posse da cidade até aquele tempo.
Desde que as abominações precederiam aquela desolação, os judeus – e não os romanos – teriam sido os únicos
responsáveis por tais abominações. Isto pode ter sido cumprido (em um sentido) através da continuação da oferta de
sacrifícios após a morte de Cristo. Não somente tais sacrifícios se haviam tornado sem significado, mas sua
continuação também negava a realidade antitípica que os tinham cumprido. Eles serviam para negar a verdade que
eles foram designados trasmitir.

Este é um cumprimento possível destas abominações. Outra aplicação possível tem a ver com o destino final do
templo. No sítio romano à cidade de Jerusalém, o templo foi convertido em uma fortaleza, um bastião final de
resistência contra os romanos durante o cerco à cidade. Isto poluiu e perverteu de forma final o propósito para o qual
o templo foi designado: um lugar para o culto e o serviço de Deus. (Shea, “The Prophecy of Daniel 9:24-27”, 97).

24. Setenta semanas. Esta expresión parecería ser una introducción un tanto inesperada, pero el ángel había venido
con el propósito específico de hacerle entender a Daniel la visión. Inmediatamente comenzó a explicarle.

La palabra que aquí se traduce "semana", shabua', describe un período de siete días consecutivos (Gén. 29: 27; Deut.
16: 9; Dan. 10: 2). En el seudoepigráfico Libro de los Jubileos, al igual que en la Mishna, se usa shabua' para indicar
un período de siete años. Evidentemente aquí se trata de semanas de años y no semanas de días, pues en el cap. 10:
2-3 cuando Daniel quiere especificar que las semanas a las que allí se refiere son semanas de siete días, el hebreo
dice explícitamente "semanas de días". Las 70 semanas de años serían 490 años literales, sin necesidad de que a éstos
se les vuelva a aplicar el principio profético de día por año (ver com. Dan. 7: 25).

Están determinadas. Heb. hathak, palabra que en la Biblia sólo aparece aquí. Se usa en hebreo postbíblico y su
significado es "cortar", "separar", "determinar", "decretar". La LXX usa krínó, "decidir", "juzgar", etc. La versión de
Teodoción usa suntémnó, "acortar", "abreviar", etc., significado que se refleja en la Vulgata bajo la palabra
abbreviare. Debe determinarse el matiz exacto de significado por el contexto. En vista de que el cap. 9 es una
exposición de la parte que no se explicó de la visión del cap. 8 (ver com. cap. 9: 3, 21-23), y puesto que la parte no
explicada tenía que ver con los 2.300 días, es lógico concluir que las 70 semanas, o 490 años, habrían de ser
"cortadas" de ese período más largo. Además, faltando pruebas contrarias, puede deducirse que las 70 semanas serían
Daniel 1 175

cortadas a partir del comienzo de ese período. Vista a la luz de estas observaciones, la traducción de jathak como
"cortar" parece muy apropiada. Puesto que los 490 años estaban especialmente asignados a los Judíos respecto a su
(p. 878) papel como pueblo escogido de Dios, las traducciones "determinar" y "decretar" también son apropiadas en
este contexto.

Tu pueblo. Los 490 años se aplicaban especialmente a la nación judía.

Para terminar. Heb. lekalle' de la raíz kala', "reprimir". El pasaje puede referirse al poder restrictivo que Dios
ejercería sobre las fuerzas del mal durante el período concedido a los Judíos. Sin embargo, unos 40 manuscritos
hebreos rezan lekalleh, forma que claramente proviene de kalah, "completar". Si kalah es la raíz, el pasaje se refiere
evidentemente al hecho de que dentro de este período los Judíos llenarían la copa de su iniquidad. Dios había
soportado largo tiempo a los israelitas. Les había dado muchas oportunidades, pero ellos continuamente lo
chasqueaban (ver pp. 34-35).

Poner fin al pecado. Esta frase puede tener un significado paralelo con la que precede, "terminar la prevaricación".
Algunos expositores notan que la palabra que aquí se traduce "pecado" (Heb. jatta'oth o jatta'th, según algunos
manuscritos y los masoretas) puede significar "pecados" u "ofrenda por el pecado". De las 290 veces que se usa la
palabra jatta'th en el AT, 155 veces significa "pecado" y 135 veces "ofrenda por el pecado". Si el significado que se
deseaba dar era "ofrenda por el pecado", podría darse la siguiente interpretación: Cuando Cristo, en el Calvario, llegó
a ser la realidad simbolizada (antitipo) por los sacrificios efectuados en el santuario, ya no fue más necesario que el
pecador trajese su ofrenda por el pecado (ver Juan 1: 29). Sin embargo, la forma plural jatta'oth casi invariablemente
describe pecados, y sólo una vez, a menos que ésta también sea una excepción, significa ofrenda por los pecados
(Neh. 10: 33).

Expiar la iniquidad. Heb. kafar vocablo que generalmente se traduce "hacer expiación", cuyo sentido básico es
"cubrir" (ver Exo. 30: 10; Lev. 4: 20; etc.). Mediante su sacrificio vicario, Cristo logró la reconciliación para todos
los que aceptan su sacrificio.

Justicia perdurable. Cristo no vino a la tierra sólo para hacer que los pecados fuesen borrados. Vino para reconciliar
al hombre con Dios. Vino para que fuera posible imputar e impartir su justicia al pecador arrepentido. Cuando los
hombres lo aceptan, él les confiere el manto de su justicia, y ellos aparecen en la presencia de Dios como si nunca
hubieran pecado (CC 62). Dios ama a las almas arrepentidas y creyentes así como ama a su Unigénito, y debido a
Cristo las acepta en su familia. Mediante su vida, muerte y resurrección, Cristo ha hecho que la justicia eterna esté a
disposición de todo hijo de Adán que, con fe sencilla, esté dispuesto a aceptarla.

Sellar. Evidentemente no se usa aquí con el sentido de "cerrar", sino de "confirmar" o "ratificar". El cumplimiento
de las predicciones relacionadas con el primer advenimiento del Mesías en el tiempo especificado por las profecías
nos asegura que los otros elementos de la profecía, en particular los 2.300 días proféticos, se cumplirán con la misma
precisión.

Santo de los santos. Heb. qódesh qodashim, "algo santísimo" o "alguien santísimo". La frase hebrea se aplica al altar
(Exo. 29: 37; 40: 10), a otros utensilios y muebles pertenecientes al tabernáculo (Exo. 30: 29), al perfume santo (Exo.
30: 35-36), ofrendas especificadas de alimento (Lev. 2: 3, 10; 6: 17; 10: 12), ofrendas por el pecado (Lev. 7: 1, 6), el
pan de la proposición (Lev. 24: 5-9), cosas consagradas (Lev. 27: 28), al recinto santo (Núm. 18: 10; Eze. 43: 12), y
al lugar santísimo del santuario (Exo. 26: 33-34). En ninguna parte se aplica esta frase a personas, a menos que,
como sugieren algunos, se la aplique así en este caso y en 1 Crón. 23: 13. Este último texto puede traducirse, "Aarón
fue separado para ungirlo como persona santísima", aunque puede también traducirse como en la RVR. Algunos
expositores Judíos y muchos comentadores cristianos han sostenido que se hace referencia al Mesías.

En vista de que no se puede demostrar que esta frase se refiere en otros casos definidamente a una persona y en vista
de que se está hablando del santuario celestial en los aspectos más amplios de la visión (ver com. Dan. 8: 14), es
razonable inferir que Daniel habla aquí del ungimiento del santuario celestial antes del tiempo del comienzo de la
obra de Cristo como sumo sacerdote.

25. La salida de la orden. Cuando fue dada esta visión, Jerusalén y el templo todavía estaban en ruinas. El cielo
anuncia que se daría una orden para reconstruirlos y restaurarlos, y que desde esa fecha pasaría un número
determinado de años hasta el Mesías anhelado por tanto tiempo.
Daniel 1 176

En el libro de Esdras se registran tres (p. 879) decretos referentes a la repatriación de los judíos: El primero en el
primer año de Ciro, alrededor del 537 a. C. (Esd. 1: 1-4); el segundo durante el reinado de Darío I, poco después del
520 (Esd. 6: 1-12); el tercero en el 7° año de Artajerjes, 458/457 a. C. (Esd. 7: 1-26).

* Hay informaciones adicionales en el t. III, pp. 100-108.

En sus decretos, ni Ciro ni Darío dispusieron medidas efectivas para la restauración del Estado civil Judío como una
unidad completa, aunque en la profecía de Daniel se prometía una restauración del gobierno religioso y del gobierno
civil. El decreto del séptimo año de Artajerjes fue el primero que dio al Estado judío completa autonomía, bajo el
dominio persa.

Identificando o decreto:

“Desde a saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém”

É possível identificar o decreto que permitiu a restauração e reconstrução de Jerusalém como descrita por Daniel?
Encontramos em Esdras vários diferentes decretos concernentes aos exilados e Jerusalém. Há um decreto de Ciro em
538 a.C. (Esdras 1:1-4; cf. Is 45:1), o decreto de Dario em 520 a.C. (Esdras 6:1-12), o decreto de Artaxerxes em 457
a.C. (7:12-26), e mesmo uma autorização dada a Neemias para reconstruir o muro de Jerusalém em 444 a.C. (Nee 1).
Qual destes decretos é o cumprimento de Daniel 9:25? Vejamos brevemente cada um:

O decreto emitido por Ciro em 538 a.C. é considerado por alguns ser aquele profetizado não tanto por Daniel, mas
particularmente por Isaías (ver Is 44:28; 45:13). Entretanto, de acordo com Esdras 1:2-4, o decreto de Ciro dizia
respeito tão-somente à reconstrução do templo em Jerusalém. Uma forma de harmonizar as passagens de Isaías com
Esdras 1:2-4 é ver em Ciro aquele que iniciou o processo que finalmente resultou em um decreto autorizando a
reconstrução de Jerusalém. Neste caso, Ciro representava os outros reis persas que viriam após ele, um dos quais
emitiria o decreto anunciado pelo profeta.

O decreto de Ciro registrado em Esdras 1:2-4 não satisfaz os requerimentos estipulados pela profecia de Daniel,
porque permite somente a reconstrução do templo e não se dirige ao tema da restauração e reconstrução de
Jerusalém.

O segundo decreto foi emitido por Dario em 520 a.C. Segundo Esdras 5, Zorobabel e Josué, sob a influência dos
profetas Ageu e Zacarias, reiniciaram o projeto de reconstrução do templo vários anos após a sua interrupção.
Quando Tatenai, governador da província, viu as atividades de reconstrução, questionou a base legal para o que
estava sendo feito, e escreveu uma carta a Dario pedindo-lhe para verificar a informação que ele obteve dos judeus
em Jerusalém. Foi realizada uma investigação e o decreto de Ciro foi encontrado. Consequentemente, Dario emitiu
outro decreto confirmando o primeiro (Esdras 6:3-12). O decreto de Dario não é significativamente diferente do edito
de Ciro. A única diferença importante é que o rei ordenou a Tatenai não interferir com o projeto de reconstrução do
templo e to impale qualquer um que se opusesse ao mesmo.

O terceiro decreto é o de Artaxerxes em 457 a.C., registrado em Esdras 7:12-26. Este decreto é significativamente
diferente dos anteriores parcialmente porque já a obra de reconstrução do templo havia sido concluída. Esdras é
então introduzido como aquele que sobre todos os outros foi responsável pelo estabelecimento da lei do Pentateuco
como a norma para toda a vida religiosa e social na comunidade pós-exílica.

O decreto de Artaxerxes incluiu vários elementos importantes: (1) garantiu permissão para os exilados retornarem
para Jerusalém, (2) fundos foram designados para o apoio do templo em Jerusalém, (3) o templo e o pessoal do
templo foram isentados do pagamento de impostos, (4) Esdras deveria investigar a condição do povo em Judá,
possivelmente a fim de conduzir suas vidas em harmonia com a lei mosaica, e (5) estabeleceu um sistema legal
baseado na Torah para todos os judeus na Judéia e em toda a província do Trans-Eufrates.

O verso 26 é particularmente importante: . O rei persa fez a lei mosaica parte de sua própria lei, garantindo-lhe
autoridade imperial. Os judeus poderiam agora usá-la livremente para regular suas vidas e na administração da
justiça em Jerusalém. O rei restaurou a autoridade dos judeus para governar a si mesmos sobre a base da lei de Deus.
É a este tipo de restauração que Daniel 9:25 estava apontando em seu anúncio profético.

O decreto de Artaxerxes, registrado em Esdras 7, foi suficientemente abarcante para permitir a reconstrução de
Jerusalém. De fato, a reconstrução do cidade está implícita na autorização para estabelecer um sistema judicial em
Daniel 1 177

um lugar central baseado sobre a lei de Deus. Adicionalmente, encontramos clara evidência em Esdras e Neemias de
que Esdras foi autorizado a reconstruir a cidade.

A primeira linha de evidência é encontrada em Neemias 1. Aproximadamente 13 anos após Esdras ter chegado a
Jerusalém, Neemias é informado de que aqueles que retornaram para a Palestina estavam "em grande miséria e
desprezo" e que "os muros de Jerusalém" estavam derribados e as portas queimadas a fogo (Nee 1:3). A reação de
Neemias a esta informação (v. 4) é tão forte que este relato não pode se referir à destruição de Jerusalém por
Nabucodonosor cerca de 140 anos antes. Certamente ele teria conhecimento muito antes de 444 a.C. o que o exército
babilônico tinha feito a Jerusalém em 586 a.C. Neemias está-se referindo a um evento recente e indica que a
reconstrução da cidade tinha estado em progresso mas foi interrompida e muito da obra feita tinha sido danificada
e/ou destruída. Este projeto de reconstrução ocorreu antes de 444 a.C., mas estava inacabado. A questão é: Quando a
reconstrução do muro começou? Foi durante o tempo de Ciro, Dario, ou Artaxerxes? O texto bíblico provê uma
respostas clara. Segundo Esdras 4:7-23 ela ocorreu durante o reinado de Artaxerxes.

Isto conduz à segunda linha de evidência. Esdras 4:7-23 declara que um grupo de oficiais persas da província do
Trans-Eufrates escreveram uma carta a Artaxerxes registrando sua oposição à reconstrução de Jerusalém pelos
judeus. Na carta eles declararam duas coisas importantes. Primeiro, mencionaram ao rei que a cidade estava sendo
reconstruída, os muros estavam sendo concluídos, e os fundamentos estavam sendo reparados. Segundo, esta
reconstrução estava sendo feita pelos "judeus que subiram de ti... a nós a Jerusalém" (Esdras 4:12). A frase "de ti... a
nós" indica que a reconstrução estava sendo feita por um grupo de exilados que tinham sido autorizados por
Artaxerxes a retornar para Jerusalém. Segundo Esdras 7 o rei autorizou Esdras e os exilados em 457 a.C. a retornar
para Jerusalém. Foi este grupo de exilados que estava reconstruindo a cidade.

Na carta os oficiais persas tentaram persuadir o rei a suspender o projeto, argumentando que Jerusalém sempre havia
sido uma cidade rebelde e por esta causa havia sido destruída pelos babilônios (Esdras 4:13, 15). A carta
argumentava que se aos judeus fosse permitido concluir seu projeto eles poderiam assumir o controle da província
Trans-Eufrates e deixariam de pagar os impostos e tributos ao rei (vv. 13, 16). Isto era um exagero, mas poderia ter
sido baseado no fato de que Artaxerxes autorizou Esdras a ensinar e impor a lei de Deus por toda a província e não
somente em Jerusalém (7:25, 26).

É também importante observar que a carta não sugere em qualquer maneira que a reconstrução da cidade e seus
muros estava sendo feita sem consentimento real. Desde que os oficiais estavam tentanto prejudicar a comunidade
judaica, tivesse a reconstrução sido ilegal ele teriam usado o argumento de insubordinação ao rei contra eles. Os
argumentos que eles usaram pressupõe que a reconstrução foi autorizada pelo rei. Eles queriam a interrupção do
projeto não porque não fosse apoiada por Artaxerxes, mas por causa do perigo potencial de insurreição, uma vez
alcançada sua conclusão.

A resposta do rei a esta carta sugere que os judeus tinham sido autorizados por Artaxerxes a reconstruir a cidade.
Uma vez que a denúncia foi recebida, o rei não checou se os judeus foram autorizados a reconstruir Jerusalém. Ele
sabia que eles tinham sido legalmente autorizados a fazer o que eles estavam fazendo. Ele poderia somente
interromper o projeto na base de uma potencial insurreição futura. Por esta razão, ele checou a história de Jerusalém
e foi confirmado que ela havia sido uma cidade rebelde, e baseado nisso ele ordenou a suspensão do projeto (v. 19).
Deve-se notar que o decreto permitindo a reconstrução da cidade não foi cancelado, mas sua execução foi adiada
pelo rei para um tempo futuro a ser determinado por ele (v. 21). Isto ele fez durante o tempo de Neemias (Nee 2).

Os oficiais persas receberam a carta do rei, foram a Jerusalém "e, de mão armada os forçaram a parar com a obra"
(Esdras 4:23). É difícil saber o pleno significado desta última frase, mas certamente indica que os oficiais
empregaram força militar para interromper o projeto e que no mínimo algumas seções do muro foram destruídas. Isto
explica porque Neemias levou apenas 52 dias para reconstruir o muro da cidade (Nee 6:15). É a este ataque sobre os
judeus e à cidade que Neemias 1 se refere.

A terceira linha de evidência apoiando a conviccção de que o decreto de Artaxerxes em 457 a.C. permitiu aos judeus
reconstruir Jerusalém é encontrada em Esdras 9:9. Em uma de suas orações Esdras declara que Deus autorizou o
povo através dos reis persas "para levantar a casa do nosso Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos desse
um muro de segurança em Judá e em Jerusalém".

A profecia de Daniel 9:25 foi cumprida em 457 a.C. quando Artaxerxes autorizou Esdras, através de um decreto real,
a voltar para Jerusalém acompanhado por um grupo de exilados para restaurar e reconstruir a cidade. Os livros de
Daniel 1 178

Esdras e Neemias mostram claramente que isto foi exatamente o que aconteceu e que a reconstrução da cidade foi
concluída sob a liderança de Esdras e Neemias.

Decreto de Artaxerxes dado a Neemias – 444 a.C. Alguns intérpretes argumentam que o decreto a que Daniel se
refere é aquele dado a Neemias. O argumento é que somente neste decreto se menciona explicitamente a
reconstrução da cidade. Esta linha de raciocínio passa por alto o fato de que o decreto tinha de incluir a restauração e
a reconstrução da cidade. O "decreto" de 444 a.C. lida somente com os muros. Mais importante, porém, a permissão
dada a Neemias em nenhum lugar é denominada um "decreto". A permissão dada a ele para reconstruir a cidade foi
suplementária ao decreto dado a Esdras, uma extensão deste.

Datando o decreto

Uno de los papiros de doble fecha descubierto en la colonia Judía de Elefantina, Egipto (ver t. III, pp. 106-111), fue
escrito en el año de ascensión al trono de Artajerjes en enero del 464 a. C. Este es el único documento judío de ese
año que se conozca. Comparándolo con otros registros antiguos, se puede deducir que, mediante el cómputo judío, el
"comienzo de su reinado" o "año ascensiones" (ver t. II, pp. 141-143) comenzó después del Año Nuevo Judío de 465
a. C. y terminó en el siguiente Año Nuevo judío, en septiembre-octubre del 464 a. C. Entonces, su "primer año" (su
primer año calendario completo) habría ido desde septiembre-octubre del 464 a. C. hasta septiembre-octubre del 463
a. C. El 7° año de Artajerjes se extendería entonces, desde el otoño (septiembre-octubre) del 458 a. C. hasta el otoño
del 457 a. C. Las disposiciones del decreto no fueron llevadas a cabo hasta después de que Esdras volvió de
Babilonia, lo que ocurrió entre julio y septiembre del 457 a. C. Ver en el t. III, pp. 103-108, un estudio de Esd. 7 y la
precisión histórica de la fecha 457 a. C. como 7° año de Artajerjes. Ver un estudio completo del tema en S. H. Horn
y L. H. Wood, The Chronology of Ezra 7 (Ed. rev. 1970).

Mesías. Heb. mashíaj, del verbo mashaj, "ungir". Por lo tanto, mashíaj describe a un "ungido" tal como el sumo
sacerdote (Lev. 4:3, 5, 16), los reyes de Israel (1 Sam. 24: 6,10; 2 Sam. 19: 21), Ciro (Isa. 45: 1), etc. La versión
griega de Teodoción traduce la palabra mashíaj literalmente, Jristós, palabra que viene del verbo jríw, "ungir", y por
lo tanto significa sencillamente "ungido". "Cristo" es una trasliteración de jristós. En la historia judía posterior se
aplicó el término mashíaj al Libertador esperado que habría de venir (ver Juan 1: 41; 4: 25-26).

Daniel predijo que el Mesías Príncipe anhelado por tanto tiempo habría de aparecer en un tiempo especificado. A
este tiempo se refirió Jesús cuando declaró: "El tiempo se ha cumplido" (Mar. 1: 15; DTG 200). Jesús fue ungido en
ocasión de su bautismo en el otoño [del hemisferio norte] del año 27 d. C. (Luc. 3: 21-22; Hech. 10: 38; cf. Luc. 4:
18).

Príncipe. Ver com. cap. 11: 22. Siete semanas, y sesenta y dos semanas.
La forma natural de calcular estas semanas es considerarlas como consecutivas, es decir que las 62 semanas
comienzan al finalizar las 7 semanas. Estas divisiones componen las 70 semanas, mencionadas en el vers. 24 de esta
manera: 7 + 62 + 1 = 70. Respecto a la última semana, ver com. vers. 27.

Comenzando en el otoño (septiembre-octubre) del 457 a. C., cuando entró en vigencia el decreto, las 69 semanas
proféticas, o 483 años, llegan hasta el bautismo de Jesús en el año 27 d. C. Se ha de notar que si se hubieran
computado los 483 años comenzando del principio del 457 a. C., se hubieran extendido hasta el final del año 26 d.
C., porque el período de 483 años requiere 457 años a. C. completos más 26 años d. C. completos. Puesto que el
período comenzó muchos meses después del comienzo de 457 a. C., habría de terminar el mismo número de meses
después del fin del 26 d. C., es decir el 27. Esto se debe a que los historiadores (a diferencia de los astrónomos)
nunca cuentan un año cero (ver t. 1, p. 187). Algunos se han preguntado cómo Cristo pudo haber comenzado su obra
en 27 d. C. cuando el registro dice que tenía alrededor de 30 años cuando comenzó su ministerio público (Luc. 3:
23). Esto se debe a que cuando se calculó por primera vez la era cristiana, hubo un error de unos cuatro años. Es
evidente que Cristo no nació en el año 1 d. C. puesto que cuando nació todavía vivía Herodes el Grande, y Herodes
murió en el año 4 a. C. (Mat. 2: 13-20).

Algunos expositores modernos interpretan de una forma completamente diferente estos períodos. El "mesías" es
identificado como Ciro, Zorobabel o el sumo sacerdote Josué (ver Esd. 3: 2; Zac. 3: 1, 3; 6: 11-13). Algunos
consideran que "la orden para restaurar y edificar a Jerusalén" es la profecía dada por medio de Jeremías de que
Jerusalén sería (p. 880) reconstruida (Jer. 29: 10). Esos expositores creen que esta "orden" se puso en vigencia en
586 a. C., el año de la destrucción de Jerusalén, y que las "siete semanas", o sea 49 años, llegan aproximadamente
hasta el decreto de Ciro. Además esos expositores mantienen que las 62 semanas, o 434 años, llegan hasta la era de
los Macabeos. El pacto de la septuagésima semana lo entienden como la unión de Antíoco con los judíos apóstatas.
Daniel 1 179

Traducen "a la mitad de la semana" (Dan. 9: 27) como "media semana" (ver com. cap. 9: 27) y aplican la "media
semana" a la profanación del templo hecha por Antíoco desde 168 hasta 165 a. C. (1 Mac. 1: 54; 4: 52-53). Los
traductores de esta escuela de interpretación usan otra puntuación posible en Dan. 9: 25 para favorecer esta idea.
Como ya lo hemos demostrado, sólo una distorsión de las cifras cronológicas permite que esos expositores lleguen a
los acontecimientos que según ellos cumplen los requisitos proféticos. Cuando esas cifras se aplican. a Cristo, su
ministerio y su muerte, y la predicación del Evangelio a los judíos, se logra una perfecta sincronización. Ver com.
cap. 8: 25.

Se volverá a edificar. Algunos intérpretes dan especial importancia al período de "siete semanas", o sea 49 años,
pues afirman que representa el tiempo durante el cual se completaría la construcción de la plaza y del muro. Sin
embargo, la información histórica de este período es muy escasa. Se sabe poco de las condiciones existentes en
Jerusalén desde el tiempo de Artajerjes hasta el de Alejandro. Lo que puede saberse en base a la Biblia y los
documentos históricos es fragmentario.

Plaza. Heb. rejob, "un lugar amplio".

Muro. Heb. jaruts. Se usa con este sentido sólo aquí en el AT. En el hebreo de la Mishnah significa "una zanja". En
acadio la palabra significa "foso de la ciudad". "Muro" es la traducción de la versión griega de Teodoción y de la
Vulgata.

Tiempos angustiosos. Ver una breve historia de este período en el t. III, pp. 75-81.

26. Después de las sesenta y dos semanas. Se mataría al Mesías después de este período y no durante él. Esta
expresión no tiene por objeto fijar el tiempo exacto cuando ocurriría el calamitoso acontecimiento de la muerte del
Mesías. Eso se hace en el vers. 27, donde ese suceso se ubica "a la mitad de la semana".

Se quitará la vida. Según esta declaración profética, el Mesías no aparecería como lo esperaban los judíos, como
glorioso vencedor y emancipador. En cambio, sería muerto en forma violenta.

No por sí. "No será de él" (BJ). Literalmente, "y no hay para él". El significado de esta frase no es claro. La BJ
añade en nota de pie de página: "Texto oscuro". Se han sugerido muchos significados posibles, tales como," y no
tendrá nada", "no será", "y no hubo ayudante para él".

Y el pueblo. La traducción que aparece en el margen de algunas Biblias: "y ellos [los judíos] no serán más su
pueblo", carece de fundamento pues no corresponde con el hebreo.

La ciudad y el santuario. Se predice aquí que el templo y la ciudad de Jerusalén serían raídos. Esto lo cumplieron los
romanos en el 70 d. C. Los soldados romanos tomaron antorchas y deliberadamente las pusieron en la parte de
madera del interior del templo, lo que produjo su completa destrucción. En vez de "el pueblo de un príncipe que ha
de venir" la LXX reza "rey de naciones".

Con inundación. Es decir, en el sentido de ser abrumador (ver Isa. 8: 7-8).

Durarán las devastaciones. Este pasaje podría traducirse literalmente, "hasta el fin [habrá] guerra, una determinación
de ruinas".

27. Otra semana. Esta semana, la septuagésima, comenzó en 27 d. C. al iniciarse el ministerio público de Cristo en
ocasión de su bautismo. Se extendió más allá de la crucifixión en "la mitad de la semana", ocurrida en la primavera
(marzo-abril) del 31 d. C., hasta el rechazo de los judíos como pueblo del pacto, en el otoño del 34 d. C. (490 años
después de 457 a. C. nos lleva al 34 d. C.; ver com. vers. 25 en cuanto a la manera de hacer cómputo). La "viña" fue
entonces arrendada "a otros labradores" (Mat. 21: 41; cf. Isa. 5: 1-7; CS 375, 462). Durante unos 3 ½ años las
autoridades de Jerusalén toleraron la predicación de los apóstoles, pero finalmente su rencor se tradujo en el
apedreamiento de Esteban, el primer mártir cristiano, y la persecución general que se desató entonces contra la
iglesia. Hasta ese tiempo los apóstoles y otros misioneros cristianos parecen haber limitado mayormente sus
actividades a las proximidades de Jerusalén (ver Hech. 1: 8; 8: 1).
Puesto que las 70 semanas, o 490 años, son parte del período más largo de 2.300 años y puesto que los primeros 490
años de ese período (p. 881) se extienden hasta el otoño del 34 d. C., es posible calcular la fecha de la terminación de
los 2.300 años. Sumando a 34 d. C. los 1.810 años restantes de los 2.300 años se llega hasta el otoño de 1844 cuando
el santuario debía ser "purificado" (ver com. cap. 8: 14).
Daniel 1 180

Adviértase también que el cumplimiento de las predicciones de la profecía de las 70 semanas era para "sellar la
visión" (vers. 24), es decir la visión del período más largo de los 2.300 días (ver com. vers. 21). El cumplimiento
preciso de los acontecimientos predichos para la septuagésima semana, que están relacionados con el ministerio y la
crucifixión de nuestro Señor, nos da una prueba incontestable de la certeza de los acontecimientos al final de los
2.300 días.

Confirmará el pacto con muchos. La persona de quien se habla aquí es el Mesías de los versículos anteriores. Si se
interpreta así el versículo, la profecía de las 70 semanas o 490 años aparece como una unidad coherente y continua.
Las declaraciones hechas hallan un cumplimiento exacto en tiempos del Mesías. La confirmación del pacto con
muchos puede considerarse como la continuación de la nación judía como pueblo escogido de Dios durante el
período citado. Por otra parte la "confirmación" puede ser la del pacto eterno (ver com. cap. 11: 28).

A la mitad. Heb. jatsi, palabra que significa "mitad" (Exo. 24: 6; 25: 10, 17; etc.) o "medio" (Exo. 27: 5; 38: 4; etc.);
el contexto determina el sentido específico. Varias de las versiones más recientes dicen "medio". Esa traducción se
basa en la suposición de que el contexto habla de Antíoco Epífanes, quien durante unos tres años, suprimió los
servicios del templo de Jerusalén. Pero Antíoco no calza en la cronología profética. No puede ser el tema de esta
predicción. Como ya se ha demostrado, los períodos proféticos alcanzan hasta el tiempo del Mesías y el
cumplimiento debe encontrarse en su tiempo.

La mitad de la semana sería la temporada de la pascua del 31 d. C., 3 1/2 años después del bautismo de Cristo en el
otoño del 27 d. C. Ver com. Mat. 4: 12 respecto a la prueba de que ésta fue la duración del ministerio público de
Cristo. (Ver en Problems in Bible Translation, pp. 184- 187, un estudio de las palabras "medio" y "mitad").

Cesar. Los sacrificios hallaron su cumplimiento en el sacrificio voluntario de Cristo, al que habían simbolizado. La
ruptura del velo del templo hecha por una mano invisible en el instante de la muerte de Cristo fue el anuncio del
cielo de que los sacrificios y las oblaciones habían perdido su significado.

Muchedumbre. Literalmente, "ala". Aquí se representa poéticamente al desolador como llevado sobre el ala de las
abominaciones. Esto se refiere, a lo menos en parte, a los horrores y las atrocidades que los romanos cometieron
contra la nación judía en el año
70 d. C.

Consumación. Es decir, el final de lo que habría de acontecer a la nación judía. Triste fue la suerte de los que
rechazaron su esperanza de salvación.

Desolador. En la RVA y la VM dice "asolado", pero es mejor "desolador". El desolador mismo sería finalmente
destruido (ver com. Mat. 23: 38).
Daniel 1 181

DANIEL 10
Com o capítulo 10 se inicia a profecia final do livro, que cobre 3 capítulos:

Cap. 10 - prólogo
Cap. 11 - corpo da profecia
Cap. 12 – epílogo

O fato de que elementos do capítulo 10 se repetem no capítulo 12, evidenciam que os três capítulos devem ser vistos
em conjunto, e não separadamente.

O capítulo 11 é a mais detalhada profecia no livro de Daniel. As profecias prévias se referiram a reinos; no capítulo
11 encontramos os detalhes e informações sobre reis individuais.

Nenhuma visão simbólica precede esta detalhada explicação. É um tipo de profecia oral, didática, dada diretamente
por Gabriel a Daniel. A verdade da profecia é selada pela aparição do próprio Deus no capítulo 10 e por Seu
juramento registrado no capítulo 12.

Segundo o capítulo 10, uma questão local - provavelmente a reconstrução do templo em Jerusalém - forma parte da
situação abordada neste capítulo.

O cap. 11 apresenta a profecia desde o presente Persa (de acordo com o ponto de vista de Daniel) até o remoto
futuro, quando Deus concluiria o plano da salvação e estabeleceria o seu reino eterno. Este evento é descrito nos
primeiros quatro versos do capítulo 12.

1. El año tercero de Ciro. Contando desde la caída de Babilonia, ya fuera por el año de primavera o de otoño, esto
habría ocurrido el año 536/535 a. C. (ver com. Dan. 10: 4, también com. Esd. 1: 1). Evidentemente Daniel estaba
ya llegando al final de su vida (ver Dan. 12: 13); tenía unos 88 años si consideramos que era un joven de 18 años
cuando fue llevado cautivo (ver 4T 570) en 605 a. C. (ver com. cap. 1: 1). Dan. 10: 1 comienza la sección final del
libro. El cap. 10 presenta las circunstancias que rodeaban a Daniel en ocasión de su cuarta gran profecía, registrada
en los cap. 11 y 12. La parte principal de la narración profética comienza en el cap. 11: 2 y termina en el cap. 12: 4.
El resto del cap. 12 es una especie de epílogo de la profecía. Ver t. II, pp. III, 113-114, respecto a la forma de
computar los años partiendo de la primavera o del otoño.

* Dn 10:1 - terceiro ano de Ciro


* Conquista de Babilônia - 539 a. C.
* 1º ano oficial de Ciro - primavera de 538 a primavera de 537 a. C.
* 3º ano - primavera 536 a primavera 535 a. C.

O PROBLEMA

Embora Daniel não diga qual problema afetava seu povo naquele tempo, a data fornece uma pista. No terceiro ano
de Ciro os judeus haviam retornado para a Judéia.

O problema deve ter relação com alguma situação que o povo enfrentou após retornar para Jerusalém. O livro de
Esdras diz-nos que eles realmente se encontravam em problema.

Esdras 1- decreto de Ciro permitindo o retorno dos judeus.


Esdras 2 - lista dos que retornaram.
Esdras 3 - repara altar - oferece sacrifícios
Esdras 4 - Samaritanos: colaboração – oposição

[Os Samaritanos] “alugaram contra eles conselheiros para frustrarem o seu plano, todos os dias de Ciro, rei da Pérsia,
até ao reinado de Dario, rei da Pérsia.” Esdras 4:5

Dario I somente assumiu o trono em 522 a.C., assim isto indica um prolongado período de tempo. De 536 a.C. a 522
a.C., praticamente nada aconteceu com relação à reconstrução do templo.
Daniel 1 182

Esdras diz que os samaritanos alugaram conselheiros para trabalhar contra os judeus. Onde estes conselheiros
realizariam sua obra? Não em Jerusalém, mas no centro do poder político do império Persa, na própria corte do rei.

Outra pessoa crítica nesta situação foi o príncipe da Pérsia, mencionado mais tarde por Daniel (10:13, 20). Seja quem
fosse o interlocutor, os conselheiros tiveram sucesso em deter o programa de reconstrução do templo em Jerusalém.
Isto ocorreu justo no tempo em que Daniel estava jejuando sobre um problema não especificado no capítulo 10.
Desde que o principal problema para os judeus naquele tempo era a interrupção da obra do templo, é lógico unir
estas duas peças do quebra-cabeças e sugerir que este era o problema acerca do qual Daniel estava jejuando. O texto
de Daniel 10 não o afirma diretamente, mas este parece o mais provável candidato entre os que se conhecem da
história daquele tempo.

Rey de Persia. Esta es la única profecía de Daniel fechada en términos del reinado de Ciro. Aquí se da a Ciro el
título de "rey de Persia", lo que parecería implicar que todo el imperio era gobernado por los persas, en contraste con
el título más limitado de "rey sobre el reino de los caldeos", que se le da a Darío en el cap. 9: 1. Tras haber surgido
de una relativa oscuridad como príncipe del pequeño país de Ansán situado en las montañas de Irán, Ciro derrotó
sucesivamente, en pocos años, a los reinos de los medos, lidios y babilonios, y los unió bajo su gobierno para formar
el imperio más grande que hasta ese tiempo se hubiese conocido. Ahora Daniel y su pueblo tenían que tratar con un
monarca de esas características. También se revela que los poderes del cielo contendieron con Ciro (cap. 10: 13, 20).

Palabra. Una expresión singular usada por Daniel para describir su cuarta gran profecía,(cap. 10- 12), que
evidentemente fue revelada sin una previa representación simbólica y sin ninguna alusión a símbolos (cf. cap. 7:16-
24; 8: 20-26). La palabra marah, "visión", de los vers. 7-8, 16 se refiere sencillamente a la aparición de los dos seres
celestiales que visitaron a Daniel, mencionados en los vers. 56 y 10-12 respectivamente. Por eso algunos han
considerado que el cuarto bosquejo profético es una explicación más detallada de los acontecimientos representados
simbólicamente en la "visión" del cap. 8: 1-14. De ese modo los cap. 10- 12 se interpretarían en términos de la visión
de los cap. 8 y 9. Sin embargo, la relación entre los cap. 10-12 y 8-9 de ninguna manera es tan clara o segura como la
que existe entre los cap. 8 y 9 (ver com. cap. 9: 21).

Beltsasar. Ver com. cap. 1: 7.

El conflicto grande. Heb. tsaba', cuyo significado exacto es aquí dudoso. La frase traduce una sola palabra hebrea.
Tsaba' aparece casi 500 veces en el AT con el sentido de "ejército", "hueste", "guerra", y "servicio". Su forma plural
tseba'oth forma parte del título divino "Jehová Dios de los ejércitos". La RVA traduce la palabra tsaba' como
"tiempo fijado" y en Job 7: 1, como "tiempo limitado". Puesto que todas las otras veces en que se usa esta palabra
evidentemente se refiere a un ejército, o guerra, o servicio penoso, y puesto que en esos dos pasajes resultan
perfectamente aceptables las mismas ideas de guerra o servicio penoso, estas definiciones probablemente debieran
usarse aquí también. El texto de que nos ocupamos parece dar énfasis a una intensidad de lucha más que a un período
extenso. El pasaje podría traducirse también, "gran lucha" (BJ).

Comprendió. En contraste con las otras tres visiones (cap. 2; 7; 8-9) que fueron expresadas en términos muy
simbólicos, esta revelación final fue dada mayormente en lenguaje literal. El ángel declaró específicamente que había
venido para hacerle comprender a Daniel lo que había "de venir a" su "pueblo en los postreros días" (cap. 10: 14).
Este es el tema de los cap. 11 y 12. Sólo hacia el final de esta visión (cap. 12: 8) Daniel se enfrenta ante una
revelación acerca de la cual confiesa, "yo oí, mas no entendí".

2. Afligido. Daniel no dice específicamente la causa de su tristeza, pero podemos encontrar un indicio en los
acontecimientos que estaban ocurriendo entre los judíos de Palestina en ese tiempo. Evidentemente lo que ocasionó
las tres semanas de luto de Daniel fue una grave crisis. Fue probablemente por ese tiempo cuando se levantó la
oposición de los samaritanos contra los judíos que acababan de volver del exilio bajo las órdenes de Zorobabel (Esd.
4: 1-5; ver PR 418-419). El que los acontecimientos de este capítulo hubieran ocurrido antes o después de que los
judíos pusieron la piedra fundamental del templo (Esd. 3: 8-10) depende de las varias interpretaciones que se den a la
cronología de este período (ver t. III, p. 100) y de la posibilidad de que Daniel hubiera usado un tipo de cómputo
distinto del que empleaban los judíos de Palestina en esa época de transición. El período de luto de Daniel parecería
haber sido contemporáneo con la grave amenaza de que después de todo no se cumpliese el decreto de Ciro, a causa
de los falsos informes enviados por los samaritanos a la corte de Persia para tratar de detener la construcción. El
hecho significativo de que durante estas tres semanas el ángel estuviera luchando para influir sobre Ciro (vers. 12-
13) indica que estaba en juego una decisión vital del rey. Mientras oraba en procura de más luz sobre (p. 884) temas
que aún no habían sido completamente explicados en las visiones anteriores, sin duda el profeta se entregó a otro
Daniel 1 183

período de intensa intercesión (ver cap. 9: 3-19) para que la obra del adversario pudiera ser contrarrestada y para que
pudieran cumplirse las promesas divinas de restauración en favor de su pueblo escogido.

3. Manjar delicado. Durante el período de ayuno, Daniel sólo participó de los alimentos más sencillos, únicamente
lo suficiente para mantener su fuerza.

Me ungí. El uso de aceites para suavizar la piel era muy común entre los pueblos antiguos, especialmente entre los
que vivían en países donde el clima era muy caluroso y seco. Durante su período de ayuno y oración, el profeta creyó
conveniente abstenerse de ese gasto personal superfluo.

4. Día veinticuatro. Esta es la única fecha en el libro de Daniel en que aparece el día exacto de un mes determinado.
Por supuesto que no se dice nada aquí en cuanto a si el cómputo se hace en términos del calendario persa-babilónico
(que puede haber sido usado por Ezequiel, contemporáneo de Daniel), o según el calendario judío (usado
posteriormente por Esdras y Nehemías). Sí la fecha dada por Daniel está basada en el calendario persa-babilónico
(que comienza el año en la primavera (marzo-abril), el primer mes del tercer año de Ciro habría sido más o menos
marzo- abril del 536 a. C. Por otra parte, si Daniel hacía el cálculo a la manera judía (según la cual el año empezaba
en el otoño), el primer mes del tercer año de Ciro habría sido 12 meses más tarde y correspondería aproximadamente
a marzo-abril del 535 a. C. Ver t. II, pp. 112-126, donde aparece una explicación de las diferencias entre el
calendario judío y el babilónico.

Puesto que las tres semanas del ayuno de Daniel terminaron el día 24 del primer mes, deben haber comenzado el 4.º
día, y así su ayuno se prolongó durante la época de la pascua. Pero no se sabe hasta qué punto se observaba esta
fiesta en el cautiverio.

Hidekel. Este nombre hebreo equivale al nombre acadio Idiqlat, y al antiguo persa Tigra, que ha pasado a las
lenguas modernas como Tigris. El Tigris es el menor de los dos grandes ríos de la Mesopotamia. Se menciona un río
del mismo nombre en Gén. 2: 14. Sin embargo, en ese pasaje se hace referencia a un río antediluviano. No se dice
precisamente en qué punto del Tigris ocurrió el acontecimiento que luego se narra.

5. Un varón. El ser celestial apareció en forma humana (ver Gén. 18: 2; Dan. 7: 13; Apoc. 1: 13). La descripción se
asemeja mucho a la que da Juan cuando Cristo se le reveló. Sin duda, el mismo Ser se le apareció a Daniel (SL 50;
CS 524-526).

Quem é este “homem vestido de linho”? As propostas quanto à identidade deste personagem são variadas. Seria
ele um anjo enviado por Deus para assegurar a Daniel que os exércitos celestiais protegeriam o seu povo? Seria ele
Gabriel, o mesmo que anteriormente lhe trouxera revelações de Deus? Ou seria ele uma aparição do Cristo pré-
encarnado, que alguns entendem ter aparecido junto aos três hebreus na fornalha ardente (Dn 3) e identificado com o
Filho do Homem no trono de Deus no céu (Dn 7:9-14)?

Vejamos as características que o próprio texto informa sobre o “homem vestido de linho”, comparar com outras
passagens bíblicas e extrair uma conclusão que não apenas responda à pergunta mas que também tenha algum
significado para os filhos de Deus no presente. A primeira característica, obviamente, é que ele é referido como um
“homem”, porque apareceu nesta forma, e estava vestido de linho (baddîm) (v. 5). Os sacerdotes (cf. Ex 28:42; Lv
6:10 [Hb 6:3]; 16:4) e o anjo em Ezequiel (Ez 9:2–3, 11; 10:2, 6–7 (cf. Ap 15:6) são mencionados especificamente
como trajando vestes de linho. O mais significativo aqui, no entanto, não é o material, mas sim a cor branca, que
simboliza pureza (cf. Isa 1:18; Dan 11:35; 12:10). Os santos no céu também são descritos como trajando vestes
brancas (cf. Ap 3:5; 6:11; 7:9, 13) e o próprio Deus é descrito desta mesma forma (Dn 7:9). O significado, portanto,
desta descrição, é que este era um personagem santo. 259 (2) ombros cingidos de ouro puro de Ufaz (v. 5). Este era o
ouro mais puro – 24 k (cf. Jer. 10:9). (3) corpo como berilo (v. 6a). (4) rosto como um relâmpago (v. 6b). (5) olhos
como tochas de fogo (v. 6c). (6) braços e pés brilhantes como bronze polido (v. 6d). (7) a voz como o estrondo de
muita gente (v. 6e).

Embora as vestes brancas nos permitam relacionar o homem vestido de linho com um anjo, as demais características
impedem que o identifiquemos com um anjo-príncipe, mas sim como uma “manifestação de Jeová, i.e., o Logos”. 260
259
S. R. Miller, The New American Commentary, Vol. 18: Daniel. Includes indexes (electronic ed.). Logos Library
System (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2001, c1994), 280.
260
C. F. Keil, The Book of the Prophet Daniel, Translated from the German by Rev. M. G. Easton (Edinburgh: T. &
T. Clark, 1884), 410.
Daniel 1 184

Pfeiffer apresenta os seguintes argumentos em favor de identificar o homem vestido de linho com o Cristo pré-
encarnado: (1) correspondência de linguagem com Dn 7:13; (2) similaridades com a visão que Ezequiel teve de
Cristo (Ez 1:26, em contexto); (3) similaridade com a visão de Cristo registrada por João (Ap 1:12-20); (4) Sua
posição acima das águas, à parte dos anjos (Dn 12:6); e (5) a forma em que os anjos apelam a Ele como tendo
conhecimento superior (Dn 12:6).261

Ranko Stefanovic traça o seguinte paralelo entre Apocalipse 1:12-18 e Daniel 10:5-12:262

Daniel 10:5-12 Apocalipse 1:12-18


Um certo homem Um como um filho de homem
Vestido de linho Roupa que lhe chega até os pés
Cingido de ouro puro Cingido com uma cinta de ouro
Olhos como tochas de fogo Olhos como chama de fogo
Pés como bronze polido Pés como bronze polido
Voz como o estrondo de muita gente Voz como o som de muitas águas
Sem força, rosto em terra João cai a Seus pés como morto
Mão toca a Daniel Mão colocada sobre João
“Não temas” “Não temas”

A similaridade da descrição, conforme salientada no quadro acima, tem levado muitos comentaristas a identificar o
homem vestido de linho com o Cristo pré-encarnado.263

Ufaz. No se sabe dónde estaba Ufaz. El nombre aparece en el AT solamente en Jer. 10: 9, donde se identifica
nuevamente a Ufaz como rica en oro. Algunos han sugerido que es lo mismo que Ofir, lugar famoso por su oro fino
(ver 1 Rey. 9: 28). Tal identificación no es imposible. Los nombres Ufaz y Ofir son similares cuando se los escribe
en caracteres hebreos.

6. Berilo. Heb. tarshish, palabra que quizá indica el lugar donde ese producto se obtenía.

Antorchas de fuego. Compárese con Apoc. 1: 14.

Bronce bruñido. Compárese con Apoc. 1: 15.

7. Y sólo yo, Daniel, vi. La revelación sólo fue dada al siervo escogido del Señor, pero el efecto de la presencia de
un ser celestial fue sentido por los que estaban con el profeta. Comparar con el caso de Saulo y sus
compañeros(Hech. 9: 3-7; 22: 6-9).

8. No quedó fuerza en mí. Comparar con Apoc. 1: 17. Ver en F. D. Nichol, Ellen G. White and Her Critics, pp. 51-
61, un estudio del estado físico de los profetas arrebatados en visión.

9. Profundo sueño. Del Heb. radam, palabra que sólo aparece en Juec. 4: 21; Sal. 76: 6; Dan. 8: 18; Jon. 1: 5-6.
Aquí parecería significar "estar pasmado".

10 Eis que certa mão me tocou, sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as palmas
das minhas mãos.

Mão me tocou. Comparar com Ez 2:2; 3:24; Ap 1:17. É evidente que esta mão é de Gabriel (PR, 571, 572).

261
C. F. Pfeiffer, The Wycliffe Bible Commentary: Old Testament (Dn 10:5). (Chicago: Moody Press, (1962). Keil
argumenta que o ser visto por Daniel é o mesmo ser celestial cuja voz ele ouviu (Dn 8:16), sem, contudo, ver a sua
forma. C. F. Keil, The Book of the Prophet Daniel, 410.
262
Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ, 96. Assim também Keil, 410.
263
Eugene H. Merrill, “A Theology of Ezekiel and Daniel,” em A Biblical Theology of the Old Testament, ed. Roy B.
Zuck (Chicago: Moody Press, 1991), p. 388; W. W. Wiersbe, Be resolute (Colorado Springs, Colo.: Victor, 2000),
122.
Daniel 1 185

Gabriel já foi visto antes no livro de Daniel. Ele apareceu a Daniel para dar-lhe a profecia de 9:24-27. Ele também
apareceu a Daniel ao tempo da visão de 8:1-12 a fim de dar-lhe a interpretação daquela visão simbólica. Gabriel é
mencionado como aquele a quem Daniel tinha visto “na visão anterior” (9:21), assim conectando as duas profecias
dos capítulos 8 e 9. Semelhantemente, os capítulos 10 e 11 estão conectados aos capítulos 8 e 9 pela declaração de
Daniel de que após receber a explicação dada no capítulo 11, ele teve entendimento da visão prévia (10:1). Embora
Gabriel não seja mencionado no capítulo 10 ou 11, sua posição próxima a Miguel o torna o candidato lógico para o
anjo que trouxe esta mensagem ao profeta (10:13, 20). Assim estas três profecias estão conectadas por seu
apresentador e intérprete comum, Gabriel. Ele apareceu após a visão simbólica do capítulo 8 para explicá-la a
Daniel, e apareceu para apresentar as profecias dos capítulos 9 e 11 sem qualquer visão imediatamente precedente.
Seria quase possível referir-se aos capítulos 8-12 como o livro das Revelações de Gabriel, assim como o livro do
Apocalipse é referido como o livro da Revelação de Jesus Cristo. Encontramos a Gabriel novamente no NT. Ele não
somente deu a profecia do capítulo 9, ele também veio para anunciar a finalização de um de seu principal segmento
quando anunciou o futuro nascimento do precursor de Jesus, João Batista (Lc 1:1, 19).

Intervenção divina nos negócios humanos

A maioria dos comentaristas entende o príncipe em Daniel 10 como o símbolo de um anjo mau que opera como um
gênio nacional ou um espírito supervisor para a Pérsia. Assim os anjos bons, Miguel e Gabriel, são contrapostos a ele
quando eles batalham acerca do destino do povo de Deus. Mas nem Satanás nem qualquer de seus anjos era um
príncipe no reino da Pérsia. Desde que o capítulo nomeia o rei da Pérsia, podemos identificar prontamente quem era
o príncipe da Pérsia naquele tempo. O príncipe era Cambises, o filho do rei Ciro. Quando Ciro morreu, Cambises o
sucedeu no trono da Pérsia. Antes disto, ele era o príncipe coroado. Logicamente, ele seria o príncipe mencionado
em Daniel 10.

Por que seria Cambises mencionado aqui em Daniel 10? Por duas razões principais:
(1) Por causa de sua influência política e poder como príncipe; e
(2) Porque ele era um ferrenho opositor a todo culto religioso estrangeiro.

Como príncipe coroado, Cambises estava muito envolvido nos negócios da província de Babilônia. O próprio Ciro o
elevou à posição de co-rei ou co-regente por um ano, assim como Nabonido havia feito com Belsazar por um período
de tempo mais longo. Cambises era um ardente Zoroastriano que adorava o deus Ahura Mazda. Ele não tinha
tolerância pelos cultos de outros deuses. Segundo os historiadores, ele destruiu os templos de alguns deuses
estrangeiros, especialmente no Egito. Indubitavelmente não foi por acaso que os judeus não conseguiram avançar
com a reconstrução do templo durante o reinado de Cambises II (530-522 a.C.). A negligência em relação ao templo
durante aquele período certamente estaria em harmonia com a política de Cambises. Mesmo antes de reinar como
único soberano, Cambises era de grande influência na província de Babilônia, a quem pertencia Síria e Judá. Estas
províncias eram conhecidas como Babilônia e Além do Rio, significando a região do Trans-Eufrates. (Shea, Daniel
7-12).

E me pôs sobre os meus joelhos. Do heb. nua'. Na forma usada aqui, nua' significa, literalmente, "fazer tremer",
"cambalear". Embora Daniel tenha sido levantado de sua prostração, a força que lhe restava não era suficiente para
que não tremesse.

11 Ele me disse: Daniel, homem muito amado, está atento às palavras que te vou dizer;
levanta-te sobre os pés, porque eis que te sou enviado. Ao falar ele comigo esta palavra, eu
me pus em pé, tremendo.

Muito amado. Do heb. chmnudhoth, traduzido como "desejável", no v. 3. Esta foi a segunda vez que a Daniel
assegurou-se o amor de Deus (ver Dn 9:23).

12 Então, me disse: Não temas, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que aplicaste o
coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras;
e, por causa das tuas palavras, é que eu vim.

Não temas. Comparar com Ap 1:17. Sem dúvida, estas palavras encorajaram o profeta pessoalmente na presença do
anjo, pois ele se pôs "em pé, tremendo" (v. 11); e também reasseguraram a Daniel que, embora ele tivesse orado por
Daniel 1 186

três semanas sem resposta aparente, desde o princípio, Deus tinha ouvido sua súplica e enviou o anjo para lhe
atender. Daniel não precisava temer por seu povo, pois Deus o tinha ouvido e estava no controle.

13 Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos
primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia.

Príncipe. Do heb. sar, palavra que ocorre 420 vezes no AT, mas nunca com o significado de "rei". Ela se refere aos
principais servos de um rei (Gn 40:2, traduzida como "chefe"), a governadores locais (lRs 22:26, "governador"), aos
subordinados de Moisés (Êx 18:21, "chefes"), aos nobres e oficiais de Israel (lCr 22:17; Jr 34:21, "príncipes") e,
principalmente, a comandantes militares (lRs 1:25; 1Cr 12:21, "capitães"). Com este último sentido, ela ocorre na
expressão sar hatsava', "comandante do exército" (a mesma expressão traduzida como "príncipe do exército", em Dn
8:11), numa dos óstracos de Laquis, uma carta escrita por um oficial judeu ao seu superior, provavelmente no
momento da conquista de Judá por Nabucodonosor, em 588-586 a.C., na época em que Daniel já estava em
Babilônia (ver vol. 2, p. 81, 82; ver Jr 34:7).

O ser celestial que apareceu a Josué, em Jericó, é chamado de "o príncipe [heb. sar] do exército do SENHOR" (Js
5:14, 15). Daniel usa esta palavra com frequência para se referir a seres sobrenaturais (Dn 8:11, 25; 10:13, 21; 12:1).
Com base nessas observações, alguns conjecturam que sar indica um ser sobrenatural que, naquele tempo, se opunha
aos anjos de Deus e que estava tentando dirigir as resoluções do reino da Pérsia contra os interesses do povo de
Deus. Satanás sempre esteve ansioso por se declarar príncipe deste mundo. A questão básica era o bem-estar do povo
de Deus em luta contra seus vizinhos pagãos. Visto que Miguel é declarado como "príncipe [sar], o defensor dos
filhos do teu povo" (Dn 12:1), não parece irrazoável considerar o "príncipe do reino da Pérsia" como um falso "anjo
guardião" desse reino, um pertencente às hostes do adversário. Está claro que o conflito era contra os poderes das
trevas: "Durante três semanas Gabriel se empenhou em luta com os poderes das trevas, procurando conter as
influências em operação na mente de Ciro. [.. .] Tudo que o Céu podia fazer em favor do povo de Deus foi feito. A
vitória foi finalmente ganha ; as forças do inimigo foram contidas todos os dias de Ciro e todos os dias de seu filho
Cambises" (PR, 572).

Por outro lado, sar pode ser usado no sentido comum de "governante" e, nesse sentido, se referiria a Ciro, rei da
Pérsia. Compreendida dessa forma, veem-se os anjos do Céu lutando com o rei, para que desse um veredito favorável
aos judeus.

Mas o príncipe [...] me resistiu. O profeta dá um vislumbre da grande luta entre as forças do bem e do mal. Pode-se
perguntar: por que o Senhor permitiu que os poderes do mal lutassem pelo controle da mente de Ciro por 21 dias,
enquanto Daniel continuava em pranto e súplica? Essa pergunta deve ser respondida tendo-se em mente o fato de que
esses eventos devem ser entendidos à luz do "propósito ainda mais vasto e profundo" do plano da redenção, que era
"reivindicar o caráter de Deus perante o universo". E que, "perante todo o universo, [a morte de Cristo] justificaria a
Deus e Seu Filho, em Seu trato com a rebelião de Satanás" (PP, 68, 69; cf. DTN, 625). "Todavia, Satanás não foi
então destruído [na morte de Cristo]. Os anjos não perceberam, nem mesmo aí, tudo quanto se achava envolvido no
grande conflito. Os princípios em jogo deviam ser mais plenamente revelados" (DTN, 761; ver com. de Dn 4:17).

A fim de refutar a declaração de Satanás de que Deus é um tirano, o Pai celestial considerou conveniente reter Sua
mão e permitir ao adversário uma oportunidade de demonstrar seus métodos e buscar ganhar homens para sua causa.
Deus não força a vontade das pessoas. Ele permite a Satanás um grau de liberdade, enquanto, por meio de Seu
Espírito e Seus anjos, insta com os seres humanos para que resistam o mal e sigam o bem. Dessa forma, Deus
demonstra ao universo expectante que Ele é um Deus de amor, e não o que Satanás O acusa de ser. Foi por essa
razão que a oração de Daniel não foi respondida de imediato. A resposta se demorou até que o rei da Pérsia escolheu
o bem, por sua própria vontade.

Aqui se revela a verdadeira filosofia da história. Deus estabeleceu o objetivo último, que certamente será alcançado.
Por meio de Seu Espírito, Ele trabalha no coração do ser humano para que coopere com Ele a fim de que o objetivo
seja alcançado. No entanto, a decisão sobre qual caminho deve seguir está totalmente nas mãos de cada um . Assim,
os eventos da história são influenciados pela ação de agentes sobrenaturais e pela livre escolha humana. O resultado
final, porém, vem de Deus. Neste capítulo, como talvez em nenhum outro na Bíblia, se descortinao véu que separa o
Céu da Terra, e é revelada a luta entre os poderes da luz e das trevas.

Miguel. Do heb. Mika'el, literalmente, "quem [é] como Deus?" Ele é descrito como "um dos príncipes principais
[heb. sarim]". Mais tarde, Ele é descrito como o protetor particular de Israel (Dn 12:1). Sua identidade não é definida
Daniel 1 187

de forma definitiva, mas uma comparação com outras passagens O identifica com Cristo. Judas 9 o chama de "o
arcanjo". De acordo com I Tessalonicenses 4:16, a "voz do arcanjo" está associada à ressurreição dos santos, na
segunda vinda de Jesus. Cristo declarou que os mortos se levantarão de seus túmulos quando ouvirem a voz do Filho
do Homem ()o 5:28). Portanto, parece claro que Miguel é o próprio Senhor Jesus (ver PE, 164; cf. DTN, 421).

Miguel, como o nome de um ser celestial, ocorre na Bíblia apenas em passagens apocalípticas (Dn 10:13, 21; 12:1;
Jd 9; Ap 12:7), em casos em que Cristo está em conflito direto com Satanás. O nome em hebraico, cujo significado é
"quem é como Deus?", é tanto uma pergunta quanto um desafio. Tendo em vista que a rebelião de Satanás é
basicamente uma tentativa de se colocar no trono de Deus e ser "semelhante ao Altíssimo" (Is 14:14), o nome Miguel
é muito apropriado para Aquele que assumiu a tarefa de vindicar o caráter de Deus e refutar as pretensões de Satanás.

Eu obtive vitória. A ARC diz "eu fiquei ali". A LXX, seguida por Teodócio, diz: "e eu o [Miguel] deixei ali". Essa
tradução é adotada por várias versões modernas, sem dúvida, porque não pareceu claro por que o anjo diria que ele
foi deixado (ver ARC) com os reis da Pérsia quando Miguel tinha vindo em seu auxílio. Essa tradução pode se
comparar com a declaração: "Porém, Miguel veio em seu auxílio e, então, permaneceu com os reis da Pérsia" (Ellen
G. White, Material Suplementar sobre Dn 10:12, 13).

Alguns veem outro significado possível no texto hebraico. A luta descrita era basicamente entre os anjos de Deus
e "os poderes das trevas, procurando conter as influências em operação na mente de Ciro" (ver PR, 572). Quando
Miguel, o Filho de Deus, entrou na luta, os poderes do Céu obtiveram vitória, e o mal foi forçado a recuar. A palavra
traduzida como "fiquei" (ARC) também é usada no sentido de "permanecer" quando outros se foram ou se
distanciaram. Assim, usa-se esse verbo no caso de Jacó, quando permaneceu no ribeiro de Jaboque (Gn 32:24), e dos
pagãos, que Israel permitiu que permanecessem no país (IRs 9:20, 21). Também é a palavra usada por Elias para se
referir a si mesmo quando acreditou que todos os demais tinham se desviado da adoração verdadeira a Yahweh: "e
eu fiquei só" (IRs 19:10, 14). Na forma como o anjo usou essa palavra, poderia significar que, com a vinda de
Miguel, o anjo mal foi forçado a se retirar, e o anjo de Deus ficou "ali com os reis da Pérsia". "A vitória foi
finalmente ganha; as forças do inimigo foram contidas" (PR, 572). Duas traduções que sugerem essa mesma ideia
são as de Lutero: "ali ganhei a vitória com os reis da Pérsia", e Knox: "a ali, na corte da Pérsia, me tornei dono do
campo".

Reis da Pérsia. Dois manuscritos hebraicos dizem "reino da Pérsia". As versões antigas dizem "rei da Pérsia".

14 Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias;
porque a visão se refere a dias ainda distantes.
15 Ao falar ele comigo estas palavras, dirigi o olhar para a terra e calei.

Nos últimos dias. Do heb. be'acharith hayyaminn, "na última parte [ou fim] dos dias". Esta é uma expressão usada
com frequência na profecia bíblica, que aponta para a parte final de um dado período da história ao qual o profeta se
refere. Jacó usou o termo "dias vindouros" com referência à sorte final de cada uma das doze tribos na terra de Canaã
(Gn 49:1); Balaão aplicou o termo ao primeiro advento de Cristo (Nm 24:14); Moisés o usou num sentido geral com
respeito ao futuro distante, quando Israel sofreria tribulação (Dt 4:30). A expressão pode se referir, e com frequência
o faz, diretamente aos eventos finais da história (ver com. de Is 2:2).

Dias ainda distantes. No texto hebraico, não há a palavra "muito" (ARC).

Para esos días. Aquí la palabra "días" parece tener el mismo significado que en la cláusula anterior. El ángel vino a
decirle a Daniel lo que habría de acontecer a los santos a través de los siglos hasta la segunda venida de Cristo. El
énfasis de la última cláusula de este versículo no es tanto sobre la longitud del tiempo en perspectiva, sino sobre el
hecho de que el Señor tiene todavía más verdades que mostrarle a Daniel mediante una visión. Traducido
literalmente, este versículo reza: "Y he venido para hacerte entender lo que ha de ocurrir a tu pueblo en la última
parte de los días, porque todavía hay visión para los días".

16. Con semejanza. Gabriel veló su resplandor y apareció en forma humana (SL 52).

La visión. Algunos comentadores piensan que Daniel hace referencia aquí a la visión de los cap. 8 y 9; otros creen
que era la revelación de ese momento lo que le afligía tanto. En vista de que la palabra "visión" en los vers. 1 y 14
parece aplicarse a la revelación de los cap. 10-12, y siendo que también la declaración de Daniel aquí en el cap. 10:
Daniel 1 188

16 es una continuación lógica de su reacción (vers. 15) ante la declaración del ángel en cuanto a "la visión" (vers.
14), parece razonable deducir que el profeta habla aquí de la visión de la gloria divina de que es testigo.

19. Muy amado. Ver com. vers. 11.

20. Contra el príncipe. "Con el Príncipe"(BJ). Puede entenderse que el ángel habría de luchar al lado del príncipe
de Persia, o que habría de pelear contra él. Las versiones griegas son también ambiguas. La preposición metá, "con"
que se usa en griego, puede implicar una alianza, como en 1 Juan 1: 3, u hostilidad, como en Apoc. 2: 16. Sin
embargo, el hebreo de este pasaje parece dar una clara indicación de su significado. El verbo lajam, "pelear", se usa
28 veces en el AT, seguido como aquí por la preposición ´im," con". En estos casos el contexto indica claramente
que la palabra ha de entenderse con el sentido de "contra" (ver Deut. 20: 4; 2 Rey. 13: 12; Jer. 41: 12; Dan. 11: 11).
Parecería pues seguro que el ángel habla aquí de un conflicto posterior entre él y el "príncipe de Persia". En Esd. 4:
4-24 se nos indica que esta lucha continuó mucho después del tiempo de la visión de Daniel. "Las fuerzas del
enemigo fueron mantenidas en jaque mientras gobernaron Ciro y su hijo Cambises, quien reinó durante unos siete
años y medio" (PR 419).

Príncipe de Grecia. La palabra hebrea que aquí se traduce "príncipe" es Ñar, la misma que se usa anteriormente (ver
com. vers. 13). El ángel le había dicho a Daniel que iba a volver para continuar la lucha contra las potestades de las
tinieblas que contendían para dominar la mente del rey de Persia. Entonces miró más lejos hacia el futuro e indicó
que cuando finalmente pudiera retirarse de la lucha, ocurriría una revolución en los asuntos del mundo. Mientras el
ángel de Dios contuvo las fuerzas impías que procuraban dominar al gobierno persa, ese imperio se mantuvo. Pero
cuando la influencia divina se retiró y el dominio de los dirigentes de la nación quedó completamente en manos de
las potestades de las tinieblas, pronto vino la ruina del imperio. Guiados por Alejandro, los ejércitos de Grecia
arrasaron el mundo y extinguieron rápidamente el Imperio Persa.
La verdad presentada por el ángel en este versículo aclara la revelación que sigue. La profecía que se da a
continuación -que registra una guerra tras otra- cobra mayor significado cuando se la entiende a la luz de lo que el
ángel acaba de decir. Mientras los hombres luchan entre sí por el poder terrenal, detrás del escenario, y sin que los
ojos humanos la vean, se lleva a cabo una lucha aun mayor, de la cual el flujo y reflujo de los acontecimientos
terrenales es tan sólo un reflejo (Ed 169). Así como se muestra que el pueblo de Dios es preservado a través de su
agitada historia - registrada proféticamente por Daniel-, así también es seguro que en esa contienda mayor las
legiones de la luz obtendrán la victoria sobre las potestades de las tinieblas.

21. Escrito. Heb. rasham, "inscribir", "anotar".

Libro. Heb. kethab, literalmente "una escritura", del verbo kathab, "escribir". Los eternos planes y propósitos de
Dios se presentan aquí 888 como que estuvieran registrados. Comparar con Sal 139: 16, Hech. 17: 26, ver com. Dan.
4: 17.

Ninguno me ayuda. Esta frase podría traducirse también, "no hay ninguno que se esfuerce". Esto no puede
interpretarse como si significara que todos se despreocupaban de la lucha salvo los dos seres celestiales mencionados
aquí. "Todo el cielo estaba interesado en la controversia" (PR 418). Probablemente el significado de este pasaje es
que Cristo y Gabriel se ocuparon de esta tarea especial de contender contra las huestes de Satanás que trataban de
obtener el dominio de los imperios de esta tierra.

Vuestro príncipe. El hecho de que se hable específicamente de Miguel como de "vuestro príncipe", lo pone a él en
marcado contraste con el "príncipe de Persia" (vers. 13, 20) y el "príncipe de Grecia"(vers. 20). Miguel era el
paladín del lado de Dios en el gran conflicto.

COMENTARIOS DE ELENA G. DE WHITE


1 3JT 13
2-6 ECFP 63
7-8 ECFP 65
8 CC 27; CS 524; DMJ 20; DTG 213
11 CS 524 11-13 ECFP 65
13 PR 419
15-16,19 ECFP 66
21 DTG 73
Daniel 1 189

CAPÍTULO 11

Estrutura literária264

1. Conflitos entre leste e oeste (11:2-4)


2. Conflitos entre norte e sul (11:5-20)
3. Atividades políticas do homem vil (11:21-30)
4. Atividades religiosas do homem vil (11:31-39)
5. Conflitos no tempo do fim (11:40-45)

RELACIONAMENTO DE DANIEL 11 COM DANIEL 8 E 9

DANIEL 11 DANIEL 8, 9

11:2 Reino da Pérsia 8:20 Carneiro Persa


11:2 Reino da Grécia 8:21 Bode Grego
11:3 Rei poderoso surge na Grécia 8:21 Grande chifre é o 1º rei Grego =
Alexandre
11:4 Quatro ventos = dispersão do império 8:22 Quatro reinos que surgem do grande
do grande rei chifre da Grécia
11:16 Conquista da Terra Gloriosa 8:9 Roma Pagã conquista a Terra Gloriosa
de Israel
11:22 Príncipe do concerto será destruído 9:26 Roma Pagã cuts off o Ungido no
Calvário

1 – “Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar”.

Mas eu. Este versículo é uma continuação da declaração do anjo, em Daniel 10:21. A divisão do capítulo neste ponto
foi imprópria. Dá a impressão de que uma nova parte do livro começa aqui, quando a narrativa é claramente
contínua. Gabriel informa a Daniel que Dario, o medo, foi honrado pelo Céu (ver PR, 556). A visão foi dada no
terceiro ano de Ciro (Dn 10:1). O anjo está contando a Daniel sobre o evento ocorrido no primeiro ano de Dario.
Naquele ano, Dario, o medo, foi honrado pelo Céu com uma visita do anjo Gabriel "para o animar e fortalecer" (PR,
556).

2 Agora, eu te declararei a verdade: eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será
cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, tornado forte por suas riquezas, empregará tudo
contra o reino da Grécia.

A verdade. O conteúdo da quarta grande revelação em Daniel começa com este versículo. Tudo o que antecede, de
10:1 a 11:1, serve de pano de fundo e introdução à visão.

Três reis se levantarão na Pérsia. Visto que esta visão foi dada a Daniel no terceiro ano de Ciro (Dn 10:1), a
referência é, sem dúvida, aos três reis que sucederam Ciro no trono da Pérsia: Cambises (530-522 a.C.), o falso
Esmérdis (Gaumata, cujo nome babilônico era Bardiya; ver vol. 3, p. 376, 377), um usurpador (522 a.C.), e Dario I
(522-486 a.C.).

O quarto. Comentaristas em geral concordam que o contexto aponta Xerxes como "o quarto" rei, mas diferem
quanto à enumeração dos vários reis referidos neste versículo. Alguns defendem que "o quarto" rei, assim designado,
na verdade, era o último dos três que ainda se levantariam. Consideram Ciro como o primeiro dos quatro e omitem o
falso Esmérdis, porque não era de linhagem legítima e ficou no trono apenas alguns meses. Esta é a posição de J.
Doukhan, que considera Cambises o primeiro rei, seguido de Dario I e Assuero (Xerxes). Seguindo esta linha de
raciocínio, o quarto rei seria Artaxerxes I.265

264
Z. Stefanovic, Daniel, 396.
265
J. Doukhan, Daniel: The Vision of the End, 76-77.
Daniel 1 190

Outros omitem Ciro como o primeiro dos quatro e incluem o falso Esmérdis como um dos três que o seguiriam. Seja
como for, Xerxes é "o quarto". Porém, dos dois pontos de vista, o segundo parece representar melhor o sentido
natural do texto. A profecia então mudou para o novo poder no cenário da ação a fim de traçar o surgimento e queda
destes reis e seus reinos.

Grandes riquezas mais do que todos. Xerxes é identificado com o Assuero do livro de Ester (ver vol. 3, p. 507; ver
também com. de Et l:l). O registro diz que ele se orgulhava das "riquezas da glória do seu reino" (ver Et 1:4, 6, 7).
Heródoto, que escreveu extensamente sobre Xerxes, fez um relato vívido e detalhado de seu poderio militar (vii.20,
21, 40, 41, 61-80).

Empregará tudo. Esta passagem pode ser traduzida de duas maneiras. Em geral se interpreta que Xerxes agitaria
todas as nações do mundo contra a Grécia. Esse é um fato bem conhecido da história. Na época de Xerxes, a
península grega era a única área importante do Mediterrâneo oriental que não estava sob o domínio persa. Em 490
a.C., Dario, o grande, predecessor de Xerxes, enquanto tentava subjugar os gregos, foi vencido na batalha de
Maratona. Com a ascensão de Xerxes, foram feitos novos planos para a conquista da Grécia. Heródoto (vii.61-80)
enumera mais de 40 nações que ofereceram tropas para o exército de Xerxes. Do vasto exército, faziam parte
soldados de países tão distantes como Índia, Etiópia, Arábia e Armênia. Mesmo os cartagineses, aparentemente,
foram induzidos a se juntarem à contenda, atacando a colônia grega de Siracusa, na Sicília.

Por volta de 480 a.C., o vasto império persa estava em guerra contra os gregos. As cidades-estados gregas, que tão
frequentemente guerreavam entre si, se uniram para salvar sua liberdade. Em princípio, os gregos enfrentaram uma
série de obstáculos. Foram derrotados em Termópilas, e Atenas foi tomada e parcialmente incendiada pelos persas.
Depois, a maré virou. A marinha grega, comandada por Temístocles, foi bloqueada por uma esquadra persa superior
na baía de Salamina, na costa de Ática, próximo a de Atenas. Pouco depois de a batalha ter começado, os navios
persas estavam em uma formação demasiado estreita para uma manobra efetiva. Sob os constantes ataques gregos,
muitos foram afundados, e somente uma fração da frota escapou. Com essa vitória grega, as forças marítimas persas
foram eliminadas na luta contra a Grécia. No ano seguinte, 479 a.C., os gregos decisivamente derrotaram as tropas
persas, em Plateia, e as expulsaram de vez do solo grego.

A tradução deste texto na ARC e NVI se ajusta de forma notável ao fato de que Xerxes empregou "todos contra o
reino da Grécia". No entanto, é possível traduzir a frase um tanto obscura do hebraico desta passagem de forma
diferente. O problema é se a palavra hebraica 'eth, traduzida como "contra", deve ser entendida como a preposição
"contra" ou se ela é um sinal do complemento direto do verbo. Com outros verbos que denotam conflito e guerra, 'eth
é, às vezes, empregada assim (ver Gn 14:2). Contudo, o verbo aqui traduzido como "empregará" ocorre mais 12
vezes no AT, seguido de 'eth, e em cada uma dessas passagens o contexto indica claramente que 'eth deve ser
considerada como sinal do complemento direto do verbo. Se, neste caso, 'eth tem esse sentido, a passagem diria:
"Levantará a todo o reino da Grécia".

Caso se prefira essa última tradução da passagem, é razoável a seguinte interpretação: partindo da vasta perspectiva
da história mundial, a guerra entre os persas e os gregos constitui um dos mais decisivos fatos históricos. A história
subsequente da Europa e do mundo poderia ter sido bem diferente se o resultado em Salamina e Plateia tivesse sido
outro. A civilização ocidental, então limitada quase que exclusivamente à Grécia, salvou-se de ser engolida pelo
despotismo do império persa. Os estados gregos tiveram um sentimento de união que não conheciam. A vitória em
Salamina mostrou a Atenas a importância do poder marítimo e, logo, a cidade se estabeleceu como a cabeça de um
império marítimo. Por esse prisma, a última frase de Daniel 11:2 forma um contexto apropriado para Daniel 11:3.

Grécia. Do heb. Yawan, transliterado como "Javã" em Gênesis 10:2 (ver com. ali). Os gregos, ou jônios, eram
descendentes de Javã (ver com. de Dn 2:39).

3. Um rei poderoso. Do heb. Melelz gibor, "um rei valente [guerreiro]". Clara referência a Alexandre, o Grande
(336-323 a.C.).

Grande domínio. O domínio de Alexandre se estendia desde a Macedônia e a Grécia até o noroeste da Índia, desde
o Egito ao rio Jaxartes, ao leste do Mar Cáspio – o maior império do mundo até aquela época (ver com. de Dn 2:39;
7:6).
Daniel 1 191

4 Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua
posteridade, nem tampouco segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e
passará a outros fora de seus descendentes.

No auge. Alexandre acabara de atingir o auge de seu poder quando foi quebrado. Em 323 a.C, esse rei, que governou
desde o Adriático até o Indo, adoeceu repentinamente e, 11 dias depois, estava morto (ver com. de Dn 7:6).

Será quebrado. Alexandre não deixou nenhum sucessor de sua família imediata que pudesse manter unidos os
territórios que conquistou. Alguns dos principais generais ~ "' tentaram, por vários anos, manter o império intacto em
nome do meio irmão de Alexandre e de seu filho póstumo (ambos sob a tutela de regentes). Mas, em menos de 25
anos após a morte de Alexandre, uma coalizão de quatro generais tinha derrotado Antígono, o último aspirante ao
controle de todo o império, e o território de Alexandre foi dividido em quatro reinos e, mais tarde, em três (sobre
essa divisão, ver com. de Dn 7:7; 8:22; ver também mapas das p. 908, 909).

Os quatro ventos. Representando os quatro pontos cardeais. A mesma divisão é representada pelas quatro cabeças
do "leopardo" (ver com. de Dn 7:6) e pelos quatro chifres do bode (ver com. de Dn 8:8, 22).

O texto não diz diretamente, mas a clara implicação é que este novo e poderoso rei obteve o seu poder e reino a partir
da derrota dos reis Persas anteriores a ele. Este rei obviamente foi Alexandre, o Grande.

Há um elo linguístico entre Daniel 8:8, 21 e Daniel 11:4 em termos do destino de Alexandre. O mesmo verbo
hebraico é usado em todos os três versos para expressar como ele seria “quebrado”.

Doukhan sugere que o texto aponta para além da divisão do império grego, chegando mesmo a Roma. Esta sugestão
ele fundamenta na análise do pronome demonstrativo que aparece na frase, o que implicaria em que o reino seria
dado a um poder que surgiria após as quatro divisões que correspondem ao período helenístico. Este novo poder que
surgiria no palco da história seria Roma. 266

Não para a sua posteridade. O filho póstumo de Alexandre foi chamado de rei, mas foi morto ainda criança, na luta
entre os generais pelo domínio do império. Dessa forma, não houve um descendente de Alexandre que pudesse
governar.

Daniel 11 adiciona o detalhe de que seu reino não iria para a sua posteridade. Isto foi cumprido na vida e morte de
Alexandre. Ele tinha um jovem filho ao tempo de sua morte, mas este filho não herdou qualquer parte do império do
pai. Em vez disto, seu reino seria “repartido para os quatro ventos do céu”. Esta é a mesma linguagem usada em
Daniel 8:8, referindo-se à fragmentação do império de Alexandre em quatro chifres, ou reinos. 267

5 O rei do Sul será forte, como também um de seus príncipes; este será mais forte do que ele, e reinará,
e será grande o seu domínio.

O rei do Sul. Deste versículo em diante, e em grande parte do capítulo, a profecia foca os dois reinos que surgiram
do império de Alexandre com os quais os judeus, como povo de Deus, tiveram muito a ver. Esses reinos foram a
Síria, governada pelos selêucidas, e o Egito, comandado pelos ptolomeus. A partir do ponto de vista geográfico da
Palestina, o primeiro ficava ao norte, e o último, ao sul. A tradução grega original, de fato, traz "rei do Egito" em vez
de "rei do Sul"; o v. 8 também aponta o Egito como rei do Sul. Pode-se demonstrar uma designação similar a partir
de fontes históricas. Uma das inscrições mais conhecidas do sul da Arábia (Glaser n. 1155) se refere a uma guerra
entre a Pérsia e o Egito e chama os respectivos reis de senhor do Norte e senhor do Sul. No momento da história ao
qual se refere este versículo, o rei do Egito era Ptolomeu I Soter (também chamado Ptolomeu Lago, 305-283 a.C.),
um dos melhores generais de Alexandre, que estabeleceu a monarquia helenística que mais perdurou.

Um de seus príncipes. Evidentemente se aplica a Seleuco I Nicator (305-281 a.C.), outro general de Alexandre, que
se tornou governador da maior parte asiática do império. A referência a ele como "um de seus [de Ptolomeu]
príncipes" (do heb. sarim, "generais"; ver com. de Dn 10:13) provavelmente deve ser entendida com base em suas
relações com Ptolomeu. Em 316 a.C., Seleuco foi expulso de Babilônia, que ele havia dominado desde 321, por seu
rival Antígono (ver com. de Dn 7:6). Daí em diante, Seleuco se colocou sob o comando de Ptolomeu, a quem ajudou
a derrotar Demétrio, filho de Antígono, em Gaza, em 312 a.C. Pouco depois disso, Seleuco conseguiu reconquistar
266
Doukhan, 78-79.
267
Shea, Daniel 7-12, 180-181. Igual posição é mantida pelo CBA e também por Maxwell, 298.
Daniel 1 192

seus territórios na Mesopotâmia.

Mais forte do que ele. Isto é, Seleuco, que num momento poderia ser considerado um dos "príncipes" de Ptolomeu,
se tornoumais forte do que o rei egípcio. Quando Seleuco morreu, em 281 a.C., seu reino se estendia do Helesponto
até o norte da Índia. Arria no, o principal historiador antigo desse período, declara que Seleuco foi "o maior rei dos
que sucederam Alexandre, tinha mais mentalidade real e governou sobre a maior parte do território, depois de
Alexandre" (Anabasis ofAlexandre, vii.22).

6 Mas, ao cabo de anos, eles se aliarão um com o outro; a filha do rei do Sul casará com o rei do Norte,
para estabelecer a concórdia; ela, porém, não conservará a força do seu braço, e ele não permanecerá,
nem o seu braço, porque ela será entregue, e bem assim os que a trouxeram, e seu pai, e o que a tomou
por sua naqueles tempos.

Ao cabo de anos. A visão profética focaliza uma crise que ocorreu 35 anos após a morte de Seleuco I.

Eles se aliarão um com o outro. Para solidificar a paz entre os dois reinos, depois de uma guerra longa e custosa,
Antíoco 11 Theos, o divino (261-246 a.C.), neto de Seleuco I, se casou com Berenice, filha do rei egípcio, Ptolomeu
II Filadelfo. Antíoco também depôs sua primeira esposa e irmã, Laodiceia, de sua posição prioritária e excluiu seus
filhos da sucessão do trono.

Rei do Norte. Este termo é usado pela primeira vez nesta profecia e, neste contexto, se refere aos selêucidas, cujos
territórios estavam ao norte da Palestina. O então "rei do Norte" era Seleuco II Calínico (246-226 a.C.), filho de
Antíoco II e Laodiceia (sobre as expressões "rei do Norte" e "rei do Sul", ver com. do v. 5 e de Is 41:25).

Não conservará a força. Depois de nascido um filho do novo casamento, houve uma reconciliação entre Antíoco e
Laodiceia.

Ele não permanecerá. Antíoco morreu repentinamente, envenenado por Laodiceia, segundo a opinião popular.

O seu braço. Esta também é a tradução da LXX. Devido a uma simples mudança nas vogais hebraicas, muitas
versões antigas (Teodócio, Símaco, Vulgata) trazem "sua semente". Isso se referiria ao filho de Antíoco com
Berenice, a quem Laodiceia matou.

Será entregue. Isto é, Berenice, que junto com seu filho, foi morta pelos partidários de Laodiceia.

Os que a trouxeram. Muitas das damas de companhia egípcias de Berenice pereceram com ela.

E seu pai. Do heb. yoledhah, corretamente, de acordo com a tradição massorética, "seu originador". Isso certamente
se aplicaria ao pai de Berenice, Ptolomeu II, que tinha morrido pouco antes no Egito. Contudo, não está claro por que
sua morte seria mencionada aqui, visto que não tinha nenhuma relação com a vingança de Laodiceia. Várias
traduções antigas trazem yaldah, "serva", sem dúvida tendo em mente o séquito de Berenice. Uma simples mudança
na pontuação vocálica permite ler "seu filho" (ver BJ). Isso, é claro, se referiria ao filho morto por ordem de
Laodiceia.

O que a tomou por sua. Provavelmente Antíoco, marido de Berenice.

7 Mas, de um renovo da linhagem dela, um se levantará em seu lugar, e avançará contra o exército do rei
do Norte, e entrará na sua fortaleza, e agirá contra eles, e prevalecerá.

De um renovo da linhagem dela. Ptolomeu III Evergetes, filho de Ptolomeu 11 e irmão de Berenice, sucedeu seu
pai em 246 a.C., e invadiu a Síria em vingança pelo assassinato de sua irmã. Prevalecerá. Ptolomeu III deve ter
obtido êxito em sua campanha contra Seleuco li. Avançou triunfalmente terra adentro pelo menos até a Mesopotâmia
- embora se vangloriasse de ter ido até a Báctria- e estabeleceu o poderio marítimo do Egito no Mediterrâneo.

8 Também aos seus deuses com a multidão das suas imagens fundidas, com os seus objetos preciosos
de prata e ouro levará como despojo para o Egito; por alguns anos, ele deixará em paz o rei do Norte.

Seus deuses. O Decreto de Canopo (239/238 a.C.) declara, em honra a Ptolomeu 111: "e as imagens sagradas
levadas do país pelos persas, tendo o rei feito uma ca mpanha estrangeira, recuperou-as ao Egito, e restaurou aos
Daniel 1 193

templos o que tinha sido levado de cada um deles" (tradução em J. P. Mahaffy, A History of Egypt Under the
Ptolemaic Dynasty [Nova York: Charles Scribner's Sons, 1899], p. 113). Jerônimo (Commentariorum in Danielem
Liber, cap. XI, in]. P. Migne, Patrologia Latina, vol. 25, col. 561) declara que Ptolomeu III levou de volta ao Egito
um imenso despojo.

Egito. Esta única menção (até o v. 42) do verdadeiro nome do país do "rei do Sul" estabelece, sem dúvida, a
identidade dessa nação.

Ele deixará em paz. Literalmente, "ele permanecerá", isto é, "deixará em paz" o rei do Norte. Embora seja possível
traduzir o hebraico como faz a ARC ("Ele persistirá contra"), o fato de Ptolomeu III ter morrido em 222 a.C., e não
dois anos após Seleuco III, faz com que essa tradução não seja significativa. Por outro lado, visto que, nos seus
últimos anos, Ptolomeu não se envolveu em nenhuma guerra de importância, a tradução da ARA parece mais
apropriada.

9 Mas, depois, este avançará contra o reino do rei do Sul e tornará para a sua terra.

Rei do Sul. No texto hebraico desta frase, "rei do Sul" pode ser entendido como o sujeito da frase (como o fazem a
KJV, Vulgata e Siríaca), ou como o fazem a LXX, Teodócio, ARA, ARC e NVI, em que "rei do Sul" é ligado a
"reino". A tradução "entrará no reino do rei do Sul" (ARC) parece preferível, pois segue mais naturalmente a ordem
das palavras hebraicas. Caso essa tradução seja aceita, o versículo, sem dúvida, deve ser interpretado como uma
referência ao fato de que, depois de Ptolomeu III ter voltado ao Egito, Seleuco reestabeleceu sua autoridade e
marchou contra esse país, esperando retomar suas riquezas e reaver seu prestígio.

Tornará para a sua terra. Seleuco foi derrotado e forçado a voltar para a Síria de mãos vazias (em cerca de 240
a.C.).

10 Os seus filhos farão guerra e reunirão numerosas forças; um deles virá apressadamente, arrasará
tudo e passará adiante; e, voltando à guerra, a levará até à fortaleza do rei do Sul.

Os seus filhos. Isto é, os dois filhos de Seleuco II: Seleuco III Cerauno Soter (226/225-223/222 a.C.), que foi
assassinado depois de um curto reinado, e Antíoco III, o Grande (223/222-188/187 a.C.).

Arrasará tudo e passará adiante. Em 219 a.C., Antíoco III iniciou sua campanha contra o sul da Síria e a Palestina,
retomando Selêucia, porto de Antioquia. Depois iniciou uma campanha sistemática para conquistar a Palestina de seu
rival, Ptolomeu IV Filopator (222-204 a.C.), durante a qual entrou na Transjordânia.

11 Então, este se exasperará, sairá e pelejará contra ele, contra o rei do Norte; este porá em campo
grande multidão, mas a sua multidão será entregue nas mãos daquele.

Este se exasperará. Sobre esta expressão, ver com. de Dn 8:7. Em 217 a.C., Ptolomeu IV encontrou Antíoco em
Ráfia, próximo à fronteira da Palestina com o Egito.

Ele. Este versículo se torna mais claro quando se reconhece que a passagem está na forma de um paralelismo
hebraico invertido, no qual o primeiro e o quarto elementos, e o segundo e o terceiro, são paralelos. Assim, neste
versículo, as referências são: rei do sul, rei do norte, ele (rei do norte), daquele (rei do sul; ver vol. 3, p. 12).

Sua multidão. Políbio, o principal historiador antigo desse período, declara que o exército de Antíoco era
constituído de 62 mil soldados de infantaria, 6 mil cavaleiros e 102 elefantes (Histories, v.79). As tropas de
Ptolomeu deviam ser mais ou menos equivalentes em número (comparar com a referência a "miríades", no v. 12).

Será entregue nas mãos daquele. A batalha de Ráfia (217 a.C.), entre Antíoco III e Ptolomeu IV, resultou numa
derrota esmagadora para o primeiro, de quem se diz ter perdido 10 mil soldados e 300 cavaleiros, além de 4 mil
prisioneiros.

12 A multidão será levada, e o coração dele se exaltará; ele derribará miríades, porém não prevalecerá.

Ele. Isto é, Ptolomeu IV.


Daniel 1 194

Não prevalecerá. Indolente e dissoluto, Ptolomeu não soube aproveitar sua vitória em Ráfia. No meio tempo,
durante os anos 212-204 a.C. Antíoco III empregou suas energias para recuperar seus territórios orientais e realizou
campanhas exitosas até a fronteira da Índia. A morte de Ptolomeu IV (205? a.C.) foi ocultada durante algum tempo;
então um filho, de quatro ou cinco anos o sucedeu como Ptolomeu V Epifânio (204 -180 a.C.).

13 Porque o rei do Norte tornará, e porá em campo multidão maior do que a primeira, e, ao cabo de
tempos, isto é, de anos, virá à pressa com grande exército e abundantes provisões.

Tornará. A ascensão do pequeno Ptolomeu V deu a Antíoco III a oportunidade de se vingar dos egípcios. Em 201
a.C., ele invadiu outra vez a Palestina.

Ao cabo de tempos. Literalmente, "no final de tempos, anos". A referência é, provavelmente, ao período de 16 anos
(217-201 a.C.) entre a batalha de Ráfia (ver com. do v. 11) e a segunda campanha de Antíoco contra o sul.

14 Naqueles tempos, se levantarão muitos contra o rei do Sul; também os dados à violência dentre o teu
povo se levantarão para cumprirem a profecia, mas cairão.

Naqueles tempos. A partir deste versículo, as interpretações do restante do capítulo diferem muito. Um grupo de
comentaristas considera que os v. 14 a 45 continuam a narrar a história subsequente dos reis selêucidas e
ptolomaicos. Outros defendem que, a partir do v. 14, o grande império mundial seguinte, Roma, entra em cena, e que
os v. 14 a 35 esboçam o curso desse império e da igreja cristã.

Neste ou num ponto posterior do capítulo, muitos comentaristas encontram referências a Antíoco IV (Epifânio), que
governou de 175 a 164/163 a.C., e à crise nacional que sua política de helenização acarretou aos judeus. É inegável
que a tentativa de Antíoco de forçar os judeus a abandonar sua religião nacional e sua cultura e adotar em lugar delas
a religião, cultura e língua dos gregos é o evento mais significativo da história judaica de todo o período
intertestamentário.

A ameaça de Antíoco Epifânio confrontou os judeus com uma crise comparável às crises causadas pelo faraó, por
Senaqueribe, Nabucodonosor, Hamã e Tito. Durante seu breve reinado de 12 anos, Antíoco quase exterminou a
religião e a cultura dos judeus. Ele tirou todos os tesouros do santuário, saqueou Jerusalém, deixou a cidade e seus
muros em ruínas, matou milhares de judeus e exilou outros como escravos. Um edito real ordenava-lhes que
abandonassem os rituais de sua religião e vivessem como pagãos. Eles foram forçados a erigir altares pagãos em
todas as cidades da Judeia, a oferecer neles carne de porco e a entregar todas as cópias das Escrituras para serem
rasgadas e queimadas. Antíoco ofereceu carne de porco diante de um ídolo pagão no templo judaico. A interrupção
dos sacrifícios (em 168-165 ou 167-164 a.C., de acordo com dois métodos de computar o tempo na era selêucida; ver
nota de rodapé, no vol. 5, p. 25, paginação lateral) ameaçou a sobrevivência da religião judaica e a identidade dos
judeus como povo.

Finalmente, os judeus se rebelaram e expulsaram da Judeia as forças de Antíoco. Eles tiveram êxito em repelir um
exército enviado por Antíoco com o propósito específico de exterminá-los como nação. Livres mais uma vez do
opressor, restauraram o templo, fizeram um novo altar e ofereceram sacrifícios novamente (1 Macabeus 4:36-54). Ao
fazer aliança com Roma, poucos anos depois (161 a.C.), os judeus desfrutaram, por quase um século, de relativa
independência e prosperidade sob a proteção romana, até a Judeia se tornar uma província romana, em 63 a.C. Os
que afirmam que Antíoco Epifânio é mencionado nos v. 14 e 15 consideram que os "dados à violência" são os judeus
que se tornaram traidores de seus próprios conterrâneos e ajudaram Antíoco na execução de seus decretos e políticas
cruéis e blasfemos (para um relato detalhado das amargas experiências dos judeus durante esse tempo, ver 1
Macabeus 1 e 2; Josefo, Antiguidades, xii.6, 7; Guerra dos Judeus, i.l).

É possível que Daniel 11 se refira à crise provocada pelas políticas de Antíoco Epifânio, embora existam
consideráveis diferenças de opinião quanto a que parte da profecia fala desse rei . Reconhecer que as atividades de
Antíoco Epifânio estão mencionadas em Daniel 11 não requer que ele seja considerado o tema da profecia dos cap. 7
e 8, assim como a menção de outros reis selêucidas não requer que sejam considerados tema da profecia desses
capítulos.

Os dados à violência dentre teu povo. Literalmente, "os filhos dos quebrantadores do teu povo". Caso se entenda
que "os dados à violência" são do "teu povo", a frase se aplicaria àqueles dentre os judeus que viram na luta
internacional de sua época uma oportunidade de fomentar seus interesses nacionais, e que estavam dispostos a ir
além dos limites da lei para alcançar seus objetivos. Por outro lado, se a expressão for entendida de forma objetiva, a
Daniel 1 195

passagem significaria "aqueles que agem com violência contra teu povo". Nesse sentido, seria uma referência aos
romanos, que ao final (63 a.C.) privaram os judeus de sua independência e, mais tarde (em 70 e 135 d.C.), destruíram
o templo e a cidade de Jerusalém. Foi, de fato, durante o reinado de Antíoco III (ver com. dos v. 10-13) que os
romanos, a fim de proteger os interesses de seus aliados Pérgamo, Rodes, Atenas e Egito, interferiram pela primeira
vez nas questões da Síria e do Egito.

15. “O rei do Norte virá, levantará baluartes, e tomará cidades fortificadas; os braços do Sul não poderão
resistir, nem o seu povo escolhido, pois não haverá força para resistir”.

Rei do Norte. Após as observações do v. 14, que podem ser um parêntese, este versículo dá continuidade à narrativa
iniciada no v. l3 acerca da segunda campanha de Antíoco na Palestina.

Baluartes. Do heb. solelah, "um outeiro", isto é, "fortes".

Cidades fortificadas. Do heb. 'ir mibtsaroth, literalmente, "uma cidade de fortificações". A referência é,
possivelmente, a Gaza, tomada por Antíoco III, em 201 a.C., depois de longo cerco. Alguns comentaristas entendem
que esta passagem se refere a Sidom, onde Antíoco cercou um exército egípcio nessa mesma guerra e, depois de um
cerco, forçou-o a se render.

Braços. Símbolo de força (ver v. 22, 31).

16. “O que, pois, vier contra ele, fará o que bem quiser, e ninguém poderá resistir a ele; estará na terra
gloriosa, e tudo estará em suas mãos.”

Terra gloriosa. Isto é, Palestina (ver com. de Dn 8:9). De acordo com o ponto de vista de que os romanos são
referidos no v. 14, acredita-se que a conquista descrita aqui seja a de Pompeu, que em 63 a.C., interveio numa
disputa entre os irmãos Hircano e Aristóbulo, rivais na luta pelo trono da Judeia. Os defensores se fecharam atrás dos
muros do templo e, por três meses, resistiram aos romanos. Foi nessa ocasião que, de acordo com Josefo
(Antiguidades, xiv.4.4), Pompeu levantou o véu e contemplou o santo dos santos, então vazio, pois a arca estava
escondida desde o exílio (ver com. de Jr 37: 10).

17. “Resolverá vir com a força de todo o seu reino, e entrará em acordo com ele, e lhe dará uma jovem em
casamento, para destruir o seu reino; isto, porém, não vingará nem será para a sua vantagem.”

Entrará em acordo. Do heb. yesharim. O significado desta passagem é obscuro. A frase diz, literalmente, "e os
retos com ele e ele fará" (ver ARC). Algumas versões consideram yesharim equivalente a mesharim, "integridade"
ou "equidade". Emprega-se mesharim no v. 6 para se referir a um acordo justo entre os reis do norte e do sul. Se
mesharim é a interpretação correta, pode haver aqui uma referência ao fato de que, quando morreu, em 51 a.C.,
Ptolomeu XI Auletes colocou seus dois filhos, Cleópatra e Ptolomeu XII, sob a tutela de Roma.

Uma filha das mulheres (ARC). Expressão incomum, que possivelmente enfatiza a feminilidade da mulher em
questão. Alguns aplicam esta expressão a Cleópatra, filha de Ptolomeu XI. Ela foi posta sob a tutela de Roma, em 51
a.C., e três anos depois setornou amante de Júlio César, que tinha invadido o Egito. Depois de Júlio César ter sido
assassinado, Cleópatra voltou suas afeições para Marco Antônio, rival de Otaviano (mais tarde, Augusto), herdeiro
de César, que derrotou as forças aliadas de Cleópatra e Marco Antônio, em Ácio (31 a.C.). No ano seguinte, o
suicídio de Marco Antônio (planejado por Cleópatra, segundo a opinião de alguns) abriu o caminho para o novo
vencedor. Então, Cleópatra se suicidou ao se dar conta de que não poderia conquistar Otaviano. Com Cleópatra,
findou a dinastia ptolomaica do Egito e, de 30 a.C. em diante, o Egito foi uma província do império romano. A
conduta desonesta de Cleópatra se ajusta bem às especificações da última frase deste versículo, pois Cleópatra não
era a favor de César, mas de seus próprios interesses políticos.

18 Depois, se voltará para as terras do mar e tomará muitas; mas um príncipe fará cessar-
lhe o opróbrio e ainda fará recair este opróbrio sobre aquele.

As terras do mar. Do heb. 'iyyim. Guerras em outras partes do império fizeram com que Júlio César deixasse o
Egito. O partido de Pompeu foi logo derrotado nas terras costeiras da África. Na Síria e Ásia Menor, César teve êxito
contra Farnaces, rei de Ponto.
Daniel 1 196

Um príncipe. Do heb. qatsin, alguém de autoridade, em geral, um príncipe como em Isaías 1:10, ou mais
especificamente um comandante militar, como em Josué 10:24.

Ainda. O hebraico da última frase deste versículo é obscuro. A seguinte tradução provavelmente reflete o sentido do
texto: "fará tornar sobre ele o seu opróbrio" (ARC).

19 Então, voltará para as fortalezas da sua própria terra; mas tropeçará, e cairá, e não será
achado.

Tropeçará, e cairá. Em 44 a.C., Júlio César foi assassinado em Roma.

20 Levantar-se-á, depois, em lugar dele, um que fará passar um exator pela terra mais
gloriosa do seu reino; mas, em poucos dias, será destruído, e isto sem ira nem batalha.

Um exator. Do heb. ma'avir noges, literalmente, "alguém que faz passar um opressor". O particípio noges, do verbo
nagas, "oprimir", "exigir", é usado com relação aos feitores de Israel no Egito (Êx 3:7) e a opressores estrangeiros (Is
9:4). A passagem se refere a um rei que enviaria opressores ou exatores por todo seu reino. A maioria dos
comentaristas entende que a referência é a um cobrador de impostos, que, antigamente, para o homem comum era a
própria personificação da opressão real. Lucas 2:1 registra que, "naqueles dias, foi publicado um decreto de César
Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se [literalmente, "inscrever-se" ou "registrar-se",
ver com. de Lc 2:1]". Considera-se que Augusto, sucessor de Júlio César, estabeleceu o império romano e, depois de
um reinado de mais de 40 anos, morreu em paz em seu leito, em 14 d.C.

21 Depois, se levantará em seu lugar um homem vil, ao qual não tinham dado a dignidade
real; mas ele virá caladamente e tomará o reino, com intrigas.

Um homem vil. Isto é, alguém desprezado ou pouco estimado. Augusto foi sucedido por Tibério (14-37 d.C.).
Alguns historiadores defendem que houve uma tentativa deliberada por parte de Suetônio, Sêneca e Tácito para
denegrir a imagem de Tibério. Sem dúvida, o quadro foi exagerado. No entanto, existem evidências suficientes que
mostram que Tibério era excêntrico, mal compreendido e não amado pelo povo.

Quem é este “homem vil”? Conforme vimos na estrutura literária, o verso 21 assinala uma transição no
relato profético,268 dando início a uma nova seção.269 A análise do capítulo 11 deixa evidente que o verbo
hebraico “levantar” (‫ )עָמַ֤ד‬aponta para o surgimento de um novo personagem, em sucessão ou oposição a
algum outro já existente. Em sentido positivo, este verbo, usado em Daniel 11:2, 3, 4, 7, 20 e 21 significa
“levantar-se para reger”, “dominar” ou “reinar”, e em todos estes exemplos refere-se à vinda de um novo
rei no cenário da ação ao tempo em que ele ascende ao trono e se torna o novo governador (ver também
Daniel 7:24; 8:23).270 Desta forma encontramos referência a poderes ou reis que se levantaram para reinar:
Pérsia (v. 2), Grécia (vv. 3-4), o rei do sul (v. 7), um que faria passar um exator pela terra gloriosa (v. 20)
e o “vil” (v. 21). Deve ser cuidadosamente notado que este verbo não mais é utilizado até o final do
capítulo 11 em referência ao surgimento de qualquer outro poder. Portanto, esta observação já indica que
daqui por diante estamos lidando com o mesmo poder.

Quanto à identificação deste vil, depende da escola de interpretação seguida pelo estudioso. Os preteristas,
naturalmente, identificam este “vil” como Antíoco IV Epifânio,271 que, embora não herdeiro direto do
trono, usou de subterfúgios para ocupar a posição real. Os futuristas também fazem a mesma
identificação, entretanto, veem no “caráter e atividades” de Antíoco Epifânio uma “imagem do futuro
anticristo”.272

268
Cf. Zdravko Stefanovic, Daniel, 407.
269
Z. Stefanovic, 396. William Shea inicia a seção no verso 23 e a considera a mais problemática de todo o capítulo
11 e que tem desafiado os intérpretes no decorrer dos séculos. William H. Shea, Daniel 7-12, 148.
270
Shea, Daniel 7-12, 214.
271
Goldingay, Word Biblical Commentary: Daniel, 299.
272
Warren W. Wiersbe, Be Resolute (Colorado Springs, Colo.: Victor, 2000), 136.
Daniel 1 197

Intérpretes historicistas, geralmente, entendem que este “vil” refere-se a Tibério, que governava o império
romano ao tempo da crucifixão de Jesus. Entre outras coisas, a referência a um “exator” no verso 20,
identificado com César Augusto, tem levado à conclusão de que o verso seguinte se refere a seu sucessor,
ou seja, Tibério.

Por outro lado, o verso 21 refere-se a este novo personagem como “um vil”273 (Hebr. nibzeh),
“desprezado”, “indigno”, “vil”, “desprezível”,274 uma descrição jamais utilizada em referência a qualquer
outro rei mencionado anteriormente neste capítulo. Deve-se observar que este indivíduo é o sujeito que
rege as ações até o verso 39, sendo identificado por variados pronomes (ele, dele, seus, sua, lhe, este) e,
finalmente, identificado com o “rei do norte” que reaparece a partir do verso 40. Assim, faz sentido a
proposta literária de Tregelles,275 – mas não a sua interpretação – que divide a história deste homem vil em
três etapas, estendendo-se até o fim do capítulo: (1) seu surgimento (Dn 11:21, 22); (2) o tempo entre a
aliança e a retirada do sacrifício diário e o estabelecimento da abominaçao desoladora (Dn 11:23–31); e
(3) sua carreira blasfema, até sua destruição (Dn 11:32–45).276 Assim, todas as características encontradas
daqui por diante se referem a este personagem. Que este “vil” é diferente dos outros reis anteriores, mas se
identifica com o chifre pequeno, é evidenciado pelos argumentos apresentados a seguir.

Devemos observar que são atribuídas a ele algumas ações não mencionadas em relação aos demais
poderes anteriormente citados na profecia. Por exemplo, o desprezo aos costumes e tradições de seus pais
(11:24, 37, 38), sugerindo uma alteração no seu relacionamento e compreensão das coisas relativas a Deus
(vv. 36-39). A isto se vincula o seu ataque contra a “santa aliança” (11:28, 30). Além disso, a sutileza de
suas ações se revela no uso de lisonjas/intrigas (‫ – בחֲל ּ֑קֹות‬ḥālāq) para alcançar seus objetivos (vv. 21, 32),
característica não encontrada nos reis anteriormente mencionados neste capítulo.277

A referência a seu ataque contra a santa aliança revela sua natureza: além de político, é também religioso.
O santuário celestial, que foi objeto do ataque do chifre pequeno na profecia do capítulo 8 (v. 11), é
novamente mencionado, desta vez como sendo profanado pelo sujeito vil (11:31). A profanação poderia
ser interpretada pelas ações descritas a seguir, isto é, a retirada do sacrifício costumado (lembrando que o
original diz hattamid, e que a palavra “sacrifício” foi acrescentada pelos tradutores) e o estabelecimento
da abominação desoladora, que ecoa, em certo sentido, o conteúdo de 8:11-13. Esta profanação se
consumou simbolicamente quando o poder representado pelo personagem vil se intrometeu na esfera de
atuação do “Príncipe do exército” (Dn 8:11) ou “Príncipe dos príncipes” (Dn 8:25), que se refere a Cristo,
e dEle usurpou as prerrogativas exclusivas de ministrar como sacerdote e mediador entre Deus e o Seu
povo. Este poder religioso alega controlar os meios da graça, sendo assim o único caminho disponível
para todo aquele que deseja obter a salvação eterna.

273
O substantivo “homem”, ou qualquer outro utilizado em uma versão diferente, não consta do Texto Massorético,
tendo sido suprido pelos tradutores. Alguns exemplos de tradução: “um miserável” (Bíblia de Jerusalém), “uma
criatura vil” (Knox), “criatura desprezível” (Moffat e Revised English Bible). Cf. Péter-Contesse, R., & Ellington, J.
A handbook on the Book of Daniel. UBS handbook series; Helps for translators (New York: United Bible Societies,
1993), 300.
274
Brown, F., Driver, S. R., & Briggs, C. A. (2000). Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon.
(electronic ed.), 102.
275
Tregelles, Remarks on Daniel, 101, 108, 110. Cf. proposta estrutural semelhante, que entende os versos 21-45
como uma unidade literária, em J. A. Montgomery, A critical and exegetical commentary on the book of Daniel.
Includes indexes (New York: Charles Scribner's Sons, 1927), 420. Entretanto, não seguimos a sua interpretação, que
identifica o personagem aqui mencionado como Antíoco IV.
276
Jamieson, R., Fausset, A. R., Fausset, A. R., Brown, D., & Brown, D. (1997). A commentary, critical and
explanatory, on the Old and New Testaments. On spine: Critical and explanatory commentary. (Dn 11:23). Oak
Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc.
277
O uso da expressão não denota “discursos suaves ou palavras lisonjeiras meramente, mas palavras e ações
dissimuladas, uma influência hipócrita e enganadora em palavras e atos.” Lange, J. P., Schaff, P., Zöckler, O., &
Strong, J. A commentary on the Holy Scriptures: Daniel (Bellingham, WA: Logos Research Systems, Inc., 2008),
247.
Daniel 1 198

Nesse processo, o povo de Deus, descrito aqui como “o povo que conhece ao seu Deus” (v. 32), também
será atacado, da mesma forma como foi atacado pelo chifre pequeno no capítulo 7: “este chifre fazia
guerra contra os santos, e prevalecia contra eles” (v. 21); “magoará os santos do Altíssimo,... e os santos
lhe serão entregues nas mãos por um tempo, dois tempos e metade de um tempo” (v. 25. Cf. 8:24). fim

Os paralelos apresentados no quadro seguinte permitem identificar o personagem vil do capítulo 11 com o
chifre pequeno dos capítulos 7 e 8:278

Capítulos 7 e 8 Capítulo 11
7:25 – “Proferirá palavras contra o Altíssimo” v. 36 – “Contra o Deus dos deuses falará coisas
8:24 – “Causará estupendas destruições” (‫)וְׁ נִ ְׁפ ָל ֥אֹות‬ incríveis” (‫)נִ ְׁפ ָל ֑אֹות‬
7:25 – “cuidará em mudar os tempos e a lei” v. 37 – “Não terá respeito aos deuses de seus pais”
7:21-22 – o chifre prevaleceu contra os santos até que v. 36 – “será próspero até que se cumpra a
veio o tempo em que os santos possuíram o reino indignação”
8:9 – se engrandeceu para a terra gloriosa v. 41 – “Entrará na terra gloriosa”
8:17 – a visão pertence ao tempo do fim v. 40 – “No tempo do fim…”
8:19 – “… no último tempo da ira” v. 36 – “até que se cumpra a indignação”
8:25 – “por sua astúcia” (Heb. bešalwâ)279 v. 21 – “com intrigas” (Heb. bešalwâ).

As conexões verbais, ou paralelos linguísticos, entre as descrições do personagem vil do capítulo 11 e o


chifre pequeno dos capítulos 7 e 8 permitem concluir que se referem ao mesmo poder.

Ao qual não tinham dado. Literalmente, "não deram". Provavelmente a referência é ao fato de que Tibério não
estava originalmente na linha de sucessão ao trono, mas se tornou filho de Augusto por adoção e foi apontado como
herdeiro do império apenas quando adulto.

Caladamente. Quando Augusto morreu, Tibério ascendeu ao trono de forma pacífica. Ele era apenas o filho adotivo
de seu predecessor, e sua ascensão deveu-se, em grande parte, às manobras de sua mãe, Lívia.

22 As forças inundantes serão arrasadas de diante dele; serão quebrantadas, como


também o príncipe da aliança.

As forças inundantes. "Forças" aqui denota poder militar (ver v. 6, 15). O quadro é de exércitos que se assemelham
a uma inundação (ver Dn 9:26). Tibério teve êxito ao conduzir várias campanhas militares, tanto na Alemanha
quanto no Oriente, nas fronteiras da Armênia e Pártia.

Príncipe da aliança. Identificado com o Príncipe que confirma a aliança em Daniel 9:25 a 27 (ver 8: 11). A profecia
do cap. 9 deixa claro que se trata do Messias, Jesus Cristo. Foi no reinado de Tibério (14-37 d.C.) e por ordem de seu
procurador na Judeia, Pôncio Pilatos, que Jesus foi crucificado, no ano 31 d.C.

Quem é o personagem identificado como Príncipe da aliança no verso 22? A escola de interpretação
adotada pelo estudioso interferirá na identificação. Os intérpretes preteristas identificam este “príncipe da
aliança” com Onias III, sumo sacerdote morto em 172 a.C., durante os eventos protagonizados por
Antíoco IV. Exemplo disto é a afirmação de Collins, de que a morte do príncipe da aliança mencionada no
verso 22 é “universalmente aceita pelo eruditos modernos” como uma referência a Onias III.280

Por outro lado, alguns intérpretes entendem que esta é uma referência ao Príncipe Messias, ou seja,
Cristo.281 Os argumentos consideram a importância das relações léxicas entre este verso e o texto de
Daniel 9:24-27. Os vínculos linguísticos seriam os seguintes: (1) o termo “dilúvio” (“inundantes”),

278
Baseado em S. P. Tregelles, 54; Doukhan, Secrets of Daniel, 169.
279
Z. Stefanovic interpreta o termo em 8:25 como se aplicando ao chifre pequeno. Cf. Idem, Daniel, 406.
280
Collins, 382.
281
Cf. Z. Stefanovic, Daniel, 406, 408; Shea, “A unidade de Daniel”, 199; Alberto R. Treiyer, “The Priest-King Role
of the Messiah”, Journal of the Adventist Theological Society, 7/1 (1996): 72; Frank Wilton Hardy, “An Historicist
Perspective on Daniel 11”, dissertação de mestrado (Berrien Springs, MI: Andrews University, 1983), 86-89.
Daniel 1 199

somente encontrado em Daniel no texto de 9:26: “e o seu fim será com uma inundação”; (2) o termo
“príncipe” (hebr. nāgîd), usado apenas três vezes em Daniel: em 11:22 (1 vez) e 9:25 e 26 (duas
ocorrências), textos que apresentam o “príncipe” sofrendo uma morte violenta; e (3) o uso do termo
“pacto” (hebr. berît, “aliança”, “concerto”) em conexão com o “príncipe” (nāgîd) é exclusivo nestes textos
de Daniel: em 9:26 é o nāgîd quem faz um forte concerto por uma semana e, em 11:22 ele é o nāgîd do
concerto.282 Estes paralelos linguísticos encontrados no próprio livro de Daniel têm levado alguns
intérpretes a identificar o “príncipe da aliança” de 11:22 como Cristo. Sendo assim, o verso 22 fala do
quebrantamento, ou morte, de Jesus. E quando ocorreu a morte do príncipe da aliança? No ano 31 AD.
Que império dominava o mundo de então, incluindo a Palestina? A resposta é uma só: Roma. Portanto,
aqui teríamos um marcador cronológico, indicado pela profecia, que situa o verso 22 no período romano.
Assim, daqui por diante nos encontraríamos na fase de Roma imperial, até que um novo marcador
cronológico indique a mudança.

23 Apesar da aliança com ele, usará de engano; subirá e se tornará forte com pouca gente.

Apesar da aliança. Alguns comentaristas sugerem que, aqui, Daniel retrocede no tempo e se refere à aliança de
auxílio e amizade entre os judeus e os romanos, em 161 a.C. (ver Josefo, Antiguidades, xii.10.6). Esse ponto de vista
supõe que a expressão hebraica traduzida como "tempo" no v. 24 designa um "tempo" profético de 360 anos (ver
com. de Dn 7:25; 11:24). Outros, que defendem a continuidade cronológica da narrativa profética de Daniel 11 ,
encontram uma referência à política romana de obter o que hoje seria chamado de "pacto de assistência mútua",
como, por exemplo, a aliança de auxílio e amizade com os judeus. Nesses tratados, os romanos reconheciam os
participantes como "aliados" e tinham o objetivo de, supostamente, proteger e promover interesses mútuos. Assim,
Roma parecia amiga e protetora, apenas para astuciosamente fazer valer esses acordos em benefício próprio. Ela com
frequência impunha os fardos das conquistas sobre seus "aliados", mas, em geral, reservava as recompensas para si.
Ao final, esses "aliados" eram absorvidos pelo império romano.

24 Virá também caladamente aos lugares mais férteis da província e fará o que nunca
fizeram seus pais, nem os pais de seus pais: repartirá entre eles a presa, os despojos e os
bens; e maquinará os seus projetos contra as fortalezas, mas por certo tempo.

Por certo tempo. Do heb. 'ad-'eth, "até um tempo". Esta expressão indica um [ponto do] tempo quando as
artimanhas do poder aqui apresentado seriam eliminadas. É provável que, neste caso, a palavra 'eth, "tempo", não
deva ser considerada um período específico de tempo, nem como um período de tempo profético. A palavra
traduzida como "tempos" (Dn 4:16; 7:25) é do aramaico 'iddanin e do hebraico mo'adim (Dn 12:7). 'Ad-'eth parece
indicar um tempo indeterminado. O poder maligno agiria até que atingisse o limite especificado por Deus (ver Dn
11:27; cf. 12:1).

Os que acreditam que aqui se indica um tempo profético veem nos eventos narrados uma referência ao período de
tempo em que a cidade de Roma permaneceria como sede do império. Considera-se que 31 a.C. foi a data inicial, o
ano da batalha de Ácio, quando Augusto triunfou sobre Marco Antônio e Cleópatra. A contar de 31 a.C., 360 anos
chegam a 330 d.C., o ano em que a sede do império foi transferida de Roma para Constantinopla.

Alguns veem na declaração deste versículo uma previsão da política romana para com as regiões conquistadas pelo
império. A história registra que o despojo da conquista era generosamente distribuído entre a nobreza e os
comandantes do exército, e que era uma prática comum que até o soldado raso recebesse terras nas regiões
conquistadas. "Por certo tempo" (um período considerável de tempo, de fato), nenhuma fortaleza foi capaz de resistir
à pressão das invencíveis legiões romanas.

25 Suscitará a sua força e o seu ânimo contra o rei do Sul, à frente de grande exército; o
rei do Sul sairá à batalha com grande e mui poderoso exército, mas não prevalecerá, porque
maquinarão projetos contra ele.

Suscitará a sua força. De acordo com a explicação mencionada antes (ver com. do v. 24), este versículo se refere à
luta entre Augusto e Antônio, que culminou com a batalha de Ácio e com a derrota de Antônio.

282
William H. Shea, Estudos selecionados em interpretação profética, 57-58 (paginação em inglês).
Daniel 1 200

26 Os que comerem os seus manjares o destruirão, e o exército dele será arrasado, e


muitos cairão traspassados.

Os que comerem. Alguns veem nesta frase uma referência aos favoritos da realeza. Desde os dias dos primeiros
Césares, intrigas palacianas marcaram a ascensão e a queda dos imperadores romanos. Em anos posteriores,
particularmente, quando um após outro oficial do exército ocupou o trono dos Césares, com frequência pelo preço da
cabeça de seu predecessor, cumpriu-se com singular exatidão a previsão de que favoritos da realeza se levantariam e
destruiriam aqueles que tinham se tornado seus amigos e, como resultado, "muitos" cairiam traspassados. No antigo
Oriente, esperava-se que os que comiam alimento fornecido por outra pessoa se mantivessem leais a ela.

Arrasado. A Siríaca e a Vulgata trazem "ser lavado" ou "ser arrastado". De acordo com a explicação mencionada (v.
24), este versículo descreve o destino de Marco Antônio. Quando Cleópatra, temendo pelo estrondo da batalha, se
retirou de Ácio, levando seus 60 navios da marinha egípcia, Marco Antônio a seguiu e, com isso concedeu vitória a
Augusto. Os que apoiavam Marco Antônio passaram para o lado de Augusto. Finalmente, Marco Antônio cometeu
suicídio. De acordo com os que enfatizam a continuidade cronológica do capítulo (ver com. do v. 23), é predita aqui
a situação política instável que marcou os reinados de Nero e Diocleciano.

27 Também estes dois reis se empenharão em fazer o mal e a uma só mesa falarão
mentiras; porém isso não prosperará, porque o fim virá no tempo determinado.

Estes [...] se empenharão em fazer o mal. Alguns consideram que esta frase é uma referência a intrigas de Otaviano
(mais tarde, Augusto) e Antônio, ambos aspirantes ao controle do império. Outros veem uma referência à luta pelo
poder durante os últimos anos do reinado de Diocleciano (284-305 d.C.) e durante os anos entre a morte deste e o
tempo em que Constantino, o Grande (306-337), conseguiu unir novamente o império (323 ou 324).

Tempo determinado. Homens maus e suas maquinações duram apenas até quando Deus permite. A verdadeira
filosofia da história se demonstra no livro de Daniel: "Segundo a Sua vontade, Ele opera com o exército do Céu e os
moradores da terra; não
há quem Lhe possa deter a mão" (Dn 4:35).

28 Então, o homem vil tornará para a sua terra com grande riqueza, e o seu coração será
contra a santa aliança; ele fará o que lhe aprouver e tornará para a sua terra.

Então, o homem vil tornará. Alguns expositores consideram que isto seja uma previsão do cerco e da destruição
de Jerusalém por Tito, em 70 d.C. Outros, que defendem a continuidade cronológica da narrativa profética (ver com.
do v. 23), veem uma descrição mais ampla da obra de Constantino, o Grande.

Contra a santa aliança. Fala-se de Cristo como o "príncipe da aliança" (v. 22), e aquele que "fará firme aliança com
muitos por uma semana" (Dn 9:27). Esta aliança é o plano da salvação, traçado na eternidade e confirmado pela
morte de Cristo. Então, parece razoável entender o poder aqui mencionado como um que tenazmente se oporia a esse
plano e a seu efeito na vida dos seres humanos. Alguns veem uma referência específica à invasão da Judeia pelos
romanos e à tomada e destruição de Jerusalém, em 70 d.C . Outros sugerem que Constantino seja o tema da profecia
e observam que, embora professasse ter se convertido à fé cristã, Constantino estava na verdade "contra a santa
aliança", sendo que seu objetivo era fazer uso do cristianismo como um instrumento para unir o império e solidificar
seu domínio. Ele fez grandes favores à igreja, mas em troca esperava que a igreja apoiasse sua política.

29 No tempo determinado, tornará a avançar contra o Sul; mas não será nesta última vez
como foi na primeira,

Não será. De acordo com a interpretação de que aqui se esboça a carreira de Constantino, sugere-se o seguinte: a
despeito de todas as tentativas de Constantino para reavivar a antiga glória e o poder do império romano, seus
esforços tiveram um êxito apenas parcial.

Na primeira. A passagem pode ser traduzida como: "esta vez não será como a primeira". Alguns creem que a
referência seja à mudança da sede do império para Constantinopla. Essa mudança foi apontada como sinal da queda
do império.

30 porque virão contra ele navios de Quitim, que lhe causarão tristeza; voltará, e se
Daniel 1 201

indignará contra a santa aliança, e fará o que lhe aprouver; e, tendo voltado, atenderá aos
que tiverem desamparado a santa aliança.

Quitim. O nome de Quitim ocorre várias vezes no AT e em escritos judaicos posteriores, sendo usado de várias
formas interessantes. Quitim é mencionado como filho de Javã e neto de Jafé (ver com. de Gn 10:4; cf lCr 1:7). A
área ocupada pelos descendentes de Quitim foi provavelmente Chipre. A principal cidade fenícia de Chipre, na costa
sudeste, era conhecida em fenício como Kt, em grego como Kition e em latim como Citium. Balaão declara na sua
profecia (Nm 24:24) que "homens virão das costas [direção] de Quitim em suas naus; afligirão a Assur". Alguns
aplicam essa profecia à derrota da Pérsia na Mesopotâmia por Alexandre, o Grande, que saiu das costas do
Mediterrâneo (ver com. de Nm 24:24). As "terras do mar de Chipre" (Jr 2:10; Ez 27:6), aparentemente, referem-se
também às costas do Mediterrâneo.

Na literatura judaica extra-bíblica, o termo ocorre em l Macabeus l: l, ao se descrever a Macedônia. Além disso, dois
dos rolos do Mar Morto contêm esse nome. As formas htyy 'shwr, "Quitim de Assur" (Assíria), e hhtyym bmtsrym, "a
Quitim no Egito", são usadas na obra A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas. As designações
podem talvez se referir aos selêucidas e aos ptolomeus: os reis do Norte e do Sul. A associação geográfica do termo
Quitim com as terras costeiras do Mediterrâneo parece ter se perdido totalmente, e Quitim passou a ser um termo
genérico para designar os inimigos dos judeus . O chamado "Comentário de Habacuque", entre os rolos do Mar
Morto, também menciona Quitim. O autor dessa obra cria que as profecias de Habacuque se referiam às dificuldades
dos judeus em seus próprios dias (provavelmente por volta de meados do 1° século a.C .). Ele interpretou Habacuque
1:6 a 11, em que o profeta descreve os caldeus, como referência a Quitim, que estava despojando os judeus de sua
época. No contexto histórico dessa obra o termo talvez se aplique aos romanos
(vervol. 1, p. 8-11).

Com relação a isso, é interessante observar que na LXX, traduzida talvez no 2° século a.C., Daniel 11:30 diz
"romanos" em vez de "Quitim". Portanto, parece claro que, embora a palavra Kittim originalmente se referisse a
Chipre e a seus habitantes, mais tarde, teve seu significado ampliado de modo a incluir as costas do Mediterrâneo ao
oeste da Palestina e, ainda mais tarde, aplicou-se a opressores estrangeiros em geral, viessem eles do sul (Egito), do
norte (Síria) ou do oeste (Macedônia e Roma).

Com respeito à época em que foi escrito, o livro de Daniel está bem mais próximo das referências a Quitim de
Jeremias e Ezequiel do que das referências de origem pós-bíblica, que talvez tenham surgido como uma extensão do
emprego de "Quitim" na Bíblia. Contudo, a fraseologia deste versículo relembra Números 24:24, em que se faz
referência a conquistadores do ocidente (ver com. ali). Embora nem todos os estudiosos da Bíblia estejam de acordo
com a referência histórica exata de "Quitim" neste versículo, parece claro que, ao interpretar esta passagem, deve-se
levar em conta dois pensamentos. Primeiro, geograficamente, na época de Daniel, a palavra se referia a terras e
povos do ocidente; e, segundo, a ênfase já pode ter estado no processo de mudança do significado geográfico da
palavra à ideia de Quitim como invasores e destruidores procedentes de qualquer parte.

Alguns veem nos "navios de Quitim" uma referência às hordas bárbaras que invadiram e destruíram o império
romano ocidental.

Aliança. Ver com. do v. 28. Alguns veem nessa indignação uma referência aos esforços de Roma para destruir a
santa aliança por meio da supressão das Sagradas Escrituras e do ataque àqueles que criam nelas.

31 Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e tirarão o sacrifício
diário, estabelecendo a abominação desoladora.

Dele. Do heb. mimmennu. Esta palavra modifica o sujeito e não o verbo da frase: "Dele sairão forças"; isto é, forças
pertencentes a esse poder surgiriam para realizar a obra de profanação descrita aqui.

Sairão. Isto é, "se levantarão".

Profanarão. Do heb. chalal. Palavra hebraica que indica que algo sagrado foi tornado profano. A palavra é
empregada para indicar a profanação de um altar de pedra pelo uso de uma ferramenta sobre ele (Êx 20:25) e a
profanação do sábado (Êx 31 :-14). Também descreve os atos dos que profanaram o nome de Deus ao sacrificarem
os filhos a deuses pagãos (Lv 20:3; ver com. de Lv 18:21).
Daniel 1 202

O santuário, a fortaleza nossa. Literalmente, "o lugar santo, o refúgio". Estas palavras estão em aposição. Alguns
entendem que elas se aplicam à cidade de Roma, sede do poder no mundo antigo. Segundo essa ideia, são preditos
aqui os ataques destrutivos de poderes bárbaros.

Outros creem que o santuário celestial é o tema em questão. A palavra heb. ma'oz, traduzida como "fortaleza", vem
do verbo 'azaz, "ser forte", e é usada várias vezes neste capítulo (v. 7, 10, 19, 38, 39), embora não seja traduzida
uniformemente.

O santuário terreno em Jerusalém era cercado de fortificações. O santuário celestial, onde Cristo pleiteia Seu sangue
em favor de pecadores, é o supremo lugar de refúgio. Sendo assim, entende-se que esta passagem descreve a ação do
grande poder apóstata da história cristã que substituiu o verdadeiro sacrifício de Cristo e Sua ministração como sumo
sacerdote no santuário celestial por um falso sacrifício e uma falsa ministração.

Sacrifício diário. Ver com. de Dn 8:11.

Abominação desoladora. A obra do papado é aqui predita. Esta é a primeira vez que a expressão ocorre no livro de
Daniel, embora haja palavras similares na frase "sobre a asa das abominações virá o assolador" (Dn 9:27; na LXX,
essa frase diz "sobre o templo abominação de desolações"). As palavras de Cristo sobre o "abominável da desolação"
(Mt 24: 15) devem ser consideradas como uma aplicação particular dessa primeira referência de Daniel9:27 em vez
de Daniel 11:31. Ao falar da iminente destruição de Jerusalém,
que ocorreu em 70 d.C., Jesus identificou os exércitos romanos que cercariam a cidade como "o abominável da
desolação de que falou o profeta Daniel" (Mt 24:15; cf. Lc 21:20).

Tendo em vista o fato de Daniel 9:27 fazer parte da explicação do anjo sobre o conteúdo de 8:11 a 13, a conclusão
natural é que Daniel 8:11 a 13 é uma profecia dupla (similar à de Mt 24; ver OTN, 628) que se aplica tanto à
destruição do templo e de Jerusalém pelos romanos como à obra do papado na era cristã. Deve-se observar também
que a referência explícita de Jesus à obra do "abominável da desolação", como ainda no futuro naquela época, torna
claro que Antíoco Epifânio, de fato, não cumpre essa profecia (ver com. de Dn 8:25).

32 Aos violadores da aliança, ele, com lisonjas, perverterá, mas o povo que conhece ao seu
Deus se tornará forte e ativo.

Aliança. Ver com. do v. 28.


Ele. Isto é, o papado.

Lisonjas. Do heb. chalaqqoth, "coisas lisas, escorregadias" (ver Dn 8:25). O método de Satanás consiste em fazer
seu caminho parecer mais fácil do que o de Deus. Através da história cristã, o povo de Deus tem se mantido fiel ao
"apertado [...] caminho que conduz para a vida", como Cristo o descreveu (Mt 7:14).

E ativo. Do heb. 'asah, "fazer", "agir". Como no v. 28, as expressões "ativo" e "proezas" (ARC) são acrescentadas,
como se acrescenta "o que lhe aprouver", no v. 28, ao verbo 'asah. Sem dúvida, esta passagem se refere àqueles que,
nas terras sob jurisdição de Roma e fora dela, resistiram às usurpações papais e mantiveram a fé viva, como, por
exemplo, os valdenses, os albigenses e outros. A igreja verdadeira se distingue não apenas pelo fato de que o povo de
Deus reage ao pecado, resistindo à tentação, mas muito mais por levar adiante um programa positivo de ação em
favor da vontade do Altíssimo. O cristianismo não pode ser passivo. Todo filho de Deus tem uma missão a cumprir.

33 Os sábios entre o povo ensinarão a muitos; todavia, cairão pela espada e pelo fogo, pelo
cativeiro e pelo roubo, por algum tempo.

Ensinarão a muitos. A ordem de Cristo "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações" (Mt 28:19) é tão
imperativa em tempos de perseguição como em períodos de paz e, com frequência, se prova mais eficaz em tempos
adversos.

Cairão. Durante os séculos em que o verdadeiro povo de Deus foi mais duramente perseguido, os corajosos o
suficiente para permanecer e testemunhar de suas convicções se tornaram objetos particulares de perseguição.

Algum tempo. O texto hebraico, a LXX e a versão de Teodócio dizem simplesmente "dias". Contudo, existem
alguns manuscritos hebraicos que trazem a palavra rabim, "muitos" (ARC). O período a que se refere aqui é
Daniel 1 203

claramente o mesmo dos 1.260 anos (Dn 7:25; 12:7; Ap 12:6, 14; 13:5); tempo durante o qual o poder apóstata
blasfemou de Deus da forma mais desafiante, exercendo autoridade usurpadora e perseguindo os que rejeitavam essa
autoridade (ver com. de Dn 7:25).

34 Ao caírem eles, serão ajudados com pequeno socorro; mas muitos se ajuntarão a eles
com lisonjas.

Pequeno socorro. Embora, em Sua sabedoria, Deus nem sempre considerasse apropriado livrar Seus santos da
morte, todo mártir teve a oportunidade de saber que sua vida estava "oculta juntamente com Cristo, em Deus" (Cl
3:3).

Durante os amargos dias de apostasia e perseguição, descritos em Daniel 11:33, Deus repetidamente enviou a Seu
povo oprimido "um pequeno socorro" por meio de líderes que falavam em meio à escuridão, apelando para o retorno
aos princípios das Escrituras. Dentre os quais estavam os ministros valdenses do século 12 em diante, John Wycliffe,
na Inglaterra, no século 14; e John Huss e Jerônimo de Praga, no século 15. No século 16, a grande agitação na vida
política, econômica, social e religiosa da Europa, que em seu alcance espiritual tornou possível a Reforma
Protestante, acrescentou muitas vozes mais fiéis às ouvidas nas gerações anteriores.

35 Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados e embranquecidos, até ao
tempo do fim, porque se dará ainda no tempo determinado.

Embranquecidos. Às vezes, Deus permite que Seus filhos sofram, mesmo até a morte, para que o caráter seja
purificado e preparado para o Céu. Mesmo Cristo "aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu" (Hb 5:8; compare
com Ap 6:11).

Tempo do fim. Do heb. 'eth qets. Esta expressão ocorre também em Daniel 8:17; 11:40; e 12:4 e 9. No contexto de
Danielll:35, 'eth qets parece estar claramente relacionado aos 1.260 anos, marcando o fim deste período. Estas
passagens das Escrituras apontam para o ano 1798 d.C. como o início do "tempo do fim" (ver DTN, 234; T5, 9, 10;
GC, 356).

Tempo determinado. Do heb. mo'ed,do verbo ya'ad, "apontar". Mo'ed, uma palavra hebraica comum, se aplicava às
reuniões de Israel com Deus (Êx 23:15; ver com. de Lv 23:2). A palavra era usada tanto para a data da reunião (Os
12:9) quanto para o lugar (SI 74:8). Em Danielll:35, tem-se a ideia de tempo. Ainda mais importante é o fato de que
é um tempo determinado. "O tempo do fim" é um tempo determinado no programa divino dos acontecimentos.

36 Este rei fará segundo a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá sobre todo deus;
contra o Deus dos deuses falará coisas incríveis e será próspero, até que se cumpra a
indignação; porque aquilo que está determinado será feito.

Este rei. Eruditos adventistas do sétimo dia defendem dois pontos de vista com relação à interpretação dos v. 36 a
39. Uma interpretação identifica o poder descrito aqui como a França revolucionária de 1789 e anos seguintes. A
outra defende que este é o mesmo poder apóstata, perseguidor descrito nos versículos anteriores.

Os que entendem que "este rei" se refere ao poder francês durante a Revolução enfatizam que este deve ser um novo
poder apresentado aqui, pois ele é menciondado logo depois de "tempo do fim" e, supostamente, deve cumprir certas
especificações não mencionadas em relação ao poder descrito nos versículos anteriores, principalmente que sua
vontade será manifesta em favor do ateísmo. É um fato histórico que o espírito da Revolução Francesa era não
apenas anticlerical, mas também ateísta, e que essa filosofia se difundiu amplamente nos séculos 19 e 20. Além
disso, essa revolução e suas consequências marcam o fim do período profético de 1.260 anos.

Os que defendem que "este rei" é o mesmo poder descrito no v. 32 apontam para o fato de que, no hebraico, o artigo
definido precede a palavra "rei". Isso indicaria que o poder ao qual se refere aqui já foi mencionado antes. Alegam
que a referência ao "tempo do fim", no v. 35, pode apontar adiante e não indica necessariamente que os v. 36 a 39
devem ser colocados exclusivamente após o início desse tempo, em 1798 (ver com. do v. 35), especialmente visto
que somente no v. 40 se diz que um evento se daria "no tempo do fim". Eles entendem que a descrição desse poder
nos v. 36 a 39 não indica o ateísmo, mas sim uma tentativa de suplantar todos os outros poderes religiosos. Os que
defendem esse ponto de vista também chamam atenção para o paralelismo dos cap. 2 e 7; 8 e 9; e concluem que é
possível encontrar o mesmo paralelismo no cap. 11, e que ele tem a ver com a culminação do mesmo poder apóstata
descrito nas outras profecias do livro de Daniel.
Daniel 1 204

E se engrandecerá. De acordo com o ponto de vista de que aqui se descreve a França revolucionária, entende-se que
estas palavras descrevem os excessos do ateísmo cometidos por alguns dos líderes mais radicais da Revolução.
Como exemplo disso, em 26 de novembro de 1793, a Comuna, ou corpo governante da cidade de Paris, aboliu
oficialmente todas as religiões na capital da França. Embora essa ação tenha sido revertida pela Assembleia Nacional
poucos dias depois, ela ilustra a influência do ateísmo durante esse período.

Aqueles que entendem que estes versículos se aplicam ao grande poder apóstata da história cristã consideram esta
passagem paralela a Daniel8:11, 25; 2 Tessalonicenses 2:4; e Apocalipse 13:2, 6; e 18:7. Entendem que a profecia
deste versículo se cumpre na pretensão do papa em ser o vicário de Cristo na Terra, no poder reivindicado pelo clero
e no "poder das chaves": a autoridade para abrir e fechar as portas do Céu aos seres humanos.

Falará coisas incríveis. De acordo com o ponto de vista de que a França é o tema em questão, esta frase se refere às
palavras arrogantes dos revolucionários que aboliram a religião e estabeleceram o culto à deusa Razão. Quando, mais
tarde, se introduziu o culto ao Ser Supremo, os reacionários tornaram claro que ele não devia ser identificado com o
Deus da religião cristã. Sobre o cumprimento desta passagem segundo o ponto de vista de que o papado é o tema em
questão aqui, ver com. de Daniel 7:11, 25; cf. 2 Tessalonicenses 2:4; e Apocalipse 13:5 e 6.

37 Não terá respeito aos deuses de seus pais, nem ao desejo de mulheres, nem a qualquer
deus, porque sobre tudo se engrandecerá.

Desejo de mulheres. Os que acreditam que a referência é à França veem o cumprimento desta passagem na
declaração dos revolucionários de que o casamento era um mero contrato civil, que sem formalidades poderia ser
dissolvido pelas partes envolvidas. Já os que acreditam ser ao papado veem uma possível referência à importância
que esse poder dá ao celibato e à virgindade.

Nem a qualquer deus. De acordo com a primeira posição, as palavras se aplicam ao poder ateu francês
revolucionário que tentou abolir a religião no país (ver com. do v. 36). Segundo a outra posição, as palavras devem
ser entendidas num sentido comparativo, isto é, o poder descrito não é ateu, mas se considera porta-voz de Deus e
não dá a Deus a honra devida. Ele busca de forma blasfema se colocar no lugar dEle (ver 2Ts 2:4).

38 Mas, em lugar dos deuses, honrará o deus das fortalezas; a um deus que seus pais não
conheceram, honrará com ouro, com prata, com pedras preciosas e coisas agradáveis.

Em lugar. Do heb. 'al-lwnno, "em seu lugar", isto é, no lugar do verdadeiro Deus.

Deus das fortalezas. Do heb. 'eloah ma'uzzim. Comentaristas divergem consideravelmente quanto à interpretação
desta expressão. Alguns a consideram como nome próprio, "o deus Mauzzim". Contudo, não se conhece em parte
alguma um deus com tal nome. Visto que ma'uzzim parece ser o plural da palavra hebraica ma'oz, "refúgio",
"fortaleza", que ocorre repetidamente neste capítulo (v. 7, lO, 19, 31), parece melhor entender estas palavras como "o
deus das fortalezas" ou "deus dos refúgios".

Alguns interpretam este versículo como uma referência ao culto da Razão instituído em Paris, em 1793. Ao
perceberem a necessidade da religião para que a França permanecesse forte a fim de cumprir seu objetivo em
difundir a revolução pela Europa, alguns dos líderes em Paris tentaram estabelecer uma nova religião, tendo a razão
personificada como deusa. Isso foi seguido, mais tarde, pelo culto ao "Ser Supremo" (a natureza deificada), que pode
ser considerado como o "deus das fortalezas" ou forças.

Outros entendem que se faz referência aqui às orações dirigidas à virgem Maria; e ainda outros à aliança de Roma
com poderes civis e seus esforços premeditados para conseguir que as nações fizessem sua vontade.

Coisas agradáveis. Do heb. chamudhoth, "coisas desejáveis, preciosas". Uma palavra similar da mesma raiz é
empregada em Isaías 44:9 para descrever os custosos ornamentos com os quais os pagãos enfeitavam suas imagens.
Alguns veem o cumprimento desta passagem nos presentes valiosos concedidos às imagens da Virgem e dos santos
(ver Ap 17:4; 18:16).

39 Com o auxílio de um deus estranho, agirá contra as poderosas fortalezas, e aos que o
Daniel 1 205

reconhecerem, multiplicar-lhes-á a honra, e fá-los-á reinar sobre muitos, e lhes repartirá a


terra por prêmio.

Agirá contra as poderosas fortalezas. Esta passagem é obscura e foi traduzida de várias formas. O verbo traduzido
como "agirá", 'asah, significando "fazer", "operar", não tem objeto direto e é seguido de duas preposições, le, "a" ou
"para", e 'im, "com". O verbo 'asah, sem objeto e seguido de le, como aqui, tem o sentido de "trabalhar para
[alguém]" (como em Gn 30:30; 1Sm 14:6; Ez 29:20). Seguido de 'im, 'asahtem o sentido de "trabalhar com" (como
em 1Sm 14:45). Tendo em vista esses empregos, parece razoável traduzir a passagem como: "e trabalhará para os
refúgios mais fortes (ma'uzzim) com um deus estranho". Visto que 'eloah ma'uzzim (v. 38) parece ser equivalente a
"um deus que seus pais não conheceram", é de se esperar que, neste caso, identifiquese com o "deus estranho".

Alguns veem nesta passagem uma referência ao lugar estratégico que o ateísmo e as ideias racionalistas ocuparam
entre os líderes da França durante a Revolução. Outros veem uma descrição do apoio que a igreja romana deu ao
culto aos "protetores", os santos, às festividades realizadas em várias cidades ao redor do mundo, em honra ao
sacrifício da missa e à virgem Maria.

Repartirá a terra. Alguns entendem que estas palavras descrevem a divisão das grandes propriedades da nobreza da
França, e à venda dessas propriedades pelo governo a pequenos proprietários. Estima-se que dois terços das
propriedades rurais francesas foram confiscados pelo governo durante a Revolução.

Outros acreditam que estas palavras têm seu cumprimento no domínio papal sobre governantes temporais e no
frequente recebimento de rendas por parte deles. Sugeriu-se que a divisão do Novo Mundo, entre Espanha e
Portugal, pelo papa Alexandre VI, em 1493, pode ser considerado um exemplo do cumprimento desta passagem.

40 No tempo do fim, o rei do Sul lutará com ele, e o rei do Norte arremeterá contra ele com
carros, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas terras, e as inundará, e passará.

Tempo do fim. Aqui o rei do Norte e o rei do Sul são mencionados pela primeira vez desde os v. 14 e 15. Eruditos
adventistas do sétimo dia que entendem que o tema dos v. 36 a 39 é a conduta da França durante a Revolução
defendem que a Turquia é o rei do Norte dos v. 40 a 45. Os que aplicam os v. 36 a 39 ao papado encontram aqui um
quadro profético do clímax de sua carreira. Alguns do último grupo identificam o papado como o rei do Norte, ao
passo que outros fazem distinção entre os dois. Alguns consideram que os v. 40 a 45 têm seu cumprimento no
colapso do império otomano, em 1922 (ver com. do v. 45).

Os termos “norte” e “sul” ocorrem com frequência em Daniel 11, mas seu uso é encontrado em outros livros do AT.

Quando “norte” é usado no AT, frequentemente faz referência a um poder opressor e inimigo do povo de Deus (Is
14:31; 41:25; Jer 1:13-15; 4:6; 6:1, 22; 10:22; 13:20; 25:9, 26; 47:2; Ez 1:4; 38:6, 15; 39:2. Ver também Is 43:6;
49:12; Jer 31:8; Joel 2:20; Zc 2:6). Pode ser uma referência a Babilônia (Jer 25:9; 46:6, 10; Ez 26:7. See also Zc 2:7)
ou Assíria (Sof 2:13), mas, sem exceção, sempre aponta para sua hostilidade.

“Sul” é usado com menos frequência que “norte”. Na maior parte das vezes, o profeta simplesmente se refere a
“Egito”. Com o Egito está associada sua recusa em reconhecer a existência e autoridade de Jeová por ocasião do
Êxodo (Ex 5:2).

Um significado metafórico relacionado com o “norte” pode ser encontrado em Isaías 14. Em sua apresentação de um
oráculo contra Babilônia, o rei é descrito como alguém que, em seu orgulho, dizia; “Eu subirei ao céu; acima das
estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte” (v. 13).
A expressão “nas extremidades do Norte” está associada com o trono de Deus.

Que poder é simbolizado pelo “rei do norte” mencionado nos versos 40-45?

R. Antes de responder, é importante relembrar alguns elementos úteis para a interpretação profética. Já
enfatizamos a importância de observar a estrutura literária dos capítulos, como também um dos princípios
utilizados para uma correta interpretação das profecias de Daniel, que é o da repetição com ampliação.
Com isto em mente, vamos resumir brevemente os elementos presentes nas quatro profecias que esboçam
a história mundial: a primeira (cap. 2) apresenta o esquema dos quatro impérios mundiais no sonho da
Daniel 1 206

estátua com diferentes metais, seguido pela pedra, que simboliza o reino de Cristo; a segunda (cap. 7)
apresenta o mesmo esquema, mas sob a figura de quatro animais, com o acréscimo de outro poder
simbolizado por um chifre pequeno e subsequente estabelecimento do reino de Cristo; a terceira (cap. 8)
também apresenta um esquema de impérios mundias, com mais detalhes acerca das atividades do chifre
pequeno e sua relação com o santuário celestial; a quarta, e última (caps. 10-12), é a mais detalhada de
todas, fazendo referências a reis individuais e introduzindo um novo símbolo – o “rei do norte”.
Apresentamos o seguinte esquema para simplificar o que foi dito acima:

Daniel 2 Babilônia 2º Advento (reino/pedra)


Daniel 7 Babilônia 2º Advento (reino dado aos santos)
Daniel 8 e 9 Medo-Pérsia 2º Advento (chifre pequeno é quebrado)
Daniel 10-12 Medo-Pérsia 2º Advento (ressurreição)

Por outro lado, o novo símbolo introduzido no cenário não se refere a um novo personagem/poder. As
relações léxicas permitem identificá-lo com aquilo previamente apresentado no livro. Observe os
seguintes vínculos:283

1. O rei do norte desafia a Deus e procura usurpar o Seu lugar (11:36-37). No capítulo 8 o chifre
pequeno se levanta contra os exércitos celestiais (vv. 10 e 11) e o “Príncipe dos príncipes” (v. 25).
2. O rei do norte profana o santuário e tira o sacrifício diário/tamid (11:31), enquanto em Daniel 8 o
chifre pequeno profana o santuário (v. 11) e tira o sacrifício diário/tamid (v. 12).
3. O rei do norte se estabelece na terra gloriosa (vv. 16, 41 e 45)284 e ataca o pacto santo (vv. 28 e
30), enquanto o chifre pequeno cresce em direção à terra gloriosa (8:9) e destrói o povo dos santos
(8:24).
4. À semelhança do rei do norte, o chifre pequeno também se origina do norte (8:9).
5. O rei do norte e o chifre pequeno têm o mesmo destino: o rei do norte chega a seu fim sem que
ninguém o ajude (11:45), enquanto o chifre pequeno “será quebrado sem intervir mão humana”
(8:25).

Em suma, o rei do norte e o chifre pequeno apresentam as mesmas “características, têm o mesmo
comportamento, provem da mesma direção e compartilham a mesma morte trágica. Finalmente, abarcam
o mesmo período de tempo, que se estende da queda do Império Romano até o tempo do fim.” A
conclusão, portanto, é que o rei do norte e o chifre pequeno “representam o mesmo poder”.285

41 Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas do seu poder escaparão
estes: Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom.
42 Estenderá a mão também contra as terras, e a terra do Egito não escapará.
43 Apoderar-se-á dos tesouros de ouro e de prata e de todas as coisas preciosas do Egito;
os líbios e os etíopes o seguirão.
44 Mas, pelos rumores do Oriente e do Norte, será perturbado e sairá com grande furor,
para destruir e exterminar a muitos.

45 Armará as suas tendas palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo; mas
chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra.

Chegará ao seu fim. Ver previsões similares nas profecias paralelas do cap. 2 (v. 34, 35, 44, 45 ), do cap. 7 (v. 11,
26), dos cap. 8 e 9 (8:19, 25; 9:27) e em outras passagens das Escrituras (Is 14:6; 47:11-15; Jr 50:32; 1Ts 5:3; Ap
18:6-8, 19, 21).

283
Conforme apresentado por Jacques Doukhan, Secrets of Daniel, 169.
284
A terra gloriosa simboliza a Palestina no AT. Entretanto, ao chegarmos ao período denominado “tempo do fim”,
perde seu significado geográfico e adquire um sentido espiritual. Cf. Carlos E. Mora, Dios defiende a Su Pueblo.
285
Doukhan, Secrets of Daniel, 169.
Daniel 1 207

Em geral, os adventistas do sétimo dia defendem que o cumprimento do v. 45 ainda está no futuro. As palavras
prudentes ditas pelo pioneiro adventista Tiago White, em 1877, com respeito à cautela na interpretação de profecias
ainda não cumpridas, são um conselho válido ainda hoje:

"Ao interpretar profecias não cumpridas, sobre as quais a história não está escrita, o estudioso deve apresentar suas
suposições sem exagerado dogmatismo, do contrário poderá se encontrar extraviado no terreno da fantasia.

"Existem pessoas que se preocupam mais com a verdade futura do que com a presente. Veem pouca luz no caminho
por onde andam, mas pensam que há grande luz adiante deles.

"Posições tomadas sobre a questão do Oriente se baseiam em profecias que ainda não se cumpriram. Nesse caso,
deveríamos andar com cautela e tomar posições cuidadosas, do contrário poderemos estar removendo os marcos
estabelecidos firmemente no movimento adventista. Pode-se dizer que há um acordo geral sobre esse tema, e que
todas as atenções estão voltadas para a presente guerra entre a Turquia e a Rússia como o cumprimento dessa parte
da profecia que dará grande confirmação da fé no breve alto clamor e na conclusão de nossa mensagem. Mas é
inquietante pensar qual será o resultado desse dogmatismo quanto às profecias não cumpridas se as coisas não
ocorrerem como se espera tão confiadamente" (Tiago White, RH, 29 de novembro de 1877).

COMENTARIOS DE ELENA G. DE WHITE

1-45 3JT 283


1 PR 408 35,40 CS 404 903
Daniel 1 208

DANIEL 12
SHEA, 2:214 – Daniel 12:1-4 realmente compreende o fim da profecia do capítulo 11. Esta seção é a resposta de
Deus ao que o rei do norte faz no tempo do fim, como profetizado em Daniel 11:40-45. A frase “naquele tempo”
(12:1) conecta o capítulo 12 ao último dos eventos narrados na profecia do capítulo 11. Quando o rei do norte vem
ao seu fim e ninguém é apto para ajudá-lo, este é o tempo quando Miguel se levanta.”

1 Nesse tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu povo, e haverá
tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas, naquele
tempo, será salvo o teu povo, todo aquele que for achado inscrito no livro.

Se levantará. Heb. dmo[]y 'amad. Qal impf. 3a pessoa masc. sing. Levantará. Do heb. 'amad, a mesma palavra é
usada mais adiante para descrever a atitude de Miguel em relação aos "filhos do teu povo". O sentido claramente é
que Cristo Se levanta para livrar Seu povo (ver GC, 613, 633, 641, 642, 657).

SHEA, 2:214 – “Como pode ser visto de vários lugares no capítulo 11, “levantar-se” refere-se a assumir a realeza. O
verbo hebraico usado em Daniel 11:2, 3, 4, 7, 16, 20, 21 significa “levantar-se” ou “aparecer”, e em todos estes
exemplos refere-se à vinda de um novo rei no cenário da ação ao tempo em que ele ascende ao trono e se torna o
novo governador (ver também Daniel 7:24; 8:23). Isto é o que Miguel, o representante de Deus, agora faz. Assim
em Daniel 12:1, Miguel surge no cenário da ação para assumir a realeza em resposta ao que tem sido feito no nome
de todos os reis prévios que se levantaram no capítulo 11. Eles foram governantes terrestres, mas agora o
governador do céu assume, e ele estabelece um tipo de reino muito diferente, que governa sobre os princípios da
justiça.

Miguel. laeky' mi Ver com. cap. 10: 13 O Campeão divino do grande conflito age para livrar Seu povo.

Príncipe. Heb. rF;h; sar (ver com. cap. 10: 13).

O defensor. Heb. ynEB-. l[; dme[oh ha'omed 'al, "que se levanta sobre", isto é, para proteger.

Tempo de angústia. Quando cessar a obra intercessória de Cristo e o Espírito de Deus for retirado da Terra, então
todos os poderes das trevas que estiveram retidos descerão com indescritível fúria sobre o mundo. Haverá uma cena
de conflito tal que ninguém poderá descrever (ver GC, 613, 614).

Salvo. Comparar com Dn 7:18, 22, 27; 10:14. Que consolo é saber que nesse grande conflito a vitória é certa!

O livro. Segundo o CBA, refere-se ao livro da vida (ver com. Dan. 7: 10; cf. Fil. 4: 3; Apoc. 13: 8; 20: 15; 21: 27;
22: 19). William Shea vincula a referência a este “livro” (no singular) aos “livros” (no plural) mencionados em
Daniel 7:10, quando da abertura do juízo. “O exame dos livros no juízo de Daniel 7 resultou na lista dos nomes
presentes no livro que aparece no capítulo 12. Este livro é o mesmo referido em Apocalipse 17:8 e 21:27 como o
livro da vida do Cordeiro. Deus conhece o Seu povo, e Ele os observa com terna consideração. Ele os livrará nos
tempos angustiosos por vir.” 286

2 Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para
vergonha e horror eterno.

Ressuscitarão. Uma ressurreição especial precede o segundo advento de Cristo. "Todos os que morreram na fé da
mensagem do terceiro anjo" se levantarão nessa hora. Além disso, os que contemplaram com zombaria a crucifixão
de Cristo e os que mais violentamente se opuseram ao povo de Deus serão levantados de seus túmulos para ver o
cumprimento da promessa divina e o triunfo da verdade (ver GC, 637; Ap 1:7). Será o momento em que se
cumprirão as palavras de Jesus dirigidas aos líderes judeus: “Desde agora em diante vereis o Filho do Homem
retornando na Sua glória...”.

286
William Shea, Daniel 7-12, 215.
Daniel 1 209

Horror. Heb. !Aar>dlI der'on, palavra que ocorre apenas nesta passagem e em Isaías 66:24. Está relacionada à palavra
árabe dara', "repelir", e tem o sentido de "aborrecimento". Depois de testemunhar durante milênios a grande
controvérsia e ver quão terrível é o pecado, os habitantes do universo sentirão por ele grande repulsa. Quando a
controvérsia findar e o nome de Deus for totalmente vindicado, todo o universo terá horror ao pecado e a tudo o que
ele contaminou. É esse sentimento que garante que a iniquidade jamais tornará a perturbar a harmonia do universo.

3 Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos
conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente.

Os que forem sábios. Do heb. hammaskilim, do verbo sakal, "ser prudente". Essa forma pode ser entendida num
sentido simples, como "os que forem prudentes" ou "os que tiverem discernimento"; ou num sentido causativo, como
"aqueles que fazem com que haja discernimento", isto é, "aqueles que ensinam". A pessoa que realmente tem
discernimento das coisas de Deus percebe que elas devem ser compartilhadas com outros. A sabedoria divina leva a
pessoa a ser um instrutor dessa sabedoria a outros. Em Daniel 11:33, maskilim é traduzido como "sábios", e são
apresentados como perseguidos por seus esforços fiéis . Neste versículo, eles são recompensados com a glória eterna
(comparar com o v. 10).

4 Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o
esquadrinharão, e o saber se multiplicará.

Encerra as palavras. Admoestação similar é dada com respeito à visão anterior de Daniel (8:26). Essa instrução não
se aplica a todo o livro de Daniel, pois uma parte da mensagem foi entendida e tem sido uma bênção aos crentes por
séculos. Ela se aplica à parte da profecia de Daniel que fala dos últimos dias (AA, 585; DTN, 234). A mensagem,
baseada no cumprimento dessas profecias , não poderia ser proclamada antes que esse tempo chegasse (ver GC, 356;
comparar com o "livrinho aberto" na mão do anjo de Ap 10:1 , 2; ver também TM, 115).

“Entretanto, a parte de sua profecia que se refere aos últimos dias, Daniel teve ordem de fechar e selar, até ‘o tempo
do fim’.” (GC, 356).

“Suas maravilhosas profecias, tais como registradas por ele nos capítulos sete a doze do livro que traz o seu nome,
não foram inteiramente compreendidas mesmo pelo próprio profeta; mas antes que findassem os labores de sua vida,
foi dada a abençoada certeza de que ‘no fim dos dias’, isto é, na conclusão do período da história deste mundo, ser-
lhe-ia permitido outra vez estar na sua posição e lugar. Não lhe fora dado compreender tudo o que Deus tinha
revelado do divino propósito. ‘Fecha estas palavras e sela este livro’, foi-lhe ordenado quanto aos escrito proféticos;
estes deviam ser selados ‘até ao fim do tempo’.” 287

“Mas a promessa é clara de que bênção especial acompanhará o estudo dessas profecias. ‘Os sábios entenderão’
(Dan 12:10), foi dito com respeito às visões de Daniel que deviam ser abertas nos últimos dias;...” (PR, 527)

“Desde 1798, porém, o livro de Daniel foi descerrado, aumentou-se o conhecimento das profecias, e muitos têm
proclamado a mensagem solene do juízo próximo.” (GC, 356).

Correrão. Heb. shut, verbo que aparece 13 veces en el AT (Núm. 11: 8; 2 Sam. 24: 2, 8; 2 Crón. 16: 9; Job 1: 7; 2:
2; Jer. 5: 1; 49: 3; Eze. 27: 8, 26; Dan. 12: 4; Amós 8: 12; Zac. 4: 10). Na maioria dos casos citados, o verbo shut
descreve o ato físico de andar de um lado para o outro.

Conforme observa o CBA, “muitos intérpretes creem que shut se usa aqui em um sentido metafórico e descreve uma
fervente investigação da Bíblia”, o que conduz a um aumento do conhecimento sobre as profecias do livro de Daniel.
(ver com. "la ciencia se aumentará"; cf. DTG 201; CS 405). Com isto concorda G. Pfandl, que entende este verbo
como uma expressão idiomática hebraica para referir-se a “investigar”, ou “buscar”. 288 J. J. Goldingay segue na
mesma direção, e afirma que Daniel somente poderia estar se referindo ao conhecimento do próprio livro que lhe foi
ordenado selar, que seria pesquisado no tempo do fim. 289

287
Ellen G. White, Profetas e Reis, 3a ed. (Santo André, SP: CPB, 1981), 527.
288 PFANDL, 2004, 119. Ver também, FORD, Desmond, Daniel (Nashville, TN: Southern Publishing Association,
1978), 281.
289
GOLDINGAY, 1989, 281.
Daniel 1 210

O CBA apresenta também uma interpretação alternativa, proposta por alguns, de que Daniel estaria predizendo nesta
profecia uma multiplicação de viagens e de meios de transporte. Entretanto, esta posição é contraditada por Fausset,
para quem a expressão “correrão de um lado para o outro” não se refere à rápida modernidade de locomoção, nem a
cristãos missionários saindo a pregar o evangelho em escala mundial, pois o contexto dificilmente admite tal
interpretação.290
Comparando-se com Amós 8:12, pode-se encontrar apoio para o uso metafórico do verbo, pois ali se destaca um
momento específico quando as pessoas andariam de um lado para o outro em busca do conhecimento da palavra de
Deus. Esta ideia é confirmada na tradução Almeida Atualizada, que utiliza o verbo “esquadrinhar” para esta
atividade do tempo do fim em relação com o livro de Daniel.

O saber se multiplicará. Na edição contemporânea, a versão de João Ferreira de Almeida utiliza o termo
“conhecimento” em lugar de “saber”, que comunica a mesma ideia. A expressão original é da’at, cujo significado
é conhecimento.291 Quando se compara o texto massorético com a LXX, percebe-se um problema de crítica
textual, pois o correspondente septuagíntico é adikías que significa “injustiça”, “iniquidade”, “erro”, “impiedade”.292
A causa provável teria sido a substituição do dálet de da’at por um resh, resultando na palavra raot, traduzido pela
LXX por adikías.293 O texto da LXX orientou a versão da Bíblia de Jerusalém, onde se lê: “Quanto a ti, Daniel,
guarda em segredo estas palavras e mantém lacrado o livro até o tempo do fim. Muitos andarão errantes, e a
iniquidade aumentará” (Dn 12:4). Por sua vez, o texto massorético é seguido por Teodócio, que utiliza o termo
grego gnosis na tradução de da’at, e pela Vulgata, que adota a expressão latina scientia.

Adicionalmente, o contexto da passagem é orientativo para a compreensão do significado da expressão. Segundo o


CBA, “Esta cláusula pode considerar-se como uma consequência lógica da cláusula imediatamente precedente:
Quando o livro selado seja aberto no tempo do fim, o conhecimento das verdades contidas nestas profecias
aumentará” (PR 401-402; cf. Apoc. 10: 1-2).

Isto se confirma historicamente. Como destaca o CBA, “No final do século 18 e início do sécu lo 19, despertou-se
um novo interesse pelas profecias de Daniel e Apocalipse em diferentes lugares do mundo. O estudo dessas profecias
difundiu a crença de que o segundo advento de Cristo estava próximo. Vários estudiosos na Inglaterra, Joseph Wolff
no Oriente Médio, Manuel Lacunza na América do Sul e Guilherme Miller nos Estados Unidos, junto com outros
estudiosos das profecias, declararam, com base no estudo das profecias de Daniel, que o segundo advento estava
prestes a ocorrer. Essa convicção se tornou a força motivadora de um movimento mundial.

Embora alguns intérpretes apresentem esta profecia como “uma antecipação dos estupendos progressos da ciência e
do conhecimento geral” nos séculos XIX e XX, que possibilitaram “uma extensa proclamação da mensagem destas
profecias”294, é interessante observar que Tiago White, já em 1880, (Apud LaRondelle, 2000) enfatizou que o
“aumento do conhecimento” referido em Daniel 12:4 e 10 “não se refere ao progresso nas descobertas científicas,
mas ao tema do fim.”295 Neste aspecto ele foi contundente ao afirmar que “os fatos... são decididamente contra a
posição de que a declaração profética relativa ao aumento do conhecimento no tempo do fim tem referência às
descobertas dos cientistas.”296

Para LaRondelle, “a promessa de Daniel 12:4 aponta para o surgimento providencial de um despertamento mundial
concernente à profecia apocalíptica na Escritura Sagrada. O significado de Daniel e Apocalipse tornou-se claro na
consciência cristã de forma plena somente na metade do século XIX. Somente então a pesquisa focalizou sobre o
significado de Daniel 8 e a mensagem de reforma de Apocalipse 14.”297

290
FAUSSET, A. R. A Commentary Critical, Experimental, and Practical on the Old and New Testaments.
JAMIESON, Robert; FAUSSET, A. R.; BRAWN, David (Ed.). Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1984, v. 2, 455.
291
KIRST, Nelson et al. Dicionário-hebraico e aramaico-português. 7. ed. São Leopoldo-RS: Editora Sinodal,
1996, 50.
292
F. Wilbur Gingrich, “Adikías”, Léxico do Novo Testamento Grego-Português (São Paulo: Sociedade Religiosas
Edições Vida Nova, 1984), p.12.
293
John J. Collins, Hermeneia - A critical and historical commentary on the Bible. Daniel (Minneapolis: Fortress
Press, 1993), 399.
294
Comentário Bíblico Adventista.
295
Tiago White, “Editorial”, Signs of the Times, 22 de julho de 1880.
296
Ibid.
297
Hans K. LaRondelle, “The Remnant and the Three Angels’ Messages”. In, Raoul Dederen, ed., Handbook of
Seventh-day Adventist Theology (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), p. 872.
Daniel 1 211

Deve-se destacar ainda que na passagem de Daniel 12:4, da’at aparece precedido pelo artigo definido, o que sugere
que não se trata de qualquer conhecimento científico, tecnológico ou conhecimento geral, mas de um conhecimento
específico. Também é importante assinalar que Daniel utiliza o artigo definido tanto na expressão as palavras como
o livro. A presença do artigo definido nos termos citados deixa clara a intenção de Daniel em especificar que, no
tempo do fim, o conhecimento das palavras citadas nas profecias aumentaria, quando o povo santo a entenderia
(Daniel 12:9).

Finalmente, e não menos importante, deve-se destacar que Ellen White, em nenhum momento, aplicou esta passagem
ao conhecimento em geral, ou o progresso tecnológico. Pelo contrário, conforme se pode observar em seus escritos,
ela aplicou o texto ao avanço no conhecimento das profecias de Daniel. Exemplo disto é sua afirmação de que
“desde 1798, porém, o livro de Daniel foi descerrado, aumentou-se o conhecimento das profecias, e muitos têm
proclamado a mensagem solene do juízo próximo.”298

5 Então, eu, Daniel, olhei, e eis que estavam em pé outros dois, um, de um lado do rio, o outro, do
outro lado.

5. Y yo Daniel miré. Los vers. 5-13 forman un epílogo de la visión de los cap. 10-12 y pueden considerarse, en un
sentido menos literal, como un epílogo de todo el libro.

Otros dos. Aquí aparecen dos seres celestiales más que se unen con el que ya ha estado narrándole la profecía a
Daniel. Algunos han sugerido que posiblemente fueran los dos "santos" mencionados en el cap. 8: 13.

Del río. Es decir, el Hidekel, o Tigris (ver com. cap. 10: 4).

6 Um deles disse ao homem vestido de linho, que estava sobre as águas do rio: Quando se
cumprirão estas maravilhas?

6. Varón vestido de lino. Daniel había visto a este Ser celestial al comienzo de su visión (cap. 10: 5-6).

La referencia incidental que Daniel hace al "río" (vers. 5) y al "varón vestido de lino", sin hacer una identificación
más plena, sugiere vívidamente que el cap. 10, donde se presentan ambos, es parte de la misma visión.

¿Cuándo será el fin? El ángel aquí formula la pregunta tácita que debe haber embargado la mente de Daniel. La
gran aflicción del profeta era la rápida y completa restauración de los judíos (ver com. Dan. 10: 2). Es verdad que el
decreto de Ciro ya había sido promulgado (Esd. 1: 1; cf. Dan. 10: 1), pero quedaba mucho por hacer. Después del
largo y complejo relato de las vicisitudes futuras por las que pasaría el pueblo de Dios, es natural que el profeta
estuviese ansioso de saber hasta cuándo continuarían "estas maravillas" y cuándo sería cumplida la promesa de que
sería "libertado" su "pueblo" (Dan. 12: 1). Daniel no comprendió plenamente la relación de lo que había visto con el
futuro. Una parte de la profecía fue sellada y sólo habría de entenderse en el "tiempo del fin" (Dan. 12: 4).

7 Ouvi o homem vestido de linho, que estava sobre as águas do rio, quando levantou a mão direita
e a esquerda ao céu e jurou, por aquele que vive eternamente, que isso seria depois de um tempo,
dois tempos e metade de um tempo. E, quando se acabar a destruição do poder do povo santo,
estas coisas todas se cumprirão.

7. Su diestra. Ver Deut. 32: 40. El levantar ambas manos indicaba que se añadían a la declaración la máxima
solemnidad y garantía.

El que vive. No podía formularse un juramento mayor (ver Heb. 6: 13; cf. Apoc. 10: 5-6).

Tiempo, tiempos, y la mitad. Es decir, el período de 1.260 años, 538-1798 d. C., que aparece primero en el cap. 7:
25 (ver com. allí). En ese pasaje se usa el arameo 'iddan, "un tiempo especificado", o "un tiempo definido"; aquí
aparece su equivalente hebreo, mo'ed palabra que recalca el hecho de que el Ser celestial habla de un "tiempo
determinado" (ver com. cap. 11: 35). Dios ha jurado cumplir con su compromiso.

298
E. G. White, O grande conflito, 356.
Daniel 1 212

No capítulo 12 de Daniel encontramos referência a três períodos de tempo: (1) “um tempo, dois tempos e
metade de um tempo” (v. 7); (2) 1.290 dias (v. 11); e (3) 1.335 dias (v. 12). A interpretação em forma
literal ou simbólica destes períodos de tempo depende da escola de interpretação utilizada pelo estudioso.
Assim, os intérpretes preteristas entendem que aqui se faz referência a dias literais, que se cumpriram nos
eventos relacionados com Antíoco IV Epifânio e suas ações contra os judeus no segundo século a.C. Por
sua vez, os intérpretes futuristas/dispensacionalistas também interpretam essas referências temporais
literalmente, a se cumprirem em algum momento futuro relacionado com a volta de Cristo.

Por razões previamente enunciadas, neste estudo seguimos a escola historicista de interpretação profética,
que entende que tais períodos são simbólicos e cada dia corresponde a um ano literal. Desta forma, temos
1.260, 1.290 e 1.335 anos literais. É importante destacar que o intérprete, para ser consistente, não pode
variar o método utilizado, por conveniências pessoais, e saltar de uma escola para outra, realizando
malabarismos hermenêuticos para defender pontos de vista particulares.

Com respeito ao primeiro período, de “um tempo, dois tempos e metade de um tempo” (v. 7), é importante
recordar que a primeira referência a tal período é encontrada em Daniel 7:25. A única diferença é que em
um caso está escrito em hebraico e, no outro, em aramaico. Mas isto não fornece base suficiente para
entender um período de forma simbólica e o outro de forma literal. Este período foi interpretado
simbolicamente em Daniel 7:25, sendo aplicado ao passado, à perseguição e outras atitudes anti-cristãs
realizadas pelo poder simbolizado pelo chifre pequeno, entre os anos 538 a 1798 AD. Por que, então,
interpretar literalmente e projetar o seu cumprimento para o futuro na segunda ocorrência, em Daniel
12:7? Seguir tal caminho é violar “um dos princípios fundamentais da hermenêutica bíblica,”299 a saber:
“texto explica texto, sendo uma passagem a chave de outras passagens.”300

E se alguém disser que somente os 1.290 e 1.335 dias é que são literais, e não aplicar a mesma
interpretação aos três tempos e meio de Daniel 12:7? Neste caso estaremos diante de uma inconsistência
interpretativa, em que alguns períodos, em um mesmo contexto, são projetados para o futuro (futurismo) e
um deles é considerado como tendo encontrado o seu cumprimento no passado (historicismo). Como bem
expressou LaRondelle, “Consistência requer que os intérpretes não mesclem princípios de interpretação
irreconciliáveis”.301

Que dizer a respeito da referência a “dias” em Daniel 12? Seria esta a forma usual entre os judeus de se
referir a algum período de tempo? Alguns argumentam que o uso da palavra “dias”, em lugar de “tempo”
(7:25; 12:7) ou “tardes e manhãs” (8:14), unidas a um numeral ordinal ou cardinal, não pode se referir a
tempo profético. Então concluem que estamos lidando com tempo literal. Será que é isso mesmo? O que
revela a análise do texto bíblico? Porventura Ezequiel 4:4-6 sustenta o argumento? Leiamos o texto:

“Tu também deita-te sobre o teu lado esquerdo, e põe sobre ele a iniquidade da casa de
Israel; conforme o número dos dias em que te deitares sobre ele, levarás a sua iniquidade. Pois eu
fixei os anos da sua iniquidade, para que eles te sejam contados em dias, trezentos e noventa dias;
assim levarás a iniquidade da casa de Israel. E quando tiveres cumprido estes dias, deitar-te-ás
sobre o teu lado direito, e levarás a iniquidade da casa de Judá; quarenta dias te dei, cada dia por
um ano.”

Observamos que o texto acima utiliza numerais unidos a dias, portanto, supostamente, estamos diante de
um período literal de 390 dias e outro de 40 dias. Mas o texto afirma exatamente o oposto: cada dia
simboliza um ano, assim temos 390 e 40 anos, respectivamente. Nos livros apocalípticos de Daniel e
Apocalipse seria natural utilizar o termo “dias” simbolicamente, e não literalmente, mesmo que unido a
um numeral. E é exatamente isto o que encontramos. Nos textos proféticos de Apocalipse 11:3 e 12:6, por
exemplo, encontramos a expressão “mil duzentos e sessenta dias” e não há razão alguma para interpretá-la
299
Gerhard Pfandl, Daniel: Vidente de Babilonia, 114.
300
Ellen G. White, Evangelismo, 581.
301
LaRondelle, “The Historicist Method in Adventist Interpretation”, 87.
Daniel 1 213

de maneira literal. Além disso, uma verificação mais ampla em toda a Bíblia revela que nunca se utiliza
literalmente uma quantidade acima de 360 dias para se referir a um ano literal. A palavra “dias” ocorre
927 vezes em 856 versículos na versão Almeida Revista e Atualizada em português.302 A maneira em que
encontramos expressas algumas referências pode ser ilustrada com os seguintes exemplos: o Dilúvio
durou 150 dias (Gn 7:24; 8:3); e o banquete oferecido por Assuero/Xerxes a todos os seus príncipes e
servos durou 180 dias (Ester 1:4).

Por outro lado, encontramos outra forma de computar o tempo que se assemelha ao nosso tempo: 9 meses
e 20 dias (2 Sam 24:8); 3 meses e dez dias (2 Cron 36:9); um ano e dias (Isaías 32:10). Como se percebe,
o maior período literal é de 180 dias, ou seja, a metade de um ano. Não há qualquer período maior de 360
dias. O que podemos concluir? Se não encontramos nas Escrituras nenhum exemplo de uso de uma
quantidade de dias superior a um ano, a única conclusão possível é que esta não é uma forma comum do
autor bíblico inspirado se expressar. Como declarou H. G. Guinness, “nem uma passagem pode ser
encontrada na Bíblia em que um período” histórico ou literal “excedendo um ano, é declarado em dias.”303
Portanto, a referência a períodos superiores a três anos em forma de dias em Daniel 12 é um forte e
conclusivo indicador de que estamos lidando com unidades de tempo simbólicas, e não literais.

E o que dizer do cômputo do tempo em meses? Não seria esta uma forma comum, usual, normal, que o
escritor bíblico inspirado utiliza para se referir a tempo literal? Como temos feito até aqui, devemos
examinar as ocorrências da expressão na Bíblia para alcançar uma conclusão que seja compatível com os
dados, e não manipular, ou tergiversar, para que se encaixe em uma opinião previamente estabelecida.

No Antigo Testamento encontramos 45 ocorrências304 do termo “meses”, no plural, e somente duas delas
se referem a um período de um ano, ou seja, o período é expresso como 12 meses. Deve ser observado,
entretanto, que ambas as ocorrências se referem a situações claramente históricas, sendo interpretadas
como tempo literal: (1) a preparação de Ester para se apresentar diante do rei Assuero (Ester 2:12); e (2) o
intervalo entre a advertência de Daniel e a manifestação de orgulho do rei Nabucodonosor (Dn 4:29).

Já no Novo Testamento encontramos 16 ocorrências,305 e somente duas se referem a um período maior


que um ano: (1) Ap 11:2, onde somos informados de que a cidade santa seria pisada por quarenta e dois
meses; e (2) Ap 13:5, onde se refere que a besta semelhante a leopardo teria autoridade para agir por
quarenta e dois meses. Nestes dois únicos casos registrados no Novo Testamento, o período é encontrado
em um livro apocalíptico, em um contexto explicitamente simbólico, o que exige que seja interpretado
simbolicamente, isto é, 42 meses x 30 dias = 1.260 dias proféticos, o que equivale a 1.260 anos literais.

Após esta breve análise, a única conclusão possível é que o autor bíblico, à semelhança das demais
pessoas de seus dias (e dos nossos), não expressava um período maior que um ano em meses, a menos que
quisesse indicar que o mesmo era simbólico, e não literal. E este é exatamente o caso nas referências aos
quarenta e dois meses encontrados no livro do Apocalipse.

Aprofundemos um pouco nosso estudo acerca da estrutura literária de Apocalipse 13, para não
incorrermos em interpretações equivocadas com respeito ao elemento temporal aqui presente, que se
relaciona com o momento em que a besta recebe a ferida mortal. Como visto na pergunta 17, o estudo da

302
De acordo com o Sistema de Biblioteca Digital Libronix. Fiz a leitura de todos os textos. Não os apresento aqui
por sua quantidade.
303
H. G. Guinness, The Approaching End of the Age (London: Hodder and Staughton, 1880), 316. Cf. Birks, First
Elements of Sacred Prophecy, 357.
304
Gn 38:24; Êx 2:2; 12:2; Nm 10:10; 28:11; 28:14; Dt 33:14; Jz 11:37; 11:38; 11:39; Jz 19:2; 20:47; 1 Sm 6:1;
27:7; 2Sm 2:11; 5:5; 6:11; 24:8; 24:13; 1 Reis 5:14; 1 Reis 11:16;2 Reis 15:8; 23:31; 24:8; 1 Cron 3:4; 13:14; 21:12;
27:1; 2 Cron 36:2; 36:9; Ester 2:12; Jó 3:6; 7:3; 14:5; 21:21; 29:2; 39:2; Ez 39:12; 39:14; 47:12; Dn 4:29; Amós 4:7.
305
Lc 1:24; 1:56; 4:25; João 4:35; At 7:20; 18:11; 19:8; 20:3; 28:11; Gl 4:10; Hb 11:23; Tg 5:17; Ap 9:5; 9:10; 11:2;
13:5.
Daniel 1 214

estrutura literária é uma chave que nos ajuda a desvendar “o significado do livro.”306 Esta ferida é
mencionada três vezes neste capítulo, nos versos 3, 12 e 14. A grande questão aqui é: quando a besta
recebeu a ferida: antes ou depois dos 42 meses?307

A análise literária demonstra que Apocalipse 13 consiste de duas seções paralelas: (1) uma descrição do
que João viu – a visão propriamente dita (vv. 1-4), e (2) uma descrição das ações, com alguns detalhes
adicionais. Como bem expressou um comentarista, “é uma característica comum da narrativa bíblica
declarar um tema, e então declarar novamente o mesmo tema em mais detalhes, como se recontando um
evento subsequente.”308 Observe ainda que ambas as seções terminam com um verso acerca da adoração
universal da besta (vv. 4 e 8), deixando evidente que toda a perícope (vv. 1-10) lida com o mesmo tema,
em um só tempo – o passado.309 Situação semelhante pode ser vista na profecia de Daniel 9:24-27, em que
o verso 24 declara, de forma resumida, o que será ampliado nos versos 25 a 27.

Às vezes alguns buscam encontrar nos escritos de Ellen White apoio a um suposto cumprimento duplo de
alguma profecia temporal. Para isto apelam para a seguinte declaração da escritora:310

“A questão do Sábado será o tema no grande conflito em que todo o mundo terá uma parte. [Cita o texto
de Ap 13:4-8, 10.] Todo este capítulo é uma revelação do que certamente acontecerá [Cita a passagem de
Ap. 13:11, 15-17]. Comentários de Ellen G. White, The SDA Bible Commentary, vol.7, p. 979 (ênfase
acrescentada).

Argumento: Esta passagem é citada como “o argumento decisivo” para provar que Ellen White endossou
um duplo cumprimento das profecias e, neste exemplo, uma repetição da profecia dos 1260 anos como
1260 dias literais.

O leitor é convidado a observar que Ellen White cita Apocalipse 13:4-8 nesta passagem. O texto retrata o
poder papal, sob o símbolo de uma besta leopardo com sete cabeças e dez chifres coroados. A passagem
também inclui o elemento de tempo de sua supremacia antes de seu ferimento: 42 meses proféticos ou
1260 dias proféticos. A atenção do leitor é então dirigida para a declaração que se segue à passagem da
Escritura: “Todo esse capítulo é uma revelação do que certamente ocorrerá” (ênfase acrescentada).

A partir desta sequência de dois pontos a seguinte posição é fundamentada: A carreira de 1.260 anos do
papado é passada. Mas agora Ellen White nos diz que este “capítulo inteiro” – incluindo o elemento de
tempo dos 42 meses – certamente ocorrerá [tempo futuro]. Aqui está uma prova clara para se empregar
um princípio de cumprimento dual para interpretar Daniel e Apocalipse de forma a torná-los relevantes
para os nossos tempos.

Resposta: Esta declaração de Ellen White só precisa ser lida em seu contexto para ver que ela não fornece
nenhuma base para um duplo cumprimento de Apocalipse 13:1-10 ou de seu período de tempo. Se o
volume do Comentário Bíblico Adventista estiver disponível, o leitor está convidado a acompanhar
enquanto esboçamos os conteúdos desta seleção de dois parágrafos impresso como um comentário de
Ellen White sobre Apocalipse 14.

O contexto do pretenso “argumento decisivo” começa em um parágrafo anterior, no qual Ellen White
primeiramente cita Ap 14:9-10, a advertência do terceiro anjo contra a marca da besta e a sua imagem.
Então ela faz uma observação: “É do interesse de todos compreender o que é a marca da besta, e como

306
C. Mervyn Maxwell, Uma nova era segundo as profecias do Apocalipse (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2002), 55.
307
LaRondelle, Las profecias del fin, 304.
308
H. B. Swete, Commentary on Revelation, 297.
309
William H. Shea, “Time Prophecies of Daniel 12 and Revelation 12-13”, 1: 354-356.
310
Os argumentos que seguem foram extraídos do documento “Ellen G. White e a interpretação de Daniel e
Apocalipse”, publicado pelo Instituto de Pesquisas Bíblicas da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.
Daniel 1 215

poderão escapar das terríveis ameaças de Deus. Por que os homens não estão interessados em saber o que
constitui a marca da besta e sua imagem? [ênfase acrescentada]. Está em direto contraste com a marca de
Deus”. Ela então cita Êxodo 31:12-17, que declara que o Sábado é o “sinal” ou marca de Deus, assim
implicando que a “marca da besta” é alguma coisa que é justamente o oposto do Sábado. Ela continua:

“A questão do Sábado será o tema no grande conflito em que todo o mundo terá uma parte.” [ênfase
acrescentada]. Neste ponto ela cita Apocalipse 13:4-8, 10. Esta passagem provê a informação pela qual é
possível identificar a besta: sua origem/poder derivados do dragão; seu especial domínio por 42 meses
proféticos; sua perseguição dos santos nesse tempo; sua blasfêmia contra o Céu; seu cativeiro; e o fato de
que o mundo adorará e seguirá sua liderança outra vez. Fundamentado nesses dados é possível determinar
que a besta é o poder papal. Isso coloca o leitor em uma posição para identificar a marca e imagem da
besta como ela insistiu para fazer no primeiro parágrafo de sua declaração.

Após citar Apocalipse 13:4-8,10 (provendo a informação para identificar a besta), Ellen White diz, “Todo
este capítulo é uma revelação do que certamente acontecerá.” Ela então imediatamente cita (à guisa de
explicação) Apocalipse 13:11, 15-17. Estes versos predizem o surgimento da besta de dois chifres (v. 11)
e a instituição da imagem da besta e a imposição da marca da besta sob pena de boicote e morte.

Assim, é bastante claro que, quando Ellen White diz: “Todo este capítulo é uma revelação do que
certamente acontecerá”, ela não está dizendo que Apocalipse 13:4-8 e 10 terá um duplo cumprimento.
Forçar tal significado é arrancar a declaração de seu contexto.

Seu tema não é um cumprimento dual de Apocalipse 13:1-10, ou do seu período de tempo. Em vez
disso, seu tema é “a marca da besta” e sua imposição (enforcement – compelir, forçar a observar) no
tempo do fim. Essa é a ideia chave de ambos os parágrafos desta seleção. O único propósito para citar
Apocalipse 13:4-8, 10 é para que o leitor possa identificar a besta. Se ele pode identificar o animal, ele
está em condições de identificar a sua marca que, afirma Ellen White, é exatamente o oposto do sinal de
Deus. Assim, com a besta e a sua marca no lugar, ela aponta para a previsão profética lidando com a
imagem da besta e o caráter impositivo da marca e da crise que cerca essa questão no futuro. (Final de
parte do texto “Ellen G. White e a interpretação de Daniel e Apocalipse”, preparado pelo Biblical
Research Institute).

Os argumentos acima podem ser complementados com outras declarações encontradas na produção
literária de Ellen G. White, que tornam bastante evidente que em nenhuma ocasião ela apoia uma
aplicação dupla de qualquer período de tempo. Ainda com relação aos eventos vinculados com Apocalipse
13, Ellen White afirma claramente que o período está no passado, contrariando alguns que procuram uma
nova aplicação futura para o mesmo. De fato, não existe qualquer declaração da autora para interpretar os
42 meses de Apocalipse 13:5 como um período literal a se cumprir no futuro. Observe as seguintes
referências:

“No sexto século tornou-se o papado firmemente estabelecido. Fixou-se a sede de seu poderio na cidade
imperial e declarou-se ser o bispo de Roma a cabeça de toda a igreja. O paganismo cedera lugar ao
papado. O dragão dera à besta ‘o seu poder, o seu trono e grande autoridade’. Apocalipse 13:2. E
começaram então os 1.260 anos de opressão papal preditos nas profecias de Daniel e João. Daniel 7:25;
Apocalipse 13:5-7.”311

Como pode ser notado, na citação acima Ellen White equipara o período de “tempo, tempos e metade de
tempo” de Daniel 7:25 com os “quarenta e dois meses” de Apocalipse 13:5, cujo término se deu em 1798.
Se alguém ainda tem qualquer dúvida a respeito, transcrevemos a citação seguinte, em que ela analisa a
primeira parte do capítulo 13 do Apocalipse, deixando claro que o período se encontra no passado:

311
Ellen G. White, História da Redenção, 330; idem, O Grande Conflito, 54 (p. inglês)
Daniel 1 216

“No capítulo 13:1-10 [do livro do Apocalipse], descreve-se a besta ‘semelhante ao leopardo”, à
qual o dragão deu ‘o seu poder, o seu trono, e grande poderio.’ Este símbolo, como a maioria dos
protestantes tem crido, representa o papado, que se sucedeu no poder, trono e poderio uma vez
mantidos pelo antigo Império Romano. Declara-se quanto à besta semelhante ao leopardo: ‘Foi-
lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e blasfêmias. ... E abriu a sua boca em blasfêmias
contra Deus, para blasfemar do Seu nome, e do Seu tabernáculo, e dos que habitam no Céu. E foi-
lhe permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda a tribo, e língua,
e nação.’ Esta profecia, que é quase idêntica à descrição da ponta pequena de Daniel 7, refere-se
inquestionavelmente ao papado.”312

“‘Deu-se-lhe poder para continuar por quarenta e dois meses.’ E, diz o profeta, ‘vi uma de suas
cabeças como ferida de morte.’ E, mais, ‘se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém
matar à espada, necessário é que à espada seja morto.’ Os quarenta e dois meses [Ap 13:5] são o
mesmo que ‘tempo, tempos, e metade de um tempo’, três anos e meio, ou 1.260 dias, de Daniel 7,
tempo durante o qual o poder papal deveria oprimir o povo de Deus. Este período [ou seja, os
quarenta e dois meses], conforme se declara nos capítulos precedentes, começou com a
supremacia do papado, no ano 538 de nossa era, e terminou em 1798. Nesta ocasião... o poder
papal recebeu a chaga fatal...”313

A leitura do texto acima, ainda que superficial, esclarece a questão. Os quarenta e dois meses não fazem
referência a um período futuro de uma “segunda supremacia papal”. É importante observar que a autora,
em sua análise, inverte a ordem do texto, citando primeiro o período dos quarenta e dois meses e, em
seguida, a ferida de morte, deixando claro que a ferida acontece, e assinala, no final do período de tempo.
Qualquer tentativa de encontrar um suposto apoio em Ellen White para uma interpretação literal dos
quarenta e dois meses não passa de malabarismo hermenêutico daqueles que apresentam mensagens
divorciadas do seu verdadeiro significado, induzem outros a erros, e ameaçam a vida espiritual de seus
adeptos, visto que o resultado final, como a história recente demonstra fartamente, é de decepção,
esfriamento espiritual e a manifestação de um espírito crítico contra quem não aceita suas supostas
“verdades”.

Em conclusão, como visto nos paralelos inquestionáveis entre Daniel 7 e Apocalipse 13, o mesmo poder é
simbolizado em ambas as profecias, assim como o mesmo período lhe é assinalado, ou seja, “tempo,
tempos e metade de um tempo” (Dn 7:25) e “quarenta e dois meses” (Ap 13:5). Portanto, podemos afirmar
sem qualquer dúvida, que “os 42 meses do tempo desta profecia culminam com a ferida de morte, e não
continuam” após o recebimento da ferida314 em 1798, ou seja, não existe um segundo período de
supremacia papal após o término dos 42 meses, seja ele literal ou simbólico. Além disso, os períodos de
tempo apocalípticos não admitem duplo cumprimento, um no passado – simbólico – e outro no futuro –
literal.

Se os quarenta e dois meses de Ap 13:5 não permitem uma interpretação literal, analisemos agora o
mesmo período mencionado em Ap 11:2, e verifiquemos se o mesmo admite que o interpretemos
literalmente. Assim está escrito no verso em questão: “Mas deixa o átrio que está fora do santuário, e não
o meças; porque foi dado aos gentios; e eles pisarão a cidade santa por quarenta e dois meses.” O verso
seguinte é importante para a interpretação, pois, como afirma LaRondelle, “a conjunção copulativa ‘e’
assinala o desenvolvimento do versículo 2”,315 ou seja, apresenta o mesmo período de tempo de uma
forma diferente: “E concederei às minhas duas testemunhas que, vestidas de saco, profetizem por mil
duzentos e sessenta dias.” Como declarado por Mounce, “sua designação em dias, antes que em meses,

312
Ellen G. White, O grande conflito, 439, parágrafo 1 (ed. eletrônica).
313
Ellen G. White, O grande conflito, 439, parágrafo 2 (ed. eletrônica). Ver também pp. 266,
314
Shea, “Time Prophecies of Daniel 12 and Revelation 12-13”, 359.
315
LaRondelle, Las profecías del fin, 228.
Daniel 1 217

não passa de uma variação literária.”316 Vários intérpretes historicistas317 compreendem que os períodos
mencionados são simbólicos, tendo se cumprido entre os anos 538 e 1798 AD. Como expressou R.
Stefanovic, “a interpretação mais plausível compreende estas designações temporais (repetidas de uma
forma ou outra nos capítulos 11 e 12-13) não como um período de tempo literal de quarenta e dois meses,
mas como se referindo ao período profético de mais de doze séculos, conhecido como Idade Média,
durante o qual a igreja, como Israel no Êxodo, sofreu a dureza de sua peregrinação no ‘deserto’ (cf. Ap.
12:6, 14).”318

Finalmente, a declaração de Ellen White, transcrita abaixo, esclarece o assunto, eliminando a interpretação
literal, deixando claro que o período é simbólico:

“Disse o anjo do Senhor: ‘Pisarão a santa cidade por quarenta e dois meses. E darei poder às
Minhas duas Testemunhas, e profetizarão por mil, duzentos e sessenta dias, vestidas de saco. ...E,
quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra, e os vencerá, e
os matará. E jazerão seus corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se chama
Sodoma e Egito, onde o seu Senhor também foi crucificado. ...E os que habitam na Terra se
regozijarão sobre eles, e se alegrarão, e mandarão presentes uns aos outros; porquanto esses dois
profetas tinham atormentado os que habitam sobre a Terra. E depois daqueles três dias e meio o
espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles; e puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor
sobre os que os viram.’ Apocalipse 11:2-11.”319

“Os períodos aqui mencionados – ‘quarenta e dois meses’ e ‘mil, duzentos e sessenta dias’ – são
o mesmo, representando igualmente o tempo em que a igreja de Cristo deveria sofrer opressão de
Roma. Os 1.260 anos da supremacia papal começaram em 538 de nossa era e terminariam,
portanto, em 1798.”320

A forma comum de expressar um período de 42 meses seria três anos e meio.


Simples assim. O resto é especulação.

8 Eu ouvi, porém não entendi; então, eu disse: meu senhor, qual será o fim destas coisas?

8. No entendí. En el versículo introductorio de esta visión (cap. 10: 1), Daniel dice que "tuvo inteligencia en la
visión". Durante el curso de la visión el ángel le aseguró al profeta que había venido para hacerle "saber" (cap. 10:
14). La revelación que siguió fue dada en un lenguaje literal. Ahora, después de haberse introducido el factor
tiempo de los 1.260 años, como respuesta a su pregunta: "¿Hasta cuándo?", Daniel confesó, "mas no entendí".
Pareciera pues que la parte de la visión que Daniel no comprendió fue la que se relaciona con el factor tiempo.

316
Robert H. Mounce, The Book of Revelation. The New International Commentary on the New Testament (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1977), 223. Citado por LaRondelle, Las profecías del fin, 228.
317
Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ, 338; C. Mervyn Maxwell, Uma nova era segundo as profecias do
Apocalipse, 276, 334; Ángel Manuel Rodríguez, Future glory: the 8 greatest end-time prophecies in the Bible
(Hagerstown, MD: Review and Herald, 2002), 107-109; Idem, “Grandes profecias apocalípticas”, Lição da Escola
Sabatina, edição do professor (Abril-Junho 2004), 105; Henry Feyerabend, Apocalipse, verso por verso: como
entender os segredos do último livro da Bíblia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), 92,110; Joseph J.
Battistone, “Triunfo no presente e glória no futuro”, Apocalipse – 1ª parte, Lição da Escola Sabatina, edição do
professor (Abril-Junho 1989), 160, 162, 165; Carl Coffman, “Triunfo no presente e glória no futuro”, Apocalipse –
2ª parte, Lição da Escola Sabatina, edição do professor (Julho-Setembro 1989), 35-36; Roy Allan Anderson,
Revelações do Apocalipse, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), 136, 154-155; Mario Veloso,
Apocalipsis y el fin del mundo (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1999), 168; Loron T. Wade,
El futuro del mundo revelado en el Apocalipsis (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1990), 138-
139;
318
Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus Christ, 338.
319
Ellen G. White, O Grande Conflito, 266, parágrafo 2.
320
Ibid., parágrafo 3. Cf. Jacques B. Doukhan, Secrets of Revelation, 97; Ranko Stefanovic, Revelation of Jesus
Christ, 337-338.
Daniel 1 218

Estaba orando por la pronta restauración del templo (ver com. cap. 10: 2), un problema inmediato. Parecería que
hubiera sido incapaz de hacer amoldar el factor tiempo dentro de su concepto de una pronta liberación de su pueblo.

El fin. Aunque ya se le había mandado que sellase esta parte de la revelación (vers. 4), el anciano profeta estaba aún
deseoso de saber más de su significado.

9 Ele respondeu: Vai, Daniel, porque estas palavras estão encerradas e seladas até ao tempo do
fim.

9. Anda. No se le permitió al venerable vidente y siervo de Dios que supiera el significado completo de las
revelaciones que había registrado. Todo el significado sólo sería apreciado por los que habrían de ver el
cumplimiento histórico de esas profecías, porque sólo entonces se le podría dar al mundo un mensaje basado en el
hecho de que su cumplimiento había llegado (CS 405-406).

10 Muitos serão purificados, embranquecidos e provados; mas os perversos procederão


perversamente, e nenhum deles entenderá, mas os sábios entenderão.

10. Serán limpios, y emblanquecidos. O, "se purificarán a sí mismos y se emblanquecerán", o "demostrarán que
son puros y blancos". Si bien el hombre no puede purificarse por sí mismo, puede demostrar por su vida que Dios lo
ha purificado. Esto contrasta con la siguiente cláusula, "los impíos procederán impíamente".

Comprenderán. Una garantía de que aquellos que en los últimos días estudien las profecías bíblicas con dedicación
e inteligencia, entenderán el mensaje de Dios para su tiempo.

11 Depois do tempo em que o sacrifício diário for tirado, e posta a abominação desoladora, haverá
ainda mil duzentos e noventa dias.

11. Sea quitado. La cláusula puede traducirse literalmente, "y desde el tiempo en que se quitare el continuo, a fin
de establecer la (p. 906) abominación".* Esto indicaría que el "quitar" se hizo con la intención directa de establecer
la abominación. El énfasis podría ponerse sobre el acto preparatorio de "quitar" más bien que sobre el
"establecimiento" siguiente.

Las palabras de este pasaje son tan claramente similares con las del cap. 8: 11-12 y el cap. 11: 31 (ver com. sobre
esos pasajes), que deben referirse al mismo acontecimiento.

Sacrifício diário. Ver com. cap. 8: 11.

O que dizer da interpretação que vincula os períodos dos 1290 e 1335 dias a um futuro decreto
dominical? Existe alguma base bíblica para identificar o “diário/contínuo” com o sábado e a
“abominação desoladora” com o domingo?

R. O primeiro aspecto a ser notado é que tal posição fundamenta-se numa interpretação futurista, criada
pelos jesuítas para livrar o papado do foco da profecia. Portanto, é um afastamento do método historicista
que tem seu fundamento no próprio livro de Daniel, e foi utilizado por Cristo, Paulo, a igreja primitiva, os
reformadores e Ellen White. Além disso, devemos notar que tal posição fundamenta-se num erro
interpretativo. Ao afirmar que há um erro na interpretação, de forma alguma pretendemos julgar o caráter,
a experiência cristã ou a motivação de qualquer autor. Antes, pretendemos destacar um equívoco que tem
suas consequências e podem terminar afetando a confiança no ensino das profecias bíblicas da forma
como faz a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como se expressou Jon Paulien, as “tendências especulativas
têm levado alguns a questionar a validade de algumas de nossas crenças fundamentais.”321 Ou ainda,
conforme Ellen White, “Cria-se uma agitação; mas, passado o tempo, como tantas vezes têm acontecido,
os que se deixaram levar pela teoria do tempo voltam a cair na frieza, nas trevas e no pecado, e é quase
impossível despertar-lhes a consciência sem alguma grande agitação”.322 Portanto, não se trata de algo
321
Jon K. Paulien, “A hermenêutica da apocalíptica bíblica”, em Compreendendo as Escrituras: Uma abordagem
adventista, George W. Reid, ed. (Engelheiro Coelho, SP: UNASPRESS, 2007), 245.
322
Ellen G. White, Testemunhos Seletos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), 1:505.
Daniel 1 219

inofensivo, como alguns poderiam pensar, mas que pode mesmo levar o indivíduo a uma armadilha da
qual talvez não consiga se libertar.

Voltando à nossa afirmação anterior, que erro interpretativo é este? O erro de interpretar as expressões
“sacrifício diário” e “abominação desoladora” como sendo o “sábado” e o “domingo”, respectivamente.
Por que afirmamos que esta interpretação é um erro? Porque não atende à regra que diz que a Bíblia é a
sua própria intérprete. E para que a Bíblia interprete a si mesma, precisamos verificar o uso que a mesma
faz das referidas expressões. Observe as seguintes palavras de orientação no estudo da Sagrada Escritura:

“Se há um ponto de verdade que não compreendeis,... investigai, comparai um escrito com o outro
(scripture with scripture). Penetrai bem fundo na mina da verdade da Palavra de Deus. Deveis
colocar tanto a vós como as vossas opiniões no altar de Deus, abandonar vossas ideias
preconcebidas, e deixar que o Espírito do Céu vos guie em toda a verdade.”323

“Se quereis encontrar na mina da verdade, os mais ricos tesouros, precisais escavar fundo.
Comparando versículo com versículo, podereis achar o verdadeiro sentido do texto...”324

Nos últimos dias, “Deus terá sobre a Terra um povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só,
como norma de todas as doutrinas e base de todas as reformas”.325

Ou ainda, a advertência de que “se examinais as Escrituras para justificar opiniões próprias, nunca
alcançareis a verdade. Pesquisai para aprender o que o Senhor diz. Se vos vier a convicção ao
estudardes, se virdes que vossas opiniões acariciadas não estão em harmonia com a verdade, não
interpreteis mal a verdade para acomodá-la à vossa própria crença, antes aceitai a luz concedida.
Abri a mente e o coração, para que possais contemplar as maravilhas da Palavra de Deus.”326

Com base nas exortações acima, apelamos ao leitor para que suspenda o juízo e examine o assunto
conforme se encontra nas Sagradas Escrituras.

Analisemos, portanto, em primeiro lugar, a expressão “sacrifício diário”, que é a tradução do termo
hebraico hattamid (‫)ה ָת ִמיד‬.
ַ Esta é uma palavra composta: a primeira parte da palavra, ha, é o artigo em
hebraico, e a segunda, tamid, é um “substantivo”.327 O termo tamid, sem o artigo, ocorre 104 vezes no AT,
sendo usado como advérbio e como adjetivo. Sua tradução usual é “contínuo” ou “perpétuo”, quando
usado adjetivamente, e “continuamente”, “perpetuamente”, “sempre”, quando usado adverbialmente. A
tradução “diário” é uma tradução modificada baseada no contexto. Significa simplesmente “contínuo”,
“diário” ou ainda “regular”.

Cabe aqui verificar se, em todos esses usos do termo, acaso encontramos algum texto que vincule
especificamente o “sábado” com o “diário/tamid”. De fato, há três textos nos quais as palavras “sábado” e
“tamid” aparecem próximas uma da outra: Lv 24:8; 1 Cron 23:31; 2 Cron 2:4. Mas, será que algum destes
versos identifica o tamid com o sábado? A análise das passagens em 1 e 2 Crônicas revela que a referência
é feita aos “sábados” (no plural), e não ao “sábado” (singular), em conexão com as festas da lua nova e as
festas fixas, o que evidencia que não se trata do sábado semanal. E o que dizer do texto de Lv 24:8? O
texto reza da seguinte forma: “em cada dia de sábado, isso se porá em ordem perante o Senhor
ָ e, a favor dos filhos de Israel, um pacto perpétuo.” O texto, na verdade, não
continuamente (‫;)ת ִמיד‬
estabelece nenhuma conexão entre o tamid e o sábado. Aqui se trata tão somente da instrução concernente
aos pães que deveriam estar continuamente (tamid) sobre a mesa, no lugar santo do santuário, e a cada
323
Idem, Testemunhos para Ministros (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), 476.
324
Idem, “Minha consagração hoje”, Meditações Matinais (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989), 22.
325
Idem, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), 594.
326
Ellen G. White, Parábolas de Jesus, 112.
327
W. Baker, The complete word study dictionary: Old Testament (Chattanooga, TN: AMG Publishers, 2003,
c2002), 1232.
Daniel 1 220

sábado eles deveriam ser trocados por pão fresco. Isto é tudo. Não há qualquer identificação entre um e
outro.

Se não encontramos no texto bíblico qualquer associação do termo tamid com o sábado, descobrimos
outra coisa: uma extensa associação com o santuário, de tal maneira que podemos identificá-lo como um
termo do santuário. Para ser mais específico, no Antigo Testamento esta palavra é usada cerca de 50 vezes
em conexão com “o ritual do santuário para descrever vários aspectos de seus serviços regulares, tais
como o ‘pão contínuo’ que devia estar sobre a mesa dos pães da proposição (Nm 4:7), a lâmpada que
devia queimar continuamente (Ex 27:20), o fogo que devia arder sempre sobre o altar (Lv 6:13), as ofertas
que deviam ser oferecidas diariamente (Nm 28:3, 6), e o incenso que deveria ser oferecido pela manhã e
pela tarde (Ex 30:7-8).”328 Resumindo, “a expressão designava as muitas diferentes atividades
continuamente realizadas pelo sacerdote no santuário”, sua “obra de mediação e intercessão... em favor do
povo”.329 O serviço diário/tamid representa “a provisão beneficente contínua de Deus pelo homem, e
apontava simbolicamente para o ministério de Cristo, ... que ‘vive sempre para interceder por nós’ (Hb
7:25).”330

O termo hattamid é exclusivo do livro de Daniel, com cinco ocorrências (caps. 8:11-13 [três vezes];
11:31; 12:11), e todas elas estão associadas com o santuário. Já o ato de “tirar” ou “remover” o
“diário/tamid” é mencionado três vezes: Dn 8:11; 11:31 e 12:11, sendo que somente neste último texto é
que encontramos um tempo específico conectado ao mesmo. Em Daniel 8:11-14 encontramos uma
descrição da natureza e obra do poder simbolizado pelo chifre pequeno. Nestes versos vemos sua oposição
à obra sacerdotal do Príncipe/Cristo, seu ataque contra “o santuário e o Príncipe, em um esforço para
usurpar Sua obra sacerdotal.”331 E foi este tamid o que o Chifre pequeno intentou controlar, desviando “os
olhos da humanidade do verdadeiro e original ministério de Jesus no céu para um substituto humano na
terra”.332 A obra realizada pelo chifre pequeno sobre a terra afeta negativamente ao santuário celestial nos
seguintes aspectos: (1) o lugar de Seu santuário foi lançado por terra (8:11); (2) foi tirado o tamid do
Príncipe, isto é, sua “contínua ministração no santuário” (8:11); (3) exaltou-se contra o Príncipe,
assumindo um caráter sacerdotal; e (4) lançou por terra a verdade sobre o santuário, o Príncipe e Seu
ministério.333

Resumindo, o “tirar o diário/tamid” representa a substituição feita pelo papado da união voluntária de
todos os crentes em Cristo pela união compulsória em uma igreja visível; a substituição de Cristo como
cabeça invisível da igreja pela autoridade de uma cabeça visível, o papa; a substituição do acesso direto a
Cristo por todos os crentes por uma hierarquia sacerdotal; a substituição da salvação pela fé em Cristo por
um sistema de salvação mediante obras ordenadas pela igreja e, muito particularmente, a substituição da
obra mediadora de Cristo como nosso grande sumo sacerdote nas corte celestiais pelo confessionário e o
sacrifício da missa; e que este sistema desviou completamente a atenção dos homens de Cristo e assim os
privou dos benefícios de Seu ministério.”334

Se o texto de Daniel 8 não identifica o “diário/tamid” com o sábado, será que encontramos tal
identificação na passagem em 11:31 – “Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e
tirarão o sacrifício costumado [hattamid], estabelecendo a abominação desoladora”? Três ações são
mencionadas aqui: (1) a profanação do santuário; (2) a remoção do contínuo (hattamid); e (3) o

328
Comentário Bíblico Adventista, 927.
329
A. M. Rodríguez, Future Glory, 52.
330
The Seventh-day Adventist Bible Dictionary; The Seventh-day Adventist Bible Commentary, Volume 8. 1979;
2002 (257). Review and Herald Publishing Association.
331
Rodríguez, Future Glory, 53.
332
William H. Shea, Daniel 7-12, 104.
333
Cf. William H. Shea, “Unit of Daniel”, 198-199. Ver também, Idem, “Spatial Dimensions in the Vision of Daniel
8”, 507, 514-518.
334
Nichol, F. D., The Seventh-day Adventist Bible Commentary, Volume 4 (Review and Herald Publishing
Association, 1978; 2002), 843.
Daniel 1 221

estabelecimento da abominação desoladora. Mesmo uma leitura superficial já evidencia que o sábado não
faz parte do texto, nem do contexto. Sendo que a primeira referência ao hattamid é encontrada em Daniel
8:11-13, a aplicação da regra de interpretação da Bíblia como intérprete de si mesma nos leva a observar
os paralelos entre ambas passagens, conforme demonstrado no quadro a seguir:

Daniel 8 Daniel 11:31


tira o holocausto contínuo (hattamid) (v. 11) tira o holocausto contínuo (hattamid)
deita abaixo o lugar do santuário (v. 11) profana o santuário
transgressão assoladora (v. 13) abominação desoladora

Como se pode ver, em 11:31 temos a informação adicional de que o “diário/contínuo/tamid” é tirado e
substituído pela “abominação desoladora”. Conforme visto anteriormente, o “diário” “designa o sistema
de culto divinamente ordenado”, o poder que o remove está em “oposição a Deus, e ‘a abominação
desoladora’ representa um falso sistema de culto.”335 No capítulo 11, portanto, temos a explicação acerca
da maneira em que o chifre pequeno de Daniel 8 deitou abaixo o lugar do santuário do Príncipe:
estabelecendo a abominação desoladora. “Está implicado em que era necessário remover o tamid (diário
[ou seja, o ministério sacerdotal de Cristo como intercessor no santuário celestial]) a fim de estabelecer a
abominação.”336

Os “relacionamentos linguísticos” são bastante estreitos, indicando “a mesma atividade do chifre pequeno
tanto em Daniel 8:12-13 como em 11:31. ... O templo de 8:11 está ligado ao templo de 11:31, e o destino
do tamid [diário] em 8:12 está também ligado com seu destino em 11:31”.337

A análise dos dois primeiros textos não relaciona o “diário/contínuo/tamid com o sábado. Resta agora
examinar o texto de Daniel 12:11 para ver se o último texto permite tal identificação: “E desde o tempo
em que o costumado sacrifício for tirado, e estabelecida a abominação desoladora, haverá mil duzentos e
noventa dias.” Seguindo a regra de comparar escritura com escritura, primeiramente vamos verificar os
paralelos linguísticos com os versos previamente estudados:

Daniel 8 Daniel 11:31 Daniel 12:11


tira o sacrifício costumado tira o sacrifício tirado o costumado
(hattamid) (v. 11) costumado (hattamid) (hattamid) sacrifício
deita abaixo o lugar do profana o santuário --------------------
santuário (v. 11)
transgressão assoladora abominação desoladora Estabelece a abominação
(v. 13) desoladora
------------------ ------------------ mil duzentos e noventa dias

O que se percebe no quadro acima? Que Daniel 12:11 está vinculado com os capítulos 11 e 8. Os paralelos
linguísticos são inquestionáveis. E não poderia ser diferente, pois um dos princípios hermenêuticos para
uma correta interpretação de Daniel é o de repetição e ampliação.338 Daniel 12 não é uma nova profecia,
mas se harmoniza com toda a revelação anteriormente comunicada ao profeta. Assim, os 1.290 dias, que
são simbólicos, como visto acima, estão vinculados com a profecia mencionada no capítulo 11, e nada tem
a ver com um futuro decreto dominical.

335
The Seventh-day Adventist Bible Dictionary; The Seventh-day Adventist Bible Commentary, Volume 8 (Review
and Herald Publishing Association, 1979; 2002), 258.
336
William H. Shea, Selected Studies, 62.
337
Ibid.
338
Carlos E. Mora, “Principios de interpretación escatológica aplicados a Daniel 10-12”, DavarLogos: Revista
bíblico-teológica (2003): 106-109 [105-121].
Daniel 1 222

Para maior clareza, observe os vínculos linguísticos abaixo:339

Daniel 12 Daniel 11
“Depois do tempo em que “Dele sairão forças que profanarão
o santuário
for tirado [husar] e tirarão [wehesiru]
o diário [hattamid] o diário [hattamid]
e posta [welatet] estabelecendo [wenatenu]
a abominação [shiquts] a abominação [hashiquts]
desoladora [meshomem] desoladora [meshomem]”
haverá ainda 1290 dias” ----------------------

Os eventos descritos em 12:11 incluem o tirar o “diário” [hattamid] e o estabelecimento da “abominação


desoladora”, o que vincula o período dos 1290 dias com a profecia encontrada em 11:31. Além disso,
estas referências ao “tamid” e à “abominação desoladora” também conectam os 1290 dias com a profecia
das 2300 tardes e manhãs de Daniel 8:14 e seu cumprimento até 1.844. E, em nenhum dos casos, há
qualquer evidência de que a profecia se refere a uma controvérsia envolvendo o sábado e o domingo.

Conforme vimos, a expressão “sacrifício diário” (ou equivalente) ocorre primeiramente em Daniel 8, e é a
tradução do termo hebraico hattamid. Devemos manter em mente que o capítulo 8 de Daniel, onde o
termo aparece pela primeira vez, é uma profecia acerca do santuário e um ataque dirigido contra o mesmo
pelo poder simbolizado pelo chifre pequeno. Além disso, precisamos lembrar que o termo “tamid” (sem o
artigo definido) é usado abundantemente para fazer referência aos serviços do santuário. O estudo de
Daniel 8 informa-nos que o tamid, que foi tirado do Príncipe pelas atividades do chifre pequeno, refere-se
ao contínuo ministério sacerdotal de Cristo no santuário celestial. O conflito aqui tem a ver com o controle
dos meios da salvação. Assim como a salvação era operada mediante os ritos do santuário levítico, de
igual maneira a salvação no presente é operada através do ministério que Cristo conduz no santuário
celestial, onde Ele aplica ao crente os méritos de Seu sacrifício na cruz do Calvário. Vemos, portanto, que
o estudo contextual, utilizando a regra da Bíblia como sua própria intérprete, um texto explicando a outro,
em nenhum momento ou lugar vincula o termo tamid com o sábado. Concluir algo assim é fazer violência
à Palavra de Deus para impor opiniões particulares sobre os menos avisados.

Conclusão: ao permitir que a Bíblia seja sua própria intérprete somos impedidos de identificar a expressão
“sacrifício diário” com o dia do sábado. Pelo exposto, é evidente que não há fundamento exegético que
sustente tal posição. Conquanto seja verdade que a controvérsia envolvendo o sábado e o domingo seja um
aspecto importante no contexto da crise final,340 transportar tal conceito para Daniel 12 é uma atitude
arbitrária, que não encontra apoio nas Escrituras.

Se não podemos vincular o “sacrifício diário” com o “sábado”, o que dizer da expressão “abominação
desoladora”? Acaso a Bíblia apoia a identificação dessa expressão com o “domingo”? Mais uma vez
devemos permitir que a Bíblia defina a questão, e não impor sobre a mesma opiniões particulares em um
intento para sustentar conclusões que não têm fundamento escriturístico.

A expressão “abominação desoladora” é encontrada três vezes no livro de Daniel (9:27; 11:31 e 12:11).
As expressões não são idênticas com aquela encontrada em Dn 8:13. Compare as expressões:

Cf. William H. Shea, Time prophecies etc…


339
340
Ver Norman R. Gulley, “The Battle Against the Sabbath and its End-time Importance”, Journal of the Adventist
Theological Society (Autumn 1994): 79-115; William H. Shea, “Controversy Over the Commandments in the
Central Chiasm of Revelation”, Journal of the Adventist Theological Society Vol. 11, Nos 1 & 2(Spring-Autumn
2000): 216-231; João Antônio Rodrigues Alves, “O sábado no Apocalipse e sua relação com a crise final”,
DavarLogos: Revista bíblico-teológica (2010): 59-67.
Daniel 1 223

8:13 wehappeša‘ ‘šōmēm


9:27 šiqqûsîm mešōmēm
11:31 Haššiqqûs mešōmēm
12:11 Siqqûs Šōmēm

As quatro expressões se vinculam por sua referência a šōmēm (‫)שֹׁ מֵ ם‬, um verbo cujo significado é “estar
devastado”, “estar desolado”,341 daí a tradução “desoladora” em português. As diferenças, entretanto, não
podem ser ignoradas. Observe que em 8:13 encontramos o termo peshac, enquanto nos outros textos
prevalece a palavra shiquts. Peshac é um dos termos mais fortes para pecado no AT, porque designa o
pecado como um ataque contra a soberania de Deus. A pessoa “que comete um peshac não se rebela
simplesmente contra Yahweh ou se insurge contra Ele, mas rompe com Ele, tira aquilo que é Seu, rouba e
defrauda, coloca suas mãos sobre aquilo que Lhe pertence”. Este entendimento do termo peshac descreve
de maneira precisa a atividade do chifre pequeno.342

A expressão “transgressão assoladora” em Dn 8:13 parece indicar um horror apavorante causado pela
transgressão religiosa-cúltica realizada pelo chifre pequeno através de um sistema falsificado de ministério
e mediação. Tal sistema rivaliza com aquele que funciona no santuário celestial e guia os indivíduos a
transgredir a verdade das atividades redentivas de Deus.”343

Por outro lado, quando Jesus Se referiu ao “abominável da desolação” (Mt 24:15), Ele não tinha em mente
Dn 8:13. A análise linguística favorece a interpretação de que a frase deriva de Dn 9:27, porque somente
ali está em um contexto que fala da destruição da cidade de Jerusalém. Os romanos destruíram a cidade no
ano 70 A.D., queimaram o templo, e no ano 130 A.D. construíram um templo dedicado a Júpiter em seu
lugar.344

Já a palavra “abominação” é a tradução do termo hebraico shiquts, cujo significado é “coisa detestável”,
aplicado de forma negativa a alimentos impuros (Zc 9:7), ídolos (Dt 29:16; 2 Re 23:13, 24; Is 66:3; etc),
práticas idolátricas, etc.345 São 28 ocorrências, traduzidas pela Authorized Version como “abominação” (20
vezes), “coisas detestáveis” (5 vezes), “detestável” (1 vez), “imundície abominável” (1 vez) e “ídolos
abomináveis” (1 vez).346

Como se pode perceber, não é possível derivar do texto bíblico qualquer argumento que sustente a posição
de que a expressão “abominação desoladora”, de alguma forma, se refira ao “domingo”. Fazer isto é
atentar contra as regras saudáveis de interpretação bíblica, especialmente aquela que diz que a Bíblia é a
sua própria intérprete.

Mas, como vimos acima, a “abominação desoladora” faz referência à rebelião conduzida pelo “chifre
pequeno/rei do norte” contra o Príncipe do santuário celestial, estabelecendo um sistema religioso rival de
salvação, com a pretensão de ser o mediador da salvação entre Deus e toda a humanidade. Este poder
apóstata procura executar suas pretensões através de doutrinas que não se fundamentam nas Escrituras,
como o sacrifício da missa, a confissão auricular, a imortalidade natural da alma, a mediação de sacerdotes
terrenos, dos santos, de Maria, e toda uma estrutura hierárquica que mantem cativos os seus seguidores.

341
Koehler, L., Baumgartner, W., Richardson, M., & Stamm, J. J., The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old
Testament. Volumes 1-4 combined in one electronic edition (Leiden; New York: E.J. Brill, 1999, c1994-1996), 1563.
342
Ángel M. Rodríguez, “Daniel 8, 9 – The Sanctuary and its Cleansing”, Adventist Review Supplement, set. 1994.
343
G. Hasel, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary and…”, 443.
344
G. Pfandl, Daniel: Vidente de Babilonia, 106.
345
Brown, Driver & Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. Strong's, TWOT, and
GK references (electronic ed.) (Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, 2000), 1055.
346
Strong, J. The exhaustive concordance of the Bible: Showing every word of the text of the common English
version of the canonical books, and every occurrence of each word in regular order (electronic ed.) (Ontario:
Woodside Bible Fellowship, 1996), H8251.
Daniel 1 224

É pertinente a observação de Doukhan de que, “ainda que os dois eventos, o tirar o sacrifício contínuo e a
abominação desoladora, estejam vinculados, eles não coincidem. O primeiro evento prepara e, portanto,
precede ao segundo... (Dn 12:11; cf. 11:31).”347

Afirmar, como o fazem os adeptos da interpretação futurista dos períodos de tempo de Daniel 12, que as
expressões “diário” e “abominação desoladora” referem-se ao sábado e ao domingo, é violar
completamente, e sem autorização do texto bíblico, o significado que a própria Escritura lhes atribui. Em
suma, é uma posição arbitrária, feita de propósito, para sustentar as pressuposições teológicas de seu autor.

Mil doscientos noventa días. Este lapso es mencionado en estrecha relación con el "tiempo, tiempos, y la mitad de
un tiempo" (v. 7), o 1.260 días, por lo que los acontecimientos que habrían de ocurrir al final de estos períodos son
probablemente idénticos. Parecería pues razonable entender que estos dos períodos abarcan aproximadamente el
mismo lapso histórico. El excedente de los 1.290 sobre los 1.260 quizá ha de entenderse considerando que el
comienzo de los 1.290 días se relaciona con la desaparición del "continuo", preámbulo del establecimiento de la
"abominación".
Los que sostienen que el "continuo" representa el "paganismo" (ver com. cap. 8: 11) restan 1.290 de 1798 y llegan a
la fecha 508. Ven en los acontecimientos que rodean esta fecha, tales como la conversión a la fe católica de
Clodoveo, rey de los francos, y la victoria sobre los godos, un importante paso en el establecimiento de la
supremacía de la Iglesia Católica en el Occidente.

12 Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias.

12. Bienaventurado. Los períodos mencionados en los vers. 7, 11-12 llegan hasta el "tiempo del fin", al cual se
hace referencia en los vers. 4, 9. "Bienaventurado" (ver com. Mat. 5: 3), dice el ángel, el que es testigo de los
dramáticos acontecimientos de las escenas finales de la historia terrenal. Entonces serán entendidas aquellas
porciones de Daniel que habían estado selladas (ver com. Dan. 12: 4), y pronto "los santos del Altísimo" "recibirán
el reino... y poseerán el reino hasta el siglo, eternamente y para siempre" (cap. 7: 18).

Espere. Esto implica que se puede esperar que el período profético que se menciona seguidamente continúe más allá
del fin de los 1.290 días. Si los 1.290 y los 1.335 días comienzan en la misma fecha, este segundo período llega
hasta el año 1843, una fecha importante en relación con el gran despertar adventista ocurrido en Norteamérica, que
generalmente se conoce como el movimiento millerita.

1335 dias – Doukhan - “É também digno de nota que o período de 1335 dias é o último período de tempo a ser
mencionado. É também o único a ser marcado pelo sentimento de chegada, após a tensão da espera implicado na
questão ‘até quando?’ (Daniel 12:6).
“O texto provê um nexo adicional que confirma esta conexão entre Daniel 12:6 e Daniel 8. Ambas as
profecias são uma resposta à mesma questão ‘até quando?’ (‘ad-matay) [Dn 12:6; Dn 8:13]. Ambas estão associadas
com o mesmo motivo de ‘maravilhas’ (Dn 8:13, 24; 12:6) e dentro do mesmo contexto de diálogo (Dn 8:13; Dn
12:6). Esta linguagem idêntica indica a mesma preocupação; ambas visões apontam para o mesmo tempo. Portanto,
os 1335 dias, como as 2300 tardes e manhãs, findariam em 1844.

Assim, Daniel não somente previu 1844 através das 2300 tardes e manhãs, como também percebeu este
tempo desde outro ponto de vantagem, após os 1335 dias. Na profecia das 2300 tardes e manhãs ele olhou para o
céu, para uma cena de juízo. Na profecia dos 1335 dias ele olhou para a terra, e vislumbrou a felicidade da espera.

No nível do crente, o tempo do fim poderia somente ser um tempo de feliz espera porque é o tempo em que
ele se prepara para o reino de Deus. Mas, esta espera não está confinada a uma felicidade passiva. Porque é o tempo
do fim, também se prova ser um tempo de denúncia e de proclamação; os povos da terra devem ser advertidos, e
consequentemente exortados a uma melhor preparação.” (Doukhan, Daniel: The Vision of the End, 48-49).

“Os 1335 dias não são o único período de tempo mencionado. Tampouco é independente; é uma parte de
um todo e se relaciona aos outros dois períodos de tempo, os 1260 dias (um tempo, tempos e metade de um tempo), e
os 1290 dias. A conexão entre estas três profecias é validada por várias observações:

347
Doukhan, Daniel, 51.
Daniel 1 225

1. Os 1335 dias, os 1260 dias e os 1290 dias cobrem mais ou menos o mesmo período de tempo.
2. Todos eles estão incorporados na resposta à mesma questão ‘Até quando...?’ (Dn 12:6) e portanto têm a função de
levar ao tempo do fim (Dn 12:9).
1. Todos eles estão relacionados às profecias precedentes. Os 1335 dias referem-se às 2300 tardes e
manhãs. Os 1290 dias referem-se à remoção do diário e à desolação (Dn 12:11; cf. 8:11, 13). O ‘tempo,
tempos e metade de um tempo’ de Daniel 12:7 referem-se, em hebraico, à mesma profecia transmitida
em aramaico por Daniel 7:25, ‘tempo, tempos e metade de um tempo’.
Ademais, encontramos o uso da palavra chave ‘entender’ em Daniel 8 e 9. Aqui, também, Daniel é
deixado ‘sem entender’ sobre os 1260 dias (12:8; cf. 8:27). Então a mesma palavra reaparece, ‘até o
tempo do fim ... os sábios entenderão’ (Dn 12:9-10),em conexão com duas outras medidas de tempo, os
1290 dias e os 1335 dias (Dn 12:11-12). Este fenômeno de ‘eco’ entre o ‘não-entender’ e o ‘entender’,
o negativo e o positivo, ... sugere uma relação complementar. As duas últimas medidas de tempo (1290
dias e 1335 dias) são respostas à perplexidade resultante da primeira medida (1260 dias). A primeira
lição que se pode tirar desta conexão é que estes períodos devem ser interpretados em termos de anos.
Se os 1260 dias são 1260 anos, então o mesmo ocorre com os 1290 dias e os 1335 dias.

Adicionalmente, a maneira em que os 1290 dias e os 1335 dias estão relacionados indicam que estes
dois períodos estão colocados na mesma perspectiva, e o segundo período estende-se para além do
primeiro:

“Depois do tempo em que o costumado sacrifício for tirado,


e posta a abominação desoladora, haverá ainda mil duzentos
e noventa dias. Bem-aventurado o que espera e chega até
mil trezentos e trinta e cinco dias”. (Dn 12:11-12)

Assim, os 1290 dias e os 1335 dias começam juntos, mas o primeiro período é interrompido em 1290 dias enquanto
o segundo período continua até 1335 dias.

Três períodos de tempo

Há, de fato, três períodos de tempo nesta parte da profecia de Daniel. O verso 7 menciona os três tempos e
meio para a destruição do poder do povo santo. O verso 11 menciona um período de 1290 dias em conexão com a
remoção do “diário” ou “contínuo”e o estabelecimento da abominação desoladora. E o verso 12 menciona um
período de 1335 dias até que uma certa bênção seja concedida. Todas as três profecias necessitam ser estudadas em
conjunto.

Os comentadores têm se referido a estes períodos de tempo, e suas explicações refletem as diferentes escolas de
interpretação profética. A escola preterista considera estes períodos como tempo literal, referindo-se aos eventos no
reinado de Antíoco Epifânio (segundo século a.C.). Os intérpretes futuristas constróem estes mesmos períodos de
tempo, em relação com o fim da história, ainda futuros em relação ao agora em que isto está sendo escrito. Eles
também os vêem como unidades de tempo literal. Os intérpretes historicistas, por outro lado, compreendem estas
unidades de tempo como símbolos e, assim, representando longos períodos de tempo histórico real. (p. 14).

Abordagem historicista. Os intérpretes historicistas têm tratado os períodos de tempo destes versos como
simbólicos e aplicado em sua interpretação o princípio dia-ano. Isto resulta em longos períodos de tempo histórico
real: 1260, 1290 e 1335 anos. Para um exemplo de como estes períodos de tempo têm sido interpretados por um
comentador, pode ser citada a obra de Urias Smith. Smith identifica o primeiro período ao afirmar, “os 1260 anos
marcam o período de supremacia papal”.348 Alhures, em seu comentário sobre Daniel 7:25, Smith explica que este
período se estende de 538 AD até 1798 AD. “A partir deste ponto [538, a data efetiva do decreto de Justiniano]
manteve o papado, realmente, supremacia por mil duzentos e sessenta anos? – Exatamente. Pois 538 + 1260 = 1798;
e no ano de 1798 Berthier, com um exército francês, entrou em Roma, proclamou a república, fez o papa prisioneiro
e infligiu uma ferida mortal sobre o papado”. (p. 17).

Em relação aos 1290 dias Smith nota: “Os dois períodos, portanto, os 1290 e os 1260 dias, terminam juntos em 1798,
o último começando em 538 e o primeiro em 508, trinta anos antes.” A vitória pró-papal de Clóvis, rei dos francos,
sobre os visigodos arianos é citada como o evento significativo de 508.

348
Smith, The Prophecies of Daniel and Revelation, rev. ed. (Nashville, 1944), 320.
Daniel 1 226

Tomando os 1335 dias de Daniel 12:12, Smith, a seguir, calcula: “A partir deste ponto eles se estenderiam até 1843,
pois 1335 somado com 508 resulta em 1843.” Smith cita o reavivamento milerita daquele tempo como o bendito
evento que deveria ocorrer então:

Por volta do ano de 1843, houve uma grande culminação de toda a luz que havia sido derramada sobre os
assuntos proféticos até aquele tempo. A proclamação avançou em poder. A nova e emocionante doutrina do
estabelecimento do reino de Deus sacudiu o mundo. Nova vida foi comunicada aos verdadeiros discípulos de
Cristo. Os descrentes foram condenados, as igrejas foram testadas, e foi despertado um espírito de reavivamento
que não tem tido paralelo desde aquele tempo.349

Relacionamentos contextuais

Tendo investigado estes três pontos de vista quanto à interpretação que oferecem dos períodos de tempo de
Daniel 12, podemos agora nos dirigir para o assunto contextual. Isto é especialmente crucial para o ponto de vista
preterista, pois os eruditos preteristas tratam esta seção (12:5-12) de datas como um apêndice, como glosas que
foram acrescentadas após o corpo principal da profecia ter sido escrito. É a natureza de Daniel 12:5-12 realmente
esta?

Arranjo literário da quarta visão. Primeiro: a estrutura geral da visão inteira deveria ser notada. Este
segmento do livro cobre Daniel 10-12. Estes três capítulos compreendem uma profecia inteira. Basicamente, o
capítulo 10 é a introdução; o capítulo 11:1-12:4 é o corpo, a porção didática da profecia de Gabriel, e 12:5-13 é sua
conclusão.

É a conclusão (12:5-13) simplesmente um apêndice, uma reflexão tardia ou um ajuste? Ou é uma parte
integral da profecia como um todo? A primeira é a proposta preterista; a última é a proposta defendida aqui (por W.
Shea).

Localização dos períodos de tempo. Uma forma de abordar as passagens de períodos de tempo no capítulo
12 é notar a posição de seus paralelos nas outras profecias do livro. Por exemplo: Daniel 7 descreve sua visão nos
versos 1 a 14. O período de tempo (para as atividades do pequeno chifre na visão) é dado no verso 25. O mesmo tipo
de fenômeno ocorre em Daniel 8. A visão cobre os versos 1-12. No fim do verso 12 a visão é interrompida e ali
começa uma audição. O profeta ouve enquanto dois anjos conversam acerca do que foi mostrado a Daniel. É nesta
audição que o período dos 2300 dias são comunicados a Daniel.

Em outras palavras, o método padrão em Daniel para a apresentação de períodos de tempo é, primeiro,
apresentar a visão ou profecia propriamente dita; então, é dado o período. Mas o período de tempo é entendido
estando em relação direta com o que foi dado na descrição prévia da visão. O mesmo modelo pode ser aplicado a
quarta visão registrada em Daniel 10-12. Neste caso os períodos de tempo mencionados no capítulo 12 (a conclusão
da visão) relacionam-se diretamente com os eventos históricos descritos no capítulo 11 (o corpo da visão). Isso
demonstraremos linguisticamente abaixo, mas aqui sumariamos no diagrama 1 o relacionamento (em termos de
localização) entre a visão propriamente dita e o[s] período[s] de tempo que a acompanha[m].

DIAGRAMA 1
Daniel 7 Daniel 8 Daniel 10-11
A visão propriamente dita vv. 1-14 vv. 1-12 11:1-12:4
Elementos de tempo v. 25 vv. 13-14 12:5-13

A exceção a esta regra é a profecia encontrada em Daniel 9:24-27. Há, provavelmente, uma razão para esta
exceção. A natureza desta profecia é diferente. Daniel 7, 8 e 11 são o que nós chamaríamos de profecias de esboço,
profecias que esboçam a ascensão e queda das nações e seus governantes. Daniel 2 também tem natureza??????, mas
não contém quaisquer períodos de tempo específico. Daniel 9:24-27, contudo, é uma profecia mais local e limitada.

Gabriel diz a Daniel que esta profecia é para “teu povo e sobre tua santa cidade”. Não é uma profecia de
esboço, mas uma profecia que enfoca especificamente os judeus e sua capital Jerusalém em Judá. O período de
tempo, dado no início, é distribuído através da profecia. Esta é outra maneira de demonstrar que a profecia de Daniel

349
Ibid., 331.
Daniel 1 227

9 está unida à profecia precedente. A profecia anterior (Dn 8) terminou com um período de tempo, e esta começa
com um período de tempo, mostrando assim que está sendo retomado o assunto vinculado do tempo.

Deixando de lado a situação singular de Daniel 9, podemos dizer que a distribuição dos períodos de tempo
de Daniel 12 se enquadra no mesmo padrão em relacionamento com Daniel 11, que encontramos no caso das
profecias e seus elementos de tempo em Daniel 7 e 8. Não há base estrutural literária para deixar Daniel 12 fora do
corpo principal da profecia como um apêndice ou uma série de glosas. Tendo visto as conexões com outras críticas
ao ponto de vista preterista, mencionadas acima, este aspecto da teoria preterista se apoia em base muito fraca
realmente.

Vínculos verbais. Voltemo-nos agora para a questão dos vínculos linguísticos específicos e diretos entre a
conclusão (12:5-13) e o corpo (11:1-12:4) da visão. Se a evidência estrutural, literária ????? enfraquece a
interpretação preterista, pode ser dito que os vínculos linguísticos enfraquecem a interpretação futurista. Estes
vínculos não deixam lugar para que os períodos de Daniel 12 sejam aplicados depois do surgimento de Miguel
(12:1). Ao contrário, estes períodos devem ser aplicados antes desse tempo na profecia. Assim, eles não podem ser
situados no intervalo entre a segunda Vinda de Cristo e o começo do milênio. Trataremos destes períodos em
sequência.

1. Daniel 12:7. O primeiro, consistindo de três tempos e meio, ocorre em Daniel 12:7. Esta passagem está
indissoluvelmente entrelaçada com uma passagem e conjuntura específicas na profecia de Daniel 11 de acordo com
os verbos e substantivos usados para expressar estas ideias. Os vínculos formados desta maneira são estreitos demais
para serem cortados. Disso pode-se concluir que Daniel 12 não pode ser cortado de Daniel 11. Ver diagramas 2 e 2a.

Deveria ser relembrado que Daniel 12:7 é uma resposta a uma questão. A pergunta obviamente tinha que ver com
a interrogação que Daniel havia acabado de receber (12:1-12:40. Daniel havia perguntado, “Quando se cumprirão
estas maravilhas?” (Dn 12:6). Em resposta a isso o anjo respondeu sob juramento “que isso seria depois de um
tempo, dois tempos e metade de um tempo. E, quando se acabar a destruição do poder do povo santo, estas coisas
todas se cumprirão” (v.7).

A menos que esta pergunta e resposta estejam completamente desconectadas com o que Gabriel havia dito
anteriormente ao profeta, deve haver alguma evidência no corpo da profecia a respeito de quando ocorreu a
destruição do poder do povo santo. Na verdade existe. Há precisamente um lugar no qual a perseguição dos santos é
descrita no corpo da profecia, e está em Daniel 11:32-35. De acordo com o conteúdo desta passagem, única em
Daniel 11, é aqui que o período de tempo de Daniel 12 deve ser aplicado. Os vínculos linguísticos entre Daniel
11:32-35 (corpo da visão) e Daniel 12:7-10 (conclusão da visão) demonstrando a plausibilidade de sua conexão,
podem ser esboçados como segue, no diagrama 2.

Diagrama 2
A Grande Perseguição*
Daniel 11:32-35 (ARA) Daniel 12:7-10 (ARA)
1. “Aos violadores [marshi’e] da aliança (v. 32).
2. “os sábios [umashkille] entre o povo
ensinarão [yabinu] a muitos” (v. 33).
3. “Alguns dos sábios cairão para serem
provados [lisrop]”,
4. “purificados [ulebarer]” 4. “Muitos serão purificados [yitbararu]”,
5. “e embranquecidos [welalben]” 5. “embranquecidos [weyitlabbenu]”,
6. “até ao tempo do fim” (v. 35). 3. “e provados [weyissarepu]” (v. 10)
1. “mas os perversos [resha’im] procederão
perversamente [whirshi‘u],
2a. “e nenhum deles [dos ímpios, resha‘im]
entenderá [weloyabinu]”,
2b. “mas os sábios [wehamashkilim]
entenderão [yabinu]” (v. 10).
*Nota: As sentenças citadas ocorrem, nas respectivas passagens, na ordem em que são numeradas.
Daniel 1 228

Seis paralelos verbais são documentados aqui. Em Daniel 11:32-35, cinco destes termos são usados uma
vez, e um deles é usado duas vezes. Em Daniel 12:7-10 quatro destes termos são usados uma vez, um é usado duas
vezes e outro é usado três vezes. Não há dúvida de que, com base nestes fortes vínculos linguísticos, as duas
passagens estão falando sobre a mesma coisa. Assim o período de Daniel 12:7 deveria ser aplicado para datar a
extensão da perseguição descrita em Daniel 11:32-35.

Este é o lugar no corpo da profecia ao qual pertence este tempo profético. Não pertence a uma era posterior
ao fim da profecia. Antes, pertence ao coração do corpo da profecia, exatamente na corrente principal dos tempos e
dos eventos. O diagrama 2a sumaria estes mesmos vínculos e pode ser útil para o leitor não familiarizado com
hebraico. Note que enquanto as formas podem variar nas duas passagens, estes seis paralelos verbais derivam das
mesmas raízes.

Diagrama 2a
Resumo de seis paralelos hebraicos para Daniel 11:32-35 e 12:7-10
Raiz Formas Formas Tradução
Daniel 11:32-35 Daniel 12:7-10 (ideia da raiz)
*rs Marshi’e Resh‘aim “proceder
Wehirshi‘u iniquamente”
Resha‘im
*skl Umaskile wehammaskilim “ter introvisão”
Hammaskilim
*byn Yabinu Yabinu “compreender”
Welo’yabinu
*srp Litsrop weyitsarepu “refinar”
*brr Ulebarer yitbararu “depurar”
*lbn Welaben weyitlabbenu “tornar branco”

2. Daniel 12:11. Progredindo a seguir para Daniel 12:11, observamos que não pode haver dúvidas
quanto ao lugar em que este período de tempo se encaixa. Ele está conectado diretamente com Daniel 11:31. As
frases mais importantes destas duas passagens podem ser citadas lado a lado, e os vínculos verbais mais importantes,
em hebraico, podem ser mostrados em transliteração. Ver diagrama 3.

Diagrama 3
Daniel 11:31 Daniel 12:11
Dele sairão forças que profanarão o santuário,... e “Depois do tempo em que o diário [hattamid]
tirarão [wehesiru] o diário [hattamid], for tirado [husar]
estabelecendo [wenatenu] e posta [welatet]
a abominação [hashiquts] a abominação [shiquts]
desoladora [meshomem] desoladora [meshomem]
haverá ainda 1290 dias”.

O mesmo tipo de tabulação que fizemos para Daniel 12:7-10 em conexão com Daniel 11:32-35 pode agora
ser feito para Daniel 12:11 e Daniel 11:31. Há, em hebraico, cinco paralelos verbais diretos entre essas duas
passagens. A principal diferença entre elas é que Daniel 11:31 está na voz ativa e 12:11 está na voz passiva. (p. 21).

A primeira diz que fará as coisas mencionadas, enquanto que a segunda enfatiza o que deveria ser feito. Os
vínculos linguísticos, contudo, são tão fortes que não pode haver dúvidas de que as duas passagens estão falando
precisamente da mesma coisa. Isso significa que os 1290 dias, supridos por Daniel 12:11, deveriam ser aplicados a
Daniel 11 no ponto em que ocorrem os eventos descritos no verso 31. Esse período de tempo está definitivamente
conectado com os eventos de 11:31. Não pode ser colocado depois na sequência da profecia ou em algum tempo
futuro para além do final da profecia. Essas relações são tabuladas no diagrama 3a para mostrar as mesmas cinco
raízes que aparecem em ambas as passagens.
Daniel 1 229

Diagrama 3a
Sumário dos paralelos hebraicos para Daniel 11:31 e 12:11
Raiz Formas Formas Tradução
Daniel 11:31 Daniel 12:11 (ideia da raiz)
1. *swr Weheshiru Husar “remover”
2. *tamid Hattamid hattamid “contínuo”
3. *ntn Wenatenu wetatet “dar”
4. *shiqquts Hashiqquts Shiqquts “abominação”
5. *shmm Meshomem Shomem “estar horrorizado,
desolado”

Podemos agora sumariar as relações que emergiram de nossa comparação entre esses dois conjuntos de
passagens. De acordo com suas características linguísticas, pode ser determinado que três tempos e meio de Daniel
12:7 devem ser usados para datar a perseguição de Daniel 11:32-34. É também evidente que os 1290 dias de Daniel
12:11 devem ser usados para datar a remoção do diário ou contínuo e o estabelecimento da abominação desoladora
em Daniel 11:31. Esses são os lugares, no fluxo dos eventos em Daniel 11, nos quais esses períodos de tempo devem
ser situados. Os períodos de tempo não pertencem a um período posterior na profecia, nem pertencem a um período
posterior ao seu final, como reflexão tardia. Estão intimamente ligados à profecia precedente nesses pontos.

3. Daniel 11:40. De especial importância nesta conexão é a referência ao “tempo do fim” em Daniel
11:40. No livro de Daniel o tempo do fim não é o fim do tempo, como se fosse um ponto no tempo em que todas as
coisas chegassem a sua conclusão. Ao contrário, o tempo do fim no livro de Daniel é um período de tempo (cf. 8:15;
11:35; 12:4). Eventos ocorrem neste período de tempo, e alguns destes eventos são descritos em Daniel 11:40-45.

Agora emerge a questão, “Qual é o relacionamento dos períodos de tempo em Daniel 12 com o “tempo do
fim” profetizado no fechamento de Daniel 11? A resposta já foi dada acima. Esses períodos de tempo ocorrem antes
do tempo do fim. Não são períodos de tempo que pertencem ao tempo do fim. Não medem eventos que ocorrem no
tempo do fim. Ocorrem antes dessa era. Sabemos isso porque os 1290 dias de Daniel 11:31 e os 1260 dias de Daniel
11:32-35 ocorrem nessa profecia antes que o tempo do fim apareça em Daniel 11:40. Isso torna impossível conectar
os períodos de tempo de 1260 e 1290 com qualquer coisa que tenha a ver com a segunda vinda de Cristo e o começo
do milênio, como tem sido defendido pelos intérpretes futuristas ou dispensacionalistas. Esse estudo não é um
tratamento em detalhe das aplicações históricas. É, antes, um estudo do contexto e do conteúdo das relações entre
esses períodos de tempo no texto de Daniel 11 e 12. Quando o texto é estudado cuidadosamente, percebe-se que a
interpretação preterista não se encaixa bem. As aplicações históricas propostas para esses períodos de tempo não se
encaixam em nosso conhecimento de sua extensão de tempo a partir de suas descrições históricas. Daniel 12 não é
um apêndice equivocado com dilatada série de profecias fracassadas. Nem esses eventos encaixam-se bem com
eventos posteriores à Segunda Vinda de Cristo e anteriores ao milênio, como os intérpretes futuristas têm sustentado.
Do ponto da profecia no qual eles começam, de acordo com suas conexões linguísticas, eles devem preceder, e não
suceder, o tempo do fim. A partir das relações intratextuais, portanto, os 1260 e 1290 dias de Daniel 12 não
pertencem ao tempo de Antíoco Epifânio, no segundo século a.C., como sustentam os intérpretes preteristas; mas
eles são muito mais bem conectados com o coração do fluxo da história, como encontrada em Daniel 11:31 e 11:32-
35, como a visão historicista sustenta. Aplicações históricas detalhadas disso devem ser reservadas para outra ocasião
e para os comentários historicistas que já trataram destes períodos de tempo.

4. Daniel 12:12. O anjo não diz nada acerca do período de 1335 dias a não ser pronunciar uma
bênção sobre o que “espera e chega” ao final desse período. Não é explicado porque tal pessoa é bem-aventurada.
Paralelos linguísticos para vincular os três tempos e meio com os 1290 dias e definir localizações em Daniel 11 não
estão disponíveis. Por outro lado, ninguém argumenta que o período de 1335 dias deveria ser separado do período de
1290. Todas as escolas de interpretação concordam muito, pelo menos, nisto: os três períodos de tempo de Daniel 12
devem ser estudados em conjunto. O sentido óbvio dos versos 11-12 vincula os períodos de 1290 e 1335 em
relacionamento especial. Uma vez que pode ser demonstrado, em bases linguísticas, que o período dos 1290 dias está
definido na localização de tempo para os eventos de Daniel 11:31, podemos concluir que o período de 1335 dias
começa ao mesmo tempo, com os mesmos eventos. A visão historicista expressa por Urias Smith de que estes
períodos começam em 508 e terminam em 1798 e 1843 encaixam-se bem com os dados bíblicos.350

350
Smith, 331.
Daniel 1 230

Quanto à “bem-aventurança” no final dos 1335 dias em Daniel 12:12, podemos procurar por conexões
apocalípticas em outro lugar. É interessante notar que a bem-aventurança é pronunciada no Apocalipse para um certo
grupo do tempo do fim. Refiro-me à bem-aventurança pronunciada sobre os que morrem no Senhor em conexão com
as três mensagens angélicas. As mensagens propriamente ditas encontram-se em Apocalipse 14:6-12, e a bênção
prometida é encontrada no v. 13. A Segunda Vinda de Jesus é descrita a seguir no v. 14.

Aqui, então, está a bem-aventurança intimamente relacionada com a volta de Jesus, mas que a precede. É
pronunciada em relação com o julgamento que é proclamado em Apocalipse 14:6. Esse julgamento deve ser
identificado pelas profecias acerca do julgamento na corte celestial em Daniel 7-8. O julgamento é descrito no
capítulo 7, e seu tempo (1844) é anunciado no capítulo 8. Seria natural e lógico que esta bem-aventurança,
encontrada no final de Daniel, esteja em conexão com esse julgamento, cuja conclusão é também descrita
anteriormente em Daniel 12:1-4.

A partir destas conexões potenciais, pode ser sugerido que a bem-aventurança pronunciada em Daniel
12:12, em conexão com um julgamento datado profeticamente, é vinculada com a bem-aventurança pronunciada no
livro de Apocalipse depois que o julgamento começou, mas antes que ele termine por ocasião da volta de Cristo. A
sugestão aqui, então, é que a bem-aventurança de Daniel 12:12 possa provavelmente ser vista como suplementando a
bem-aventurança de Apocalipse 14:13 no NT. A primeira bendiz os privilegiados em viver e ver o começo do
julgamento final no céu, o qual reconciliará todas as coisas. A última bendiz aqueles crentes que podem morrer
durante o tempo e pregação daquele julgamento.351

Se a Bíblia não apoia uma interpretação futurista e literal dos períodos de tempo de Daniel 12, acaso
não se encontra fundamento para tal posição nos escritos de Ellen White?

R. É verdade que alguns adventistas, utilizando o método futurista de interpretação profética, método este
criado por um jesuíta para desviar o foco da profecia do papado, fazem uma montagem com citações
isoladas de Ellen White para fundamentar sua posição, uma vez que a análise textual de Daniel não a
corrobora. Observe uma das citações usadas em tal montagem:

“Cada declaração da Escritura deve ser tomada em seu sentido mais óbvio e literal, exceto onde o contexto
e as bem-conhecidas leis da linguagem mostrem que os termos são figurativos, e não literais, e o que é
figurativo deve ser explicado por outras porções da Bíblia que são literais.”352

Partindo da declaração anterior, assumem que todo o conteúdo de Daniel 12:5 em diante deve ser tomada
em sentido literal, posto que afirmam que aí não se encontram símbolos. A afirmação que fazem, ainda
que não a provam, insistem em que é correta. A partir desta posição inicial, apresentam outra citação:

“Leiamos e estudemos o capítulo 12 de Daniel. É uma advertência que todos necessitamos compreender
antes do tempo do fim”. Ms 228, 1903.

Esta citação é interpretada como que implicando e sugerindo categoricamente uma futura aplicação dos
períodos proféticos mencionados em Daniel 12. A citação está correta, mas sua aplicação está errada, pois
lhe atribui um conteúdo que, na verdade, não possui. Então, como compreender a declaração de Ellen
White?

O primeiro ponto que precisamos observar é que a citação não identifica absolutamente nada do que é
passado ou futuro, desde a perspectiva do tempo de vida de Ellen White. Em segundo lugar, não é verdade
também que Ellen White aconselha o estudo dos livros de Daniel e Apocalipse, porque aí encontram-se
lições e advertências para o povo de Deus? Observe a seguinte citação: “As profecias de Daniel e de João
devem ser diligentemente estudadas”.353 E esta outra: “A mensagem de Apocalipse 14, proclamando que é

351
William H. Shea, “As profecias de tempo de Daniel 12 e Apocalipse 12 e 13”, Revista Teológica do SALT-
IAENE, 3/1 (1999): 17-24.
352
Idem, O Grande Conflito, 402.
353
Idem, Mensagens Escolhidas, 2:102.
Daniel 1 231

vinda a hora do juízo de Deus, é dada no tempo do fim...”354 E ainda mais: “O quinto capítulo do
Apocalipse precisa ser detidamente estudado. Ele é da maior importância para os que haverão de
participar da obra de Deus nestes últimos dias.”355

Acaso tais declarações e/ou conselhos significam que ambos os livros, ou profecias, estavam no futuro em
relação a seus dias? A resposta é bastante óbvia.

Outro aspecto a ser destacado é que a declaração referente ao capítulo 12 de Daniel não transforma
automaticamente os períodos de tempo aí encontrados em tempo literal e projetados ao futuro da autora.
Observe-se também que a declaração em análise faz referência a um estudo e compreensão do capítulo 12
de Daniel “antes do tempo do fim”. A pergunta que naturalmente surge é: o que é identificado pela
profecia como o “tempo do fim”? Ao fazermos esta identificação, estaremos em melhor condição para
interpretar as declarações da autora.

Esta expressão aparece primeiramente em Daniel 8:17, quando o anjo informa a Daniel que a visão se
refere ao “tempo do fim”. Temos assim uma referência temporal para o tempo do fim, ou seja, as 2300
tardes e manhãs, cujo término ocorreu em 1844. As demais são encontradas em 11:35, 40; 12:4 e 12:9.
Sabemos, portanto, que esta é uma expressão escatológica “puramente daniélica e, como tal, deve ser
avaliada dentro do contexto dos capítulos proféticos de Daniel.”356 Os paralelos linguísticos e temáticos
entre os capítulos 2, 7, 8 e 10-12 indicam que a expressão “tempo do fim” é usada em Daniel para se
referir ao tempo imediatamente antes do segundo advento, pois cada uma das visões alcança o tempo do
segundo advento. Vinculando com o período dos 1260 anos de atividade da ponta pequena referidos em
Daniel 7:25 e 12:7, cujo término se deu em 1798, podemos afirmar que o “tempo do fim” teve seu início
no período profético de 1798-1844. Observe a citação seguinte: “As visões proféticas de Daniel e João
predizem um período de escuridão e declínio moral, mas no tempo do fim – o tempo no qual estamos
vivendo agora – elas falarão e não mentirão.”357

Sendo assim, como poderia Ellen White projetar para o futuro um período de tempo que já tivera o seu
início? Na verdade, ela não o faz. Aqueles que distorcem suas palavras é que procedem dessa forma,
assim demonstrando que em realidade erram, não conhecendo as Escrituras (Mt 22:29). Adicionalmente,
devemos considerar outras citações de Ellen White acerca da interpretação profética mantida pelos
pioneiros, que incluía a posição de que os períodos de tempo de Daniel 12 já se haviam cumprido:

“Estes homens seguiram passo a passo o cumprimento das profecias, de modo que os que não tiveram
uma experiência pessoal com esta obra devem aceitar a Palavra de Deus e crer ‘na palavra deles’, dos que
foram conduzidos pelo Senhor na proclamação das mensagens do primeiro, do segundo e do terceiro anjo
(...) É verdade que há profecias que ainda devem cumprir-se. Porém, repetidamente se tem realizado uma
obra errônea, e esta continuará sendo efetuada por aqueles que procuram encontrar uma nova luz nas
profecias, e que começam por se desviar da luz que Deus tem dado (...) “Mas o Senhor não coloca sobre
aqueles que não tiveram uma experiência em sua obra a responsabilidade de realizar uma nova exposição
das profecias que ele, mediante o Espírito Santo, revelou a Seus servos escolhidos para que as
expliquem”.358

E qual foi a posição destes homens que tiveram uma experiência na obra do Senhor? Como interpretaram
eles os períodos proféticos de Daniel 12? Todos, unanimemente, interpretaram os 1.260, 1.290 e 1.335
dias como tendo se cumprido no passado, alcançando, no máximo, até 1844. Estes períodos foram
interpretados simbolicamente, segundo uma hermenêutica historicista, e aplicando-lhes o princípio de
interpretação profética dia-ano.

354
Ibid., 2:107.
355
Idem, Testemunhos Seletos, 3:414.
356
Gerhard Pfandl, “Daniel’s ‘Time of the End’”, JATS, 7/1 (Spring 1996): 141.
357
Ellen G. White, Testemunhos para a igreja, 5:9-10. (Ênfase acrescentada).
358
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 2:111-112.
Daniel 1 232

Uma situação envolvendo a interpretação dos 1335 dias, em que providencialmente Ellen White estava
presente, nos ajudará a eliminar quaisquer dúvidas que ainda existam sobre o cumprimento dos períodos
proféticos de Daniel 12. Na ocasião, um irmão identificado como Hewit, de Dead River, acerca de quem
não temos mais informação, acusou Ellen White de erros teológicos e de haver introduzido abominação no
movimento adventista. Em sua resposta ao irmão Hewit, destacamos a frase que engloba a interpretação
dos 1335 dias:

“Nós lhe falamos de alguns de seus erros no passado, que os 1335 dias haviam terminado e numerosos
erros seus.”

Para efeito de melhor clareza, inserimos o parágrafo completo, em inglês, visto ser a língua original em
que encontramos a referência:

“One week ago, last Sabbath, we had a very interesting meeting. Brother Hewit from
Dead River was there. He came with a message to the effect that the destruction of the wicked and
the sleep of the dead was an abomination within a shut door that a woman Jezabel, a prophetess
had brought in and he believed that I was that woman, Jezabel. We told him of some of his errors
in the past, that the 1335 days were ended and numerous errors of his.”359

Na tentativa frustrada de estabelecer sua posição para a citação acima, os defensores de uma interpretação
futurista fazem a seguinte leitura: “Um dos erros do irmão Hewit era considerar que os 1335 dias haviam
terminado. Já que considerar os 1335 dias como havendo se cumprido no passado era um erro, a conclusão
é que este período faz referência ao futuro e ainda aguarda cumprimento.”

Deve ser observado, entretanto, que esta tentativa de ajustar a leitura às suas pressuposições particulares
exigiu que o texto fosse modificado. Devido a isto, alguns substituem a conjunção “que” (inglês “that”),
pela expressão “tais como” (inglês: “such as”) de forma a alterar o sentido do texto. “We told him of some
of his errors in the past, that [such as] the 1335 days were ended and numerous errors of his.” Com isto
atingem o objetivo buscado por eles, ou seja, fazem com que a frase diga que, entre os erros sustentados
por Hewit, incluía-se o conceito de que os 1335 dias haviam se cumprido.

Façamos agora uma leitura em harmonia com as leis gramaticais: “We told him of some of his errors in
the past, that the 1335 days were ended and numerous errors of his.” O verbo “dizer” (inglês: “told”,
passado de “tell”) rege todo o parágrafo: “lhe dissemos”. O que foi dito ao irmão Hewit? Alguns de seus
erros no passado”. (Observe que o texto é sinalizado por uma vírgula). A seguir agrega-se uma outra
cláusula, que também foi dita ao irmão Hewit. E que mais foi dito? “Que os 1335 dias haviam terminado”.

Com base nesta análise gramatical, agora estamos em condições de oferecer uma tradução que respeita o
texto original, com notas entre colchetes, para eliminar qualquer dúvida: “Nós lhe dissemos [ou falamos]
de alguns de seus erros no passado, [lhe dissemos] que os 1.335 dias haviam terminado, e [lhe
dissemos/falamos acerca de] numerosos erros seus.”

Portanto, no pensamento de Ellen White, o período dos 1.335 dias já estava no passado por ocasião da
escrita da carta, cuja data é 1850. Logo, não é possível projetar o seu cumprimento para algum momento
no futuro visto que, como argumentado anteriormente, os períodos proféticos apocalípticos não admitem
duplo cumprimento, um simbólico no passado e outro literal no futuro.

Análise do texto em relação com a história360


359
Carta H-28 (1850), dirigida à igreja na casa do irmão Hastings.
360
Cf. o artigo de Alberto R. Timm, a quem devo as ideias aqui apresentadas, e também parte das referências, para
maiores detalhes: “The 1,290 and 1,335 Days of Daniel 12”. Em,
https://www.adventistbiblicalresearch.org/sites/default/files/pdf/daniel12_0.pdf. Acessado em 09/07/2012. Cf. Idem,
Daniel 1 233

Se, admitindo que Ellen White considerasse um erro a ideia de Hewit de que os 1335 estavam no passado,
é obrigatório perguntar: por que ela somente corrigiu a este irmão acerca deste assunto? “Por que ela não
corrigiu outros líderes do movimento adventista, que também criam que esse período profético já havia se
cumprido em 1844?”361 Por exemplo, Guilherme Miller cria que os 1335 dias, assim como os 1290, se
estenderiam até o fim das 2300 tardes e manhãs.362 O próprio Tiago White afirmou que os 1335 dias
terminaram com as 2300 tardes e manhãs, em 1844.363 Outros artigos foram publicados na Review and
Herald, o órgão mais influente para disseminar conhecimento no meio adventista daquela época,
sustentando a mesma posição.364 “Esta interpretação foi mantida pelos primitivos Adventistas guardadores
do sábado”, incluindo Urias Smith,365 e se tornou “a posição histórica da Igreja Adventista do Sétimo Dia
até os nossos dias.”366

Finalmente, como indaga Alberto Timm, “como poderia Ellen White haver declarado, em 1891, que
‘nunca mais haverá para o povo de Deus uma mensagem baseada em tempo’,367 se o cumprimento dos
1.290 e 1.335 dias ainda estivesse no futuro?”368 Observe ainda esta outra declaração: “Nossa posição tem
sido a de esperar e vigiar, sem proclamação de tempo entre o fim dos períodos proféticos em 1844 e o
tempo da vinda do nosso Senhor.”369 Como interpretar tais declarações? Na verdade, elas são bastante
explícitas, e resumem o pensamento da autora expresso em outros lugares, de que não haveria qualquer

“Os 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12”, Kerygma, Volume 1 – Número 1 – 1º. Semestre 2005, 3-7; idem, “Os 1290 e
1335 dias de Daniel”, Ministério (Maio-Junho 1999), 16-18.
361
Idem, “Os 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12”, Kerygma, 4.
362
W[illia]m Miller, Evidences from Scripture and History of the Second Coming of Christ about the Year A.D.
1843, and of His Personal Reign of 1000 Years (Brandon, [VT]: Vermont Telegraph Office, 1833), 31; idem,
Evidence from Scripture and History of the Second Coming of Christ, about the Year 1843; Exhibited in a Course of
Lectures (Boston: Joshua V. Himes, 1842), 95-104, 296-97; idem, "Synopsis of Miller's Views," Signs of the Times,
Jan. 25, 1843, 148-49.
363
James White, "The Judgment", Review and Herald, 29 de janeiro de 1857, p. 100.
364
Ver, por exemplo, J. N. Loughborough, "The Hour of His Judgment Come", Review and Herald, 14 de fevereiro
de 1854, p. 30; U[riah] S[mith], "Short Interviews with Correspondents", Review and Herald, 24 de fevereiro de
1863, p. 100; [idem], "The Sanctuary", Review and Herald, 8 de setembro de 1863, p. 116.
365
Uriah Smith, Daniel and the Revelation (Battle Creek, MI: Review and Herald, 1904), 314-316; Idem, The
Prophecies of Daniel and the Revelation, ed. rev. (Washington, DC: Review and Herald, 1944), 330-331.
366
Timm, “The 1,290 and 1,335 Days of Daniel 12”; Idem, “Os 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12”, Kerygma, 3-7. Cf.
Stephen N. Haskell, The Story of Daniel the Prophet (South Lancaster, Mass.: Bible Training School, 1908), 300-
301; J. N. Loughborough, "The Thirteen Hundred and Thirty-Five Days", Review and Herald, 4 de abril de 1907, 9-
10; George M. Price, The Greatest of the Prophets: A New Commentary on the Book of Daniel (Mountain View, CA:
Pacific Press, 1955), 337-342; Araceli S. Melo, Testemunhos Históricos das Profecias de Daniel (Rio de Janeiro:
[Laemmert], 1968), 727-729; Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Adventist Bible Commentary, ed. rev.
(Washington, DC: Review and Herald, 1977), vol. 4, 880-881; Vilmar E. González, "Os 1.290 e 1.335 dias em
Daniel 12", Revista Adventista, setembro 1982, 43-45; Jacques B. Doukhan, Daniel: The Vision of the End, ed. rev.
(Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1989), 153; Idem, Secrets of Daniel (Hagerstown, MD: Review and
Herald Publishing Association, 2000), 186-189; William H. Shea, "Time Prophecies of Daniel 12 and Revelation 12-
13", em Frank B. Holbrook, ed., Symposium on Revelation - Book I, Daniel and Revelation Committee Series, vol. 6
(Silver Spring, MD: Biblical Research Institute of the General Conference of Seventh-day Adventists, 1992), 327-
360; William H. Shea, Daniel 7-12: Prophecies of the End Time, The Abundant Life Bible Amplifier (Boise, ID:
Pacific Press, 1996), 217-223; Idem, Daniel: Una guía para el estudioso (Buenos Aires: Asociación Casa Editora
Sudamericana, 2010), 269-275; Reinaldo W. Siqueira, “Daniel 12: Interpretação a Partir do Contexto do Livro,”
Parousia 1, No 2 (2o Semestre 2000): 61-66; Gerhard Pfandl, Daniel: Vidente de Babilonia (Buenos Aires:
Asociación Casa Editora Sudamericana, 2004), 113-117; Carlos E. Mora, Dios defiende a Su pueblo: Comentario
Exegético de Daniel 10 al 12 (México: Adventus: Editorial Universitaria Iberoamericana, 2012), 223-230; Merling
Alomía, Daniel: el profeta messiánico (Lima, Perú: Universidad Peruana Unión – Ediciones Theologika, 2008), 458-
465.
367
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 1:188.
368
Timm, “Os 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12”, Kerygma, 4.
369
Manuscript Releases, vol. 10, p. 270.
Daniel 1 234

proclamação de mensagem relacionada com o tempo – e tempo de qualquer espécie, seja ele simbólico ou
literal – entre o nosso tempo, hoje, e a vinda de Jesus. Isto nos remete para a advertência de Jesus, de que
não devemos especular acerca dos “tempos, ou épocas, ou estações, que o Pai reservou à sua própria
autoridade” (Atos 1:7).

Observe que, nas declarações acima, Ellen White não estabelece qualquer distinção entre tempo profético
e literal; ela declara, de forma cristalina, que o “tempo” não faz parte da mensagem para o povo de Deus.
Aqueles que apelam para uma suposta distinção entre tempo profético, que teria terminado em 1844, e
tempo literal, que terá um cumprimento futuro, de fato demonstram sua sutileza para fugir das claras
implicações das afirmativas de Ellen White e assim induzir os menos avisados a aceitar seus pontos de
vista particulares, defendidos como se fossem uma revelação divina para o povo de Deus no tempo do fim.
Ainda que não questionemos a sinceridade de quem assim procede, tal conduta pode levar a frustração
espiritual ao não se cumprirem as expectativas geradas por tais especulações. Qualquer pessoa que se
aventura a proclamar uma mensagem baseada no elemento temporal, fazendo uma aplicação ou
reaplicação das profecias temporais de Daniel 12, por exemplo, está violando diretamente o conselho
inspirado.

Para finalizar esta breve análise, somos levados a uma única conclusão: Ellen White somente reprovou o
irmão Hewitt, que estava adotando uma interpretação futurista, equivocada, para os 1.335 dias, e aprovou
a interpretação sustentada por Guilherme Miller, Tiago White, Urias Smith e outros, que entenderam que
este período de tempo terminou em 1843/44. Portanto, não há qualquer base, seja na Bíblia, ou nos
escritos de Ellen White, para sustentar um cumprimento futuro, literal, dos 1.290 e 1.335 dias de Daniel
12:11-12.

13 Tu, porém, segue o teu caminho até ao fim; pois descansarás e, ao fim dos dias, te levantarás para receber a
tua herança.

Segue o teu caminho. O cumprimento das profecias de Daniel deve alcançar um futuro distante. Daniel descansaria
no túmulo, mas "'no fim dos dias', isto é, na conclusão do período da história deste mundo, lhe seria permitido outra
vez estar em sua posição e em seu lugar" (PR, 547; ver também Ellen G. White, Material Suplementar sobre este
versículo).

COMENTÁRIOS DE ELLEN G. WHITE


1 - PJ, 179; Ev, 241; PE, 33, 34, 36, 43, 56, 67, 71, 85, 282; GC, 481, 613, 622, 635, 649; LS, 101, 117; MS, 38;PP,
201, 256; Tl , 125, 203, 206, 353; T4, 251; T5, 152, 212; T8, 50; T9, 17, 210, 244.
2 - GC, 637, 644; PE, 285.
3- CE, 70; CM, 155; SC, 109; PE, 61 ; FEC, 199; OE, 145; LS, 254; MCH, 247, 325; Tl, 11 2, 512; T5, 449, 488,
621; T6, 451; T7, 26, 249.
4 - AA, 585; DTN, 234; FEC, 409; GC, 356, 360; PR, 547.
8-13- TM, 115.
9, 10 - PR, 547.
10 - PJ, 155; DTN, 234; PE, 140; T2, 184; T4, 527; T5, 452.
13 - PR, 547.

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