Você está na página 1de 7

Projeto itinerante no Rio leva experiência de cinema a locais sem salas de exibição

Para muitos moradores das comunidades atendidas, esse é o primeiro contato com a telona
Geraldo Ribeiro (O Globo) | 03/10/2021

Projeto Cine Bike In, na comunidade Caixa D'Água, em Queimados. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

RIO — Luz, câmera, emoção! Projetos que levam exibição de filmes a comunidades carentes e sem
equipamentos culturais como, por exemplo, salas de cinema, representam para muitas pessoas a
primeira experiência diante da tela grande. Além ajudar na formação de público, a programação
inclui rodas de debate sobre temas de interesse geral. Vale tudo para alcançar a plateia: a estrutura
de projeção é transportada de fusca, de jipe e até de bicicleta.

Entre os amigos Wesley Pimentel, de 14 anos, Lailiane Santana, 15, e Marcos Felipe Monteiro, 16,
apenas ela já tinha vivido a experiência de entrar em um cinema. O trio fazia parte do público que,
na última terça, dia 28, espalhou-se pelo chão de um campinho de pelada na comunidade da Caixa
D’Água, em Queimados, na Baixada Fluminense. Era dia de sessão do Cine Bike In.

Como o nome já entrega, o projeto engenhoso recorre a uma bicicleta, um projetor e uma tela
inflável para levar produções audiovisuais à população mais desfavorecida daquela cidade da Região
Metropolitana do Rio — com 150 mil habitantes e nenhuma sala de exibição. Além de servir de apoio
para o projetor, a “magrela” adaptada produz, com suas pedaladas, a energia que liga o
equipamento.

— Faltam opções de lazer na cidade. Tempos atrás havia eventos de cinema na praça, mas parou.
Faz muita falta — lamenta Wesley.

1/7
Camila Helena Alvez, de 40 anos, cozinheira, conta que aproveita suas folgas de segunda-feira para
passar boa parte do dia assistindo a filmes na TV. Mesmo assim, sente saudades da tela grande,
tanto que lembra da última vez em que entrou num cinema: há mais de dez anos, em Nova Iguaçu,
para ver um dos episódios da saga “Crepúsculo”. Na recente visita do Cine Bike In à Caixa D’Água,
ela viu uma chance de reviver a experiência e levou junto a neta Maria Alice, de 3 anos.

— Ver filmes em casa é um hábito, é natural. Ir ao cinema é outra coisa. Tem toda uma produção
para sair. É como se fosse um evento — resume Camila.

Espectadores de diferentes faixas etárias, como os adolescentes Wesley, Lailiane e Marcos, além de
Camila e sua neta, prestigiaram a apresentação de uma seleção de curtas que trazia, entre outras
produções, “A balada da nobre senhora”, estrelado pela saudosa atriz Camilla Amado e dirigido por
Hsu Chien Hsin, cineasta nascido em Taiwan, radicado no Brasil desde os 3 anos de idade. O
programa incluiu ainda distribuição de pipoca e guaraná, para alegria das crianças.

O projeto do Cine Bike In foi concebido pela produtora Daiane Brasil e saiu do papel com recursos
de um edital de R$ 50 mil, da Lei Aldir Blanc, de incentivo à cultura em tempos de pandemia. Desde
março, já foram visitadas cinco comunidades e outras dez pediram para entrar no circuito. Hoje
também há apoio da Secretaria de Cultura e Turismo de Queimados, mas a ideia é angariar
financiamento para levar a iniciativa a outras cidades.

— Temos muitos relatos de pessoas que nunca entraram num cinema. A gente optou por começar
pelos bairros mais afastados justamente por serem aqueles mais carentes de opção de lazer.
Fazemos as apresentações, em geral, em espaços abertos, como campos de futebol. Nosso primeiro
contato é com os líderes comunitários. A própria população se organiza para fornecer a pipoca e o
guaraná. A gente entra com a diversão — explica Daiane.

O sonho dela agora é ampliar o Cine Bike In com a aquisição de pelo menos mais oito bicicletas. A
programação não parou durante a pandemia, pelo contrário: abraçou a campanha de vacinação, na
ação batizada de VacinArte, em que equipes da Secretaria de Saúde imunizam o público contra a
Covid-19, de acordo com o calendário da cidade, antes de cada sessão.

Um fusca rosa
Assim como uma bicicleta levou momentos de lazer a moradores de Queimados, um fusca modelo
1979 estacionou no último dia 24 em uma praça da Pavuna para entreter a vizinhança. Na véspera,
foi pilotado até Éden, bairro de São joão de Meriti. O carro, com sua pintura cor-de-rosa, não
costuma passar despercebido, principalmente porque leva no teto o telão retrátil no qual exibiu,
nos dois endereços, o documentário “O silêncio dos homens”. As sessões do projeto Cine Rosa
Choque foram seguidas por debates a respeito de igualdade de gênero e cultura de paz, inspiradas
pela discussão sobre questões da masculinidade propostas pelo filme.

O inconfundível fusquinha rosa visita comunidades periféricas e quilombolas, vilarejos rurais e tribos
indígenas. Ao volante, Renata Lara, também conhecida como Prem Karima (que, ela explica, é seu
nome espiritual). A condutora conta que o projeto nasceu em 2020, patrocinado pela Secretaria
estadual de Cultura e Economia Criativa. Lançado em março, também com recursos da Lei Aldir

2/7
Blanc, na primeira turnê realizou oito exibições, divertindo cerca duas mil pessoas. As próximas
paradas serão a Rocinha, na Zona Sul, e o Morro da Casa Branca, na Tijuca, na Zona Norte.

— O fusca é um automóvel que está no inconsciente coletivo, está na memória afetiva dos adultos
e atrai a curiosidade das crianças. Por isso, chama a atenção por onde passa. A gente diz que ele é
uma “fábrica de sorrisos” — define Renata.

Com estrutura maior do que a dos outros dois projetos itinerantes sobre rodas, o Cinemão nasceu
há dez anos. Na época, favelas viviam a realidade da ocupação por forças de segurança, e o nome
foi adotado como contraponto ao caveirão, como é conhecido o blindado da polícia. O primeiro
veículo do projeto, uma caminhonete Rural, 1970, trazia na lataria os dizeres “Veículo de ocupação
tática em cultura”. A frota de um carro só mudou de patamar com a chegada de um jipe Land Rover,
fruto de parceria com uma montadora. O próprio automóvel é a cabine de projeção e a tela tem as
mesmas dimensões das de cinemas comerciais.

'Cinema nas janelas'


Com mais de 300 eventos já realizados, o Cinemão ganhou formato sustentável, com uso de energia
fotovoltaica para abastecer o sistema de projeção, e passou a se chamar Cinemão Solar. Depois de
viajar por oito municípios, a programação diminuiu com o agravamento da pandemia, mas não
parou. Adaptada à realidade imposta pelo isolamento social, virou “Cinema nas janelas”, levando
exibições a muros e paredes de conjuntos habitacionais para que as pessoas pudessem assistir a
filmes sem sair de casa. Com o avanço da vacinação, a volta às ruas está prevista para o dia 12, Dia
das Crianças, em Sulacap, na Zona Oeste.

— Estamos buscando as autorizações da prefeitura — afirma Cid César Augusto, idealizador do


projeto.

Também dentro do edital da Lei Aldir Blanc, há pelo menos mais 15 exibições programadas para o
Rio, todas na Zona Oeste.

—A formação de plateia é um dos nossos objetivos, além de despertar o interesse para o cinema
nacional e promover um encontro social que leve debates sobre questões como segurança,
mobilidade e meio ambiente — aponta Cid.

Um projeto já consolidado, o Cinemão começa a produzir seus próprios filmes: já concluiu seis
curtas, dois médias e três longas-metragens. Breve, num cinema, ou numa praça, perto de você.

...

Link para a matéria:


https://oglobo.globo.com/rio/projeto-itinerante-no-rio-leva-experiencia-de-cinema-locais-sem-salas-de-exibicao-25222712

3/7
PROJETOS LEVAM CINEMA AOS 'SEM TELAS' DO RIO

Projeto Cine Bike In, na comunidade Caixa D'Agua, em Queimados. Espalhados pelo chão de um campinho de pelada
na comunidade, moradores assistem à sessão de filmes. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Para alcançar a plateia, estrutura de projeção é transportada de fusca, de jipe e até de bicicleta até as comunidades
que não dispõem de dispositivos culturais, como salas de cinema. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

4/7
O Cine Bike In recorre a uma bicicleta, um projetor e uma tela inflável para levar produções audiovisuais à população
mais desfavorecida. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Sessão do Cine Rosa Choque. Fusca modelo 1979 estacionou no último dia 24 em uma praça da Pavuna para
entreter a vizinhança. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

5/7
Em frente ao metrô da Pavuna, tela é armada sobre o teto de um fusca para que os filmes sejam projetados.
Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Projeto exibiu o documentário “O silêncio dos homens”. As sessões foram seguidas por debates a respeito de
igualdade de gênero e cultura de paz. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

6/7
Projetos que levam exibição de filmes a comunidades carentes e sem equipamentos culturais representam para
muitas pessoas a primeira experiência diante da tela grande. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Além ajudar na formação de público, a programação inclui rodas de debate sobre temas de interesse geral.
Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

7/7

Você também pode gostar