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Walter F. Wreszinski∗1
1
Instituto de Fı́sica, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Relembramos alguns aspectos da visão de J. A. Swieca sobre os problemas básicos da fı́sica teórica no
ano em que ele faria 80 anos.
Palavras-chave: fı́sica teórica; teoria de campos; Swieca.
We refer to some aspects of J. A. Swieca’s vision of the basic problems of theoretical physics, in the
80th anniversary of his birth.
Keywords: theoretical physics; field theory; Swieca.
gostaria de ilustrar esses fatos, relacionando-os, em nuclear e de campos, para todos os alunos de pós-
lugares adequados, ao trabalho de Swieca. graduação, no estilo de Martin e Rothen [17].
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 3, e3601, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0099
Wreszinski e3601-3
“quando o Hamiltoniano é invariante por um grupo global da teoria, esperando-se que a ocorrência de
de simetria mas o estado não o é”. No caso da EDQ2, fótons massivos (e consequente ausência de parti-
os vácuos puros são justamente os vácuos “θ”. culas carregadas) ocorra por motivos topológicos
A quebra de simetria contı́nua tem como con- (veja o prefácio de [31]). Seria muito interessante
sequência (teorema de Goldstone) a existência de fazer essa demonstração algebricamente, na linha da
partı́culas de massa nula em teoria de campos e, teoria exposta por Buchholz e colaboradores [29].
em teorias de matéria condensada, a existência de Na referência [30], observa Swieca que a geração
um ramo de excitações elementares com energia ten- de massa em EDQ2 é “intrı́nseca, não requerendo
dendo a zero [19]. Entretanto, em muitas teorias nenhum campo de Higgs”. É o que Farhi e Jackiw
fı́sicas, como a QCD, procura-se um mecanismo de no prefácio de [31] denominam geração dinâmica
geração de massa, isto é, uma maneira de “evitar” de massa, e relacionam ao Ansatz de London na
o teorema de Goldstone, mesmo na presença de sime- teoria da supercondutividade.
trias contı́nuas. Em matéria condensada, um desses A observação acima de Swieca de não requerer
mecanismos é a existência de interações de longo nenhum campo de Higgs é importante. Dütsch e Sch-
alcance, como mencionado na seção 2, que gera uma roer [32] demonstraram em teoria de perturbações
lacuna de energia (veja o exemplo do ferromagneto que, de fato, o campo de Higgs não precisa ser ”co-
dado por Haag em [3]). Outro mecanismo, também locado a mão”, mas é um requisito da renormaliza-
analisado por Haag na mesma referência, é o de bilidade de uma teoria de mésons vetoriais massivos.
que as simetrias não gerem correntes conservadas Nesse sentido a interação caracterı́stica nos livros-
(e, portanto, o que se chama um “automorfismo” da texto de “chapéu mexicano” do campo escalar de
álgebra de operadores, necessário para demonstrar o Higgs sai da teoria de forma natural. Também aqui
teorema [19]). É este último precisamente que ocorre
p não há informação sobre a estrutura global da teo-
na EDQ2 [4], no calibre não-covariante α = (π), ria, mas deve ser observado que o mecanismo usual
em que nem as transformações de calibre, nem as de Higgs é também apenas perturbativo; em [33]
transformações quirais (os férmions na EDQ2 são há uma análise deste fato, e lá consta mesmo a ob-
de massa nula) são conservadas. A não-conservação servação de que a validade do mecanismo de Higgs
da corrente quiral se deve ao análogo bidimensional fora de teoria de perturbações é duvidosa. Essa
da anomalia de Adler-Bell-Jackiw ( [23], [24]); veja última asserção tem uma confirmação importante
o artigo de Swieca ( [30], pg. 317). Os elétrons desa- em teoria de calibre na rede, com campo escalar não-
parecem completamente do quadro, a carga Q = 0 compacto, em que para acoplamento suficientemente
e os fótons se tornam massivos; fala-se de “blinda- grande o fóton se torna sem massa [34].
gem de carga”, que Swieca, Buchholz e Fredenhagen Na verdade, há um motivo pelo qual o mecanismo
( [25], [26]) mostraram ser uma decorrência da cova- de Higgs apresentado nos livros-texto (veja, por
riança de Lorentz e microcausalidade em qualquer exemplo, [17]) é inaceitável, mesmo perturbativa-
teoria de calibre abeliana sem partı́culas de massa mente: a massa que corresponde ao valor esperado
nula. Uma exceção a esse teorema é a dimensionali- no vácuo do campo de Higgs não é invariante de
dade d = 2 do espaço-temporal, isto é, exatamente calibre (veja [35]). De fato, já há indicações desse
o caso da EQD2. O caso d = 3, isto é, da EQD3, foi fenômeno em teoria clássica de campos no calibre
estudado por Deser, Jackiw e Templeton [27], em unitário de Weinberg [13], em que só aparecem mas-
teoria de perturbações renormalizada, onde se veri- sas positivas. O modelo descrito por Coleman [36] é
ficou que o fóton também se tornava massivo, mas, uma versão quântica desse fato; citando Coleman,
infelizmente, a massa do fóton depende da regula- ”ninguém a quem fosse apresentada a teoria final
rização adotada. No estudo da EDQ3 por Scharf, desse modelo poderia declarar que ela resultasse do
Wreszinski, Pimentel e Tomazelli [28], utilizando fenômeno de Higgs, pois ele não deixa rastros”. O
a teoria de perturbações causal de Epstein-Glaser, fato de que o mecanismo nada tem a ver com a qes
desaparece esta ambiguidade. O teorema de Swieca- é também claro por que em qes temos Q = ∞, en-
Buchholz-Fredenhagen é aplicável à EQD3; portanto, quanto na geração dinâmica de massa temos Q = 0,
lá se espera também uma bosonização semelhante à de acordo com uma observação de Bert Schroer [37].
que ocorre em EQD2, mas a teoria de perturbações Os dois exemplos acima - qes e geração dinâmica
não fornece nenhuma informação sobre a estrutura de massa - ilustram que a precisão conceitual pode
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0099 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 3, e3601, 2016
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acarretar uma profunda modificação de critérios [17] Ph. A. Martin and F. Rothen, Many Body Pro-
bem estabelecidos e até universalmente aceitos. blems and Quantum Field Theory - An introduction
(Springer, New York, 2004).
[18] P.W. Anderson, Phys. Rev. 112, 1900 (1958).
4. Conclusão [19] J.A. Swieca, Cargèse Lectures in Physics, Volume
4, edited by D. Kastler (Gordon and Breach, New
Meu objetivo nesse artigo foi tentar contribuir para York, 1970).
que gerações futuras continuem a ser inspiradas, [20] W.F. Wreszinski and V.A. Zagrebnov, On Ergo-
como eu fui, pela visão profunda e ampla de Swieca dic States, Spontaneous Symmetry Breakdown and
dos problemas básicos da fı́sica teórica. Seria impor- Bogoliubov Quasi Averages (Marseille, São Paulo,
tante reeditar suas obras coligidas [9], com o prefácio 2016).
[21] O. Penrose and L. Onsager, Phys. Rev. 104, 576
de Bert Schroer, para preservar essa memória.
(1956).
[22] D. Ruelle, Statistical Mechanics - Rigorous Results
Agradecimentos (W.A. Benjamin Inc., New York, 1969).
[23] S.L. Adler, Phys. Rev. 177, 2426 (1969).
Gostaria de agradecer ao Prof. Roman Jackiw por [24] J.S. Bell and R. Jackiw, Nuovo Cim. A 51, 47 (1969).
um email informativo sobre o “estado da arte” em [25] J.A. Swieca, Phys. Rev. D 13, 312 (1976).
EQD3, e ao Prof. João Barata pelos comentários em [26] D. Buchholz and K. Fredenhagen, Nucl. Phys. B
154, 226 (1979).
um email recente e também por ter me chamado a
[27] S. Deser, R. Jackiw and S. Templeton, Ann. Phys.
atenção sobre a importante referência [34]. 140 372, (1982).
[28] G. Scharf, W.F. Wreszinski, B.M. Pimentel and J.L.
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