Você está na página 1de 2

Rússia versus Geórgia

O que está em jogo na guerra do Cáucaso

Antonio Carlos Olivieri


Ainda não terminou por completo a guerra entre a Rússia e a Geórgia, iniciada
em 8 de agosto. O conflito ocorreu em função do projeto separatista da Ossétia
do Sul e da Abkházia, mas está relacionado a problemas étnicos e nacionais que
datam da dissolução da União Soviética.
Repete-se no Cáucaso o que já havia acontecido nos Bálcãs, com a independência
do Kosovo, em fevereiro de 2008, que estava relacionada à dissolução da
Iugoslávia. Por isso, para entender o conflito russo-georgiano, é necessário levar
em consideração outros eventos ocorridos anteriormente nessa região geográfica
em que Europa e Ásia se limitam.
Em primeiro lugar, convém recordar o que era a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, uma federação criada em 1922, ao fim da guerra civil desencadeada
pela Revolução Russa. A Revolução implantou o socialismo no Império russo, que
incluía a Rússia, a Ucrânia, a Bielorússia (atual Belarus) e a Transcaucásia
(Armênia, Azerbaijão e Geórgia). Gradualmente, a URSS chegou a abranger 15
repúblicas, até 1991 quando o regime socialista entrou em colapso.
Colapso da URSS
Ainda antes que isso acontecesse, em 1989, a região da Ossétia do Sul havia
declarado autonomia em relação à República Socialista Soviética da Geórgia,
aproximando-se da Rússia, que dominava a União Soviética. Com a dissolução da
URSS, em 1991, a Geórgia tornou-se uma república independente. A Ossétia do
Sul procurou seguir pelo mesmo caminho, proclamando sua independência em
relação à Geórgia.
Disso resultou uma guerra entre a Geórgia e a Ossétia do Sul que se estendeu até
1992. A Rússia intermediou a paz entre as duas. A atuação russa, porém, estava
condicionada por seus interesses nacionais, que implicam intenções de
transformar em área de influência russa tanto a Ossétia do Sul quanto a própria
Geórgia.
No que se refere à Ossétia do Sul, a Rússia chegou a distribuir passaportes russos
para os ossetianos, de modo a poder declarar que sua intervenção na região tinha
como objetivo a proteção de cidadãos russos. Desde a presidência de Vladimir
Putin, quando emergiu do caos posterior ao colapso soviético e se tornou uma
potência emergente, a Rússia anseia por retomar a posição hegemônica que
ocupou na Europa e no Cáucaso, nos tempos de URSS.
A Geórgia, por sua vez, caminhava no sentido contrário às ambições russas,
particularmente a partir de 2004, com a eleição do presidente Mikhail
Saakashvili, que tentou levar o país à Otan (Organização do Tratado do Atlântico
Norte), além de se aproximar dos Estados Unidos, de modo a escapar ao poderio
russo.
Kosovo e Otan
A proclamação de independência do Kosovo, em relação à Sérvia, foi a deixa que
a Ossétia do Sul esperava para retomar suas pretensões separatistas. Ao mesmo
tempo, a tentativa georgiana de entrar para a Otan foi a deixa que a Rússia
esperava para apoiar a independência da Ossétia do Sul, baseada também no fato
de a região abrigar grande número de "cidadãos russos".
No entanto, se o caldeirão está fervendo há tanto tempo, o que levou a Geórgia a
agir exatamente em agosto de 2008, mandando suas tropas para a Ossétia do Sul?
Um analista do jornal britânico "The Guardian", lembra que o presidente
Saakashvili está enfrentado uma crise econômica e uma fase de
impopularidade.Com a invasão da Ossétia do Sul, ele estaria resolvendo um
problema nacional pendente há anos e conquistaria o apoio popular, a pretexto
de enfrentar o inimigo externo. Além disso, Saakashvili não contava com uma
reação russa, certo de que Putin não teria coragem de enfrentar militarmente um
aliado dos Estados Unidos.
Cessar-fogo
Como se viu, faltou combinar a jogada com os russos. Estes reagiram duramente
à ação georgiana, independentemente dos protestos dos norte-americanos. A
Rússia aceitou em 12 de agosto o cessar-fogo negociado pelo presidente da
França, Nicolas Sarkozy, em parte porque já atingiu seus objetivos, mostrando ao
mundo que está disposta a lutar para manter a hegemonia sobre a região.
Cacife não lhe falta para isso: além de riquezas provenientes do gás e do
petróleo, a Rússia mantém quase um monopólio do fornecimento de energia para
a Europa. Conta ainda com um milhão de soldados, milhares de ogivas nucleares
e o terceiro maior orçamento militar do mundo.Desse modo, as tropas de Putin e
seus aliados ossetianos ainda não estão respeitando o cessar-fogo: atrocidades
continuam sendo cometidas contra os georgianos. "Ai dos vencidos", disse o
ditador romano Júlio César, há mais de dois mil anos.

Você também pode gostar