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FGV

Cálculo Vetorial - Integrais Múltiplas


Matheus Secco
matheussecco@gmail.com

1 Rápida revisão sobre integral de Riemann na reta

Considere uma função f : [a, b] → R limitada. A ideia da integral de Riemann é dar sentido à área
da região situada sob o gráfico da função f no intervalo [a, b]. Formalmente, tomamos uma partição
a = x0 < x1 < . . . < xn = b do intervalo [a, b], denotada por P. Definimos então as somas inferior e
superior de f com relação a P:
X
n−1
L(f, P) = inf f(t) · (xi+1 − xi ),
t∈[xi ,xi+1 ]
i=0

X
n−1
U(f, P) = sup f(t) · (xi+1 − xi ).
i=0 t∈[xi ,xi+1 ]

Com isso, podemos definir as integrais inferior e superior de f:


Zb
f(x)dx = sup L(f, P),
a P

Zb
f(x)dx = inf U(f, P),
a P
Rb
onde o supremo e o ı́nfimo são tomados sob todas as partições P do intervalo [a, b]. Quando a f(x)dx =
Rb
a
f(x)dx, dizemos que f é integrável a Riemann e este valor comum é dito a integral de f no intervalo
Rb
[a, b], representada por a f(x)dx.

2 Integral de Riemann em mais dimensões

2.1 Primeira Definição

Um bloco n-dimensional é um produto cartesiano de n intervalos fechados não degenerados. Se B =


[a1 , b1 ] × . . . × [an , bn ], o volume deste bloco é

vol(B) = (b1 − a1 )(b2 − a2 ) . . . (bn − an ).

Uma partição de B é um produto cartesiano P = P1 × . . . Pn , onde cada Pi é uma partição de [ai , bi ]. Os


produtos cartesianos dos subintervalos das partições Pi são chamados sub-blocos de P. Denotaremos por
S(P) o conjunto dos sub-blocos de P e por p(B) o conjunto das partições de B.
Consideremos agora uma função f : B → R limitada, onde B é um bloco n-dimensional. Dada uma partição
P de B, definimos as somas inferior e superior de f com relação a P:

1
X
L(f, P) = inf f(β) vol(β),
β∈S(P)
X
U(f, P) = sup f(β) vol(β),
β∈S(P)

onde inf f(β) = inf{f(x) : x ∈ β} e sup f(β) = sup{f(x) : x ∈ β}.


Com isso, podemos definir as integrais inferior e superior de f:

Z
f = sup L(f, P),
B P∈p(B)

Z
f = inf U(f, P).
B P∈p(B)

Dizemos que f : B → R limitada é integrável a Riemann quando as suas integrais inferior e superior
R
coincidem e este valor comum é dito a integral de f sobre B, representada por B f. A integral de Riemann
possui algumas propriedades bastante razoáveis:

Teorema 1. Sejam f, g : B → R funções integráveis no bloco B ⊂ Rn . Então:


R R R
(a) f + g é integrável e B
(f + g) = B
f+ B
g.
R R
(b) Para todo c ∈ R, c · f é integrável e B
(cf) = c B
f.
R R R
(c) Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ B, então B
f ≥ 0. Logo, se f(x) ≥ g(x) para todo x ∈ B, então B
f≥ B
g.
R R
(d) |f| é integrável e | B
f| ≤ B
|f|.

2.2 Uma definição alternativa

Dado um bloco B, uma partição indexada de B é um par ordenado (P, ξ) tal que P é uma partição de B
e ξ é uma aplicação de S(P) em B, com ξ(β) ∈ β para todo β ∈ S(P) (ou seja, ξ escolhe um ponto em cada
sub-bloco de P). Para cada partição indexada (P, ξ), definimos a soma de Riemann associada, S(f, P, ξ),
por:
X
S(f, P, ξ) = f(ξ(β)) vol(β).
β∈S(P)

A integral de f sobre B é definida (caso exista) por:

Z
f = lim S(f, P, ξ),
B |P|→0

onde |P| representa a norma da partição P, definida como o maior entre os comprimentos dos sub-intervalos
R
das partições Pi , com P = P1 ×. . .×Pn . Este limite deve ser entendido como: existe um número real I = B f
tal que para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que se |P| < δ e ξ é qualquer, então |S(f, P, ξ) − I| < ε.

Observação 1. Na verdade, esta é a definição de Riemann, enquanto a primeira definição que vimos é
devida a Darboux. Provaremos adiante que as duas definições são equivalentes.

2
Exemplo 1. Calcule  
1 1 1
lim + + ... + .
n→∞ n+1 n+2 2n
Solução:
Considere a função f : [0, 1] → R dada por f(x) =
e observe que 1
1+x
      n 
1 1 1 1 1 2
+ + ... + = f +f + ... + f .
n+1 n+2 2n n n n n
Esta é uma soma de Riemann com partições cujas normas convergem para 0. Assim o limite pedido é
Z1
1
dx = ln 2.
0 1 + x


2.3 Integrais sobre conjuntos mais gerais

Seja X ⊂ Rn um conjunto limitado e seja f : X → R uma função limitada. Para definir a integral de f sobre
X, consideraremos um bloco n-dimensional B tal que X ⊂ B e estenderemos f a f : B → R de forma que
f(x) = 0, se x ∈ B \ X e f(x) = f(x), se x ∈ X. Se f é integrável, dizemos que f é integrável e temos

Z Z
f= f.
X B

Não é difı́cil demonstrar que a definição acima não depende da escolha do bloco B. Além disso, as mesmas
propriedades listadas no Teorema 1 são válidas para integrais sobre conjuntos mais gerais.

2.4 Critério de integrabilidade

Toda função contı́nua definida em um bloco é integrável (exercı́cio da lista). Por outro lado, existem
funções não integráveis, como por exemplo, a função indicadora de Q ∩ [0, 1]. Observe que esta função é
descontı́nua em todos os pontos de seu domı́nio. Desta forma, uma pergunta natural é: quão descontı́nua
pode ser uma função e ainda ser integrável? Para responder a esta pergunta, introduziremos o conceito de
conjuntos de medida nula.

Definição 1. Dizemos que X ⊂ Rn tem medida nula quando para todo ε > 0 dado, existe uma sequência
de blocos abertos Int B1 , Int B2 , . . . tal que

[ X

X⊂ Int Bi e vol(Bi ) < ε.
i=1 i=1

O seguinte teorema é um critério para decidir se uma função definida em um bloco é integrável.

Teorema 2 (Lebesgue). Uma função f : B → R, limitada no bloco B, é integrável se, e somente se, o
conjunto dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.

Para uma função definida em um conjunto limitado X, devemos, como já vimos, considerar um bloco B tal
que X ⊂ B e considerar a extensão f : B → R, que toma valores nulos em B \ X. Desta forma, devemos
entender o conjunto dos pontos de descontinuidade de f para decidir se f é integrável. Observemos que os

3
pontos de descontinuidade de f ou já eram descontinuidades de f ou estão na fronteira de X (lembre que a
fronteira ∂X de X é o conjunto dos pontos a ∈ Rn tais que toda vizinhança de a contém pontos de X e de
Rn \ X). Daremos então agora uma definição que engloba conjuntos “bem comportados”.

Definição 2. Dizemos que o conjunto limitado X ⊂ Rn é Jordan-mensurável (ou J-mensurável)


quando a função

1 :X → R

x 7→ 1

é integrável. Neste caso, seu volume é dado por


Z
vol(X) = 1.
X

A seguinte caracterização é verdadeira para conjuntos J-mensuráveis:

Teorema 3. Um conjunto limitado X é J-mensurável se, e somente se, sua fronteira ∂X tem medida nula.

Com este resultado, temos a seguinte caracterização de funções integráveis definidas em um conjunto
J-mensurável:

Teorema 4. Seja X ⊂ Rn um conjunto J-mensurável. Uma função limitada f : X → R é integrável se, e


somente se, o conjunto dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.

2.5 Integrais Impróprias

Até o momento, lidamos apenas com integrais de funções limitadas, definidas em conjuntos limitados.
Queremos estender então a noção de integral para o caso de conjuntos não necessariamente limitados
e de funções não necessariamente limitadas. Uma integral englobando algum destes casos é chamada
normalmente de integral imprópria.
Trabalharemos com funções que atendam ao critério de integrabilidade de Lebesgue, ou seja, funções tais
que o conjunto dos pontos de descontinuidade tem medida nula. A primeira coisa a ser feita é: dada
uma função f : X → R, com X ⊂ Rn , estendê-la a Rn fazendo f(x) = 0, se x 6∈ X. Assim, podemos
considerar que todas as funções tem por domı́nio o espaço inteiro. Feito isso, decompomos f = f+ − f− ,
onde f+ (x) = max{f(x), 0} e f− (x) = max{−f(x), 0} (f+ é dita parte positiva de f e f− é dita parte negativa
de f). Isto nos permitirá lidar com o caso em que a função toma apenas valores não negativos e o caso
geral se reduz a tomar a diferença entre as integrais de f+ e f− . Veremos agora como lidar com o caso de
funções limitadas e em seguida com funções não limitadas.
Caso 1 (Funções limitadas não-negativas): Temos uma função limitada f : Rn → [0, +∞[, cujo
conjunto dos pontos de descontinuidade tem medida nula. Tomamos agora regiões limitadas que crescem
para Rn e vemos para onde as integrais convergem:

Z Z
f = lim f.
Rn a→+∞ [−a,a]n

4
Observação 2. Alternativamente, podemos substituir, por exemplo, os cubos [−a, a]n por bolas de centro
na origem e raio a.

Caso 2 (Funções ilimitadas não negativas): Temos agora uma função f : Rn → [0, +∞[, cujo conjunto
dos pontos de descontinuidade tem medida nula, mas que não é limitada. Truncaremos f na altura h,
fazendo

fh : Rn → [0, +∞]


f(x), f(x) ≤ h
x 7→ fh (x) =

h, f(x) > h.

Agora fh recai no caso 1 e podemos definir


Z Z
f = lim fh .
Rn h→+∞ Rn

Caso Geral: Dada agora uma função f : Rn → R cujo conjunto dos pontos de descontinuidade seja de
medida nula, decompomos f = f+ − f− , utilizamos um dos casos anteriores, e escrevemos
Z Z Z
f= f+ − f− .
Rn Rn Rn

A diferença acima só não faz sentido quando f+ e f− tiverem ambas integrais infinitas.

3 Métodos para calcular integrais

3.1 Integração iterada (Fubini)

Iniciemos com uma discussão intuitiva sobre integrais de funções definidas em blocos de R2 . Mais precisa-
mente, seja f : B → R, onde B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ], uma função integrável. A integral de f sobre B traduz
a ideia do volume da região situada abaixo do gráfico de f. Desta maneira, é natural que para calcular tal
volume, nós fatiemos a região cujo volume queremos calcular, encontremos a área de cada fatia e depois
integramos tudo. Em outras palavras, é esperado que sob boas condições, valha
Z Z b1 Z b2 
f= f(x, y)dy dx.
[a1 ,b1 ]×[a2 ,b2 ] a1 a2

Entretanto, algumas sutilezas podem ocorrer. Por exemplo, podemos ter uma função f integrável em B tal
Rb
que a integral a22 f(x, y)dy não exista para todo x. Isto pode ser corrigido da seguinte maneira:

Teorema 5 (Fubini). Seja f : B1 × B2 → R integrável, onde B1 ⊂ Rm e B2 ⊂ Rn são dois blocos. Então


Z Z Z  Z Z 
f(x, y)dxdy = f(x, y)dy dx = f(x, y)dx dy.
B1 ×B2 B1 B2 B2 B1

Observação 3. O mesmo resultado vale trocando as integrais superiores por integrais inferiores.

Observação 4. Se f : B1 × B2 → R é contı́nua, temos


Z Z Z  Z Z 
f(x, y)dxdy = f(x, y)dy dx = f(x, y)dx dy.
B1 ×B2 B1 B2 B2 B1

5
Podemos também estender o Teorema de Fubini para regiões não retangulares. Para isso, iremos nos
restringir a regiões chamadas de regiões simples.

Definição 3. Seja C um conjunto compacto J-mensurável em Rn−1 e sejam φ, ψ : C → R funções contı́nuas


tais que φ(x) ≤ ψ(x) para todo x ∈ C. Se k + ` = n − 1 e y, z denotam pontos genéricos de Rk e R` ,
respectivamente, um conjunto da forma

S = {(y, t, z) : (y, z) ∈ C e φ(y, z) ≤ t ≤ ψ(y, z)}

é dito simples.

Com isso, podemos enunciar o teorema a seguir:

Teorema 6 (Fubini para regiões simples). Seja

S = {(y, t, z) : (y, z) ∈ C e φ(y, z) ≤ t ≤ ψ(y, z)}

uma região simples em Rn . Seja f : S → R contı́nua. Então


Z Z Z ψ(y,z) !
f= f(y, t, z)dt .
S (y,z)∈C φ(y,z)

Observação 5. Se o conjunto S não é uma região simples, geralmente podemos decompor S como união
de regiões simples cujas interseções tem medida nula. Desta forma, basta integrar sobre cada uma destas
regiões simples e depois somar o resultado obtido.

Vejamos agora exemplos de como este teorema pode ser utilizado.

Exemplo 2. Calcule Z3 Z9
3
x3 ey dydx.
0 x2

Solução:
Se tentarmos resolver este problema integrando em y diretamente, não conseguiremos, pois a função y 7→
3
ey não possui uma primitiva facilmente calculável. Desta forma, a abordagem que utilizaremos é trocar a
ordem de integração. Observe que a região onde estamos integrando é

D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 3, x2 ≤ y ≤ 9}.

Reescreva então a região como



D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ y, 0 ≤ y ≤ 9}.

6
Com isso, a integral desejada é
Z 9 Z √y Z9 x=√y
x4

y3 y3
x3 e dxdy = e dy
0 0 0 4 x=0
Z
1 9 y3 2
= e y dy
4 0
1 h y3 iy=9
= e
12 y=0
729
e −1
= .
12

RR
Exemplo 3. Calcule D
(x + y)dxdy, onde D é o triângulo de vértices (−1, 0), (0, 1) e (1, 0).

Solução:
Observe inicialmente que podemos escrever

D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ 1 e y − 1 ≤ x ≤ 1 − y}.

Com isso, a integral pedida é


Z 1 Z 1−y Z1  x=1−y
x2
(x + y)dxdy = + xy dy
0 y−1 0 2 x=y−1
Z1
= (2y − 2y2 )dy
0
y=1
2y3

2 1
= y − = .
3 y=0 3


Exemplo 4. Encontre o volume do sólido limitado pelos cilindros x2 + y2 = a2 e x2 + z2 = a2 , onde a é


uma constante positiva.

Solução:
A região que queremos calcular o volume pode ser descrita por

W = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 ≤ a2 e x2 + z2 ≤ a2 }.

Uma outra forma de descrever esta região é por:


p p p p
W = {(x, y, z) ∈ R3 : −a ≤ x ≤ a , − a2 − x2 ≤ y ≤ a2 − x2 , − a2 − x2 ≤ z ≤ a2 − x2 }

Com isso, o volume pedido é


Z a Z √a2 −x2 Z √a2 −x2 Za
√ √ dxdydz = 4 (a2 − x2 )dx
−a − a2 −x2 − a2 −x2 −a
x=a
x3 2a3 16a3
  
2 3
=4 a x− = 4 2a − = .
3 x=−a 3 3

RRR
Exemplo 5. Calcule W
zdxdydz, onde W é a região no primeiro octante limitada pelos planos y = 0,
z = 0, x + y = 2, 2y + x = 6 e o cilindro y2 + z2 = 4.

7
Solução:
A região W pode ser descrita por

W = {(x, y, z) ∈ R3 : x ≥ 0, y ≥ 0, z ≥ 0, x + y ≥ 2, 2y + x ≤ 6, y2 + z2 ≤ 4}.

Uma outra maneira de descrever W é:


p
W = {(x, y, z) ∈ R3 : 0 ≤ y ≤ 2 , 2 − y ≤ x ≤ 6 − 2y , 0 ≤ z ≤ 4 − y2 }.

Com isso,
ZZZ Z 2 Z 6−2y Z √4−y2
zdxdydz = zdzdxdy
W 0 2−y 0
Z2
1
= (4 − y)(4 − y2 )dy
2 0
Z
1 2 26
= (16 − 4y − 4y2 + y3 )dy = .
2 0 3


Vamos enunciar agora uma versão do Teorema de Fubini em R2 para integrais impróprias, que pode ser
útil.

Teorema 7 (Fubini para integrais impróprias). Seja f : R2 → R uma função com um número finito de
pontos de descontinuidade tal que Z
|f| < +∞.
[a,b]×[c,d]

Então Z Z b Z d  Z d Z b 
f= f(x, y)dy dx = f(x, y)dx dy.
[a,b]×[c,d] a c c a

No caso de funções não negativas, a primeira hipótese pode ser removida. Este teorema é conhecido como
Teorema de Tonelli.

Teorema 8 (Tonelli). Seja f : R2 → R uma função não negativa com um número finito de pontos de
descontinuidade. Então
Z Z b Z d  Z d Z b 
f= f(x, y)dy dx = f(x, y)dx dy.
[a,b]×[c,d] a c c a

Observação 6. Nos dois teoremas acima, os limites de integração podem ser finitos ou infinitos. Além
disso, é possı́vel generalizar os dois teoremas para mais dimensões, fazendo as modificações apropriadas.

3.2 Mudança de Variáveis

Faremos uma discussão informal antes de enunciar, com mais cuidado, o teorema de mudança de variáveis.
Imagine que queremos calcular a integral de uma função f : R2 → R sobre uma determinada região R, ou
seja, queremos calcular ZZ
f(x, y)dxdy.
R
Suponha que x = φ(u, v) e y = ψ(u, v), de forma que haja uma correspondência injetora entre a região R
e uma região R 0 no plano uv.

8
Consideremos agora um retângulo contido em R 0 de vértices (u, v), (u+∆u, v), (u, v+∆v) e (u+∆u, v+∆v),
onde ∆u e ∆v são muito pequenos.
Estes vértices são levados nos pontos (φ(u, v), ψ(u, v)), (φ(u+∆u, v), ψ(u+∆u, v)), (φ(u, v+∆v), ψ(u, v+
∆v)) e (φ(u + ∆u, v + ∆v), ψ(u + ∆u, v + ∆v)), que estão em R.
Como ∆u e ∆v são muito pequenos, vamos supor que a imagem do retângulo contido em R 0 é um parale-
logramo em R. Assim a área deste paralelogramo é dada pelo módulo do determinante abaixo


φ(u + ∆u, v) − φ(u, v) φ(u, v + ∆v) − φ(u, v)
.
ψ(u + ∆u, v) − ψ(u, v) ψ(u, v + ∆v) − ψ(u, v)

Observe agora que para ∆u e ∆v muito pequenos, temos

φ(u + ∆u, v) − φ(u, v) ≈ ∆uφu (u, v)


φ(u, v + ∆v) − φ(u, v) ≈ ∆vφv (u, v)
ψ(u + ∆u, v) − ψ(u, v) ≈ ∆uψu (u, v)

ψ(u, v + ∆v) − ψ(u, v) ≈ ∆vψv (u, v).

Obtemos assim que a área do paralelogramo é aproximadamente igual ao módulo do determinante




φu (u, v) φv (u, v)
∆u∆v.
ψu (u, v) ψv (u, v)

Sendo D tal determinante (ele é o jacobiano da transformação (u, v) 7→ (φ(u, v), ψ(u, v))), é razoável
esperar que ZZ ZZ
f(x, y)dxdy = f(φ(u, v), ψ(u, v))|D|dudv.
R R0
Iremos agora enunciar o teorema de mudança de variáveis, de forma geral.

Teorema 9 (Mudança de Variáveis). Considere g uma aplicação definida por

g(u1 , . . . , un ) = (x1 (u1 , . . . , un ), . . . , xn (u1 , . . . , un )),

onde x1 , . . . , xn são funções de classe C1 em um subconjunto aberto U ⊂ Rn . Seja Q um subconjunto


compacto contido em U tal que

(i) g é injetora em Q ,

(ii) o determinante do Jacobiano da aplicação g,



∂x1 ∂x1 ∂x1
∂u
1 ∂u2
... ∂un
∂x2 ∂x2 ∂x2
∂(x1 , x2 , . . . , xn ) ...
= ∂u. 1 ∂u2 ∂un

∂(u1 , u2 , . . . , un ) .. .. .. ..
. . .

∂xn ∂xn ∂xn
∂u1 ∂u2
. . . ∂un

é não nulo em Q.

Se f é integrável em g(Q), então


Z Z Z Z
∂(x1 , x2 , . . . , xn )
··· f(x1 , . . . , xn )dx1 . . . dxn = · · · f(g(u1 , . . . , un ))
du1 . . . dun .
g(Q) Q ∂(u1 , u2 , . . . , un )

9
∂(x1 ,x2 ,...,xn )
Observação 7. O teorema ainda é válido se ∂(u1 ,u2 ,...,un )
= 0 ou g deixa de ser injetora em subconjuntos
de Q que possam ser descritos por um ponto ou pelo gráfico de uma função contı́nua ou por uma união
finita de conjuntos destes dois tipos.
∂(x1 ,x2 ,...,xn )
Observação 8. Se ∂(u1 ,u2 ,...,un )
6= 0, temos

∂(x1 , x2 , . . . , xn ) 1
= ∂(u1 ,u2 ,...,un )
∂(u1 , u2 , . . . , un )
∂(x1 ,x2 ,...,xn )

Observação 9. É válido que se X ⊂ Rn é um conjunto J-mensurável e se T : Rn → Rn é uma transformação


linear, então
vol(T (X)) = | det T | · vol(X).
RRR p
Exemplo 6. Calcule W
zdxdydz, onde W é o sólido limitado pelas superfı́cies z = 8 − x2 − y2 e
2z = x2 + y2 .

Solução:
A região W pode ser descrita por:
x2 + y 2 p
W = {(x, y, z) ∈ R3 : ≤ z ≤ 8 − x2 − y2 }.
2
Façamos agora a mudança de variáveis x = r cos θ, y = r sen θ e z = z. Observemos agora que W é a
imagem do conjunto
r2 p
Q = {(r, θ, z) ∈ R3 : 0 ≤ r ≤ 2 , 0 ≤ θ ≤ 2π , ≤ z ≤ 8 − r2 }
2
por essa mudança de variáveis. O determinante do Jacobiano desta mudança de variáveis é:


cos θ −r sen θ 0
∂(x, y, z)
= sen θ r cos θ 0 = r(cos2 θ + sen2 θ) = r.

∂(r, θ, z)
0 0 1

Com isso, a integral pedida é


ZZZ Z 2 Z 2π Z √8−r2
rzdrdθdz = rzdzdθdr
Q 0 0 r2 /2
Z2
r4 28π
=π r(8 − r2 − )dr = .
0 4 3


Exemplo 7. Calcule o volume delimitado pelo elipsoide de equação


x2 y2 z2
+ + = 1,
a2 b2 c2
onde a, b, c são constantes positivas.

Solução:
Seja
x2 y 2 z 2
W = {(x, y, z) ∈ R3 : + + ≤ 1}.
a2 b2 c2

10
RRR
O volume que queremos calcular é W
dxdydz. Para isso, fazemos uma mudança de variáveis, que é uma
espécie de coordenadas esféricas: x = ar sen ϕ cos θ, y = br sen ϕ sen θ, z = cr cos ϕ. Observe que W é a
imagem do conjunto
Q = {(r, θ, ϕ) ∈ R3 : 0 ≤ r ≤ 1, 0 ≤ θ < 2π, 0 ≤ ϕ ≤ π}

por essa mudança de variáveis. O determinante do Jacobiano é




a sen ϕ cos θ −ar sen ϕ sen θ ar cos ϕ cos θ
∂(x, y, z)
= b sen ϕ sen θ br sen ϕ cos θ br cos ϕ sen θ = −abcr2 sen ϕ.

∂(r, θ, ϕ)
c cos ϕ 0 −cr sen ϕ

Com isso, temos


ZZZ ZZZ
dxdydz = abcr2 sen ϕdrdθdϕ
W Q
Z 1 Z 2π Z π
= abc r2 sen ϕdϕdθdr
0 0 0
Z1 Z π 
2
= 2πabc r sen ϕdϕ dθ
0 0
Z1

= 4πabc r2 dr = abc.
0 3


Exemplo 8. Calcule a integral ZZ


y
dxdy,
D x
onde D é a região do primeiro quadrante limitada pelas hipérboles x2 − y2 = 1, x2 − y2 = 4 e pelas retas
y = 0, y = x2 .

Solução:
y 1
Façamos a troca de variáveis u = x
e v = x2 − y2 . Com isso, temos que 0 ≤ u ≤ 2
e 1 ≤ v ≤ 4. Esta troca
de variáveis é bijetiva na região de interesse e temos

2
∂(u, v) −y/x 1/x 2 2 2
= = 2y /x − 2 = 2u − 2.
∂(x, y) 2x −2y

Logo
∂(x, y) 1
= 2
∂(u, v) 2(u − 1)
Como 0 ≤ u ≤ 12 , tomando o módulo do determinante do Jacobiano, a integral desejada é igual a
Z 1/2 Z 4 Z
u 3 1/2 u
2
dvdu = du
0 1 2(1 − u ) 2 0 1 − u2
3 u=1/2
= − ln(1 − u2 ) u=0
4  
3 3
= − ln .
4 4


11
Exemplo 9. Mostre que Z +∞
2 √
e−x dx = π.
−∞

Solução:
Seja Z +∞ Za
2 2
I= e−x dx = lim e−x dx.
−∞ a→+∞ −a

Com isso, temos


Za Za
2 −x2 2
I = lim e dx e−y dy
a→+∞ −a
ZZ −a
2 −y2
= lim e−x dxdy
a→+∞ [−a,a]×[−a,a]
ZZ
2 2
= e−x −y dxdy.
R2

Por outro lado, temos ZZ ZZ


−x2 −y2 2 −y2
e dxdy = lim e−x dxdy.
R2 R→∞ x2 +y2 ≤R2

Para calcular esta última integral, utilizaremos a seguinte mudança de variáveis (coordenadas polares):
x = r cos θ, y = r sen θ. Observe que o cı́rculo x2 + y2 ≤ R2 é a imagem do conjunto

Q = {(r, θ) ∈ R2 : 0 ≤ r ≤ R, 0 ≤ θ < 2π}

por esta mudança de variáveis. O determinante do Jacobiano é




∂(x, y) cos θ −r sen θ

= = r.
∂(r, θ) sen θ r cos θ

Com isso, segue que


ZZ ZZ
2 −y2 2
e−x dxdy = e−r rdrdθ
x2 +y2 ≤R2 Q
Z R Z 2π
2
= e−r rdrdθ
0 0
ZR
2 2
= 2π e−r rdr = π(1 − e−R ).
0

Finalmente, obtemos
2
I2 = lim π(1 − e−R ) = π,
R→∞

o que nos dá I = π.

4 Demonstrações de alguns resultados

4.1 Equivalência entre as definições

Para deixar a exposição mais clara, adotaremos aqui que uma função é integrável a Darboux se satisfaz a
primeira definição (com somas inferiores e superiores) e que uma função é integrável a Riemann se satisfaz
a segunda definição (com partições indexadas). Provaremos então o seguinte resultado:

12
Teorema 10. Seja f : B → R uma função limitada, onde B ⊂ Rn é um bloco. Segue que f é integrável a
Darboux se, e somente se, f é integrável a Riemann.

Para um dos sentidos da equivalência, o seguinte lema será necessário.

Lema 1. Seja f : B → R uma função limitada e integrável a Darboux, onde B ⊂ Rn é um bloco. Então,
para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que a seguinte propriedade vale: se P é uma partição de B com |P| < δ,
então
U(f, P) − L(f, P) < ε.

Demonstração. Suponha que M > 0 é tal que |f(x)| ≤ M para todo x ∈ M e digamos que as dimensões
de B são todas menores ou iguais a L. Observe inicialmente que se P é uma partição de B e P 0 é obtida a
partir de P adicionando-se um único ponto em um dos intervalos que geram P, então

L(f, P 0 ) − L(f, P) ≤ 2MLn−1 |P| e U(f, P) − U(f, P 0 ) ≤ 2MLn−1 |P|. (1)

Como f é integrável a Darboux, para todo ε > 0, existe partição P0 , com N pontos no total, tal que
ε
U(f, P0 ) − L(f, P0 ) < .
2
Seja P uma partição de B com |P| < δ = ε/8MNLn−1 . Seja P∗ o refinamento comum de P0 e P e observe
que P∗ é obtida a partir de P adicionando-se no máximo N pontos. Com isso, utilizando (1) sucessivas
vezes e observando que ao refinar uma partição, sua norma não aumenta, temos:

L(f, P∗ ) − L(f, P) ≤ 2MNLn−1 |P| e U(f, P) − U(f, P∗ ) ≤ 2MNLn−1 |P|.

Somando as duas desigualdades acima, obtemos

U(f, P) − L(f, P) ≤ U(f, P∗ ) − L(f, P∗ ) + 4MNLn−1 |P|


ε
< U(f, P0 ) − L(f, P0 ) + < ε,
2
uma vez que |P| < δ = ε/8MNLn−1 e U(f, P0 ) − L(f, P0 ) < ε/2.

Prova do Teorema 10:


Parte 1
R R
Suponha que f é integrável a Darboux e seja I = B
f= B
f. Pela definição de integrais inferior e superior,
temos L(f, P) ≤ I ≤ U(f, P) para qualquer partição P de B. Seja ε > 0 arbitrário e seja δ > 0 dado pelo
Lema 1. Seja (P, ξ) uma partição indexada qualquer com |P| < δ. Observe que

L(f, P) ≤ S(f, P, ξ) ≤ U(f, P).

Logo
S(f, P, ξ) − I ≤ U(f, P) − L(f, P) < ε,

pelo Lema 1. Analogamente, obtemos que

13
S(f, P, ξ) − I ≥ L(f, P) − U(f, P) > −ε.

Com isso, obtemos que


|S(f, P, ξ) − I| < ε,

como querı́amos.

Parte 2
Suponha agora que f é integrável a Riemann e seja I o valor da integral. Por definição, temos que para
todo ε > 0, existe δ > 0 tal que vale o seguinte: se P é partição de B com |P| < δ, então
ε
|S(f, p, ξ) − I| <
2
qualquer que seja a aplicação ξ. Tomemos então ξ de forma que para todo β ∈ S(P), valha:
ε
f(ξ(β)) > sup f(β) − .
2 vol(β)|S(P)|
Como
X
S(f, P, ξ) = f(ξ(β)) vol(β),
β∈S(P)
segue que
X ε
S(f, P, ξ) > sup f(β) vol(β) −
2
β∈S(P)
ε
= U(f, P) − .
2
Como |S(f, p, ξ) − I| < 2ε , obtemos então que U(f, P) ≤ I + ε. Uma vez que ε é arbitrário, temos que
R R R R
B
f ≤ I. Analogamente, obtemos que B
f ≥ I e como B
f ≤ B
f, temos
Z Z
f= f=I
B B

e, portanto, f é integrável a Darboux.

4.2 Critério de Lebesgue

Nosso objetivo aqui é provar o Teorema 2. Antes disso, iremos fazer alguns preparativos para a demons-
tração. Primeiro, o seguinte lema será útil.

Lema 2. Se B ⊂ Rn é um bloco, então ∂B possui medida nula.

Demonstração. Seja
B = [a1 , b1 ] × . . . × [an , bn ].

O subconjunto de B formado pelos pontos x = (x1 , . . . , xn ) ∈ B com xi = ai é uma das faces i-ésimas de
B. A outra face i-ésima é aquela formada pelos pontos x com xi = bi . Cada face de B tem medida 0; com
efeito, a face com xi = ai pode ser coberta pelo bloco aberto
1 1 1 1
(a1 − , b1 + ) × . . . × (ai − δ, ai + δ) × . . . × (an − , bn + ),
2 2 2 2

14
cujo volume pode ser tão pequeno quanto quisermos, tomando δ suficientemente pequeno.
Observe por fim que ∂B é a união das faces de B. Como há uma quantidade finita de faces (de fato 2n ),
temos que ∂B tem medida nula.

Agora introduziremos o conceito de oscilação de uma função em um determinado ponto de seu domı́nio.
Tal conceito mede o quanto uma função deixa de ser contı́nua em um ponto. Seja f : A → R, com A ⊂ Rn
um conjunto qualquer, limitada e seja a ∈ A. Para δ > 0, sejam

M(a, f, δ) = sup{f(x) : x ∈ A e |x − a| < δ},

m(a, f, δ) = inf{f(x) : x ∈ A e |x − a| < δ}.

A oscilação de f no ponto a é definida por

ω(f, a) = lim[M(a, f, δ) − m(a, f, δ)].


δ→0

Observe que M(a, f, δ) − m(a, f, δ) é decrescente em δ. Abaixo estão algumas propriedades referentes à
oscilação, cujas demonstrações são um bom exercı́cio.

Teorema 11. Seja f : A ⊂ Rn → R limitada.

(a) f é contı́nua em a ∈ A se, e somente se, ω(f, a) = 0.

(b) Se A é fechado, então para todo η > 0, o conjunto {x ∈ A : ω(f, x) ≥ η} é fechado.

Por fim, representaremos o conjunto dos pontos de descontinuidade de uma função f por Df .
Prova do Teorema 2:
Parte 1:
Seja M tal que |f(x)| ≤ M para x ∈ B e suponhamos que Df tem medida nula. Mostraremos que f é
integrável em B mostrando que para todo ε > 0, existe uma partição P de B tal que

U(f, P) − L(f, P) < ε.

Dado ε > 0, seja ε 0 (estranho, a princı́pio) dado por


ε
ε0 = .
2M + 2 vol(B)
Como Df tem medida nula, existem blocos abertos Int B1 , Int B2 , . . . com soma dos volumes menor que ε 0
tais que Df ⊂ ∞
i=1 Int Bi . Agora, para cada a ∈ B \ Df , como f é contı́nua em a, podemos tomar um bloco
S

aberto Int Ba contendo a tal que |f(x) − f(a)| < ε 0 para todo x ∈ B ∩ Ba . Assim, os blocos Int B1 , Int B2 , . . .
e Int Ba , com a ∈ B \ Df , formam uma cobertura aberta de B. Ora, como B é compacto, segue então que
esta cobertura aberta possui uma subcobertura finita, digamos, a menos de reordenar ı́ndices,

Int B1 , . . . , Int Bk , Int Ba1 , . . . , Int Ba` .

Por conveniência, denotaremos Baj = Bj0 . Assim os blocos

B1 , . . . , Bk , B10 , . . . , B`0

15
cobrem B, os blocos Bi satisfazem
X
k
vol(Bi ) < ε 0
i=1

e os blocos Bj0 satisfazem


|f(x) − f(y)| < 2ε 0

para quaisquer x, y ∈ B ∩ Bj0 . Sem mudar a notação, vamos trocar cada bloco Bi por sua interseção com
B e também cada bloco Bj0 por sua interseção com B. Estes novos blocos ainda cobrem B e satisfazem as
condições anteriores. Usamos agora as extremidades dos intervalos que geram os blocos Bi e Bj0 para definir
uma partição P de B. Divida o conjunto S(P) dos sub-blocos de P em dois subconjuntos disjuntos: S1 (P) é
formado pelos sub-blocos de P que estão contidos em algum dos blocos Bi e S2 (P) é formado pelos outros
sub-blocos, que estão contidos necessariamente em algum bloco Bj0 . Temos então
X X
(sup f(β) − inf f(β)) vol(β) ≤ 2M vol(β), (2)
β∈S1 (P) β∈S1 (P)

X X
(sup f(β) − inf f(β)) vol(β) ≤ 2ε 0 vol(β). (3)
β∈S2 (P) β∈S2 (P)

Observe agora que


X X
k
vol(β) ≤ vol(Bi ) < ε 0
β∈S1 (P) i=1
e que
X
vol(β) ≤ vol(B).
β∈S2 (P)

Com isso, somando (2) e (3), segue que

U(f, P) − L(f, P) < 2Mε 0 + 2ε 0 vol(B) = ε,

como querı́amos.
Parte 2:
Suponhamos agora que f é integrável em B. Para mostrar que Df tem medida nula, observe que Df = {a ∈
B : ω(f, a) > 0} e, portanto, podemos escrever

[ 1
Df = a ∈ B : ω(f, a) ≥
m=1
m
 1

e então basta mostramos que Dm = a ∈ B : ω(f, a) ≥ m
tem medida nula (o resultado geral segue do
fato de que a união enumerável de conjuntos com medida nula tem medida nula). Assim, dado ε > 0
arbitrário, vamos cobrir Dm com uma coleção enumerável de blocos abertos cuja soma dos volumes é
menor do que ε. Como f é integrável em B, existe uma partição P de B tal que
ε
U(f, P) − L(f, P) < .
2m
0
Seja Dm ⊂ Dm o conjunto formado pelos pontos de Dm que estão na fronteira de algum sub-bloco de P e
00
seja Dm = Dm \ Dm
0 0
. Vamos cobrir cada um dos conjuntos Dm 00
e Dm por blocos cuja soma dos volumes é

16
menor do que ε/2, o que nos dará uma cobertura de Dm por blocos com soma dos volumes menor do que
ε.
0
Para Dm , isto é fácil. De fato, pelo Lema 2, a fronteira de cada sub-bloco tem medida nula em Rn e assim
0 0
a união das fronteiras de todos os sub-blocos também tem. Como Dm está contida nesta união, Dm pode
ser coberto por blocos cuja soma dos volumes é menor do que ε/2.
00 00
Agora, consideremos Dm . Sejam β1 , . . . , βk os sub-blocos de P que contêm pontos de Dm . Vamos mostrar
que a soma dos volumes destes sub-blocos é menor do que ε/2. Dado 1 ≤ i ≤ k, o sub-bloco βi possui um
00
ponto a ∈ Dm . Como a não está na fronteira de βi , existe δ > 0 tal que βi contém a bola centrada em a
de raio δ. Assim
1
≤ ω(f, a) ≤ M(f, a, δ) − m(f, a, δ) ≤ sup f(βi ) − inf f(βi ).
m
Logo
Xk
1 ε
vol(βi ) ≤ U(f, P) − L(f, P) < .
i=1
m 2m
Com isso, segue que
X
k
ε
vol(βi ) < ,
i=1
2
como querı́amos.

5 Aplicações

5.1 Problema de Basel

O seguinte resultado é bastante surpreendente


1 1 1 π2
+ + + . . . = . (4)
12 2 2 3 2 6
Há diversas demonstrações deste fato e aqui apresentaremos uma utilizando o que vimos até agora. Para
isso, vamos calcular a seguinte integral, de duas maneiras:
Z1 Z1
1
I= dxdy.
0 0 1 − xy

Primeira maneira:
Para 0 ≤ xy < 1 (que é o caso, exceto em (x, y) = (1, 1) e este único valor não interfere na integral), temos,
utilizando a série geométrica, que:
1 X ∞
= xn−1 yn−1 .
1 − xy n=1
Com isso,
Z1 Z1 X

!
n−1 n−1
I= x y dxdy.
0 0 n=1

17
Como os termos dentro do somatório são positivos, podemos trocar a ordem da integral com o somatório
e obtemos
∞ Z1 Z1
X
I= xn−1 yn−1
n=1 0 0
X∞ Z1 Z1
n−1
= x dx yn−1 dy
n=1 0 0

X∞
1
= .
n=1
n2

Segunda maneira:
Desta forma, para demonstrar (4), devemos agora calcular I de outra forma. Para isso, faremos a mudança
de variáveis
x = u + v , y = u − v.

Observe que esta mudança de variáveis leva o quadrado S, de vértices (0, 0), ( 12 , − 12 ), (1, 0), ( 21 , 21 ), no qua-
drado [0, 1] × [0, 1]. Além disso, o determinante do Jacobiano da transformação é


∂(x, y) 1 1
= =2
∂(u, v) 1 −1

Com isso, obtemos ZZ


dudv
I=2 .
S 1 − u2 + v2
Divida S nos triângulos S1 (de vértices (0, 0), ( 12 , 12 ), ( 21 , − 12 )) e S2 (de vértices (1, 0), ( 12 , 21 ), ( 12 , − 12 )). Obser-
vando que
1 1
S1 = {(u, v) ∈ R2 : 0 ≤ u ≤ , −u ≤ v ≤ u} e S2 = {(u, v) ∈ R2 : ≤ u ≤ 1 , u − 1 ≤ v ≤ 1 − u},
2 2
temos I = 2(I1 + I2 ), onde
Z 1 Zu Z 1 Z 1−u
2 1 1
I1 = dvdu e I2 = dvdu.
0 −u 1 − u 2 + v2 1
2
u−1 1 − u2 + v2

Vamos agora calcular I1 e I2 . Temos


Z 1 arctan √ u
 
2 1−u2
I1 = 2 √ du
0 1 − u2
Fazendo u = sen t, segue que
Zπ Zπ
6 arctan(tan t) 3 π2
I1 = 2 cos tdt = 2 tdt = .
0 cos t 0 36
Para I2 , observe que
Z 1 arctan √1−u
 
1−u2
I2 = 2 √ du
1 1 − u 2
2

Fazendo agora u = cos t, ficamos com


Zπ  
3 1 − cos t
I2 = 2 arctan dt.
0 sen t

18
1−cos t
Note agora que sen t
= tan 2t e, portanto,

3 t π2
I2 = 2 dt = .
0 2 18
Assim chegamos a
π2 π2 π2
 
I = 2(I1 + I2 ) = 2 + = ,
36 18 6
como querı́amos.

5.2 Volume da bola n-dimensional

Queremos calcular o volume da bola n-dimensional unitária, definida por

Bn = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn : x21 + . . . + x2n ≤ 1}.

Denotaremos por Vn (R) o volume da bola n-dimensional de raio R. O seguinte lema mostra que o volume
da bola n-dimensional é proporcional à n-ésima potência do seu raio.

Lema 3. Vn (R) = Rn Vn (1).

Demonstração. Basta notar que Bn (R) = T (Bn (1)), onde T : Rn → Rn é a transformação linear dada por

T (x1 , . . . , xn ) = (Rx1 , . . . , Rxn ).

Como det T = Rn , segue o resultado.

Antes de enunciar o resultado sobre o volume da bola n-dimensional, iremos definir a função Gamma e
apresentar algumas de suas propriedades. Para α > 0, defina
Z +∞
Γ (α) = xα−1 e−x dx.
0

Esta integral imprópria de fato é convergente para α > 0. Vamos agora listar algumas propriedades úteis.

Teorema 12. A função Gamma apresenta as seguintes propriedades.

(i) Γ (1) = 1.

(ii) Γ (α + 1) = αΓ (α), se α > 0.

(iii) Γ (n) = (n − 1)!, se n é inteiro positivo.



(iv) Γ ( 12 ) = π.

Agora estamos aptos a calcular o volume da bola n-dimensional unitária.

Teorema 13. O volume da bola n-dimensional unitária é dado por


πn/2
vol(Bn ) = Vn (1) = .
Γ ( n2 + 1)
Demonstração. Pelo teorema de Fubini, podemos escrever
ZZ "Z Z #
Vn (1) = ··· dx1 . . . dxn−2 dxn−1 dxn .
x2n−1 +x2n ≤1 x21 +...+x2n−2 ≤1−x2n−1 −x2n

19
q
A integral dentro dos colchetes é o volume da bola (n − 2)-dimensional de raio 1 − x2n−1 − x2n , que é igual
a
(1 − x2n−1 − x2n )n/2−1 Vn−2 (1).

Com isso, obtemos ZZ


Vn (1) = Vn−2 (1) (1 − x2n−1 − x2n )n/2−1 dxn−1 dxn .
x2n−1 +x2n ≤1

Fazendo agora a mudança para coordenadas polares, dada por xn−1 = r cos θ e xn = r sen θ, com 0 ≤ r ≤ 1
e 0 ≤ θ < 2π, temos
Z 1 Z 2π
Vn (1) = Vn−2 (1) (1 − r2 )n/2−1 rdθdr
0 0
Z1
= 2πVn−2 (1) (1 − r2 )n/2−1 rdr.
0
2
Fazendo agora u = 1 − r , temos
Z1
Vn (1) = πVn−2 (1) un/2−1 du
0

= Vn−2 (1).
n
Sendo
πn/2
f(n) = ,
Γ ( n2 + 1)
observe que
f(n) Γ ( n2 )
=π n .
f(n − 2) Γ ( 2 + 1)
Como Γ (α + 1) = αΓ (α) para α > 0, segue que
f(n) 2π
= .
f(n − 2) n
Desta forma, Vn (1) e f(n) satisfazem a mesma recorrência, V1 (1) = f(1) = 2 e V2 (1) = f(2) = π, donde
f(n) = Vn (1) para todo n inteiro positivo, como querı́amos.

Uma outra abordagem para o cálculo do volume da bola n-dimensional seria uma extensão do clássico
princı́pio de Cavalieri. Tomando cortes da bola n-dimensional perpendiculares ao eixo xn , podemos escrever
Z1
Vn (1) = Vn−1 (1) (1 − x2 )(n−1)/2 dx.
−1

Fazendo então a substituição x = sen t e utilizando a fórmula obtida para Vn (1), obtemos o valor da
seguinte integral, que é uma das integrais de Wallis:
Zπ √
2
n π Γ ( n+1
2
)
cos tdt = n .
0 2 Γ ( 2 + 1)

5.3 Centroide e Centro de massa

Dada uma região plana S ⊂ R2 , o centroide de S é o ponto (xS , yS ) cujas coordenadas são
ZZ
1
xS = xdxdy
area(S) S
ZZ
1
yS = ydxdy.
area(S) S

20
Se a região S tiver uma distribuição de massa homogênea, o centro de massa de S coincide com o seu
centroide. Caso contrário, se µ(x, y) > 0 é a densidade de massa no ponto (x, y) ∈ S, o centro de massa
de S é o ponto (xS , yS ) cujas coordenadas são

RR
µ(x, y)xdxdy
xS = RRS
µ(x, y)dxdy
RR S
µ(x, y)ydxdy
yS = RRS .
S
µ(x, y)dxdy
Estes conceitos podem ser estendidos para mais dimensões sem dificuldades.

Observação 10. A massa de S é dada pela integral


ZZ
µ(x, y)dxdy.
S

Exemplo 10. Determine o centroide do hemisfério

H = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 ≤ 1 , z ≥ 0}.

Solução:
Por simetria, temos xH = yH = 0. Vamos agora encontrar zH :
RRR
H
zdxdydz
zH = .
vol(H)
Para calcular a integral no numerador, utilizaremos coordenadas esféricas: x = r sen ϕ cos θ, y = r sen ϕ sen θ, z =
r cos ϕ. Como estamos restritos a z ≥ 0, temos que H é a imagem do conjunto
π
Q = {(r, θ, ϕ) ∈ R3 : 0 ≤ r ≤ 1 , 0 ≤ θ < 2π , 0 ≤ ϕ ≤ }.
2
O jacobiano desta transformação é r2 sen ϕ. Com isso, temos
ZZZ ZZZ
zdxdydz = r3 sen ϕ cos ϕdrdθdϕ
H Q
Z1 Zπ
2
3
=π r dr (2 sen ϕ cos ϕ)dϕ
0 0

π 2
= sen 2ϕdϕ
4 0
π
= .
4

Como H é um hemisfério, seu volume é vol(H) = 3
e, portanto,
3
zH = ,
8
donde o centroide é (0, 0, 83 ).

Exemplo 11. Determine o centro de massa da região triangular D, de vértices (0, 0), (3, 0), (3, 5), sabendo
que a densidade em cada ponto P ∈ D é igual à distância de P ao eixo y.

21
Solução:
A densidade f : D →]0, +∞[ em cada ponto (x, y) ∈ D é dada por f(x, y) = x. Com isso, temos
RR 2 RR
x dxdy xydxdy
xD = RRD
, yD = RRD .
D
xdxdy D
xdxdy
Vamos agora calcular as três integrais que aparecem. Para isso, observe que D pode ser descrito como
5x
D = {(x, y) ∈ R2 : 0 ≤ x ≤ 3 , 0 ≤ y ≤ }.
3
Com isso, obtemos:
ZZ Z 3 Z 5x/3
xdxdy = xdydx = 15,
D 0 0
ZZ Z 3 Z 5x/3
2 135
x dxdy = x2 dydx =
,
D 0 0 4
ZZ Z 3 Z 5x/3
225
xydxdy = xydydx = .
D 0 0 8
Desta forma, segue que
9 15
xD = , yD = .
4 8


5.4 Momento de inércia

Considere um corpo rı́gido X ⊂ R3 (pode ser constituı́do de um número finito de partı́culas, ser uma curva,
uma superfı́cie ou um sólido). Suponha agora que X gira ao redor de um determinado eixo e que a densidade
de massa em X é dada pela função µ : X → R. Para cada x ∈ X, seja r(x) a distância de x até o eixo. Se
v(x) é a velocidade de cada ponto, temos que |v(x)| = ωr(x), onde ω é a velocidade angular. Assim, a
energia cinética do corpo X é dada por
Z Z
1 1
µ(x)|v(x)|2 = ω2 µ(x)r(x)2 .
2 X 2 X

Definimos então o momento de inércia de X com relação a esse eixo por


Z
I = µ(x)r(x)2 .
X

A quantidade L = Iω é chamada de momento angular. Se não há torques externos, esta quantidade se
conserva.

Exemplo 12. Considere então a situação de uma pessoa sentada sobre um banquinho giratório com atrito
desprezı́vel que está em rotação com os braços esticados, segurando pesos afastados do eixo de rotação,
o que aumenta o momento de inércia. Ao dobrar os bracos, aproximando os pesos do eixo, o momento
de inércia diminui e para haver a conservação do momento angular, a velocidade angular deve aumentar.
Situação semelhante ocorre com a bailarina que encolhe os braços para girar mais rapidamente, com o
mergulhador que dá um salto dobrando os jeolhos e juntando os braços para girar o corpo.

Exemplo 13. Calcule o momento de inércia de uma bola homogênea de raio R e massa M com relação a
um eixo passando pelo seu centro.

22
Solução
Podemos colocar os eixos x, y, z de forma que a bola seja descrita por

B = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 ≤ R2 }

e de forma que o eixo de rotação seja o eixo z. Como a bola é homogênea, seja µ(x, y, z) = c para todo
ponto (x, y, z) de B. O quadrado da distância de um ponto genérico (x, y, z) até a o eixo z é x2 + y2 . Assim
o momento de inércia pedido é Z
I= c(x2 + y2 )dV.
B

Por simetria, temos Z Z Z


2 2 2 2
I= c(x + y )dV = c(x + z )dV = c(y2 + z2 )dV.
B B B

Assim, Z
3I = 2c (x2 + y2 + z2 )dxdydz.
B

Utilizando coordenadas esféricas, temos então que


Z 2π Z Z R
3I = 2c 0π r4 sen ϕdθdϕdr
0 0
8cπR5
= .
5
Por outro lado, temos
Z
M= cdV
B
4πR3
=c .
3
3M
Logo c = 4πR3
e então
6MR2
3I = ,
5
donde
2MR2
I= .
5


Exemplo 14 (Teorema de Huygens-Steiner dos eixos paralelos). Sejam X um corpo de massa M e s


um eixo passando pelo seu centro de massa. Considere agora um eixo s 0 paralelo a s que dista d de s.
Denotando por ICM o momento de inércia com relação a s e por I o momento de inércia com relação a s‘,
tem-se
I = ICM + Md2 .

Solução:
Coloque os eixos de forma que o centro de massa esteja na origem e que o eixo s coincida com o eixo z.
Seja (α, β, 0) o ponto o eixo s 0 corta o plano z = 0. Desta forma, temos
ZZZ
ICM = (x2 + y2 )µ(x, y, z)dxdydz.
X

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Além disso, observe que
ZZZ
I= [(x − α)2 + (y − β)2 ]µ(x, y, z)dxdydz
ZZZX ZZZ
2 2
= (x + y )µ(x, y, z)dxdydz − 2α xµ(x, y, z)dxdydz
ZZZ
X ZZZ
X

− 2β yµ(x, y, z)dxdydz + (α2 + β2 ) µ(x, y, z)dxdydz.


X X

Como o centro de massa está na origem, temos


ZZZ ZZZ
xµ(x, y, z)dxdydz = yµ(x, y, z)dxdydz = 0.
X X
RRR
Além disso, é claro que d2 = α2 + β2 e que X
µ(x, y, z)dxdydz = M. Com isso, segue que

I = ICM + Md2 ,

como querı́amos.

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