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2018/2019
Cálculo I
Resumo teórico
1.1 Proposições
Uma proposição (ou asserção, armação) é algo que só pode ter dois valores lógicos: verdadeiro
ou falso.
Dadas duas proposições (que iremos designar por A e B ), podemos construir várias novas
proposições:
Além disso, dizemos que A é uma condição suciente para B (basta que A seja verdade
para B também o ser). Por outro lado, B é uma condição necessária para A (se B não for
verdade, A também não pode ser - ou então a implicação seria falsa).
A _ B: A Terra é plana ou existe sal nos oceanos - Verdadeiro, porque uma das armações
é verdadeira.
A ñ B: Se a Terra é plana, existe sal nos oceanos - Verdadeiro. Neste caso, como o
antecedente A é falso, a implicação é sempre verdadeira (nem importa se B é verdadeira
ou não).
B ñ A: Se existe sal nos oceanos, a Terra é plana - Falso. Como o antecedente B é
verdadeiro, para a implicação ser verdadeira, a Terra tinha de ser plana, o que é falso.
A ô B: A Terra é plana se e só se existe sal nos oceanos - Falso, porque as duas armações
têm valores lógicos diferentes.
1
É importante saber a negação destas novas proposições:
• p Aq é o mesmo que A: p Aq ô A;
• pA ^ B q é dizer que a conjunção é falsa. Para isso, uma das armações A ou B tem de
ser falsa, ou seja, A é verdade ou B é verdade. Matematicamente,
pA ^ B q ô p A _ B q.
• pA _ B q é dizer que a disjunção é falsa. Tal só acontece quando A for falsa e B também,
ou seja, quando A for verdadeira e B também.
pA _ B q ô p A ^ B q.
Estas regras de negação da conjunção e da disjunção são por vezes chamadas de Leis de
De Morgan.
pA ñ B q ô p B ñ Aq.
que não é mais do que dizer que (HIPÓTESES) ñ (CONCLUSÃO). Uma demonstração de um
resultado matemático é uma dedução lógica desta implicação, partindo das hipóteses até chegar
à conclusão pretendida, e que normalmente envolve vários passos.
2
Exemplo 1.3. Se x é um número natural, x2 ¥ x.
Demonstração: Se x é um número natural, então x ¥ 1. Multiplicando em ambos os lados por
x, a desigualdade permanece válida, porque x ¡ 0. Logo x x ¥ 1 x, ou seja, x2 ¥ x.
Existem várias denominações para um resultado matemático:
• Lema: é por norma um resultado cuja utilidade é ser usado numa demonstração de uma
proposição ou de um teorema (só por si não tem grande interesse);
1.2 Quanticadores
Existem dois símbolos usados frequentemente em Matemática aos quais se dá o nome de quan-
ticador.
O quanticador universal @ é usado quando queremos dizer que uma dada propriedade Apxq
é válida para todos os elementos x de um dado conjunto C. Formalmente, escreve-se
@xPC : Apxq
Em linguagem corrente, quando aparece um quanticador universal, devemos ler como para
qualquer..., para cada..., para todo o..., usando a que nos zer mais sentido.
• Vamos escrever a asserção Todos os números naturais são positivos. usando o quantica-
dor universal. Esta armação diz que a propriedade ser positivo é válida para todos os
números naturais. Neste caso C N e Apxq : x ¡ 0 e portanto escreve-se
@ x P N : x ¡ 0.
• Dados quaisquer dois números inteiros, o seu produto é positivo.: neste caso, temos uma
propriedade que é válida para todo o par x, y de números inteiros. Escrevemos então
@xPZ@yPZ : xy ¡ 0.
ou, de forma abreviada,
@ x, y P Z : xy ¡ 0.
• Traduzindo por palavras a asserção
@x P t1, 2, 3, 4u : x2 0,
lemos Para qualquer x P t1, 2, 3, 4u, x 0.
2
• A asserção
@ x, y, z P N : pz 0 ñ xyz 0q
lê-se como Para todo o x, y, z P N, se z 0, então xyz 0.
3
O quanticador existencial D é usado quando queremos dizer que existe um elemento do
conjunto C que verica a propriedade Apxq. Formalmente,
Dx P C : Apxq
Quando aparece um quanticador existencial, devemos lê-lo como existe... ou para algum....
• Vamos escrever a asserção Existe um número natural que é negativo. usando o quanti-
cador existencial. Esta armação diz que a propriedade ser negativo é válida para algum
número natural. Neste caso C N e Apxq : x 0 e portanto escreve-se
D x P N : x 0.
• Existem dois números inteiros tais que o seu produto é positivo.: neste caso, temos uma
propriedade que é válida para algum par x, y de números inteiros. Escrevemos então
DxPZDyPZ : xy ¡ 0.
ou, de forma abreviada,
D x, y P Z : xy ¡ 0.
• Traduzindo por palavras a asserção
Dx P t1, 2, 3, 4u : x2 0,
lemos Existe um x P t1, 2, 3, 4u tal que x 0.
2
• A asserção
D x, y, z P N : xyz 0
lê-se como Para alguns x, y, z P N, xyz 0.
• p@x P C : Apxqq é dizer que não é verdade que a propriedade A seja válida para todos
os elementos de C . Isso signica que existe pelo menos um elemento em C para o qual A
é falsa, ou seja, Dx P C : Apxq. Resumindo
• A negação de @x P N : x ¡ 1 é
Dx P N : x ¤ 1.
• A negação de Dx P Z : x2 2 é
@x P Z : x2 2.
4
2 O conjunto dos números reais
Nesta cadeira, iremos trabalhar sobre o conjunto dos números reais R. Recordemos outros
conjuntos importantes:
Q tp{q : p, q P Z, q 0u.
?
Nestes conjuntos não estão incluídos certos números, como o 2.
?
Proposição 2.1. O número 2 (isto é, o número positivo cujo quadrado é 2) não pertence a
Q.
?
Demonstração. Vamos fazer um raciocínio por absurdo: o que aconteceria se 2 P Q? Se
?
chegarmos a algo contraditório, ca provado que isto não pode ser verdade e portanto que
2 R Q?. ?
Se 2 P Q, então existem dois naturais p, q tais que 2 p{q . Podemos sempre supor que a
fracção é irredutível, ou seja, que p e q não têm divisores comuns. Então
? 2
2 p 2q2 pq2 , logo p2 2q2 .
Isto implica que p2 é par e portanto p também é par.
Se p é par, podemos escrevê-lo como p 2k , k
P N. Então
2q 2 p2 p2k q2 4k 2 , logo q 2 2k 2 .
Concluímos que q2 é par. Mas, se assim for, tanto p quanto q são pares, ou seja, são ambos
?
divisíveis por 2. Mas isto contradiz o facto de p e q não?terem divisores comuns. Isto é um absurdo,
baseado na possibilidade de 2 estar em Q. Então 2 R Q, como queríamos demonstrar.
?
O exemplo do 2 mostra que, se dispusermos os números racionais sobre uma recta ordenada,
existem pontos da recta que não correspondem a nenhum número racional. Cada um desses pon-
tos irá corresponder àquilo que chamamos de número irracional (ou seja, um número que não
pode ser escrito como o quociente de dois números inteiros). Desta forma, a recta ca comple-
tamente preenchida com um misto de números racionais e irracionais. Ao conjunto constituído
?
pelos números racionais e pelos irracionais dá-se o nome de conjunto de números reais.
Exemplos clássicos de números irracionais são: 2 (o número maior que 0 cujo quadrado é
igual a 2); π (a razão entre o perímetro e o diâmetro de uma circunferência); o número de Neper
e; etc.
Sobre o conjunto dos números reais, estão denidas as operações de soma, subtracção, mul-
tiplicação e divisão (por um real diferente de zero). Todas estas operações gozam das mesmas
propriedades que se vericam sobre números racionais. Além disso, o conjunto dos números reais
está totalmente ordenado, ou seja, podemos sempre comparar dois números reais e dizer qual
deles é maior (ou se são iguais). O mesmo já acontecia com os números racionais.
Os números racionais e irracionais estão misturados na recta real: entre qualquer par de
racionais existe um irracional e entre qualquer par de irracionais existe um racional. Isto signica
5
que qualquer segmento em R de comprimento positivo tem uma innidade de racionais e uma
innidade de irracionais.
Existe uma propriedade extra sobre o conjunto R que não se verica sobre Q. Para a explicar,
precisamos de introduzir alguns conceitos.
@x majorante de C : c ¤ x.
Nesse caso, escrevemos c sup C . Se c P C , dizemos que c é o máximo de C e escrevemos
c max C ;
• um minorante d P R é o ínmo de C se for o maior dos majorantes, ou seja,
@x minorante de C : d ¥ x.
Nesse caso, escrevemos d inf C . Se d P C , dizemos que d é o mínimo de C e escrevemos
d min C ;
• C é majorado se existem majorantes de C ;
• C é minorado se existem minorantes de C ;
• C é limitado se for majorado e minorado;
Exemplo 2.1. Se C s0, 1s,
• r1, 8r é o conjunto dos majorantes;
• s 8, 0s é o conjunto dos minorantes;
• 1 é o supremo de C e também é o máximo, porque 1 P C;
• 0 é o ínmo de C, mas não é mínimo porque 0 R C;
• C é limitado porque tem majorantes e minorantes.
Proposição 2.3. Qualquer subconjunto de R não-vazio e majorado tem um supremo (em R).
6
Esta propriedade, juntamente com as operações usuais e a relação de ordem, possibilitam a
construção da Análise em R.
? ? ?
Nota 2.1. A mesma propriedade não é válida sobre Q: se C s 2, 2rXQ, o supremo é 2,
que não pertence a Q.
Nota 2.2. Dado um subconjunto C de R majorado e não vazio, o conjunto dos seus majorantes
é sempre da forma rsup C, 8r. O único majorante que pode pertencer ao conjunto é o supremo
e, nesse caso, o supremo é também o máximo de C.
Nota 2.3. As propriedades acima referidas sobre majorantes, supremos e máximos são também
válidas para minorantes, ínmos e mínimos. Por exemplo, todo o subconjunto de R minorado e
não-vazio tem um ínmo em R.
3 Topologia em R
Denição 3.1. A distência entre dois pontos x, y P R é dada por dpx, yq |x y|.
Note-se que
7
• a é um ponto aderente de C se qualquer vizinhança de a tiver pontos em C , isto é,
@ ¡ 0 : V paq X C H.
O conjunto dos pontos aderentes de C (ou a aderência de C ) é designado por C ;
Isto signica que, se já soubermos dois dos conjuntos, o terceiro é formado por todos os
restantes pontos de R;
2. um ponto interior a C tem de pertencer a C; um ponto exterior a C não pode pertencer a
C; um ponto fronteiro pode ou não pertencer a C;
3. um ponto é exterior a C se e só se for interior a Rz C ;
4. um ponto é aderente se for interior ou fronteiro, ou seja,
C intpC q Y frpC q.
Denição 3.4. Um conjunto C R diz-se aberto se intpC q C . Por outro lado, dizemos que
C é fechado se C C . Se C for limitado e fechado, dizemos que C é compacto.
Exemplo 3.1. Dados dois reais a b, temos
intpra, bsq sa, br, frpra, bsq ta, bu, extpra, bsq Rzra, bs, ra, bs ra, bs.
Como a aderência do intervalo ra, bs é igual ao próprio intervalo, podemos dizer que ra, bs é
fechado. Por outro lado, este conjunto é limitado (tem majorantes e minorantes - por exemplo,
a é minorante e b é majorante). Assim sendo, podemos dizer que o intervalo ra, bs é compacto.
Exemplo 3.2. Dados dois reais a b, temos
psa, brq sa, br, frpsa, brq ta, bu, extpsa, brq Rzra, bs, sa, br ra, bs.
int
Como o interior de sa, br é igual ao próprio sa, br, o intervalo é aberto. Comparando com o
exemplo anterior, vemos que ra, bs e sa, br têm o mesmo interior, a mesma fronteira e o mesmo
exterior. Isto signica que não podemos reconstruir um conjunto a partir do seu interior, exterior
e da sua fronteira.
8
• a é um ponto isolado se existe uma vizinhança de a cujo único ponto de C é o próprio a:
D ¡ 0 : V paq X C tau.
Nota 3.2. Um ponto aderente ou é isolado ou de acumulação.
4 Sucessões
Denição 4.1. Uma sucessão é uma aplicação u : N Ñ R (faz corresponder a cada natural um
único real). Por norma, denota-se por un o número real correspondente ao natural n (ou seja, o
n-ésimo elemento da sucessão). A notação usual para uma sucessão é pun qnPN . A expressão que
dene a sucessão chama-se de termo geral da sucessão.
Exemplo 4.1. Como exemplos de termos gerais de sucessões, temos
• un 1{n, n P N;
• vn p1qn , n P N;
"
• wn 5, n par,
en , n ímpar.
Por outro lado, a aplicação u:R ÞÑ R, upnq n3 , n P R, não é uma sucessão, porque não tem
como domínio o conjunto N.
Uma sucessão também pode ser denida por recorrência: o n-ésimo elemento da sucessão é
denido à custa dos anteriores. Por exemplo, a recorrência
un un 2, u1 1
1
vn 2 vn vn 1 , v1 3, v2 1{3,
wn 1 wn2 nwn5 , w1 2
Por vezes, esta forma de denir a sucessão é mais simples do que usando o termo geral. Por
exemplo, não é trivial escrever o termo geral da sucessão pwn qnPN .
Denição 4.2. Uma sucessão pun qnPN diz-se crescente (resp. decrescente) se
@n P N un 1 ¥ un presp. un 1 ¤ un q.
Se a desigualdade for estrita, dizemos que é estritamente crescente (resp. estritamente decres-
cente).
Se uma sucessão for crescente ou decrescente, dizemos que é monótona. Se o for estritamente,
dizemos que é estritamente monótona.
9
Denição 4.3. Uma sucessão pun qnPN diz-se majorada se existir um número real M tal que
un ¤M para todo o n P N.
De forma análoga, a sucessão diz-se minorada se existir m P R tal que
un ¥m para todo o n P N.
Se uma sucessão for minorada e majorada, diz-se que é limitada.
Dada uma sucessão pun qnPN , podemos construir uma nova sucessão, a que chamamos de sub-
sucessão, seleccionando uma quantidade innita de un 's e renumerando. Por exemplo, podemos
considerar a subsucessão dos números pares
11
5. Se un ¤ vn , n P N, un Ñ L e vn Ñ M , então L ¤ M. O mesmo não é válido com
desigualdades estritas.
Exemplo 4.3. Usando estas propriedades, é fácil ver as seguintes convergências:
e1{n
1
1
n
Ñ 1, 1
n2
n1 n1 Ñ 0, 3
n
n12 Ñ 3, etc.
Nota 4.3. A propriedade 2 implica que, se duas subsucessões tiverem limites diferentes, então
a sucessão não pode ser convergente. Por exemplo, tomemos a sucessão un p1qn .
• A subsucessão dos pares é p1q2n 1, e portanto lim u2n 1;
u2n
2n1
• A subsucessão dos ímpares é u2n1 p1q 1, e portanto lim u2n1 1;
Como os dois limites são diferentes, podemos concluir que un não é convergente.
Nota 4.4. É importante não cometer o erro de passar só alguns termos ao limite: para além de
não fazer sentido, pode mesmo dar um resultado errado, como mostra o exemplo
m
nnk a0bn
1
m a1 nm11 am1 n11 am m
nnk uvn
wn 1
0 nk b1 nk11 bk1 n1 bk n
Exemplo 4.5 (Limites de potências). Partindo das regras dos limites, podemos calcular o limite
de sucessões da forma un abn n
usando a igualdade
elnpa q eb ln a .
abnn
bn
n n n
12
4.2 Critérios de convergência de sucessões
Existem vários critérios muito úteis para saber se uma sucessão é convergente, que são o conteúdo
dos três teoremas que se seguem:
un n n 1, n P N.
un n n 1 ¤ nn 1.
Como a sucessão pun qnPN é crescente e majorada, pelo Teorema 4.7, camos a saber que pun qnPN
é convergente.
vn 31n n P N.
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Demonstração. Para simplicar, supomos que un ¥ 0. Se vn é limitada, então existe M P R tal
que
M ¤ vn ¤ M, n P N.
Multiplicando por un , obtemos
M un ¤ un vn ¤ M un
Como lim un 0, temos
lim M un lim M un 0.
Assim sendo, pelo Teorema das Sucessões Enquadradas, lim un vn 0.
Exemplo 4.8. Considere-se a sucessão
zn sinnpnq .
Para utilizarmos o Teorema 4.10, temos de escrever zn como o produto de um factor limitado
por outro que tende a 0:
zn un vn , onde un n1 e vn sinpnq.
Como |vn | ¤ | sinpnq| ¤ 1, vn é limitada. Por outro lado, já sabemos que un Ñ 0. Logo, pelo
Corolário 4.10, zn un vn Ñ 0.
Exemplo 4.9. Vamos calcular o limite de
n n3 p11q
3 n
wn .
p1qn
wn 1
1
n3
1 .
n3
¸
n
un n2
1
n2 1 n2
1
n2
1
.
k 1
k 1 1 n
Vamos procurar duas expressões, dependendo só de n, que enquadrem cada termo da soma: por
exemplo,
n2
1
n
¤ n2 1 k
¤ n2 1 1
, para qualquer 1¤k ¤ n.
14
Logo
¸
n ¸
n
n2
1
¤ un ¤ n2
1
.
k 1
n
k 1
1
Vejamos se podemos aplicar o Teorema das Sucessões Enquadradas: por um lado,
¸
n
n2
1
n 2
1
1
n 1
Ñ 0;
k 1
1 n 1 n
n2
1
n 2
1
1
Ñ 0;
k 1
n n n n 1
Como os dois limites são iguais, concluímos que
lim un 0.
Teorema 4.11 (Critério da razão). Dada uma sucessão pun qnPN não-negativa, suponhamos que
lim
un 1
un
L.
Então a sucessão
?u
n é convergente e
n
lim
?u L.
n
n
Como
1{pn 1q!
1{n!
pn n! 1q! pn n!
1qn!
n 1 1 Ñ 0,
o critério da razão implica que lim vn 0.
Denição 4.12 (Sucessão innitamente grande) . Dada uma sucessão pun qnPN , dizemos que
diverge para 8 (ou que é innitamente grande) se
@M P R D n0 P N : @n ¥ n0 un ¥ M.
Nesse caso, escrevemos lim un 8 ou que un Ñ 8.
15
Exemplo 4.12. Vamos ver, usando a denição, que a sucessão de termo geral un n diverge
para 8. Para isso, temos de mostrar que, qualquer que seja a barreira M P R, a partir de
certa altura, un ¥ M. Fixamos então uma dessas barreiras M e vamos ver o que signica un
ultrapassar essa barreira:
un ¥M ôn¥M
Isto signica que, se tomarmos como n0 o primeiro natural maior do que M, temos
@n ¥ n0 un n ¥ n0 ¥ M.
Como conseguimos fazer isto para qualquer M, ca demonstrado que un Ñ 8.
Denição 4.13. Dada uma sucessão pun qnPN , dizemos que
1. diverge para 8 se un divergir para 8. Nesse caso, escrevemos lim un 8 ou
un Ñ 8;
2. diverge em módulo para 8 se |un | divergir para 8;
3. é divergente oscilante se não for nem convergente, nem divergente para 8 nem for di-
vergente em módulo.
Proposição 4.14 (Propriedades dos limites innitos). São válidas as seguintes armações:
1. uma sucessão não pode convergir e divergir para 8 ao mesmo tempo. Também não se
pode ter un Ñ 8 e un Ñ 8;
2. Se uma sucessão diverge para 8, então qualquer sua subsucessão também diverge para
8;
3. Se un Ñ 8 e vn Ñ M , M P R Y t8u, então
(a) se M 8, limpun vn q 8;
(b) se M ¡ 0 ou M 8, lim un vn 8;
(c) se M 0 ou M 8, lim un vn 8;
(d) Se M 8, então lim vn {un 0;
(e) lim eu 8, lim lnpun q 8.
n
4. Uma sucessão pun qnPN diverge em módulo para 8 se e só se a sucessão p1{un qnPN converge
para 0.
Nota 4.5 (Indeterminações). Existem diversos casos que não são cobertos pelas propriedades
dos limites nitos ou innitos. Esses casos correspondem a indeterminações do tipo
p 8q p8q, 8
8,
0
0
, 0 8.
Estes casos requerem uma análise mais cuidada, usando critérios de convergência ou manipulações
algébricas.
Proposição 4.15. Sejam pun qnPN e pvn qnPN duas sucessões tais que
un ¤ vn , para todo o n P N.
Então,
1. se un diverge para 8, vn também diverge para 8.
2. se vn diverge para 8, un também diverge para 8.
16
4.4 Séries
Um caso particular de sucessão é o de soma parcial:
¸
N
SN an , pan qn¥n 0 sucessão dada.
n n0
Por exemplo,
¸
N ¸
N ¸
N
SN 1
, TN 1
n
, UN n.
n
n 1 2
n 0
n 3
Se SN convergir para um número real S, então deveremos poder dizer que S corresponde à
soma de todos os an 's e, nesse caso, escreveremos algo como
8̧
S an .
n n0
Denição 4.16. Uma série é dada pela soma de todos os elementos de uma dada sucessão
pan qn¥n e denota-se por
0
8̧
an .
n n0
A sucessão pan qn¥n0 é denomidada de termo geral da série. Se a sucessão das somas parciais
convergir para S , então a série diz-se convergente e o seu valor é S . Caso contrário, diz-se que
a série é divergente. Neste caso, não é possível atribuir um valor à série.
Exemplo 4.13. A série de termo geral
"
n, n ¤ 3
an 0, n ¥ 4
, n ¥ 1,
1, 3, 6, 6, 6, . . . 6, . . .
°8
Como esta sucessão converge para 6, a série an
n 1 é convergente e o seu valor é 6.
Exemplo 4.14. A série de termo geral 1, n ¥ 1 tem como sucessão das somas parciais
an
SN 1 1 1 N
Como esta sucessão diverge para 8, a série °8n1 an é divergente e não podemos dar-lhe um
valor real.
Proposição 4.17. Se uma série é convergente, então o seu termo geral converge para 0. Por
outras palavras, se o termo geral não converge para 0, a série é divergente.
Proposição 4.18. Se pan qnPN e pbn qnPN são tais que 0 ¤ an ¤ bn , n P N, e
8̧
bn converge,
n 1
°8
então a série an também é convergente.
n 1
17
Demonstração. Como an , bn ¥ 0, a sucessão das somas parciais AN °Nn1 an é crescente. Por
outro lado, temos
¸
N ¸
N 8̧
AN an ¤ bn ¤ bn 8,
n 1
n 1
n 1
Logo AN é uma sucessão crescente e majorada. Assim sendo, pelo Teorema 4.7, AN é convergente.
Denição 4.19. Uma série geométrica é uma série cujo termo geral pan qn¥n satisfaz 0
an 1
an
r, para qualquer n ¥ n0 .
8̧
rn ,
n 0 ¥
olhemos para a sua N -ésima soma parcial:
¸
N
SN rn 1 r r2 rN .
n 0
r r 1 1 .
N 1
SN
Com esta fórmula, podemos estudar explicitamente a convergência desta série geométrica, ob-
tendo assim o critério da convergência das sucessões geométricas:
• Se |r| 1, então rN 1 Ñ 0 quando N Ñ 8. Isto implica que a sucessão das somas parciais
converge para 1{pr 1q. Logo a série geométrica de razão r é convergente e
8̧
rn 1 1 r .
n 0
• Se |r| ¥ 1, então o termo geral da série não converge para 0. Logo a série é divergente.
Exemplo 4.15. Consideremos a série
¸ 3n
5n 1 .
¥
n 2
n
¸ 3
.
¥
n 0
5
18
Em primeiro lugar, substituímos n por m n 2. Então
¸ 3n ¸ 3pn2q 2 ¸ 3m 2
5n 1 5pn2q 1
5m 1
.
¥
n 2 n2¥0 ¥
m 0
m
¸ 3m 2
32 ¸ 3
m 1
51 m¥0 5
.
m 0 ¥ 5
Usando o critério de convergência de séries geométricas, a série é convergente e
m
¸ 3n 32 ¸ 3
5n1
51 m¥0 5
59 1 1 3 92 .
n¥2 5
°
Proposição 4.20 (Critério da razão para convergência de séries) . Dada uma série ¥ an ,
n n0
suponhamos que
an 1
lim
a L.
n
Então
• se L ¡ 1, a série diverge;
• se L 1, a série converge;
• se L 1 , a série diverge.
Nos restantes casos, o critério é inconclusivo.
Exemplo 4.16. Consideremos a série
8̧ 1
.
n 3
n!
Aplicando o critério da razão, como
1
lim
pn 1q! pn n! 1q! n 1 1 Ñ 0,
1
n!
a série é convergente.
19
5 Funções reais de variável real
5.1 Denições e propriedades básicas
Uma função real de variável real é uma aplicação f : Df Ñ R, onde Df R é o domínio de f .
Para uma função car bem-denida, temos de denir o seu domínio e a sua expressão, isto é,
para cada ponto x P Df , qual é o valor de f pxq P R. Como exemplos de funções reais de variável
real, temos
f : r0, 1s Ñ R, f pxq cospxq,
g : R Ñ R, g pxq x2 ex ,
h :s0, 8rÑ R, hpxq ln x.
Os seguintes exemplos não são funções reais de variável real:
Para duas funções serem iguais, é necessário que tanto os domínios como as suas expressões
sejam iguais.
Nota 5.1. Uma função f : Df Ñ R pode ser representada no plano cartesiano: no eixo das
abcissas colocamos o domínio da função e depois desenhamos o gráco
tpx, f pxqq : x P Df u.
Existem diversas modicações que podemos fazer a uma dada função f e cujo gráco pode ser
obtido a partir do de f.
• Translacção nas abcissas: se considerarmos g pxq f px cq, o gráco de g é igual ao gráco
de f transladado na horizontal por c;
20
Figura 2: Translacção do gráco de f quando a 3{2.
21
Figura 4: Dilatação na horizontal do gráco de f quando g pxq f px{2q.
Nota 5.2. Por vezes, o que nos é dado é somente a expressão da função. Nesse caso, convenci-
onamos que o domínio é o maior subconjunto de R onde a expressão dada faz sentido, chamado
de domínio maximal.
Exemplo 5.1. Para cada uma das seguintes expressões, calculemos o seu domínio maximal:
• f pxq x2 tem sentido para qualquer xPR e portanto o seu domínimo maximal é R;
• g pxq ln x só tem sentido se x ¡ 0. Logo o seu domínio maximal é s0, 8r;
?
• hpxq 1 x2 : é necessário que o que está dentro da raíz quadrada seja um número
não-negativo, ou seja, que 1 x2 ¥ 0. Concluímos então que o domínio maximal é r1, 1s.
Denição 5.1. Dada um função f : Df Ñ R, Df R, chamamos de contradomínio ao conjunto
das imagens de f :
CDf tf pxq : x P Df u.
Dadas duas funções f : Df Ñ R e g : Dg Ñ R, se CDf Dg , então podemos construir a
função composta
g f : Df
Ñ R, pg f qpxq gpf pxqq, x P Df .
Exemplo 5.2. Considere-se f pxq sinpxq, x P R e g pxq
?x, x ¥ 0. O contradomínio de f é
r1, 1s, que não está incluído no domínio de g. Portanto não podemos denir a função composta
g f . Por outro lado, como o contradomínio de g está incluído no domínio de f (que é R),
podemos denir
?
f g : r0, 8rÑ R, pf g qpxq f pg pxqq sinp xq.
22
2. f é sobrejectiva se qualquer número real for imagem de algum objecto:
@y P R Dx P Df : f pxq y.
Nota 5.3. Se uma função é estritamente monótona, então é injectiva. Se for somente monótona,
não é possível garantir que é injectiva: por exemplo, a função constante f : R Ñ R, f pxq 1, é
monótona e não é injectiva.
O facto de y P CDf garante que existe pelo menos um x nestas condições, enquanto que a
injectividade garante que esse x é único.
Exemplo 5.3. Considere-se a função f p xq 3x 2. Note-se que não nos é indicado qual é o
domínio nem qual é o conjunto de chegada. Assim sendo, por convenção, o domínio é o maior
conjunto de R para o qual a expressão faz sentido (ou seja, Df R) e o conjunto de chegada é
R. Será que esta função é injectiva? Dados x1 , x2 P R,
f px1 q f px2 q ñ 3x1 2 3x2 2 ñ 3x1 3x2 ñ x1 x2 .
23
Concluímos então que f é injectiva. Qual é o contradomínio de f? Para cada y P R, temos de
ver se existe x P Df tal que f pxq y :
y2
y 3x 2ôx
3
P Df
Como isto é válido para qualquer y P R, concluímos que o contradomínio é R. Além disso, a
expressão acima diz-nos precisamente qual é o único x P Df tal que f pxq y , ou seja, a expressão
acima é a expressão da inversa de f:
y2
f 1 : R Ñ R, f 1 py q .
3
Finalmente, como o contradomínio é igual ao conjunto de chegada, f é sobrejectiva e portanto é
bijectiva.
Exemplo 5.5. Considere-se a função h : r0, 8rÑ R, hpxq x2 1. Apesar de a sua expressão
ser idêntica à do exemplo anterior, o seu domínio de denição é diferente (e portanto h é uma
função diferente). Será que h P r0, 8r são tais que hpxq hpyq, então
é injectiva? Se x, y
?
z hpxq ô z x2 1 ô z ¥ 1 ^ x z 1.
?
h1 : r1, 8rÑ r0, 8r, h1 pz q z 1.
Nota 5.4. Os dois exemplos acima mostram a importância do domínio nas propriedades da
função: apesar da expressão algébrica ser a mesma, num caso a função era injectiva e no outro
caso não o era.
24
Figura 5: A representação geométrica das funções sin, cos e tan, para x ¡ 0.
já que andando mais 2π dou somente mais uma volta à circunferência e termino exactamente no
mesmo ponto (recorde-se que o perímetro da circunferência é 2π ). Além disso, como pcos x, sin xq
são as coordenadas de um ponto da circunferência, temos de ter
cos2 x sin2 x 1.
Sempre que cospxq 0 (ou seja, quando x kπ{2, P Z), podemos ainda denir a função
k
tangente tan:
sinpxq
tan : tx P R : x kπ {2, k P Zu Ñ R, tanpxq
cospxq
.
Para visualizar esta função, traçamos a recta vertical que passa por p1, 0q. Para cada x P R,
marcamos o ponto pcospxq, sinpxqq e traçamos a recta que passa por este ponto e pela origem. A
intersecção entre as duas rectas é o ponto de coordenadas p1, tanpxqq. Esta intersecção não está
bem-denida quando as rectas são paralelas, o que acontece quando x kπ {2, k P Z.
Nota 5.5. Para cada ponto da circunferência no primeiro quadrante, podemos construir um
triângulo rectângulo: Repare-se, como a hipotenusa tem comprimento 1, temos
sinpxq cospxq
comprimento do cateto oposto comprimento do cateto adjacente
, ,
comprimento da hipotenusa comprimento da hipotenusa
25
Figura 6: Relação com a denição usual de seno e cosseno.
• É possível ver que a função f : r0, π s Ñ r1, 1s, f pxq cospxq é bijectiva (tente vericar
gracamente). Assim sendo, podemos denir a função inversa, à qual damos o nome de
arccos:
• A função f : rπ{2, π{2s Ñ r1, 1s, f pxq sinpxq é também bijectiva (novamente, tente
vericar gracamente). Logo podemos denir a função inversa, à qual damos o nome de
arcsin:
arcsin : r1, 1s Ñ rπ {2, π {2s, arcsinpy q o comprimento do arco cujo seno é y.
• Finalmente, a função f :s π {2, π {2rÑ R, f pxq tanpxq é também uma bijecção. A sua
inversa é denominada de arctan:
26
5.3 Limite de uma função num ponto
Nesta secção, denimos o conceito de limite de uma função f : Df Ñ R num ponto a P Df1 .
O objectivo é dizer que, quando nos aproximamos do ponto a, as imagens correspondentes
aproximam-se de um determinado valor L. Existem duas formas de conceptualizar esta ideia:
• A aproximação a a pode ser feita usando sucessões. Se pxn qnPN é uma sucessão de pontos
do domínio diferentes de a com xn Ñ a, então podemos construir a sucessão das imagens
pf pxn qqnPN . Então o que deverá acontecer é que esta nova sucessão convirja para L. Ou
seja
@pxn qnPN , xn P Df ztau : xn Ñ a ñ f pxn q Ñ L.
• Usando vizinhanças: tal como na denição de limite nito de sucessões, o conceito de
aproximar de L pode ser denido à custa de vizinhanças. Fixada uma certa distância
δ ¡ 0, consideramos a vizinhança sL δ, L δr. Tendo em conta a ideia intuitiva de limite,
o que deverá acontecer é que, quando tomo pontos sucientemente próximos de a (isto é,
cuja distância a a seja menor que uma certa distância ), a imagem desses pontos está na
vizinhança sL δ, L δr. Traduzindo isto para linguagem matemática,
@ ¡ 0 Dδ ¡ 0 : 0 |x a| δ ñ |f pxq L| .
Denição 5.3 (Limite nito de uma função num ponto). Dado f : Df Ñ R, seja a P Df1 . Dado
L P R, dizemos então que f converge em a para L se
@pxn qnPN , xn P Df ztau : xn Ñ a ñ f pxn q Ñ L.
Nesse caso escrevemos limxÑa f pxq L.
Escolhemos como denição a primeira alternativa, outros autores preferem a segunda. No
entanto, a seguinte proposição mostra que as duas possibilidades são equivalentes:
lim x2 1 1.
x Ñ0
27
A denição usando sucessões tem várias vantagens: por um lado, permite o uso das propri-
edades dos limites de sucessões; por outro, permite extender facilmente a noção de limite num
ponto para incluir limites innitos.
Denição 5.5 (Limite innito de uma função num ponto) . Dado f : Df Ñ R, seja a P Df1 .
Dado L P R, dizemos então que f diverge em a para 8 (resp. 8) se
@pxn qnPN , xn P Df ztau : xn Ñ a ñ f pxn q Ñ 8 (resp. f pxn q Ñ 8q
Nesse caso escrevemos limxÑa f pxq 8 (resp. limxÑa f pxq 8).
Nota 5.6. É possível denir limites innitos usando uma abordagem topológica. Para o decorrer
deste curso, a denição com sucessões será suciente.
Tendo em conta que o limite de funções é denido à custa de limites de sucessões, obtemos
imediatamente as seguintes propriedades:
Proposição 5.8 (Propriedades dos limites de funções). São válidas as seguintes armações:
1. O limite de uma função num ponto, se existir, é único (não nos podemos aproximar ao
mesmo tempo de pontos diferentes);
2. Se limxÑa f pxq L e limxÑa g pxq M , com L, M P R, então
(a) limxÑa f pxq g pxq L M;
(b) limxÑa f pxq g pxq L M ;
(c) limxÑa f pxqg pxq LM ;
(d) Se M 0, então limxÑa f pxq{gpxq L{M ;
(e) limxÑa ef pxq eL , limxÑa sinpf pxqq sinpLq, limxÑa cospf pxqq cospLq;
(f) Se L ¡ 0, lim lnpf pxqq lnpLq.
Aqui, a pode ser um número real ou 8.
28
3. Dado b P R, a função f : R Ñ R denida por
f pxq b, nPN
0 8 , p 8q p 8q, 0 8.
0
,
8
Estes casos correspondem a indeterminações que terão de ser levantadas usando manipulações
algébricas ou critérios de convergência.
29
Exemplo 5.7. Existem vários limites notáveis que são úteis para levantar indeterminações. Aqui
não apresentamos a prova destas convergências, remetendo para a bibliograa disponível.
1. limxÑ0 1;
ex 1
x
2. limxÑ0 sinxpxq 1;
3. limxÑ0 lnp1x xq 1;
4. limxÑ0 1cosx
p xq 0 ;
limxÑ8 ax 8, a ¡ 1;
x
5.
6. limxÑ8 xax 0, a ¡ 1;
7. limxÑ0 x lnpxq 0;
5.4 Continuidade
Denição 5.12. Dada f : Df Ñ R e a P Df , dizemos que f é contínua em a se
• a for um ponto isolado do domínio;
• a for um ponto de acumulação e
• A função tem limite igual 0 em x 2. Como f p2q 0, a função não é contínua neste
ponto.
30
• A função diverge para 8 em x 3. Não se coloca problema em relação à continuidade
porque x3 não pertence ao domínio.
Este prolongamento é feito de forma a que esta nova função seja contínua (daí dizermos que é
por continuidade).
"
x0
f pxq g pxq f pxq,
0,
x0
,
1,
31
Exemplo 5.12. Usando o limite da função composta, podemos mudar a variável no limite que
se pretende calcular: por exemplo, suponhamos que queremos calcular
1
ln 1
lim g py q lim
y2
,
y Ñ 8 yÑ 8 1
y2
Teorema 5.15 (Teorema de Bolzano) . Dada uma função f : ra, bs Ñ R contínua e um valor
k P R entre f paq e f pbq, existe c P ra, bs tal que f pcq k.
Demonstração. Considere-se o conjunto
Este conjunto é não-vazio (aP A) é é majorado (por b, por exemplo). Logo tem um supremo
Corolário 5.16. Dada uma função f : ra, bs Ñ R contínua, se f paqf pbq 0, existe c Psa, br tal
que f pcq 0.
Demonstração. Escolhendo k 0, a condição f paqf pbq 0 mostra que k está entre f paq e f pbq.
Como f é contínua, podemos aplicar o Teorema de Bolzano e concluir a existência de c P ra, bs
tal que f pcq k 0. Como f paq, f pbq 0, c não pode ser igual a a nem a b.
Teorema 5.17 (Teorema de Weierstrass) . Uma função contínua denida sobre um conjunto
compacto tem sempre máximo e mínimo.
Exemplo 5.13. Todas as hipóteses são importantes para a aplicação do teorema:
• Se f pxq 1{x, x Ps0, 1s, f é contínua no seu domínio, o domínio é limitado e f não tem
nem máximo nem mínimo. O problema aqui é que o seu domínio não é fechado;
• Se f pxq
?x, x ¥ 0, f é contínua, o domínio é fechado mas não é limitado;
• Se f pxq 1{x, x Ps0, 1s e f p0q 0, o seu domínio é r0, 1s, que é compacto, mas f não é
contínua.
Exemplo 5.14. Dada uma função f : r0, 1s Ñ R contínua e positiva, mostremos que ela é maior
que um certo valor m ¡ 0: pelo Teorema de Weierstrass, f tem um mínimo m. Como m é
imagem de algum objecto e f é positiva, temos m ¡ 0. Como m é mínimo,
32
6 Diferenciabilidade
Seja f : ra, bs Ñ R e x, x0 Psa, br, com x x0 . O declive da recta secante que passa por
px0 , f px0 qq e px, f pxqq é dado pela taxa de variação média
f pxq f px0 q
TVMx,x
x x0
0 .
f pxq f px0 q
declive da recta tangente lim declive da recta secante lim
x x0
.
xÑx 0 xÑx 0
• h ¡ 0:
f p0 hq f p0q |0 h| 0
h
lim
Ñ0 h
hlim
Ñ0 h
hlim
Ñ0
h
h
hlim
Ñ0
1 1;
33
• h 0:
f p0 hq f p0q |0 h| 0 h lim 1 1;
h
lim
Ñ0 h
hlim
Ñ0 h
hlim
Ñ0 h hÑ0
Como os limites laterais são diferentes, o limite não existe, e portantof não é derivável em x 0.
Exemplo 6.3. Consideremos f pxq
? x, x P R. Então
3
?
f p0 hq f p0q
?1 8.
3
lim
hÑ0 h
hlim
Ñ0 h
h
hlim
Ñ0 p hq2 3
f px0 hq f px0 q
f 1 px q lim .
d 0
h Ñ0 h
Se fd1 paq existir, dizemos que f é derivável em a. Se for nito, dizemos que é diferenciável
em a e que a sua derivada é fd1 paq;
• se x0 Psa, bs, chamamos de derivada de f à esquerda de x0 ao limite (se existir)
f px0 hq f px0 q
f 1 px q lim .
e 0
h Ñ0 h
Se fe1 pbq existir, dizemos que f é derivável em b. Se for nito, dizemos que é diferenciável
em b e que a sua derivada é fe1 paq;
Nota 6.3. Uma função é derivável num ponto interior x0 se e só se as derivadas à esquerda e
à direita existirem e forem iguais (podendo ser innitas). Uma função é diferenciável se e só se
estas derivadas forem iguais e nitas.
f p0 hq f p0q 01
h
lim
Ñ0 h
hlim
Ñ0 h
8.
Como as duas derivadas laterais são diferentes, a função não é derivável em x 0.
Usando a denição e alguns limites notáveis, podemos deduzir as seguintes regras de derivação:
34
2. pex q1 ex , x P R;
3. pln xq1 1{x, x ¡ 0;
4. psin xq1 cos x, x P R;
35
Exemplo 6.7. Dadas funções f, g , com f ¡ 0, qual é a derivada de f g ? Em primeiro lugar,
escrevemos
f pxqgpxq egpxq ln f pxq .
Agora, aplicamos a regra da composta:
pf g q1 pxq egpxq ln f pxq pgpxq ln f pxqq1 egpxq ln f pxq g1 pxq ln f pxq g pxqpln f pxqq1
1
parcsinpyqq1 f 1 parcsin
1
pyqq cosparcsinpyqq a
1 1
, y Ps 1, 1r.
1 y2
Exemplo 6.10. Sabendo que
cos2 parctan y q P R,
1
, y
1 y2
calculemos a derivada de arctanpy q, que é a função inversa de f pxq tanpxq. A derivada de
tanpxq é 1{ cos2 pxq, que é não-nula. Portanto
parctanpyqq1 f 1 parctan
1
pyqq cos parctanpyqq 1
2 1
y2
, y P R.
Dada uma função diferenciável f : Df Ñ R, podemos olhar para a função derivada f1 :
intpDf q Ñ R. Se a função derivada for diferenciável num ponto x0 , temos
f 1 px0 hq f 1 px0 q
f 2 px0 q pf 1 q1 px0 q lim .
h Ñ0 h
Ao valor f 2 px0 q chamamos segunda derivada de f em x0 . Se a primeira derivada de f for
diferenciável, dizemos que f é duas vezes diferenciável.
Por iteração, podemos também denir a n-ésima derivada de uma função e falar de funções
n vezes diferenciáveis.
Nota 6.4. Para simplicar notações, quando o número de derivadas k é muito elevado, escre-
vemos simplesmente f pkq px0 q em vez de colocarmos uma linha por cada derivada. Por exemplo,
escrevemos
f p6q px0 q em vez de f 42 px0 q.
36
6.1 Resultados sobre funções diferenciáveis
Proposição 6.7. Se f : Df Ñ Cf é diferenciável num ponto x0 , então f é contínua em x0 .
Proposição 6.8. Dada uma função diferenciável f :sa, brÑ R,
1. se f 1 ¥ 0 sobre sa, br, então f é crescente;
2. se f 1 ¤ 0 sobre sa, br, então f é decrescente;
3. se f 1 ¡ 0 sobre sa, br, então f é estritamente crescente;
4. se f 1 0 sobre sa, br, então f é estritamente decrescente;
5. se, para algum ponto x0 Psa, br, se tiver
f 1 pxq 0, x Psa, x0 r, f 1 px0 q 0, f 1 pxq ¡ 0, x Psx0 , br
f p xq
2x
2
x2 3 x
x4 5 lnp1 x2 q 1
vamos ver que existe um ponto onde a derivada de f é positiva e menor do que 1: f é contínua,
diferenciável e
2131
f p1q
2 5 ln 2
2 53ln 2 , f p1q
213 1
2 5 ln 2
2 51ln 2 .
Logo existe c Ps 1, 1r tal que
f p1q f p1q
f 1 pcq 2 1
2 5 ln 2
valor que está, de facto, entre 0 e 1.
Teorema 6.10 (Teorema de Rolle). Dada uma função f : ra, bs Ñ R contínua em ra, bs e
diferenciável em sa, br, se f paq f pbq, então existe c Psa, br tal que f 1 pcq 0
Corolário 6.11. Dada uma função f : ra, bs Ñ R contínua e diferenciável,
• entre dois zeros de f existe, pelo menos, um zero de f 1 ;
37
• entre dois zeros consecutivos de f 1 existe no máximo um zero de f .
Exemplo 6.12. Mostremos que o polinómio f pxq x3 5x 2 tem, no máximo, três raízes. Em
primeiro lugar, f é contínua e diferenciável tantas vezes quantas se quiser. Se f tivesse quatro
raízes r1 r2 r3 r4 , então, pelo Teorema de Rolle,
1. entre r1 e r2 , f 1 teria um zero em r11 ;
2. entre r2 e r3 , f 1 teria um zero em r21 ;
3. entre r3 e r4 , f 1 teria um zero em r31 ;
Temos obviamente r11 r21 r31 . Podemos aplicar o mesmo raciocínio para f 1 :
1. entre r11 e r21 , f 2 teria um zero em r12 ;
2. entre r21 e r31 , f 2 teria um zero em r22 ;
e novamente r12
r22 . No entanto, é fácil ver que
f 1 pxq 3x2 5, f 2 pxq 6x.
2 2 2
A única raíz de f é x 0, contradizendo a existência de r1 e r2 . Logo f não pode ter quatro
raízes.
Estas raízes são obviamente diferentes (estão em intervalos disjuntos). Pelo exemplo anterior,
sabemos que, no máximo, f tem três raízes. Podemos concluir então que f tem exactamente
três raízes.
f p xq
f pxq xa f 1 paq
xÑa g pxq
lim xlim
Ña gpxq g1 paq .
xa
38
Proposição 6.13 (Regra de Cauchy) . Dadas duas funções diferenciáveis f, g : D Ñ R e um
ponto a P D, suponhamos que
f pxq 8, f 1 pxq
xÑa g pxq
lim 00 ou
8 xÑa g 1 pxq
lim existe.
Então
f p xq f 1 pxq
xÑa g pxq
lim xlim
Ña g1 pxq .
O resultado ainda é válido quando o domínio é não-majorado (resp. não-minorado) e a 8
(resp. a 8).
Exemplo 6.14. Vamos aplicar a regra de Cauchy para levantar várias indeterminações:
1. limxÑ0 x ln x: em primeiro lugar, temos de escrever como uma indeterminação do tipo 0{0
ou 8{8:
lim x ln x lim
x Ñ0 x Ñ0
ln x
1 8
8.
x
Tentemos aplicar a regra de Cauchy: as funções são diferenciáveis e
lim
x2 1 8,
8
x Ñ 8 ex
vamos calcular o limite do quociente das derivadas:
p2xq1 lim 2 0,
x
lim
Ñ 8 pex q1 xÑ 8 ex
a regra de Cauchy implica que
px2 1q1 0
x Ñlim
8 pex q1
e, novamente pela regra de Cauchy,
x2 1
x
lim
Ñ 8 ex 0.
3. limxÑ0 psin xqx : em primeiro lugar, escrevemos na forma exponencial:
psin xqx ex lnpsin xq .
Basta então calcular o limite no expoente: como
lnpsin xq
x
lim x lnpsin xq lim
Ñ0 x Ñ0 1 8
8,
x
39
vamos ver o limite correspondente às derivadas:
Como obtivemos novamente uma indeterminação, vamos tentar calcular o limite para o
quociente das derivadas:
lim
px2 cos xq1 lim 2x cos x x2 sin x 0.
x Ñ0 psin xq1 xÑ0 cos x
Assim sendo, pela regra de Cauchy,
x2 cos x
lim 0
x Ñ0 sin x
e portanto, igualmente pela regra de Cauchy,
f pxq 2
2
x.
3
Logo o diferencial de f entre 0 e 0.1 é de 2{30 e f p0.1q 2 2{30.
40
Se f for diferenciável n vezes, então podemos aproximá-la de uma forma ainda mais precisa
usando um polinómio de grau n: o desenvolvimento de Taylor de f de ordem n em a é
Rn pxq
x
lim
Ña px aqn 0.
O polinómio de Taylor de grau n é
f 2 p0q 2 f 3 p0q 3
f 1 p0qx
3x3
3 sin x f pxq f p0q x x R3 pxq 3x R3 pxq.
2! 3! 6
Usando a fórmula do resto de Lagrange,
f p4q pcq 4
R3 pxq 3 sin c 4
x x , c entre 0 e x.
4! 4!
Logo
3 sin c 4 4 4
|R3 pxq|
4! x
| sin c| x8 ¤ x8 .
Assim sendo, se escolhermos, por exemplo, x 1, temos uma estimativa do erro cometido pela
aproximação do polinómio de Taylor de terceira ordem:
3 13
3 sin 1
31
6 |R3 p1q| ¤ 8 .
1
Qual é erro máximo cometido pela aproximação de ordem n? Usando o resto de Lagrange,
sabemos que existe c Ps0, 1r tal que
f pn 1 q pcq c
Rn p1q
p1 0qn 1 pn e 1q!
1q! pn
Queremos então estimar este resto: como c Ps0, 1r,
c
|Rn p1q| ¤ pn e 1q! pn e
1q!
pn 3 1q! ,
porque e 3. Por exemplo, o erro cometido na aproximação de ordem 10 é menor do que
3
11!
12305600
1
0.000000075 . . .
Quando n Ñ 8, a estimativa do resto de Lagrange mostra que Rn p1q Ñ 0. Logo
8̧ 1 ¸
n
ou seja,
8̧ 1
e .
k1
k!
O desenvolvimento de Taylor em torno de um ponto também pode ser usado para o cálculo
de limites nesse ponto:
x
lim
Ñ0 ex
sin x
1x 00 .
Façamos o desenvolvimento de MacLaurin (porque o ponto onde estamos a fazer o limite é 0) de
segunda ordem de cada uma das funções:
x2
sin x x R2 pxq, ex 1 x Q2 pxq,
2
onde
R2 p xq Q2 pxq
lim
xÑ0 x2
0, lim
x Ñ0 x2
0.
Logo
R2 pxq
pq
1{82
1 R2 x
x2
lim
sin x
ex 1 x
xlim x
xlim x x2
pq
0
8
x Ñ0 Ñ0 x2
2 Q2 pxq Ñ0 x2 1
2
Q2 x
x2
0
42
6.3 Estudo aprofundado de funções
Usando a informação contida nas derivadas de uma função, podemos perceber o seu comporta-
mento de uma forma bastante precisa.
Proposição 6.16. Seja f :sa, brÑ R duas vezes diferenciável. Se f 2 ¡ 0 (resp. f2 0), então
f é convexa (resp. côncava).
O estudo de uma função f : Df Ñ R inclui o seguinte:
1. Cálculo do domínio onde a função é contínua, derivável ou diferenciável;
2. Vericar se f é par ou ímpar: se f pxq f pxq, dizemos que f é par. Se f pxq f pxq,
dizemos que é ímpar.
f pxq
x
lim
Ñ8 x m P R, x
lim f pxq mx b P R,
Ñ8
então f tem uma assímptota oblíqua de equação y mx b. O mesmo acontece trocando
8 por 8;
5. Intersecção com os eixos: a intersecção com o eixo horizontal equivale a resolver a equação
f pxq 0. A intersecção com o eixo vertical corresponde simplesmente a f p0q (se 0 pertencer
ao domínio);
10. Esboço do gráco de f, tendo em consideração toda a informação obtida nos pontos ante-
riores.
43
f pxq x2 3x 5 1.
Exemplo 6.20. Façamos o estudo da função denida por
x 1 ,x
1. Como f é uma função racional, é diferenciável quantas vezes se quiser em todo o seu
domínio. Como é diferenciável, é contínua em todo o seu domínio;
2. Como
f pxq
x2 3x 5
f pxq, f pxq,
x 1
f não é par nem ímpar;
3. Como
3x 5
x
lim
Ñ1
x2
x1
0 1 8,
f tem uma assímptota vertical em x 1;
4. Calculemos os limites correspondentes às assímptotas oblíquas:
f pxq x2 3x 5
lim
xÑ8 x
xÑ8
lim
xpx 1q
1,
4x 5
x2 3x 5
lim pf pxq xq lim x lim 4.
xÑ8 xÑ8 xÑ8 x 1 x1
Logo f tem uma assímptota oblíqua de equação y x 4;
5. Pontos de intersecção com o eixo horizontal:
?
f pxq 0 ô x 2
3x 5 0 ô x
3 9 20
2
Ponto de intersecção com o eixo vertical: f p0q 5;
6. A derivada de f é
x2 2x 2
f 1 pxq
px 1q2 .
Então
7. Como f1 nunca muda de sinal, f não tem máximos nem mínimos locais;
8. A segunda derivada de f é
f 2 p xq
2
px 1q3 .
Logo
44
• f 2 p xq ¡ 0 px 1q3 0, ou seja, x 1;
se e só se
3?29 1
3 ?29
2 2
f - 0 + n.d. - 0 +
f1 + + + n.d. + + +
f2 + + + n.d. - - -
3?29 1
3 ?29
2 2
sinal de f - 0 + n.d. - 0 +
monotonia de f Õ Õ Õ n.d. Õ Õ Õ
concavidade de f n.d.
45
Figura 7: Pontos de intersecção com o eixo horizontal (a azul); ponto de intersecção com o eixo
vertical (a vermelho); assímptota vertical (a verde); assímptota oblíqua (a roxo); gráco de f (a
preto)
f pxq x2 ex , x P R.
2
Exemplo 6.21. Façamos o estudo da função denida por
1. Como f é o produto de um polinómio pela composta de uma exponencial com outro poli-
nómio, é diferenciável quantas vezes se quiser em todo o seu domínio. Como é diferenciável,
é contínua em todo o seu domínio;
f pxq
lim xex 0,
xÑ8 2
lim
xÑ8 x
x Ñ8 x Ñ8
Logo f tem uma assímptota oblíqua de equação y 0;
5. Pontos de intersecção com o eixo horizontal:
f pxq 0 ô x2 ex
0ôx0 2
6. A derivada de f é
f 1 pxq 2xex p1 x2 q
2
Então
46
• f 1 p xq 0 se e só se xp1 x2 q 0, ou seja, x Ps 1, 0rYs1, 8r;
• f 1 p xq ¡ 0 se e só se xp1 x2 q ¡ 0, ou seja, x Ps 8, 1rYs0, 1r;
7. f tem máximo local em x 1, onde atinge o valor f p1q e1 e um mínimo local em
x 0;
8. A segunda derivada de f é
Logo
• f 2 p xq 0 se e só se
? d
?
10 100 32 10 68
x 2
8
, e portanto, x
8
;
• f 2 p xq 0 se e só se
? ?
10 68
8
x 2 10
8
68
;
10. Resumimos a informação obtida sobre os sinais de f, f 1 e f2 numa tabela. Como f é par,
façamos só para x ¥ 0:
?68 ?68
b b
10 10
0 1
8 8
f 0 + + + e1 + + +
f1 + + + + 0 - - -
f2 + + 0 - - - 0 +
?68 ?68
b b
10 10
0 1
8 8
sinal de f 0 + + + e1 + + +
monotonia de f Õ Õ Õ Õ 0 × × ×
concavidade de f 0 0
Podemos agora esboçar o gráco de f, recordando que, como f é par, o gráco é simétrico
em relação ao eixo vertical:
47
Figura 8: Ponto de intersecção com o eixo horizontal e vertical (a azul); máximo local (a verme-
lho); pontos de inexão (a verde); gráco de f (a preto).
7 Primitivação
Dada uma função real de variável real g :sa, brÑ R, podemos perguntar se g é a derivada de
alguma função f, ou seja, se existe uma função f :sa, brÑ R tal que
Proposição 7.1. Dada uma função g :sa, brÑ R, suponhamos que f1 e f2 são duas primitivas
de g . Então existe uma constante C tal que
f2 p xq f1 p xq C, x Psa, br.
Por outro lado, se f é uma primitiva de g , então f C , com C P R, também é uma primitiva
de g .
Demonstração. 1. Se f1 e f2 são primitivas de g,
pf2 f1 q1 pxq f21 pxq f11 pxq gpxq gpxq 0, x Psa, br.
1 1
Como pf2 f1 q ¥ 0, f2 f1 é crescente em sa, br. Por outro lado, como pf2 f1 q ¤ 0, f2 f1
é decrescente em sa, br. Como as únicas funções simultaneamente crescentes e descrescentes são
as funções constantes, temos
48
Tendo em conta o resultado acima, percebemos que não existe uma primitiva f , mas sim uma
família de primitivas
f C, C P R.
Para dizermos que esta família é primitiva de g, escrevemos
Pg f C, C P R.
Se conseguirmos escrever g f 1 , então
Pf1 Pg f C.
Vemos assim que a primitiva de uma derivada é a própria função, a menos de uma constante.
P pun u1 q
un 1
n 1
C, C P R, n 1.
Podemos fazer o mesmo para as regras de derivação da exponencial, logaritmo, seno, cosseno,
arco-seno e arco-tangente, obtendo assim uma tabela de primitivas imediatas:
2. (Logaritmo):
u1
P
u
log |u| C, C P R;
3. (Exponencial):
P pu1 eu q eu C, C P R;
4. (Seno):
P pu1 sin uq cos u C, C P R;
49
5. (Cosseno):
P pu1 cos uq sin u C, C P R;
6. (Arco-seno):
u1
P ? arcsinpuq C, C P R;
1 u2
7. (Arco-tangente):
u1
P
1 u2
arctanpuq C, C P R.
Exemplo 7.1. Calculemos a primitiva de f 2xex : como
2
P p2xex
2
q P px2 q1 ex 2
,
P p2xex
q ex C, C P R. 2 2
P pe qP 2e 12 P 12 e2x P R.
2x 1 2x
2e2x C, C
2
P px2 sinpx3 qq P 3x2 sinpx3 q 13 P 3x2 sinpx3 q 13 cospx3 q P R.
1
C, C
3
P
4
1
x2
P 1
4
1 1
x2 {4
14 P 1
1
px{2q2 .
A derivada do que está dentro do quadrado é 1{2, pelo que precisamos de acertar constantes:
1 1
1 1{2
1 px{2q1
1 arctanpx{2q P R.
4
P
1 px{2q2 4
P 2
1 px{2q2 2
P
1 px{2q2 2
C, C
50
Nota 7.1. Dois comentários acerca das constantes C:
• enquanto a expressão tiver um termo da forma P p...q, não é necessário pôr a constante C
(ela está incluída dentro do P );
• no nal, a família de primitivas é dada por uma primitiva especíca mais uma constante
arbitrária (não importa se essa constante vinha multiplicada por 2 ou por 1, continua
sempre a ser uma constante arbitrária).
P f 1g P ppf gq1 f g1 q f g P pf g1 q.
A metodologia para aplicarmos esta regra deverá ser a seguinte:
3. Determinar f;
4. Aplicar a regra;
5. Observar se a nova primitiva é mais complicada que a inicial. Se for, o melhor será voltar
atrás.
Exemplo 7.6. Qual será a primitiva de x ln x? Em primeiro lugar, analisamos as várias regras
de primitivação imediata para ver se alguma se aplica. Chegando à conclusão de que nenhuma
delas funciona, vamos então tentar primitivar por partes: como a derivada de ln x é mais simples
que a sua primitiva, escolho
Pp x ln x q
Ó Ó
f1 g
Agora temos de indicar uma função f tal que f1 x: por exemplo, f x2 {2. Aplicando a regra
de primitivação por partes,
x
x2 x2
pln xq1
2
P px ln xq ln x P x2 ln x P .
2 2 2
x2 x x2 ln x 2
P px ln xq ln x P x4 C, C P R.
2 2 2
51
Exemplo 7.7. Qual será a primitiva de arcsin x? Novamente, analisamos as várias regras de
primitivação imediata para ver se alguma se aplica. Chegando à conclusão de que nenhuma
delas funciona, vamos então tentar primitivar por partes. Em primeiro lugar, escrevo
arcsin x 1 arcsin x
de forma a ter um produto. A derivada do arcsin x é mais simples, por isso escolho
Pp 1 arcsin x q
Ó Ó
f1 g
Agora temos de indicar uma função f tal que f1 1: por exemplo, f x. Aplicando a regra de
primitivação por partes,
P parcsin xq x arcsin x P xparcsin xq1 x arcsin x P ? x
.
1 x2
Esta última primitiva é mais simples do que a inicial; por isso, vamos continuar. Recomeçamos
o processo: será que alguma das primitivas imediatas se aplica? A resposta é sim, a da potência:
P ? x
P xp1 x2 q1{2 12 P 2xp1 x2 q1{2
1 x2
2 1{2
12 p1 1x{2 q C p1 x2 q1{2 C, C P R.
P parcsin xq x arcsin x P ? x
x arcsinpxq p1 x2 q1{2 C, C P R.
1 x2
Exemplo 7.8. Qual será a primitiva de ex sin x? Analisando as várias regras de primitivação
imediata, vemos que nenhuma delas funciona. Vamos então tentar primitivar por partes. Escolho
Pp ex sin x q
Ó Ó
f1 g
Agora temos de indicar uma função f tal que f1 ex : por exemplo, f ex . Aplicando a regra
de primitivação por partes,
P pex sin xq ex sin x P ex psin xq1 ex sin x P pex cos xq .
Esta última primitiva não é mais complicada do que a inicial; por isso, vamos continuar. Reco-
meçamos o processo: será que alguma das primitivas imediatas se aplica? Não, portanto vamos
outra vez aplicar uma primitivação por partes: escolho
Pp ex cos x q
Ó Ó
f1 g
e aplico a regra:
P pex cos xq ex cos x P ex pcos xq1 ex cos x P pex sin xq .
52
Reparamos que chegámos exactamente à mesma primitiva que tínhamos no início. Vamos então
escrever tudo desde o início:
ex sin x ex cos x
P pex sin xq C, C P R.
2
P pf φq1 ptq P f 1 pφptqqφ1 ptq
f pφptqq C
1
Se escrevermos f pxq g pxq e t φ
1 pxq, obtemos a regra de primitivação por substituição:
pP gpxqq f pxq C f pφptqq C P gpφptqqφ1 ptq
?
Exemplo 7.9. Calculemos a primitiva de x3x 2. Vericamos primeiro se alguma das primiti-
vas imediatas se aplica e de seguida tentamos fazer por partes. Vendo que isso não resulta, repa-
?
ramos que a primitiva era mais fácil se a raíz cúbica não lá estivesse. Então fazemos t 3
x 2,
ou seja, xt 3
2 φptq. Aplicando a regra de primitivação por substituição,
? a
P x x 2 P φptq φptq 2 φ1 ptq P pt3 2qt 3t2
3 3
P 3t6 6t3 37 t7 64 t4 C, C P R.
?
Agora temos de ter o cuidado de regressar à variável original x. Como t 3
x 2, obtemos
então
? ? 3 ?
P x3x 2 P 3t6 6t3 73 t7 32 t4 C 73 p 3
x 2q7
2
p3x 2q3 C, C P R.
Exemplo 7.10. Calculemos a primitiva de sin x.
? Vericamos primeiro se alguma das primitivas
imediatas se aplica e de seguida tentamos fazer por partes. Vendo que isso não resulta, reparamos
que a primitiva era mais fácil se a raíz quadrada não lá estivesse. Então fazemos x φptq t2
(por forma a cortar com a raíz). Aplicando a regra de primitivação por substituição,
? a
P sin x P sinp φptqqφ1 ptq P p2t sin tq.
Esta primitiva parece mais fácil do que a anterior, pelo que continuamos o cálculo. Esta nova
primitiva não é imediata, mas facilmente se resolve com uma primitivação por partes:
Pp 2t sin t q
Ó Ó , f cos t.
g f1
53
Aplicando então a regra,
et cos t et sin t
P pet cos tq et cos t P pet sin tq C, C P R.
2
Regressando à variável original x, como t arcsin x, obtemos então
P pxq
Qpxq
.
Apesar de existir um método geral para primitivar estas funções, iremos considerar somente o
caso em que Q é um polinómio de grau 1 ou 2.
D dq r, q, r P N, r d, q quociente, r resto.
P
Q
q R
Q
, grau de R grau de Q.
54
Exemplo 7.12. Queremos dividir x2 1 por 2x. Escrevemos então
x2 + 1 2x
x2 + 1 2x
2x x{2 x{2
x2 + 1 2x
x2 x{2
0 + 1
Como o resto tem grau menor que o divisor, o algoritmo pára e obtemos
x2 1
2x
x2 1
2x
.
x3 + 0 - 3x + 1 x2 1
x3 + 0 - 3x + 1 x2 1
x 2
x + 0 - 1x x
x3 + 0 - 3x + 1 x2 1
x3 + 0 - x x
0 + 0 - 2x + 1
Como o resto tem grau menor que o divisor, o algoritmo pára e obtemos
x3 3x 1
x x2x
x2 1 21
1
.
x3 + 2x2 + 0 - 4 x1
x3 + 2x2 + 0 - 4 x1
x3 - x x2
x3 + 2x2 + 0 - 4 x1
x3 - x2 x2
0 + 3x2 + 0 - 4
55
Como o resto tem grau maior que o divisor, o algoritmo continua. Em 3x2 , quantas vezes cabe
x? Cabe 3x vezes:
x3 + 2x2 + 0 - 4 x1
x3 - x2 x2 3x
0 + 3x2 + 0 - 4
3x2 - 3x
0 + 3x - 4
Como o resto tem grau igual que o divisor, o algoritmo continua. Em 3x, quantas vezes cabe x?
Cabe 3 vezes:
x3 + 2x2 + 0 - 4 x1
x3 - x2 x2 3x 3
0 + 3x2 + 0 - 4
3x2 - 3x
0 + 3x - 4
3x - 3
0 - 1
Como o resto tem grau menor que o divisor, o algoritmo pára e obtemos
x3 2x2 4 1 .
x1
x2 3x 3
x1
Rpxq
R grau
Qpxq
, grau de de Q.
Se Q tiver grau 1, então R é uma constante e a primitiva é imediata. Vamos agora olhar para
a situação em que Q tem grau 2 e o coeciente de x2 é 1:
• Q tem duas raízes reais distintas a, b: neste caso escrevemos
R p xq
Qpxq
x A a B
xb
,
para certas constantes A e B que teremos de determinar. Para isso, reduzimos o membro
direito ao mesmo denominador:
R p xq
Qpxq
ApxpxbqaqpxBpxbq aq
Para as expressões serem iguais, os numeradores têm de ser iguais.
Rpxq
Qpxq
xA1 a px A2aq2 ,
A determinação de A1 e A2 é análoga à do caso anterior.
56
• Q não tem raízes: neste caso, escrevemos
Qpxq px cq2 d, d ¡ 0,
determinamos c e d e escrevemos
R p xq
Qpxq
apx Rpbxqq2 c
.
Depois destas manipulações algébricas, a expressão nal consistirá sempre numa soma de
primitivas imediatas (logaritmos, potências e/ou arco-tangentes).
Exemplo 7.15. Vamos primitivar x{px2 1q. Em primeiro lugar, vericamos que o coeciente
do numerador é menor que o do denominador, pelo que não é preciso fazer divisão de polinómios.
O denominador tem duas raízes: a1 e b 1. Escrevemos então
x
x2 1
x A 1 x
B
1
Apx 1q B px 1q
x2 1
.
Igualando os numeradores,
Apx 1q B px 1q x ñ A B 1, A B 0.
Vemos então que AB 1{2:
x
x2 1
x1{21 1{2
x 1
As primitivas das funções do membro direito são imediatas:
P
x
x2 1
12 P x 1 1 1
P
1
2 x 1
21 ln |x 1| 1
2
ln |x 1| C, C P R.
Exemplo 7.16. Vamos primitivar p2x 1q{px2 4x 4q. Em primeiro lugar, vericamos que o
coeciente do numerador é menor que o do denominador, pelo que não é preciso fazer divisão de
polinómios.
O denominador tem uma única raíz a 2. Escrevemos então
2x 1
x2 4x 4
xA1 2 px A22q2 A1xp2x4x2q A2
4
.
Igualando os numeradores,
A1 px 2q A2 2x 1 ñ A1 2, 2A1 A2 1.
Vemos então que A1 2 e A2 3 :
2x 1
x2 4x 4
x 2 2 px 3 2q2
As primitivas das funções do membro direito são imediatas:
2x 1
P
x2 4x 4 P x 2 2 P
3
px 2q 2 ln |x 2|
2
3
x2
C, C P R.
57
Exemplo 7.17. Vamos primitivar px 3q{px2 4x 5q. Em primeiro lugar, vericamos que o
coeciente do numerador é menor que o do denominador, pelo que não é preciso fazer divisão de
polinómios.
O denominador não tem raízes reais. Escrevemos então
P
x 3
x2 4x 5
P px x 2q22 1
P
px 2q2
5
1
12 lnp1 px 2q2 q 5 arctanpx 2q C, C P R.
8 Integral de Riemann
Considere-se o seguinte problema: dada uma função positiva f : ra, bs Ñ R, será possível dar um
valor A à área que se encontra entre o gráco da função e o eixo das abcissas?
O caso mais simples é o da função constante f pxq c, x P ra, bs, onde o valor da área
é A cpb aq. Que outros casos serão igualmente fáceis de analisar? Por exemplo, se f
for constante por ramos, ou seja, se existir uma divisao do intervalo ra, bs em subintervalos
rxi , xi 1 s, i 1, . . . , N , de tal forma que
f pxq ci , x P rxi , xi 1 s,
então o valor da área é simplesmente a soma das áreas dos rectângulos de base rxi , xi 1 s:
¸
N
A ci pxi 1 xi q.
i 1
¸
N
A¥ min f p xq p xi 1 xi q .
i 1
Pr
x xi ,xi 1 s
Esta desigualdade é verdadeira para qualquer subdivisão do intervalo ra, bs que se considere,
o que implica que:
1
1 Se A é maior do que todos os elementos de um dado conjunto, é porque é majorante. Logo A é maior ou
igual ao supremo desse conjunto (pela denicao de supremo).
58
Figura 9: Subdivisões do intervalo e estimativas da área.
N
!¸
Por outro lado, podemos também estimar por excesso o valor da área usando a mesma ideia:
¸
N
A¤ max f p xq pxi 1 xi q.
i 1
Pr
x xi ,xi 1 s
Novamente, esta desigualdade é verdadeira para qualquer subdivisão do intervalo ra, bs que
se considere e portanto:
N
!¸
Se A A, então, como A está enquadrado entre estes dois valores, temos de ter necessaria-
mente A A A.
Denição 8.1. Dada uma função f : ra, bs Ñ R, dizemos que f é integrável se A A. Nesse
caso, denimos o integral de f em ra, bs como sendo
»b
f pxqdx A A
a
Note-se que, de acordo com esta denição, se f for negativa e integrável, então A, A ¤ 0, o
que implica que o integral de f é negativo. O integral corresponde assim ao valor da área afecta
de sinal delimitada por f, onde as regiões onde f é negativa contam negativamente para o valor
da área (quando f é negativa, a área encontra-se acima do gráco e por isso a mudança no sinal).
59
Proposição 8.2. Qualquer função contínua num intervalo ra, bs é integrável.
• se k P R, então kf é integrável e
»b »b
kf pxqdx k f pxqdx
a a
• a soma f g é integrável e
»b »b »b
pf pxq g pxqqdx f pxqdx g pxqdx
a a a
»x h »x »x h
F px hq F pxq f py qdy f py qdy f py qdy f pxqppx hq xq f pxqh.
a a x
F px hq F pxq
h
f p xq
O membro esquerdo é uma razão incremental de F, pelo que se coloca a questão sobre o que
acontece quando hÑ0 (ou seja, se F é diferenciável em x):
F px hq F pxq
Será que
h
lim
Ñ0 h
f pxq ?
60
Teorema 8.6 (Teorema Fundamental do Cálculo). Se f : ra, bs Ñ R é contínua, então o integral
indenido
»x
F pxq f py qdy
a
»x
f py qdy pP f qpxq pP f qpaq, onde Pf é uma primitiva qualquer de f.
a
O cálculo de integrais reduz-se agora ao cálculo de uma primitiva da função integranda,
usando as ferramentas desenvolvidas na secção anterior.
Nota 8.1. Por conveniência, escrevemos rgpxqsba para designar gpbqgpaq. Assim sendo, podemos
reescrever a fórmula de Barrow como
»b
f pxqdx rP f pxqsba , onde Pf é uma primitiva qualquer de f.
a
³3
Exemplo 8.1. Considere-se f p xq x2 x e calculemos f pxqdx: como uma primitiva de f é
x3 {3 x2 {2,
2
a fórmula de Barrow implica
»3
3
f pxqdx x3 {3 x2 {2
9 8
2
9 2
2 2 3
³π
Exemplo 8.2. Considere-se g pxq 2x sin x2 e calculemos 0
g pxqdx: como uma primitiva de g
é sin x2 , a fórmula de Barrow implica
»π
π
g pxqdx sin x2 0
sin π2 .
0
61
Exemplo 8.4. Considere-se
» x3
g p xq f py qdy.
x
³x
Sendo F p xq 0
pq
f y dy , podemos escrever g x F x3 p q p q p q
F x . Logo, pelo Teorema Funda-
mental do Cálculo e pela regra de derivação da função composta,
³ ex
1
sinpxqdx
lim .
x Ñ0 x
0
Tendo em conta que o limite é uma indeterminação do tipo
0 , vamos aplicar a regra de Cauchy:
usando o Teorema Fundamental do Cálculo,
³ x 1
sinpxqdx
e
lim
x Ñ0
1
x1
xlim
Ñ0
ex sinpex q sin 1.
³ ex
sinpxqdx
lim
x Ñ0
1
x
sinp1q.
62