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HUBERTO ROHDEN

ÍDOLOS
OU IDEAL?
PENSAMENTO AVULSO SOBRE DEUS, O HOMEM E O UNIVERSO

UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar


é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a


transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer


convenções acadêmicas.
ÍDOLOS OU IDEAL?

O título e o conteúdo deste livro nos colocam diante de um impasse existencial.


Iremos adorar ídolos ou iremos viver um Ideal? Cada um de nós, num
determinado momento de nossas vidas, chega a essa filosófica pergunta. E a
resposta e vivência dessa pergunta determinará a qualidade e a finalidade de
nossa existência.

Devemos aprender com a sabedoria milenar dos tempos: Somos livres para
semear, mas somos obrigados a colher aquilo que semeamos. A escolha é da
responsabilidade de cada um. Essa é a inexorável lei cósmica que rege a
harmonia do Universo.

A mensagem deste livro nos ajuda a fazer a escolha melhor. Gradativa e


didaticamente, Rohden vai nos mostrando, através de pensamentos sobre
Deus, o homem, o universo, a vida, o verdadeiro caminho existencial que todo
o ser humano pode e deve percorrer na sua evolução.

O livro oferece a vantagem de não exigir uma leitura contínua e concentrada.


Num minuto podemos “pegar” um fragmento, uma metáfora, um aforismo e lê-
lo isoladamente até à assimilação inconsciente, para que fique fermentando e
programando nosso agir cotidiano. Esses fragmentos condicionadores de atos
e atitudes positivas e de “correto agir” são de grande valia para atingirmos
nossa grandeza humana e espiritual.

Intuitivamente Rohden começa nos ensinando a importância de “Fechar o


Circuito”. Diz ele: “Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a
usina, a lâmpada não acende, não importa o ponto onde a corrente esteja
interrompida. Para haver luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o
misterioso fluido tenha circuito completo, ida e volta.

Assim, se alguém só quer receber e não quer dar, devolvendo à usina divina o
que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e
calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que
de Deus recebeu. „De graça dai o que de graça recebestes‟.

Onde não há efluxo de bens na horizontal, não pode haver influxo na vertical:
homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. A falta de
fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia moral.”

O supremo ideal do homem deve ser sua própria auto-realização.


PRELIMINARES

Sou carpinteiro, nas horas vagas. Depois de terminado algum trabalho maior,
fica o soalho da carpintaria cheio de pedaços e pedacinhos de madeira, tábuas
e sarrafos de diversos tamanhos e feitios. Em vez de jogar fora ou usar como
lenha essas sobras, reúno as melhores e delas faço algum objeto útil ou de
simples enfeite: uma casinha para as corruíras fazerem ninho, uma cadeirinha
ou mesinha para crianças, uma casinha de bonecas, ou algum vaso para
flores.

Durante quase meio século escrevi e publiquei umas dezenas de livros, sobre
filosofia universal, filosofia do Evangelho, assuntos de religião, biografias e
divulgação científica; mas os meus livros não-publicados são mais numerosos
que os que andam nas mãos dos leitores: e mais numerosos ainda são os
cadernos de pensamentos vários, impressões de fora e experiências de dentro
– um mundo de coisas heterogêneas, fragmentos de todas as espécies.

Ora, em vez de deixar às traças, ou à arbitrariedade dos pósteros, esses


fragmentos da minha carpintaria literária, resolvi reunir algumas dessas idéias
avulsas e dispersas, na esperança de que, talvez, algum leitor se encontre a si
mesmo nesses ecos multiformes e multicores da minha alma.

Não procure, portanto, o leitor unidade ou sequência lógica entre os capítulos


de um livro que não tem pretensão alguma de ser um todo homogêneo ou
logicamente concatenado. Abra este volume em qualquer página e leia o que
lhe cair sob os olhos. Verá que, não raro, necessita precisamente daquilo, para
seu alimento interior, o que casualmente encontra.

De resto, nessa febricitante lufa-lufa da civilização moderna, sobretudo nas


grandes metrópoles, poucos leitores têm paciência e lazer para estudar um
volume que desenvolva coerentemente uma determinada idéia; muitos
preferem um bric-a-brac de assuntos que possam ler em cinco ou dez minutos.
Pois bem, neste volume de “fragmentos” – e, se Deus quiser, em mais alguns
volumes futuros – encontrará o leitor o desejado alimento em bocados de fácil
e rápida ingestão.

***

Não me é possível precisar até onde vai a minha paternidade literária no


tocante a muitos dos pensamentos deste volume. Quem passa pelo mundo de
olhos abertos e espírito alerta; quem passou longos anos fora da terra natal;
quem entrou em contato mental e espiritual com numerosos pensadores e leu
grande número de livros, em diversas línguas – não está em condições de
discriminar, no fim, qual a porcentagem de idéias próprias e quais as de origem
alheia. Em certo sentido, todos os nossos pensamentos são alheios, embora,
em outro sentido, sejam nossos, uma vez que cada pensamento pensado por
outrem, e repensado por nós, assume o colorido do nosso ego personal – e,
assim, o filho adotivo passa a ser filho próprio. Servindo-nos da terminologia
aristotélica, diríamos que, embora a matéria das nossas idéias seja de todos, a
forma é nossa, e, sendo aquela o elemento determinável, e esta o fator
determinante, todos os pensamentos que mergulharam nas profundezas da
experiência pessoal são mais daquele que lhes deu forma determinante do que
daqueles que forneceram apenas a matéria determinável.

Apagam-se cada vez mais as fronteiras materiais dos povos, nessa idade dos
aviões a jato – e diluem-se cada vez mais as fronteiras mentais, nesse avanço
da cultura universal.

O leitor que possua suficiente fidelidade a si mesmo não se deixará influenciar


por pensamentos alheios ao ponto de perder essa auto-fidelidade, deixando de
ser o que é para se tornar o que não é; assimilará o que for assimilável e
rejeitará o inassimilável. Diariamente, ingerimos determinados alimentos e até
hoje ninguém virou batata, arroz, feijão, pão, manteiga, ou outro manjar que
tenha ingerido milhares de vezes, porque o organismo, quando normal e
vigoroso, é fiel a si mesmo, transformando em si o objeto, sem se deixar
transformar pelo objeto.

Faça o leitor o mesmo com estes “fragmentos” – assimile o que corresponder


ao estado da sua evolução interna – e deixe de parte o resto.
FECHAR O CIRCUITO!
Se o circuito elétrico não for completo, da usina e para a usina, a lâmpada não
acende, não importa o ponto onde a corrente esteja interrompida. Para haver
luz, força ou calor, a lei cósmica exige que o misterioso fluido tenha circuito
completo, ida e volta.

Assim, se alguém só quer receber, e não quer dar, devolvendo à usina divina o
que dela recebeu, interrompe o fluxo contínuo – e sua vida fica sem luz, força e
calor. Feche, pois, o circuito dos dons divinos, distribuindo aos homens o que
de Deus recebeu; porquanto, “o que fizerdes a um desses meus irmãos mais
pequeninos, a mim é que o fazeis”.

O SEGURO MORREU DE VELHO


Todo homem “seguro” – que muito segura o que tem e não o partilha com
ninguém – morre de “velho”, dia a dia, embora pareça moço; porque egoísmo é
velhice moral, decrepitude senil.

“De graça dai o que de graça recebestes!” (Jesus.)

“Temos em nossas mãos bens demasiados.” (Emerson.)

Onde não há efluxo de bens na horizontal, lá não pode haver influxo na vertical:
o homem que não dá a seus irmãos não pode receber do Pai celeste. E falta de
fluxo contínuo é suicídio lento por asfixia, arteriosclerose moral.

SEGURO DE VIDA
Sim – mas da vida dos outros. Eu não posso fazer um seguro de vida pessoal
sem fazer um seguro de vida universal. Quem quiser salvar-se individualmente,
talvez que entre no céu – mas esse céu é povoado de refinados egoístas como
ele, que quiseram salvar-se sem os outros, ou à custa dos outros. Todos eles
estão num céu infernal. Prefiro estar num inferno celestial...

Não posso ser feliz no meu céu enquanto um único ser humano for infeliz no
seu inferno e não tenha a possibilidade de entrar no céu da felicidade. Detesto
esse céu! Quero sair dele! Prefiro sofrer no inferno com o grosso da
humanidade a gozar nesse céu com uma elite de refinados egoístas.
Onde eu possa fazer bem a meus semelhantes, mesmo entre sofrimentos, ali é
o meu céu.

DEUS EM TI
“Despoja-te de toda e qualquer cobiça! O que, depois disto, sobrar de ti, isto é
Deus” (Meister Eckhardt). A soma total das tuas cobiças, físicas e mentais, não
são o teu verdadeiro Eu – são apenas a tua máscara ou a tua “persona”*.

Esse pseudo-Eu da personalidade humana revela-se, precipuamente, de dois


modos: pelo instinto de conservação e pelo instinto de propagação, ou seja,
pelo egoísmo individual e pelo egoísmo sexual.

Deus no homem chama-se a alma, o Emanuel, o Cristo interno, o Espírito


santo que habita no templo do corpo.

* A palavra latina “persona” (pessoa) quer dizer “máscara”. “Persona”, composto de “per”
(através) e “sonare” (soar, falar), era, entre os romanos aquela máscara de boca aberta através
da qual os atores do palco falavam. Desempenhar a “persona” ou máscara do rei, do vilão, do
mendigo, equivalia à nossa expressão hodierna “desempenhar o papel” de...

A pessoa ou personalidade do homem não é, pois, o seu verdadeiro Eu, senão apenas um
invólucro, uma máscara fictícia e temporária da sua verdadeira individualidade humana. O seu
verdadeiro Ego é sua alma.

ESPELHO OU JANELA?
O profano egoísta acha-se no meio duma sala cujas paredes são espelhos,
como no célebre museu de Grevin, de Paris; para onde quer que ele se volte,
só vê o seu Eu, sempre seu próprio Eu – isto é, o seu pseudo-Eu físico-mental
que ele erroneamente identifica com o seu verdadeiro Eu espiritual. Que
admira que esse homem fique egocêntrico?

De repente, enojado desse Eu, quebra um dos espelhos-parede e abre


caminho para o mundo objetivo! E fica livre da obsessão do seu estreito
egocentrismo. Abriu uma janela!

INTROSPECÇÃO NÃO É EGOCENTRISMO


Há quem pense que a meditação ou introspecção favoreça o egocentrismo,
obrigando o homem a girar em torno de si mesmo. É engano! A introspecção
ensina ao homem a ultrapassar o seu ego físico-mental, estreito e unilateral, e
encontrar o seu grande Ego espiritual, vasto e onilateral como o próprio Deus
de infinita amplitude. Quanto mais o homem se concentra no seu Eu espiritual,
na sua alma divina, tanto mais ele se universaliza e diviniza. A consciência
universal, porém, é o amor universal e absoluto.

CRISTO E CRISTIANISMO
Ambos nasceram no Oriente próximo, em sua forma humana – mas o
cristianismo eclesiástico é criação típica do Ocidente, que o Oriente jamais
aceitará. Se o nosso cristianismo teológico se converter no cristianismo
evangélico, também o Oriente se tornará cristão.

ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI


Stanley Jones, o grande missionário norte-americano da Índia, pediu a Gandhi
o orientasse sobre o melhor modo de fazer com que os hindus vissem no
cristianismo algo seu, e não um elemento alheio ao espírito da Índia. Ao que o
Mahatma respondeu:

1) “Antes de tudo, aconselharia aos cristãos que vivessem assim como o Cristo
viveu.

2) Que transformassem a religião em atos, sem lhe fazer violência nem a


degradar.

3) Que pusessem ênfase especial na prática do amor, porque o amor é o


centro e a alma do Cristianismo. Entendo por amor não algum sentimento
emocional, mas uma força creadora, a força do universo moral.

4) Que os cristãos estudassem com mais simpatia as religiões e culturas não-


cristãs, para descobrir o que nelas-há de bom e adquirir a faculdade de se
aproximar do oriental com maior compreensão.”

FALA UM GRANDE INDIÓLOGO


Escreve o dr. Erwin Baktay, exímio conhecedor da Índia: “O dr. Stanley Jones
ousou dar o passo decisivo; concede, aberta e corajosamente, que mais
aprendeu da Índia do que pôde ensinar à Índia. Aprendeu a verdade essencial
de que a essência do cristianismo é unicamente o próprio Cristo – todo o resto
é aditamento humano, são pontos de vista e sistematizações eruditamente
excogitados, e que só em determinadas circunstâncias peculiares têm um
direito relativo à existência. A Índia nada pode ter de comum com as guerras de
religião do Ocidente, com as controvérsias teológicas e com todo o curso do
desenvolvimento do cristianismo segundo o gênio do Oeste; nada pode ter de
comum com os problemas locais relacionados com a cultura ocidental – tanto
mais, porém, tem a Índia que ver com o Cristo e seu Evangelho. Se o mundo
ocidental tinha o direito de desenvolver as correspondentes formas religiosas
segundo a sua própria concepção, consoante as circunstâncias da sua
evolução – compete à Índia pelo menos o mesmo direito de desenvolver o
cristianismo a seu modo, tanto mais que o seu profundo entusiasmo com que,
há milênios, vai em busca de Deus, e sua insaciável sede da verdade
transformaram o subsolo espiritual do indiano num humus fecundo, muito mais
propício à recepção da pureza do Evangelho do que a Europa de outrora, em
parte dominada pela cultura heleno-romana, isto é, pagã; em parte dominada
pelo barbarismo; mais propício também do que o Ocidente de hoje,
obsessionado pelo materialismo, pela ânsia do poder, e que por isto vai
definhando num caos de sistemas eruditamente excogitados.”

ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE


O Oriente trilha, por via de regra, o caminho individual do saber, isto é, da
experiência religiosa pessoal; mas isto é privilégio de uma pequena elite; as
massas são incapazes de realizar esse encontro pessoal com Deus,
contentando-se com os invólucros vazios de yoga, que para elas são meras
fórmulas sem conteúdo.

O Ocidente desenvolveu o caminho coletivo do amor, inteligível às massas, a


qualquer creatura, por mais destituída de inteligência e preparo – crianças e
analfabetos, doentes no fundo do leito ou operários nas fábricas – para todos
eles é inteligível a linguagem do amor, e, de fato, só aceitam o cristianismo
quando lhes vem na forma internacional e interconfessional do amor.

Infelizmente, o Ocidente, em geral, não deu importância ao encontro pessoal


com Deus, sem o qual todo amor social e coletivo é superficial, meramente
emocional, acabando naquilo que temos visto e estamos vendo: guerras, ódio
de classes, extermínio de raças, conflitos religiosos.

O Oriente não pode aceitar o cristianismo teológico do Ocidente, mas abraçará


com entusiasmo o cristianismo do Evangelho, porque vê no Cristo o divino
Logos, o eterno Super-Eu, a alma do homem e do universo.

Assim, a Índia jamais aceitará um Deus vingativo, como aparece na teologia


ocidental; nem a idéia de castigos eternos e a absoluta impossibilidade da
conversão; nem tampouco a doutrina do pecado original, de um pecado
cometido por outra pessoa e pelo qual eu seria responsável; nem a teologia
horripilante da redenção pelo sangue de um homem inocente injustamente
trucidado pelos pecadores.

CICLOS CÓSMICOS
Um ano mundial (aion) abrange cerca de 25.920 anos terrestres. Um mês
mundial corresponde a cerca de 2.160 anos terrestres.

Cada mês mundial inaugura na terra uma nova era, cujo fim é sempre
acompanhado de grandes tribulações e tempestades de todo gênero – expira
um inverno tormentoso para dar lugar a uma nova primavera de evolução.

O Antigo Testamento decorre sob o signo de Capricórnio, símbolo de violência.


Estamos no signo de Peixes, que começou com o nascimento de Jesus; e
vamos em breve entrar no signo de Aquário.

A era de Peixes é assinalada pela onda cósmica do amor, pelo Cristo, o


misterioso “ichthys” (peixe) das catacumbas.

A era de Aquário virá a ser o domínio da universalidade, assim como a água é


o elemento mais universal na terra, sem a qual nenhuma vida orgânica é
possível.

Os maus espíritos, que são soltos no fim de cada ciclo cósmico, não são maus
em absoluto, mas sim relativamente maus – assim como são más as
tempestades que preludiam o advento da primavera e quebram os galhos
podres e arrancam as folhas secas, a fim de preparar a grande ressurreição da
natureza.

Era da serpente rastejante – Lúcifer.

Era da serpente exaltada – Cristo individualizado em Jesus.

Era do espírito universal – Cristo cosmificado no espírito santo.

INDIVIDUAL – COLETIVO
O coletivismo só pode ser perfeito pela união de homens individualmente
perfeitos, irradiando amor desinteressado. O indivíduo só pode ter possibilidade
de ulterior evolução das suas faculdades, através de uma vida fundada num
coletivismo perfeito desse gênero. A missão da sociedade está em garantir ao
indivíduo, não só a maior segurança, mas também todos os meios necessários
para o seu aperfeiçoamento.
O maior perigo do coletivismo mal orientado está na tendência de querer
suprimir o indivíduo e coibir a livre expansão das suas faculdades e talentos.
Valores reais se perderiam deste modo, o que, cedo ou tarde, redundaria em
detrimento do Todo Social.

O Oriente possui o segredo da evolução individual, mas não conseguiu


desenvolver uma vida coletiva para as massas que lhes assegurasse um bem-
estar dignamente humano; e por isto milhões de seres humanos vegetam e
sofrem em condições indizivelmente tristes.

No Ocidente houve mais coletivismo, mas, devido à falta de cultura individual, o


próprio coletivismo degenerou em maldição.

Quando surgirá o homem completo, integral, o homem cósmico?

Já apareceu, mas são poucos que conseguiram trilhar o mesmo caminho.

“Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham em maior


abundância.”

A RELIGIÃO DE EINSTEIN
“A minha religião – diz ele – consiste numa humilde admiração do espírito
supremo, ilimitado, que se revela nos pequenos detalhes que somos capazes
de perceber com a nossa mente débil e fraca: – a presença de um Poder
Racional superior, revelado no universo incompreensível – é o que é a minha
idéia de Deus.”

O COSMOS É INDIVISÍVEL
Escreve o grande cientista contemporâneo, Dr. Gustavo Stromberg: “Temos
razões para crer que todos os atributos do cosmos sejam interrelacionados e
formem um Todo unificado. O cosmos em si mesmo é um e indivisível; e é
devido a uma peculiaridade da nossa mente e do nosso sistema nervoso que o
apreendemos na forma de categorias (quer dizer: fenômenos concretos).
Matéria, vida e consciência têm as suas raízes num mundo além de tempo e
espaço.”

CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO


Escreve Lincoln Barrett, na obra The Universe of Dr. Einstein: “Permanece o
mistério fundamental. Toda essa marcha da ciência rumo à unificação dos
conceitos – a redução da matéria a elementos, a uns poucos tipos de
partículas, a redução das forças ao simples conceito de energia – tudo isto
continua ainda a locar-nos ao Desconhecido.”

HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES


GÊNIOS RELIGIOSOS
Escreve o filósofo Erich Fromm, em seu livro Psychoanalysis and Religion:

“Quando tentamos dar um quadro da atitude humana que serve de substrutura


ao pensamento de Lao-Tse, de Buda, dos Profetas, de Sócrates, de Jesus, de
Spinoza e dos filósofos do Esclarecimento, fere-nos a atenção o fato de que,
não obstante notáveis diferenças, existe um centro de idéias e normas comuns
em todos esses ensinamentos. Sem pretendermos apresentar uma formulação
completa e precisa, passaremos a descrever, aproximadamente, esse centro
comum:

1) deve o homem esforçar-se para atingir a verdade, e o homem só pode ser


plenamente humano na proporção que realizar essa sua missão;

2) deve o homem ser independente e livre, um fim em si mesmo, e não um


meio para os propósitos de quem quer que seja;

3) deve estabelecer entre si e seus semelhantes uma relação de amor; se lhe


faltar o amor, não passará de um invólucro vaio (empty shell), mesmo que
possuísse todo o poder, todas as riquezas e toda a inteligência;

4) deve conhecer a diferença entre o bem e o mal, e deve aprender a ouvir a


voz da consciência e tornar-se capaz de segui-Ia.”

O PERIGO DE NÃO FAZER NADA


“Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que
não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma.” (Adolphe
Monod.)

PALAVRAS FORTES – CAUSA FRACA


“Palavras fortes e amargas indicam, geralmente, uma causa fraca.” (Victor
Hugo.)
O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO
“Quando duas pessoas fazem a mesma coisa, a coisa não é a mesma.”
(Publius Syrus.)

ALTO – MAS NÃO DEMAIS


“Ascende acima das restrições e das convenções do mundo – mas não tão alto
que as percas de vista!” (Richard Garnett.)

CRIMES E VÍCIOS
“Crimes, quase sempre nos chocam demais – vícios, quase sempre, nos
chocam de menos.” (C. Hare.)

EXCESSIVAMENTE CLARO
Dizem uns: O homem de hoje paga os seus débitos de ontem.

Opinam outros: O homem de hoje paga os débitos do pai comum da


humanidade.

Acham outros: O homem de hoje não paga débito algum, mas nasceu
simplesmente nesse estado inferior.

Essas três teorias, sobretudo a primeira e a segunda, são demasiadamente


simples e claras, para serem aceitáveis. Coisa que a inteligência possa
facilmente compreender e que não deixe margem para dúvidas e obscuridades,
é suspeita de estar aquém da verdade integral. As grandes verdades são
certas, intuitivamente, mas não analisáveis, intelectualmente. Podemos intuí-
Ias com a razão espiritual, mas não inteligi-Ias com a mente.

Felizmente, nem é necessária essa análise intelectual. Muito mais importante


do que esquadrinhar o donde e o porquê do sofrimento é saber o para quê do
mesmo e o como da atitude a assumir em face dele, para que promova a nossa
evolução rumo às alturas.

A VOZ DA INTUIÇÃO
Um senso íntimo e indefinível me diz:
1) que não fui o que sou, e que posso vir a ser mais do que sou;

2) que aquilo que posso vir a ser depende de uma integração no Todo, de um
serviço prestado ao Universo, ao Todo, a Deus;

3) que todo isolamento ou separatismo é pernicioso, mau, pecador, infeliz;

4) que a integração no grande Todo é feito pelo Amor, por um amor racional,
espontâneo, radiante, jubiloso;

5) que esse grande Todo me é acessível, diariamente, na forma da


humanidade, de cada um dos meus semelhantes, e da própria natureza infra-
humana;

6) que, à luz desse Amor Universal, o passado do homem se torna


compreensível, não no plano intelectivo, mas sim o plano intuitivo, que é o
verdadeiro saber.

Tudo isto que estou dizendo a meus leitores, digo-o em primeiro lugar a mim
mesmo. Eu sou o meu leitor e ouvinte número um – o meu pequeno Eu físico-
mental está sentado como dócil discípulo aos pés do Mestre, que é o meu Eu
espiritual, o meu Cristo interno, o meu Emanuel.

QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU


Deus é aquela Realidade Universal, Absoluta, Infinita, Eterna, Única, que
ultrapassa todas as fronteiras das nossas análises intelectuais. Para além dos
extremos horizontes de todos os nossos mais arrojados silogismos começa
Deus, que não é isto nem aquilo, nem a soma total de todos os fenômenos do
universo. Só sei de Deus pela experiência íntima do meu próprio Eu divino.

Quem julga ter provado a Deus pelo intelecto é ateu.

E quem adora esse Deus demonstrado é idólatra.

A VIDA NÃO É UMA TEORIA


Há quem se diga agnóstico, há quem se chame ateu. Ambos ignoram a Deus;
mas o agnóstico ignora-o sem quebra da lógica, ao passo que o ateu o ignora
assassinando a lógica, porquanto afirma conhecer algo que, segundo ele, não
existe – como se o inexistente, o puro nada, pudesse ser objeto de
conhecimento!

Na prática, porém, não há nem agnósticos nem ateus. Em teoria é possível


manter-se alguém numa atitude de suspensão ou neutralidade, porque a teoria
é um esqueleto inerte; na prática, porém, todo homem assume atitude ou
positiva ou negativa – a neutralidade é uma simples ficção mental, inexistente
no plano da realidade concreta da vida humana.

CRER OU DESCRER NADA RESOLVE


Crer em Deus não resolve os problemas da vida – descrer dele, ainda menos.
Mas o crer torna suportáveis os sofrimentos da existência, ao passo que o
descrer os torna insuportáveis.

A única coisa que realmente resolve os problemas é o saber, isto é, a


experiência íntima da realidade de Deus. Em face do saber desmaiam a noite
do descrer e o crepúsculo matutino do crer, assim como as trevas e penumbras
fogem diante do sol nascente.

Entretanto, o crer é de suma importância, porque é o prelúdio do saber.


Ninguém pode saber sem primeiro crer.

HARMONIZAR O AGIR COM O SER


No meu íntimo SER sou Deus; por isto, no meu externo AGIR também devo ser
como Deus. Devo combinar a horizontal da minha ética com a vertical da minha
mística, a fim de ser redimido por essa cruz, de ser positivo, mais, infinito,
como esse sinal simbólico. Todo o mal da minha vida vem da discrepância
entre o meu AGIR e o meu SER.

UNO E MÚLTIPLO
Deus é um ou uno em sua essência, no seu eterno SER – porém múltiplo na
sua existência, no seu AGIR temporário. Os mundos múltiplos são a expressão
do Deus uno e único.

“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA”


Um brâmane, cultor da mística estática das cavernas solitárias, insistia com
Mahatma Gandhi que se retirasse do bulício do mundo e da política para o
silêncio duma caverna, a fim de se salvar; ao que Gandhi replicou: “Trago essa
caverna dentro de mim.”
BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO
– RELIGIÕES PARA ELITE
Essas religiões são para pequenas elites, seitas, irmandades piedosas, não
para a humanidade como tal. No catolicismo romano, só uma pequena elite, os
sacerdotes, frades e freiras, com os seus votos separatistas, é que são
considerados cristãos de primeira classe; os leigos e casados são tolerados,
como seres de segunda classe.

De modo análogo, no budismo e bramanismo.

O cristianismo, porém, é universal; exige de todo e qualquer homem uma


santidade e perfeição completa, uma religião da vida inteira, e não apenas de
certas horas devocionais.

A única consolação que as religiões ascéticas orientais, e o romanismo clerical


do Ocidente, podem dar ao homem no meio do mundo é ter pena dele e
augurar-lhe melhor sorte numa futura reencarnação, ou então recomendar-lhe
que se resigne com um lugarzinho secundário no céu, deixando os lugares de
honra, na imediata vizinhança de Deus, aos heróis da renúncia do mundo de
Deus. Para todos eles, a perfeição não está em usar corretamente as coisas
que Deus nos deu, mas em recusá-Ias com soberano desdém.

PAZ INTERNACIONAL – SÓ NO CEMITÉRIO


Depois da primeira guerra mundial, alguém, visitando a Europa devastada, viu
por toda a parte cemitérios e mais cemitérios de soldados mortos –
americanos, ingleses, alemães, franceses, italianos, russos, israelitas – todos
eles pacificamente sepultos uns ao lado dos outros – e não havia guerra entre
eles...

Será que só quando morto pode o homem estar em paz com seus
semelhantes?

Sim, só depois de morto – ou morto para a vida do corpo, ou então morto para
a vida do seu egoísmo. Se não quiser morrer para o egoísmo, terá de morrer
para a vida corpórea, se é que quer ter paz com seus irmãos humanos.

Só a pleni-vida do espírito, em vez dessa semi ou pseudo-vida do corpo e da


mente é que lhe poderiam garantir perfeita paz no meio duma vida abundante.

“Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância.”

“Dou-vos a minha paz”...


“Isto vos disse para que minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa
alegria”...

PEIXINHOS EM POÇAS D’ÁGUA DA PRAIA


Cada grupo de peixinhos nessas poças que a maré deixara na arenosa praia
discutia com os inquilinos de outras poças, afirmando ser a sua poça o mar e
serem eles os únicos habitantes legítimos do oceano.

De repente, enorme vagalhão levou de roldão todas as pocinhas d‟água


juntamente com seus orgulhosos íncolas, abismando-os nas profundezas do
mar.

E os peixinhos viram que eram todos irmãos e habitantes do mesmo oceano.

BUROCRATIZANDO OU VOLATILIZANDO
O CRISTIANISMO
São estes os dois grandes perigos da atualidade. O sectário estreito
burocratiza o espírito de Cristo, procurando encerrá-lo em fórmulas
doutrinárias. O liberal superficial volatiza a alma do cristianismo, difundindo-a
pelos vastos areais da sua indiferença religiosa, até não sobrar nada da divina
essência do Evangelho.

Respeitar a infinita verticalidade do Evangelho, e ao mesmo tempo


horizontalizá-lo até aos últimos confins do universo – isto é tremendamente
difícil, porquanto o vertical da profundidade e sublimidade parece negar o
horizontal da amplitude e universalidade. Assim parece aos profanos liberais e
aos estreitos sectaristas – mas o verdadeiro iniciado sabe por experiência
íntima que não há antagonismo real entre o vertical da experiência individual e
o horizontal da organização social. Mas, para unir permanentemente a barra
horizontal com o tronco vertical, requer-se tamanha força espiritual que poucos
conseguem essa suprema realização, filha do encontro pessoal com Deus.

ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA
A Bíblia, sobretudo no mundo protestante, foi transformada numa simples
coletânea de preceitos éticos ou numa teologia escolástica, em uma espécie de
dose de ópio destinada a manter pacientemente submissas as bestas de carga
humanas; dos misteriosos surtos de experiência mística que produziram a
Bíblia, desse vastíssimo incêndio do espírito divino de que as palavras
humanas são apenas cinzas frias – disto nada sabem nem suspeitam os
cultores da “letra morta”. A “bibliolatria”, como lhe chama Harry Émerson
Fosdick, é a pior inimiga da Bíblia.

REALISMO – IDEALISMO
O Cristianismo é um vasto realismo horizontal, animado por um profundo
idealismo vertical.

O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS


Ou o homem tem experiência de Deus – e neste caso vê a Deus no mundo e o
mundo em Deus; ou não tem experiência de Deus – e neste caso vê o mundo
sem Deus. No meio desses dois extremos estão os que, embora não tenham
experiência de Deus, têm contudo a boa vontade de a possuir, e isto é crer. O
crente não vê a Deus no mundo, nem o mundo sem Deus – mas adivinha Deus
para além do mundo.

Para o descrente e o insciente, Deus é inexistente.

Para o crente, mas ainda insciente, Deus é existente, porém ausente.

Para o experiente ou sapiente, Deus é ao mesmo tempo imanente no mundo e


transcendente ao mundo. Este é o homem integral, cósmico, crístico.

TOTALITARISMOS – CATÓLICO
E PROTESTANTE
“O catolicismo tem sustentado o nazismo, o fascismo, o integralismo, e todas
as outras formas de totalitarismo político, porque ele mesmo é o totalitarismo
por excelência, e numa esfera mil vezes pior que a esfera política, na espera
espiritual da consciência. Os países de preponderância católica são
invariavelmente aqueles em que o comunismo medra mais espantosamente.

O protestantismo tem sustentado o capitalismo e todas as formas de


totalitarismo econômico, embora, em teoria, invoque os direitos do indivíduo
humano.

Só uma profunda e completa remodelação da mentalidade individual, católica e


protestante, é que poderá salvar a civilização cristã do Ocidente” (adaptado).
MARIA – PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA
MÍSTICA-SOCIAL
Maria, tocada pelo Espírito Santo, tornou-se a primeira revolucionária em prol
do reino de Deus, na era cristã, quando exclamou:

“Serviu-se do poder do seu braço para dispersar os soberbos na mente do seu


coração e exaltar os humildes... Depôs dos seus tronos os orgulhosos e
sublimou os pequeninos... Encheu de bens os famintos e mandou embora
vazios os ricos.” (Lc. 1,51-53.)

TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA


Toda e qualquer revolução que venha apenas como um belo movimento ético
ou social está derrotada mesmo antes de começar, porquanto toda a ética é,
em si mesma, difícil, cruciante, sacrificial – e estas coisas não têm garantia de
solidez e perpetuidade. Só as coisas experimentadas como fáceis,
espontâneas e deliciosas é que possuem essa solidez e perpetuidade.

Toda revolução construtiva tem de ser baseada, portanto, numa compreensão


profunda da realidade do homem e do mundo, numa luminosa visão da
essência central das coisas, numa veemente revelação de dentro, porque só
esse contacto direto e imediato com a Realidade Eterna do homem e do
mundo, essa visão mística do Todo, é que torna a ética fácil e a virtude
deliciosa, ateando no homem um incêndio cósmico de amor e de entusiasmo
pela verdade e pelo bem.

Só se eu conseguir transformar o meu deserto em um oásis, é que estarei


disposto a habitar nesse deserto, transformado, pela intuição da verdade
oculta, num paraíso de vida e beleza.

Felizmente, essa transformação não é filha da ilusão, mas é uma realidade


infinitamente mais real do que todas as pseudo-realidades da superfície, uma
vez que a onipresença de Deus e sua imanência em todas as coisas, também
no deserto, é um fato, e não uma fantasia. Não experimentar essa imanência
de Deus em tudo é ver no deserto um deserto de fastidiosa monotonia e
vacuidade – mas, desde o momento que o homem experimenta o Deus
onipresente e oni-imanente, deixou o deserto de ser uma vacuidade inerte e se
transformou numa exuberante plenitude vital. O que mudou não foi o deserto –
que nunca esteve “deserto”, mas sim o homem, que de cego se tornou vidente,
de ignorante se tornou sapiente, de profano se tornou iniciado, de morto se
tornou vivo.
INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS
DO CRISTIANISMO ETERNO
Nos três primeiros séculos não existe, propriamente, interpretação do
Cristianismo, porque todo cristão experimentava e vivia diretamente essa
estupenda realidade. O fato da invasão do mundo espiritual no mundo material
era para eles uma realidade objetiva; subjetivamente vivia em toda a sua
plenitude, profundidade e amplitude.

No início do quarto século, porém, tinha essa experiência de Deus arrefecido a


tal ponto que se tornou necessária uma teoria escolástico-teológica sobre essa
grande realidade – fogo bem pintado em vez de fogo real. E esse fogo artificial
da teologia teve de substituir o fogo natural do Evangelho, e o cristão foi
obrigado a crer na realidade desse fogo irreal na tela teológica, sob pena de
ser excomungado da igreja de Cristo. A fim de dar maior realce à ilusão do fogo
artificial como sendo fogo real, foram invocados todos os recursos da política,
do militarismo, da sociologia, da psicologia, do ritualismo externo, e da força
bruta – cruzadas, inquisições, excomunhões, etc. Mas o fogo artificial da
teologia não se transformou no fogo real do Evangelho. Os “hereges”,
excomungados, passaram a excomungar os seus excomungadores – e seguiu-
se o caos eclesiástico ao cosmos evangélico.

Com Constantino Magno, esse imperador pseudo-converso, surgiu, no setor


romano do Cristianismo, o ideal da ditadura dos corpos e das almas, que até
hoje continua, pelo menos como ditadura das almas, já que os governos
modernos negaram aos teólogos eclesiásticos a ditadura dos corpos.

Aparece, no século 16, a tentativa de uma interpretação democrática do


Cristianismo: cada indivíduo tem o direito de saber por si mesmo, graças a
seus inalienáveis direitos humanos, o que é Deus, o Cristo, a vida eterna, sem
a necessidade de interrogar o infalível pontífice de uma igreja hierarquizada.
Mas a democracia eclesiástica do protestantismo acabou em anarquia religiosa
– por quê? porque eram pouquíssimos os homens espiritualmente maduros e
adultos para encontrarem a Deus por si mesmos e em si mesmos. O que
encontraram foi o Lúcifer do ego em vez do Espírito de DEUS, porque não
cavaram bastante fundo, não atingiram até ao centro da revelação divina, mas
pararam na periferia da interpretação intelectual da Bíblia. Prevaleceu a
exegese teológica sobre a experiência mística. E assim a tentativa da
interpretação democrática do Cristianismo falhou, como falhara a interpretação
ditatorial.

Aparecem então os ascetas escatológicos – que aliás sempre tinham existido –


e tentaram interpretar o Cristianismo como negação radical da vida e do
mundo; quanto mais longe do mundo, tanto mais perto de Deus, e vice-versa.
Tentaram transformar o mundo de Deus num mundo sem Deus, ou num Deus
sem mundo, numa longínqua e solitária e desnuda Tebaida, onde o homem
desiludido do mundo se pudesse enamorar e inebriar de Deus, em mística
solitude e perpétuo êxtase.

Outros, cansados de fracassos, resolveram abrir mão de todas as lucubrações


teológicas e contentar-se com um Cristianismo puramente ético-social,
horizontalista, superficial. Para que investigar a origem das nascentes, quando
se pode beber das suas águas em qualquer ponto do percurso da torrente?
Basta que o homem seja bom, justo, correto, honesto, caridoso, afável, amigo
de todos, para ser um cristão perfeito e integral. Triunfou então a propínqua
superficialidade da ética humanitária sobre a longínqua profundidade da
mística divina. Entretanto, as almas mais profundas não valeram sopitar dentro
de si as saudades do abismo, a nostalgia do Infinito, o silencioso clamor da sua
anima naturaliter christiana; insatisfeitas com as águas derivadas da ética
cotidiana, subiram às montanhas eternas para saber onde nasciam essas
águas, de que rochedos brotavam, puras, incontaminadas, inderivadas – e
muitos desses pioneiros do Infinito nunca mais voltaram às planícies do finito;
inebriados da nascente divina, esqueceram-se de todos os rios humanos.
Outros, porém, continuaram a beber das águas, mais ou menos turvas, dos rios
da ética, inexperientes da linfa puríssima da sua nascente.

Quando aparecerá sobre a face da terra o homem cósmico? O homem integral,


o homem crístico, que dispense interpretação do Cristianismo, pelo fato de o
experimentar e viver em toda a sua plenitude, profundidade, sublimidade e
amplitude?

Já apareceu, esse homem cósmico, o filho do homem; nasceu no ano 1 da


nossa era, e foi crucificado no ano 33...

Entretanto, ele está conosco todos os dias até à consumação dos séculos,
cheio de graça e de verdade...

NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO


Não, há cristianismo-teoria.

Só há cristianismo-fato.

O cristianismo é uma realidade eterna, é realismo a 100%. Por falta de


realismo e excesso de irrealismo é que o homem deixa de ser cristão.

Antes da Encarnação, o Cristo, o eterno Logos, era Theoria (palavra grega que
quer dizer “visão”); depois da Encarnação, essa eterna Theoria ou “Visão” se
tornou Praxis, isto é, “Ação”, atualizou-se, tornou-se realidade palpável, visível;
o espírito divino do Cristo materializou-se na carne humana de Jesus.

O cristianismo é uma permanente Encarnação: o Verbo, ou Logos, se faz carne


sem cessar e habita entre nós.

Também a vida de cada cristão é uma incessante Encarnação do Verbo, do


divino Logos da Alma eterna que se individualiza ou materializa na pessoa de
Pedro, Paulo, Maria, Isabel, etc.

A visão mística encarna-se diariamente na ação ética – e nasce o homem


cósmico, o homem integral.

DO CRISTIANISMO AO CRISTO
Não é o cristianismo que pode salvar o mundo, mas só o Cristo. O cristianismo
é, hoje em dia, teoria e teologia humana, o Cristo é realidade divina.

Qualquer reforma religiosa eficiente consiste no abandono das teorias e


teologias humanas e no retorno real e total ao Cristo.

O mundo de hoje nada tem que esperar do cristianismo, tudo tem que esperar
do Cristo.

O nosso cristianismo é ficção – o Cristo é fato.

O nosso cristianismo é um fogo pintado – o Cristo é um fogo real.

DA CARIDADE AO AMOR
Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade,
porque a caridade é filha da miséria, mas a miséria é filha da nossa falta de
amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a
pobreza, a fome, a desnudez; e, em face dessa numerosa prole gerada por
nosso desamor, faz-se mister a caridade. A caridade não remedia os males da
sociedade, apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de
injeção, de anestésico, de soporífero, de pomada ou cataplasma que o homem
egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo
egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria
explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria mi-
séria – e não haveria ambiente propício para exercer a caridade. O triunfo do
amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos
excepcionais, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e
outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões
excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados
pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal, permanente, da
nossa sociedade.

“Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis.”

Será que não deveríamos traduzir: “Pobres, sempre os tereis convosco, se não
me tiverdes a mim”? A miséria sempre estará presente onde o Cristo está
ausente, e, por haver miséria gerada pela ausência do Cristo, faz-se mister a
caridade como lenitivo dessa miséria.

A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do


amor.

Entre os primeiros discípulos do Cristo, referem os Atos dos Apóstolos, não


haveria um só indigente – porque havia o espírito do Cristo, que é amor.

CARIDADE, NÃO – JUSTIÇA, SIM


Numa das minhas viagens pelo Nordeste brasileiro, fui convidado a falar num
centro operário; ao entrar no recinto, verifiquei sobre a porta a legenda: “Não
queremos caridade – queremos a justiça do trabalho!”

Onde há amor, lá existe a justiça do trabalho, o trabalho devidamente


remunerado, de maneira que a pobreza não encontre terreno para prosperar, e
torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos nossos dias canta
apoteoses à filantropia, filha da pobreza e neta do egoísmo – essa filantropia
humanitária, talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo ocidental.
Tão grande é a sagacidade do nosso inextirpável egoísmo que chega a
camuflar em virtude os seus vícios, cantando entusiásticos hinos à caridade e
filantropia a fim de poder continuar impunemente, por detrás dessa cortina de
fumaça, as suas torpes manobras de descaridosa exploração e aumentar cada
vez mais a miséria – sob o rótulo hipócrita de caridade! E destarte, barrado por
essa satânica filantropia, não pode o amor do Cristo entrar no coração do
homem... “caritativo”...

E a miséria continua...

JESUS DEU ESMOLA?


Não consta. O que consta é que preparou um grupo de homens, como
fermento da massa profana, que tornasse desnecessária a esmola, porque
aboliria a pobreza pelo amor. Mas os cristãos, abolindo o amor, criaram a
pobreza, e, como consequência, a necessidade da esmola. E neste círculo
vicioso se debate a humanidade até hoje – até que triunfe o espírito do Cristo,
que é amor e justiça.

DEUS NÃO ENTRA NA ALMA


Encontramos em todas as grandes filosofias e religiões a doutrina sobre a
imanência de Deus no homem. Essa imanência divina é chamada o Emanuel
(Deus em nós), o Cristo interno, a centelha divina no homem, o alicerce da
alma, a voz interior, a luz interna, o espírito santo que habita no templo do
corpo, o Eu central, a faculdade intuitiva, o Logos, a Razão, a Consciência
Cósmica, o chamamento interno, etc.

O certo é que Deus não entra nem necessita de entrar na alma; porquanto ele
está na alma desde o início, ou melhor, ele mesmo é essa alma. O que importa
é que esse Deus objetivamente presente na alma pela realidade ontológica se
torne também subjetivamente presente pela percepção lógica; isto é, que o
homem se torne consciente dessa imanência de Deus. Enquanto o homem
ignorar essa presença íntima de Deus, ele é mau, pecador, egoísta, porque
não renasceu ainda pelo espírito, não se despojou ainda do homem velho, nem
se revestiu do homem novo; mas no dia e na hora em que ele se tornar
consciente da realidade interna da imanência de Deus nele, esse homem
passará das trevas à luz, da morte à vida, do egoísmo ao amor, do pecado à
santidade. Não é possível que um homem que tenha conhecido o seu
verdadeiro Ser divino viva, por muito tempo, em desarmonia com essa
realidade por ele conhecida; cedo ou tarde, o seu Agir se conformará com o
seu Ser; a sua Ética se revestirá das cores da sua Mística; a sua Vida será
sintonizada pela sua Fé, se é que essa Fé é uma experiência íntima, e não
apenas a encampação externa de opiniões alheias.

APREENDER E COMPREENDER –
DESCOBRIR FATOS, REALIZAR VALORES
Aprende-se e apreende-se mentalmente – compreende-se espiritualmente.

Aprender e apreender é um processo analítico, silogístico, sensitivo-intelectual.

“Não há nada no intelecto que não tenha estado no senso”, diz o velho adágio
filosófico. O que os sentidos percebem fisicamente, o intelecto o concebe e
elabora metafisicamente; mas essa elaboração metafísica do intelecto não
despoja a percepção física do seu caráter visceralmente individual e unilateral.
Só quando o homem compreende – isto é, “prende totalmente” – é que ele
sabe de fato o que a coisa é em si mesma: Mas esse compreender não é um
processo analítico-silogístico, um ato sensitivo-intelectivo; o compreender é um
fato simultâneo, repentino, um lampejo de dentro, uma revelação ou iluminação
interna, e não uma aquisição externa. A compreensão não é derivada dos
objetos externos, mas do sujeito interno, do grande, eterno e infinito SUJEITO,
que é Deus, e que, em sua forma humana, se chama alma. Aprende-se de
fora, compreende-se de dentro. O aprender é feito pelo ego físico-mental – o
compreender é feito pelo ego racional-espiritual, pelo Emanuel, pelo Cristo
interno, por Deus em nós.

Para aprender necessita o homem de uma vasta expansão em sentido


centrífugo – para compreender requer-se uma profunda concentração em
sentido centrípeto.

A quantidade dos fatos externos apreendidos torna o homem erudito,


inteligente – a qualidade do valor interno compreendido torna o homem bom e
santo.

Nenhuma religião promete o céu aos homens inteligentes – todas prometem o


céu aos homens bons; porquanto, descobrir fatos fora de mim me faz apenas
erudito, mas não me faz bom; ao passo que realizar valores dentro de mim me
faz realmente bom. Eu sou o descobridor de fatos alheios, e isto não atinge a
essência do meu ser – mas eu sou também o criador de valores próprios, e isto
atinge a íntima essência do meu Eu humano.

Ainda que eu descobrisse todos os fatos objetivos do mundo externo, e fosse


assim um cientista a 100%, seria feliz? Não! Por que não? Porque não teria
criado nenhum valor humano dentro de mim, e, como a minha felicidade é
essencialmente idêntica a essa criação de valores internos, nenhum
descobrimento de fatos externos afetará o íntimo quê do meu ser; são fatos
periféricos, na superfície longínqua do meu Eu; é uma luz fria fora de mim, mas
não uma força cálida dentro de mim. O céu da minha felicidade não é fabricado
com a matéria-prima impessoal de fatos objetivos, que minha inteligência
descobre, mas sim com a força pessoal de valores subjetivos que minha alma
cria e realiza.

Satanás é o rei da inteligência – mas é infeliz, porque o seu mundo é feito de


fatos descobertos por sua poderosa inteligência, mas não de valores realizados
por seu espírito. E, por isto mesmo, o seu céu intelectual é o seu inferno
espiritual – um céu infernal.

Nenhum fato externo me pode fazer feliz ou infeliz – só uma realização interna
é que me abre as portas do céu ou do inferno.

Eu sou o criador do meu céu – eu sou o autor do meu inferno!


É nisto que está o meu maior privilégio – e o meu maior perigo...

Quão estupenda era a filosofia cósmica daquele que disse: “Que aproveita ao
homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer prejuízo em sua própria
alma?”

Que aproveita ao homem descobrir e possuir todos os fatos externos, pela luz
da inteligência – se com isto perder um único grau do seu valor interno, que só
a alma pode realizar?

A ciência descobre os objetos – a consciência realiza o sujeito!

Eu sei do conteúdo da minha ciência – mas eu sou o conteúdo da minha


consciência! O que me faz feliz não é aquilo que eu sei, mas aquilo que eu
sou... Quando se fundirem numa grandiosa unidade cósmica aquilo que eu sou
e aquilo que eu sei – então serei perfeita e perenemente feliz...

“O DESERTO VIVENTE”
É este o título de uma das mais maravilhosas películas naturistas de Walt
Disney, The living desert (em vernáculo: “O drama do deserto”).

A vida de todo homem que atingiu certa altura de evolução interior é um


“deserto vivente”. A sua solidão externa cresce na razão direta da sua
vitalização interna. Os ruídos profanos da sociedade o atraem cada vez menos;
as deslumbrantes vacuidades do mundo profano deixam-no indiferente. Todas
as antigas bonecas de celulóide, soldadinhos de chumbo, aviõezinhos de mola,
pistolinhas de ar comprimido e outras maravilhas do jardim de infância com que
muitos se divertem a vida inteira, embora com nomes mais pomposos,
deixaram de lhe atrair a atenção e o interesse, desde que, no campo visual da
sua experiência interna, despontou um novo mundo de grandezas e
formosuras. Instintivamente, esse homem busca a solidão, não por algum
espírito de misantropia ou acerbo pessimismo, mas pelo irresistível fascínio
que esse novo mundo de estupendas maravilhas exerce sobre ele. É que ele
fez a experiência de que esse mundo imaterial é tanto mais visível, audível e
sensível quanto mais se calarem os ruídos profanos do mundo material. E ele
escuta, embevecido, a misteriosa sinfonia desse mundo e percebe a inefável
sacralidade da sua vida transbordante de beatitude...

Vai-se atrofiando, não raro, a vida material e social desse feliz vidente de
universos supra-sensíveis e ultra-intelectivos; a sua vida econômica declina...
Feliz dele se uma pessoa de posses materiais e de compreensão espiritual
entrar na vida desse homem!... Do contrário, acabará o seu contenedor
material por sucumbir sob a veemência do seu conteúdo espiritual... Entretanto,
mesmo assim, continuará ele a ser feliz, porque possui o principal da felicidade,
a realização dos valores internos, mesmo com o sacrifício dos fatores
externos...

O seu deserto é vivo, transbordante de vida...

ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO


– O QUE É?
Acabo de escutar, numa estação emissora de Washington, um diálogo entre
um teólogo romano e um juiz sobre a divindade de Cristo. Afirmava o teólogo
que a maior desgraça era a negação da divindade de Cristo da parte de
milhares de cristãos do presente século.

Respondeu o juiz que ele considerava uma calamidade fazer depender a


salvação ou condenação da aceitação ou rejeição de um dogma como este.
Que quer dizer, afinal de contas, aceitar ou não-aceitar a divindade de Cristo?
Não consiste num ato de inteligência e vontade? E não depende esse ato da
maior ou menor clareza com que fulano ou sicrano percebe as razões pró ou
contra esse dogma? E não depende essa maior ou menor clareza de uma
instrução eclesiástica e certo grau de interesse neste ou naquele sistema
teológico? E que tem isto a ver com Deus, com salvação ou condenação?

Sou eu mais crístico e mais amigo de Deus depois de dizer “sim”, e menos
espiritual depois de dizer “não” a uma pergunta sobre a divindade de Cristo?
Na realidade, o meu “sim” ou o meu “não” nada tem que ver com o meu
verdadeiro cristianismo, se por cristianismo se entende a união com o espírito
de Deus, e não este ou aquele grupo eclesiástico a que pertenço por força de
nascimento ou de outras circunstâncias externas fortuitas.

O que decide sobre o fato de eu ser crístico ou não-crístico é a minha vida, a


profunda e permanente atitude do meu interno ser e do meu externo agir em
perfeita sintonia com o espírito de Cristo. Esse espírito, porém, nada tem que
ver com a forma deste ou daquele credo, mas resume-se nos dois grandes
mandamentos do amor de Deus e do próximo, nos quais “consistem toda a lei
e os profetas”. O “sim” ou “não”, verbal ou mental, em nada modifica a minha
atitude de ser e de agir, e é profundamente deplorável que uma grande parte
do cristianismo eclesiástico do Ocidente dê maior importância a essa profissão
de fé teológica imposta por seu grupo do que à realidade da sua vida emanada
do espírito de Cristo.

E, para salvar esse credo eclesiástico, os seus adeptos, através de séculos,


têm cometido, e continuam a cometer os maiores atentados ao espírito de
Cristo, matando infiéis e hereges, excomungando dissidentes, inculcando a
seus filhos o desprezo para com os que não professam o mesmo credo
teológico – matam o espírito de Cristo para salvar uma teologia pseudo-
cristã!...

Enquanto eu não puder dizer, com absoluta verdade “Já não sou eu que vivo –
o Cristo é que vive em mim”, não aceitei o espírito de Cristo, embora professe a
mais ortodoxa das fórmulas sobre a divindade de Cristo. Mahatma Gandhi
nunca aceitou nenhum credo eclesiástico; Albert Schweitzer é conhecido como
herege pelas igrejas cristãs protocolares – mas dificilmente encontraremos dois
homens que vivam com maior pureza e fidelidade o espírito de Cristo, em
profundo amor de Deus e vasta caridade dos homens.

É de urgente necessidade que o mundo cristão se torne crístico, vivendo


realmente o espírito de Cristo, em vez de apenas professar teoricamente este
ou aquele dogma sobre a divindade de Cristo.

O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE?


Talvez não. Possivelmente, é mais repelente do que atraente. Nem é
necessário que o homem espiritual seja atraente. Geralmente, ele não atrai
outros a si – antes os “transtrai” para além de si. É como um desses marcos
quilométricos à beira da estrada ou setas nas encruzilhadas, cuja finalidade
não é fazerem-se adorados pelos viandantes, mas sim abandonados, depois
que o transeunte tomou direção certa.

O homem espiritual não deve ser como um espelho, que prende em si a


pessoa que nele se mira – deve ser como uma janela aberta através da qual a
gente enxerga as belezas da paisagem e vastos horizontes além. O nosso
egoísmo, naturalmente, insinua-nos a sermos espelhos atraentes – ao passo
que a verdadeira espiritualidade nos ensina a sermos janelas transcendentes.
Alguns dos discípulos de João Batista se escandalizaram com o fato de ser o
mestre abandonado por seus antigos seguidores, que foram em seguimento do
Nazareno, ao que o precursor respondeu: “Eu sou apenas o paraninfo, mas ele
é o esposo, convém que ele cresça e que eu desapareça” – isto era ser janela
aberta para o Cristo, e não espelho atraente para si mesmo.

O homem espiritual não faz com que outros tenham satisfação nele, mas
contribui para que os homens sintam insatisfação de si mesmos, vejam a sua
imperfeição e tenham desejo de maior perfeição.

O homem espiritual é um veículo, uma ponte, um canal, um dedo estendido


rumo ao Infinito.

O homem espiritual é uma passagem, e não uma parada; é uma entrada e uma
saída para Deus. A sua simples presença é um chamariz, um desafio, por
vezes um ultimatum e um doloroso exame de consciência.
O homem espiritual não é, em geral, uma fascinante personalidade, como
certos cavalheiros dos nossos salões elegantes. Possivelmente, é ele mais
repelente do que atraente, porque a sua retilínea lealdade aos princípios
eternos é inquietante para muitos. Sentem-se perturbados em sua presença,
como o Evangelista diz de Herodes em face do Precursor encarcerado. Em
presença do homem espiritual, muitos começam a pensar em coisa séria,
alguns até aprendem a orar. O campo magnético que circunda o homem
espiritual faz oscilar todas as agulhas que não estejam devidamente
polarizadas pelo norte divino – e ninguém sabe o que vai acontecer depois, nas
almas receptivas... Pode haver terremotos, tempestades, incêndios de
Pentecostes... Pode ser que muitos ídolos e fetiches, tidos por intangíveis e
sagrados, caiam dos seus pedestais...

“Segue-me!”...

“Deixa que os mortos sepultem os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o
reino de Deus!”...

“Vai, dá todos os teus haveres aos pobres – e segue-me!”

Pode ser que alguém ouça, no silêncio de sua alma, coisas terríficas como
esses trovões, quando sai da presença de um homem espiritual.

Cuidado! Alta-tensão!...

Perigo de vida!...

Mantenha distância!...

Aí está um homem espiritual!...

DOIS TIPOS DE PREGADORES


Do sermão de um deles, diz Vieira, retiravam-se os ouvintes, ruidosamente
satisfeitos com o brilhantismo do orador – da presença do outro retiravam-se
todos em silêncio, insatisfeitos consigo mesmos e esquecidos do pregador.

Um deles era pregoeiro de si mesmo – o outro era arauto do reino de Deus.

TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE


O século 18 foi o século do “deísmo”, sistema filosófico-teológico que
considerava a Deus como o “grande Arquiteto do Universo”, transcendente a
seu mundo, como o artífice existente fora do seu artefato.
O século 19 foi o século do “Logos”, do Deus encarnado em Jesus, na forma
do Cristo, o Deus universal individualizado em homem.

O século 20 parece ser o século do Deus “imanente”, isto é, o Deus Universal


que, individualizado em Jesus, se universalizou no Espírito Santo (“santo” quer
dizer “universal”). Em sua íntima essência, todas as coisas são Deus, porque
não há nada real fora de Deus, a única Realidade; existencialmente, todas as
coisas são inferiores a Deus, porque nenhuma delas, individualmente, é Deus.
(Os ingênuos, incapazes de pensar logicamente, afirmam que isto é
“panteísmo”, porque não sabem distinguir entre “monismo e panteísmo”; todos
os grandes mestres espirituais da humanidade pensavam em termos de
monismo absoluto.)

Deus criou o mundo?

Certamente!

De quê? Do nada?

Sim, do nada do mundo – mas do Todo de si mesmo. Do nada da existência –


mas do Todo da Essência. O mundo foi criado não só por Deus, mas também
de Deus.

Então, o mundo é idêntico a Deus?

Não!

É separado de Deus?

Nem tampouco. O mundo não é idêntico nem separado de Deus – mas é


distinto dele, um com Deus pela eterna essência, diverso de Deus pela
existência temporal.

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS


Comunhão não pode ser criada artificialmente, ad hoc; ela é o resultado
espontâneo e natural de uma união que vai além dessa com-união
(comunhão). Onde não há união com um centro comum não pode haver com-
união entre os raios divergentes.

Quando dois ou mais homens se unem em Deus pela mística nasce entre eles
com-união pela ética. Os raios de um círculo aproximam-se uns dos outros na
razão direta que se aproximam do centro comum do círculo, e distanciam-se
uns dos outros na razão que se distanciam do centro. Não pode haver
comunhão (com-união) sem união. A paternidade única de Deus crea a
fraternidade universal dos homens. Querer estabelecer a fraternidade humana
sem a paternidade divina é tão absurdo como querer fazer um círculo sem
centro ou um edifício sem alicerce.

A união é o atributo dos santos – a desunião é o característico dos pecadores.


Não há comunhão entre os maus – só pode haver comunhão entre os bons,
porque o mal é dispersivo por natureza, como os raios divergentes de um
círculo. Vigora secreta afinidade entre todos os santos, da terra e do universo,
embora os componentes dessa invisível Irmandade Branca não sejam
individualmente conhecidos uns aos outros. Eles atuam em silêncio, porque
têm onipresença cósmica. Quem faz parte dessa Irmandade Branca dos
Irmãos Anônimos sabe-a nas profundezas de sua alma e comunica-se com
seus semelhantes, a despeito de tempo e espaço, porque ele é um grande
“liberto” – a Verdade o libertou...

Quem puder compreendê-lo compreenda-o!...

QUE É PERSONALIDADE?
A personalidade principia com o ego – e culmina no Eu. Satã é o ego
petrificado – Cristo é o mais vigoroso Eu.

Um cão, uma vaca não têm ego nem Eu.

O homem profano desenvolveu o seu ego, mas não cultivou o seu Eu.

Quando o ego personal culmina no Eu individual, então desaparece a ilusão do


separatismo entre o homem e Deus e surge o grande unismo, o senso nítido
“Eu e o Pai somos um”, o grande “Eu sou”, o fascinante “Tat twam asi” (isto és
tu).

Toda a redenção está na transição do ego para o Eu – e toda a perdição está


na estagnação do ego no plano do ego.

Um só é o Eu do homem – muitos podem ser os seus egos.

Eternamente idêntico a si mesmo é o nosso divino Eu – variáveis são os


nossos humanos egos.

Eu sou o divino Eu – eu tenho humanos egos.

O ego é “persona”, isto é, “máscara” – mas o Eu é “indivíduo”, isto é, “indiviso”,


não-dividido, inseparável da Realidade eterna.

Quando o nosso ego personal nos sugere separação da Infinita Realidade


“Deus”, então começa a tendência centrífuga: o homem procura criar um reino
à parte, dele, só dele – e isto é “pecado”*.
* “Pecado” e “separado”, em diversas línguas, têm o mesmo radical. Em alemão o vocábulo
sondern (separar) é filologicamente idêntico a suenden (pecar). Também em inglês assunder
(separado) e sin (pecado) têm o mesmo radical. Pecar é considerar-se separado do grande
Centro Cósmico, Deus. A redenção consiste no movimento contrário, “Eu e o Pai somos um.”

DESCOBRIMENTO – OU REVELAÇÃO?
O homem inteligente descobre pequenas coisas – grandes coisas são
reveladas ao homem espiritual, suposto que ele seja receptivo, que possua
espaços internos assaz amplos em que possa jorrar a plenitude do Além.

Será que eu conheço a Deus e o mundo espiritual assim como alguém que,
depois de muito pesquisar e varrer o céu com o telescópio, descobre,
finalmente, um astro? – ou será como quem levanta o fone do aparelho
telefônico e escuta o que alguém está dizendo do outro lado? Será que eu
descubro a Deus – ou que Deus se revela a mim?

O homem inteligente, escreveu Einstein, descobre aquilo que é (das was ist) –
o homem espiritual realiza aquilo que deve ser (das was sein soll). Descobrir se
refere aos fatos objetivos da natureza externa – realizar tem que ver com os
valores internos dentro do próprio sujeito.

Quem sabe o que é Deus, não descobriu um objeto de fora – teve uma
revelação do seu sujeito de dentro, uma vez que “o reino de Deus está dentro
de vós”.

Revelação, inspiração, vem a mim, subitamente, espontaneamente, é verdade


– mas (e aqui começa o grande mistério) não vem sem mais nem menos,
automaticamente, sem nenhuma cooperação da minha parte. Eu, é verdade,
não sou o autor e a causa desse subitâneo relâmpago em plena noite, mas
tenho de contribuir algo do meu para que esse relâmpago venha. Não há
descarga elétrica se não houver pólo negativo que, com a sua veemente
vacuidade, chame a plenitude complementar. Não sou causa da revelação,
mas sou condição indispensável. Se eu nada faço, Deus nada faz. Daí conclui
o ignorante que é ele mesmo o autor e a causa do efeito espiritual. Confunde
causa com condição. O abrimento duma janela condiciona a iluminação da sala
– mas não causa essa iluminação. O abrimento duma torneira condiciona o
jorrar da água – mas a torneira aberta não é causa dessa água.

Tenho de agir intelectualmente como quem usa telescópio – e depois tenho de


portar-me espiritualmente como quem escuta um telefonema. Tenho de ser
intelectualmente ativo e espiritualmente passivo – essa atividade passiva, ou
passividade dinâmica, é que é o segredo das grandes inspirações.

O espírito de Deus atua espontaneamente – mas não arbitrariamente.


Tudo acontece segundo leis eternas.

A graça, embora seja de graça, não é um fenômeno arbitrário.

Deus não é capricho – Deus é a Lei.

Devo trabalhar intensamente, como se tudo dependesse de mim – e ao mesmo


tempo devo orar intensamente, como se tudo dependesse de Deus. Sintetizar
esses dois pólos, aparentemente antitéticos, é tarefa trágica na vida humana. É
tão fácil ser extremista, para a direita ou para a esquerda – mas é
tremendamente difícil ser centralista. Há milhares e milhões de homens que
esperam tudo só de Deus ou só de si mesmos – mas há pouquíssimos que
esperam tudo de Deus através de si mesmos, que saibam unir a causa divina
com a condição humana.

Da união desses dois pólos, divino e humano, positivo e negativo, é que nasce
toda a luz e toda a força da vida humana.

CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA


NEM SUFICIENTE
Se não tenho certeza infalível de certas verdades básicas, como a existência
de Deus e a imortalidade, é impossível a salvação, porque estou sujeito a erros
e aberrações.

Assim diz certa teologia eclesiástica. E conclui: “Por isto, é necessário que
haja, através dos séculos, um homem infalível neste mundo, que possa decidir
com clareza e precisão o que é verdade e o que é erro.”

Muitos adotam essa espécie de “lógica”.

Entretanto, essa “lógica” é um grande ilogismo.

Antes de tudo, que quer dizer “certeza”? E donde vem ela?

É verdade que determinada pessoa me pode dar certeza de uma realidade


espiritual, pelo fato de afirmar simplesmente “isto é assim”, “isto não é assim”?
Será que, depois de ouvir essa afirmação ou negação, eu tenho uma certeza
que antes não tinha? Se eu não tinha certeza da existência de Deus, e uma
pessoa infalível afirma “Deus existe” – é verdade que agora tenho certeza
desse fato?

Neste ponto, Buda era bem mais lógico do que certos teólogos. Quando
alguém perguntava ao grande iluminado o que era Deus, Buda não respondia.
Por que não? Porque, se o consulente não sabia por experiência própria o que
era Deus, nem o saberia depois de ouvir uma definição da parte de alguém que
o sabia; mas, se o consulente sabia o que era Deus, a afirmação de um
terceiro não lhe daria certeza, nem a sua negação lhe tiraria a certeza que ele
possuísse.

Quem sabe por experiência interna que há Deus pode tranquilamente escutar
todas as negações desta verdade – nada modifica a sua experiência interna,
que lhe dá certeza.

A grande e gloriosa verdade é esta: Ninguém me pode dar experiência que não
tenho – e ninguém me pode tirar a experiência que tenho. A certeza, porém,
vem da experiência interna, e não de argumentos externos. Quem tem
experiência é invulnerável em sua certeza. A experiência não é transferível
nem auferível. Ela não vem de fora da alma – ela brota das divinas
profundezas da alma.

Por isto, é profundamente ilusório querer dar certeza a alguém por intermédio
de um homem infalível. Suposto mesmo que esse homem infalível tivesse, ou
tenha, essa certeza experiencial, nem por isto poderia ele dar aos filhos da sua
igreja essa certeza, que é absolutamente intransferível. Transferíveis são as
coisas externas, de corpo e da mente, os argumentos, as provas científicas, as
demonstrações analíticas – mas nada disto me dá certeza real de Deus e da
vida eterna. Quem não tem experiência interna não tem certeza de uma
realidade espiritual.

O único auxílio que fatores externos nos podem prestar, nesse plano, é o fato
de aplainarem o caminho que leva a essa certeza definitiva. Mestres,
educadores, escritores, oradores, diretores espirituais podem apontar-nos o
caminho certo onde nós possamos ter certeza espiritual – mas nenhum deles
nos pode dar essa certeza. Todos eles são como setas na encruzilhada,
marcos à beira da estrada, que indicam o rumo certo, mas não obrigam o
viandante a seguir caminho certo.

O rumo indicado pelo maior dos mestres da humanidade, nas páginas áureas
do Evangelho, sobretudo no Sermão da Montanha, possui o máximo de certeza
que se possa imaginar, e a sua linguagem é absolutamente clara e precisa;
querer criar uma instância de certeza acima da certeza dada por Jesus Cristo é
procedimento absurdo, e até arrogante. Não há nada mais infalível que as
palavras de Jesus, no Evangelho.

Daí, porém, não se segue que todo homem que leia o Evangelho da certeza
tenha certeza daquilo que Jesus afirma. Enquanto o leitor for apenas leitor, não
terá certeza alguma; só se passar a viver, por experiência íntima, o espírito do
Evangelho, é que ele terá certeza. A certeza não vem da inteligência – vem da
vivência. Quem não vive a alma do Evangelho não tem certeza das verdades
por ele proclamadas. Saber não quer dizer ter ouvido dizer, ter lido, ter
decorado; saber quer dizer literalmente saborear. Saborear, porém, não é um
processo mental, mas uma experiência vital. Quem não saboreia a realidade
espiritual não sabe como é que ela sabe, que sabor tem, porque lhe falta a
experiência vital da realidade espiritual.

A certeza teológica não é necessária – nem é suficiente.

PENSAMENTO SINTETIZADO
“Escrevi um livro tão grande – disse alguém – porque não tive tempo para
escrever um livro pequeno.” De fato, para condensar devidamente em 100
páginas o que está derramado em 1.000, requer-se mais tempo e, sobretudo,
maior intensidade de pensamento do que para ser difuso e prolixo.

ORAÇÃO – ESSÊNCIA DE TODAS


AS RELIGIÕES
Não há hereges em matéria de oração. Todos os homens espirituais de todas
as religiões do mundo concordam em que a oração é a quintessência nas
relações do homem com Deus.

Duas coisas são absolutamente certas: 1) que a oração, quando genuína, é


sempre um elemento positivo e benéfico na vida do homem; 2) que ignoramos
totalmente como a oração atua sobre a vida humana; a sua técnica peculiar
nos é de todo desconhecida. Sabemos apenas o “quê” – ignoramos o “como”
da oração.

Ninguém sabe se a sua oração vai ser eficiente na direção em que ele deseja
ou espera; ignora se aquilo que ele tem em mente vai acontecer ou não. A
oração parece algo como um jogo de azar, totalmente arbitrária. Na realidade,
é certo, a oração obedece a leis invariáveis – mas o homem não conhece
essas leis.

O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR


A verdadeira oração, inteiramente pura e autêntica, não é peticionária, é
simplesmente afirmativa; não pede nada, afirma apenas uma grande realidade.

Todas as grandes religiões conhecem a oração afirmativa – o Budismo, o


Brahmanismo, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Taoísmo, o
Zoroastrianismo.
A oração inferior ou peticionária é, fundamentalmente, egocêntrica – ao passo
que a oração superior, afirmativa, é essencialmente teocêntrica. Nesse estágio
superior de experiência, o homem ultrapassa o próprio Eu e se perde em Deus;
emigra do pequeno indivíduo e imigra no grande Universal. A oração superior
tem algo de nirvânico, porque nela o homem perde a consciência objetiva do
ego e se dilui totalmente na consciência subjetiva do Todo.

Nessa total ego-evacuação e nessa intensa teo-plenificação, que o místico


experimenta como divina embriaguez, o homem se identifica com a suprema
Realidade e diz silenciosamente: Santificado seja o teu nome... Venha o teu
reino... Seja feita a tua vontade...

Essa oração afirmativa supõe uma constante e inalterável experiência da


Suprema Realidade, onipresente e onipenetrante.

Nessa zona, qualquer pedido, por mais altruístico, seria impossível e absurdo.
Quem pediria? O que pediria? Falta tanto a consciência do “quem” ou sujeito,
como também a noção do “quê” ou objeto, porque essa polaridade é criação da
pequena consciência físico-mental, que, nesse plano, não funciona.

Uma vez que a minha consciência individual submergiu irrevogavelmente no


oceano da grande Consciência Universal – como poderia eu sofrer tamanha
decadência ao ponto de pedir algo? Mesmo o algo mais perto de mim, o meu
ego, deixou de existir – quanto mais os algos mais distantes de mim, os objetos
do mundo externo.

É, pois, evidente que o homem imerso na oração superior é incapaz de pedir


algo a Deus, e isto não por virtuosidade, mas sim por grande compreensão e
sabedoria. O seu único desejo é a crescente identificação com a Realidade
Infinita.

“Venha o teu reino...”

“Seja feita a tua vontade...”

***

Entretanto, cada um deve orar no nível em que vive, sem orgulho nem
presunção. A total realização do nível em que vive de momento é a melhor
preparação para a ascensão a um nível superior.

Conformidade e não-conformidade – é esta a grande lei da evolução. Deve o


homem conformar-se plenamente com o nível da sua evolução atual – e ao
mesmo tempo não-conformar-se de modo que nele encontre definitiva
satisfação. Se não se conformar com o que tem, vai ser tragado
impiedosamente pelo ambiente em permanente luta – se, depois de se
conformar, não se inconformar, entrará em estagnação e morte.
***

A razão por que não podemos entender como a oração atua é o fato de que
“entender” representa um “menos”, algo individual, unilateral – ao passo que a
oração em si mesma tem que ver com um “mais”, com a ordem cósmica,
universal, onilateral, com o grande TODO. O “menos” não pode jamais
“compreender” (prender, abranger, totalmente), mas tão-somente “entender”, e
assim a maior parte do “compreender” fica fora da sua zona e jurisdição.

Por isto, o benefício da oração é certo, mas o modo como ela atua é incerto, e
nunca será certo, à luz do intelecto analítico. A oração nunca será objeto de
uma investigação ou técnica científica.

O mundo fenomenal jamais poderá compreender o mundo numenal, embora


este domine aquele.

Pela oração, o homem, primeiramente, entra para seu interior, para dentro da
Realidade; daí ele toma rumo ao mundo exterior, levando consigo a luz de
dentro e transfigurando com esta luz todas as coisas do mundo externo.

Graças a essa completa identificação com a Última Realidade, a oração


superior adquire, ou antes recebe, uma compreensão total da Realidade, que é
Sabedoria Cósmica, Sabedoria que, até essa data, lhe era oculta.

O requisito preliminar e a condição sine qua non desse estágio superior de


experiência é não somente uma caridade geral, no sentido ético, mas também
uma irrestrita reverência e lealdade para com todas as formas de vida. Essa
constante e espontânea afirmação de todas as formas de vida, irradiações da
Vida Universal, cria na alma um clima de profunda paz, uma completa ausência
de ansiedade, e, por isto, uma alegria e uma beatitude que ninguém conhece
que não tenha submergido nesse luminoso oceano da Suprema Realidade.

Para o homem identificado com a Suprema Realidade já não existe, nem pode
existir, medo, porque medo supõe inferioridade, que nasce da ignorância – ele,
porém, é um sapiente,

Essa experiência divina, que é o fruto maduro da oração, faz o homem


totalmente livre, e, portanto, onipotente.

Por meio da oração volta o homem, perifericamente disperso, a um TODO


central; e esse sentir-se-um com o grande TODO lhe dá indizível segurança e
felicidade. Todo o dualismo causa insegurança-e infelicidade.

Pela oração, eu me afasto do pluralismo do mundo objetivo e incerto e me


aproximo do monismo do mundo subjetivo e certo. O resultado desse
afastamento do caos não é monotonia, mas sim harmonia.
Mas só o verdadeiro iniciado sabe o que é harmonia; para os outros é apenas
uma bela palavra ou um lindo ideal.

A oração me faz saborear o grande Além-de-dentro – que é o grande Além-de-


fora; depois de cruzar a fronteira da minha consciência. “Eu e o Pai somos
um”...

A FASCINANTE AVENTURA DA
ORAÇÃO SUPERIOR
A prece, nos seus estágios superiores, aparece sempre aureolada de um tal ou
qual espírito aventureiro – a tendência de abandonar o que é familiar,
confortável, facilmente compreensível e atingível, e o anseio de explorar
mundos ignotos e dificilmente conquistáveis. Velhas garantias e seguros
tradicionais são ultrapassados, e, em lugar deles, surge o espírito pioneiro de
uma grande mobilidade através de zonas de estranha incerteza inicial.

Desaparecem os estreitos trilhos do instinto rotineiro e aparecem as tateantes


interrogações do vasto mundo da fé... Desperta na alma outonal a tendência
migratória da sua íntima natureza... Sem saber exatamente para onde vai,
sente a necessidade de abandonar as conhecidas querências de antanho...
Não há largas avenidas em perspectiva – há tão-somente ínvias florestas a
desbravar, desertos anônimos a cruzar, onde, de longe em longe, aparecem
rastos incertos de algum solitário viajor que por aí tenha passado em tempos
idos... Mas a alma migratória confia em sua intuição divina... A oração, humilde
e intensa, lhe é um fio de Ariadne através de todos os labirintos...

Com efeito, a íntima essência da oração superior é suprema libertação. É a


voluntária renúncia a velhos hábitos rijamente solidificados através de séculos
e milênios... Assim, em tempos pré-históricos, deve o homem dos sentidos ter
lutado, no processo da sua intelectualização, para se emancipar de hábitos
subconscientes em prol da sua entrada no mundo consciente...

A transição da estreiteza e passividade da consciência gregária, própria de


todos os rebanhos humanos, para a consciência individual, e desta para a
consciência universal – é um drama multimilenar de estupenda grandeza e
tragicidade, desde os abismos do homem meramente sensitivo, através dos
planos do homem mental rumo às alturas do homem espiritual – e não há nada
que lhe possa garantir êxito nessa jornada ascensional senão a verdadeira
oração.

Há, nessa silenciosa epopéia, uma sucessão de trevas e de luzes.

Da noite total dos sentidos para a penumbra do intelecto.


Da semi-luz matutina do intelecto, através do misterioso eclipse da fé, para o
sol meridiano da experiência direta de Deus.

É esta a fascinante aventura da oração superior...

OS SANTOS PROVAM A VERDADE


DUMA IGREJA?
O argumento de que uma igreja que produz santos seja santa em si mesma,
como igreja organizada, é insustentável à luz da lógica imparcial. Os
verdadeiros santos pouco ou nada têm que ver com os arranjos artificiais duma
organização, que, em qualquer hipótese, é uma criação da inteligência. Os
dirigentes duma organização eclesiástica são, não raro, extremamente maus.
Francisco de Assis e Tomás de Aquino viveram, ambos, no século 13, ambos
dentro do mesmo organismo eclesiástico – mas são de gênio tão diverso como
o dia e a noite, e os dirigentes da igreja desse tempo pertencem aos piores que
a história conhece. O teólogo napolitano, de acordo com a mentalidade da
época, aprova e defende, em sua “Summa Theologiae” e “Summa contra
Gentiles”, a liceidade da pena de morte e do extermínio violento de hereges –
ao passo que o poverello da Umbria, na sua vasta intuição mística, é amigo de
todos os seres vivos do mundo.

Há santos em todas as religiões – o que não prova que essas religiões sejam
boas como um todo. Santidade é atributo do indivíduo, e não duma
coletividade.

VERDADEIRA CATOLICIDADE
Todo o verdadeiro monoteísta, ou melhor, monista, que realize pela ética a sua
mística, é genuinamente “católico”, quer dizer, “universalista”. Católico não-
universalista é pseudo-católico.

Nenhum dos grandes místicos da chamada igreja católica concorda com a


cosmologia e teologia dessa igreja – ao passo que todos concordam
admiravelmente com a orientação espiritual de seus irmãos de outras religiões,
mesmo fora do Cristianismo organizado. Há uma grande afinidade entre os
maharishis da Índia e os sufis da Arábia, por um lado, e os verdadeiros
místicos cristãos, quer católico-romanos, quer evangélico-protestantes. Todos
pertencem à “comunhão dos santos”, à “irmandade branca dos irmãos
anônimos”. São João da Cruz, por um triz foi condenado como herege, e o
texto dos seus livros espirituais, por muito tempo, apareceu mutilado pela
autoridade eclesiástica. Luiz de Granada esteve quatro anos nas cadeias da
Inquisição por causa da sua explicação do “Cântico dos Cânticos”. Meister
Eckhart, o maior dos místicos medievais, sempre foi suspeito de heresia e seus
livros foram proibidos após a morte dele.

Aceitar um santo ou místico deste ou daquele grupo espiritual não equivale a


aceitar o grupo como tal, porque a santidade, sendo atributo do indivíduo, nada
tem que ver com o grupo organizado. Todos os místicos do mundo, dentro e
fora do Cristianismo organizado, formam uma espécie de super-ecclesia,
porque representam a legítima ekklesia, palavra grega composta de ek e kaléo
(chamar para fora, selecionar) e cujo sentido exato é “elite” ou “seleção”. O
sentido de “igreja” não é massa, mas elite; é aquele pusillus grex ou pequeno
rebanho, de que fala Jesus. A igreja é universal cósmica. Uma igreja sectária é
uma pseudo-igreja. A verdadeira catolicidade cósmica abrange judeus, hindus,
árabes, taoístas, budistas, cristãos, etc., suposto que eles tenham verdadeira
experiência de Deus e manifestam essa sua mística divina na ética humana. O
primeiro mandamento, que é a mística, e o segundo, que é a ética, sintetizam
toda a religião, como diz o Nazareno.

PROCESSO DE INCUBAÇÃO
A vida humana é, a bem-dizer, um processo de incubação, transição de um
estado de consciência a outro. A nossa consciência espiritual, ainda hoje em
estado de latência, tem de passar da sua potencialidade para a atualidade. E o
calor necessário para promover essa longa incubação se chama “oração”.

A LEI DA EVOLUÇÃO
O íntimo quê da evolução, sobretudo no mundo espiritual, não é segurança,
estabilidade, calma, mas sim o desejo de ultrapassar todas as fronteiras da
vida já vivida e conhecida – e isto significa aventura, perigo, incerteza; é o
abandono de todos os Iitorais familiares e o salto mortal para dentro de um
mundo totalmente ignoto.

É também este o íntimo quê do amor, que deseja arriscar algo e ultrapassar o
seu próprio Eu conhecido. O amor é essencialmente cósmico.

INSTINTO – FILTRO SELETIVO


O instinto é uma espécie de filtro seletivo; o animal sabe com infalível certeza o
que lhe convém e o que não convém. Com o advento do intelecto humano
perdeu-se esse filtro, e não pode ser reavido. Uma vez consciente, o homem
não consegue voltar a ser subconsciente. Mas o seu intelecto consciente não
funciona com a mecânica infalibilidade do instinto; é extremamente móvel e
variável, como a corda de um violino, que pode produzir ilimitada variedade de
tons e semitons, ao passo que um disco de gramofone produz unicamente os
sons que estão gravados nele; o disco tem infalibilidade sem variabilidade; o
violino tem variabilidade sem infalibilidade.

Quando, um dia, o homem atingir a consciência cósmica, possuirá infalibilidade


máxima com variabilidade máxima. Não existe instrumento no mundo material
que simbolize esse estado de suprema segurança e suprema mobilidade. É o
estado da harmonia cósmica, feita de unidade e diversidade.

TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO


No princípio, oramos em prol de nós mesmos, com o desejo de alcançar algum
objeto que, em nossa ignorância, julgamos necessário para a nossa felicidade.

Mais tarde, oramos pelo bem de outras pessoas, para as libertar de algum mal
e conseguir-lhes algum bem.

Finalmente, não oramos por objeto algum, mas tão somente pela progressiva
identificação do sujeito individual Eu com a Realidade Universal, Deus. E todo
o nosso desejo se resume no anseio de estarmos muito tempo na luminosa
presença de Deus, assim como a planta deseja estar envolta e penetrada pela
luz solar. Todo o nosso impuro desejo de “ter” acabou no puro desejo de “ser”.
E então só conhecemos esta grande melodia: Deus, santificado seja o teu
nome... venha a nós o teu reino... seja feita a tua vontade...

EMBRIÃO MATERIAL – EMBRIÃO ESPIRITUAL


O embrião material do homem leva 9 meses para seu desenvolvimento no seio
materno – o embrião espiritual leva cerca de 900 meses, ou 70 anos, para
atingir suficientemente evolução, independente do seio materno da natureza
físico-mental; mas a sua evolução continua indefinidamente.

A NATUREZA: É DEMOCRÁTICA
– OU ARISTOCRÁTICA?
A natureza não faz caso de massa, mas sim de elite. Produz milhões e bilhões
de seres inferiores, para, finalmente, produzir um único ser superior. A massa
serve apenas de pedestal para a elite. A vasta horizontal tem de servir à alta
vertical. A natureza visa qualidade, e para isto ela se serve de quantidades.

Isto é aristocracia? Ou, quem sabe, antes hierarquia...

PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA?


Pode dizer-me por que está aqui? Donde veio? Para onde vai?... Pode dizer-
me a última razão de todo esse sofrimento?...

Pode uma lagarta solver o problema da sua vida? Pode dizer-nos por que vive
a comer sem cessar? Por que morre? Porque repousa no interior do casulo?
Não! A lagarta não pode dar resposta a essas perguntas, porque não sabe o
porquê dos seus atos; só depois de virar borboleta, e olhando para trás, é que
pode solver os enigmas da sua vida de lagarta.

E você julga poder saber agora por que vive, sofre e morre? Você, que ainda é
muito “lagarta”? Solver de verdade só se pode de cima para baixo, não de
baixo para cima, só do superior para o inferior, e não vice-versa.

Agora, meu amigo, você pode apenas crer numa solução definitiva – saber só
pode depois de passar para um plano superior de experiência e vivência.

DEUS MANDA DOENÇAS?


Jesus admite a relativa imperfeição do Antigo Testamento: “Foi dito aos antigos
– eu, porém, vos digo”... “Eu não vim para abolir a lei e os profetas – mas para
levá-los à perfeição.”

Uma das maiores imperfeições da Lei Antiga é a idéia de que Deus mande aos
homens doenças para os “castigar”. Jesus ensina que as doenças são “obras
de, Satanás”, isto é, da inteligência não devidamente iluminada pelo espírito.
“Não tornes a pecar, para que não te aconteça coisa pior.” “Tem confiança
(disse ao paralitico) os teus pecados te são perdoados”. No caso da mulher
encurvada havia 18 anos, afirma o texto sacro: “Satanás a mantinha presa,
havia 18 anos” – Deus, – ou Satanás?...

O nosso Lúcifer intelectual, mal orientado, transgride as leis da natureza, que


são as leis de Deus; e provoca doenças – o Cristo divino em nós derrota o
nosso Lúcifer e promove a cura.

Se doenças fossem provas do amor divino, por que não consta de uma única
doença de Jesus?
Verdade é que, uma vez doentes por causa da nossa inteligência unilateral, o
melhor, que podemos fazer é aceitar o sofrimento como castigo e remédio, a
fim de alcançarmos redenção.

O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO


Aparece em afirmações positivas, e não em pedidos.

Pai nosso, que estás nos céus!

Santificado é o teu nome.

O teu reino vem.

A tua vontade é cumprida na terra como nos céus.

Tu nos dás hoje o nosso pão de cada dia.

Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos
devedores.

Tu não nos induzes em tentação.

Tu nos livras do mal.

ANÁLISE PSICOLÓGICA E
SÍNTESE METAFÍSICA
Estas duas ciências, aquela do Ocidente, esta do Oriente, abrem o caminho
para um conhecimento melhor de Deus e do homem. Dão, pelo menos, a linha
reta que o homem deve manter para chegar ao destino, preservando-o dos
inúteis ziguezagues.

No princípio, o homem está numa união inconsciente com o Grande Todo,


como toda a natureza inferior (o homem do Éden).

Depois, entra na zona de uma desunião consciente com grande Todo (o


homem nos domínios de Lúcifer).

E, finalmente; sobe às alturas duma união consciente com o Grande Todo (o


homem no reino do Cristo).
CURA PELO PODER ESPIRITUAL
Por que é tão rara, hoje em dia, a cura espiritual? Quando é evidente que
Jesus legou esse carisma a todos os seus discípulos?

É porque o mundo cristão de hoje não é realmente crístico, salvo raras


exceções. Uns professam um Cristianismo puramente externo, liberal, de
simples conveniências sociais, sem nenhuma convenção pessoal; outros
pertencem a um Cristianismo estreitamente sectário. Estes são verticais sem
horizontalidade, aqueles são horizontais sem verticalidade; nenhum deles é
vertical-horizontal, isto é, crístico ou cósmico.

O verdadeiro discípulo de Cristo deve possuir profunda experiência de Deus e


vasta benevolência para com todos os filhos de Deus – então terá ele nas
mãos o poder de Deus e curará qualquer doença física e mental.

Profundidade e amplitude são o segredo do poder.

POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS?


Em última análise, quem se entusiasma por um guia espiritual, entusiasma-se
por seu próprio Eu divino ou Cristo interno, porque, potencialmente, todo
homem é o que alguns já são atualmente. Dentro de cada um de nós dorme
um gênio metafísico e místico; quando então aparece, no plano objetivo, um
gênio espiritual, nós sentimos, nas incônscias profundezas da nossa natureza
humana; que aquilo somos nós em germe; percebemos o eco de uma voz
longínqua, as vibrações de uma luz, o calor de um fogo que também está em
nós, mas ainda implicitamente, quando naquele gênio espiritual esse fogo já
arde explicitamente. Todo combustível – lenha, carvão, gasolina, etc. – é fogo
potencial, assim como o fogo é combustível em estado atualizado.

“Se o olho não fosse solar – diz Goethe – jamais poderia contemplar o sol.”

Da mesma forma, se a alma não fosse divina ou crística, jamais poderia


responder à voz de Deus ou do Cristo.

Por isto, o cristianismo – ou “cristismo” – da alma humana entra em vibração


quando outra alma, já em adiantado estado de cristificação, aparece no cenário
– assim como a semente, no fundo da terra, começa a vibrar quando percebe,
em plena escuridão, as misteriosas vibrações do calor solar.

Em última análise, o nosso guru ou guia espiritual externo é o nosso Eu divino


ou Cristo interno, personificado casualmente no mestre A, B ou C.
COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU
– QUANDO OUTROS SOFREM NO INFERNO?
O homem comum, de visão curta e sentimento obtuso, pode achar compatível
a idéia de um céu eterno para ele e seus amigos com a consciência de um
inferno para outros seres humanos – ao passo que o verdadeiro místico, ou
homem cósmico, não se sente plenamente remido e bem-aventurado enquanto
sobrar um único ser humano ainda irredento e em sofrimento. Para ele, não
pode haver céu e inferno, mas tão-somente céu ou inferno.

A tese teológica de que os bem-aventurados mereceram o seu céu, e os


condenados mereceram o seu inferno é tranquilamente aceita pelos profanos,
exotéricos e analfabetos da experiência cósmica – mas atua como horripilante
monstruosidade sobre a apurada consciência de qualquer homem que tenha
chegado à experiência da paternidade única de eus e da fraternidade universal
da humanidade.

Como poderia eu sentir-me integralmente salvo – enquanto um só dos meus


irmãos humanos continua ainda necessitado de salvação?

Um bem-aventurado capaz de gozar o seu céu, sabendo que milhares de seus


irmãos estão sofrendo o seu inferno, deve ser mesmo um requintado egoísta.
Se assim fosse, eu, por mim, simpatizaria mais com os egoístas no sofrimento
infernal do que com os egoístas no gozo celestial.

Quando deixará a nossa teologia de ser tão unilateralmente teórica e se tornará


onilateralmente cósmica?...

AMOR FRUSTRADO
“Se amor fosse simplesmente atração sexual, um superficial sex-appeal, não
poderia haver verdadeira frustração, nesse plano, porquanto o mundo está
cheio de seres masculinos e femininos, de maneira que, falhando um, o
frustrado ou frustrada poderia escolher outro – e acabaria a frustração.

Mas o verdadeiro amor é algo muito mais além do simples macho e da simples
fêmea. No mundo animal não há frustração, porque não existe verdadeiro
amor. Quanto mais humano é o homem ou a mulher, maior possibilidade existe
para uma frustração amorosa trágica, mortífera. O verdadeiro amor é algo
cósmico, místico, único e irrepetível, do qual não se pode fazer, sem mais nem
menos, uma segunda ou terceira edição; ele está para além do nosso alcance;
é algo que nos “acontece”, e não está em nosso poder fazer com que
“aconteça” pela segunda ou terceira vez. Algo se partiu nesse delicado cristal
da alma que amava, e não há conserto... Se os nossos romances e películas
cinematográficas substituem, em cinco ou dez minutos, um amor por outro
amor, provam apenas a sua horripilante superficialidade, e, para cúmulo do
nosso barbarismo civilizado, essa banalidade é considerada como um
progresso...

EXPERIÊNCIA CÓSMICA
É algo para além da mística, ou então uma mística universal. O místico foge do
mundo para se encontrar com Deus, mas o homem da experiência cósmica
penetra tão profundamente na alma do universo, que atinge o Deus do mundo
no mundo de Deus. Naturalmente, não é o homem que realiza essa
experiência – ela lhe “acontece” com um contato vital com a própria Vida do
Universo. Daí por diante, todo o seu antigo “dever” ético se transforma num
novo “querer” místico, numa fome e sede, num flamejante entusiasmo, numa
irresistível paixão por essa estupenda Realidade que está para além de todos
os nomes, como a Vida, o Espírito, o Amor, a Beatitude...

Para o mundo profano em derredor, esse homem deve necessariamente


parecer um louco ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por
normal se entende essa cegueira habitual dos inexperientes e essa
insensibilidade paquidérmica dos profanos. Esse homem é normal “para cima”,
supra-normal, e não anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes.
Mas, como o homem comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem
algum conhecimento do infra-normal – que admira que coloque o supra-normal
no plano dos infra-normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu
conhecimento – ou da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no
cognoscente segundo a capacidade do cognoscente”. O homem normal pode
conhecer o infra-normal, que para ele é um “menos”, mas não pode saber o
que seja supra-normal, porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber
coisa maior do que ele mesmo é; o nosso “ser” é a bitola do nosso “conhecer” –
agere sequitur esse (o agir segue o ser).

Entretanto, são esses homens de experiência cósmica os únicos que garantem


a continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. São como
impetuosos incêndios de fogo autônomo, de cuja alma os outros recebem luz e
calor, alguma centelha ou algum clarão emitidos pelo vasto incêndio da
experiência cósmica desses poucos que alimentam os muitos.
TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA
Com a afirmação de que, na hóstia consagrada, não exista mais a substância
do pão, mas existe a substância do corpo de Jesus, aventurou-se a teologia
eclesiástica na perigosa vizinhança da física nuclear. Nos outros dogmas,
puramente espirituais e transcendentes, não existe esse perigo; estão a salvo
de qualquer experiência de laboratório ou reator atômico.

A física nuclear dos nossos dias não admite substâncias, no plural; conhece
uma única substância, que, segundo a matemática de Einstein, é a luz
universal. Substâncias, no plural, seriam as diversas formas da luz, como, por
exemplo, os 92 elementos naturais da química, desde o hidrogênio (H) até ao
urânio (U). Entretanto, é possível provar experimentalmente que, após a
consagração, a substância do pão continua presente na hóstia, inalterada, e
não foi substituída por nenhuma outra substância. Logo, no plano objetivo,
ontológico, não houve nenhuma “transubstanciação”, como o dogma afirma.

Objetam os fiéis que a verdadeira substância do pão não é acessível às


experiências de laboratório, que atinge apenas os acidentes, como a cor, o
sabor e o cheiro do pão. É absurda essa evasiva. Ninguém se pode alimentar
de acidentes dessa natureza – mas quem comesse suficiente número de
hóstias consagradas poderia viver desse alimento; idem, quem bebesse
bastante vinho consagrado ficaria bêbado. Logo, ainda persiste a substância do
pão e do vinho, como aliás, é fácil verificar por uma análise química.

Entretanto, não negamos a presença real do Cristo sob essas espécies; mas
essa presença é criada pela fé do crente, é uma presença subjetiva, e não
objetiva. Portanto, uma presença fictícia, ilusória? De forma alguma! As
criações da nossa fé não são irreais; são até mais reais que as coisas
objetivas. O sujeito consciente é muito mais poderoso do que os objetos
inconscientes, ou apenas subconscientes.

MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS


MATEMÁTICA ESPIRITUAL
No plano físico-mental, o efeito é diretamente proporcional à sua causa; se
bato um prego com 10 graus de força ele entrará na madeira numa
profundidade correspondente exatamente a esses 10 graus. Coisa análoga
também acontece no terreno mental. O resultado é diretamente proporcional à
atividade do agente.
No plano espiritual, porém, não acontece o mesmo; aqui, o resultado é
diretamente proporcional à passividade, e inversamente proporcional à
atividade do agente.

Por quê?

Porque, no mundo físico-mental, o homem é a verdadeira causa eficiente do


resultado; há um rigoroso paralelismo entre causa e efeito – ao passo que, no
mundo espiritual, o homem é apenas condição preliminar do resultado. Aqui se
requer receptividade, e quanto maior for esta receptividade tanto maior será o
efeito, cuja verdadeira causa está alhures, no Infinito, no Universal, no grande
Todo, em Deus.

Receptividade – que é isto?

É uma passividade dinâmica (e não simplesmente estática); é, por assim dizer,


uma “vacuidade faminta”. O homem tem de criar dentro de si esse “vácuo de
sucção”, que atrai a plenitude. Essa “vacuidade faminta” é a “fé” – a plenitude é
a “graça”. Não basta esvaziar-se dá consciência do ego, é necessário também
clamar pela plenitude de algo além do ego.

Esse “algo” e, geralmente, chamado “Deus”; mas, como é tanto transcendente


como imanente, esse Deus é idêntico ao meu eterno Eu, ao meu Cristo interno,
ao “espírito de Deus que habita em mim”, no dizer de São Paulo.

Quanto mais o homem se esvaziar do seu pequeno ego, tanto mais será
plenificado pelo grande Eu; já não viverá ele (o ego) humano, mas o Cristo (o
divino Eu) viverá nele.

Esta receptividade dinâmica é, aliás, o último segredo de todas as coisas


grandes – também nos gênios da ciência e da arte. O homem é talento na
proporção da sua dinâmica atividade – e é gênio na razão da sua dinâmica
passividade. Aquela é o clamor do pequeno ego – esta, a voz do grande Eu.

“Sê quieto – e sabe que eu sou Deus!”

“Em quietude e confiança está a tua força.”

Em muda súplica, ergue a planta ao sol as verdes mãozinhas de suas folhas


heliotrópicas, orando, a fim de receber vitalidade e beleza; a medida da sua
vitalidade depende do grau da sua receptividade solar.

A matemática físico-mental é meramente “transitiva, atuando “linearmente” – a


matemática espiritual é “transitiva-reflexiva”, e atua “esfericamente”, isto é,
cosmicamente.
PENSAMENTO E SENTIMENTO
Tudo na vida opera sob o signo do pensar e sentir. Aquele é luz, este é força.

A luz mostra o caminho – a força põe em movimento.

Pensar sem sentir é fraqueza – cria teoristas.

Sentir sem pensar é cego – cria fanáticos.

Pensar e sentir é um poder luminoso, uma luz poderosa – cria o homem


cósmico.

CONHECE-TE – E CONHECERÁS OS OUTROS!


Quem conhece intuitivamente o seu próprio Eu divino conhece, dentro desse
reflexo de Deus, também os outros reflexos divinos, seus semelhantes – e
conhece até os reflexos divinos do mundo infra-humano.

Neste sentido, tinham razão os antigos filósofos da Grécia, quando diziam


“ánthropos métron pânton” (o homem é a medida de todas as coisas);
porquanto a íntima essência de todas as coisas é Deus; uma vez conhecido em
mim, esse reflexo divino se me torna conhecido em todos os seus recipientes,
humanos ou infra-humanos; o meu próprio conteúdo divino é a chave que me
revela Deus em todos os outros contenedores divinos.

Esta verdade é equidistante do dualismo separatista e do panteísmo


identificador.

A VERDADEIRA CATOLICIDADE –
ESSA DESCONHECIDA
Por ocasião da comemoração do “dia do papa”, disse o arcebispo de Porto
Alegre, V. S., com muita oratória e pouca verdade:

“Suspiramos pela hora em que o mesmo Evangelho que se anuncia na catedral


de São Pedro em Roma, seja proclamado na igreja do Castelo de Wittenberg,
na Hagia-Sophia de Constantinopla e na Igreja Alta de Westminster.”

Resumiu, num engenhoso paralelismo, os quatro setores históricos do


Cristianismo: o setor romano, protestante, ortodoxo e anglicano.

Mas esse “suspiro” não se realizará, enquanto não se operar uma mudança
radical no setor a que o sr. arcebispo pertence. Se na basílica de São Pedro,
em Roma, fosse proclamado o Evangelho de Jesus Cristo, sem adições nem
deduções, estaria removido um dos grandes obstáculos que dificultam a
verdadeira Catolicidade, isto é, a Universalidade do Cristianismo. Mas, onde
quer que prevaleçam interesses de classe sobre a causa sagrada da Verdade,
é impossível essa Catolicidade. A Verdade não tem partido nem credo, não
conhece classes nem interesses; ela é universal como a luz, a vida, o espírito.
Qualquer aditamento restritivo à gloriosa palavra “católico” ou “universal”
adultera o sentido dela; não pode haver “catolicidade romana”, assim como não
pode haver “universalidade parcial”. Só pode haver catolicidade sem
aditamento algum, universal, ilimitada, irrestrita.

Enquanto o sacerdócio continuar a ser uma profissão, em vez dum puro ideal,
não é possível o triunfo do Evangelho, nessa sociedade eclesiástica.

Toda a sociedade tem por base o direito; mas direito é sinônimo de egoísmo.
Se Jesus tivesse fundado uma sociedade eclesiástica baseada na idéia do
direito, não seria a sua igreja o reino de Deus, mas sim uma criação do
egoísmo humano.

Suspiramos pela hora feliz em que todos os parcialismos eclesiásticos se


fundam no universalismo do Cristo!...

Na verdadeira Catolicidade do reino de Deus...

O SEGREDO DA CURA PELA FÉ


É fato histórico universalmente reconhecido que as forças espirituais do
homem curam doenças corporais e mentais. Jesus recomenda a seus
discípulos essa terapia como normal e única, e todos os grandes mestres
espirituais da humanidade afinam pelo mesmo diapasão.

Em que consiste essa cura pela fé?

Consiste simplesmente na firme convicção e profunda experiência de que o


homem – tanto o curador como o curado – é, no seu íntimo ser, perfeita saúde
e sanidade; que o seu verdadeiro Eu é o “espírito de Deus que nele habita”, no
dizer de São Paulo; que a íntima essência humana é idêntica à essência do
próprio Universo, que é o próprio Deus.

Ora, é evidente e lógico que a essência de Deus e a alma do Universo não


possam estar doentes; Deus e o Cosmos são perfeita saúde e sanidade.

Quem é que está doente?

Doente está algo que eu tenho, e não aquilo que eu sou; algo nas minhas
periferias, no meu ego ou na minha persona, é que está desarmonizado – mas
eu sou perfeita saúde e sanidade, porque eu, na minha essência, sou a
essência de Deus e do Universo, que não estão nem podem jamais estar
doentes.

A cura consiste, pois, em re-harmonizar o meu ego externo com a harmonia do


meu Eu interno; fazer o meu ego humano (persona) à imagem e semelhança
do meu Eu divino (indivíduo).

Se eu conseguir essa re-harmonização, estarei curado.

Mas como realizar esse processo?

Aqui é que bate o ponto!

Antes de tudo, não basta pensar, nem simplesmente querer essa re-
harmonização, porque tanto o pensar como o querer são do ego, que é fraco e
está doente – doente não cura doente. É necessário que eu viva integralmente
esse processo de re-harmonização – e essa profunda vivência é do meu
verdadeiro e divino Eu, que não está doente, e pode, portanto, curar o ego
doente.

Mas é precisamente aqui que terminam todas as teorias e técnicas. Aqui não
há mestre nem discípulo – aqui deve atuar uma profunda e misteriosa vivência
ou experiência da última realidade do próprio homem.

Por que é tão rara e tão difícil essa profunda vivência da verdade sobre o
nosso verdadeiro Eu?

É porque o regime do nosso ego é multimilenar, da parte dos nossos


antepassados, e conta com alguns decênios, da parte da nossa própria vida
individual – e esse ego personal é visceralmente separatista: sente-se como
algo separado do grande Todo divino-cósmico, e isto precisamente por ser
“persona”, palavra latina para “máscara”. Assim como a máscara que o ator
usa no palco para desempenhar o papel do rei, do ladrão, do assassino, etc.,
não é o seu verdadeiro indivíduo ou Eu, mas tão-somente o seu pseudo-Eu ou
ego – da mesma forma o nosso ego representa um papel separatista, falso,
quando a verdadeira natureza do homem é in-separatista ou indivídua, isto é,
indivisa, não-dividida, não-separada do grande Todo.

O separatismo permite doença – o in-separatismo exclui doença.

A transição da ilusão do separatismo, criado pelo ego, para a verdade do in-


separatismo, criada pelo Eu – é nisto que consiste o último segredo da cura
pela fé.

A cura pela fé é, na realidade, uma cura pela Verdade – assim como a doença
vem da in-verdade, ou do erro.
Enquanto o ego separatista se mantiver nessa ilusão e nessa prepotência, e
enquanto o Eu for vítima da sua impotência, nada via acontecer; a doença
continua, porque continua o erro. Só quando o Eu conquistar plena vitória
sobre o ego, derrotando as trevas do erro com a luz da Verdade – então
terminará a doença, porque a Verdade é essencialmente libertadora.

O exercício diário da meditação abismal, isto é, a intensa e diuturna focalização


do verdadeiro EU SOU, ajudará grandemente a aplainar o caminho,
enfraquecendo a ilusão do ego e fortalecendo a verdade do Eu.

Além disto, o que, não raro, é decisivo nesse processo é um grande sofrimento,
porque o sofrimento, devidamente compreendido e espontaneamente aceito,
possui uma extraordinária força purificadora e redentora; purifica-nos do erro e
redime-nos para a verdade.

No dia e na hora em que eu aceitar plenamente a verdade sobre mim mesmo,


serei curado de todas as minhas enfermidades, filhas da ignorância e do erro.

“Conhecereis a Verdade – e a Verdade vos libertará.”

O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM


Qual é?

O sexo – diz Freud.

O poder – exclama Nietzsche.

Riquezas – opinam muitos.

Nada disto representa o supremo e mais veemente desejo do homem.

É o anseio de se ultrapassar a si mesmo, o grau de evolução em que ele se


acha agora e atingir um plano possível, porém ainda distante. O que o homem
de hoje atualizou não representa ainda 10% das suas potencialidades latentes.
Todo homem sente, de algum modo, obscura e longinquamente, que ele não é
plenamente o que poderia ser, que as suas potências implícitas são muito
maiores do que as suas realizações explícitas.

Sente também, ou adivinha com seguro instinto, que nessa direção está a sua
felicidade, a consecução do seu grande destino.

Esse cosmotropismo da sua ignota e abismal natureza não deixa o homem


descansar.

De fato, o homem é muito mais aquilo que pode vir a ser do que aquilo que ele
é, no plano das suas realidades objetivas e históricas. A sua verdadeira
“natura” é aquela coisa “na(sci)tura”, aquilo que vai nascer, porque foi
concebido e anda em gestação no seio misterioso do seu ser.

O homem é muito mais as suas idéias e os seus ideais do que as suas


realidades conhecidas.

Se a Madalena do Evangelho tivesse sido realmente aquela “pecadora pública


possessa de sete demônios”, como diz mestre Lucas e como afirmava a
opinião pública, nunca teria vindo a ser aquela ardente discípula do Nazareno;
da era, certamente, aquela pecadora, no foro externo, no “átrio dos pagãos” e
dos profanos, isto é, no plano histórico das suas realidades objetivas
acessíveis ao público – mas no foro interno, no sancta sanctorum do seu
verdadeiro ser, ela era pura e virgem. E quem sabe se ela, tão pouco virgem de
corpo, não era muito mais virgem de alma do que as mais castas virgens do
seu tempo? Com muitos homens se havia ela acasalado – mas não casa com
nenhum deles; as suas verdadeiras núpcias foram celebradas unicamente com
o “Filho do homem”, e não com os filhos dos homens...

O Nazareno enxergava para além de todas as realidades objetivas do corpo da


Madalena e contemplava a atitude subjetiva de sua alma. Sabia o que ela era
atualmente, impura – mas sabia melhor ainda o que ela era potencialmente,
pura.

Mas... o que aí vai escrito é perigoso para os profanos – só deve ser lido pelos
iniciados... Para aqueles é veneno – para estes é alimento.

AGONIA DAS PRIMAVERAS


Com este título encontrará o leitor um capítulo no meu livro Problemas do
espírito, que trata por extenso do assunto deste parágrafo.

Por que é que todos os grandes movimentos espirituais desmerecem e decaem


da sua pureza e poesia inicial, na razão direta em que se distanciam da sua
origem?

É porque os epígonos dos gênios cósmicos que iniciam essas torrentes de


espiritualidade, não possuindo a mesma inspiração divina, substituem essa
falta por organizações humanas, que exigem mentalização e verbalização, em
forma de estudos jurídicos e burocráticos. Ora, toda e qualquer mentalização
analítica e toda a verbalização material é necessariamente uma deturpação de
degradação. A verdade do contato direto com Deus, 100% genuína e virgem na
sua origem intuitiva e envolta em profundo silêncio e anonimato, não, pode ser
manifestada sem que perca grande parte da sua pureza e autenticidade. Essa
sacralidade inicial, vivida por algum profeta, místico ou vidente, quando
exteriorizada, perde o mais belo dos seus encantos. Também, como seria
possível apanhar uma borboleta e espetá-Ia num museu sem que ela perdesse
o mais delicado da sua etérea beleza? Como seria possível dizer com palavras
humanas aos homens aquilo que o santo nem soube dizer em místicos
arroubos a Deus?...

Todo pensar é profanação.

Todo falar é prostituição.

Somente a intuição espiritual, impensada e indita, é que é pura e virgem.

Quando uma revelação de Deus chega a ouvidos humanos, já foi duplamente


adulterada – e terceira deturpação lhe acontecerá, provavelmente, ao transpor
o limiar da consciência alheia. Deixou de ser fogo real, para se converter num
fogo pintado.

Pior ainda quando essa revelação divina é passada de boca em boca, escrita,
traduzida, interpretada repetidas vezes, em diversas línguas. No fim, é ela tão
impura e adulterada com as águas dum rio, quando, após um percurso de
milhares de quilômetros, atingem o seu estuário final.

E quem poderá discriminar das impurezas humanas a pureza divina?

Somente alguém que possua experiência divina igual à do gênio espiritual que,
de início, recebeu essa mensagem da Divindade.

Quando então essa revelação divina é, juridicada e burocraticamente,


elaborada e organizada e posta a serviço dos interesses humanos – então
atinge a estupração dessa vestal celeste o ínfimo grau da sua degradação.

E é, em geral, nessa forma que as grandes religiões chegam ao conhecimento


das massas.

Que admira que muitos, e dos melhores, não queiram saber de “religião”? Que
a considerem “ópio para o povo” e ridícula “superstição”?...

É bem de admirar que ainda haja, sobre a face da terra, quem se entusiasme
pela religião, depois de tão horripilantes deturpações.

Se a alma humana não fosse inextinguivelmente crística em sua íntima


natureza, como poderia ela descobrir ainda o Cristo dentro do nosso
cristianismo?

Através de todas as agonias causadas pelos erros humanos, vislumbra a alma


os fulgores da Verdade divina...
AUTO-REALIZAÇÃO – OU ALO-REALIZAÇÕES?
Disse alguém ao grande apóstolo japonês, Toyohiko Kagawa, durante uma
longa enfermidade do mesmo: “Deve ser aborrecido ficar inativo por tanto
tempo.” Ao que Kagawa respondeu: “De forma alguma! A minha principal
atividade consiste em me realizar a mim mesmo, e isto me é perfeitamente
possível durante a doença.”

Realizar-se a si mesmo – ou realizar coisas fora de si!...

Aqui é que a humanidade se divide em dois campos. São milhões e milhões os


homens que consideram a sua principal, talvez única, tarefa, aqui na terra,
realizarem alguma coisa no mundo externo – um edifício, uma fábrica, uma
máquina, uma invenção, um grande capital, ou então uma família ou o seu
próprio corpo. Pouquíssimo são os homens que se convenceram
definitivamente de que a sua principal missão é realizarem-se a si mesmos, isto
é, levarem à mais alta evolução e perfeição o seu divino Eu, a sua alma.

Quanto às coisas externas, Deus as pode realizar sem nós, e até muito melhor;
não necessita de nenhum de nós para realizar as mais estupendas maravilhas
da ciência e técnica das organizações sociais e prodígios de arte. A única coisa
que Deus não pode realizar sem nós é o nosso próprio Eu. Este, em virtude da
nossa consciência e liberdade, está, por assim dizer, fora da jurisdição divina.
Na zona onde eu sou livre Deus não manda – sou eu que mando. Nessa zona
isenta eu sou Deus, autônomo, onipotente; o que eu fizer de bom ou de mau,
nessa zona livre, sou eu, e só eu, quem o faz; aqui, sou eu o único
responsável, porque o dom da liberdade que Deus me concedeu me isentou do
alcance da sua jurisdição.

Se eu não me realizar devidamente, nessa zona de isenção, ninguém me pode


realizar. Fico devendo à justiça cósmica o que ninguém pode pagar por mim;

OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO


O homem que atingiu consciência cósmica: 1) é iluminado por uma luz de
dentro; 2) vive numa permanente elevação moral, espontânea e fácil; 3) sente-
se mentalmente iluminado, porque a luz intensa da consciência cósmica lança
os seus benéficos reflexos sobre a sua vida intelectual; 4) perde todo e
qualquer temor da morte, porque sabe experiencialmente da sua imortalidade;
5) ultrapassa a noção do pecado e condenação, que são da zona do ego, que
ele transcendeu; 6) irradia estranha fascinação pessoal, que atrai as creaturas
receptivas e que se sentem bem na presença do homem cósmico.
OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA
Com o despontar da consciência cósmica: 1) adquire o homem plena certeza
de que o Universo não é um bloco de matéria morta, mas sim uma presença
viva; 2) que, no seu íntimo ser e no seu externo agir, o Universo é
essencialmente bom e benéfico; 3) que a existência individual do homem pode
ser prolongada para além de todas as mortes.

Esses conhecimentos não são o produto de estudos científicos, mas sim o


resultado imediato e espontâneo de uma luz que nele está e sempre estava,
embora oculta até esse momento, e agora manifesta. Graças ao despertar da
consciência cósmica, sente-se o homem em qualquer ponto do Universo como
no seu lar e na sua natural querência, e está sempre no coração de todas as
coisas; a sua própria essência divina, uma vez plenamente vivida, vive essa
mesma essência em todos, os seres, seus irmãos e amigos. Esse homem
sente em si as pulsações de todas as creaturas do mundo, e por isto as pode
afirmar e amar espontaneamente, sem nenhum ato de volição heróica ou
senso de virtuosidade ética. Ama todos os seres com a mesma sapiência e
benevolência com que Deus os ama, porque esse homem, sentindo-se um com
o Deus do mundo, sente-se um também com todos os mundos de Deus.

AMOR UNIVERSAL – SEGREDO


DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA
Ninguém pode atingir consciência cósmica sem que primeiro atinja amor
universal, ou, pelo menos, o desejo dinâmico desse amor: A ordem ética
precede à ordem metafísica e mística.

Por quê?

Para que o Universo possa subsistir como um Cosmos.

Como assim?

Se alguém adquirisse consciência cósmica antes de ter adquirido amor


universal, poria em perigo a estabilidade do Universo, porque a consciência
cósmica é, praticamente, idêntica ao poder universal, e este, sem o amor, seria
um poder universalmente destruidor.

A magia mental – que é poder sem amor – tenta destruir o Universo, mas
acaba sempre destruído o próprio mago mental, uma vez que a magia é do
Intelecto, e todo o Intelectualismo sem o amor é auto-destruidor.
Por isto, a sapiência da Constituição Cósmica não permite que alguém adquira
consciência universal sem que possua amor universal.

A chave para aquela é este.

Só quem ama cosmicamente é que é maduro para saber e poder


cosmicamente.

O amor é o postulado fundamental da unidade e segurança do Universo.

Por isto, só o Cristo, e não Satã, possui a plenitude da consciência cósmica,


porque ele é amor supremo.

Deus só entrega o sinete do seu poder a uma creatura de absoluta confiança e


fidelidade.

QUEM COMPREENDE A DEUS


IGNORA TODAS AS COISAS
É esta uma das mais estranhas e paradoxais afirmações do grande místico
espanhol, São João da Cruz. E, no entanto, quando bem compreendida, é uma
grande verdade.

“Arrebatado em êxtase – escreve ele – estava eu fora de mim, e todos os meus


sentidos ficaram sem sentido. Meu espírito estava repleto de compreensão –
mas eu estava para além de toda a ciência...

Quanto mais eu subia às alturas, tanto menos entendia as coisas cá de baixo.


É a nuvem escura que ilumina a noite. Por isto, aquele que compreende não
entende nada – está para além da ciência...

Quem atinge as grandes alturas aniquila-se a si mesmo, e todos os seus


conhecimentos antigos lhe parecem cada vez menos e menos; a tal ponto
aumenta a sua compreensão que ele não entende mais nada – porque está
além de toda a ciência...

E essa compreensão, que nada entende, é tão poderosa em sua veemência


que nenhum dos eruditos a pode derrotar com a sua erudição, porque os
conhecimentos destes nunca atingem a compreensão daqueles que nada
entendem – porque estão para além da ciência...

Tão transcendente e soberana é essa sabedoria que nenhuma faculdade ou


ciência podem alcançar aquele que supera a si mesmo, sabendo que nada
sabe – para além de toda a ciência...
E, se escutares a voz dessa soberana sabedoria, saberás que ela consiste
num senso profundo da essência de Deus; é um ato da divina comiseração que
nos deixa sem nada entender – para além de toda a ciência...

PARAFRASEANDO OS INICIADOS
Há uma consciência local – mas há também uma consciência ultra-Iocal.

“Gosto” significa para o homem comum uma coisa localizada na ponta da


língua – mas para o artista significa uma experiência universal, resultado de
uma certa atitude e receptividade intensa do Eu total do homem. Ninguém o
pode receber de outrem, nem o pode dar a alguém. O senso artístico não é
uma faculdade individual localizada num determinado órgão – é o Eu total
enquanto acessível a um certo aspecto da Realidade Total; é o próprio Eu
secundum quid, permanentemente orientado rumo ao Todo Cósmico.

Recebemos ondas de experiência de todas as coisas ao redor de nós – do


nosso povo, da nossa nação, da nossa igreja, da “comunhão dos santos” – de
todos os seres para cujas vibrações se acharem afinadas as nossas antenas.
Esse recebimento nada tem que ver com algum sentido físico; é algo como
uma “luz interna”, uma iluminação (in-lumine, dentro da luz).

Esta visão atinge as coisas pelo lado de dentro, assim como elas são, de fato,
na sua realidade, e não como parecem ser segundo as suas aparências. Vêem
as coisas no seu verdadeiro ser, e na sua verdadeira ordem.

Essa experiência provém da completa união entre o sujeito vidente e o objeto


visto.

Essa união (unio, de uno), ou identificação, é possível, porque a Realidade é


uma só; não há realidades. Se estou unido ao Grande Todo, e se esse Grande
Todo é a essência de todas as coisas, então, pelo fato de ser um com o Todo,
sou também um com cada uma das suas partes; porquanto a essência de cada
uma das partes é idêntica à essência do Todo – são todos “concêntricos”.

A nossa experiência sensorial não passa dum jardim de infância em face


daquela outra experiência, ultra-sensorial e ultra-mental – que é a experiência
do Eu central e universal.

Essa experiência cósmica e panorâmica do meu Eu universal me faz,


realmente, “são” e “santo”; whole e holy, heil e heilig), porque “sanidade” e
“santidade” são universalidade, ao passo que “insanidade” e “insantidade”
(doença e pecado) resultam duma falta de universalidade, por serem aspectos
de parcialidade.
A intuição cósmica confere ao homem um senso de tranquilo poder, de
profunda paz de espírito, de inefável felicidade, e, não raro, influencia outros
como que pela irradiação de um misterioso magnetismo.

NO CÉU E NO PURGATÓRIO
O homem de consciência cósmica, no mundo presente, está no céu – mas
continua a viver no purgatório. Os sofrimentos do ego continuam, mas são
permeados pela leveza e serenidade da luz interna da experiência celeste. O
quê, ou fato, do seu sofrer é o mesmo que o dos outros – mas o como desse
sofrer é muito diferente. Esse homem pode sofrer gozosamente, pode ser feliz
no meio do sofrimento – assim como o profano pode ser infeliz no meio dos
seus gozos.

Por isto, o homem de consciência cósmica não pede a Deus que o liberte do
sofrimento, mas que lhe intensifique cada vez mais a luz da visão interna, que,
graças à sua misteriosa alquimia, transforma tudo e permeia todas as coisas
externas, de maneira que estas, de opacas que eram, se tornam transparentes
como límpidos cristais.

MÍSTICA E ÉTICA
Nem sempre a ética do homem corresponde ao grau da sua mística, enquanto
ele se acha ainda em vias de evolução. Por vezes, os seus altos vôos místicos
têm de arrastar consigo o peso morto de uma ética ainda sacrificial e precária.
Tão densa é a opacidade multimilenar do velho ego que a luz do novo Eu não
consegue, logo de início, lucificar plenamente as paredes espessas desse
invólucro egoísta – e essa incapacidade é o maior tormento para o Eu divino no
homem em vias de cristificação. Por vezes, o seu humano ego geme em cruel
agonia: “Pai, se possível, passe de mim este cálice sem que eu o beba!”... Mas
logo o seu divino Eu ressalva: “Contudo, não se faça a minha, e sim a tua
vontade”...

CONSCIÊNCIA CÓSMICA
É MAIS QUE MORALIDADE
Quando um homem altamente ético ou moral consegue um amor que abrange
todos os seres, é isto, para ela, uma espécie de talento, ou uma virtude
heróica, da qual tem plena consciência, porque é o resultado de tremendos
esforços e dolorosos sacrifícios; é o termo final de processo de auto-disciplina
de longos anos.

Essa suprema conquista do homem eticamente virtuoso pode gerar nele um


senso de orgulho e auto-complacência.

Bem diferente é a atitude do homem de consciência cósmica; não é um talento,


mas um gênio, embora nem ele seja, em geral, dispensado do tirocínio
preliminar da ética sacrificial. A sua consciência cósmica é algo como uma
perfeição biológica, como um divino carisma. Por isto, nunca lhe vem a
tentação de se orgulhar dessa grandeza, porque ela é a sua própria natureza, a
regra geral do seu ser, e não apenas uma exceção dessa regra, em forma de
um agir.

O amor universal com que ele abrange todos os seres – o Real e os realizados
– não é, para ele, uma virtude, um heroísmo ético, um talento moral, mas sim
uma profunda e vasta natureza. Como ele se sente integrado no Grande Todo
do Cosmos, nenhum merecimento há nesse fato de integração, porque é o seu
clima, a sua atmosfera vital, a sua beatitude.

Esse homem não é talentosamente virtuoso – ele é genialmente sábio.

ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZSCHE


Disse o primeiro que o desejo fundamental do homem é a “vontade de viver”
(der Wille zum Leben); proclamou o segundo que o mais profundo anseio do
homem é a “vontade de dominar” (der Wille zur Macht).

Schopenhauer disse meia verdade – Nietzsche enunciou uma verdade total,


embora talvez num sentido unilateral. O certo é que nenhum ser, menos de
todos o homem, se satisfaz com o simples fato de viver, todos o homem, se
satisfaz, no plano horizontal, e continuar a viver onde está. Quanto mais
consciente de si é um ser, tanto mais se transforma o seu simples desejo
horizontal de viver numa linha ascensional de viver poderosamente, porque
poder é felicidade, e a plenitude do poder é a plenitude da felicidade. Em última
análise, toda a felicidade consiste fundamentalmente num senso de poder, que
dê segurança e liberdade, sem as quais nenhuma felicidade verdadeira é
possível. Quem vive poderosamente é feliz. Felicidade é vida abundante. E
essa vida abundante é impossível na fraqueza; exige poder.

Entre a linha horizontal do simples viver e a linha vertical do viver


poderosamente são possíveis inúmeras linhas ascensionais, de maior ou
menor grau de distanciação da horizontal e aproximação da vertical. Uma
minhoca no fundo da terra, comendo humus a vida inteira, deve viver bastante
satisfeita, porque as suas potencialidades rumo à vertical são mínimas, uma
vez que a sua consciência se acha no ínfimo grau de autonomia. Não sabemos
até onde vai a “vontade de dominar”, der Wille zur Macht, de uma minhoca.

Mas, uma águia no espaço ou um leão na floresta revelam uma “vontade de


dominar” notavelmente superior, porque vivem mais abundantemente, e seu
grau de felicidade deve ser muito maior que o de um verme da terra.

Está na íntima natureza do homem viver abundantemente. “Eu vim para que os
homens tenham a vida – disse o maior dos mestres da humanidade – e que a
tenham na maior abundância.”

Todo homem tem o veemente desejo de se realizar plenamente, isto é, de


atualizar as suas potencialidades, como dizemos em terminologia filosófica; o
anseio de ser explicitamente aquilo que ele já é implicitamente, de ultrapassar
o plano evolutivo em que hoje se acha e subir a um plano superior, mais
sentido e intuído do que propriamente sabido e inteligido. Quanto mais
consciente de si se torna o homem, tanto mais ele adivinha que sua existência
compreende numerosas etapas evolutivas, que ele tem de passar por muitas
metamorfoses, nascimentos, vidas e mortes – assim como uma lagarta, depois
de nascer do ovo sabe biologicamente que terá de morrer como lagarta, nascer
como crisálida, e depois morrer como crisálida e nascer como borboleta; sabe
que a sua epopéia vital é uma sucessão de luzes e treva, de expansão e
contração, de atividade e passividade, de vigílias e dormências – rumo a uma
meta que a consciência individual do inseto ignora, mas que a consciência
universal do cosmos conhece desde o princípio dessa cadeia evolutiva.

O inseto, como aliás todos os seres infra-humanos, não vivem propriamente


mas são vividos pela grande vida cósmica; têm vida, mas falta-lhes a vivência;
não possuem autocracia vital, toda a sua vida é alo-crática; não se governam,
mas são governados pelo impacto da grande Vida Universal do Cosmos. E por
isto também não são responsáveis por seus atos – o responsável é o próprio
Cosmos. Esses seres alo-cráticos, ou exo-cráticos, não conhecem ética, nem
para a direita nem para a esquerda, nem para o bem nem para o mal, porque
ética supõe auto-cracia, auto-nomia, endo-cracia.

Só com o advento do homem começou, neste planeta Terra, o fenômeno da


autonomia do ego, e, portanto, a consciência ética, a possibilidade do bem e do
mal.

Mas o homem eticamente consciente dos nossos dias sabe que ele é um viajor
de regiões longínquas, um peregrino do Infinito; sabe que, por mais que ele se
tenha distanciado do mundo infra-humano – do mineral, do vegetal e do animal
– muito distante se acha da meta final, da plena realização de todas as suas
potencialidades latentes. E talvez que haja dois seres humanos que se acham
no mesmo ponto de evolução ascensional; uns realizaram 10 graus, outros 20,
outros talvez 50 graus de despertamento das suas potências dormentes.
Parece que, até hoje, um único homem atingiu a plenitude da sua perfeição, e
por isto se chamava ele o “filho do homem”, quer dizer o pleni-homem, o
homem integral.

Se a lagarta pudesse raciocinar, quem sabe se não teria medo de se


enclausurar no misterioso invólucro da crisálida – que é o ataúde da lagarta e
vai ser o berço da borboleta? Felizmente, a grande Inteligência cósmica pensa
pela lagarta, e assim a pequena inteligência do inseto não teme a morte,
porque uma voz de dentro lhe diz que este ocaso de hoje é o prelúdio da
alvorada de amanhã.

SOLUÇÃO ÚLTIMA
DE TODOS OS PROBLEMAS
Resume-se essa solução suprema, mais ou menos, nos seguintes termos:
Homem, renuncia ao eu pessoal e submerge no nós universal – esse nós que,
em seu primeiro estágio, se chama humanidade, e, no último, Deus.

São os dois mandamentos, o primeiro do amor de Deus, e o segundo do amor


do próximo. Mas, na execução prática, temos de começar pelo segundo, que é
o mandamento da ética, a fim de atingirmos o primeiro, que é o mandamento
da mística. Uma vez passado pela mística, a ética difícil e compulsória se
transforma na ética fácil e espontânea – e então está solucionado o último
problema da vida humana.

Para atingir essa meta, ó homem, observa o seguinte:

Não exijas nada – sempre pronto para tudo!

Não reclames direitos – cumpre somente obrigações!

Não te arvores em credor de alguém – considera-te devedor de todos!

Não te delicies em perdoar ofensas – esquece-as!

Não procures receber e ser servido – dá e serve onde puderes!

Mantém dentro de ti um clima de serena tranquilidade que se revele em suave


benevolência para com todas as creaturas de Deus!

Realiza com a maior perfeição e com jubiloso amor todos os teus trabalhos,
sem jamais esperar reconhecimento, aplausos, gratidão, nem aguardares
resultados visíveis!

Se assim fizeres, o teu velho ego protestará, indignado, afirmando que a tua
vida é um absurdo e tu és um tolo; pois, como poderias renunciar ao maior
triunfo de milhares e milhões de anos de evolução, que é o teu ego? Que valor
teria ainda a tua vida sem os encantos do ego, que se nutre de elogios,
aplausos e resultados palpáveis dos seus trabalhos?

Esse protesto, não te esqueças, é o protesto de um cego ou dum míope. O teu


ego é incapaz de perceber que, na realidade, essa “renúncia” não é uma perda,
mas sim um lucro, não um menos, sim um mais; entregas um 10 para
receberes um 100. O pequeno ego, porém, devido à sua pequenez, não
percebe que o 10 está contido no 100, e que este é um gloriosa ambição
daquele.

O grande Eu divino em ti sabe dessa matemática cósmica, que o pequeno ego


humano ignora. Por isto, o grande Eu divino tem de se manter firme e
inabalável, no meio de todos os protestos, porque é pelo bem do próprio ego
que seja dirigido pelo Eu, pois assim ganha em vez de perder.

É o maravilhoso “Stirb und werde!” de Goethe.

É o glorioso “Se o grão de trigo não morrer...”, do divino Mestre.

A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO


É este, talvez, o mais inexplicável fenômeno que todo místico conhece, na sua
jornada ascensional rumo a Deus: depois de alcançar total purificação, depois
de atingir elevado grau de iluminação, pouco antes de cruzar a misteriosa
fronteira para a definitiva união com Deus – passa ele pela chamada “noite
tenebrosa da alma”. São João da Cruz e sua grande discípula, Santa Tereza
de Jesus, são mestres na descrição desse fenômeno.

Dizem os psicólogos que essa treva é uma reação do cansaço causado pela
passagem através dos dois primeiros estágios evolutivos, da purificação e da
iluminação, que, necessariamente, precedem a União.

Entretanto, a mais profunda razão não é apenas psíquica, e sim mística ou


cósmica. Em transição para a definitiva união com o Infinito, ocorre um
egocídio, a morte irrevogável do “homem velho”, e esse morrer é
experimentado como uma escuridão, como um eclipse total da personalidade
separatista e luciférica.

De resto, não pode haver experiência genuína do mundo espiritual sem o


“batismo de sangue”, sem a passagem pelo “mar vermelho” de um grande
sofrimento – e a morte definitiva do ego é, sem dúvida, o maior dos
sofrimentos. O sofrimento é o último e supremo fator de iniciação. Depois que o
homem compreendeu tudo que era compreensível, tem de ser aniquilado,
reduzido a zero, antes de poder ver o Todo. Se entre a vida consciente do ego
e a vida superconsciente do Eu não medeasse o abismo do nada, do absoluto
niilismo, que se revela como sofrimento, poderia a subsequente união com
Deus parecer o produto de alguma engenhosa ou genial atividade do ego; mas,
depois que este foi reduzido a zero, crucificado, morto e sepultado, nenhuma
tentativa pode haver de o homem considerar as núpcias místicas da alma com
o divino Esposo como algo merecido ou produzido pela personalidade do ego.

Para que essa união mística apareça em todo o esplendor da verdade daquilo
que ela é na realidade, isto é, uma puríssima graça de Deus – deve a grande
escuridão acampar no limiar do santuário.

“Para que nenhum homem se glorie...”

Depois de passar por essa treva espessa, está a alma definitivamente adulta e
madura para ingressar no reino de Deus.

Aqui está a linha divisória entre a espiritualidade meramente devocional de


certos místicos poéticos e líricos – e a experiência criadora de uma alma que,
de fato, foi empolgada pelas veementes tempestades de Deus. Há, na genuína
experiência mística, algo profundamente trágico, quase mortífero; a alma,
chegada a essa fronteira última entre dois mundos, sabe e sente que se trata
de vida ou morte, que é chegado o momento da grande crise, de uma decisão
suprema, da qual não há regresso...

Escusado é dizer que uma experiência dessas causa profundas modificações


também na vida externa do homem.

Quando alguém, após esse encontro com Deus, volta ao meio da sociedade,
no princípio não enxerga nada, não compreende mais a linguagem dos outros,
embora veja e ouça tudo materialmente. A sua alma continua distante, muito
distante... Depois, obrigado a retomar o fio da sua vida profissional, tem a
impressão de estar num jardim de infância, ou num teatro de fantoches... Por
que toda essa correria em derredor? Por que essa desenfreada lufa-lufa, a pé,
de carro, de avião a jato? Que querem esses bonecos humanos? Será que têm
de realizar algo de importante? Evidentemente, são vítimas de uma alucinação
coletiva, que eles tomam muito a sério... Ninguém sabe, propriamente, por que
corre, grita, ri, chora, gesticula, acumula dinheiro e mais dinheiro... Será que
eles não percebem que estão montando museus de zeros?... Esses homens
importantes parecem-se com formigas que tiveram desmanchado o seu
formigueiro e põem-se a correr estonteadamente em todas as direções, sem
saber por que e para quê...

“O meu reino não é deste mundo”...

É esta a voz que ecoa, sem cessar, na alma do místico que teve o seu
encontro com Deus. E, se alguém lhe oferecesse “todos os reinos do mundo e
sua glória”, não se daria ele ao trabalho de estender a mão para se apoderar
dessas sombras e dessas bonecas de celulóide, que formam o cobiçado alvo
da desenfreada lufa-lufa e das guerras dos profanos...

Deslocou-se o seu centro de gravitação...

A sua órbita deixou de ser geocêntrica, egocêntrica – tornou-se heliocêntrica,


teocêntrica, cosmocêntrica...

Perdeu de vista as praias e os litorais de outrora e deixou-se arrebatar pelas


exultantes ondas dos mares de Deus...

Para onde?

Não interessa saber... Deus o sabe – e isto basta...

PARTURIÇÃO MÍSTICA
Entre a iluminação da alma e sua definitiva unificação com Deus, jaz o
tremendo mistério da parturição do homem cósmico. No meio dessas dores de
parto agoniza a alma, sofrida de Deus e sofrida de si mesma...

Outrora, sabia o homem algo sobre Deus – e isto era delicioso; agora sabe ele
a Deus – e isto é terrífico, porque esse saber é um viver e um ser – e isto é
algo mortífero – e vivificante...

Essa alvorada de Deus é o ocaso do ego – a “noite tenebrosa” da


desegoficação, a queda no vácuo, o naufrágio no vasto oceano da divindade, o
regresso à eterna origem...

Tenho de des-nascer do ego, para o qual outros me fizeram nascer, decênios


atrás – a fim de poder re-nascer para Deus ...

Tenho de me tornar conscientemente a Realidade que sou inconscientemente.

O meu semi-eu tem de se tornar um pleni-Eu – e isto é agonia, que submerge


na morte, para emergir na vida...

REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO


Ah! como me tornei flexível e plasmável, depois que passei pelas mãos de
Deus! Como me sinto leve e luminoso e desprendido de tudo!... Parece que
vou roçando apenas, mui de leve, com asas de andorinha, as coisas da vida
material... E que halo estranho envolve tudo que me rodeia!... Os objetos, antes
tão opacos, parecem todos transparentes, como se dentro deles ardesse uma
luz...
Estou de amores divinos com o mundo inteiro... Tudo que vejo, ouço e sinto me
parece uma discreta mensagem d‟Ele, meu divino Amor, um murmúrio dos
seus lábios, um aceno dos seus olhos, um eco da sua voz, uma pulsação do
seu coração, um presente das suas mãos...

Este mundo é tão belo, depois que vi a eterna Beleza...

E eu me sinto imensamente livre...

E Verdade me libertou...

Foi abolido o inferno, desde que o paraíso tomou conta de mim. Também,
como poderia haver inferno lá onde Deus está?... A onipresença do céu
eclipsou a presença do inferno...

Foi também abolida a morte, pois como poderia haver morte, lá onde impera a
vida?

Abolida foi a presença do pecado pela onipresença do amor.

Pecado, morte, inferno – em parte alguma!

Amor, vida, paraíso – por toda a parte!

NÃO SOU ALTRUÍSTA!


“Altruísmo” é uma palavra equívoca e perigosa. “Alter” quer dizer “outro”. Será
que eu devo amar os outros em vez de me amar a mim? Fazer uma permuta
de amores?

Absolutamente não! Devo amar a todos assim como me amo a mim. Se eu não
amasse a mim, não teria norma para o amor aos outros. Devo ser
absolutamente solidário no meu amor. Devo amar-me em tudo e tudo em mim.
Eu e o Universo somos um. Sinto em mim as pulsações da vida universal, e
faço pulsar no universo a minha própria vida. Eu vivo a vida cósmica, e a vida
cósmica me vive e vitaliza.

A palavra “altruísmo” sugere algo como hipocrisia, virtuosidade, orgulho


espiritual, farisaísmo auto-complacente.

Se eu amasse algo ou alguém em vez de mim, deixaria de amar a mim mesmo


– o que seria profundamente inético e anti-cósmico. Eu devo afirmar tudo o que
Deus afirma – mas Deus me afirma com o mesmo amor com que afirma a
todas as outras creaturas. Com que direito, pois, poderia eu des-afirmar, e até
negar, algo que Deus afirma? Será que eu sou mais santo que Deus? Devo eu
desamar o que Deus ama?
CURRUÍRAS E MARIPOSAS AMIGAS
Ontem à tarde, 3-9-1950, entre 4 e 5 horas, quando eu estava sentado no
bosque lendo Yogananda, Auto-biography of a Yogi, justamente no capítulo
onde o autor fala do maravilhoso cientista místico Luther Burbank, vieram de
repente três curruíras, no meio de extraordinária festa de risadinhas e bater-de-
asas, ao redor de mim, quando não havia passarinho algum pela vizinhança; e
uma delas veio pousar tranquilamente sobre o meu joelho esquerdo, olhando
para mim meio minuto, com olhares interrogativos, enquanto as outras duas me
olhavam lá da cerca próxima.

Por que essa amizade e confidência? Será porque eu, engolfado naquele
capítulo sobre um místico que conversava com a natureza como Francisco de
Assis, me achava envolto em auras de simpatia cósmica?...

Quando o homem vive em Deus, todas as creaturas, que também vivem em


Deus, confraternizam com o homem. Desaparece a hostilidade criada pelo
intelecto luciférico e aparece a amizade que nasce da razão crística; todas as
longínquas transcendências se fundem numa propínqua imanência...

Eu e o universo somos um...

Muitas vezes, à noite, quando leio, vêm dançar sobre as páginas do livro umas
pequenas mariposas vestidas de seda branca, que eu chamo “noivinhas”;
pousam sobre o papel e se quedam, estáticas, vibrando apenas as minúsculas
antenas. A luz as põe numa espécie de samadhi, e elas, misticamente
inebriadas de luz, se sentem no “terceiro céu”. Falo com as delicadas
“noivinhas” de alvíssimo enxoval, e lhes entrego a minha mensagem para o Pai
de toda luz, vida e amor...

Foi o que fiz também com as três curruíras.

EU ESTOU EM TUDO –
E TUDO ESTÁ EM MIM
Vamos substituir a palavra “Deus”, tão abusada, pela palavra “Vida”, tão
querida.

A Vida é a essência de todas as coisas. Eu, pelo fato de estar vivo, participo da
Vida Universal, que está em todos os seres vivos.

Por isto, eu vivo em todos os seres vivos, em virtude da Vida, e sou amigo de
todos os meus irmãos viventes.
Fazer “milagre” é um simples corolário desta minha união com a Vida
Universal. Nada é impossível a quem se torna consciente dessa universal
“simbiose”, dessa grande “convivência cósmica”.

PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE
Quando uma pessoa de consciência individual está comigo, eu sinto
deleitosamente a sua tépida propinquidade – mas, quando uma pessoa de
consciência cósmica está comigo, sinto-lhe, para além da grata proximidade
individual, a solene longinquidade universal, sinto-a como que envolta numa
aura de indefinível sacralidade...

E essa bi-polaridade formada pelo perto e pelo longe dessa pessoa, de


imanente amizade e transcendente majestade, me enche dum paraíso de
anônima beatitude... Gozo a presença e sofro a ausência dessa pessoa – e
esse gozo sofrido é algo de indescritível fascinação...

ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO


Skyland, 20-9-1950. Mais uma vez estou nestas maravilhosas alturas, em
plena natureza, como no ano passado, quando minha alma gemia em dores de
parto por ti, meu Deus, sempre presente e sempre ausente, sempre nascituro e
jamais nascido – e minha alma sempre em dolorosa gestação... Nunca sei se,
de fato, nasceste ou não, se és uma prole nata ou inata... Tenho a impressão
de que és um eterno nascituro...

Ontem à noite, das solitárias alturas do “Stony Man”, ponto culminante de


Skyland, fui invadido por uma onda de consciência cósmica... Sentia-me
inefavelmente um com o Grande Todo, fundido em compreensão e amor – e,
ao mesmo tempo, sangrando dolorosamente das chagas da minha
insuficiência...

Estou em ti... tu estás em todos os seres... logo, eu também estou em todos os


seres... Nós estamos todos em ti, nós, a tua grande família cósmica, ó Pai do
Universo!... Embora todos distintos de ti, não estamos separados de ti, Espírito
Divino, que unificas todas as diversidades, sem as identificares...

Meu ignoto Amigo e Senhor! Ando sempre à tua procura, porque te achei, e
nunca te acho plenamente. Quanto mais te acho mais te procuro, porque o
meu pequeno finito anda sempre faminto do teu grande Infinito, e quanto mais
me alimento de ti, tanto mais fome tenho de ti... Deus do céu! Será que esta
fome progressiva que tua progressiva posse me dá não acabará por me
aniquilar e dissolver em ti totalmente? Será que não acabarei em dulcíssima
eutanásia mística, diluindo-me todo em ti, ó divino Oceano sem praias nem
fundo? Se assim for – adeus, pequenina onda do meu Eu! Volta em paz para
donde vieste!... Deixa de existir – e volta a ser... Desprende-te das praias da
efêmera existência e afoga-te nos abismos da eterna Essência... Adeus!... Que
o meu pequeno Eu, limitado de nome e forma, se dilua no infinito Pélago, sem
nome nem forma!... Nirvaniza-te, pequeno Algo, abisma-te no Nada, no seio do
grande Todo!... Des-nasce para o teu existir individual e nasce para o Ser
Universal!...

...............................................................................................................................

E minha alma continua em gestação, sofrida de Deus – e sofrida de si


mesma...

AÇÃO – ADORAÇÃO
Duas asas que me levam às alturas.

Que vale ação sem adoração?

Que vale adoração sem ação?

Que vale atividade?

Que vale passividade?

Só vale passividade dinâmica – imensa vacuidade invocando intensa plenitude.

Adoração é a mais alta forma do amor, o “primeiro e maior de todos os


mandamentos”, é a grande vertical da mística divina, sem a qual todas as
horizontais da ética humana são estéreis.

Todo o meu externo agir poderia ser feito por Deus, e muito melhor – mas o
seu interno adorar e amar não pode ser feito por Deus em meu lugar.

Tanto vale a minha ação quanto vale a minha adoração. As minhas ações são
outros tantos zeros sem o algarismo positivo “1” da minha adoração, que
valoriza com a sua plenitude todas as vacuidades dos zeros: 1 000 000.

Na própria palavra “adoração” está contida a palavra “ação”, como parte


integrante dela; e no meio, entre “adoração” e “ação”, está “oração”, elo
mediador que une a mística e a ética.

Adoração, oração, ação...


EM PERSPECTIVA – OU EM PANORAMA?
Toda verdade espiritual é falsa, quando analisada intelectualmente, porque é
vista em perspectiva, e não em panorama. Quando contemplo um círculo
obliquamente, o círculo me aparece como elipse, tanto mais alongada quanto
mais oblíqua for a minha posição; quando contemplo em perspectiva duas
linhas paralelas, como os trilhos duma estrada de ferro, essas paralelas
aparecem como convergentes.

Todos os nossos conhecimentos, físicos e mentais, nos aparecem em


perspectiva linear, unilateral, devido à imperfeição das nossas faculdades
cognoscitivas.

Mas uma verdade conhecida espiritualmente aparece em visão panorâmica,


assim como ela é de fato, parecida com uma visão esférica, onilateral; é uma
“intuição”, ou visão de dentro, porque é a visão da própria essência.

A visão mental não pode ser corrigida por si mesma, senão apenas por uma
visão superior, intuitiva, panorâmica.

O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA


Exigir que a mística seja lógica é absurdo, porque parte duma falsa premissa –
suposto que entendamos a lógica no sentido tradicional, intelectual. Nenhuma
experiência mística pode ser intelectualmente lógica, sob pena de deixar de ser
mística. Toda mística é necessariamente ilógica. “Credo quia absurdum” –
estas palavras do grande Tertuliano contêm uma grande verdade. O objeto da
fé é necessariamente absurdo, ou ilógico, isto é, ultra-intelectual. Não pode
haver fé na zona da inteligência.

Do ponto de vista científico, o estado místico é flagrantemente ilógico, a-


científico, porque não concorda com a lógica científica do intelecto.

Tudo que é cientificamente lógico não é real, mas aparente, porque a ciência
trata apenas dos fatos, mas não da realidade. Os fatos estão para a realidade
assim como um objeto refletido no espelho está para esse reflexo.

ESTUPRO ESPIRITUAL
Querer impor a outros uma crença ou experiência espiritual é crime de
violência ou estupro, e isto em dois sentidos.

Primeiro, porque nenhuma experiência espiritual coincide com a Realidade.


Segundo, porque a Realidade experimentada por A não pode ser
experimentada por B ou C do mesmo modo, uma vez que cada indivíduo
experimenta segundo a sua capacidade individual a Realidade Universal.

Esse estupro espiritual é, talvez, o maior crime que certas igrejas dogmáticas
cometem contra a humanidade, consoante a norma “Crê ou morre!”

QUIETUDE É PUREZA
Como tornar clara uma água turva?

Deixando-a quieta – e ela se clarificará por si mesma.

Todo o ruído, tanto físico como mental, é impureza e profanidade – ao passo


que o silêncio e a quietude são pureza e sacralidade.

Depois de dois ou três dias de contínuo silêncio e meditação, entra a alma


numa grande receptividade espiritual, de maneira que qualquer sementinha de
verdade brota com espontânea facilidade. O terreno à beira da estrada, entre
pedras ou no meio dos espinheiros, se transforma em terra fértil, arada,
adubada, chovida, como aquela da parábola do semeador que produziu 30, 60,
100 por um.

Deus é eternamente inativo – e, no entanto, não deixa nada por fazer.

Homem! Pratica inação – e não haverá nada que não possa ser feito!

Deixa que cada coisa siga seu curso natural e não interfiras com coisa alguma
– e tudo sairá certo!

Todas as coisas da natureza operam silenciosamente – e Deus é o rei do


silêncio...

COMPREENDER É SER
Não fales de oceano a uma poça d‟água!

Não fales de gelo a uma cigarra de estio!

Não fales de astros a um tatu!

Não sabes que ninguém pode compreender coisa maior do que ele mesmo é?
VERDADES PARADOXAIS
Se quiseres ser grande – humilha-te!

Se quiseres ser sábio – aceita parecer tolo!

Se quiseres ser livre – serve voluntariamente!

Se quiseres viver – morre antes de ser morto!

Se quiseres ser feliz – renuncia à tua felicidade!

MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO


Nada sei do mundo objetivo, lá fora – só sei do meu mundo subjetivo, dentro de
mim. O meu mundo começa e termina lá onde começa e termina o meu
consciente. Embora existam milhares de mundos, objetivamente – para mim só
existe o mundo da minha experiência subjetiva; os outros são inexistentes para
mim.

Se a minha consciência grau 10 se alargasse para grau 20 ou 50, tão diferente


seria a minha filosofia sobre o universo!

EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA


O verdadeiro místico se torna um com o grande Todo e com cada parte desse
Todo – um com Deus e um com qualquer creatura de Deus.

O profano, quanto mais goza tanto mais incapaz se torna de gozar, e, por fim,
expira o último resquício da sua capacidade de gozar – e então só lhe resta um
inferno de tédio, o manicômio ou o suicídio. O próprio gozo impossibilita o gozo
– é esta a maldição de todo o gozo profano.

O místico, porém, graças à bendita disciplina da renúncia, abre infinitas portas


para um gozo intenso e puro e sem fim. Deus é um, como a luz incolor, mas as
revelações de Deus são sem conta nem medida, como as cores criadas pela
luz, e cada novo aspecto de Deus causa nova alegria ao homem espiritual.

O verdadeiro místico exulta ao contemplar uma pedrinha, um inseto, uma ave,


um peixe, uma planta, uma gota de orvalho, porque vê a Realidade eterna
através dessas roupagens efêmeras.

Celebra a sua liturgia cósmica em milhares de catedrais, sobre inúmeros


altares.
Ó folhinha de capim! como te agradeço porque existes!...

Ó besourinho verde-claro! como sou feliz porque tu vives!...

Ó nuvens do céu! como alegrais a minha existência!...

Ó florzinha à beira da estrada! bendita sejas pelo bem que me fazes!...

Ó ventos e chuvas, relâmpagos e pirilampos, montanhas e mares! que seria a


minha vida sem vós?...

Recebei, todos vós, o preito da minha gratidão, porque existis na minha


existência!...

O HOMEM INFINITO
O homem não é um ser finitus, findo, acabado – ele é infinitus, não-findo, não-
acabado, porque ele é uma sinfonia inacabada.

Os problemas duma lagarta não acabam com a lagarta, mas sim com a
borboleta, porque a lagarta é uma sinfonia inacabada. A lagarta é a borboleta
“infinita”, não finda, por acabar...

Quanto mais me aproximo do Infinito, menos finito me sinto e mais desperta em


mim a consciência do meu ser “infinito”, inacabado...

Quanto mais me aproximo da Luz, mais largas e espessas são as sombras que
projeto após mim, porque mais nítida se torna a consciência da minha finitude...

O teu Infinito, Senhor, intensifica em mim a consciência da minha finitude –


quanto mais te gozo mais te sofro...

Quanto mais te possuo, mais te procuro...

Quanto mais me delicio em ti, mais fome tenho de ti, Senhor...

EU E O UNIVERSO SOMOS UM
Hoje, pelas 10 horas da noite, ao voltar do meu solitário Shangri-la, no bosque
de Washington, após intensa meditação, parei uns momentos, no meio do trilho
que conduz ao campo da Universidade onde leciono – e sobreveio-me intensa
luz, que me envolvia e permeava, uma luz imaterial de dentro... E fui inundado
pela grande Verdade, que é suprema Felicidade, de que eu e o Universo
somos um... Vivia a minha íntima união com Deus, que parecia total
identidade... E, como Deus é a essência de todas as coisas, também eu estava
essencialmente em todas as coisas, vivia em cada uma das creaturas de Deus
ao redor de mim, que estavam em mim – pedras, plantas, insetos, aves, ar,
terra, música de grilos e cigarras – meus irmãos, minhas irmãs dormentes,
semi-dormentes... E eu, o único irmão maior vígil, acordado, no meio desse
misterioso dormitório de Deus...

Boa noite, irmãozinhos, irmãzinhas!... Eu vos faço participantes da minha


consciência maior... Ponho-vos todos sobre o altar do meu Eu consciente, em
grato odor ao meu Deus e vosso Deus, nosso Pai e nosso Senhor.

E celebramos a nossa inefável liturgia cósmica, no meio de grande silêncio e


solenidade...

Eu e o Universo somos um...

QUANDO MORRE O “DEVER”...


Uns nunca chegaram a conhecer o imperativo do “dever”.

Outros conhecem-no e procuram agir de acordo com ele.

Outros ainda agem em perfeita harmonia com o seu “dever”, mas nada sabem
desse senso compulsório, porque toda a sua consciência está empolgada por
um delicioso e espontâneo “querer”. Estes resolveram o problema central da
vida: querer o dever. Eles sabem o que Gandhi quis dizer com as estranhas
palavras: “A Verdade é dura como diamante – e delicada como flor de
pessegueiro.” A objetiva dureza do dever se lhes converteu na subjetiva
delicadeza do querer...

Esses estão definitivamente remidos de todas as irredenções...

Deles é o reino dos céus...

RELIGIÃO E MORALIDADE
Não há nenhum nexo direto entre religião e moralidade, contanto que como
religião se entenda a mística, a experiência cósmica da Infinita Realidade.

Indiretamente, é verdade, a moralidade é beneficiada pela religião, como


também esta se desenvolve melhor no ambiente daquela.

A religião, o “primeiro e maior de todos os mandamentos”, se refere


diretamente a Deus; a moralidade, o “segundo mandamento”, semelhante, mas
não igual àquele, tem que ver com os nossos semelhantes.
O homem religioso se abisma em Deus, goza a Deus, sente-se um com Deus,
dilui-se num oceano de amor e beatitude, com toda a alma, com todo o
coração, com toda a mente e com todas as suas forças.

A moralidade prática pode ser estabelecida independente de qualquer


religiosidade, embora, nesse estado a-religioso, a ética nunca deixe de ser
difícil e sacrificial: por isto, muitos homens procuram ser éticos por vaidade e
ostentação, ou pela inconsciente necessidade de encontrarem um substituto e
lenitivo para sua falta de religião; não raro, o ateísmo vem enflorado de
filantropia; a caridade procura encher os vácuos do Amor, reprimindo com
perfumosos anódinos os sintomas de um mal cujas raízes profundas continuam
a viver...

Depois de passar pela experiência mística, o homem continua a ser ético, mas
a sua ética perdeu o colorido moral do “dever”; esse homem já não é ético por
virtude, por um imperativo categórico de consciência, “tu deves”, mas sim como
um suave e espontâneo transbordamento da sua experiência com Deus, “eu
quero”... Não ama a seu semelhante como a si mesmo porque veja nisto uma
obrigação moral, um preceito ético, mas simplesmente porque o mar do seu
amor divino lança suas ondas impetuosas sobre todas as praias e ilhas
humanas e infra-humanas dos arredores...

Esse homem faz o bem por ser bom, nem pode deixar de fazer o bem, porque
o seu ser-bom é a sua íntima natureza, que ele, finalmente, descobriu. A sua
alteridade ética no meio dos homens não é incompatível com a sua identidade
mística com o grande Todo da Divindade, porque ele vê todas as partes nesse
Todo. Solitário em Deus, não pode deixar de ser solidário com todas as
creaturas de Deus, porque vê o Deus do mundo no mundo de Deus.

A ética meramente horizontal e humana enquadra o homem na sociedade –


mas a experiência mística vertical torna o homem indizivelmente feliz, e a sua
benevolência e beneficência humana não é senão o impetuoso
transbordamento dessa sua profunda e anônima felicidade.

Na simples ética humana, o homem apenas dá, e isto é doloroso, porque é


sinônimo de perder e empobrecer.

Na mística divina, o homem recebe, e por isto pode dar jubilosamente e sem
limites, porque esse dar humano nascido do receber divino é lucro que faz
enriquecer.

No recebimento místico, a alma concebe como esposa do Infinito.

Na distribuição ética, a alma dá à luz como mãe no meio de muitos finitos.

Na concepção mística, o homem recebe muito das profundezas do tesouro


cósmico.
Na distribuição ética, o homem dá um pouco do seu pequeno ego humano.

GUARDA O QUE TENS – E PASSA ALÉM!


É esta a grande lei do processo evolutivo!

Conforma-te com os elementos positivos da tradição – e depois desconforma-


te e procura conformar-te com os elementos positivos da evolução!

Conformidade e desconformidade!

Satisfação e insatisfação

CREDO DINÂMICO
Não pode haver credo estático, passivo. O meu crer depende do meu poder, e
o meu poder depende do meu ser individual.

Ora, o meu ser está em contínuo crescimento; logo, também o meu poder e
meu crer são processos dinâmicos, em contínuo crescimento. Quem crê hoje
apenas aquilo que creu ontem, quem aos 50 anos crê apenas o que cria aos 5,
e nada mais, sofre de paralisia infantil – ou então virou múmia! Quem hoje crê
mais o que cria ontem, goza de vigorosa saúde espiritual e moral.

O TODO É SIMULTÂNEO – AS PARTES


SÃO SUCESSIVAS
Os estágios sucessivos da nossa consciência são aspectos parciais do grande
Todo total e simultâneo.

Um viajante da Arábia, montado num elefante, encontrou-se com quatro cegos.


Cada um deles quis saber o que era um elefante.

O primeiro apalpou a tromba do animal, e concluiu que elefante era um tubo


roliço e flexível.

O segundo tocou-lhe nas enormes orelhas, e achou que elefante era uma
espécie de chapa.

O terceiro puxou-lhe o rabinho, e disse que elefante era algo parecido com uma
corda.
O quarto tentou abraçar-lhe a volumosa barriga, e opinou que elefante era uma
espécie de barril.

Por fim, falou o viajante montado no paquiderme e declarou que elefante não
era nada disto, embora tudo aquilo fizesse parte do animal. Faltava aos cegos
a intuição do Todo orgânico e vivo.

Também como poderia uma análise sucessiva e parcial compreender o Todo


simultâneo e total?

Como poderia um homem armado de ferramentas puramente intelectuais saber


o que é o Espírito divino?

MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA


A humanidade democrática do Ocidente está vivendo um dos seus períodos
mais perigosos: procura manufaturar uma cultura padronizada, pré-fabricada,
feita sob medida, cultura niveladora de personalidades, que se possa servir
automaticamente em pastilhas, comprimidos e injeções.

“Todos são iguais perante a lei” – está certo, na ordem social.

Mas, na ordem individual, não há duas pessoas iguais. A natureza não é uma
democracia, mas sim uma hierarquia cósmica.

À luz da nossa pseudo-cultura mecanizada, ninguém mais tem o direito de ser


ele mesmo – tem de tornar-se o que os outros são. A idolatria das
deslumbrantes vacuidades atingiu o seu clímax. Do contrário, não se
compreenderia a popularidade de certos Best-sellers, do Reader’s Digest
(Seleções), do Rock’n Roll, da Bienal, de Pelé, Brigitte Bardot e outras
divindades.

O homem moderno abdicou da sua personalidade e se amorfizou na massa.

Depois de falsificar todos os objetos – inclusive frutas, ovos e medicamentos –


o homem falsifica o seu próprio sujeito, substituindo o seu critério pessoal pelo
clichê da opinião pública. Certos dissidentes se revoltam contra a infalibilidade
do Papa ou da Bíblia – mas o homem moderno, que se diz descrente, crê
cegamente na infalibilidade do seu jornal, da Rádio, da Televisão, e o seu
credo é pautado pela gritaria e cartazes luminosos da propaganda comercial.
Compra o que os agentes de publicidade mandam comprar, porque não é ele
que pensa, ele é pensado pelos outros...

É proibido pensar!

É proibido ser alguém!


É proibido dizer o que os outros não dizem!

É proibido fazer o que o vizinho não faz!

É proibido andar por caminhos novos!

É proibido abrir portas fechadas!

Eis aí o retrato do homem moderno, que canta hinos à liberdade – à sombra


das suas prisões...

Personalidade é tabu!...

Outros, desejosos de ser eles mesmos, caem em exotismos não menos


ridículos. Julgam-se livres, mas não conseguem dar à sua liberdade um
conteúdo criador. São livres de alguma coisa – e não sabem para que é que
são livres. Para eles, liberdade é um fim em si mesmo, e não um meio para
algo maior – e sua liberdade acaba em licença...

Oxalá, os nossos sofrimentos, criados por nós mesmos, possam ser o prelúdio
da nossa redenção!

Essa redenção, porém, não vem de fora, de terceiros, nem vem das periferias
do nosso ego humano, nosso carcereiro – a redenção vem do centro do nosso
Eu divino, porque “o reino dos céus está dentro de nós”...

AMOR – O RETORNO AO UNIVERSAL


Em qualquer espécie de amor há um misterioso elemento de “retorno ao
Universal”, e, como o Universal, ou Inconsciente, é o oceano creador da vida, o
amor é, por sua própria natureza, creador – é Eros, e não apenas libido.

Nesse “amor creador” é que reside o segredo da alegria que sempre


acompanha a vida. A vida, quando plena, é exuberante alegria.

O que acontece no plano da erótica, que visa a imortalidade da espécie, dá-se


também, e com muito maior intensidade, no plano da mística, que produz a
imortalidade do indivíduo.

A mística é a erótica do espírito – assim como a erótica é a mística da carne.

O Universal é o Inconsciente, é o grande Todo Cósmico, é Brahman. Por isto, o


retorno ao Universal – seja na erótica, seja na mística – é algo como
embriaguez, êxtase, samadhi, arroubo, morte do pequeno ego consciente,
nascimento do grande Eu oniconsciente.
O que a erótica tenta e consegue por momentos, a mística o realiza em caráter
permanente. As núpcias místicas da alma com Deus são um retorno do
indivíduo ao Universal, do pequeno conscientemente parcial ao grande
Inconsciente total – e isto é inefável beatitude... A idéia de que esse retorno
seja uma extinção (nirvana) é muito óbvia. Vigora íntima afinidade entre
egoísmo e separação, por um lado, e amor e identificação, por outro. O
amante, quando atinge o clímax do amor, não deseja mais existir como vida
individual, quer ser como Vida Universal. Quem não quer morrer não ama. O
suicídio dos amantes é perfeitamente lógico. Não há amor sem morte. O erro
dos amantes suicidas está no fato de confundirem a morte física com a morte
metafísica. Sentem vagamente que a desejada fusão dos dois é vedada pela
barreira dos corpos, e que, se essa barreira caísse, estaria aberto o caminho
para a completa fusão dos amantes um no outro.

A fusão, é certo, deve realizar-se, mas não desse modo.

No terreno da mística, essa morte também ocorre, não em forma de suicídio


físico, mas em forma de uma eutanásia metafísica ou mística. O verdadeiro
místico sabe e sente que a máscara separatista do seu ego personal o impede
de realizar essa fusão da alma amante com o Deus amado, como tão
maravilhosamente descreve o romance erótico-místico do Cântico dos
Cânticos.

Por isso, o místico é o mais radical anti-egoísta, anti-separatista, anti-


personalista. Procura, de todos os modos, acabar com o velho ego – e
encontra no Sermão da Montanha o mais violento veneno para o planejado
egocídio; sorve com avidez essa peçonha mortífera das “Oito Beatitudes” e o
resto desse documento máximo de desegoficação mística, e entra na inefável
embriaguez da sua união com Deus...

Quando então um místico regressa ao meio dos homens, os ecos da sua


experiência com Deus jamais morrerão em sua alma; essa experiência cinge-
lhe a vida profissional com um halo de sacralidade e permeia de poesia todas
as prosaicidades da existência terrestre...

A experiência mística é a suprema alquimia que transvaloriza todos os valores.

O homem que, pela experiência do amor de adoração, retornou ao Universal,


torna-se intensamente individual pela caridade do serviço espontâneo a seus
semelhantes. E compreende o que o Nazareno quis dizer com as palavras: “Só
a Deus adorarás e só a ele servirás”...

O serviço que esse homem presta a seus semelhantes é um irresistível


transbordamento da adoração que presta a Deus. Adorar e servir não são, para
ele, duas coisas diferentes – é a mesma coisa vista por dois lados diferentes...
Adoração, oração, ação – o terceiro está contido no segundo, e este no
primeiro. O homem de experiência mística é um homem de ação, porque é
homem de oração e homem de adoração. Mas essas três atividades não são
três, nem são coisas justapostas – são uma e a mesma coisa vista por faces
várias.

É o nascimento do homem cósmico...

REAL, REALIZADO, IRREAL


Nestas três palavras se consubstancia todo o segredo da filosofia e da religião.

Real é só o Infinito, o Universal, o Absoluto, o Todo, aquilo que é sem princípio


e sem fim.

Irreal é o contrário, o Nada, o Zero, a Vacuidade.

Realizado é intermediário entre o Real e o Irreal. É uma manifestação do Real,


um eco, um reflexo, um aspecto parcial e incompleto do Todo.

O Real se relativiza e finitiza no Realizado.

Brahman exterioriza-se em Maya; produz e casa-se com essa esposa cósmica,


fecunda-a com sua permanente imanência, e faz do Irreal o Realizado, do
Nada o Algo.

E, uma vez que o Todo de Brahman está presente no Nada de Maya, essa
Maya deixa de ser o Nada e se torna Algo, depois de fecundada pelo Todo.

E assim o homem clarividente, vendo Maya, intui Brahman em seu seio e pode
adorá-lo nessa sua inabitação.

Nessa imanência de Brahman em Maya, de Deus no Mundo, está toda a


fascinação na poesia do Universo.

O verdadeiro iniciado não tem necessidade de sair do “deserto” desta terra


para entrar na “Canaan” do céu, porque ele, graças à sua clarividência mística,
transformou em oásis de vida e beleza o próprio deserto da morte e monotonia.

A ignorância o fizera escravo – a sapiência o libertou...

POR QUE SOU INFELIZ?


Por que fulano disse isto?

Por que sicrano fez aquilo?


Por que beltrano me abandonou?

É o que o meu ego afirma – mas não é verdade.

Eu não sou infeliz por causa de algo que me aconteceu, por obra e mercê de
terceiros – eu sou infeliz por causa de algo que está em mim mesmo e que foi
despertado por acontecimentos externos. Esses acontecimentos são apenas
os detonadores de um explosivo que estava acumulado dentro de mim; o
veneno da minha infelicidade já pré-existia a esse envenenamento, sempre em
vésperas de romper em tragédia. O pior de tudo não é essa eclosão da
tragédia latente, mas é o fato de estar latente em mim essa tragédia, embora
ainda em estado potencial, dormente, embrionário. E quem criou esse germe
de infelicidade não foram as perversidades dos homens nem as adversidades
da natureza – fui eu mesmo.

MEA CULPA, MEA CULPA,


MEA MAXIMA CULPA...
A minha verdadeira infelicidade é o meu egocentrismo, a minha egocracia, o
fato de eu gravitar em torno do meu ego, e não em torno do meu Eu, do Deus
em mim. O meu ego é muito vulnerável – o meu Eu é invulnerável. Aquele não
está sob o meu controle, pode ser ofendido, vulnerado, por fora – somente o
meu divino Eu é que é invulnerável de fora, totalmente imune de ataques
externos; a única vulnerabilidade vem de dentro, de mim mesmo. Ninguém me
pode fazer feliz nem infeliz, exceto eu mesmo, embora outros me possam dar
gozo ou felicidade, que são coisas do ego, e não do Eu.

Meu Eu não foi ofendido, magoado. Ninguém me pode fazer mau, exceto eu
mesmo – todos os outros apenas me podem fazer mal. Receber o mal é algo
que me acontece – ser mau é algo que eu sou, como também o seu contrário,
ser bom. Daquilo eu sou o objeto inerme – disto eu sou o sujeito poderoso. Ser-
mau é o único mal verdadeiro – mas isto não me pode acontecer de fora, sem
culpa minha. Outros me podem fazer mal ou bem – só eu me posso fazer mau
ou bom.

Enquanto eu, na minha velha ignorância, continuar a identificar-me com o meu


ego personal, a minha máscara, não serei solidamente feliz, porque a minha
felicidade depende de algo que não depende de mim.

Se qualquer fator fora de mim me pode fazer feliz ou infeliz, não sou realmente
feliz...
TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI
O homem comum fala do “outro mundo”, e entende por esse “outro” algum
lugar distante e um tempo ainda não presente.

Na realidade, porém, esse “outro mundo” nada tem que ver com tempo e
espaço, mas sim com o maior ou menor grau da nossa percepção. Quando
sintonizo o meu aparelho de rádio por ondas longas, só percebo mensagens
eletrônicas emitidas nessa onda, enquanto as outras mensagens emitidas em
ondas curtas, igualmente presentes no ar, passam despercebidas, como se
não existissem.

O mesmo acontece com a minha percepção mental e espiritual. Se eu consigo


levantar a minha frequência grau 10 a grau 11, estou em “outros mundos”,
porque o meu “mundo” é aquilo que eu percebo e de que sou consciente; os
outros mundos são, para mim, inexistentes. Um mundo na frequência 100,
quando percebido por um recipiente igual a 10 não é 100, mas 10, os restantes
90 graus são inexistentes. Se o meu receptor captar 200, 300, 400, eu estarei
num desses mundos, que sempre estavam presentes a mim, objetivamente,
mas dos quais eu estava ausente, subjetivamente, por falta de sintonização.

Nada sei do mundo em si – só sei do mundo em mim. Eu sou a medida


subjetiva de todos os mundos objetivos. “Das Ding an sich” (a coisa em si),
como diz mestre Kant, é para mim um eterno X, uma inatingível incógnita. A
única coisa que sei e posso saber de qualquer realidade objetiva é o modo
como ela afeta o meu sujeito.

O grau da minha consciência é a bitola da minha realidade.

Por isto, a grande tarefa do homem está em intensificar o poder da sua


percepção, ampliar e aprofundar a capacidade da sua consciência, melhorar a
receptividade da sua antena - e saberá de outros mundos.

Nessa progressiva expansão está todo o meu poder, a minha grandeza, a


minha felicidade.

OS TRÊS CRIVOS EM MIM


O crivo dos meus sentidos tem malhas muito grandes, e por isto deixa passar
muito, despercebido, retendo apenas as coisas mais grosseiras do mundo
material. E são estas materialidades retidas pelos sentidos que formam o
conteúdo da minha consciência sensorial.

O crivo da minha inteligência apresenta interstícios bem menores, e por isto


retém coisas mais sutis, que se me tornam conscientes; sei, por exemplo, da
existência de leis invisíveis que regem o universo, leis de que os meus sentidos
nada percebem.

O crivo da minha razão, porém, é de todos o mais fino, com interstícios tão
pequeninos que quase nada lhes escapa, a não ser as realidades
indizivelmente sutis. Pela razão espiritual percebo, até certo ponto, até o
Infinito, o Absoluto, o Eterno, o Universal, que o intelecto não registra.

Se os meus três crivos não deixassem passar nada, mas retivessem tudo,
então teria eu consciência de tudo, e seria onisciente e oniconsciente como
Deus. E, neste caso, os meus crivos deixariam de ser crivos, porque estariam
totalmente fechados, sem interstício de espécie alguma. Eu não perceberia
pelos sentidos, nem conceberia pelo intelecto, nem intuiria pela razão, mas eu
seria essa própria Realidade Integral. Isto, naturalmente, não é possível,
porque eu nunca poderei ser Deus. Possível é tão-somente que eu intensifique
a minha experiência de Deus, que me divinize, sem me deificar, diminuindo
cada vez mais os interstícios dos meus crivos e retendo cada vez mais a
realidade consciente.

É este o caminho da minha auto-realização.

INDIMENSIONALIDADE
Os meus sentidos percebem o que é tridimensional, como os corpos materiais.

O meu intelecto concebe o que é indimensional, como verdade, justiça, lei; mas
essa indimensionalidade é relativa, porque ainda obedece à lei de causa e
efeito.

A minha razão intui o que é absolutamente indimensional, como o Infinito, o


Eterno, o Absoluto, porque ultrapassou a zona da causalidade e entrou no
reino da perfeita liberdade.

Esse processo evolutivo – sensório-intelectual-racional – corre paralelo à


diminuição da quantidade e intensificação da qualidade.

Pluralidade é realidade imperfeita.

Unidade é realidade perfeita.

A Realidade Cósmica é qualidade una, que se revela em quantidade múltipla; a


unidade de Brahman se pluraliza em Maya; a Essência divina se existencializa
em seus mundos; a luz incolor do Ser aparece como luzes multicores no
Existir.
EKKLESÍA
Esta palavra grega (em latim ecclesia, em português igreja) é composta do
prefixo ek (fora) e kalein (chamar) – chamar para fora, evocar.

Ekklesía é, pois, algo que foi chamado fora, evocado, selecionado do meio
duma grande massa. Ekklesia é elite, escol.

Do meio duma grande massa profana são alguns homens chamados,


evocados, para fazerem parte duma pequena elite: e esses homens são os
“evocados”, os “escolhidos”.

“Muitos são os chamados (massa), poucos os escolhidos” (escolhidos,


ekklesía).

O conceito de ekklesis, como se vê, não é democrático, mas sim aristocrático,


ou hierárquico. O homem que pertence à ekklesía deve ser um homem-elite,
deve pertencer ao escol, à nata da humanidade, não em virtude de alguma
cerimônia ritual, mas sim em consequência de uma iniciação espiritual.

A verdadeira ekklesía (igreja) de Deus é um circulo esotérico, hermético,


místico – é a communio sanctorum, a Fraternidade Branca dos Irmãos
Anônimos. Quem a ela pertence não tem distintivo nem bandeira nem credo –
mas o seu modo de ser e de agir o distingue de todos os profanos.

INQUIETUDE METAFÍSICA DO
HOMEM MODERNO
O homem que passou por duas guerras mundiais não pode mais crer na força
redentora da nossa cultura e civilização, como o podiam os otimistas do
século19.

Ciência, técnica, política, diplomacia, progresso, civilização, instrução,


humanismo, ritualismo, nacionalismo – todas essas panacéias sofreram
tremendo colapso; está provado que nenhuma delas pode salvar o homem de
si mesmo, porque todas falharam e afogaram a humanidade num mar de
sangue e de ódios.

Nunca se sentiu o homem tão frustrado e tão cético como em nossos dias. E a
perspectiva de uma nova guerra, com armas nucleares, apaga na alma do
homem moderno a derradeira centelha de otimismo e esperança na sua cultura
e civilização.

O homem anseia por uma grande redenção...


Donde virá o seu redentor?

De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas, se as próprias igrejas


cristãs favorecem a guerra e invocam o seu Deus contra o Deus de seus
inimigos?

De dentro? Através da inteligência humana? Mas, se foi precisamente esse


ego mental do homem que desgraçou a humanidade com seus egoísmos?
Como poderia Satanás expulsar Satanás?...

Não nos resta senão ultrapassarmos tanto os ritualismos como também os


cientifismos intelectuais e descobrirmos o Cristo-redentor em outra parte.

“O reino de Deus não vem com observâncias (rituais), mas o reino de Deus
está dentro de vós”...

“Não sabeis que o espírito de Deus habita em vos?”...

Se não descobrirmos o redentor dentro de nós mesmos, em nosso elemento


divino, não o encontraremos em parte alguma.

A teo-redenção, a cristo-redenção surge das profundezas da alma – se é que o


homem descobre esse “tesouro oculto”, essa “pérola preciosa”...

NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS


Anos atrás, quando grande parte do clero se revoltou contra mim e meus livros,
porque proclamavam Cristo-redenção em vez de clero-redenção, alguém me
disse que esperava de mim que me tornasse um “novo Lutero”.

É incrível a cegueira de certos sectários!... Como se o mundo tivesse


necessidade de um novo reformador teológico!...

A humanidade não necessita de um novo Lutero, nem de um novo Tomás de


Aquino, nem de um novo Inácio de Loyola – necessita sim de homens como
Francisco de Assis, como Mahatma Gandhi, como Albert Schweitzer, como
Ramana Maharishi, e outros homens que tenham tido contato pessoal com
Deus.

A elite espiritual da humanidade já se convenceu de que a redenção não vem


de fora do homem – assim como o pecado também não lhe veio de fora,
embora as nossas teologias medievais, em plena Era Atômica, ainda repitam
essa velha ilusão de que o homem tenha sido feito pecador por terceiro, e deva
ser remido por um terceiro.

Nós, porém, sabemos que de dentro do homem vem o pecado – e de dentro do


homem vem a sua redenção.
Esse “de dentro”, naturalmente, tem dois sentidos. A inteligência luciférica é
algo dentro do homem, é o seu ego, mas não é o seu verdadeiro centro, a sua
íntima natureza. O verdadeiro centro do homem é o seu Cristo interno, o
“espírito de Deus que habita no homem”, como diz São Paulo; “o reino de Deus
no homem”, segundo as palavras do Nazareno, a sua “alma cristã por
natureza”, como escreve Tertuliano.

O homem não pode ser alo-remido, nem ego-remido, mas sim auto-remido,
porque esta auto-redenção é cristo-redenção, teo-redenção.

Assim, como, pela desobediência do ego intelectual, o homem se torna


pecador, semelhantemente, pela obediência do Eu espiritual se torna o homem
remido. O Sermão da Montanha é a Carta-Magna da auto-redenção do
homem, através do seu Cristo interno.

Papa, Bíblia, Reencarnação – a humanidade-massa, é verdade, ainda espera


redenção desses fatores externos, heterônomos; mas a humanidade-elite só
espera redenção pelo despertar do espírito de Deus no próprio homem,
redenção autônoma.

Quem vê “orgulho e presunção” nessa auto-redenção mostra que nada


compreendeu da verdade e que continua a identificar o ego humano e pecador
do homem com o seu divino e redentor. Orgulho e presunção só existem no
ego – mas não no Eu crístico do homem, uma vez que esse Eu é o “espírito de
Deus que habita no homem”.

ENCONTRO COM DEUS


O homem está cada vez mais convencido de que todo o seu poder interno,
toda a sua consciência de segurança, tranquilidade e paz de espírito, toda a
felicidade da sua vida, dependem, em última análise, de uma única coisa – da
sua experiência com Deus. Com esse encontro divino, ou sua falta, vive ou
morre a felicidade do homem. É esta a “única coisa necessária”.

Quem se encontrou com Deus é feliz, mesmo no meio dos sofrimentos – quem
não se encontrou com Deus é infeliz, mesmo no meio dos gozos.

“Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração até que encontre
quietação em ti” – estas palavras proferidas, há quase 15 séculos, por um
homem infeliz que encontrou felicidade em Deus, continuam a ser
integralmente verdadeiras em nossos dias.

É tempo perdido querer contornar o problema central da felicidade por meio de


toda a espécie de escapismos e camuflagens. É melhor enfrentar
corajosamente a dolorosa realidade desse inevitável encontro com Deus. É
uma operação cirúrgica sem anestesia, uma tremenda sangria do velho ego,
mas o resultado é convalescença e vida...

Entretanto, são pouquíssimos os homens que possuam suficiente honestidade


consigo mesmos para enfrentar lealmente esse doloroso encontro com Deus.
O preço da felicidade é o egocídio, o total esvaziamento do ego profano e sua
definitiva integração no Eu sagrado. Despossuir-se de todas as coisas a fim de
possuir um “tesouro nos céus”...

“O reino dos céus é alvo de violência, e os que usam de violência o tomam de


assalto.”

Quem não fizer violência a si mesmo, não pode tomar de assalto o reino da
felicidade.

A felicidade é o preço da auto-violência, da disciplina de si mesmo.

Retirai-vos, todos vós que sois indisciplinados, fracos, covardes!

Vinde, todos os que sois disciplinados, fortes, corajosos!

Destes é o céu da felicidade.

Daqueles é o inferno da infelicidade.

MATEMÁTICA E MÍSTICA
Tudo que é perceptível pelos sentidos é material. O material, porém, é tri-
dimensional. Todos os corpos materiais têm três dimensões: linha, plano, cubo
– comprimento, largura, espessura.

O ponto não é corpo material, porque não tem dimensão alguma, nem existe
como tal.

O ponto é o início da linha, antes de ela se mover numa direção.

A linha não existe senão como limitação de um plano.

O plano também não existe senão como limitação de um cubo.

E o cubo existirá em si mesmo? Sem inerir em alguma outra dimensão, para


além da conhecida tridimensionalidade? Não será o tri-dimensional a limitação
de algo ultradimensional, indimensional?... Os nossos sentidos fazem alto na
extrema fronteira do mundo tri-dimensional, mas seria absurdo supor que o
mundo real comece com a tridimensionalidade – seria o mesmo que dizer que
o conhecimento humano termina no jardim de infância ou na escola primária.
Quer dizer que o inferior só é perceptível como um atributo do superior
imperceptível; a parte só é conhecida como um aspecto de um Todo
desconhecido.

Coisa análoga acontece no mundo metafísico.

Ninguém pode, realmente, conhecer a parte sem ter noção do Todo.

E é precisamente aqui que começa o tenebroso mistério: como posso ter noção
do Todo antes de conhecer as suas partes? Não é o Todo a soma total das
partes?

Se assim fosse, é claro que eu não poderia ter experiência do Todo senão pela
soma das partes. Na verdade, porém, o Todo não é a soma das partes, não é
uma síntese de antíteses, mas é a grande TESE anterior a qualquer anti-TESE
e sin-TESE, não é um Composto de componentes, mas é anterior a
componentes e composto, porque é Todo simples, absoluto, que se revela e
manifesta em partes várias, mas não se parte. Aliás essa palavra “partes” é
inexata, porque o Todo não tem partes. Os mundos não são partes ou
centelhas de Deus, como dizem os poetas. Melhor seria dizer, os mundos são
como os pensamentos do grande PENSADOR (Deus). O pensamento não é
uma parte do pensador, mas uma manifestação parcial do mesmo.

O Todo da Essência divina se revela, sem cessar, nas suas Existências, os


mundos, ou efeitos, mas esses mundos existenciais não são Deus, mas
apenas uns reflexos ou manifestações finitas da grande Realidade Infinita.

A Transcendência divina está infinitamente além de todas as suas Imanências


finitas, da mesma forma que a Vida Universal está em cada uma das vidas
individuais que dela emanam e nela permanecem, mas a soma total dos
indivíduos vivos não é a Vida Universal; esta é anterior às suas manifestações
individuais, e será depois de todas elas.

A célebre questão sobre a “origem da vida” é, filosoficamente, uma questão


absurda, baseada numa falsa premissa, uma vez que não há nenhuma origem
da Vida, a Vida como tal não tem origem nenhuma, ela é essencialmente
eterna, auto-existente, autônoma, porque ela é a própria Realidade Cósmica, o
grande Todo, Deus.

Para que o homem possa ter a intuição do Todo antes de conhecer as partes,
deve ele ultrapassar a zona dos processos analíticos da inteligência, que só
conhece partes; deve abismar-se no oceano da visão espiritual, que entra em
contato direto com a Essência, o Real, o Todo.

O conhecimento analítico intelectual falha necessariamente se não estiver


baseado na intuição cósmica; só a visão simultânea do Todo explica a análise
sucessiva das partes.
As partes só são compreensíveis através do seu fundamento, o Todo.

A mística é uma matemática cósmica.

CREDO QUIA ABSURDUM


Estas palavras do grande Tertuliano de Cartago têm sido muito mal
interpretadas – e só encontram o seu paralelo no tópico “bem-aventurados os
pobres de espírito”, como os traidores que se julgam tradutores reproduzem
uma das palavras mais sublimes do Nazareno.

Que é absurdo?

Absurdo é aquilo que ultrapassa o alcance da inteligência, em grego paradoxo.


Absurdo, paradoxal é algo tão grande que não cabe no estreito recipiente do
intelecto. Todas as coisas geralmente grandes são absurdas; do contrário, não
seriam grandes.

Diz Tertuliano que só crê nas coisas que são absurdas, porque estas são
grandes, ao passo que as coisas pequenas podem ser inteligidas e
mentalmente analisadas, precisamente por serem pequenas.

Todos os objetos da fé, isto é, da experiência espiritual, são absurdas,


paradoxais.

Esse absurdo não é produto do ego, mas é uma dádiva do Infinito, e o ego só
pode receber esse carisma divino no caso que se desegofique e ultrapasse a
sua própria estreiteza.

O absurdo do Infinito é dado ao homem em momentos de grande silêncio e


contemplação mística, quando a pequenez dos sentidos e do intelecto for
totalmente eclipsada pela grandeza da alma divina no homem.

A pequenez se compraz em ruídos – a grandeza se revela no meio de grande


silêncio.

ÉDISON – E SEUS 700 FRACASSOS


Antes de conseguir construir a sua lâmpada elétrica de filamentos
incandescentes, o grande inventor Thomas Édison realizara nada menos de
700 experiências, que falharam.

Um dos seus colaboradores, desanimado com tantos insucessos, sugeriu-lhe


que desistisse de ulteriores tentativas, porque, depois de 700 experimentos,
nada conseguira.
Como? Nada conseguimos? – exclamou o inventor – Conseguimos ultrapassar
700 coisas erradas, estamos bem perto da verdade.

E Édison descobriu uma grande verdade, para além de centenas de erros.

SEXISMO E EGOÍSMO
A igreja romana assume atitude hostil em face do sexo e sexismo – ao mesmo
tempo que é laxa em matéria de egoísmo. Pode um católico ser tão egoísta
como quiser, contanto que seja anti-sexualista, é considerado bom católico.

A igreja romana considera a castidade, sobretudo a virgindade, como a mais


alta das virtudes – no que não encontra base no Evangelho de Cristo. Jesus é
muito mais anti-egoísta do que anti-sexista. Muitas das suas parábolas e dos
seus ensinamentos em geral são veementes invectivas contra o egoísmo e a
ganância – nenhuma invectiva contra o sexo, embora recomende a seus
discípulos a abstenção sexual – “quem puder compreendê-lo compreenda-o!”
Madalena, que muito pecara no plano do sexo, se torna a sua mais ardente
discípula; a adúltera é absolvida; a samaritana, com seus cinco maridos e mais
um amante, merece do Nazareno uma longa e profunda instrução sobre “as
águas vivas que jorram para a vida eterna” e se torna uma espécie de
missionária cristã na Samária.

A insistência do anti-sexismo por parte da igreja romana está baseada no


celibato sacerdotal. Sendo que o sacerdote é apresentado ao povo como
modelo de perfeição cristã, e com ele, desde o século 11, tem de ser
oficialmente celibatário, é lógico que a virgindade seja exaltada por essa
teologia como sendo a culminância da santidade.

Todo o anti-sexismo dessa igreja está a serviço da classe sacerdotal e do seu


prestígio hierárquico perante o público. De resto, é evidente que um padre
casado não é um instrumento tão manejável e dócil nas da autoridade
eclesiástica como o solteiro. E – Iast not least – o sacerdote que, legalmente,
não tenha família (muitos a têm clandestinamente), quando morre, não tem
herdeiros necessários, e sua fortuna passa facilmente para o patrimônio da
igreja.

Por isto, o Código de Direito Canônico considera delito muito mais grave o
padre casar pelo cartório do que simplesmente viver com mulher e ter filhos
com ela, porque, no segundo caso, continua ele legalmente solteiro.
CIDADÃO DO UNIVERSO
Disseram a Sócrates: “Já que és cidadão de Atenas, vive como bom
ateniense.” Ao que o filósofo respondeu: “Eu sou cidadão do Universo, e
procuro viver como bom cidadão cósmico.”

E assim viver – na vida e na morte.

NO TERCEIRO CÉU
Entre 9 e 10 da noite...

No solene silêncio do meu Shangri-la...

Momentos de completa libertação e indizível delícia...

O meu eterno EU, liberto do peso do meu pseudo-eu, contemplava esta massa
dormente, inerte, e EU pairava sobre ela, tão leve, tão luminoso, tão divino...

Delicioso estado de vigília divina por cima da dormência humana...

Como é possível alguém se identificar com o seu ego mortal?! Esse homem
deve ser vítima de completo analfabetismo...

Aleluia... Hosana...

A MORTE DE JESUS
Falei com uns teólogos luteranos. Dão imensa importância ao fato histórico da
morte física de Jesus no Calvário; acham que esse evento foi o clímax de toda
a história da humanidade.

Na verdade, porém, não merece essa morte corporal tamanha estupefação. O


que havia de maior no Cristo era o fato de ele ter ultrapassado a necessidade
compulsória de morrer e aceitar a morte com espontânea liberdade, porque
sabia que há uma vida maior que a morte. “Ninguém me tira a vida – eu é que
deponho a minha vida quando quero e a retomo quando quero.”

Esse triunfo da vida sobre a morte, nascido da sua experiência divina – “eu e o
Pai somos um” – é fato único na história da humanidade. A existência humana
de Jesus se acha tão intimamente vinculada com a essência divina do Cristo
que ele pode, tranquilamente, permitir, e até provocar a morte física.

Quem vive 100% a sua imortalidade pode descer ao marco zero da sua
mortalidade. Todos os seres vivos temem a morte e a evitam quanto possível,
porque nenhum deles tem plena consciência da sua imortalidade. Os seres
inconscientes da natureza inferior aceitam, com relativa calma, a morte do
indivíduo, porque têm o instinto biológico da sua sobrevivência na espécie,
porque neles predomina a “consciência do grupo”, e não a “consciência do
indivíduo”, e, como o grupo ou a espécie sobrevive, pouco importa que o
indivíduo morra.

O homem ego-consciente, mas ainda não cristo-consciente, tem um medo


horrível da morte, porque percebe a longínqua possibilidade de uma
imortalidade individual que ele ainda não realizou devidamente, e já não está
satisfeito com a simples sobrevivência racial em seus filhos ou sua espécie,
como as criaturas inferiores.

Jesus atingira a culminância da consciência crística, e podia brincar com a vida


e a morte, como um jogador de xadrez que põe as figuras ora no quadrinho
branco ora no quadrinho negro do tabuleiro.

A grandeza da sua morte está na grandeza da sua consciência de que não há


morte para quem vive a cada momento a vida eterna.

“Vem o príncipe deste mundo, mas sobre mim não tem poder – porque eu
venci o mundo.”

“O último inimigo a ser derrotado é a morte.”

TALENTO – E GÊNIO
O homem ético, que faz o bem, é um talento – mas o homem místico, que é
bom, é um gênio.

Talento é técnica.

Gênio é inspiração.

Homem! aprende todas as técnicas da tua ética consciente – e depois


esquece-as todas e cede à inspiração da tua mística inconsciente!...

A Natureza é inspiração sem técnica consciente.

O homem ético é técnica sem inspiração.

O homem místico é inspiração que se revela em éticas; ele é bom e por isto faz
bem.

Talento, ética, técnicas – produtos do ego humano.


Gênio, mística, inspiração – carismas do Eu divino no homem e no cosmos;
são forças de Deus canalizadas pelo eu humano...

TOLERÂNCIA – OU COMPREENSÃO?
Dizer que alguém é tolerante em face de outras religiões ou filosofias, não é
louvor, é censura.

O homem pode ser tolerante: 1) ou por ser de absoluta indiferença em face do


mundo superior, como qualquer animal ou pedra; 2) ou por desdenhar
sobranceiramente as idéias dos outros.

Mas, quando o homem compreende a Verdade Universal, deixa ele de ser


simplesmente tolerante; sabe que a Verdade é uma só, mas que muitos são os
caminhos que conduzem a essa meta final – assim como muitos são os
afluentes, de águas límpidas ou turvas, que se lançam à magna torrente do
Amazonas, a qual se afunda na imensidade do oceano; compreende que cada
homem tem de seguir o caminho adaptado a seu gênio peculiar. Sabe que
alguns dos seus companheiros de jornada estão no marco 10, outros no 20,
outros no 50 da estrada – mas que importa?

E eu mesmo, em que ponto estou? No marco 20, 70, 90? Esteja onde estiver, o
certo é que há muitos viajores abaixo e muitos acima de mim. Por isto, eu não
apenas “tolero” os meus companheiros rumo ao Infinito, eu os compreendo e
aprovo; sei que estão comigo na mesma direção. Mesmo que alguns deles
estejam ainda ziguezagueando, incertos, para a direita e para a esquerda, que
importa? O erro também é aliado da verdade; um dia, também eles entrarão na
linha reta e iniciarão a sua ascensão. O que eu posso fazer por eles é
prosseguir em linha reta e ser tão bom e feliz que também eles tenham o
desejo de seguir o mesmo caminho.

HOMEM, SÊ: CONFORMISTA – E


INCONFORMISTA!
Aceita, ó homem, tudo que há de bom nas tradições do passado e do presente
– é este o teu conformismo.

Mas, sê também inconformista, procurando descobrir o que há de bom e


positivo no futuro. Não permitas que o teu tradicionalismo mate o teu
evolucionismo, nem vice-versa!

Guarda o que tens – e passa além!


GRAUS DE CONSCIÊNCIA
Os seres infra-humanos possuem baixo grau de consciência.

O homem adquiriu ego-consciência, isto é, ele se distingue nitidamente dos


objetos, das coisas que não são o seu sujeito; cria uma atitude adversativa
entre o eu e o não-eu.

Acima do ego-consciente da personalidade ego-consciente existe o cosmo-


consciente; o ser cosmo-consciente ultrapassa a atitude adversativa “sujeito
versus objeto”; e cria uma atitude complementar, “eu e os objetos; o disjuntivo
eu e o não-eu passa a ser conjuntivo eu e eles, nós.

E com o despontar da consciência do nós, substituindo a consciência do eu,


também tudo que era meu passa a ser nosso – e com isto se resolve o
problema social da humanidade solvendo o problema individual do homem.

Quando o homem passa do eu para o nós, a humanidade passa do meu para o


nosso – a chave da ética social é a mística individual!

Os pretensos reformadores do mundo costumam começar pelo segundo para


chegarem ao primeiro, põem os efeitos diante da causa, ou, em linguagem
popular, o carro diante dos bois; elaboram magníficos programas sociais e
jurídicos – mas esquecem-se de que falta o homem para executar esses
programas.

Aprovamos em cheio a idéia de um governo mundial, de uma Corte


Internacional de Justiça – mas perguntamos: onde estão os tijolos e o cimento
para tão gigantesco edifício?...

Nós estamos ainda labutando nas olarias, a ver se conseguimos fabricar uns
tijolinhos individuais assaz resistentes para suportarem tamanho peso...
Estamos alimentando a fornalha da mística, donde sairão os indivíduos
depurados do último resto de egoísmo, para garantirem a ética da
humanidade...

Somente o homem pode resolver a problema da humanidade...

Um único Francisco de Assis ou Mahatma Gandhi que tenha tido o seu


encontro pessoal com Deus, vale mais que uma legião de eruditos profanos
com todos os seus programas e estatutos sociais...

Quem não aprendeu a ser solitário com Deus não pode ser solidário com os
homens...
A vasta horizontal da ética é sustentada pela profunda vertical da mística – fora
desta geometria não há salvação!...

TU ÉS O QUE PENSAS
O homem é o resultado dos seus pensamentos habituais. A atitude mental cria
os atos externos. Quem vive, habitualmente, em pensamentos largos e
benévolos não pode praticar atos estreitos e malévolos.

Por isto, cuidado com os pensamentos! Alimento para muitos – veneno para
muitíssimos...

A educação dos pensamentos é a base para toda a educação – e quem dá


importância a esse fator primordial da pedagogia? Como pode alguém ser bom
se os seus pensamentos são maus?...

A “guerra-fria” dos jornais prepara a “guerra quente” nos campos de batalha;


cria o combustível para ser ignificado, oportunamente. Os poderes públicos
deviam proibir categoricamente qualquer hostilização mental e verbal a fim de
poderem evitar hostilidade real. Mas a heresia da “liberdade de pensamento” e
“liberdade de imprensa” não permite semelhante serviço de profilaxia mental e
social.

“Quem ventos semeia, tempestades colherá”...

Nações Unidas é, sem dúvida, um belo ideal – mas nunca será sólida realidade
enquanto não tivermos Mentes Unidas – o MU terá de preceder o NU.

Gandhi não permitia a seus companheiros de ahimsa e satyagraha que


alimentassem pensamentos hostis aos ingleses, para evitar que chegassem a
praticar atos hostis.

Pensar mal é prelúdio para fazer mal.

PLATÃO E ARISTÓTELES
O homem realmente genial não cria padrões de conhecimento, como o talento;
mas acende faróis em praias longínquas para orientar os nautas da
humanidade.

Platão é um gênio creador.

Aristóteles é um talento sistematizador.


E, como a teologia escolástica é essencialmente sistematizadora, e não
creadora, é lógico que Tomás de Aquino e toda a sua igreja tenham
proclamado o Estagirita como o “príncipe da filosofia”, título que bem compete
ao grande ateniense.

Os cursos de filosofia aristotélico-tomista primam por uma fastidiosa aridez;


esterilizam a faculdade creadora e lançam o descrédito a toda a filosofia. Todo
o ateísmo tem base no escolasticismo aristotélico-tomista, que pretende provar
com ferramentas intelectuais uma realidade espiritual.

Nos três primeiros séculos do Cristianismo era a filosofia neo-platônica a


filosofia clássica da igreja cristã. A partir do 4.° século, após o consórcio entre o
Cristianismo e a política do Império Romano, predominou o aristotelismo,
porque os chefes eclesiásticos compreenderam que sobre o alicerce platônico
e neo-platônico, que admite a imanência de Deus no homem, não se pode
erguer um edifício de hierarquia autoritária, que supõe a essencial maldade do
homem, o “pecado original” e todos os negativos a serem transformados em
positivos pelo poder dos chefes eclesiásticos e os sacramentos por eles
ministrados.

Hoje em dia, a elite espiritual da humanidade está voltando para as grandes


verdades da filosofia platônica, profética, mística.

A hierarquia eclesiástica tem maior pavor desse movimento de espiritualidade


não-dogmática do que de qualquer ateísmo e materialismo; pois, sendo a alma
humana cristã por sua própria natureza, volta-se ela instintivamente para o sol
da verdade divina, ultrapassando todas as lâmpadas humanas.

IMPERSONALISMO PLATÔNICO VERSUS


PERSONALISMO ARISTOTÉLICO
Para Platão, o Universal é que é o Real, ao passo que os Individuais são
apenas aparências, reflexos do Real.

Para Aristóteles, o Individual é que é o Real, ao passo que o Universal é


considerado irreal, fictício, simples abstração da nossa mente.

Realismo e Nominalismo – Através de séculos se digladiaram esses dois


adversários invisíveis, e a luta ainda não terminou.

Da ideologia aristotélica se segue, logicamente, que, se Deus é real, não pode


deixar de ser individual, como admitem todos os teólogos escolásticos do
Ocidente. E esse personalismo de Deus favorece grandemente os interesses
da hierarquia eclesiástica, como emissária e representante oficial de um Deus
pessoal, espécie de imperador ou ditador cósmico.

Se, porém, o Universal é o Real, então está ele imanente em cada indivíduo,
onipresente, e, neste caso, religião é o despertamento e a evolução desse
germe divino na alma, e a hierarquia não é de necessidade absoluta, embora
possa ser relativamente útil, suposto que seus membros já tenham despertado
em si o Deus dormente. Neste último caso, a hierarquia humana perde muito
do seu prestígio, porque, em última instância, cada homem tem dentro da sua
alma a hierarquia divina, embora apenas em estado latente, e a salvação é
possível sem sacerdotes, bispos, papa, sacramentos, Bíblia, etc. Os quakers
(Society of Friends), frisando a “luz interna” (inner light) como supremo tribunal
do homem, foram excomungados pela Igreja Anglicana, incapaz de
compreender tão grande verdade. Mas essa “luz interna” só se acende na alma
no seio de um grande silêncio e de prolongadas meditações.

Se a humanidade ocidental tivesse sido espiritualmente madura ao advento do


Cristianismo, teria o grandioso Monismo Universal dos neo-platônicos
prevalecido contra o confuso Pluralismo Individual dos aristotélicos. Mas,
devido à imaturidade filosófico-espiritual da humanidade do Ocidente,
predominou o primitivismo aristotélico-escolástico, que foi oficializado, no
século 16, pelo Concílio de Trento.

O setor protestante do Cristianismo também construiu a sua teologia sobre o


mesmo individualismo, embora os Reformadores tivessem tido, de início, a boa
vontade de voltarem ao universalismo espiritual; a interpretação analítica da
letra da Bíblia matou a compreensão cósmica do espírito da mesma.

Os países do Oriente, profundamente profético-platônico-místicos, nunca


aceitaram, nem jamais aceitarão, o Cristianismo nessa forma teológica em que
ele é conhecido entre nós. A Índia e a China estão realizando a alma do
Cristianismo à revelia do corpo do mesmo.

A Rússia, país tradicionalmente cristão, hostiliza abertamente o nosso


Cristianismo, e, como ela não conhece outro mais verdadeiro, proclama que
toda a religião “é ópio para o povo”.

É tempo para compreendermos e vivermos gloriosamente a alma do Evangelho


do Cristo, que não é ocidental nem oriental, mas universal.

O IDEAL É O REAL
Devido à nossa estreiteza, chamamos o Irreal o Ideal, quando o Ideal é que é o
Real por excelência, porque o Ideal é o Universal, o Abstrato, ao passo que o
concreto (isto é, o “condensado”) é apenas um estado de passivilização ou
deteriorização, uma objetivação secundária. Os fatos não são a Realidade, mas
apenas uma projeção ou objetivação, um reflexo no espelho da Realidade.

Pela meditação que culmina no samadhi, ultrapassamos o sansara dos efeitos


transitórios e atingimos o nirvana da Causa permanente.

Jesus, o Cristo, é o maior realista que a história conhece.

NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO


O Eidos (idéia), de Platão.

A Morphé (forma), de Aristóteles.

O Logos (razão), de Heráclito e de João Evangelista.

O Brahman, dos hindus.

O Espírito, a Verdade, o Pai, de Jesus Cristo.

A Substância, a Natura Naturans, de Spinoza.

O Absoluto, o Eterno, o Infinito, o Universal, o Um e o Todo, dos metafísicos.

A Consciência Cósmica, dos místicos.

A Luz, a Vida, o Amor, o Yahveh, da Bíblia.

O Tao, dos chineses.

A Alma do Universo, dos iniciados.

O Ens-a-se, dos escolásticos.

O Super-ser, de Plotino.

A Lei da Harmonia, de Einstein.

Tudo isto e mil outros nomes são tentativas de dizer o indizível, de dar nome ao
Anônimo e Inominável.

O MISTÉRIO DA ESFINGE
Meio leão, meio mulher – poder e beleza – deitada, com a cabeça erguida,
fitando com os grandes olhos cheios de vacuidade – vácuos de Maya e plenos
de Brahman – o deserto do Infinito, para além de todos os horizontes finitos,
envolta numa aura de eternidade – que símbolo mais eloquente poderia haver
para o homem imerso em Deus, cheio de poderosa beleza e de belo poder, tão
longínquo no seu ser e tão propínquo no seu agir?...

Esfinge, tu és eu...

Esfinge, eu sou tu...

GUERRA MUNDIAL, I, II – III?


Se a terceira guerra mundial vier, como afirmam os videntes e querem os
fabricantes de armas nucleares, será a destruição de todos os anti-cristos que
hoje guerreiam o Cristo – o Catolicismo Romano, o Protestantismo americano e
o Ateísmo soviético. Nenhum desses três setores da igreja cristã tomou a sério
a mensagem central do Nazareno, os dois grandes mandamentos, dos quais
dependem “toda a lei e os profetas”: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração – e amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

O Ideal do Cristo foi substituído pelo Ídolo do anti-cristo, multiforme, multicor –


egoísmo eclesiástico, egoísmo nacionalista – sempre sob a bandeira do Cristo.
Só nos últimos decênios, resolveu a Rússia arriar a bandeira do Cristianismo,
que os outros dois conservam ainda na fachada dos seus edifícios; a Rússia
hostiliza abertamente o que o Catolicismo e o Protestantismo hostilizam
disfarçadamente... O espírito do Cristo continua a ser crucificado, através dos
séculos e milênios... A sinagoga mancomunada com Iscariotes continuam a
bradar: “Nós temos uma lei – e segundo a lei ele deve morrer”...

Segundo todos os indícios, o Vaticano, a mais antiga potência anti-cristã, será


derrotado, em primeiro lugar, pelo Comunismo Soviético, o anti-cristo mais
recente. Depois disto, sucumbirá a potência anti-cristã da democracia anglo-
americana, juntamente com seus reboques latino-americanos; por fim, a
Rússia, dona única do planeta Terra, apodrecerá no seu próprio poderio e luxo,
como aconteceu com o Império Romano, no auge do seu absolutismo, porque
“todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”...

Depois disto, removidas as três potências anti-cristãs que navegam sob a


bandeira do Cristo, estará aberto o caminho para o triunfo do Evangelho e a
definitiva vitória do Sermão da Montanha, que até hoje apenas serviu para
sermões, filosofia e poesia.

Até esse tempo, terá a humanidade sofrido tais horrores, com guerras
nucleares e seu sucedâneo, os aparelhos bélicos de matéria astral mente-
guiados, que os homens estarão maduros para compreender o espírito do
Cristo-redentor.

E então haverá “um novo céu e uma nova terra”...


SOMOS AINDA CRISTÃOS?
Ou melhor: Será que já somos cristãos?

Poucos, sim – uns poucos “escolhidos”.

Muitos, não – os muitos “chamados”.

Alguns estão a caminho do Cristo, ultrapassando o Cristianismo.

VERDADE E BELEZA
Verdade sem Beleza fere.

Beleza sem Verdade falha.

Verdade com Beleza fascina.

RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE


A Razão, o divino Logos, é vida divina.

A Inteligência, o lúcifer, é luz mental que indica a direção.

A Vontade, o eros, é a força que trilha esse caminho lúcido rumo à vida.

A Razão é infinito reservatório de energias.

A Inteligência é um canal.

A Vontade é o movimento dinâmico das energias através desse canal.

Quando o homem canaliza somente o conteúdo do seu lúcifer mental impelido


pelo eros volitivo, pratica magia mental, que é a mais alta forma de egoísmo.

E todo o luciferismo é, em última instância, auto-destruidor. Exemplo: guerra


dos gigantes, torre de Babel, Atlântida.

NEO-PLATONISMO
Ver a grande unidade do Real para além de todas as diversidades que esse
Real projeta no mundo dos fenômenos; enxergar o mar eterno por debaixo das
ondas efêmeras; descobrir a luz incolor para além da dispersão multicor; intuir
Brahman em plena Maya – isto é neo-platonismo, que enche a alma de uma
grande segurança, serenidade e beatitude. Não torna o homem indiferente e
apático em face do mundo e da vida, mas afirma todas as pequenas vidas
individuais por amor à grande Vida Universal, ama as cores por causa do
Incolor, as ondas por causa do Mar, os ruídos por causa do Silêncio, Maya por
causa de Brahman. É o amor-livre substituindo o amor-escravo dos profanos e
o amor-nulo dos indiferentes.

O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL


Se não há pecado original vindo de fora do homem, herança de Adão, também
não há redenção do pecado vindo de fora, dos merecimentos do Cristo. E,
neste caso, todo homem é potencialmente bom, e sua redenção consiste em
se tornar atualmente bom. Se assim é, a ação do clero, embora possa ser útil,
não é absolutamente necessária. No caso, porém, de ser o homem
essencialmente mau, concebido e nascido em pecado original, o clero é
absolutamente necessário, porque tem de aplicar ao homem as forças da
redenção, através de sacramentos, monopólio dele.

Com a aceitação ou rejeição do pecado original, vive ou morre o clero.

Se o clero faz questão de existir, é necessário que o pecado original exista.

VALOR INFINITO NEUTRALIZA


DÉBITO FINITO?
Afirmam os teólogos que uma única Missa tem valor infinito, por ser a repetição
da morte de Jesus no Calvário. Afirmam ainda que todos os débitos das almas
do purgatório são finitos. Pela lógica e matemática que conhecemos, devia
uma única Missa, de valor infinito, cancelar todos os débitos finitos e esvaziar
totalmente o purgatório? Em vez disto, porém, manda o clero rezar Missas em
número indeterminado para qualquer alma individual, e, depois de centenas de
Missas, todas de valor infinito, ainda não há certeza de que os débitos da alma,
todos finitos, tenham sido cancelados. Não faz isto suspeitar de que a Verdade
foi sacrificada ao Dinheiro? “Não podeis servir a dois senhores: a Deus e a
Mammon”...

Se isto é religião, não tem a Rússia razão em bradar que “religião é ópio
(mistificação) para o povo”? E, em vez de gritar contra o ateísmo e anti-
cristianismo dos soviéticos, não seria melhor que o clero começasse a ser
integralmente sincero com o povo e consigo mesmo, não sacrificando a
Verdade do Evangelho aos seus interesses financeiros e ao seu prestígio
social?
As mais terríveis armas de que o comunismo dispõe foram forjadas pelas
igrejas cristãs, e o berço de todo o ateísmo é a teologia clerical.

DE JESUS ATÉ NÓS


Agostinho e Tomás de Aquino representam o catolicismo romano.

Paulo e Lutero deram origem ao protestantismo, porque os reformadores do


século 16 remontaram até à teologia das epístolas paulinas, sobretudo aos
Romanos, mas não foram até ao Evangelho do Cristo; e até hoje, juntamente
com o catolicismo romano, continua a marcar passo no dualismo da sinagoga
decadente, de que Paulo foi o porta-voz parcial. Este grande pioneiro do
primeiro século é genuinamente crístico-evangélico em muitos pontos, mas não
se libertou totalmente de certas taras da sinagoga, de que fora rabino, e,
infelizmente, a igreja cristã, assombrada pela autoridade do grande Tarsense,
não soube depurar o ouro do Cristo que há nas epístolas paulinas, das
escórias da sinagoga decadente, que nelas se encontram também.

A igreja romana propende fortemente para a magia sacramental de Agostinho,


o africano, onde sempre prevaleceu o elemento mágico (Egito antigo,
macumba moderna), o protestantismo, por sua vez, simpatiza mais com Paulo,
seguindo a linha do legalismo automático da sinagoga, substituindo o sangue
do antigo bode expiatório pelo sangue de Jesus.

O caráter de Jesus não é nem paulino nem agostiniano, nem asiático nem
africano, mas nitidamente universal, cósmico. Desligado de tempo e espaço, de
rito e raça, de credo e classe, é a mensagem do Nazareno algo totalmente
inédito e original.

Neste universalismo independente, é o Nazareno muito mais ário (ariano) do


que semita, e não é de admirar que Alfred Rosenberg, no seu Mito do século
vinte, tenha impugnado a ascendência semita de Jesus, fazendo-o passar por
um legítimo ário.

Jesus ignora completamente um reino de Deus que venha de fora do homem,


por meio de quaisquer ritos externos. Ele é todo profético-platônico-místico, e
nada sacerdotal-aristotélico-escolástico; nascido na linha divisória entre Oriente
e Ocidente, fundiu numa grandiosa unidade orgânica tudo que há de
contemplativo no Leste e de dinâmico no Oeste.

Infelizmente, a teologia eclesiástica construída sobre esse grande


Universalismo monista do Nazareno é toda dualista unilateral. Por isto, no
Oriente não existem até hoje sequer 5% de cristãos eclesiásticos.
Hoje em dia, boa parte do mundo espiritual está fazendo um esforço honesto
para remontar até ao próprio Cristo, ultrapassando todas as teologias cristãs.
Paradoxalmente, para chegar ao Cristo, temos de ultrapassar o Cristianismo.
Naturalmente, quem não tiver suficiente autonomia espiritual, fará bem em não
buscar o Cristo fora do Cristianismo, mas continue a professar o Cristianismo
tradicional, como caminho para o Cristo. Nem todos têm a experiência cósmica
de Mahatma Gandhi que possam dizer: “Aceito o Cristo e o seu Evangelho,
mas não aceito o vosso Cristianismo.”

SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE


Quem quiser salvar a parte à custa do Todo – o ego sacrificando o Eu – esse
perderá tanto o Todo como a parte, tanto o Eu como o ego. É esta a
matemática cósmica do Evangelho de Cristo. “Quem quiser salvar a sua vida
(ego), perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do
Evangelho (Eu), este a salvará”, porque, salvando a alma, o Eu divino, salva
também o seu ego humano, revelado pelo corpo – e estará salvo o homem
total.

“O ego é o pior inimigo do Eu,

Mas o Eu é o melhor amigo do ego.”

O GRANDE ENIGMA DA FÉ
É deveras estranho que o homem não queira sacrificar o seu ego para realizar
o seu Eu. A razão dessa renitência é a falta de experiência que ele tem do seu
verdadeiro Eu, a alma; o homem profano, quando muito, crê vagamente na
realidade da alma, que lhe é como fogo pintado, mas não fogo real. Tudo que é
simples objeto de crença é vago e ineficiente. E por isto não tem ele a coragem
de enfrentar alguma dificuldade para realizar o seu Eu central, a alma. Crê na
alma, mas não tem fé, no sentido de experiência direta e vital dessa realidade.

E é precisamente aqui que está a dificuldade: o homem simplesmente crente e


ainda não experiente deve agir como se fosse um experiente; deve agir
eticamente como se tivesse experiência mística. Ora, é sabido que toda a ética
pré-mística é uma ética sacrificial, dolorosa – e tudo que é difícil não tem
garantia de perpetuidade; só o que o homem faz com espontânea alegria e
jubilos a facilidade é que tem garantia real de continuidade e perpetuação.

Esse como se é que é a grande dificuldade...


Deve o homem pré-místico ser sacrificialmente bom, andar pelo “caminho
estreito” e passar pela “porta apertada”, carregando a sua “cruz”.

Mas esse sacrifício de agir como se já tivesse experiência divina antes de a ter
é o melhor preparativo para essa experiência. É um sofrimento metafísico – e
sem sofrimento não há redenção.

O sofrimento é, talvez, o fator mais misterioso e menos compreendido em todo


esse processo de redenção e auto-realização. A sua função é precípua e
decisiva.

Em última análise, o homem só possui, firme e irrevogavelmente, aquilo que


ele sofreu nas íntimas profundezas do seu ser. Querer possuir algo que não se
tenha sofrido, é pretender o impossível. Toda a vida nova está condicionada ao
sofrimento e à morte de algo. Só se entra legitimamente no reino dos céus pela
porta estreita do sofrimento. Se alguém me prometesse um céu cujo prelúdio
não seja o sofrimento, desconfiaria desse céu, suspeitaria nesse oferecimento
uma cilada, um estratagema qualquer. E se eu – por impossível – entrasse
nesse céu sem passar pelo sofrimento, não estaria realmente no céu, porque
uma beatitude apenas gozada, e não sofrida, não seria senão uma pseudo-
beatitude.

Prefiro um céu sofrido a um céu gozado.

Semelhante atitude, naturalmente, é absurda e ridícula perante o tribunal da


inteligência do ego, não o nego, mas não deixa de ser profundamente
verdadeira à luz do Eu espiritual. Há uma lógica da alma que a inteligência
ignora e sempre ignorará. E é, precisamente, em virtude dessa lógica da alma
que eu prefiro um céu sofrido a um céu gozado.

Essa lógica da alma, que a inteligência desconhece, é que é a verdadeira fé.

GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS


Sete cidades da Grécia disputam entre si o privilégio de ter sido o berço do
incomparável Homero – e através dessas sete cidades peregrinou o grande
poeta épico, em vida, mendigando o seu sustento...

Dizem que o gênio antecipa o seu tempo, o que não é bem exato; segundo as
eternas leis cósmicas, aparece o gênio precisamente quando o mundo
necessita dele. Isto, porém, não quer dizer que ele não sobrepuje as massas
por séculos e milênios – mas isto faz parte do seu tempo e da sua missão. Se o
gênio fosse apenas um passivo refletor, um espelho acomodatício à opinião
pública dominante, aos caprichos da turbamulta, não seria gênio; ele é gênio
por seu inconformismo, por ser pioneiro e diretor de milhares e de milhões.
Esta sua missão, naturalmente, não pode deixar de ser o seu martírio – um
martírio glorioso. Um bandeirante de mundos ignotos não deve esperar outra
coisa. O seu destino é, geralmente, trágico, no presente. Se fosse um pacífico
conformista, viveria em paz com todos os medíocres; mas, por ser um
transformista, muitos o temem, muitíssimos o odeiam – e uns poucos o amam
e admiram. Só um grande homem pode ser intensamente odiado e
intensamente amado. Mediocridades não são odiadas nem amadas – são
esquecidas.

O gênio é amado com mística veemência por todos aqueles que nele vêem o
seu próprio Eu melhor e mais puro – e é odiado com metafísica violência por
aqueles que se sentem eclipsados em sua pequenez pela grandeza do gênio.

Ninguém pode professar neutralidade em face dum verdadeiro gênio, porque


ele é terremoto e tempestade, terrivelmente perturbador...

Amigos e inimigos adivinham nele algo fora do comum...

O gênio nunca é amado com afetiva familiaridade, mas amado e adorado como
um misto de assombro e admiração...

Gênios, salvadores, avatares, profetas, videntes, pioneiros, mahatmas e


maharishis – são eles os verdadeiros veículos do progresso da humanidade,
porque não se conformam com a cômoda rotina dos muitos, mas,
transformados como são, querem transformar os outros – o que gera seráfico
amor ou ódio satânico.

Quem não sente em si a coragem de ser mártir, não se arvore em pioneiro das
massas!

VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE


Quando dizemos que um vidente “previu” acontecimentos futuros, cometemos
dois erros: pré indica futuro, viu diz passado; mas o vidente ignora passado e
futuro, só conhece o presente. Passado e futuro são tempo; o presente é a
eternidade, o sem-tempo. O tempo é uma criação dos nossos sentidos; mas o
vidente não opera através dos sentidos, ele está intuindo a realidade
diretamente em si mesmo, independente de qualquer sentido, com o poder da
alma, que nada sabe de tempo nem de espaço. Por isto, para o verdadeiro
vidente, tudo acontece agora e aqui, sem duração nem dimensão, fora de
tempo e espaço. O vidente não previu, mas vê, assim como Deus vê todas as
coisas, agora e aqui.

Sendo que o homem comum só conhece através dos sentidos, é-lhe


praticamente impossível imaginar como se possa conhecer de outro modo.
CRISTIANISMO ESOTÉRICO – OU
EXOTÉRICO?
Desde o século 4, o Cristianismo abandonou o seu aspecto esotérico, profético,
místico, platônico, que é do Evangelho, e aparece em roupagens exotéricas,
aristotélicas, escolásticas, teológicas, para atender às necessidades da imensa
maioria dos seus filhos, que eram espiritualmente analfabetos – escravos e
libertos do Império Romano, e as hordas selvagens vindas do Norte e do Leste.
A creatio ex nihilo, céu e inferno como lugares, os sacramentos como
automatismos rituais, inferno eterno creado por Deus, a infalibilidade do papa e
da Bíblia – tudo isto é visceralmente exotérico. Por isto, o Oriente, de elevada
cultura esotérica, já nesse tempo, não aceitou o nosso Cristianismo teológico;
até hoje não há no Oriente 5% de cristãos eclesiásticos. Os cristãos gnósticos
e neo-platônicos dos primeiros séculos, que professavam um Cristianismo
esotérico-místico, foram perseguidos pelos representantes do cristianismo
hierárquico-exotérico. Até aos nossos dias, qualquer tendência esotérico-
mística dentro da igreja organizada é considerada como heresia.

ALMA
Este conceito ocidental não existe no Oriente como entidade permanente. Em
vez disto há o “princípio de consciência” (consciousness, Bewusstsein), que é
como que um foco variável, capaz de se condensar e descondensar, conforme
as experiências que adquire; um vortex do Eu em evolução.

“SE NÃO VOS TORNARDES COMO


CRIANÇAS”...
Não devemos ficar crianças, mas sim tornar-nos como crianças, depois de
sermos adultos. Esta segunda fase da infância, criada livremente pelo homem
plenamente adulto, é o definitivo teste da sua plena adultez. Quem, depois de
adulto, não for capaz de se tornar como se fosse criança, não está plenamente
maduro na sua evolução.

É uma infância pleni-consciente, e não uma infância inconsciente, e muito


menos um infantilismo pseudo-consciente.

Ser como criança, não por ignorância natural, mas por sapiência de
experiência. É ultrapassar não só o subconsciente infantil, mas também o
consciente juvenil e entrar no superconsciente cósmico.
VIDA – OU OS MEIOS DA VIDA?
É deveras estranho! O homem comum passa a existência toda correndo atrás
dos meios de vida – e se esquece da vida! Vítima duma espécie de alucinação
coletiva, pensa que deva acumular mais e mais matéria-morta para poder viver,
e quanto mais possui, mais deseja possuir – e no fim de 60, 80 anos morre
sem ter vivido realmente... Agoniza meio século à margem da vida...

Se o homem descobrisse quanto necessita para uma vida normal, adquirisse


esses meios, e depois vivesse para ideais superiores, levaria vida plena...

A fim de poder viver mais calmamente, sem preocupações financeiras, devia o


homem plantar um pomar de frutas variadas, que lhe rendesse o alimento
necessário durante meio século, sem a necessidade de refazer cada ano essa
fonte de subsistência, e teria tempo de sobra para coisas melhores.

O costume de plantar hortas anuais é um erro; as hortas deviam ser apenas


como que um “enchimento” da dieta humana; o principal devia consistir em
frutas de árvores longevas, e, se necessário, leite e ovos. Será que nas frutas
de árvores longevas ou seculares não está o princípio da longevidade para o
homem? As hortaliças vivem apenas um ano, ou menos; uma nogueira ou
castanheira vive séculos. Nozes, abacate, banana e mamão contêm todos os
elementos necessários para a manutenção do corpo humano.

INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS


O Universal de Platão é o único Real, assim como o Inconsciente de Jung, o
grande X, a misteriosa Incógnita, donde deriva todo o resto. Tudo que é
cógnito, consciente, finito, deixa de ser Real, passando a um simples
Realizado.

O nosso Consciente é uma diminuição do Inconsciente, porque este é o


Oniconsciente em si, o grande e único Real.

Ninguém pode ser consciente do Todo, a consciência exige algo finito, algo
parcial. Para além de todos os finitos cognoscíveis está o Infinito Incognoscível.

O Inconsciente em mim é o meu Creador e Salvador, porque é o


Oniconsciente.

O ocidental procura a Deus no Infinito do Além, de fora, rumo a todas as


periferias do Universo, até atingir a última fronteira; mas não há nada “último”
nesse terreno das quantidades finitas, do mundo existencial; se assim não
fosse, seria Deus a soma total dos finitos, e estaríamos em puro panteísmo ou
dualismo.

O oriental, por sua vez, foge de todas as periferias existenciais e vai cavando
rumo ao centro essencial. Para ele, Deus não ex-siste, mas in-siste, ou melhor,
simplesmente siste, ou é; Deus é o grande SISTENTE, o ENTE, o YAHVEH, o
puro SER. Mas esse É, ou EU SOU O QUE SOU, está para além de todas as
existências, e, por isto mesmo, para além do nosso Consciente. Para além do
ocaso do Consciente dos sentidos e da mente desponta a alvorada do
Inconsciente da razão espiritual.

Deus é a morte do Consciente e a vida do Inconsciente, ele, sem forma, nem


cor, nem nome, fora de tempo, espaço e causalidade...

AUTO-REDENÇÃO – OU ALO-REDENÇÃO?
Se a nossa teologia ocidental é a última palavra sobre o Cristianismo, então, é
evidente que o Ocidente cristão é eternamente incompatível com o Oriente
pagão, e todos os esforços dos missionários são, praticamente, inúteis; só será
aceito pelos ignorantes, mas nunca pelos sapientes.

Nenhum cristão teológico aceitará a possibilidade de ele se auto-redimir –


assim como nenhum budista autêntico adora um Deus pessoal fora dele.

Mas, se nas profundezas do Cristianismo evangélico jaz um princípio de auto-


redenção, como o Sermão da Montanha faz ver, redenção pela graça do Cristo
interno – então podemos lançar uma ponte sobre o abismo.

É ridículo e pueril apoderarmo-nos de certas técnicas orientais, decorá-Ias,


grudá-Ias em nossa periferia ocidental, e pensarmos que tenhamos lançado
uma ponte de compreensão entre os dois hemisférios da humanidade. A nossa
inextirpável extroversão e a profunda introversão do oriental não podem ser
congraçados em pouco tempo.

A ponte existe, mas não está nas técnicas de uma apropriação externa,
horizontal, mas sim numa profunda experiência vertical da alma humana de cá
e de lá. A vacuidade central do oriental e a plenitude periférica do ocidental são
idênticas. O Infinito de Dentro é o Infinito de fora. Deus é o Todo, e o Nada, o
Sim e o Não, a Luz e as Trevas – não na horizontal das polaridades, mas na
vertical da impolaridade.

QUAL É A GRAÇA?
Literatura imensa tem sido escrita sobre o mistério da “graça”.
Charis e Gratia significam, propriamente, beleza. Também em vernáculo,
usamos esse vocábulo para dom gratuito e beleza.

O kosmos dos gregos é a beleza do universo.

A graça, a bem dizer, é o Infinito, o Todo, o Inconsciente. É algo longínquo,


obscuro, não controlado pelo pequeno Consciente do ego, não merecido, não
causado. O Consciente representa sempre um menos, uma parte, ao passo
que o Inconsciente é o mais, o Todo.

Quando o Inconsciente invade o Consciente, sem que este o tenha causado,


então falamos em “graça”, em “carisma”, em “dom gratuito”.

Quando o Inconsciente não coopera devidamente com o Consciente, entramos


em apuros; a máquina funciona sem volante, aos trancos... Por isto, diz a
sabedoria do povo: “Mais vale a quem Deus ajuda do que quem cedo
madruga.” O Consciente sem a larga substrutura do Inconsciente é como a luz
intermitente daquelas cinco “virgens tolas” da parábola; falta o azeite do
Inconsciente capaz de transformar em luz permanente e tranquila a luz
intermitente e inquieta. “Os deuses estão irados”, diziam os antigos, num caso
desses; tudo vai mal sem a ajuda dos “deuses”. Ou na linguagem do
Evangelho, deve o homem “buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua
justiça”, para que “todas as outras coisas” lhe sejam acrescentadas – as coisas
do Consciente funcionam bem quando o Inconsciente está presente como
invisível substrato; então o homem “anda na presença de Deus e é perfeito”,
então ele “para sempre, e nunca deixa de orar”...

Para além das luzes da ribalta, do cenário visível do nosso Consciente, por
entre a invisível penumbra dos bastidores do Inconsciente, converge toda a
sabedoria dos séculos e milênios da humanidade...

O oriental tem contato mais direto com o nirvana do Inconsciente do que com o
sansara do Consciente. Geralmente, o chinês, o japonês, o hindu não
conhecem nervosidade. O ocidental vive mais no Consciente e menos no
Inconsciente, e procura então substituir a falta de segurança interna com toda a
espécie de seguranças ou pseudo-seguranças externas, dominando
violentamente o ambiente pelas conquistas da ciência e da técnica.

ABSOLUTA OBJETIVIDADE
O ídolo do homem ocidental, sobretudo do cultor das ciências exatas, se gaba
da sua “absoluta objetividade” – e não percebe o ridículo dessa sua atitude...
Gaba-se de uma bonequinha de celulóide ou dum aviãozinho de elástico, como
as crianças do jardim de infância.
O homem oriental tem horror a essa objetividade, porque já compreendeu que
o objetivo é derivado, ilusório, reflexo no espelho, eco longínquo da Realidade.
Prefere o nirvana do Inconsciente ao sansara do Consciente, e encontra paz
nessa estratosfera, onde não há tempestades nem conflitos, por falta de
suficiente diferenciação e polaridade.

O ocidental objetiva-se na ciência e técnica das suas invenções – o oriental


subjetiva-se na sabedoria espiritual da sua mística.

Ambos perdem metade do mundo da Realidade Integral, que não é objetivo


nem subjetivo, nem material nem espiritual, mas Universal. O ocidental sofre o
seu ruidoso sansara objetivo – o oriental goza o seu silencioso nirvana
subjetivo – mas a vida real não é gozo nem sofrimento, é uma síntese dessas
duas coisas, é um doloroso gozar e um gozos o sofrer – por mais paradoxal
que isto pareça aos profanos da direita ou da esquerda...

Só o Homem Cósmico é que vive integralmente.

Tanto o unilateralismo extroverso do ocidental como o unilateralismo introverso


do oriental são necessários para criar a universalidade onilateral do homem
completo, que exige diferenciação máxima de elementos antitéticos a fim de
construir a verdadeira síntese final da grandeza. Mas o homem, tanto de cá
como de lá, deve ultrapassar as duas metades justapostas das antíteses para
realizar o Todo orgânico da grande síntese.

ANALISAR E PROFANAR
Cuidado com a análise de textos sacros! Toda a análise profana!

Pode um texto sacro ser, intelectualmente, absurdo e ilógico, e, não obstante,


ter grande valor espiritual ou emocional. Há uma lógica ultra-intelectual, e até
anti-intelectual, como a do Sermão da Montanha, que é, certamente, o mais
absurdo dos documentos – quando analisado à luz da inteligência luciférica.

Tudo que se pode pensar e dizer é degradado; não é a Realidade integral nem
a Sacralidade pura. Real e puro é somente o impensável e o indizível. Só o que
se pode sentir e viver misticamente, na silenciosa solidão da alma com Deus,
isto é que é plenamente verdadeiro, belo e puro – e muitos textos sacros
refletem essa pureza sacral, que de modo algum deve ser prostituído com
análises mentais nem com ruídos verbais. “A letra mata – mas o espírito dá
vida”...

Quem já saboreou esse imponderável conteúdo espiritual de certos textos


sente-se traumatizado quando vê o seu sacrário brutalmente invadido por mão
ou mente profana. O invólucro que o erudito analisa não é, para o homem
espiritual, a verdadeira realidade; era apenas uma roupagem externa, fortuita,
que a suprema Verdade e Beleza vestira de passagem para se tornar visível.
Toda a análise mental de uma realidade espiritual é um estupro sacrílego, que
só um profano pode cometer.

Não é necessário que a revelação divina seja intelectualmente verdadeira.

Não faz mal que uma experiência mística seja intelectualmente absurda e
paradoxal...

A Verdade habita para além de todas as nossas torres de Babel...

Credo – quia absurdum...

UNIDADE INCONSCIENTE – PLURALIDADE


CONSCIENTE
O homem oriental nunca se distanciou notavelmente da grande Unidade do
Inconsciente; continua 90% imerso nesse oceano inconsciente; nunca nasceu
plenamente para o nosso mundo consciente. E por isto diz ingenuamente: “Eu
SOU DEUS”, o que soa tão blasfemo aos ouvidos do ocidental, porque este
realizou uma grande distanciação da Unidade do Inconsciente, caindo 90% na
Pluralidade do Consciente, e por isto, se ele diz “EU SOU DEUS”, refere esse
“Eu” a seus 90% de Consciente (ego), e não aos 10% do seu Inconsciente (Eu)
– quando o oriental fala em nome dos seus 90% de Inconsciente, que é
realmente Deus, o Deus nele ou seu Eu divino. O Eu do oriental é o seu
Indivíduo indiviso do grande Inconsciente, ao passo que o Eu do ocidental é a
sua Persona separada do grande Inconsciente e identificado com o pequeno
Consciente da sua máscara periférica.

Cada um dos dois, como se vê, entende com a palavra “Eu” algo grandemente
diverso. “Vós sois deuses” – estas palavras de Jesus são tipicamente orientais,
que o ocidental tenta em vão justificar. Idem “Vós sois a luz do mundo” – que
teólogo dualista pode aprovar tais palavras, quando a sua igreja lhe manda crer
que todo homem é treva e pecado por sua íntima natureza, “escravo de
Satanás”, “filho da ira divina”, como se lê em todos os nossos catecismos e
tratados teológicos? É deveras estranho que a igreja, através de quase dois
milênios, tenha podido manter uma teologia diametralmente oposta ao espírito
do Cristo. Só mesmo a força de uma acintosa e sistemática ignorância de seus
filhos e graças a uma casuística exegética que consegue injetar aos textos
sacros um sentido que eles não têm.

Devido a essa diversidade do conceito do Eu, é perigoso para o ocidental


apropriar-se, sem mais nem menos, das técnicas yoga do Oriente e repetir
servilmente frases que, no seu país de origem, têm sentido totalmente diferente
do que nós entendemos. Não, não basta que copiemos técnicas, é necessário
que procuremos adquirir experiência interna e despertemos em nós a mesma
consciência unitária que caracteriza toda a filosofia mística do Oriente. Do
contrário, produziremos um mostrengo híbrido intolerável e blasfemo. Dentro
da zona da nossa teologia dualista, é absurdo querermos compreender a
filosofia monista.

Felizmente, o Evangelho oferece base para esse profundo e vasto monismo


filosófico-místico. “Eu e o Pai somos um”, é tipicamente monista-oriental.

O que falta é cristificarmos a teologia eclesiástica.

OSMOSE CÓSMICA
Quando o nosso Consciente se expõe demoradamente à atuação direta do
Inconsciente, experimentamos uma sensação de progressiva libertação; uma
força estranha nos invade, que nos enche de alegria anônima. É que o nosso
Consciente equivale a uma prisão, uma fraqueza, uma angústia – ao passo que
o Inconsciente é liberdade, força, largueza.

Em consequência dessa infiltração osmótica do Inconsciente, o Consciente se


vai expandindo e libertando, tornando-se leve, luminoso, feliz; a pequena
bateria recebe forças da grande bateria.

Mas, como esse processo de imponderável infiltração não é controlável na


zona vígil do nosso ego, é natural que falemos em “graça” ou “carisma” que é a
ação benéfica do divino Inconsciente sobre o humano Consciente. Esse
Inconsciente é, em si, o Oniconsciente, o Infinito, o Todo; mas, para o nosso
pequeno Consciente, funciona como um Inconsciente.

Ninguém pode ser um bom cristão eclesiástico praticar yoga, de boa


consciência – mas é possível ser um perfeito cristão evangélico e praticar yoga.
Nenhum cristão ocidental que não queira trocar a sua teologia pelo Evangelho
pode ser um bom yogui; não consegue cancelar esses quase 2.000 anos de
Cristianismo dualista que a hierarquia eclesiástica engendrou, desde o quarto
século; por mais que o nosso cristão se diga monista oriental ou evangélico, no
seu subconsciente continua a prevalecer a Idade Média; sobre essa
inconsciente substrutura escolástica não é possível erguer uma superestrutura
mística.

Para abraçar em cheio a mística, devia o homem tomar a sério o Sermão da


Montanha; não devia ter casa nem família nem profissão lucrativa; devia
reduzir ao mínimo o seu conforto, abolir rádio, televisão, telefone, não ter
dinheiro algum em casa nem apólices nos bancos – porque tudo isto são
fortalezas e trincheiras do velho ego. Quem pratica yoga numa das nossas
cidades modernas, cercado de todo o conforto e amparado por “seguros de
vida”, pratica fraude espiritual e criminosa mistificação, em vez de mística.

ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO


À entrada de um centro espiritualista em construção encontrei vistosa faixa
com esses dizeres: “Jesus não quer adoração, mas ação.”

É assaz comum esse erro, que Cristianismo seja apenas ação, realização
externa, e, no melhor dos casos, ética, caridade, filantropia. Na verdade,
porém, o Cristianismo do Cristo é a mais alta mística transbordando em ética,
adoração manifestando-se em ação.

Todo o problema do homem está em criar dentro de si uma mística de


adoração – o “primeiro mandamento” – tão intensa que extravase
espontaneamente em ética de ação – o “segundo mandamento”.

Fazer profissão de ética sem possuir a mística leva, quase sempre, à


consciência de vaidade e auto-complacência, que já é uma derrota, mesmo no
caso que as obras externas prosperem, graças ao dinheiro e à política. A ética
não deve, em hipótese alguma, ser uma profissão, mas um simples fenômeno
concomitante e como que fortuito da experiência mística; assim, se conserva
sadia, bela e leve.
ÍNDICE

PRELIMINARES

FECHAR O CIRCUITO!

O SEGURO MORREU DE VELHO

SEGURO DE VIDA

DEUS EM TI

ESPELHO OU JANELA?

INTROSPECÇÃO NÃO E EGOCENTRISMO

CRISTO E CRISTIANISMO

ASSIM FALOU MAHATMA GANDHI

FALA UM GRANDE INDIÓLOGO

ESPÍRITO DO ORIENTE E DO OCIDENTE

CICLOS CÓSMICOS

INDIVIDUAL - COLETIVO

A RELIGIÃO DE EINSTEIN

O COSMOS E INDIVISÍVEL

CONTINUA O MISTÉRIO DO UNIVERSO

HARMONIA CÓSMICA DOS GRANDES GÊNIOS RELIGIOSOS

O PERIGO DE NÃO FAZER NADA

PALAVRAS FORTES - CAUSA FRACA

O MESMO NEM SEMPRE É O MESMO

ALTO - MAS NÃO DEMAIS

CRIMES E VÍCIOS

EXCESSIVAMENTE CLARO
A VOZ DA INTUIÇÃO

QUEM PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS É ATEU

A VIDA NÃO É UMA TEORIA

CRER OU DESCRER NADA RESOLVE

HARMONIZAR O AGIR COM O SER

UNO E MÚLTIPLO

“CARREGO COMIGO A MINHA CAVERNA”

BUDISMO, BRAMANISMO, ROMANISMO - RELIGIÕES PARA ELITE

PAZ INTERNACIONAL - SÓ NO CEMITÉRIO

PEIXINHOS EM POÇA D‟ÁGUA DA PRAIA

BUROCRATIZANDO E VOLATILIZANDO O CRISTIANISMO

ADULTERAÇÃO DA BÍBLIA

REALISMO - IDEALISMO

O MUNDO EM DEUS OU O MUNDO SEM DEUS

TOTALITARISMOS - CATÓLICO E PROTESTANTE

MARIA - PRIMEIRA REVOLUCIONÁRIA MÍSTICA-SOCIAL

TODA REVOLUÇÃO EFICIENTE É MÍSTICA

INTERPRETAÇÕES HISTÓRICAS DO CRISTIANISMO ETERNO

NÃO HÁ CRISTIANISMO TEÓRICO

DO CRISTIANISMO AO CRISTO

DA CARIDADE AO AMOR

CARIDADE, NÃO - JUSTIÇA, SIM

JESUS DEU ESMOLA?

DEUS NÃO ENTRA NA ALMA

APREENDER E COMPREENDER - DESCOBRIR FATOS, REALIZAR


VALORES

“O DESERTO VIVENTE”
ACEITAR A DIVINDADE DE CRISTO - O QUE É?

O HOMEM ESPIRITUAL É ATRAENTE?

DOIS TIPOS DE PREGADORES

TRANSCENDENTE, ENCARNADO, IMANENTE

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS

QUE É PERSONALIDADE?

DESCOBRIMENTO - OU REVELAÇÃO?

CERTEZA TEOLÓGICA NÃO É NECESSÁRIA NEM SUFICIENTE

PENSAMENTO SINTETIZADO

ORAÇÃO - ESSÊNCIA DE TODAS AS RELIGIÕES

O MISTÉRIO DA ORAÇÃO SUPERIOR

A FASCINANTE AVENTURA DA ORAÇÃO SUPERIOR

OS SANTOS PROVAM A VERDADE DUMA IGREJA?

VERDADEIRA CATOLICIDADE

PROCESSO DE INCUBAÇÃO

A LEI DA EVOLUÇÃO

INSTINTO - FILTRO SELETIVO

TRÊS ESTÁGIOS DE ORAÇÃO

EMBRIÃO MATERIAL - EMBRIÃO ESPIRITUAL

A NATUREZA E DEMOCRÁTICA - OU ARISTOCRÁTICA?

PODE VOCÊ SOLVER O MISTÉRIO DA VIDA?

DEUS MANDA DOENÇAS?

O “PAI NOSSO” EM ARAMAICO

ANÁLISE PSICOLÓGICA E SÍNTESE METAFÍSICA

CURA PELO PODER ESPIRITUAL

POR QUE SEGUIMOS GUIAS ESPIRITUAIS


COMO PODERIA EU GOZAR NO CÉU - QUANDO OUTROS SOFREM NO
INFERNO?

AMOR FRUSTRADO

EXPERIÊNCIA CÓSMICA

TRANSUBSTANCIAÇÃO NA ERA ATÔMICA

MATEMÁTICA FÍSICO-MENTAL VERSUS MATEMÁTICA ESPIRITUAL

PENSAMENTO E SENTIMENTO

CONHECE-TE E CONHECERÁS OS OUTROS!

A VERDADEIRA CATOLICIDADE - ESSA DESCONHECIDA

O SEGREDO DA CURA PELA FÉ

O MAIS PROFUNDO DESEJO DO HOMEM

AGONIA DAS PRIMAVERAS

AUTO-REALIZAÇÃO - OU ALO-REALIZAÇÕES?

OS CARACTERÍSTICOS DO HOMEM CÓSMICO

OS DONS DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

AMOR UNIVERSAL - SEGREDO DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

QUEM COMPREENDE A DEUS IGNORA TODAS AS COISAS

PARAFRASEANDO OS INICIADOS

NO CÉU E NO PURGATÓRIO

MÍSTICA E ÉTICA

CONSCIÊNCIA CÓSMICA É MAIS QUE MORALIDADE

ENTRE SCHOPENHAUER E NIETZCHE

SOLUÇÃO ÚLTIMA DE TODOS OS PROBLEMAS

A NOITE TENEBROSA DO MÍSTICO

PARTURIÇÃO MÍSTICA

REGRESSANDO DE DEUS PARA O MUNDO

NÃO SOU ALTRUÍSTA!


CURRUIRAS E MARIPOSAS AMIGAS

EU ESTOU EM TUDO - E TUDO ESTÁ EM MIM

PROPINQUIDADE E LONGINQUIDADE

ALMA EM DIVINA GESTAÇÃO

AÇÃO - ADORAÇÃO

EM PERSPECTIVA - OU EM PANORAMA?

O ILOGISMO DA CONSCIÊNCIA MÍSTICA

ESTRUPO ESPIRITUAL

QUIETUDE É PUREZA

COMPREENDER É SER

VERDADES PARADOXAIS

MINHA CONSCIÊNCIA É O MEU MUNDO

EXPERIÊNCIA E MÍSTICA DA NATUREZA

O HOMEM INFINITO

EU E O UNIVERSO SOMOS UM

QUANDO MORRE O “DEVER”

RELIGIÃO E MORALIDADE

GUARDA O QUE TENS - E PASSA ALÉM!

CREDO DINÂMICO

O TODO É SIMULTÂNEO - AS PARTES SÃO SUCESSIVAS

MECANIZAÇÃO DA NOSSA CULTURA

AMOR - O RETORNO AO UNIVERSAL

REAL, REALIZADO, IRREAL

POR QUE SOU INFELIZ?

MEA CULPA, MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA

TODOS OS MUNDOS ESTÃO AQUI

OS TRÊS CRIVOS EM MIM


INDIMENSIONALIDADE

EKKLESÍA

INQUIETUDE METAFÍSICA DO HOMEM MODERNO

NÃO NECESSITAMOS DE NOVAS TEOLOGIAS

ENCONTRO COM DEUS

MATEMÁTICA E MÍSTICA

CREDO QUIA ABSURDUM

ÉDISON - E SEUS 700 FRACASSOS

SEXISMO E EGOÍSMO

CIDADÃO DO UNIVERSO

NO TERCEIRO CÉU

A MORTE DE JESUS

TALENTO - E GÊNIO

TOLERÂNCIA - OU COMPREENSÃO?

HOMEM, SÊ CONFORMISTA - E INCONFORMISTA!

GRAUS DE CONSCIÊNCIA

TU ÉS O QUE PENSAS

PLATÃO E ARISTÓTELES

IMPERSONALISMO PLATÔNICO VERSUS PERSONALISMO


ARISTOTÉLICO

O IDEAL É O REAL

NOMES VÁRIOS PARA O ANÔNIMO

O MISTÉRIO DA ESFINGE

GUERRA MUNDIAL, I, II - III?

SOMOS AINDA CRISTÃOS?

VERDADE E BELEZA

RAZÃO, INTELIGÊNCIA, VONTADE


NEO-PLATONISMO

O CLERO VIVE DO PECADO ORIGINAL

VALOR INFINITO NEUTRALIZA DÉBITO FINITO?

DE JESUS ATÉ NÓS

SALVAR O TODO É SALVAR A PARTE

O GRANDE ENIGMA DA FÉ

GLÓRIA E TORMENTO DOS GÊNIOS

VIDENTES SÓ CONHECEM O PRESENTE

CRISTIANISMO ESOTÉRICO - OU EXOTÉRICO?

ALMA

“SE NÃO VOS TORNARDES COMO CRIANÇAS”

VIDA - OU OS MEIOS DA VIDA?

INCONSCIENTE, UNIVERSAL, INFINITO, DEUS

AUTO-REDENÇÃO - OU ALO-REDENÇÃO?

QUAL É A GRAÇA?

ABSOLUTA OBJETIVIDADE

ANALISAR É PROFANAR

UNIDADE INCONSCIENTE - PLURALIDADE CONSCIENTE

OSMOSE CÓSMICA

ADORAÇÃO TRANSBORDANDO EM AÇÃO


HUBERTO ROHDEN
VIDA E OBRA

Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.


Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais
várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;
algumas existem em braile, para institutos de cegos.

Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.

De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na


Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com
Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,
Metafísica e Mística.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de


Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões
Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.
Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American
Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de
guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de
Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de
manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o


Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami
Premananda, diretor hindu desse ashram.

Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.

Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,


onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,
sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro
Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.

Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência


espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências
com grupos de yoguis na Índia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre


autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de
Auto-Realização Alvorada.

Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.

Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora


responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e
inspiração.

À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.

Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de


fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.
RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.
HUBERTO ROHDEN

COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE

A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL

COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:

FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO

O SERMÃO DA MONTANHA

ASSIM DIZIA O MESTRE

O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE

O NOSSO MESTRE

COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:

DE ALMA PARA ALMA

ÍDOLOS OU IDEAL?

ESCALANDO O HIMALAIA

O CAMINHO DA FELICIDADE

DEUS

EM ESPÍRITO E VERDADE

EM COMUNHÃO COM DEUS


COSMORAMA

PORQUE SOFREMOS

LÚCIFER E LÓGOS

A GRANDE LIBERTAÇÃO

BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO)

SETAS PARA O INFINITO

ENTRE DOIS MUNDOS

MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA

FILOSOFIA DA ARTE

A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH


(TRADUÇÃO)

ORIENTANDO

“QUE VOS PARECE DO CRISTO?”

EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL

DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO)

O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO

LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA

ROTEIRO CÓSMICO

A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO

A VOZ DO SILÊNCIO

TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO)

SABEDORIA DAS PARÁBOLAS

O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO)

A NOVA HUMANIDADE

A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO)

RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA

O HOMEM
ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER

O HOMEM E O UNIVERSO

IMPERATIVOS DA VIDA

PROFANOS E INICIADOS

NOVO TESTAMENTO

LAMPEJOS EVANGÉLICOS

O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS

A EXPERIÊNCIA CÓSMICA

COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:

MARAVILHAS DO UNIVERSO

ALEGORIAS

ÍSIS

POR MUNDOS IGNOTOS

COLEÇÃO BIOGRAFIAS:

PAULO DE TARSO

AGOSTINHO

POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA

MAHATMA GANDHI

JESUS NAZARENO

EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO

PASCAL

MYRIAM

COLEÇÃO OPÚSCULOS:

SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO


CATECISMO DA FILOSOFIA

ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS)

ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000

CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?

CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO

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