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Antropologia e Cultura: Daisy Libório e Ana Paula Henrique Salvan
Antropologia e Cultura: Daisy Libório e Ana Paula Henrique Salvan
Introdução.....................................................................................................................05
Síntese...........................................................................................................................21
Referências Bibliográficas.................................................................................................22
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Capítulo 3 Identidades sociais e o
mercado de trabalho
Introdução
Neste capítulo, trabalharemos com vários e importantes conceitos, tentando relacioná-los para
compreender as particularidades do assunto em território brasileiro. Você já pensou a respeito
do que o diferencia das outras pessoas com as quais convive? E nas semelhanças? Já sentiu-se
“em casa” ao constatar um conhecimento ou detalhe em comum com seus colegas de trabalho?
Saiba que estas questões estão intimamente ligadas aos conceitos que estudaremos ao longo
das próximas páginas.
Você sabe o que é patrimônio cultural material? E patrimônio cultural imaterial? Será que o car-
naval se encaixa em uma dessas duas definições? Ao final deste capítulo, iremos conceituar o
patrimônio cultural e ligá-lo à memória social, para tentarmos compreender como esses elemen-
tos impactam na identidade social. Focaremos nosso estudo também nas relações do mercado
de trabalho globalizado, sempre, é claro, sob a perspectiva da Antropologia.
Ainda nesta seção, estudaremos como a Antropologia passou a discutir tais questões e contextu-
alizaremos seu surgimento. Acompanhe!
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Antropologia e cultura
Embora cientistas sociais como Marcel Mauss tenham lançado questionamentos a respeito da
ideia de “pessoa” no início do século XX, a discussão acerca da identidade foi impulsionada
pelos numerosos movimentos migratórios que ocorreram após a Segunda Guerra Mundial, espe-
cialmente em direção à Europa e aos Estados Unidos. A razão para tal foi o crescente atrito entre
os grupos que procuravam refúgio nos países economicamente desenvolvidos e a população
nativa desses países, na maioria das vezes influenciada pelo nacionalismo, ideologia segundo
a qual “[...] fronteiras culturais deveriam coincidir com fronteiras políticas” (ERIKSEN, 2001, p.
275). Tenha em mente que, por fronteiras políticas, Eriksen se refere às delimitações territoriais
que dividem os Estados; sua colocação, portanto, denota que os defensores do nacionalismo
acreditam que cada cultura deve permanecer dentro de seu território de origem.
Já o nacionalismo corresponde a uma ideologia que, segundo Eriksen (2001), está pre-
sente em todos os lugares do mundo. Pela perspectiva antropológica, o nacionalismo
defende que cada Estado deve conter um povo do mesmo tipo, sendo, portanto, contra
movimentos migratórios e a miscigenação cultural que eles possibilitam. Entenda que
o nacionalismo como ideologia surgiu com a Revolução Francesa, entre o final do
século XVIII e o início do XIX, e que o termo não se confunde com a ideia de “nação”.
Nação diz respeito a um conjunto de indivíduos unidos por características em comum,
como o território, a língua, a história etc. Pense aqui no Estado da Palestina, na faixa
de Gaza, que é uma nação com uma cultura que a distingue, um povo unido por uma
língua comum, mas que luta pela demarcação e manutenção de suas fronteiras com o
Estado de Israel.
Neste cenário, o fator “identidade” foi tomado como objeto de estudo pelos antropólogos. Pode-
mos entender o conceito como a combinação única de características que distingue um indivíduo
ou um grupo, que o diferencia perante o outro. Mas quem seria o outro? Segundo Brandão
(1986):
Figura 1 – Para Brandão, é através do contraste com o outro que conseguimos enxergar nossa individualidade.
Fonte: Shutterstock, 2015.
Pense da seguinte forma: não são apenas os dígitos de seu RG e o código genético que o tornam
uma pessoa diferente de qualquer outra que você já tenha conhecido, certo? A partir do momen-
to em que você reconhece o conjunto de características e significados que o definem em relação
aos outros, você está conscientemente assumindo e exercendo sua identidade.
Se, portanto, o contraste nos possibilita um entendimento profundo acerca do que somos e do
que gostamos, será que a semelhança também tem esse poder? A resposta é sim. Nossa iden-
tidade também é moldada pelo reconhecimento do que temos em comum com nossos amigos,
familiares ou colegas de trabalho. Observando as pessoas que dividem o espaço de trabalho
conosco, por exemplo, podemos detectar o que coincide na maneira de lidar com as demandas
cotidianas. Tendo dito isto, já podemos começar a trabalhar o conceito de “identidade social”!
VOCÊ O CONHECE?
? Marcel Mauss foi um cientista social francês que, em sua obra, aproximou a Socio-
logia da Antropologia e influenciou muito pensadores que o sucederam e contribuíram
para ambas as disciplinas, entre eles Claude Lévi-Strauss. Entre outros tópicos, sua
principal teoria dizia respeito à reciprocidade entre indivíduos e grupos na prática da
troca de presentes. Sua obra mais famosa foi publicada no Brasil sob o título de Ensaio
sobre a dádiva (2003).
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Antropologia e cultura
Vamos aqui definir “identidade social” como a estrutura formada pelas relações recíprocas en-
tre pessoas unidas por algum interesse ou característica comum. Feche os olhos e visualize os
seguintes exemplos: habitantes de uma mesma cidade ou bairro, torcedores de um mesmo time,
colaboradores em uma empresa, praticantes de uma religião ou seguidores de alguma filosofia
específica. Saiba que os modos como são vivenciadas determinadas identidades, tal como algu-
mas identidades religiosas, também pode levar à exclusão e até à violência física.
Berger e Luckmann explicam que a formação e conservação das identidades são condicionadas
por processos sociais determinados pelas estruturas sociais. Desse modo, a identidade social
não diz respeito apenas aos indivíduos. Todo grupo apresenta um a identidade que está em
conformidade a sua definição social que o situa no conjunto social. Assim, a identidade social
é ao mesmo tempo inclusão – pois só fazem parte do grupo aqueles que são idênticos sob certo
ponto de vista – e exclusão – visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros.
(BERLATTO, 2009, p. 142).
Esses indivíduos compartilham diversos valores e significados, que não necessariamente fazem
sentido para uma pessoa que esteja fora daquele contexto, certo?
A evidência de que a pessoa de cada um de nós é uma lenta construção da sociedade sobre
os seus membros, através de um trabalho de ensino-aprendizagem de formas de sentimento,
pensamento e ação, é o que permitiu a um dos cientistas sociais que pensou mais profunda e
criativamente sobre a questão, concluir que o sujeito transformado em pessoa é, ele mesmo,
uma expressão individualizada da estrutura de símbolos do mundo social onde vive. (BRANDÃO,
1986).
Através das palavras de Brandão (1986), podemos depreender que o indivíduo aprende as for-
mas de pensar, sentir e agir da coletividade na qual está inserido. Esse processo de aprendizagem
é continuado (e dura, de fato, toda a sua vida) e seu resultado é uma versão individualizada da
esfera social, ou seja, uma pessoa que representa os padrões de comportamentos aceitos pelo
grupo.
Como parte de um grupo, portanto, o indivíduo age de acordo com um código aprendido/esta-
belecido. Mas, como é próprio do ser humano estar em um constante estado de aprendizagem,
há também a reciclagem de ideias, a reinterpretação de fatos e mudanças de atitude.
As identidades sociais, portanto, são dinâmicas e podem mudar ao longo da vida. Elas se cons-
troem e reconstroem, conforme o processo de significação de cada um e as mudanças do próprio
grupo. A fluidez dessas transformações vai depender muito do contexto sociocultural em que o
indivíduo está inserido e de suas relações com o meio.
É importante dizer que as pessoas não possuem uma identidade social homogênea. Como o
comportamento humano é bastante complexo, nem sempre as identidades são compreensíveis
em um primeiro momento, podendo até mesmo serem contraditórias. Como exemplo, podemos
citar uma pessoa heterossexual que é bastante conservadora, mas acredita que a adoção de
crianças por casais homoafetivos é legítima.
Segundo Stuart Hall (2003, p. 12-13), “[...] a identidade torna-se uma celebração móvel: for-
mada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.”. O exemplo anterior encaixa-se nessa
definição apontada por Hall, pois retrata um indivíduo cujo modo de pensar é conservador, mas
que a despeito disso age num sentido mais tolerante.
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Antropologia e cultura
François Laplantine (2003) coloca que a cultura é o próprio social, porém visto sob o viés das
expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições. Pense da seguinte forma: quando
analisamos uma sociedade, podemos interpretá-la sob a perspectiva cultural, ou seja, enxergá-la
a partir das manifestações artísticas de seus membros, de seus rituais religiosos etc. Aqui, temos
a noção de identidade cultural, ou seja, da participação ou identificação de um indivíduo com
essas manifestações.
Um exemplo de manifestação cultural no Brasil é a dança folclórica do Bumba Meu Boi, que
ocorre em alguns estados brasileiros da região Norte e Nordeste, como Amazonas, Pará Alagoas
e Maranhão. O tema da apresentação gira em torno da morte e ressureição de um boi e engloba
questões sociais e históricas.
A ideia de identidade cultual também está intimamente ligada à dimensão individual e, conforme
discutimos no primeiro item, a consciência delas vai se moldando através do contraste com o
outro, seja ele um único indivíduo ou um grupo.
Podemos aqui constatar, portanto, que as diferenças no modo de existir são padrões aprendidos
e específicos de cada grupo, mas que essa dinâmica está muito ligada à consciência que o in-
divíduo tem de si mesmo e de sua relação com o coletivo. Enquanto a identidade social dá-se
através dessa interação social, a identidade cultural está relacionada à identificação de um indi-
víduo com as manifestações culturais da coletividade em que está inserido.
Em relação à perspectiva linguística, podemos dizer que se trata de outra dimensão social. Já
explicamos: a língua falada e escrita é uma forma de um indivíduo comunicar-se com os outros,
certo? Há, portanto, uma função social na fala e na escrita, isto é, elas desempenham um papel
indispensável na unificação de um grupo e em seus modos de expressão cultural. Em alguns
grupos, há a transmissão de informações exclusivamente de forma oral, porém tenha em mente
que não se trata de um demérito, e sim um traço cultural específico.
Quando falamos, portanto, de identidade sob o viés linguístico, nos referimos às relações de
identificação de um indivíduo com o idioma, dialeto, sotaque e trejeitos próprios utilizados pela
coletividade da qual ele participa. Existe, também aqui, uma conscientização das particulari-
dades linguísticas do próprio grupo quando do contato com o outro. Através do contraste com
outras maneiras de se expressar é que se dá o reconhecimento da individualidade e de sua influ-
ência pelo social na qual ela foi formada.
Imagine, como exemplo, três colegas de trabalho de regiões distintas do País que decidem to-
mar o café da manhã juntos na empresa. Um diz que prefere comer pão d’água com presunto e
queijo, enquanto o outro afirma que o bom é pão de trigo com presunto e queijo, ao passo que
o terceiro se levante e declara: “Não sei do que vocês estão falando. O que eu como todas as
manhãs é pão francês com presunto e queijo!”.
Como bem coloca Brandão (1986): “Quando é que o Suruí se descobre ‘um índio’ e quando é
que na consciência do mestiço do índio tukuna com o branco cearense surge a ideia de se ser
um ‘caboclo’?”. Como ocorre a descoberta de um indivíduo sobre individualidade e de seu per-
tencimento a um grupo? Trata-se de um processo de comparações e realizações.
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Antropologia e cultura
Estamos, pois, diante do suposto de que a identidade social, ou de uma de suas variantes,
a identidade étnica, não são coisas dadas. Não são algo peculiar a um grupo social porque
ele é naturalmente assim. Ao contrário, são construções, são realizações coletivas motivadas,
impostas por alguma, ou algumas razões externas ou internas ao grupo, mas sempre e
inequivocamente realizadas como um trabalho simbólico dele, em sua cultura e com a sua
cultura. Como processo (identificação) e produto (identidade) de um trabalho cultural de
grupos sociais, que resulta na adscrição de significados de diferenciação social, étnica, etc.,
identidades podem ser geradas, preservadas, extintas, transformadas, dependendo não tanto
de uma voluntária vontade simbólica do grupo, mas das atribulações pelas quais passa na
realização cotidiana de sua própria história. (BRANDÃO, 1986)
Um exemplo interessante através do qual podemos pensar essas construções coletivas motivadas
é dado por Laraia (2007) quando ele relata que entre os índios Tupi o homem é o protagonista
do parto; é ele que repousa e faz resguardo.
Como vimos, é através da comparação com o outro que se constrói o reconhecimento de nossa
própria individualidade ou a sensação de pertencimento a um grupo. A consciência do “per-
tencimento” a uma coletividade específica dá-se, portanto, em dois níveis: a) pela identificação
com um conjunto de pessoas culturalmente similares; e b) através do reconhecimento do que é
diferente, distinto e antagônico.
De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito
chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um
referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo,
sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um
receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam,
estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (DA MATTA, 1981, p. 2).
Temos, portanto, que a construção da identidade cultural está necessariamente ligada à con-
cepção que um indivíduo adquire de sua atuação nas atividades/manifestações particulares da
coletividade em que está inserido. A cultura, em si, é gerada através da construção desse diálogo
do indivíduo com a sociedade e da maneira como um altera o outro.
Vimos que a construção de ambas decorre das relações recíprocas entre indivíduo e a esfera
social da qual ele participa, mas também através do contato com o que é diferente, com o que
está fora do círculo comum. Como vivemos em uma economia capitalista pautada pela produ-
ção e comercialização de bens e serviços, podemos definir o mercado do trabalho como um dos
ambiente em que o ser humano convive e atua diariamente.
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Antropologia e cultura
Nessa convivência diária, o colaborador de uma empresa tem um contato muito próximo com
representantes de regiões, grupos étnicos, religiões e culturas diversas. Através da alteridade, ou
seja, da relação com outros modos de enxergar o mundo, ele começa a se perceber como parte
daquele grupo heterogêneo (o dos colaboradores dessa empresa específica), mas também como
representante de outras coletividades, como da cidade em que nasceu (às vezes, do estado ou
até mesmo do país), da relações em que participa, dos valores que lhe foram ensinados etc.
Um ambiente de trabalho que estimula o respeito entre seus colaboradores e o convívio saudável
entre as diferentes maneiras de ser e agir proporcionará a essas pessoas espaço para expressa-
rem sua criatividade e desenvolverem seu potencial profissional. Indivíduos que respeitam dife-
renças e as valorizam são mais propensos a inovar, a criar algo novo, a “pensar fora da caixa” e
a agregar conhecimentos múltiplos para a empresa.
O que precisamos compreender é que o Brasil nasceu de um intercâmbio cultural já bastante in-
tenso (entre europeus, indígenas e, mais tarde, africanos), e esse fator influenciou enormemente
na composição de nossa identidade como nação, séculos depois. É por isso que Holanda afirma
que o encontro entre dois modos de enxergar o mundo (e eventualmente a subjugação do in-
dígena nativo e do negro africano pelo europeu colonizador) é um fato rico em consequências.
Pense em todos os desdobramentos que o choque do reconhecimento mútuo, das trocas culturais
e do trágico enfrentamento entre realidades tão distintas trouxe para a nossa cultura. Até hoje,
precisamos fazer um esforço para compreender as inúmeras diferenças regionais e culturais ex-
pressas através da fala, das heranças étnicas, da predileção do futebol como “esporte nacional”,
do modo de se vestir, das expressões artísticas, das celebrações e festividades, da religiosidade,
das relações com a natureza, com o trabalho e com a família.
A língua portuguesa foi considerada como um dos elementos que nos unificava, apesar da
existência de numerosos regionalismos. Segundo Holanda, pode-se detectar um exemplo desse
nosso modo de ser no campo da linguística através do emprego exagerado dos diminutivos.
“A terminação ‘inho’ [...] serve para nos familiarizar mais com as pessoas e os objetos [...] É a
maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração” (HO-
LANDA, 1995, p. 148).
Para Sérgio Buarque de Holanda, essa complacência culmina no conceito de homem cordial,
particularidade da sociedade brasileira, cuja propensão ao informal, ao familiar e ao humani-
zado destaca-se quando comparado a outras culturas, como a japonesa, por exemplo. Holanda
aponta a problemática característica dessa situação no âmbito da língua, da religião (como
vimos acima) e também do ambiente de trabalho.
Figura 5 – Um dos particularismos linguísticos dos brasileiros, na visão de Sérgio Buarque de Holanda, é o uso
do diminutivo ‘inho’.
Fonte: Shutterstock, 2015.
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Antropologia e cultura
No que tange às conquistas trabalhistas que figuram como marcos na construção de nossa
identidade, podemos citar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930,
a estipulação de um salário-mínimo em 1940 e, em 1943, a sistematização da legislação traba-
lhista através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A CLT passaria então a dispor sobre
três questões: a Justiça do Trabalho, os sindicatos e os direitos do trabalhador.
Nosso velho catolicismo, tão característico que permite tratar os santos com uma intimidade
quase desrespeitosa [...] A popularidade , entre nós, de uma santa Teresa de Lisieux – santa
Teresinha – resulta muito do carácter intimista que pode adquirir seu culto, culto amável e
quase fraterno [...] Os que assistiram às festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo,
conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo. (HOLANDA, 1995,
p. 149).
Algumas figuras públicas, como o escritor Monteiro Lobato e os presidentes Getúlio Vargas e
JK, também contribuíram para a construção e o fortalecimento de um nacionalismo brasileiro,
promovendo a identificação no contraste com o outro, com o não brasileiro.
Entenda, porém, que o nacionalismo tal qual Vargas o defendia, era baseado em uma ideologia
conservadora e tradicionalista (especialmente no que tange à ligação do Estado com a Igreja),
Além disso, apoiava-se em uma ideia de hierarquia social (ou seja, dividia a sociedade em
camadas superiores e inferiores), indo de encontro a quaisquer movimentos que pregassem a
igualdade entre os indivíduos.
CASO
Um exemplo bem claro de movimento que ajudou a criar uma consciência do ser brasileiro, em
oposição ao resto do mundo, foi a campanha “O Petróleo é Nosso!”, que mobilizou várias esfe-
ras da população em 1946 e ainda repercute nos dias de hoje. A campanha defendia a sobera-
nia nacional sobre o petróleo encontrado em nosso território e seus benefícios para a economia.
Em 1953, o então presidente Getúlio Vargas assinou a Lei no 2004, criando a Petrobrás e defi-
nindo as diretrizes da exploração do recurso natural e do desenvolvimento da indústria petrolífera
nacional. Em seu discurso, Getúlio aponta que “[...] constituída com capital, técnica e trabalho
exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econô-
mico [...]” (VARGAS, 1963). Saiba mais em: <http://blog.planalto.gov.br/o-petroleo-no-brasil/>.
Movimento análogo a essa campanha foi a discussão sobre os royalties (ou seja, dos direitos de
propriedade) do petróleo e gás-natural extraídos da camada pré-sal, situada no litoral brasileiro.
A reserva foi descoberta em 2006/2007 e está na pauta de discussão atual sobre a Petrobrás e
sua contribuição para a economia brasileira.
A identidade cultural brasileira, portanto, foi construída a partir de símbolos que nos mostram
como uma unidade fragmentada, uma totalidade de etnias, culturas, crenças e modos bastante
distintos de viver. A luta pela aceitação e pelo respeito da pluralidade cultural que há em nosso
território é a luta pelo reconhecimento de nossa miscigenação, de nossa ampla e diversa iden-
tidade cultural.
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Antropologia e cultura
Quando dizemos que tal espaço, obra de arte ou monumento foi considerado como patrimônio
cultural, é relativamente fácil imaginar o porquê, não é verdade? Afinal, tratam-se de criações de
indivíduos que merecem ser cultuados por sua contribuição artística e filosófica e também pelo
que representam. Mas o que exatamente essas obras representam?
Bem, podemos dizer que elas representam as nuances culturais de um povo. Aqui no Brasil, tais
representações são formalmente reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional
(IPHAN) conforme as seguintes categorias: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico;
belas artes; e das artes aplicadas. O tombamento desses bens materiais é o instrumento mais efe-
tivo de proteção, tendo sido criado em 1937 e aplicado desde então. A lista completa dos bens
tombados (são mais de mil em todo o território nacional) está disponível no site da instituição,
mas podemos citar como exemplo a Capela da Ajuda em Salvador e o conjunto arquitetônico da
Pampulha, em Belo Horizonte.
Figura 7 – Amazônia, festival Bumba Meu Boi, considerado patrimônio cultural imaterial brasileiro.
Fonte: Shutterstock, 2015.
Já o patrimônio imaterial trata-se de algo mais abstrato, pois, como expressão artística, é in-
tangível e só se materializa quando as pessoas estão a executando, propagando sua tradição e
divulgando sua prática e filosofia. Saiba que o registro desses bens dá-se, também, em quatro
categorias: Livro de Registro dos Saberes; das Celebrações; das Formas de Expressão; e dos
Lugares. No Livro de Registro dos Saberes, por exemplo, está o Ofício das Baianas de Acarajé,
enquanto que no das Formas de Expressão estão o Jongo e a Capoeira.
Tal qual o patrimônio material, o imaterial é valorizado e protegido pelo Decreto no 3.551, de
agosto de 2000, e pela criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI), em 2004.
Imagine o seguinte exemplo: Carnaval. Da Matta (1997) defende que esta é uma de nossas
características mais marcantes de nosso patrimônio cultural imaterial, uma das marcas individu-
alizadoras de nossa sociedade. Analisando-o como ritual, o autor aponta que:
O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir [...]
nossa própria continuidade como grupo. Tal como ocorre com um jogo da seleção brasileira,
em que vemos, sentimos, gritamos e falamos com o Brasil no imenso ardil reificador que é o
jogo de futebol. (DAMATTA, 1997, p. 30).
Como vimos a relação entre memória e identidade através deste trecho retirado do site da
Unesco, temos a ligação de patrimônio imaterial com o conceito de memória social. Podemos
entender memória social como o armazenamento coletivo de informações pertinentes à cultura
e história de um grupo específico, geralmente passada de geração em geração de forma oral
(ou seja, não escrita). Trata-se, de certa forma, de um tipo de patrimônio que se busca preservar.
Figura 8 – O homem desempenha papel ativo na preservação e divulgação do patrimônio imaterial de um grupo.
Fonte: Shutterstock, 2015.
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No âmbito social, o indivíduo desempenha o papel de propagador, isto é, de passar adiante esse
conhecimento: ele é, portanto, um agente ativo na sua preservação e sobrevivência. A memória
individual é frágil e subjetiva; a memória social, entretanto, funciona como um repositório de
ideias sobre determinada sociedade e seus costumes.
Pense em como a cultura organizacional de uma empresa é perpetuada entre seus membros e
dá legitimidade ao grupo de colaboradores que fazem parte dela, bem como às funções que
desempenham. Cada organização tem um modo muito próprio de operar e valorizar aqueles que
contribuem para sua evolução, tanto que quando um novo membro entra ele é logo inserido nes-
se contexto; contam-lhe sobre a estrutura de cargos, sobre episódios passados, sobre sucessos e
derrotas e também sobre lições aprendidas.
Lembre-se também dos ditados, histórias que seus avós contavam. Das rimas e canções de
autoria anônima que você aprendeu na escola, das lendas, dos mitos e das personagens fol-
clóricos que habitaram sua imaginação quando você era criança. Esse conhecimento informal
(em oposição ao conhecimento formal adquirido na escola) faz parte também de seu processo
de identificação com o passado comum que você teve com os outros integrantes de seu grupo.
Podemos concluir, portanto, que a memória compartilhada por indivíduos, seja em um grupo ét-
nico, seja em uma organização, liga-se ao conceito de identidade social discutido no início deste
capítulo. A consciência de ter um passado em comum aproxima, juntamente com a comunhão
nos modos de agir e pensar, um indivíduo à esfera social da qual ele participa.
• definir como identidade está ligada à conscientização do contraste com o outro, ou seja,
com o que é diferente, e como isso afeta nosso modo de enxergar o mundo e nosso
comportamento;
• compreender que a identidade social define-se pelo reconhecimento e pelas relações que
mantemos com a coletividade da qual somos parte;
• compreender que a realidade cultural é o próprio social, porém visto sob o viés das
expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições de determinado grupo;
• perceber que a partir da independência política do Brasil, em 1822, houve uma constante
busca pela identificação de uma unidade que desse coesão a uma sociedade tão plural
quanto o povo que habitava seu território;
21
Referências Bibliográficas
BRANDÃO, C. R. O outro: este ser difícil. In: Identidade e Etnia: construção da pessoa e
resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.
_______. Decreto-Lei N.º 5.452, de 1º de Maio de 1943. Disponível em: < http://www.planalto.
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