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Daisy Libório e

Ana Paula Henrique Salvan


Antropologia e cultura
Sumário
CAPÍTULO 3 - Identidades sociais e o mercado de trabalho.................................................05

Introdução.....................................................................................................................05

3.1 Identidades sociais e culturais.....................................................................................05

3.1.1 A identidade social...........................................................................................06

3.1.2 A perspectiva cultural e o viés linguístico.............................................................10

3.2 Construção das identidades sociais e culturais................................................................... 11

3.2.1 Como se constroem as identidades sociais e culturais?............................................. 11

3.2.2 O mercado de trabalho......................................................................................... 13

3.3 Identidade cultural brasileira............................................................................................ 14

3.3.1 Os desdobramentos da colonizaçãos.................................................................... 14

3.3.2 A construção de uma identidade nacional............................................................... 15

3.4 Patrimônio cultural, memória social e identidade............................................................ 17

3.4.1 Patrimônio cultural material e imaterial.................................................................. 17

3.4.2 Memória social e identidade................................................................................. 19

Síntese...........................................................................................................................21

Referências Bibliográficas.................................................................................................22

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Capítulo 3 Identidades sociais e o
mercado de trabalho

Introdução
Neste capítulo, trabalharemos com vários e importantes conceitos, tentando relacioná-los para
compreender as particularidades do assunto em território brasileiro. Você já pensou a respeito
do que o diferencia das outras pessoas com as quais convive? E nas semelhanças? Já sentiu-se
“em casa” ao constatar um conhecimento ou detalhe em comum com seus colegas de trabalho?
Saiba que estas questões estão intimamente ligadas aos conceitos que estudaremos ao longo
das próximas páginas.

Primeiramente, investigaremos o conceito de identidade e o que ele denota no âmbito social e


sua ligação com a dimensão cultural. Além disso, veremos como essas questões passaram a ser
objeto de estudo da Antropologia e como a disciplina define tais elementos. Outro ponto abor-
dado será a construção da identidade cultural e social e qual sua relação com o mercado de
trabalho, tendo impacto no cotidiano de milhares de brasileiros.

Buscaremos, em seguida, compreender a formação da identidade cultural brasileira, apresentan-


do os seus temas clássicos e contemporâneos, também com foco nas conquistas trabalhistas do
início do século XX. Será que há algo que nos une como nação? Ou será que devemos reconhe-
cer o caráter fragmentado e plural de nossa cultura?

Você sabe o que é patrimônio cultural material? E patrimônio cultural imaterial? Será que o car-
naval se encaixa em uma dessas duas definições? Ao final deste capítulo, iremos conceituar o
patrimônio cultural e ligá-lo à memória social, para tentarmos compreender como esses elemen-
tos impactam na identidade social. Focaremos nosso estudo também nas relações do mercado
de trabalho globalizado, sempre, é claro, sob a perspectiva da Antropologia.

Tenha um bom estudo!

3.1 Identidades sociais e culturais


Neste tópico, buscaremos definir os conceitos de identidade social e cultural. Será que eles apre-
sentam alguma relação? Será que eles influenciam na identidade do indivíduo, em como uma
pessoa se enxerga perante a coletividade que a cerca? Veremos, a seguir, a resposta para tais
questionamentos.

Ainda nesta seção, estudaremos como a Antropologia passou a discutir tais questões e contextu-
alizaremos seu surgimento. Acompanhe!

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Antropologia e cultura

3.1.1 A identidade social


Para entendermos o significado da expressão “identidade social” e sua relevância para o estudo
antropológico, precisamos primeiramente definir o conceito e sua origem como objeto de estudo.
Entenda que, para a Antropologia, o interesse em discutir o conceito e transformá-lo em uma
problemática, através da qual se pudesse questionar as influências entre o indivíduo e a socieda-
de com a qual ele convive, surgiu na segunda metade do século XX.

Embora cientistas sociais como Marcel Mauss tenham lançado questionamentos a respeito da
ideia de “pessoa” no início do século XX, a discussão acerca da identidade foi impulsionada
pelos numerosos movimentos migratórios que ocorreram após a Segunda Guerra Mundial, espe-
cialmente em direção à Europa e aos Estados Unidos. A razão para tal foi o crescente atrito entre
os grupos que procuravam refúgio nos países economicamente desenvolvidos e a população
nativa desses países, na maioria das vezes influenciada pelo nacionalismo, ideologia segundo
a qual “[...] fronteiras culturais deveriam coincidir com fronteiras políticas” (ERIKSEN, 2001, p.
275). Tenha em mente que, por fronteiras políticas, Eriksen se refere às delimitações territoriais
que dividem os Estados; sua colocação, portanto, denota que os defensores do nacionalismo
acreditam que cada cultura deve permanecer dentro de seu território de origem.

NÓS QUEREMOS SABER!


O que é a ideologia? O nacionalismo é um movimento político? Ideologia, nas pala-
vras de Marilena Chauí (2008, p. 8), corresponde a um “[...] ocultamento da realidade
social”, ou seja, são ideias e representações produzidas pelos homens para explicar
sua realidade individual e social, mas que tendem a esconder deles como suas relações
sociais foram produzidas e “[...] a origem das formas sociais de exploração econômica
e de dominação política”.

Já o nacionalismo corresponde a uma ideologia que, segundo Eriksen (2001), está pre-
sente em todos os lugares do mundo. Pela perspectiva antropológica, o nacionalismo
defende que cada Estado deve conter um povo do mesmo tipo, sendo, portanto, contra
movimentos migratórios e a miscigenação cultural que eles possibilitam. Entenda que
o nacionalismo como ideologia surgiu com a Revolução Francesa, entre o final do
século XVIII e o início do XIX, e que o termo não se confunde com a ideia de “nação”.
Nação diz respeito a um conjunto de indivíduos unidos por características em comum,
como o território, a língua, a história etc. Pense aqui no Estado da Palestina, na faixa
de Gaza, que é uma nação com uma cultura que a distingue, um povo unido por uma
língua comum, mas que luta pela demarcação e manutenção de suas fronteiras com o
Estado de Israel.

Neste cenário, o fator “identidade” foi tomado como objeto de estudo pelos antropólogos. Pode-
mos entender o conceito como a combinação única de características que distingue um indivíduo
ou um grupo, que o diferencia perante o outro. Mas quem seria o outro? Segundo Brandão
(1986):

[...] o diferente é o outro, e o reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade [...]


O outro sugere ser decifrado, para que os lados mais difíceis de meu eu, do meu mundo, de
minha cultura sejam traduzidos também através dele, de seu mundo e de sua cultura. Através
do que há de meu nele, quando, então, o outro reflete a minha imagem espelhada e é às vezes
ali onde eu melhor me vejo.

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As palavras de Brandão trazem um entendimento bastante relevante sobre identidade: a de que
o contraste com diferentes modos de existir é o que molda a construção e o reconhecimento
do eu. É na confrontação com o outro, ou seja, com o não eu, que podemos entender nossa
individualidade, nossas crenças, nosso comportamento, nossa maneira de enxergar o mundo e
interpretá-lo.

Figura 1 – Para Brandão, é através do contraste com o outro que conseguimos enxergar nossa individualidade.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Pense da seguinte forma: não são apenas os dígitos de seu RG e o código genético que o tornam
uma pessoa diferente de qualquer outra que você já tenha conhecido, certo? A partir do momen-
to em que você reconhece o conjunto de características e significados que o definem em relação
aos outros, você está conscientemente assumindo e exercendo sua identidade.

Se, portanto, o contraste nos possibilita um entendimento profundo acerca do que somos e do
que gostamos, será que a semelhança também tem esse poder? A resposta é sim. Nossa iden-
tidade também é moldada pelo reconhecimento do que temos em comum com nossos amigos,
familiares ou colegas de trabalho. Observando as pessoas que dividem o espaço de trabalho
conosco, por exemplo, podemos detectar o que coincide na maneira de lidar com as demandas
cotidianas. Tendo dito isto, já podemos começar a trabalhar o conceito de “identidade social”!

VOCÊ O CONHECE?
? Marcel Mauss foi um cientista social francês que, em sua obra, aproximou a Socio-
logia da Antropologia e influenciou muito pensadores que o sucederam e contribuíram
para ambas as disciplinas, entre eles Claude Lévi-Strauss. Entre outros tópicos, sua
principal teoria dizia respeito à reciprocidade entre indivíduos e grupos na prática da
troca de presentes. Sua obra mais famosa foi publicada no Brasil sob o título de Ensaio
sobre a dádiva (2003).

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Antropologia e cultura

NÃO DEIXE DE LER...


No Ensaio sobre a dádiva (2003), Marcel Mauss defende que na prática da troca de
presentes, há, de fato, um laço de obrigação social entre quem dá e quem recebe a
oferenda. Mauss analisa diversas sociedades em que a reciprocidade parece livre, mas
é, na verdade, obrigatória; caso o receptor não honre seu “débito”, ou seja, retribua o
presente com outro de igual magnitude, corre o risco de perder credibilidade e status
social. Este, portanto, é o conceito de dádiva, ou seja, a obrigação de dar, receber e
retribuir. Imagine aqui uma cena clássica: a empresa para qual você trabalha conce-
deu-lhe alguns dias de folga para que você pudesse visitar um parente que estava pas-
sando por dificuldades, porém, no mês seguinte, quando a demanda aumentou, foi-lhe
requisitado que fizesse horas extras. Você respondeu simplesmente que “não”. Como
você se sentiria? Qual seria o desenrolar dessa situação? É nesse sentido que Mauss
defende a reciprocidade como algo obrigatório nas relações sociais.

Vamos aqui definir “identidade social” como a estrutura formada pelas relações recíprocas en-
tre pessoas unidas por algum interesse ou característica comum. Feche os olhos e visualize os
seguintes exemplos: habitantes de uma mesma cidade ou bairro, torcedores de um mesmo time,
colaboradores em uma empresa, praticantes de uma religião ou seguidores de alguma filosofia
específica. Saiba que os modos como são vivenciadas determinadas identidades, tal como algu-
mas identidades religiosas, também pode levar à exclusão e até à violência física.

Berger e Luckmann explicam que a formação e conservação das identidades são condicionadas
por processos sociais determinados pelas estruturas sociais. Desse modo, a identidade social
não diz respeito apenas aos indivíduos. Todo grupo apresenta um a identidade que está em
conformidade a sua definição social que o situa no conjunto social. Assim, a identidade social
é ao mesmo tempo inclusão – pois só fazem parte do grupo aqueles que são idênticos sob certo
ponto de vista – e exclusão – visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros.
(BERLATTO, 2009, p. 142).

Esses indivíduos compartilham diversos valores e significados, que não necessariamente fazem
sentido para uma pessoa que esteja fora daquele contexto, certo?

A evidência de que a pessoa de cada um de nós é uma lenta construção da sociedade sobre
os seus membros, através de um trabalho de ensino-aprendizagem de formas de sentimento,
pensamento e ação, é o que permitiu a um dos cientistas sociais que pensou mais profunda e
criativamente sobre a questão, concluir que o sujeito transformado em pessoa é, ele mesmo,
uma expressão individualizada da estrutura de símbolos do mundo social onde vive. (BRANDÃO,
1986).

Através das palavras de Brandão (1986), podemos depreender que o indivíduo aprende as for-
mas de pensar, sentir e agir da coletividade na qual está inserido. Esse processo de aprendizagem
é continuado (e dura, de fato, toda a sua vida) e seu resultado é uma versão individualizada da
esfera social, ou seja, uma pessoa que representa os padrões de comportamentos aceitos pelo
grupo.

A internalização de determinadas informações e modos de agir, aceitos e legitimados pelo gru-


po, dá origem a uma identidade socialmente partilhada pelos membros. Em outras palavras,
podemos dizer que há uma confraternização de ideias, de modos de sentir e pensar que une os
indivíduos, dando-lhes a sensação de pertencimento a uma coletividade.

Como parte de um grupo, portanto, o indivíduo age de acordo com um código aprendido/esta-
belecido. Mas, como é próprio do ser humano estar em um constante estado de aprendizagem,
há também a reciclagem de ideias, a reinterpretação de fatos e mudanças de atitude.

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Figura 2 – Nossa identidade é a combinação única de características que distingue um indivíduo ou um grupo.
Fonte: Shutterstock, 2015.

As identidades sociais, portanto, são dinâmicas e podem mudar ao longo da vida. Elas se cons-
troem e reconstroem, conforme o processo de significação de cada um e as mudanças do próprio
grupo. A fluidez dessas transformações vai depender muito do contexto sociocultural em que o
indivíduo está inserido e de suas relações com o meio.

É importante dizer que as pessoas não possuem uma identidade social homogênea. Como o
comportamento humano é bastante complexo, nem sempre as identidades são compreensíveis
em um primeiro momento, podendo até mesmo serem contraditórias. Como exemplo, podemos
citar uma pessoa heterossexual que é bastante conservadora, mas acredita que a adoção de
crianças por casais homoafetivos é legítima.

Segundo Stuart Hall (2003, p. 12-13), “[...] a identidade torna-se uma celebração móvel: for-
mada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.”. O exemplo anterior encaixa-se nessa
definição apontada por Hall, pois retrata um indivíduo cujo modo de pensar é conservador, mas
que a despeito disso age num sentido mais tolerante.

NÓS QUEREMOS SABER!


Você sabe qual é a relação entre o social e o cultural? A identidade social é construída
e reconstruída ao longo da vida de um indivíduo, pelo seu contato com a coletividade
a qual pertence ou interage. Já a identidade cultural ocorre dentro da esfera social,
mas diz respeito particularmente às expressões artísticas, religiosas e simbólicas etc. de
determinado grupo.

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Antropologia e cultura

3.1.2 A perspectiva cultural e o viés linguístico


Para abordarmos a identidade sob a perspectiva cultural, devemos lembrar que cultura remete
a conhecimentos, crenças, expressões artísticas e filosóficas, costumes e leis perpetuadas pelo
homem dentro de uma sociedade. Como bem coloca Manuela Carneiro da Cunha “[...] a cul-
tura não é algo dado, posto, algo dilapidável também, mas algo constantemente reinventado,
recomposto, investido de novos significados e é preciso perceber [...] a dinâmica, a produção
cultural” (CUNHA, 1986, p. 101).

François Laplantine (2003) coloca que a cultura é o próprio social, porém visto sob o viés das
expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições. Pense da seguinte forma: quando
analisamos uma sociedade, podemos interpretá-la sob a perspectiva cultural, ou seja, enxergá-la
a partir das manifestações artísticas de seus membros, de seus rituais religiosos etc. Aqui, temos
a noção de identidade cultural, ou seja, da participação ou identificação de um indivíduo com
essas manifestações.

Um exemplo de manifestação cultural no Brasil é a dança folclórica do Bumba Meu Boi, que
ocorre em alguns estados brasileiros da região Norte e Nordeste, como Amazonas, Pará Alagoas
e Maranhão. O tema da apresentação gira em torno da morte e ressureição de um boi e engloba
questões sociais e históricas.

Figura 3 – A identidade cultural refere-se à identificação de um indivíduo com as manifestações culturais da


coletividade em que está inserido.
Fonte: Shutterstock, 2015.

A ideia de identidade cultual também está intimamente ligada à dimensão individual e, conforme
discutimos no primeiro item, a consciência delas vai se moldando através do contraste com o
outro, seja ele um único indivíduo ou um grupo.

Podemos aqui constatar, portanto, que as diferenças no modo de existir são padrões aprendidos
e específicos de cada grupo, mas que essa dinâmica está muito ligada à consciência que o in-
divíduo tem de si mesmo e de sua relação com o coletivo. Enquanto a identidade social dá-se
através dessa interação social, a identidade cultural está relacionada à identificação de um indi-
víduo com as manifestações culturais da coletividade em que está inserido.

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NÃO DEIXE DE VER...
O filme Sans Soleil (Sem Sol), do diretor francês Chris Marker. O longa metragem é
narrado a partir da carta de um viajante que questiona como os conceitos de identida-
de e memória são vivenciados pelos habitantes de distintas regiões do globo, dentre os
quais Japão, Guiné-Bissau e Islândia. Na narrativa, o autor da carta questiona traços
específicos de cada cultura e problematiza o papel da memória na reconstituição da
história de um povo. Confira mais a respeito desse clássico em: <http://www.contra-
campo.com.br/86/dvdlajetee.htm>.

Em relação à perspectiva linguística, podemos dizer que se trata de outra dimensão social. Já
explicamos: a língua falada e escrita é uma forma de um indivíduo comunicar-se com os outros,
certo? Há, portanto, uma função social na fala e na escrita, isto é, elas desempenham um papel
indispensável na unificação de um grupo e em seus modos de expressão cultural. Em alguns
grupos, há a transmissão de informações exclusivamente de forma oral, porém tenha em mente
que não se trata de um demérito, e sim um traço cultural específico.

Quando falamos, portanto, de identidade sob o viés linguístico, nos referimos às relações de
identificação de um indivíduo com o idioma, dialeto, sotaque e trejeitos próprios utilizados pela
coletividade da qual ele participa. Existe, também aqui, uma conscientização das particulari-
dades linguísticas do próprio grupo quando do contato com o outro. Através do contraste com
outras maneiras de se expressar é que se dá o reconhecimento da individualidade e de sua influ-
ência pelo social na qual ela foi formada.

Imagine, como exemplo, três colegas de trabalho de regiões distintas do País que decidem to-
mar o café da manhã juntos na empresa. Um diz que prefere comer pão d’água com presunto e
queijo, enquanto o outro afirma que o bom é pão de trigo com presunto e queijo, ao passo que
o terceiro se levante e declara: “Não sei do que vocês estão falando. O que eu como todas as
manhãs é pão francês com presunto e queijo!”.

3.2 Construção das identidades sociais e


culturais
Agora que já discutimos os conceitos de identidade social cultural, sua influência na vida do
indivíduo e como a disciplina da Antropologia tomou tais elementos como objeto de estudo, va-
mos concentrar nossos esforços em compreender como são construídas essas identidades. Neste
tópico, portanto, veremos o processo de construção da identidade social e cultural durante a
vida de uma pessoa, bem como sua ligação com o conceito de etnia e seu impacto no mercado
de trabalho.

3.2.1 Como se constroem as identidades sociais e culturais?


O alinhamento entre características concretas (como ser da mesma região e falar a mesma lín-
gua) e padrões abstratos de comportamento aprendidos ao longo de uma vida (como escovar os
dentes, fazer a barba e dizer “saúde” quando alguém espirra), constitui, como vimos, uma identi-
dade social. Ter consciência desse alinhamento, portanto, é ter consciência da identidade social.

Como bem coloca Brandão (1986): “Quando é que o Suruí se descobre ‘um índio’ e quando é
que na consciência do mestiço do índio tukuna com o branco cearense surge a ideia de se ser
um ‘caboclo’?”. Como ocorre a descoberta de um indivíduo sobre individualidade e de seu per-
tencimento a um grupo? Trata-se de um processo de comparações e realizações.

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Estamos, pois, diante do suposto de que a identidade social, ou de uma de suas variantes,
a identidade étnica, não são coisas dadas. Não são algo peculiar a um grupo social porque
ele é naturalmente assim. Ao contrário, são construções, são realizações coletivas motivadas,
impostas por alguma, ou algumas razões externas ou internas ao grupo, mas sempre e
inequivocamente realizadas como um trabalho simbólico dele, em sua cultura e com a sua
cultura. Como processo (identificação) e produto (identidade) de um trabalho cultural de
grupos sociais, que resulta na adscrição de significados de diferenciação social, étnica, etc.,
identidades podem ser geradas, preservadas, extintas, transformadas, dependendo não tanto
de uma voluntária vontade simbólica do grupo, mas das atribulações pelas quais passa na
realização cotidiana de sua própria história. (BRANDÃO, 1986)

Um exemplo interessante através do qual podemos pensar essas construções coletivas motivadas
é dado por Laraia (2007) quando ele relata que entre os índios Tupi o homem é o protagonista
do parto; é ele que repousa e faz resguardo.

Como vimos, é através da comparação com o outro que se constrói o reconhecimento de nossa
própria individualidade ou a sensação de pertencimento a um grupo. A consciência do “per-
tencimento” a uma coletividade específica dá-se, portanto, em dois níveis: a) pela identificação
com um conjunto de pessoas culturalmente similares; e b) através do reconhecimento do que é
diferente, distinto e antagônico.

Já a identidade cultural manifesta-se em elementos como a apropriação da língua e de sua uti-


lização com significados específicos dentro de um grupo, a memorização de ditados populares,
a disseminação da cultura popular e na participação em determinados rituais (por exemplo,
casar-se ou vestir roupas brancas determinado dia da semana). Podemos constatar a identidade
cultural também no uso de certos símbolos e representações exclusivas (como desenhar um co-
ração para representar o amor ou o ato de gostar).

De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito
chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um
referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo,
sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um
receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam,
estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (DA MATTA, 1981, p. 2).

Temos, portanto, que a construção da identidade cultural está necessariamente ligada à con-
cepção que um indivíduo adquire de sua atuação nas atividades/manifestações particulares da
coletividade em que está inserido. A cultura, em si, é gerada através da construção desse diálogo
do indivíduo com a sociedade e da maneira como um altera o outro.

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Figura 4 – Identidade cultural: pessoas reunidas em torno de um mesmo interesse, compartilhando símbolos e
uma linguagem específica.
Fonte: Shutterstock, 2015.

3.2.2 O mercado de trabalho


Sabemos que o mercado de trabalho contemporâneo é culturalmente diversificado, certo? Es-
pecialmente se tivermos em mente a globalização como fenômeno mundial e facilitador de in-
tercâmbios. Precisamos pensar, portanto, em como a construção da identidade social e cultural
afeta esse ambiente e as relações que nele se constroem.

Vimos que a construção de ambas decorre das relações recíprocas entre indivíduo e a esfera
social da qual ele participa, mas também através do contato com o que é diferente, com o que
está fora do círculo comum. Como vivemos em uma economia capitalista pautada pela produ-
ção e comercialização de bens e serviços, podemos definir o mercado do trabalho como um dos
ambiente em que o ser humano convive e atua diariamente.

NÃO DEIXE DE LER...


A Invenção do Cotidiano, de Michel de Certeau (2008). Na obra, o autor investiga e
discute como as pessoas se apropriam de elementos como símbolos, idiomas, produ-
ções artísticas e os transformam, atribuindo-lhes novos significados e usos. De Certeau
(1998, p. 41) chama essa dinâmica de “[...] as maneira de fazer, que constituem as mil
práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da
produção sociocultural.” O texto é bastante relevante para quem busca compreender
o homem contemporâneo e seu comportamento perante a sociedade ocidental e sua
economia capitalista. Um exemplo bastante pertinente citado no livro é a função não
passiva do leitor, que não toma o lugar do autor, mas inventa significados para o texto
que fogem à intenção original de seu criador (1998, p. 264-265).

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Antropologia e cultura

Nessa convivência diária, o colaborador de uma empresa tem um contato muito próximo com
representantes de regiões, grupos étnicos, religiões e culturas diversas. Através da alteridade, ou
seja, da relação com outros modos de enxergar o mundo, ele começa a se perceber como parte
daquele grupo heterogêneo (o dos colaboradores dessa empresa específica), mas também como
representante de outras coletividades, como da cidade em que nasceu (às vezes, do estado ou
até mesmo do país), da relações em que participa, dos valores que lhe foram ensinados etc.

Um ambiente de trabalho que estimula o respeito entre seus colaboradores e o convívio saudável
entre as diferentes maneiras de ser e agir proporcionará a essas pessoas espaço para expressa-
rem sua criatividade e desenvolverem seu potencial profissional. Indivíduos que respeitam dife-
renças e as valorizam são mais propensos a inovar, a criar algo novo, a “pensar fora da caixa” e
a agregar conhecimentos múltiplos para a empresa.

3.3 Identidade cultural brasileira


Neste tópico, discutiremos a formação da sociedade brasileira através das influências de diversos
grupos étnicos, bem como a complexidade do resultado desse intercâmbio de culturas. Além dis-
so, veremos também como essa dinâmica se reflete na identificação de uma identidade cultural
própria de nossa nação.

3.3.1 Os desdobramentos da colonização


Muitos pesquisadores e cientistas sociais tentaram desvendar e descrever o “caráter nacional” ou
a identidade brasileira; tarefa reconhecidamente difícil, tendo em vista e extensão do território e
a diversidade de grupos étnicos que o ocupam. Um desses entusiastas foi o historiador Sérgio Bu-
arque de Holanda, que discute em sua obra Raízes do Brasil a formação da sociedade brasileira
a partir da dinâmica da colonização portuguesa e de sua influência no perfil nacional.

No segundo capítulo do livro, intitulado Fronteiras da Europa, o autor defende:

A tentativa de implantação da cultural europeia em extenso território, dotado de condições natu-


rais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade
brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas
formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em
ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.
(HOLANDA, 1995, p. 31).

O que precisamos compreender é que o Brasil nasceu de um intercâmbio cultural já bastante in-
tenso (entre europeus, indígenas e, mais tarde, africanos), e esse fator influenciou enormemente
na composição de nossa identidade como nação, séculos depois. É por isso que Holanda afirma
que o encontro entre dois modos de enxergar o mundo (e eventualmente a subjugação do in-
dígena nativo e do negro africano pelo europeu colonizador) é um fato rico em consequências.

Pense em todos os desdobramentos que o choque do reconhecimento mútuo, das trocas culturais
e do trágico enfrentamento entre realidades tão distintas trouxe para a nossa cultura. Até hoje,
precisamos fazer um esforço para compreender as inúmeras diferenças regionais e culturais ex-
pressas através da fala, das heranças étnicas, da predileção do futebol como “esporte nacional”,
do modo de se vestir, das expressões artísticas, das celebrações e festividades, da religiosidade,
das relações com a natureza, com o trabalho e com a família.

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3.3.2 A construção de uma identidade nacional
A partir da independência política do Brasil, em 1822, houve uma busca pela identificação de
uma identidade única que desse coesão a uma sociedade tão plural quanto o povo que habitava
o território. Muitas pessoas questionaram se, de fato, havia uma unidade cultural através da qual
pudéssemos nos reconhecer como brasileiros.

A língua portuguesa foi considerada como um dos elementos que nos unificava, apesar da
existência de numerosos regionalismos. Segundo Holanda, pode-se detectar um exemplo desse
nosso modo de ser no campo da linguística através do emprego exagerado dos diminutivos.
“A terminação ‘inho’ [...] serve para nos familiarizar mais com as pessoas e os objetos [...] É a
maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração” (HO-
LANDA, 1995, p. 148).

Para Sérgio Buarque de Holanda, essa complacência culmina no conceito de homem cordial,
particularidade da sociedade brasileira, cuja propensão ao informal, ao familiar e ao humani-
zado destaca-se quando comparado a outras culturas, como a japonesa, por exemplo. Holanda
aponta a problemática característica dessa situação no âmbito da língua, da religião (como
vimos acima) e também do ambiente de trabalho.

Figura 5 – Um dos particularismos linguísticos dos brasileiros, na visão de Sérgio Buarque de Holanda, é o uso
do diminutivo ‘inho’.
Fonte: Shutterstock, 2015.

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Antropologia e cultura

Outros exponentes da brasilidade foram as festividades religiosas e os feriados decorrentes de


comemorações cívicas (como o 7 de Setembro, dia da Independência, e o 15 de Novembro, dia
da Proclamação da República), além da consolidação de alguns personagens simbólicos, como
os Bandeirantes. Estes últimos, idealizados como os desbravadores do interior do Brasil, nas pri-
meiras décadas da colonização, quando a terra era selvagem e perigosa.

No que tange às conquistas trabalhistas que figuram como marcos na construção de nossa
identidade, podemos citar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930,
a estipulação de um salário-mínimo em 1940 e, em 1943, a sistematização da legislação traba-
lhista através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A CLT passaria então a dispor sobre
três questões: a Justiça do Trabalho, os sindicatos e os direitos do trabalhador.

A miscigenação e o sincretismo religioso são dois dos desdobramentos que mencionamos


anteriormente. Por miscigenação, denotamos o cruzamento entre grupos étnicos distintos, exem-
plificado pelo questionamento levantado pro Brandão (1986) ao indagar quando o mestiço do
índio tukuna com o branco cearense entende ser um “caboclo”. Já por sincretismo religioso nos
referimos à fusão de crenças e rituais de diferentes origens e sua transformação em algo híbrido,
ou seja, uma religiosidade nova cuja característica é justamente a harmonia de elementos díspa-
res, por vezes até contraditórios.

Nosso velho catolicismo, tão característico que permite tratar os santos com uma intimidade
quase desrespeitosa [...] A popularidade , entre nós, de uma santa Teresa de Lisieux – santa
Teresinha – resulta muito do carácter intimista que pode adquirir seu culto, culto amável e
quase fraterno [...] Os que assistiram às festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo,
conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo. (HOLANDA, 1995,
p. 149).

Algumas figuras públicas, como o escritor Monteiro Lobato e os presidentes Getúlio Vargas e
JK, também contribuíram para a construção e o fortalecimento de um nacionalismo brasileiro,
promovendo a identificação no contraste com o outro, com o não brasileiro.

Entenda, porém, que o nacionalismo tal qual Vargas o defendia, era baseado em uma ideologia
conservadora e tradicionalista (especialmente no que tange à ligação do Estado com a Igreja),
Além disso, apoiava-se em uma ideia de hierarquia social (ou seja, dividia a sociedade em
camadas superiores e inferiores), indo de encontro a quaisquer movimentos que pregassem a
igualdade entre os indivíduos.

Confira, a seguir, um caso que ilustra o movimento do nacionalismo.

CASO
Um exemplo bem claro de movimento que ajudou a criar uma consciência do ser brasileiro, em
oposição ao resto do mundo, foi a campanha “O Petróleo é Nosso!”, que mobilizou várias esfe-
ras da população em 1946 e ainda repercute nos dias de hoje. A campanha defendia a sobera-
nia nacional sobre o petróleo encontrado em nosso território e seus benefícios para a economia.

Em 1953, o então presidente Getúlio Vargas assinou a Lei no 2004, criando a Petrobrás e defi-
nindo as diretrizes da exploração do recurso natural e do desenvolvimento da indústria petrolífera
nacional. Em seu discurso, Getúlio aponta que “[...] constituída com capital, técnica e trabalho
exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econô-
mico [...]” (VARGAS, 1963). Saiba mais em: <http://blog.planalto.gov.br/o-petroleo-no-brasil/>.

Movimento análogo a essa campanha foi a discussão sobre os royalties (ou seja, dos direitos de
propriedade) do petróleo e gás-natural extraídos da camada pré-sal, situada no litoral brasileiro.
A reserva foi descoberta em 2006/2007 e está na pauta de discussão atual sobre a Petrobrás e
sua contribuição para a economia brasileira.

16 Laureate- International Universities


Figura 6 – A pluralidade cultural no Brasil é tão profunda e extensa quanto o povo que habita o território.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Tais iniciativas de ressaltar o nacional, o brasileiro, em oposição ao outro, perpassa também o


ambiente de trabalho. Pare para pensar: é regra em nossa sociedade conceber que, durante os
dias do Carnaval, não há trabalho, ou então no dia do santo padroeiro de determinada locali-
dade declara-se feriado municipal. O esforço de organizar festas, símbolos e personagens que
nos representam como nação está presente em nosso cotidiano, impactando em nosso compor-
tamento dentro e fora de uma empresa.

A identidade cultural brasileira, portanto, foi construída a partir de símbolos que nos mostram
como uma unidade fragmentada, uma totalidade de etnias, culturas, crenças e modos bastante
distintos de viver. A luta pela aceitação e pelo respeito da pluralidade cultural que há em nosso
território é a luta pelo reconhecimento de nossa miscigenação, de nossa ampla e diversa iden-
tidade cultural.

3.4 Patrimônio cultural, memória social e


identidade
Neste tópico, veremos as definições de patrimônio cultural e memória social e como estes termos
se relacionam na realidade de nosso País. Esta última parte do capítulo terá relação com os con-
ceitos já discutidos de identidade e identidade social.

3.4.1 Patrimônio cultural material e imaterial


Podemos definir “patrimônio cultural” como o conjunto de elementos materiais e expressões
culturais legítimas de um povo ou nação. Pense aqui que o Cristo Redentor é considerado pa-
trimônio cultural material, ao passo que o Frevo e a Capoeira são considerados patrimônios
imateriais, ou intangíveis.

17
Antropologia e cultura

Quando dizemos que tal espaço, obra de arte ou monumento foi considerado como patrimônio
cultural, é relativamente fácil imaginar o porquê, não é verdade? Afinal, tratam-se de criações de
indivíduos que merecem ser cultuados por sua contribuição artística e filosófica e também pelo
que representam. Mas o que exatamente essas obras representam?

Bem, podemos dizer que elas representam as nuances culturais de um povo. Aqui no Brasil, tais
representações são formalmente reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional
(IPHAN) conforme as seguintes categorias: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico;
belas artes; e das artes aplicadas. O tombamento desses bens materiais é o instrumento mais efe-
tivo de proteção, tendo sido criado em 1937 e aplicado desde então. A lista completa dos bens
tombados (são mais de mil em todo o território nacional) está disponível no site da instituição,
mas podemos citar como exemplo a Capela da Ajuda em Salvador e o conjunto arquitetônico da
Pampulha, em Belo Horizonte.

Figura 7 – Amazônia, festival Bumba Meu Boi, considerado patrimônio cultural imaterial brasileiro.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Já o patrimônio imaterial trata-se de algo mais abstrato, pois, como expressão artística, é in-
tangível e só se materializa quando as pessoas estão a executando, propagando sua tradição e
divulgando sua prática e filosofia. Saiba que o registro desses bens dá-se, também, em quatro
categorias: Livro de Registro dos Saberes; das Celebrações; das Formas de Expressão; e dos
Lugares. No Livro de Registro dos Saberes, por exemplo, está o Ofício das Baianas de Acarajé,
enquanto que no das Formas de Expressão estão o Jongo e a Capoeira.

Tal qual o patrimônio material, o imaterial é valorizado e protegido pelo Decreto no 3.551, de
agosto de 2000, e pela criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI), em 2004.

Imagine o seguinte exemplo: Carnaval. Da Matta (1997) defende que esta é uma de nossas
características mais marcantes de nosso patrimônio cultural imaterial, uma das marcas individu-
alizadoras de nossa sociedade. Analisando-o como ritual, o autor aponta que:

O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir [...]
nossa própria continuidade como grupo. Tal como ocorre com um jogo da seleção brasileira,
em que vemos, sentimos, gritamos e falamos com o Brasil no imenso ardil reificador que é o
jogo de futebol. (DAMATTA, 1997, p. 30).

18 Laureate- International Universities


Se pensarmos o carnaval em seu caráter abrangente de representar toda a complexidade da
cultural brasileira (e da movimentação econômica que ele promove), perceberemos a relevância
desse patrimônio para nossa identidade cultural. Trata-se de uma tradição cheia de particulari-
dades (a composição das marchinhas, as temáticas das escolas de samba, as fantasias, os des-
files, os trio-elétricos etc.) que é, de fato, um bem imaterial profundamente difundido em nossa
sociedade com o qual uma grande parcela da população se identifica.

NÃO DEIXE DE LER...


Carnavais Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, de Roberto
Da Matta. A obra traz uma reflexão acerca da sociedade e de suas complexidades sob
a perspectiva da Antropologia, utilizando o ritual do Carnaval e das festividades cívicas
para analisar o que o autor chama de “o dilema brasileiro”. Da Matta propõe discutir
a totalidade dessas e outras manifestações nacionais não de uma forma linear (uma
história com começo, meio e fim), mas como um drama repleto de “indecisões, reflexos
e paradoxos” (1997, Introdução).

3.4.2 Memória social e identidade


Pense no seguinte parágrafo extraído do site da Unesco:

Para muitas pessoas, especialmente as minorias étnicas e os povos indígenas, o patrimônio


imaterial é uma fonte de identidade e carrega a sua própria história. A filosofia, os valores
e formas de pensar refletidos nas línguas, tradições orais e diversas manifestações culturais
constituem o fundamento da vida comunitária. Num mundo de crescentes interações globais,
a revitalização de culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência da diversidade
de culturas dentro de cada comunidade, contribuindo para o alcance de um mundo plural.
(UNESCO).

Como vimos a relação entre memória e identidade através deste trecho retirado do site da
Unesco, temos a ligação de patrimônio imaterial com o conceito de memória social. Podemos
entender memória social como o armazenamento coletivo de informações pertinentes à cultura
e história de um grupo específico, geralmente passada de geração em geração de forma oral
(ou seja, não escrita). Trata-se, de certa forma, de um tipo de patrimônio que se busca preservar.

Figura 8 – O homem desempenha papel ativo na preservação e divulgação do patrimônio imaterial de um grupo.
Fonte: Shutterstock, 2015.

19
Antropologia e cultura

No âmbito social, o indivíduo desempenha o papel de propagador, isto é, de passar adiante esse
conhecimento: ele é, portanto, um agente ativo na sua preservação e sobrevivência. A memória
individual é frágil e subjetiva; a memória social, entretanto, funciona como um repositório de
ideias sobre determinada sociedade e seus costumes.

Pense em como a cultura organizacional de uma empresa é perpetuada entre seus membros e
dá legitimidade ao grupo de colaboradores que fazem parte dela, bem como às funções que
desempenham. Cada organização tem um modo muito próprio de operar e valorizar aqueles que
contribuem para sua evolução, tanto que quando um novo membro entra ele é logo inserido nes-
se contexto; contam-lhe sobre a estrutura de cargos, sobre episódios passados, sobre sucessos e
derrotas e também sobre lições aprendidas.

NÓS QUEREMOS SABER!


O que é cultura organizacional? Bem, a cultura organizacional é o conjunto de prá-
ticas, valores e princípio, missão, políticas internas de uma organização. É também a
confluência de conhecimentos específicos retidos desde sua fundação e passada aos
novos colaboradores. Uma cultural organizacional forte e coerente tem o poder de au-
mentar a produtividade e estimular nos funcionários um sentimento de satisfação e de
participação ativa nas conquistas e nos destino da empresa.

Lembre-se também dos ditados, histórias que seus avós contavam. Das rimas e canções de
autoria anônima que você aprendeu na escola, das lendas, dos mitos e das personagens fol-
clóricos que habitaram sua imaginação quando você era criança. Esse conhecimento informal
(em oposição ao conhecimento formal adquirido na escola) faz parte também de seu processo
de identificação com o passado comum que você teve com os outros integrantes de seu grupo.

Podemos concluir, portanto, que a memória compartilhada por indivíduos, seja em um grupo ét-
nico, seja em uma organização, liga-se ao conceito de identidade social discutido no início deste
capítulo. A consciência de ter um passado em comum aproxima, juntamente com a comunhão
nos modos de agir e pensar, um indivíduo à esfera social da qual ele participa.

20 Laureate- International Universities


Síntese Síntese
Neste capítulo, você pôde:

• identificar o conceito de identidade e aplicá-lo ao contexto social, bem como compreender


sua relevância para o estudo antropológico;

• contextualizar como a disciplina da Antropologia passou a discutir o conceito de identidade


em um dado momento histórico;

• definir como identidade está ligada à conscientização do contraste com o outro, ou seja,
com o que é diferente, e como isso afeta nosso modo de enxergar o mundo e nosso
comportamento;

• compreender que a identidade social define-se pelo reconhecimento e pelas relações que
mantemos com a coletividade da qual somos parte;

• compreender que a realidade cultural é o próprio social, porém visto sob o viés das
expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições de determinado grupo;

• que a identidade cultural dá-se através do alinhamento entre características concretas e


padrões abstratos de comportamento aprendidos ao longo de uma vida;

• constatar que as diferenças no modo de existir são padrões aprendidos e específicos de


cada grupo, mas que essa dinâmica está muito ligada à consciência que o indivíduo tem
de si mesmo e de sua relação com o coletivo;

• perceber os desdobramentos do choque cultural propiciado pela colonização e sua


enorme influência sobre a construção de uma identidade nacional brasileira;

• perceber que a partir da independência política do Brasil, em 1822, houve uma constante
busca pela identificação de uma unidade que desse coesão a uma sociedade tão plural
quanto o povo que habitava seu território;

• elencar as inúmeras representações simbólicas de nossa identidade cultural, especialmente


no âmbito das conquistas trabalhistas;

• definirpatrimônio cultural material e imaterial e sua relevância para a consolidação e


perpetuação de nossas representações artísticas, sejam elas regionais ou nacionais;

• compreender a importância da preservação do patrimônio imaterial e sua relação com a


memória social; e

• discutir como os conceitos de patrimônio cultural e memória relacionam-se com a questão


da identidade social.

21
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