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Manifesto Político – Autobiografia de Antônio Borges da Fonseca

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A Pernambuco, ao Brasil, à América

Está de novo travada a luta da aristocracia contra a democracia, da corte contra a


província de Pernambuco, dos portugueses contra os brasileiros.

É sempre o mesmo princípio infernal – divide e reina.

É sempre o espírito das trevas combatendo a luz, sempre a luta da mentira contra a
verdade.

O espírito humano caminha, e caminhará sempre em demanda do futuro, e a cada


passo para a reabilitação social deixa após si um traço de lágrimas, e de sangue.

O que não estiver preparado para o combate, conserve-se no número d’esses


mártires sem nome, também heroicos, porque sofrem sem nunca descrerem do futuro,
baste a esses a fé.

A nós o combate, a nós os cadafalsos, as fogueiras, o martírio.

O paganismo nos mostra Sócrates bebendo tranquilo o cálice de cicuta, o


cristianismo mostra Cristo a sorver a última gota do cális que os algozes haviam
enchido de fel e vinagre.

Assim como Cristo, Sócrates teve também o seu Judas, que o foi denunciar aos
grandes da terra como corruptor da mocidade.

A igreja não pode mais contar os mártires da fé, e a esses mártires deve ela o seu
estabelecimento e grandeza.

A humanidade se arrebata pelos princípios; mas exige provas, que só podem ser
subministradas pelos homens de boa vontade, que creem e esperam, sabendo perdoar
aos que lhes fazem mal; que possuem as três virtudes teologais – fé, esperança, e
caridade.

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Quando os tiranos coroados levantaram por todas as partes do mundo um calvário


e uma cruz, a fé triunfou.
É sempre assim. As transformações sociais se não realizam sem despedaçamentos
e dores infinitas. Por toda a parte os cavaletes, as torturas, o cadafalso, as fogueiras.

Rousseau, errante e proscrito, grande velho a quem os meninos apedrejam no


caminho do exílio, só achou descanso na morte; - e ainda hoje os homens são ingratos a
seus benefícios.

As revoluções se sucedem, a liberdade parece ter baixado ao mundo – não vos


confieis – nas eras de hoje, onde reina a anarquia, não pode haver paz, será sempre a
eterna condenação – os cristãos aos leões.

Enquanto o povo não vencer, os democratas serão entregues às prisões, ao


cadafalso, e as metralhas; os democratas são o povo que sofre, e vive na miséria, são os
pobres.

Não podem combater a agitação, e já os cegos instrumentos da monarquia


brasileira me acusam de ter proferido em reuniões públicas – palavras infamantes
contra S. M. o imperador.

Não importa, aventa; marchemos.

Desde a origem do mundo sempre dois homens em cena – Caim e Abel, Caifaz e
Jesus.

Não importa, avante, marchemos.

Desde o primeiro reinado estiveram dois homens em cena – o Imperador e o


Borges.

Nas garrafadas de março de 1831 diziam os portugueses – viva o imperador,


morra o Repúblico: - Borges às fogueiras.

E o povo respondia: - morra o imperador, e viva o Repúblico.

E o imperador não morreu; porque Borges não quis.

No segundo reinado ainda os portugueses bradam – viva o imperador, morra o


Tribuno: - Borges ao cutelo.

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O povo, que é a boca por que Deus fala, dirá oportunamente seu último verbo, e
se for para sua salvação, a liberdade virá, e a pátria será nossa, de nós os brasileiros, e
não dos portugueses.

II
Desde 1710, que os mártires pernambucanos têm derramado seu precioso sangue
pela liberdade, e pela nacionalidade.

A guerra dos mascates foi um brado levantado há 158 anos pelos pernambucanos
contra as pretensões dos portugueses, que começavam a estabelecer-se no Recife, e
desde então o sangue dos defensores do povo tem corrido em nossas ruas; e as gélidas
horas da prisão têm caído uma a uma por sobre as cabeças dos condenados políticos.

Consideráveis foram as perdas dos brasileiros em 1710, o biógrafo dos mártires


pernambucanos, o honradíssimo manigrepo padre Joaquim Dias Martins, pelos dados
que pôde recolher, necessariamente imperfeitos, baixamente as avaliou em 727
brasileiros mortos e presos remetidos a Lisboa, e foragidos: - só porque não queriam o
predomínio português.

Em 1817 novos massacres, e os portugueses se houveram com o selvagerismo de


verdadeiros canibais; nossa perda subiu a 1673 patriotas, que foram tratados como feras
e não como homens.

Em 1821 falou-se de independência.

Pernambuco conheceu a cilada do Rio de Janeiro, e pretendeu constituir-se sem o


príncipe português D. Pedro; mas inda ali prevaleceu o partido português, e os
pernambucanos tendo a frente o patriota Gervázio Pires Ferreira foram outra vez
derrotados.

O engodo de uma assembleia constituinte teve poder de firmar o império


português; mas Pedro I dissolvendo essa assembleia constituinte em novembro e 1823,
porque o projeto de constituição

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excluía os portugueses – impôs a constituição atual.

Pernambuco vigilante sentinela das liberdades pátrias levantou-se, e em 1824


proclamou a Confederação do Equador sob a presidência do patriota Manoel de
Carvalho Paes de Andrade.

A esse tempo me achava na capital da Paraíba, minha terra natal, e ligado ainda
jovem a todos os patriotas – entreguei-me corpo e alma a grande luta da nossa
emancipação.

Inda coube a vitória ao partido português, e inumeráveis foram então as vítimas


no Ceará, na Paraíba, e em Pernambuco; e os portugueses inda repetiram as cenas de
1817.

Em consequência de continuadas perseguições, passei-me para esta cidade em


1826, onde continuei meus estudos.
Em 1828, tendo Pedro I criado a sociedade da coluna, para as províncias vieram
presidentes adequados. Paraíba foi dada a Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça, e
Pernambuco a Tomaz Xavier Garcia de Almeida, assim como a Bahia tivera Gordilho
de Barbuda, ao depois visconde de Camamu.

III

Por essa ocasião estabeleceu-se na corte a sociedade secreta – Jardineira ou


carpinteiros de São José para opor a sociedade coluna do trono, cujo fim era o
imperador absoluto, ou como se dizia então – o imperador sem trambolho.

O grande centro criou centro nas capitais das províncias; fui lembrado em 1828
para um dos nove que deviam organizar a sociedade jardineira na Paraíba, sendo meus
companheiros Bernardo Lobo de Souza Antônio Henrique de Almeida, Luiz Álvares de
Carvalho, João de Albuquerque Maranhão, Francisco José Meira, e me não lembro
agora quais os outros três.

Estabeleci na Paraíba a Gazeta Paraibana,

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e guerra de mote declaramos ao partido português.

Em consequência, fui processado e preso por ter provocado rebelião contra a


pessoa do imperador, segundo os colunas; e só em março de 1829 obtive a liberdade por
decisão do conselho dos jurados, que não achou matéria para acusação.

Já a esse tempo estava eu nomeado para o diretório o centro jardineiro n’esta


província, sendo os meus companheiros o ouvidor então Ernesto Ferreira França, Dr.
Matias Carneiro Leão, Antônio Carneiro Machado Rios, João Arsenio Barbosa,
Sebastião de Regos Barros, o negociante hamburguês Mazza, Dr. Francisco Xavier
Pereira de Brito, e o major de engenheiros José Joaquim Vieira Souto.

Publiquei em 1829 n’esta cidade a Abelha Pernambucana.

Novas perseguições, tentativas de assassinato por parte dos colunas contra minha
pessoa, e afinal processo por abuso de liberdade de comunicar os pensamentos pela
imprensa, prisão, e absolvição no júri.

Renovando-se o diretório central em 1830 fui eleito por ele, e ordem me foi
enviada para partir imediatamente para a corte.

Obedeci.
Eis-me em 1830 na corte, e a frente da direção suprema do partido liberal
brasileiro, partido democrata, partido republicano.

Eram membros desse grande conselho comigo, eu inda jovem, e os mais patriotas
veteranos, os seguintes – Bernardo Pereira de Vasconcelos, Padre José Custódio Dias,
José da Costa Carvalho, ao depois marquês de Monte Alegre, Manoel da Fonseca Lima
e Silva, ao depois barão de Suruhi, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José Joaquim
Vieira Souto, José Lino Coutinho, Francisco de Paula Souza, Padre Diogo Antônio
Feijó, Padre José Martiniano de Alencar, Manoel Odorico Mendes.

Dei começo a publicação do Repúblico.

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IV

A luta que então travamos contra o primeiro império não pode ser aqui historiada:
estamos em 1831.

Toda a perseguição caiu sobre mim, nova tentativa de morte, novos processos, e
toda a casta de seduções por parte de Pedro I.

A luta se personificou.

Por parte do partido português era Pedro I.

Por parte do partido brasileiro desceu a luta pessoalmente comigo, como que,
morto eu, ficava aniquilado o partido brasileiro.

Era mister conquistar Minas, o imperador resolveu ir a Minas; - o Repúblico


protestou contra essa viagem.

Em Ouro Preto proclamou o imperador contra os que promoviam a confederação,


e fere-me diretamente; o povo mineiro ergue-se como um homem, e repudia o
imperador.

Em princípio de março volta o imperador à corte, e os portugueses ousaram tentar


um golpe.

Fica Pedro I em S. Cristóvão, e ordena o massacre; marca o dia para sua entrada
triunfal.

No dia 13 a rua da Quitanda domínio da soberania portuguesa se ilumina, o


imperador está na casa do negociante português Domingos Guimarães.

Fogueiras por todas as ruas portuguesas.


Os fluminenses querem, que eu com eles passeie nas ruas iluminadas em honra do
imperador; ponho-me à frente do considerável número de cidadãos.

Na rua da Quitanda somos acometidos pelos portugueses, que nos lançam das
varandas garrafas, e outros projéteis, rompendo essa execrável cena o imperador, que
me dirige um tiro de pistola,

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que ferira ao companheiro que me dava o braço direito Joaquim Feliciano Gomes.

Foi geral a confusão, as portas se abriram, os portugueses nos assaltam, e a uma


voz bradavam – morra o Repúblico, a fogueira com o Repúblico.

Reunimo-nos de novo na praça da constituição, e ali passamos a noite.

Reune-se o diretório jardineiro, e resolve-se a retirada para Minas, só eu me


oponho; e continua a agitação, e as reuniões populares.

É o dia 25 de março.

Os revoltosos resolvem fazer uma solene te Deum em S. Francisco de Paula, sem


assistência do imperador. A esse tempo estava o diretório dividido, querendo parte d’ele
o assassinato de Pedro I – a outra parte seguiu-me repelindo essa tentativa.

O imperador a noite apresenta-se em S. Francisco de Paula; os regicidas tinham


prevenido tudo, e seus agentes estavam preparados para matarem o imperador.

A esse tempo predominava eu na situação, um dos regicidas me comunica, era o


alferes Clemente de Pernambuco. Tomo-lhe o punhal, mando-o que procure os outros, e
vou receber o imperador, e fazê-lo descer do carro; e guiando-o, fui abrindo-lhe o
caminho, até que o deixei no meio do povo no centro da igreja.

Fiado o ato reconduzi o imperador para evitar o assassinato.

Nessa mesma noite, grande reunião dos revolucionários da rua da Ajuda,


discussão calorosa e ardente, e os mais exaltados regicidas se apresentam de fira verde
ao pescoço tendo pendente um punhal.

Esse grupo me acomete com fúria, e me julga vendido à causa do império.

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Ri, e sentei-me, ficando aos meus lados Bernardo Pereira de Vasconcelos, e
Nicolau Pereira de Campus Vergueiro.

A tempestade acalorou, assegurei aos regicidas que a revolução não derramaria


sangue.

Desde então esta foi a maior luta, mas o povo confiava inteiramente em mim, ou
só confiava em mim.

VI

Os portugueses enlouqueceram, e continuaram a acometer os brasileiros.

Propus que os pertencentes ao partido brasileiro andassem de chapéu de palha


fabricado no país trazendo nele o laço auri-verde da independência.

Imediatamente o pedido foi satisfeito, redobrou a fúria dos portugueses.

Novos acometimentos.

Novas reuniões populares continuaram no largo do Moura, onde aquartelava a


brigada de artilharia, cujos soldados eram quase todos pernambucanos.

Era brigada era inteiramente nossa.

No dia 4 de abril saí a rondar para pôr cobro ao desmando português, e assim
fiquei no campo todo esse dia, e no dia 5.

Pedro I demite o Ministério por julgá-lo conivente; aumentou a excitação, e no dia


6, quando todos abandonavam a revolução, achei-me no quartel ao largo do Moura com
Manoel Odorico Mendes, somente, povo, e tropa.

N’esse lugar ficou Odorico, e eu com o povo fui-me acampar em frente ao paço
da Câmara Municipal no campo de Santa Anna.

Era então comandante das armas o general Francisco de Lima e Silva.

A mim se reúnem os juízes de paz, que vão em comissão a S. Cristóvão, e voltam


tendo sido maltratados por Pedro I.

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Às 6 horas Miguel de Frias e Vasconcelos apresentava-se no campo com uma


proclamação do imperador; o povo não consente a leitura e brada – morra o imperador,
viva o Repúblico.

Pedi ao major que fosse levar a nova ao imperador.


Desde então os diversos corpos estacionados na corte foram sucessivamente
acampados o campo de Santa Anna por ordem minha, inclusive o batalhão do
imperador comandado por Manoel da Fonseca Lima e Silva, e do qual era major Luiz
Alves de Lima, hoje marquês de Caxias.

VII

A meia-noite traz ao campo o major Frias a abdicação do imperador.

S. Cristóvão estava abandonado, e Pedro II com suas irmãs ali ficaram sós nos
vastos salões d’esse palácio: tinha ele então 5 anos.

Coube-me cuidar dos príncipes, e por mim n’essa noite foram eles entregues ao
visconde de Goiana.

Às 11 horas de 7 a conferência dos revolucionários reunidos no quartel general


resolveu aceitar a abdicação contra o meu voto, que era pelo nem um valor d’esse ato;
pois que a soberania nacional estava acima de todos os ardis diplomáticos.

Então um dos congregados respondeu-me – Vamos ter 13 anos de governo nosso,


governo democrático, e teremos tempo de preparar o Brasil para o regime republicano
sem grande estremecimento.

Isto pareceu-me razoável, e cedi.

Entretanto era eu o chefe que se achava a testa da revolução comandando o povo


armado e a força de linha, que estavam no campo de Santa Anna.

Teve de eleger-se a regência, a parte aristocrática da revolução queria – Antônio


Carlos Ribeiro de Andrada, Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti,

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e Pedro de Araújo Lima, e os chinelos, como então se ousou dizer, apresentaram –


Francisco e Silva, José da Costa Carvalho, e João Bráulio Muniz.

De mim dependia a vitória, decidi em favor dos chinelos.

Tinha ficado tutor dos príncipes o grande José Bonifácio de Andrada.

Movimento no campo no dia 13 de abril: concitavam o povo a tomar vingança da


rua da Quitanda e a saqueá-la – o governo ficou impotente ante a agitação. Já a esse
tempo tinha eu entregado o comando da força a Francisco de Paula Vasconcelos; sou
chamado, proclama ao povo e tropa, e a minha voz todos entraram na ordem.
Evaristo da Veiga procurou intrigar-me na sua Aurora; por lhe não parecer bem
que eu paraibano assim estivesse preponderante, e apresentou-me vendido aos interesses
portugueses.

Isto deu lugar a um grande movimento na praça da Constituição, e do Centro


partiam vozes de morra o Repúblico.

O governo se acobarda; são dez horas da noite.

Avisado, compareço imediatamente no lugar do conflito, ali se acham todos os


homens da governação e não tem força moral para conter os amotinados.

Rompo até ao centro onde se acham os instrumentos de Evaristo, ouço suas


terríveis acusações, falo, sou ouvido, e d’entre eles sai o brado – viva o Repúblico.

Dissolvi a reunião, que estava prestes a praticar excessos, que marchariam para
sempre a gloriosa e incruenta revolução de 7 de abril.

VIII

Entrou no ânimo do governo o temor de minha preponderância, e fui nomeado


secretário da Paraíba: Feijó e Paula Souza temendo a preponderância de Evaristo
pedem-se de não aceitar.

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Capricho de criança – pois que então tinha eu 23 anos.

Julgando-me ofendido, pareceu-me tomar vingança entregando à corte a maléfica


influência de Evaristo.

Voltei a minha terra natal feito secretário.

Em minha ausência caiu o ministério Feijó, e subiram para o ministério Holanda


Cavalcanti e Pedro Araújo – retirei-me da secretaria, para não servir com o novo
ministério.

É 1833.

Em dezembro d’esse ano, já estava no poder Aureliano de Souza e Oliveira


Coitinho, e governador.

Por influência d’este se havia tirado a tutela dos príncipes ao meu venerado amigo
José Bonifácio, e se lhe fez processo por caramurú, ou restaurador.
Valia muito para os novos dominadores meu depoimento contra José Bonifácio, e
me é deputado o cônego Januário para consegui-lo; atira-se-me a cara a presidência do
Pará.

Respondi a Aureliano em pessoa, e mostrei-lhe como o antigo criado de


Buchantal não tinha importância para mim, por mais alto a que a desdita do Brasil o
elevasse.

Abri luta com esse poder na sociedade defensora da liberdade e independência


nacional, a cujo conselho fui nomeado apenas chegado ao Rio de Janeiro.

E nessa luta só tive por mim o ministro da fazenda Cândido José de Araújo
Vianna, hoje visconde de Sapacahy.

Despachado n’essa época inspetor da tesouraria das Alagoas, rejeitei.

Devi em 1834 tomar assento na câmara dos deputados como suplente pela
Paraíba, travou-se a luta, o ministério tudo empenhou; depois de longa discussão, 41
votos contra 40 negou-me entrada na câmara, tendo eu apenas dos deputados do sul o
meu amigo, o grande Bernardo Pereira de Vasconcelos, e contra quatro deputados do
norte.

A luta da imprensa foi renhida, fui processado, perseguido; retirei-me


fugitivamente da corte e fui a Piancó, termo da Paraíba, onde processado pelo mesmo
crime, fui pelo júri absolvido.

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IX

Estamos em 1835, entra o Dr. Urbano Sabino Pessoa de Melo na assembleia


provincial de Pernambuco, e seu primeiro trabalho foi a lei da prefeitura, que deu lugar
a organizar-se o pacto de família, que inda hoje oprime esta província.

Começou com essa lei o predomínio político da família Cavalcante, e Feijó –


tinha eu rejeitado a candidatura que me fora proposta por Vasconcelos.

Decidi-me francamente por Feijó.

Resigna Feijó o poder, e nova eleição vai ter lugar, são os candidatos Holanda e
Araújo Lima, decido-me por este.

Em 19 de setembro de 1837 aparece um ministério que se denominou da


reorganização e do futuro... era a contra revolução em campo.

E n’esse ano foi Urbano nomeado deputado a assembleia geral por esta província,
e eu pela Paraíba.
Em 1838 a comissão de poderes em minha ausência, ou antes – Honório Ermeto
Carneiro Leão e José Clemente Pereira – deram parecer contra mim, e excluíram-me, e
levaram a perversidade a ponto de tirarem-me do primeiro suplente para quinto, embora
a aritmética bradasse contra tão grande absurdo.

O deputado Urbano estava escravo na câmara, e com os corcundas, pois que foi
sempre, e é corcunda.

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É o dia 3 de maio de 1838 em que entramos os cinco deputados da Paraíba na


cidade do Rio de Janeiro, achando já decidida a questão.

Representei, e estando no salão da câmara a passear com Sebastião do Rego


Barros e Joaquim José Rodrigues Torres, hoje visconde de Itaborahy, querendo estes
apresentar-me a José Clemente Pereira os abandonei.

Por essa ocasião querendo levantar oposição na corte contra o ministério, e


procurando a deputação de Pernambuco, só o honrado Antônio da Costa Regos
Monteiro uniu-se comigo, respondendo-me o Sr. Urbano – carecemos de ordem, o Sr. já
não pode mais fazer anarquia.

A fisionomia do dr. Urbano Sabino revela seu coração.

Desde então até 1841 votou o deputado Urbano contra as liberdades públicas, e
concorreu poderosamente para a promulgação de todas essas leis de arbítrio e de
sangue, que têm levado o país ao abismo em que se acha.

Minas e São Paulo levantam-se contra essas leis de sangue, e sempre ao lado da
tirania esteve Urbano Sabino.

XI

Estamos em 1844

Ao depois da derrota da revolução mineira, organiza-se na corte a sociedade


jardineira e os amigos procuram estabelece-la n’esta cidade: - dirigem-se a mim, a
Antônio da Costa Rego Monteiro, e ao capitão da fragata Caetano Alves de Souza
Filgueiras.

Pernambuco, porém, tinha em grande prosperidade a sua sociedade secreta


Vigilante.
Espalhada por todos os termos, sua sede era em Nazareth, seu chefe o venerando
padre Luiz Inácio de Andrada Lima, e eu o secretário.

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Veio do Rio o Sr. Urbano convertido, e dando começo a organização da praia


conferenciou comigo para saber não só os fundamentos da vigilante, como do seu
pessoal, e pontos de relação.

Não crendo em um moço tanta traição, demonstrei-lhe como não deveríamos


sujeitar Pernambuco a direção da corte, cumprindo estar em correspondência como de
potência a potência.

Apenas teve conhecimento de nossa associação, procurou acaba-la, intrigando, e


para isso deputou para Igarassú e Pedras de Fogo ao Sr. Antônio Manuel de Aragão e
Melo, meu primo, e moço que estava a concluir em Olinda seus estudos – para Goiana
Luiz Inácio Ribeiro Roma – para Nazareth o Sr. Dr. Antônio Barroso irmão do
venerante Manuel Pereira de Moraes.

A intriga fez muito, e procurou roubar-nos a tipografia nazarena, que conduzimos


eu, Moraes, e o venerável João Batista do Amaral e Melo, para esta cidade, onde a
estabelecemos.

Aqui continuou o Nazareno e a luta.

A facção que se levantava procurou assassinar-me.

Mas a propaganda era também social, era para a aquisição do comércio a retalho
para os brasileiros.

Renhida foi a luta.

Em abril de 1847 a praia prende-me despoticamente, a pretexto de abuso de


imprensa contra o imperador, e em agosto, rouba-me a tipografia, que estava na rua de
Santo Amaro, e porque o povo resiste – acomete a casa com o corpo de polícia, e
consuma seu atentado.

Urbano lança-se com fúria insana na câmara dos deputados contra mim,
representa-me como chefe do norte em combinação com o imortal Rosas chefe supremo
então em Buenos Aires, estando na corte acreditado para com o imperador o
plenipotenciário Tomaz Guido, que deu como igualmente acreditado ante mim em
Pernambuco.

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XII

Foi grane a luta em 1845; Urbano estabeleceu como princípio para o seu partido –
todo Cavalcante e Regos Barros e ladrão assassino.

Como princípio; pois Urbano faz do homem princípio, e com razão; porque só
crendo ele no seu egoísmo, foge tratar das questões sociais; estando seguro o seu eu,
tudo o mais é de nem um valor.

Então levantou-se aqui quanta paixão ruim e desregrada podia ser levantada no
ânimo do povo, e os homens sérios e graves se viram comprometidos e assaltados.

Sucediam-se umas as outras as reuniões, populares; mas prevalecia no ânimo do


povo a bandeira do comércio a retalho, e eu da cadeia fiz uma representação, e a mandei
assinar por diferentes pontos da província, e grande assinatura houve, dando lugar a
denominação dos cinco mil.

A representação foi enviada à câmara. Urbano a sequestrou até hoje, e nunca


promoveu a discussão d’essa matéria.

Em agosto fui posto em liberdade, porque ante o júri o povo se agitou, e a relação
desprezou a apelação do juiz de direito.

Cai por esse tempo o ministério, e sobe ao poder o partido conservador.

É mandado presidente para Pernambuco o Sr. Herculano Ferreira Pena, e cai a


praia subindo ao poder o partido guabiru.

A reação devia vir; sou procurado por Sebastião do Rego Barros, tenente coronel
José Antônio Lopes e Martins Pereira, a fim que fique neutro no pleito, e os deixe tomar
vingança da praia, sob promessa de clientela como advogado, visto como não queria ter
parte na administração.

Não eram passados 30 dias depois que havia eu saído da cadeia em que me pôs a
praia; prevaleceu em mim o meu dever, e não a minha paixão.

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Felix Peixoto de Brito e Melo provoca a rebelião, convida-me para ela por
intermédio do meu amigo João Batista do Amaral e Melo; não amo (?), por não
descobrir causa legítima de revolta, e peço-lhe de reconsiderar a matéria.

O presidente Pena procura conferenciar comigo – respondo negativamente e


declaro que não derrame sangue em Pernambuco; porque tomaria eu então parte no
movimento.

Levanta-se Olinda em 6 de novembro, e marcha sobre Igarassú.


Entrada em Nazareth das forças populares, combate em Mussupinho; derrota do
governo e dos liberais.

Meus amigos Amaral e Moraes estão comprometidos; parte desta cidade no dia 13
com José Francisco Carneiro para Inhamã, a ali dou começo a reunião do povo.

Entrei assim na revolta, porque o governo derramou sangue pernambucano.

XIII

Não devia comigo ser a revolta da praia contra guabirus.

Um homem de crenças só derrama sangue pelos princípios.

Reunida a força que pude despor, e congregados os restos de Mussipinho, escrevi


ao coronel Enrique Pereira de Lucena do Limoeiro por fazer junção comigo em
Pasmado de Igarassú: por quanto marchando sobre mim, grande força do governo não
queria recusar o combate.

Lucena voou té Pasmado.

Cumpria manifestar ao mundo a causa da revolta; o povo se não armara para


conquistar empregos; mas para satisfação de verdadeiras necessidades sociais.

O manifesto revolucionário levanta a bandeira constituinte como meio de obster-


se imediatamente a nacionalização do comércio,

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e a reforma da constituição, e dessas leis de sangue que se haviam decretado no


interesse do imperialismo, e para de uma vez submeter o Brasil ao predomínio
português.

Enquanto estive com minha gente ao Norte, a vitória acompanhou sempre nossas
armas.

Propus a ocupação da capital da Paraíba, e desde então, ou antes, desde o


manifesto, os traidores se acordaram em sacrificar a revolução.

O primeiro traidor foi o Dr. Felipe Lopes Neto; ou antes d’aquela gente da praia
só não traíram – Antônio Afonso Ferreira, Antônio da Costa Regos Monteiro, o mártir,
o dedicado e venerando mártir Joaquim Nunes Machado, e o Dr. Jerônimo Vilela de
Castro Tavares, o Dr. Joaquim Francisco de Farias.

Marchamos sobre Água-Preta, ali fizemos junção com o glorioso mártir Pedro Ivo
Velozo da Silveira, e com a força ao mando de Felix Peixoto.
Não é d’aqui histórias a revolução.

E o dr. Urbano ficara gozando na Corte as delícias de Cápua.

XIV

É o dia 2 de fevereiro de 1849.

Estou neste bairro de Santo Antônio com uma força de 450 homens.

Felix Peixoto está na Boa Vista com 900 homens.

Os vendidos ao poder imperial, os que já se achavam em acordo com o presidente


Manuel Vieira Tosta, hoje barão de Muritiba, não quiseram concordar comigo em
entrarmos em uma só coluna, e dividiram a força.

Lopes Neto, que devia ter o cartuchame no Aterro dos Afogados, e na casa de
José Hijino de Miranda, traiu-nos, e escondeu o cartuchame; briguei aqui o dia com a
pouca pólvora, que tínhamos nas cartucheiras.

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Não fui eu que sacrificou a revolução, e sim a praia; se a mim só coubesse a


direção a vitória teria sido nossa.

A força imperial apesar de sua valentia ficou quase aniquilada em Santo Antônio,
e tanto que retirando-me não pôde perserguir-me: - tinha quase dois mil homens fora de
combate entre mortos e feridos.

A fúria dos imperiais foi até a loucura, e o canibalismo.

Os dias 3, 4 e 5 de fevereiro de 1849 foram testemunhas da inaudita perversidade


dos guabirus, com quem hoje se veio ligar o Sr. Urbano Sabino Pessoa de Melo.

A notícia de tão doloroso massacre tive-a eu em Timbó distante daqui pouco mais
de três léguas.

Escrevi a Tosta protestando contra o massacre do povo, contra a ferocidade dos


canibais, que imolaram no altar do imperialismo uma família – família capão.

Tosta põe minha cabeça a prêmio, oferece a meus assassinos seis contos de réis ao
lhe apresentarem minha cabeça, e creio que dois, se só lhe apresentassem minhas
orelhas.

O ato é digno de um canibal.


XV

No dia 30 de março entro preso nesta capital, sou levado de Herodes para Pilatos,
e representavam bem a cena, pois que estávamos na semana da paixão de Jesus.

Ao depois do interrogatório feito pelo chefe de polícia Jerônimo Martiniano


Figueira de Melo fui mandado quase meia noite para a fragata Paraguassú, fundada no
lamarão.

Ali me sepultam no derradeiro porão.

Neto estava na câmara do comandante dessa fragata, que era Joaquim José Inácio,
e outros

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companheiros na praça com os oficiais da mesma fragata.

Só a mim sepultaram, e me tiraram incomunicável – só eu era o criminoso.

Passam-me para a corveta Euterpe, e sempre incomunicável, enquanto os meus


companheiros são apenas detentos.

Honório Hermeto Carneiro Leão muda de plano, somos conduzidos às prisões de


terra – eu para a cadeira – os outros para a fortaleza do Brum.

Conspiram contra a minha vida, e fazem-me descer para a enxovia, a fim de ali ser
assassinado por um miserável já a isto disposto.

Os presos se dividem, e defendem-me.

Quando se convenceu Honório da impossibilidade de meu assassinato, com a


protervia que lhe era habitual, ordena que volte em a sala livre por lhe constar correr
perigo a minha vida.

E o que fez o dr. Urbano em todo esse tempo?

Descansado no Rio de Janeiro, e desfrutando as delícias de Cápua, apenas deu


uma notícia de revolução na qual me distinguiu mais do que era meu próprio
merecimento – já não era eu o desprezível de 1847 e 1848.

XVI

Pretendeu Honório cobrir de lama a revolução, e negociou com os presos do Brum


a submissão de Pedro Ivo; não fizeram conta de mim.
Entenderam eles que bastavam para sujeitar o valente chefe da gloriosa revolução,
esquecidos que Pedro Ivo militar brioso me reconhecia como superior, e não a eles.

Sabendo dessa traição, como ajudante general do diretório ordenei a Pedro Ivo de
continuar a revolução, e fui obedecido.

Honório tornou-se fúria e logo resolveu mandar-me assassinar em Fernando.

Devíamos entrar em julgamento, e Honório entende-se

Página 22

com os presos do Brum, e os resolve a absterem-se da defesa.

Mostrei-lhes como nada devíamos ceder ao poder; eu ao contrário cada um de nós


devia ir ao tribunal por sua vez, e como éramos onze, ocupando cada um dois ou três
dias em defender-se, não conseguiria Honório naquela sessão julgar-nos.

Instaram, cedi.

XVII

Ordem de partida para Fernando.

Os presos do Brum sem consultarem-me manda entregar a direção do Diário


Novo ao Sr. Dr. Antônio Vicente do Nascimento Feitosa.

Por minha parte a mandei entregar ao meu amigo o Sr. Dr. Afonso de
Albuquerque Melo, tendo por adjuntos o infeliz Dr. Estevam de Albuquerque Melo
Montenegro, e o Sr. Dr. Vicente Ferreira Gomes.

Estamos em Fernando; resolvo regressar ao Recife no Pirapama, apenas saísse do


porto à corveta Euterpe que nos conduzira ali.

Comunico-o ao Dr. Lopes Neto; e este opondo-me algumas considerações no


sentido de demora, faz adiar o projeto, e logo comunica ao presidente Honório.

Nove dias depois está em Fernando a Euterpe; Neto com os mais falam contentes
de anistia, e se espanta quando lhe respondo – anistia é ordem de eu ir para a Ilha Rata.

O comandante Doudain salta, e diz-me, não sei o que trago, o negócio é com V.

O coronel Sipriano José Almeida meu antigo companheiro de 1831, meu


prisioneiro em Goiana, tinha-me recebido como desconhecido, e hospedado em sua casa
a Neto que nunca conhecera.
No dia seguinte sepultam-me na ilha Rata, dando por companheiros quatro galés,
sendo comandante um deles Martinho José de Melo, a quem incumbiu meu assassinato
com largas promessas.

Página 23

Desesperados por não quererem os galés assassinar-me, privam-nos de alimentos


e de água para beber por 30 dias – foi um doloroso jejum mais para os desgraçados
galés do que para mim.

Esses galés, esses homens perdidos, eram filhos do povo, e um dia nas extorsões
da fome me disseram: - fazem isto para que o desespero nos leve a matá-lo, enganam-
se, morremos todos cinco juntos.

XVIII

Dedicação toda providencial.

E quereis fidalgos, que me junte convosco para massacrar o povo... e dizeis, que o
povo me abandona!!...

Quando muito me tivesse feito sofrer o povo, aquela dedicação dos quatro galés,
aquela amizade profunda que me consagraram em tal ermo, aquele padecer por mim de
quatro homens, que a sociedade repudiara como réprobos... aquela paciência nas
extorsões de fome e da sede... aquela boa vontade com que por mim se martirizavam...
ah! Impôs-me o dever de nunca deixar de ser povo!

Eis, senhores, a causa de minha pertinácia.

O povo brasileiro é o melhor do mundo, falta-lhe governo.

Educai o povo, e dai-lhe liberdade, e tudo será paz e ordem.

Os crimes do povo não são do povo, são vossos, ó governantes de todos os


tempos, porque vós o não educais, e ao contrário o fazeis instrumento de vossas
ignóbeis paixões.

Oh! Quantas vezes escondidamente derramava eu lágrimas por ver por mim
sofrerem aqueles quatro galés!

XIX

Ao depois de 10 meses sou passado para a ilha de Fernando, onde estive até
agosto de 1852.
Aqui chegando encontrei anistia, e fui solto.

Página 24

Os revolucionários apenas saídos dos ferros já estavam brigados; Neto era o pomo
da discórdia; já ele havia brigado com seus companheiros em Fernando – havia
suscitado a raiva de um oficial da guarnição para insultar a Cazumbá, somente porque
não era instrumento, – sedo mister que eu intimasse a esse oficial de não insultar a
companheiro algum meu, pena de tomar eu o insulto para mim.

Continuou a traição ao partido liberal; não se quis ir a urna nesse ano, quando
tínhamos tantos elementos de vitória.

Escrevi aqui por algum tempo a Revolução de Novembro para contestar as falsas
doutrinas dos que vendidos ao governo pretendiam desvirtuar a gloriosa revolução de
1848.

XX

Todo esse tempo passou o Sr. Urbano a gozar os prazeres da corte.

Por esse tempo foi traiçoeiramente preso Pedro Ivo, e vendido.

Afinal está na fortaleza da Laje: é 1853.

Como saiu dessa fortaleza o mártir Pedro Ivo?

Estava sob a direção a influência do Sr. Urbano Sabino Pessoa de Melo.

Um criado do paço entendeu-se com o Sr. Urbano, e outros genuínos hoje, foi a
Laje, de lá tirou Pedro Ivo, levou-o para uma chácara ao Pão d’Açúcar, onde morava o
subdelegado de polícia, entregou-a o esse subdelegado.

Imediatamente teve o imperador parte da fugida de Pedro Ivo. Estava na capela


em ofício da semana santa; e não lhe causou estranheza a notícia.

Daqui andou por seca e meca, e afina embarcado, tudo sob direção e inspeção do
Sr. Urbano, em um navio genovês e por esse navio genovês, e por esse navio lançado ao
mar cozido num saco de lona na Bahia da Traição.

Como que Deus assim o quis dizer ao mundo, que Pedro

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Ivo fora atraiçoado desde que saíra da fortaleza de Lage.


E de quem traição? Porque os hoje genuínos nunca quiseram mais do que todos
cumpria averiguá-lo?

Pedro Ivo era acaso um vulto pequeno, para que seu assassinato passasse
desapercebido?

Eis porque não me querem na câmara dos deputados, – eu teria que tomar conta
aos genuínos, aos chamados históricos do mal que nos hão feito – se não de suas
traições.

XXI

Estou no Rio de Janeiro em 1854; o Sr. Urbano continua no seu mister de


advogado, inteiramente recolhido, não se lembra mais de Pernambuco.

Tendo voado pela lei de interpretação do ato adicional, com a mesma consciência
com que havia votado na Assembleia provincial desta província a lei da prefeitura,
votou também pela lei de reforma, que pôs a porta de cada cidadão um beleguim, e um
espião.

Começo a publicação do Repúblico, jornal que sempre escrevo, quando na corte,


contra a vontade dos genuínos, e ainda o Sr. Urbano restringia-se a sua banca.

Português de corpo e alma, o Sr. Urbano tem horror a propaganda do comércio à


retalho, e foi assim que pôs de parte a representação dos cinco mil ao poder legislativo
para o comércio a retalho nacional, que foi presente a câmara em 1848 e lá jaz até hoje.

Como deputado pernambucano corria ao Sr. Urbano o rigoroso dever de trazer a


discussão o caviloso parecer da comissão a respeito da representação de Pernambuco,
para a nacionalização do comercio a retalho; longe disto, dado de preferência aos
interesses portugueses, cujo advogado tem sido e é, esse meu antagonista, ou antes esse
antagonista...

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das liberdades brasileiras, e do direito do homem, se há prestado a nulificação do


partido liberal de Pernambuco.

Em 1855 inicia-se a chamada política de conciliação; Urbano não toma posição, é


simplesmente advogado.

Declaro-me contra a conciliação, e provo aos Srs. Honório Hermeto e Nabuco,


que não são eles os próprios para fazerem inovações na política do país; eles cheios de
misérias políticas, e indignos da confiança pública.
A luta é renhida, e durante ela o Sr. Urbano escreve provarás.

Não havia ainda impossibilidade de ergue-se o partido liberal, que o Sr. Urbano e
a corte criam morto tendo morrido os mártires Nunes Machado e Pedro Ivo.

Em 1856 estou na Paraíba, onde me apanha o colera morbus, e depois aqui.

Volto a corte em 1857, e dobra o ministério Nabuco-Paraná de esforços para


aniquilar-me, e sempre impotente.

No fim desse ano volto a Pernambuco, onde deixo minha família, e sigo para a
Europa.

Em fevereiro de 1859 estou neste cidade de volta da Europa.

XXII

Abri escritório de advogado em março de 1859, em dezembro desse ano chamado


para defender uma causa crime na vila de Ingazeira comarca de Pajeú para lá segui, e
incidentes do processo me fizeram reter ali té fins do ano de 1860.

De volta a esta cidade, fui acometido de febre perniciosa, e depois de logo


padecimento e prolongada convalescência mandaram os médicos, que eu caísse para o
sertão, a querer restabelecer-me.

A gravidade do meu mal conservou-me em Campina Grande em 1861 e 1862.

Por todo esse tempo o Sr. Urbano se conservava

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na corte a escrever provarás deslembrado inteiramente de Pernambuco.

XXIII

Mas a corte estando impossibilitada de governar o país com os conservadores


procurou mistificar o partido liberal, e habilmente aproveitou-se já do conflito inglês, já
da ambição desmedida de homem que julgam a pátria sempre bem, quando o seu eu está
gozando.

A mistificação devia ser principalmente em Pernambuco, que estava massacrado


desde 1849.

A corte negociou com o Sr. Urbano, e mandou formar aqui a liga.


Ao contratar-se a liga, ergueu-se uma voz contra sua inconveniência, a do jovem
Dr. José Teixeira, de saudosa memória, e o Sr. Urbano com a sem cerimônia, que lhe é
habitual, mandou por seus capangas insultar a esse moço distinto, apregoando estar ele
vendido aos interesses do Sr. Camaragibe.

Sempre a mesma traça – sempre a mentira e a intriga, únicas armas do político


mais peco, que tenho conhecido, proteo em todos os tempos.

Inda mal se firmava a liga, na qual representou o Sr. Urbano o papel de coveiro do
partido liberal de Pernambuco, já este Senhor brigava com o conselheiro Francisco
Xavier Paes Barreto, porque não era incluído na lista para senador.

Sempre o egoísmo em cena; porque a política do Sr. Urbano é toda pessoal.

XXIV

Dois meses passados, do dia em que o Sr. Urbano entregara o partido liberal a
ditadura do Sr. Paes Barreto, Rompia ele por amor do seu eu a unidade do novo partido,
e destacava dele um grupo, denominando-o genuíno.

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E continuou a intriga em Pernambuco.

Mas o Sr. Urbano por proteção do conselheiro Paes Barreto tinha obtido uma
cadeira na câmara quatrienal.

Na luta senatorial os vermelhos de Pernambuco não se abraçaram com os


genuínos; mas o Sr. Urbano deu princípio a seu regresso aos antigos companheiros.

Na câmara foi nulo o Sr. Urbano, e tão nulo que a coroa chamando para o
ministério as criançolas, a até juízes municipais, nunca fez caso desse especulador,
velho nas lides parlamentares.

Os anais do parlamento ali estão para provarem que o Sr. Urbano foi sempre
deputado medíocre, ainda mesmo nas questões pessoais, únicas a que se dá; porquanto
na câmara não se tem distinguido – nem como político, nem como juris-consulto.

Dado ao estudo de Pegas e Bartholo, enredou-se na chicana da jurisprudência


portuguesa, e nunca passará para o flanco dos estadistas, onde já o assoberba uma
mocidade distinta e ambiciosa de nome e glória, que visa o futuro do país, e não se
prende as tradições de um passado digno de ser para sempre esquecido.

Até 1864 nada fez o meu antagonista.


XXV

Doente, e quase a morrer todos os dias, conservei-me alheio aos negócios da liga
a qual não quis anuir como se me pôs, e só em novembro de 1865 pude vir a esta cidade
assistir ao bacharelamento de meus filhos e parentes, e aqui fiquei.

Em 1866 continuei a antiga propaganda da nacionalização do comércio à retalho.

Não foi trica política.

Era esse um dos princípios proclamados desde o começo de nossa independência;


que restabeleci em Nazareth em 1843, nesta cidade de 1844 em diante.

Página 29

Foi em nome desse princípio, que derramamos sangue em 1848 e 1849.

É uma necessidade reconhecida e reclamada por todos quantos sentem o misério


viver dos brasileiros.

Não há exemplo de um povo, que seja em sua terra escravo do estrangeiro, e que
não chora tamanha degradação.

Jeremias orando ao Senhor pelos seus, no excesso de sua dor, assim fala:

“Lembra-te, Senhor, do que nos tem acontecido: considera e olha para o nosso
opróbio.

A nossa herança passou a forasteiros: as nossas casas a estranhos.

Estamos feitos órfãos sem pai: nossas mães se acham com viúvas.

A nossa água por dinheiro a temos bebido: a nossa lenha por preço a temos
comprado.

Arrastam-nos pelo pescoço: aos cansados não se dá descanso.

Ao Egito demos as mãos e aos assírios para podermos mendigar o pão.

Nossos pais pecaram, e não existem: nós sofremos ainda hoje as iniquidades
deles.

Os servos nos dominaram: não há quem nos resgate das mãos deles.

Com perigo de nossas vidas, vamos buscar o de que temos mister no deserto por
baixo do fio da espada.

A nossa pele se queimou como um forno pelas violências das tempestades da


fome.
Humilharam as mulheres de Sião, e as virgens em Judá.

Foram pendurados os principais: não respeitaram os rostos dos velhos.

Abusaram dos mancebos com impudicícia nefanda: e os meninos morreram


esmagados.

Caiu a coroa de nossa cabeça.

Por isso nosso coração se entristeceu, e se obscureceu nossos olhos.

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“Por causa do monte de Sião, que foi assolado, as raposas andam nele.”

Se todos vemos nossa herança passada aos portugueses, não podemos deixar de
clamar, clamaremos sempre, até que nos ouça Deus; se os homens não nos quiserem
ouvir.

XXVI

Era esperado por tanto o Sr. Urbano.

Todo o meu empenho durante o ano de 1866 foi o de unificar o antigo partido
liberal de Pernambuco, para o que solicitei de vários membros do diretório genuíno a
junção do seu partido com o partido popular.

Perguntou-se-me, porque não me queria eu unir com o partido conservador;


respondo que não admitia a política conservadora, cujos desastrados efeitos eram
conhecidos, máxime em Pernambuco; que um mar e sangue existindo entre os
conservadores e mim, não sabendo eu nadar, que eles o atravessassem e viessem para o
partido popular.

Pediu-se-me de esperar pela Sr. Urbano; esperei até que afinal chegou.

Entendi-me pessoalmente com esse chefe genuíno; e homem sempre, como tem
disso, das conveniências pessoais, perguntou-me-se eu fazia questão da minha
candidatura.

Respondi-lhe afirmativamente.

Propôs-me de deixar fazer o corpo eleitoral para ao depois cada um de nós


apresentar-se, proposta capciosa, e com o fim de atraiçoar-me, como é costume de tal
gente.
Procurei chegar a um acordo exigindo, que cada um de nós pleiteasse nas
freguesias onde o pudesse fazer, que assim ficaria eu dirigindo a eleição de São José e
Recife, e que ele tomasse a si a de Santo Antônio e Afogados; o que nos garantia a
ambos.

O fim que visava o Sr. Urbano conhecia-o eu, queria ganhar tempo, e propôs-me
de esperar, que consultasse aos seus amigos.

Página 31

E até ali os genuínos contestassem não terem feito junção com os vermelhos,
porque lhes convinha iludir e trair o povo.

Fora inépcia minha, se continuasse a esperar... abri pois a luta franca e lealmente
como é meu costume.

E o povo me auxiliou; porque me conhece sempre leal a sua causa.

XXVII

Desconsertada a liga nova procurou intrigar-me declarando-me agente do


presidente da província; levando o Sr. Urbano o despejo até a assinar em nome de um
imaginário diretório liberal uma inventiva contra mim, na qual afiançava ter eu recebido
dinheiro da presidência para pleitear a eleição.

O povo manteve-se firme; e não deu ouvidos aos mercenários dos galegos, que
tudo empenharam em pró de seu constante advogado.

Aqui há alguns homens, que com o crédito de cabalistas são pagos nas épocas
eleitorais para intrigarem e insultarem; essa horda de saltimbancos políticos foi posta
em cena, mas sea (?) tempo estava feito, e, não obstante sua arrogância e atrevimento, o
povo escarneceu deles.

Fez-me acusação de ingratidão para com as facções genuína e vermelha, jogaram


com o 30 de setembro.

Trinta de Setembro, época memorável nos anais pernambucanos.

A quem pertence a vergonha do massacre?

O vice-presidente Manoel Clementino é vermelho.

Eduardo Pindaiba de Matos é vermelho.

O batalhão que assistiu ao massacre é vermelho.


O padre Joaquim Pinto de Campos, que na semana do massacre não deixou a casa
da polícia, é vermelho.

Página 32

Os oficiais, que se manchavam derramando-nos o sangue, são vermelhos.

E nas eleições, que acabamos de pleitear, todos esses votaram com os vermelhos.

De quem pois partiu o atentado?

O futuro o dirá mui breve.

Mas os vermelhos protestaram, dizem os da nova-liga.

Não é verdade.

O Sr. Dr. João Teixeira de Sá protestou contra o feroz canibalismo de motu


próprio, indignado pelo ato nefando de tão selvagem assassinato.

O partido repeliu a espontaneidade do seu correligionário, que sofreu por essa


causa desgostos.

O órgão da facção Vinte cinco de Março aprovou o assassinato, o que deu lugar a
alguns a declararem órgão do padre Campos, e não dos conservadores.

E os genuínos.

Tudo empenharam para sufocar o desenvolvimento da opinião excitada contra o


audacioso acometimento de 30 de Setembro.

Só muitos dias depois vieram com um protesto ignominioso para rejeitarem as


vítimas declarando em cada período, que não compartilhavam suas ideias, que eram as
da nacionalização do comércio a retalho.

Os tribunos portanto nada devem aos vermelhos e genuínos como partidos; são
porém muito gratos ao Sr. Dr. João Teixeira de Sá, e a alguns outros moços distintos,
que manifestaram mui (?) claramente sua repulsão a degradante tragédia de 30 de
Setembro de 1866.

XXVIII

Eis pois o Sr. Urbano de origem conservadora voltando ao seio dos seus, da qual
saiu para desgraça de Pernambuco, do qual não devera ter saído para bem de
Pernambuco.
Página 33

Chefe nefasto da praia, o Sr. Urbano tem sempre sublevado todas as más paixões
contra os brasileiros, e só contra os brasileiros, defensor extremoso que ele é dos
portugueses.

Assim e que ousou perguntar-me, se a agitação era meio eleitoral, porque segundo
ele não havia justiça na propaganda do comércio a retalho para os brasileiros.

Constituído chefe, morto o domínio dos 14 anos, sendo consequência necessária a


subida ao poder do partido liberal; o Sr. Urbano, que já havia transigido com a corte
para embrulhar a bandeira constituinte de 1848, sujeitou-se a mistificar o partido liberal
de Pernambuco entregando-o a dois conservadores os Srs. conselheiros Francisco
Xavier Paes Barreto, e Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, ao que chamou liga em
1862.

A liga de 1862 constituiu-se em partido progressista, e o progresso não exclui a


liberdade, e antes caminha com ela e a par dela.

O Sr. Urbano porém dois meses depois, porque julgou ofendido o seu eu,
segregou da liga partidos liberais, que denominou genuínos.

Em 1867 por amor do seu eu, entrega esses genuínos amarrados de pés e mãos aos
conservadores e galegos; e dá assim o derradeiro golpe no seu próprio filho, e o
assassina.

Deus quis por esse modo por termo aos padecimentos do partido liberal
pernambucano, nulificando para sempre o homem mais astuto e mais pernicioso, que
tem andado em política.

No cumuio (?) de seu desespero, o Sr. Urbano ousou dizer-me – que eu só tinha a
dar-lhe a poeira, enquanto que o Sr. de Camaragibe entre as muitas graças, que havia
feito, entrava com o valioso contingente da guarda nacional, cujos oficiais sendo
vermelhos obedeciam antes ao honrado visconde de Camaragibe, do que ao presidente
da província.

Página 34

A poeira fez o seu dever, sufocou o Sr. Urbano.

XXIX

De tudo resulta:
1º. Que sempre tenho militado nas bandeiras do verdadeiro partido liberal,
defendendo sempre a democracia, e a causa da nacionalização do comércio a retalho.

Pelo que, tenho sofrido constantemente prisões e massacres.

2º. Que o Sr. Urbano Sabino Pessoa de Melo, de origem conservadora, foi sempre
hostil a liberdade, a causa popular, e a nacionalização do comércio à retalho.

Pelo que desde que está em cena há sempre gozado, e nada sofrido.

3º. Que o Sr. Urbano anda não deu contas ao país do assassinato do venerando
mártir Pedro Ivo Velozo da Silveira.

4º. Que o Sr. Urbano tem jogado com o povo pernambucano como se ele fosse em
suas mãos um baralho de cartas; mas que no seu derradeiro jogo perdeu para sempre.

XXX

Conclusão

Minha candidatura não é forçada, é natural.

Os serviços feitos ao país me dão direito a apresentar-me de viseira levantada ao


corpo eleitoral do 1º distrito desta província.

A luta foi renhida entre o partido progressista e a facção vermelha.

O 1º distrito não seria progressista sem o meu concurso.

Por pouco que me deem, dar-me-ão no Recife e votos suficientes para ter decidido
o pleito eleitoral em favor do governo.

Página 35

Em São José todos reconhecem, que a mim é devida a vitória.

Com esses 55 votos a oposição teria ganho o distrito.

Na Boa-Vista venceu o governo por 15 votos concedam-me 8, e seria a vitória da


oposição, se eu a ajudasse.

Fui a Boa-Vista pleitear, encontrei na matriz o meu nobre amigo o Sr. Antônio
Carneiro Machado Rios, sube (?) dele, que auxiliava a oposição – era muito poderoso
esse socorro, concordei com meus amigos de retirar nossa chapa para votarmos todos na
progressista.

Nessa última hipótese entrei para o distrito com 110 votos.


Se há justiça nos partidos políticos, não deve recusar-me a votação o partido
progressista.

A situação do país, especialmente a de Pernambuco, é bem melindrosa; os que


pretendem um melhor futuro, devem já procurar elementos de unidade com o partido
popular.

Na luta entre o passado e o presente, não hesitei, aceitei o presente, esperando dele
melhor futuro.

A luta que se vai travar em maio na câmara temporária reclama de Pernambuco


poderoso concurso; esse concurso levará à câmara o partido progressista por intermédio
de homens, que, conhecedores do passado, possam arcar com os chamados históricos.

Há necessidade de alargar o círculo para dar nele entrada as legítimas aspirações.

Um partido novo qual o da situação tem necessidade de novos elementos que o


vigorem, não perdendo forças, que possam, sendo repudiadas, opor sérios embaraços.

A experiência está feita: sou elemento de poder e de ordem nesta província, não
devo preterido por homens, que só tenham por si o favoritismo.

Página 36

Constituído terceiro estado, o partido popular prepondera sempre em favor


daquele em cuja balança depuser a espada de Breno, de que é herdeiro.

E dia virá em que fique conquistador.

É tempo de atendê-lo.

Reflitam os homens sérios e graves da situação, afim de verem que cumpre


conceder alguma cousa ao povo, e o povo me que seu representante.

Quanto a mim, é conhecida minha lealdade.

Espero, confiado nos eleitores do primeiro distrito, que aceitarão meu nome, e me
concederão um diploma para ter entrada no parlamento brasileiro.

Será dupla a vitória, se expelindo o Sr. Urbano do parlamento entro eu nele.

Confiem todos em meu critério: saberei alisar a causa do povo com a da


autoridade; e jamais faltarei a meus deveres.

Recife, 20 de fevereiro de 1837 (?)

Dr. Antônio Borges da Fonseca.

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