Me sai da casa da minha avó não sei porque tomei o
citalopram dela, na verdade eu sei o porquê eu
briguei com a mulher que eu dizia amar, mas isso era motivo? Eu queria me acalmar ou mudar meu humor? Nem eu sei dizer, mas precisava de algo diferente do álcool, pois esse tipo de ressaca estava me matando. Briguei, briguei muito, coisas que já havia brigado, não sei o porquê também me desesperei de novo, mas que se dane eu, abri a porta do portão pois meu pai me convidava por telefone beber com ele, beber com meu pai é sempre bom eu não pago e ele gosta de conversar comigo, não me creio uma pessoa muito interessante mas pai é pai não é? Acho que ele acha que sou alguém em potencial pra defender a arte ou alguém que ele queria ser. Bom, cruzando a porta da minha avó eu vi uma mãe e um filho autista, ele era um negro, gordo, talvez de 15 anos, de cabelos até os ombros, e isso me fez pensar que eu também já tive cabelos até os ombros e sinto falta deles sinceramente, talvez eu chamava atenção, tenho alguma coisa de narcisismo fora do padrão que me faz ser exótico, tanto é que estou enrolando para chegar na finalidade da estória. Cruzando o portão ele gritava e gritava, um grito estridente como se quisesse arrebentar com a saúde de todos os idosos daquela região inclusive minha avó que não custa nada pra botar a cara na janela.
E a mãe dele não parecia se incomodar, ou impedi-lo
de gritar. Era como uma sinfonia que se alargava pela aquela rua silenciosa. O poeta tem seus preços a se pagar! Logo uma questão havia de ser estabelecida no meu ser. Meus escritos que com esmero escolhi a dedo do melhor, do melhor português, da melhor métrica possível, talvez com 24 anos seis pessoas ouviram e talvez 2 gostaram. E aquele garoto vegetando atingia 20, 30 talvez 40 pessoas por onde passava. Que porra que acontece com isso? Aquele garoto miserável me fez pensar no grito que eu não dei por medo, vivi gritando em palavras e papéis e elas no fundo são puramente diversão de quem gosta de mim, no caso eu mesmo, somente eu mesmo. Porque eu tive que dar este grito em um papel? Falando da mulher que eu queria amar e ser pra sempre amor? Talvez ele em sua imbecilidade existencial estava gritando tudo aquilo que não reivindiquei lá atrás, ele conseguiu o que queria não gritando? Não sei, eu não gritei, logo não consegui, ninguém me ouviu, nem mesmo aquela garota que eu gostava tanto. Será que ele zombava de mim? será que ele falava um idioma sentimental? Me dizendo que eu sou um merda que nunca teve coragem de gritar meus sentimentos como ele, e por isso perdi todas as possibilidades de afeto da minha vida. Aquele garoto era do caralho ou será que eu estou achando arte no absurdo? Já falei “não sei” uma porrada de vezes, acho que o citalopram da velha fez efeito. Digo o seguinte... - Grite o meu grito moleque, rasgue meus ouvidos que teu grito é mais digno de qualquer uma filho da puta que se sente racional e poeta, militante das palavras e dos sentimentos, grite com força meu amigo cabeludo como eu fui um dia, obrigue o mundo a te ouvir, pois a nós poetas da nova era ninguém quer ouvir. Você não vai sentir a dor do existir, espero, mas em tua existência posso dizer que fostes sincero no teu grito, o grito que não dei...
Eu não sabia que no fundo a química humana haveria de
me atingir, eu não soube lidar com a minha própria existência, desde cedo é corticoide, adolescente chás e álcool, e agora velho, anti depressivos, porque eu iria me foder pra resolver na minha cabeça se apenas um comprimido resolve minha vida. Pra que pensar tanto?