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A barbárie e o sistema prisional

Hélio Duque

Na Noruega, o neonazista Anders Behring Breivik, no dia 22 de


julho de 2011, explodiu um carro bomba matando 8 pessoas no complexo
governamental de Oslo. Ampliando a sua ação terrorista, deslocou-se para
Ilha de Utoeya, na região oeste de Oslo, onde a sangue frio, carregando
metralhadora automática, assassinou 69 pessoas. Eram jovens que
participavam do acampamento da Juventude do Partido Trabalhista
Norueguês. No julgamento em primeira instância foi condenado a 22 anos
de prisão, podendo ter a sentença prorrogável a ser definido pela Justiça de
Noruega.
No Brasil, na primeira semana do ano, a barbárie nas
penitenciárias de Manaus e Boa Vista, com várias dezenas de mortos e
degolados, colocou na ordem do dia a caótica situação dos presídios
brasileiros, onde a guerra de facções criminosas disputando liderança no
mercado das drogas ficou patentemente comprovada. Além do sistema de
segurança pública prisional ser colocado em cheque, pela corrupção e
superlotação de presídios, a sociedade despertou para outra realidade: o
sistema penal aplicado pelo Judiciário tem grande responsabilidade no caos
prisional brasileiro. O Ministério da Justiça oficializou que, em 2003, havia
240 mil presos, saltando para 622 mil presos em 2015. No último ano, 2016,
o numero estimado supera 650 mil presos.
A superlotação dos presídios vem tendo na Lei 11.343, de
2006 (chamada Lei das Drogas), arcabouço jurídico que, na sua linguagem
subjetiva, leva muitos magistrados à condenação de penas de 10 anos ou
mais, de “usuários” de drogas como “traficantes”. O recente Relatório
Mundial dos Direitos Humanos da HRW mostra que, no Brasil, 28% dos
homens e 64% das mulheres presas estão associados às drogas. Com o
agravante de 40% dos presos serem réus primários. A advogada Maria
Laura Canineu, diretora brasileira da Human Rights Watch, afirma: “É
preciso reformar nossa política de drogas. Um dos principais fatores para
superlotação é essa política. Há uma subjetividade em relação ao que é
traficante.”
Quando membros do poder judiciário mandam para o
encarceramento jovens usuários, catalogados como traficantes, estão
garantindo recrutamento para organizações criminosas, mão de obra
abundante para as redes de tráfico. Tem razão a socióloga Julita Lemgruber:
“Estamos transformando infratores que não são perigosos em pessoas
perigosas”. A advogada Luciana Boiteux, professora de direito criminal da
UFRJ, alerta: “Lotamos o sistema com gente de varejo das drogas. Quem
ocupa a alta hierarquia do tráfico está solto”. (Folha de S.Paulo – 15-1-
2017). Quando são soltos muitos se transformam em militantes e agentes
na comercialização da droga, sintonizados com os chefes que conheceram
na prisão. Formam redes de distribuição disseminadas na sociedade, onde o
consumo vem ocorrendo em um mercado ascendente. O pesquisador César
Muñoz, do Human Rights Watch, no Brasil, constata: “Muitas vezes o Juiz
decide do seu gabinete, a partir apenas das informações da polícia. Já vi
presos que durante dois anos sequer haviam sido levados ao Juiz.”
Realidade que leva o sistema prisional no Brasil ser
classificado entre os piores do mundo. Agravada pela Lei de Drogas que não
estabelece com objetividade e clareza sobre a quantidade de drogas que
diferencia o usuário do traficante, deixando ao julgador proferir sentença
carregada de subjetividade. A reformulação da Lei 11.343 é um ponto
fundamental para combater problemas crônicos das prisões brasileiras,
destacadamente a superlotação.
Nesse cenário desesperador, a ministra Cármen Lucia,
presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça,
convocou os 27 presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados para
reunião emergencial, objetivando saber quantos presos provisórios existem
nas unidades federativas, exigindo que por 90 dias uma força tarefa de cada
Tribunal agilize a realização de julgamento dos processos pendentes. Na
mesma reunião foi criado um grupo especial integrado por 11 juízes nos
vários Estados para identificar os problemas nas diferentes esferas de
execução penal.
Esse grupo deveria aprofundar investigação para saber como
entram drogas, celulares e armas nas prisões. E meditar sobre a observação
do deputado federal Alberto Fraga, na “Folha de S.Paulo” (13-01-2017):
“Outro grave problema é a falta de gestão do sistema. Nem classificação de
periculosidade é realizada. Ladrão de galinha fica misturado com assaltante
de banco. Um exemplo disse foi o caso de um senhor de 65 anos, preso por
não pagar pensão, dividindo a cela com todo tipo de bandido.”

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade


Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de
vários livros sobre a economia brasileira.

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