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ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE 1105

Características dos serviços públicos de


saúde mental (Capsi, Capsad, Caps III) do
estado de Santa Catarina
Characteristics of public mental health services (Capsi, Capsad, Caps
III) of the Santa Catarina State

Aline Batista Bernardi1, Lilia Aparecida Kanan2

RESUMO O artigo apresenta as características de estrutura física, de recursos humanos e de


atendimentos ofertados aos adolescentes com transtornos decorrentes do uso de álcool e
outras drogas nos serviços públicos de saúde mental do estado de Santa Catarina. Estudo de
natureza qualiquantitativa e descritiva. Das 21 equipes de profissionais dos serviços existentes
no estado, 19 participaram do estudo. Os dados foram coletados mediante questionário on-line
e organizados em categorias definidas a priori. Ao final, conclui-se que é premente a amplia-
ção dos equipamentos da rede de saúde mental para atendimento de crianças e adolescentes
usuários de drogas, com base na atenção integral e intersetorial de cuidado.

PALAVRAS-CHAVE Saúde mental; Saúde pública; Adolescente; Transtornos relacionados ao


uso de substância.

ABSTRACT The article presents the characteristics of physical structure, human resources and
care offered to adolescents with disorders resulting from the use of alcohol and others drugs in
the public mental health services of the Santa Catarina State. It is a qualitative, quantitative
and descriptive study. Of the 21 professional teams of existing services in the state, 19 partici-
pated in the study. Data were collected through online questionnaire and organized into defined
categories. At the end, it is concluded that it is urgent the expansion of Mental Health network
equipment for the care of children and adolescents drug users, based on the full attention and
intersectoral care.

KEYWORDS Mental health; Public health; Adolescent; Substance-related disorders.

1 Universidade do Planalto
Catarinense (Uniplac),
Programa de Pós-
Graduação stricto sensu em
Ambiente e Saúde. Saúde
- Lages (SC), Brasil.
alinebernardi@hotmail.com

2 Universidadedo Planalto
Catarinense (Uniplac),
Programa de Pós-
Graduação stricto sensu
em Ambiente e Saúde.
Saúde - Lages (SC), Brasil.
lilia.kanan@gmail.com

DOI: 10.1590/0103-110420151070533 SAÚDE DEBATE | Rio de Janeiro, v. 39, n. 107, P. 1105-1116, OUT-DEZ 2015
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Introdução dados da PeNSE 2012 mostraram que 66,6%


dos escolares já haviam experimentado
O uso de drogas na adolescência afeta a cog- bebida alcoólica, sendo esse indicador maior
nição, a capacidade de julgamento, o humor na região Sul do País (76,9%). Destaca-se que
e as relações interpessoais, aspectos que, 21,8% dos escolares já tiveram algum episó-
frequentemente, já se encontram em desen- dio de embriaguez na vida (IBGE, 2012).
volvimento nesse período e que podem ser No tocante ao uso de drogas ilícitas, tais
comprometidos pelo uso de drogas. Pinsky e como maconha, cocaína, crack, cola, loló,
Bessa (2012, P. 11) asseveram que a adolescência lança perfume, ecstasy, evidenciou-se que
é uma fase de mudanças, “época de grandes 7,3% dos escolares já haviam feito uso.
transformações, de descobertas, de ruptu- Considerando-se, exclusivamente, os esco-
ras e de aprendizados”. Os autores afirmam lares que usaram drogas ilícitas alguma vez
que é em decorrência dessas transformações na vida, 34,5% utilizaram maconha, e 6,4%
que essa se torna uma fase de medos e ins- usaram crack. Deste modo, o uso de drogas
tabilidades, que podem ocasionar altera- na adolescência torna-se um problema de
ções de comportamentos, oscilando entre saúde pública, uma vez que seu consumo
demonstrações de agressividade, agitação e abusivo tem aumentado ao longo dos anos.
impulsividade ou tédio, sonolência e insa- No que se refere ao atendimento desses ado-
tisfação com a vida no geral. Depreende-se, lescentes, Pereira (2012) assegura que se trata
assim, que a fase da adolescência necessita de uma demanda que exige reflexões clínicas
de cuidado, amparo e proteção, pois, além da constantes e chama a atenção para a consolida-
transformação para um corpo adulto, existe ção da política voltada ao sistema de garantia
uma maturação emocional a ser considerada. de direitos das crianças e dos adolescentes.
A adolescência, além de ser um período No Brasil, há significativo aparato legal
de transições, também evidencia a necessi- que converge para a obrigatoriedade de que
dade de integração social, busca de autoa- o Centro de Atenção Psicossocial (Caps)
firmação, construção da identidade sexual e se constitua como um serviço substituti-
da independência. Com relação à motivação vo que ofereça atividades terapêuticas e
para o uso e a dependência de drogas psico- atendimento clínico em regime de atenção
ativas, Silva e Mattos (2012) ponderam que os diária, ou seja, o Caps extrapola seu uso
circuitos cerebrais envolvidos na motivação para consultas e obtenção de medicamen-
são os responsáveis pela impulsividade e tos, evitando, desse modo, as internações
pela tomada de decisões, áreas, geralmen- em hospitais psiquiátricos. Esse processo
te, em desenvolvimento na adolescência. chama-se Clínica Ampliada, que está sendo
Os autores afirmam que, se ocorrer experi- reorientada nas práticas de atenção psicos-
mentação de drogas psicoativas nessa fase, social, o que provoca mudanças nos modos
recebendo o adolescente cuidado, amparo e tradicionais de compreensão e de tratamen-
proteção pela rede familiar e social, possi- to dos transtornos mentais.
velmente, o uso de drogas será interrompido Os Caps, regulamentados pela Portaria n.º
com a maturidade. 336/2002 (BRASIL, 2002B), devem ser compostos
Em 2012, foi realizada a Pesquisa Nacional por uma equipe multiprofissional, e esses pro-
de Saúde do Escolar (PeNSE), pelo Instituto fissionais devem trabalhar com perspectiva in-
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), terdisciplinar, sendo responsáveis pela unidade
que investigou os fatores de risco e proteção durante todo o seu período de funcionamento,
à saúde dos adolescentes, tendo como popu- o que inclui criar uma ambiência terapêuti-
lação os escolares do 9º ano do ensino funda- ca acolhedora. Os Caps podem se constituir
mental. No que se refere ao uso de drogas, os em 5 modalidades: Caps I, Caps II e Caps III,

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diferenciando-se apenas no que se refere à inclusão da saúde mental infantil no campo


ordem crescente de porte/complexidade e da saúde pública.
abrangência populacional. E outros 2 servi- Couto, Duarte e Delgado (2008, P. 392) asse-
ços específicos de atenção psicossocial: Capsi veram que
(Criança e Adolescente), voltado à atenção
psicossocial para atendimentos de crianças há ainda um significativo hiato a ser recoberto
e adolescentes; e Capsad (Álcool e outras quanto ao desenvolvimento de modalidades
Drogas), responsável pela atenção psicossocial de intervenção para o cuidado à saúde mental
de pessoas com transtornos decorrentes de uso de crianças e adolescentes que sejam aplicá-
e dependência de substâncias psicoativas. veis a diferentes contextos.
A Portaria n.º 3.088/2011 propõe que os ado-
lescentes com necessidades decorrentes do Esse entendimento vai ao encontro de
uso de crack, álcool e outras drogas sejam aten- Espinola (2013), quando afirma que a realidade
didos nos diversos pontos de atenção da Rede complexa vivenciada por todos os envolvidos no
de Atenção Psicossocial (BRASIL, 2011). Entende- processo de atenção de adolescentes com trans-
se, assim, que, por critério clínico, no caso de tornos decorrentes do uso de drogas estimula
abuso de drogas, deveriam ser atendidos em os profissionais e pesquisadores no sentido de
um Centro de Atenção Psicossocial. Todavia, observar, investigar, analisar as mudanças das
o Ministério da Saúde não definiu de forma práticas de atenção e cuidado oferecidas aos
clara qual Caps possui atribuição exclusiva adolescentes usuários de drogas psicoativas e a
para atendimento de crianças e adolescentes seus familiares nos serviços de saúde.
com transtornos mentais decorrentes do uso Neste artigo, objetiva-se apresentar as ca-
de drogas psicoativas, atribuindo a responsabi- racterísticas da estrutura física, de recursos
lidade tanto aos Capsi quanto aos Capsad. humanos e de atendimentos ofertados aos ado-
Ainda, atribui ao Caps I (que deve ser im- lescentes com transtornos decorrentes do uso
plantado em municípios com população entre de drogas nos serviços de saúde mental: Capsi,
20.000 e 70.000 habitantes) responsabilida- Capsad e Caps III, do estado de Santa Catarina.
de com relação ao atendimento de crianças Importante destacar que o que ora é apresenta-
e adolescentes (BRASIL, 2011), sendo, portanto, do é parte de uma dissertação de mestrado que
necessário que cada município defina o fluxo investigou, também, as características da assis-
mais adequado às necessidades da população. tência prestada pelas equipes profissionais dos
A inclusão tardia da saúde mental infan- serviços públicos de saúde mental referidos.
tojuvenil na agenda das políticas de saúde
mental pode ser atribuída a diversos fatores.
De acordo com Couto, Duarte e Delgado Percurso metodológico
(2008), alguns exemplos que podem ser des-
tacados são: a extensa e variada gama de A pesquisa é de natureza aplicada, com abor-
problemas relacionados à saúde mental da dagem qualiquantitativa. Com relação aos
infância e da adolescência; a complexidade objetivos caracteriza-se como descritiva e no
da avaliação diagnóstica e situacional; a di- que se refere aos procedimentos utilizados,
ficuldade de encontrar estudos sistematiza- trata-se de em estudo de levantamento.
dos sobre as consequências dos transtornos Foram convidados a participar da pes-
mentais originados na infância e na adoles- quisa os 21 serviços de saúde mental ca-
cência sobre a vida adulta; poucas evidên- dastrados no primeiro semestre de 2013
cias empíricas de qualidade sobre a eficácia na Secretaria de Estado da Saúde de Santa
e a efetividade de tratamentos para trans- Catarina. Obteve-se retorno e anuência à
tornos mentais infantis; e a dificuldade de participação de 19 serviços de saúde mental

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(Caps), de 9 municípios de Santa Catarina. A de Consentimento Livre e Esclarecido


saber: 7 Capsi, 9 Capsad e 3 Caps III. (TCLE) on-line, encaminhado junto ao
A escolha dos Caps deveu-se ao fato de instrumento de coleta de dados, os partici-
serem os serviços estratégicos da Reforma pantes tiveram conhecimento formal e do-
Psiquiátrica, tendo como diretriz de aten- cumental das condições de sua participação
dimento ser uma base comunitária para na pesquisa, o qual, conforme devolução do
pessoas em sofrimento psíquico. Segundo questionário respondido à pesquisadora,
a Portaria n.º 336/2002 (BRASIL, 2002B), devem formalizou automaticamente o aceite dos
“responsabilizar-se, sob coordenação do termos previstos no TCLE. O item 9.8 do
gestor local, pela organização da demanda Manual Operacional para Comitês de Ética
e da rede de cuidados em saúde mental no em Pesquisa, elaborado pela Comissão
âmbito do seu território”. Ainda, os Caps Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)
para atendimentos específicos em saúde (BRASIL, 2002A), informa que no caso de pre-
mental para atenção em álcool e outras enchimento de questionário anônimo via
drogas e para crianças e adolescentes (Capsi e-mail, à semelhança deste estudo, a devo-
e Capsad), possuem como critério apenas lução do questionário preenchido configura
serem implantados em municípios com mais o consentimento em participar da pesquisa.
de 70 mil habitantes (BRASIL, 2002B). Assim, fica dispensada, nesses casos, a assi-
Obteve-se retorno de 90,4% dos instru- natura do Termo de Consentimento Livre
mentos enviados, percentual considerado e Esclarecido. Importante destacar, ainda,
significativo para o desenvolvimento da que o estudo não recebeu qualquer tipo de
pesquisa. Mertens (2005 APUD SAMPIERI; CALLADO; suporte financeiro e não apresentou, em
LUCIO, 2013, P. 255) assevera que “uma taxa de qualquer de suas fases, conflito de interesse.
devolução de questionários preenchidos via
correio ou de maneira eletrônica acima de
50% é muito favorável”. Resultados e discussão
A coleta de dados, precedida de um pré-teste
para verificar a confiabilidade do instrumento, Ao se analisar o conjunto dos dados cole-
ocorreu por meio de questionário encaminha- tados, observa-se que Santa Catarina tem
do on-line, sendo um por instituição. um bom indicador de cobertura de Caps,
Quanto à organização e à análise dos 0,94 Caps/100.000 habitantes, quando
dados, as respostas aos instrumentos foram se compara à taxa do País, que é de 0,74
codificadas. Os dados quantitativos foram Caps/100.000 habitantes (BRASIL, 2012).
demonstrados em números, traduzindo as Verifica-se também que a modalidade com
opiniões e informações, de modo a se pro- maior cobertura é de Caps I. Isto porque
ceder à análise. Os dados qualitativos foram dentre os 295 municípios catarinenses, 277
compilados através da análise de conteúdo (93,9%) têm população de menos de 70.000
quantitativa, que, conforme Sampieri et al. habitantes (IBGE, 2015), o que inviabiliza a im-
(2013, P. 275), “é uma técnica para estudar qual- plantação das demais modalidades de Caps.
quer tipo de comunicação de uma maneira Os dados coletados junto aos 19 serviços
‘objetiva’ e sistemática, que quantifica as de saúde mental participantes deste estudo
mensagens ou conteúdos em categorias”. foram organizados em categorias definidas
A pesquisa obteve anuência de Comitê em consonância com os objetivos da pesqui-
de Ética em Pesquisa da universidade a qual sa. Neste artigo, trata-se de uma das catego-
as autoras estão vinculadas (Parecer n.º rias: ‘Características dos serviços de saúde
096/13), conforme preconiza a Resolução mental em relação à estrutura física, recur-
CNS n.º 466/12 (Conep). Por meio do Termo sos humanos e atendimentos ofertados’.

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A respeito do ‘tempo de existência’ dos 16 Coordenadores;


serviços que participaram da pesquisa, 10
(52,6%) apresentaram tempo de serviço 7 profissionais das categorias Terapeuta
maior que 7 anos; 6 (31,6%) possuem de 4 a 6 Ocupacional e Enfermeiros;
anos; e 3 (15,8%) têm entre 1 e 3 anos. Tal dado
amplia a fidedignidade dos dados, uma vez 5 profissionais das categorias Assistente
que a maioria dos serviços possui significati- Social e Auxiliares Administrativos;
va experiência no atendimento a pessoas com
transtornos decorrentes do uso de drogas. 3 Técnicos de Enfermagem;
Quanto ao ‘quantitativo de profissionais
por equipes’, relacionado ao número de ins- 2 profissionais das categorias Pedagogo,
trumentos respondidos por Caps, obteve-se Professor de Artes e Redutores de Danos;
o seguinte retorno:
1 profissional das categorias Farmacêutico,
Respostas coletivas de 16 profissionais da Auxiliar de Limpeza, Cozinheiro, Educador
equipe: 01 Caps. Físico, Educador Social (Ensino Médio),
Médico Clínico Geral, Médico Psiquiatra,
Respostas coletivas de 11 profissionais da Motorista e Professor de Música.
equipe: 01 Caps.

Respostas coletivas de 8 profissionais da No Brasil, desde a década de 1970, o traba-


equipe: 02 Caps. lho em saúde passou a priorizar a composição
de equipes multiprofissionais. Esse processo
Respostas coletivas de 5 profissionais da é dicotômico no sentido de que aumenta as
equipe: 01 Caps. possibilidades terapêuticas de assistência,
contudo, pode aumentar, também, o risco de
Resposta coletivas de 4 profissionais da fragmentação do trabalho, impondo, assim, a
equipe: 01 Caps. necessidade de integração interdisciplinar. A
atuação interdisciplinar pretende superar a
Respostas coletivas de 3 profissionais da fragmentação do conhecimento.
equipe: 03 Caps. A dificuldade das equipes participantes
desta pesquisa de se organizarem coletiva-
Respostas coletivas de 2 profissionais da mente para responder ao questionário denota
equipe: 04 Caps. um dos pontos críticos da integração inter-
disciplinar em saúde. Esse ponto refere-se à
Respostas do coordenador da equipe: 06 ausência de espaços para a discussão de um
Caps. projeto em comum, a problemas no processo
de comunicação e à existência de concep-
ções de integralidade imprecisas e/ou equi-
Das ‘categorias profissionais’ que par- vocadas entre profissionais de saúde.
ticiparam da construção das respostas Tal fato possibilita perceber o quanto
ao instrumento de coleta de dados das as equipes necessitam de processos de co-
equipes, obteve-se a participação de 75 municação mais eficazes, que busquem
profissionais, sendo eles: compartilhar saberes e práticas, com o
intuito de fortalecimento e atendimento de
17 Psicólogos; maneira integral.

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É possível depreender que responder ao Interessante é observar, ainda, que, entre


instrumento de coleta de dados possibilitou os 19 serviços participantes, somente 8
processos comunicacionais mais comple- (42,1%) relataram ter sanitário adaptado
xos. Exemplo disso é a manifestação de um para deficientes, fato que evidencia pro-
dos participantes: blemas de adaptação e mobilidade para
pessoas com deficiências. Cabe considerar
a equipe é dividida na opinião da efetividade da que a necessidade de superar barreiras de
redução de danos para adolescentes, assim como acesso aos serviços da Rede de Atenção à
em qual unidade de saúde mental deveria ser Saúde é uma das diretrizes do Decreto n.º
atendido (Capsi ou Capsad). (Capsi 1). 5296, de 02 de dezembro de 2004, assim
como do Decreto n.º 7.612, de novembro
Observa-se, assim, que a atuação das equipes de 2011, que institui o Plano Nacional dos
participantes traz consigo atravessamentos Direitos da Pessoa com Deficiência, tornan-
complexos, pois, de um lado, emerge a neces- do necessária a adaptação dos serviços no
sidade de estabelecer uma base epistemológica tocante à estrutura física para o acolhimen-
comum entre as profissões, e, por outro, insurge to de pessoas com deficiências.
a perspectiva multiprofissional e interdiscipli- Ainda, de modo a reforçar os dados apu-
nar proposta pela reforma psiquiátrica, que rados, destaca-se a Política Nacional de
impõe a mudança do modelo de assistência, Humanização (PNH), que objetiva o aprimo-
tarefa bastante complexa (VASCONCELLOS, 2010). ramento do Sistema Único de Saúde (SUS) por
Com relação aos ‘profissionais que meio da humanização das relações entre todos
compõem as equipes’ das instituições parti- os agentes envolvidos. Uma das diretrizes da
cipantes, pode-se verificar que os 3 (15,7%) PNH é a ambiência na saúde, pois refere-se
Caps III têm sua composição de equipe con- ao cuidado com o espaço físico, que possibilita
soante a Portaria n.º 336/2002, que estabe- os encontros social e profissional e as relações
lece os Caps I, Caps II, Caps III, Capsi II e interpessoais, de modo a proporcionar atenção
Capsad II e suas diretrizes (BRASIL, 2002B). acolhedora, resolutiva e humana.
Entre os 7 Capsi participantes, 4 (21,1%) Há de se considerar, além disso, a au-
estão de acordo com a Portaria n.º 336/2002 sência de alguns serviços adaptados para
(BRASIL, 2002B) e 3 (15,7%) apresentam deficiên- pessoas com deficiências, o que possivel-
cia na quantidade de profissionais de nível mente prejudique a atenção acolhedora,
médio. Entre os 9 Capsad participantes, 6 resolutiva e humana dedicada àquelas que
(31,6%) atendem à Portaria n.º 336/2002, e necessitam desses serviços.
3 (15,7%) apresentam deficiências como falta Existe uma forte relação entre a ambi-
de médico psiquiatra e médico clínico, enfer- ência e o cuidado, que pode ser um fator de
meiro e profissionais de nível médio. acréscimo ou redução do cuidado.
Sobre a ‘estrutura física’ dos serviços, ve-
rifica-se que em 3 (15,7%) Caps III as defici- A estrutura disponibilizada precisa oportunizar
ências estão representadas pela quantidade um ambiente terapêutico, e quando necessário
insuficiente de quartos de repouso, quando ser passível de modificações, a fim de promover
se considera a exigência da Resolução da melhorias nas condições do cuidar, já que ele está
Anvisa – RDC n.º 50, de 2002 (BRASIL, 2002C). presente em todas as etapas do cuidado”. (WILLRI-
Os 7 (36,8%) Capsi atendem às exigências CH ET AL., 2013, P. 256).
da Resolução da Anvisa quanto à estrutu-
ra física. Entre os 9 Capsad participantes, 3 Com base nesse entendimento, parece
(15,7%) apresentam deficiências com relação certo que a ambiência é relevante enquanto
à sala de atendimento para desintoxicação. aspecto estruturante do processo terapêutico.

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Todavia, por meio dos dados apurados, preconiza a legislação. Entretanto, 2 (10,5%)
observa-se que a maioria, 13 (68,4%) dos serviços disponibilizam quantidade inferior
Caps, atendem aos requisitos mínimos de à recomendada pela legislação vigente, o
estrutura física e recursos humanos, o que, que denota o desconhecimento por parte
em algumas situações, prediz a possibili- de alguns serviços dos direitos das pessoas
dade de fragilização do atendimento em com transtorno mentais.
decorrência do número insuficiente de pro- Outro dado significativo da pesquisa
fissionais por equipes. refere-se à ‘Reunião de Equipe’. Roeder
Os Caps funcionam sob uma lógica do ter- (2012) ressalta que as reuniões da equipe
ritório, a fim de executar as atribuições de devem ocorrer regularmente e com integra-
supervisão e regulação da rede de serviços ção efetiva entre os diversos setores. Para a
de saúde mental, e um dos objetivos desses Política Nacional de Humanização, a reunião
serviços é a promoção de inserção social dos de equipe não é apenas um espaço para
usuários através de ações intersetoriais e es- divisão de tarefas, mas de diálogo, e é preciso
tratégias em conjunto para o enfrentamen- que haja um clima democrático. Para tanto,
to dos problemas. É comum os usuários se é preciso criar um clima favorável à troca
recusarem a comparecer no Caps, seja pelo de opiniões (inclusive críticas), associado
desconhecimento do serviço, por problemas à objetividade das reuniões. Isso exige um
de compreensão referentes à patologia, pro- aprendizado de todas as partes e é a primeira
blemas socioeconômicos, entre outros. tarefa de qualquer equipe (BRASIL, 2009).
Tal entendimento possibilita verificar Ao analisar a frequência das reuniões
a importância das ‘estratégias para facili- de equipe, encontrou-se que todos os Caps
tar o acesso dos usuários’ aos serviços de participantes da pesquisa realizam reunião
saúde mental. E, sob esse viés, neste estudo, de equipe. Em relação à periodicidade, 12
encontrou-se que, entre os 19 serviços par- (63,1%) das equipes reúnem-se semanalmen-
ticipantes, apenas 2 (10,5%) não oferecem te e 7 (36,9%) mais que 2 vezes na semana.
transporte aos usuários. Entre os 17 serviços Entre os 3 principais assuntos abordados
que o disponibilizam, 7 (36,8%) dispõem nas reuniões de equipe, ‘discussão de casos’
de veículo próprio do serviço e também foi indicado por 100% dos Caps; ‘discussão
oferecem crédito para transporte coletivo. sobre planejamento de atividades terapêu-
9 (47,3%) Caps utilizam como estratégia ticas aos usuários’ por 12 (63,1%); e ‘organi-
apenas a oferta de crédito para transporte zação dos serviços burocráticos e rotina de
coletivo, e um Caps disponibiliza apenas o trabalho’ por 11(57,8%).
veículo da instituição. As discussões nas reuniões de equipe,
Quanto à assistência prestada ao usuário para construção e acompanhamento do
nos Caps, a Portaria n.º 336/2002 prevê que: Projeto Terapêutico Singular, são oportu-
nidades de valorização dos trabalhadores
os pacientes assistidos em um turno (04 ho- da equipe de saúde. No decorrer, vai sendo
ras) receberão uma refeição diária; os assisti- manifesta a interdependência entre todos
dos em dois turnos (08 horas) receberão duas na equipe. Tal situação favorece o cuidado
refeições diárias, e os que permanecerem no com usuário e o reconhecimento do traba-
serviço durante 24 horas contínuas receberão lho em equipe (BRASIL, 2009).
04 refeições diárias. (BRASIL, 2002B). Para Vasconsellos (2010), uma efetiva in-
terdisciplinaridade fornece espaço para
A respeito desse aspecto, esta pesquisa um cuidado plural, no qual o usuário é o
revelou que todos os serviços participantes ponto comum de várias profissões e modos
oferecem ‘refeições’ aos usuários, conforme de cuidado. Dessa maneira, a reunião de

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equipe possibilita a transformação do 1990. Reitera-se que a atenção dedicada


cuidado ao dirimir problemas comunica- aos adolescentes deve operar em rede e por
cionais e de diálogo entre os profissionais meio da articulação e da integração de dife-
e ao tornar os espaços coletivos favoráveis rentes atores sociais e pontos de vista, mas
à elaboração dos conflitos afetivos e das tendo como princípio a Proteção Integral de
fronteiras profissionais. Crianças e Adolescentes.
A ascensão da perspectiva interdisci- Em resposta a uma pergunta ‘aberta’
plinar provoca mudanças nos paradigmas foram citados 68 ‘outros serviços’ volta-
disciplinares e de pensamentos. Contribui dos ao atendimento em saúde mental de
para maior diálogo entre os diversos pro- adolescentes com transtornos decorrentes
fissionais e disciplinas, para mudanças de do uso de drogas que são oferecidos pelos
paradigmas do pensamento, tornando-o municípios onde os Caps estão inseridos.
mais criativo e sistêmico, bem como para Entre estes serviços, os mais citados foram: o
a busca de resolução de problemas atuais e Programa de Adolescentes em Cumprimento
complexos (STEILL, 2011). de Medida Socioeducativa, mencionado 13
E, com o intuito de filtrar os dados para vezes (19,11%); a Estratégia Saúde da Família
os ‘Caps que atendem adolescentes’ com e o Hospital Geral, citados 9 vezes (13,2%); e
transtornos decorrentes do uso de drogas, a Comunidade Terapêutica, referida 8 vezes
verificou-se que, dos 19 serviços, 4 (21,05%) (11,7%). O Programa de Redução de Danos foi
Caps não atendem adolescentes, sendo citado 3 vezes (4,4%) dentre as 68 citações.
2 (10,5%) na modalidade de Caps III e 2 Importante observar que não houve
(10,5%) de Capsad. A justificativa para o menção às Unidades de Acolhimento
não atendimento encontra-se no fato de Transitório Infantojuvenil. Há de se conside-
no município haver Capsi ou Capsad que já rar que os municípios pesquisados possuem
acolhe essa demanda. mais de 70 mil habitantes, sendo possível a
Destaca-se que dos 7 Capsi participantes, implantação da unidade. No entanto, veri-
todos (100%) afirmaram realizar atendimen- fica-se que essa importante estratégia de
to dos adolescentes com transtornos decor- cuidado voltada a adolescentes com trans-
rentes do uso de drogas. Cumprindo com tornos decorrentes do uso de drogas ainda
suas características definidas na Portaria n.º não é disponibilizada pelos municípios.
336/2002, o Capsi deve “responsabilizar-se, A assistência aos adolescentes com
sob coordenação do gestor local, pela organi- transtornos decorrentes do uso de drogas
zação da demanda e da rede de cuidados em apresenta uma relação com os delitos co-
saúde mental de crianças e adolescentes no metidos pelos adolescentes. Tal afirmação é
âmbito do seu território” (BRASIL, 2002B). sustentada pelo fato de que o Programa de
Um dado importante é que em 5 (55,5%) Adolescentes em Cumprimento de Medida
municípios dentre os 9 onde os serviços Socioeducativa foi o mais mencionado pelos
participantes da pesquisa estão inseridos, participantes da pesquisa como um serviço
tanto o Capsi quanto o Capsad atendem que atende adolescentes.
adolescentes com transtornos decorrentes O Serviço de Proteção Social a
do uso de drogas. Todavia, um Capsi revelou Adolescentes em Cumprimento de Medida
desconhecimento de que o Capsad também Socioeducativa em Meio Aberto foi ti-
atende adolescentes. A situação deve ser pificado pela Resolução n.º 109/09, do
debatida pelo sistema de garantia de pro- Conselho Nacional de Assistência Social,
teção da criança e do adolescente para que como serviço de responsabilidade do Creas
não fira os preceitos do Estatuto da Criança (Centro de Referência Especializado em
e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8069, de Assistência Social).

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Características dos serviços públicos de saúde mental (Capsi, Capsad, Caps III) do estado de Santa Catarina 1113

Destarte, esse dado sinaliza a relação que medidas capazes de romper com a banaliza-
existe entre o uso de drogas na adolescên- ção da violência e seu ciclo perverso.
cia e o ato infracional, o que, de certo modo, Sendo assim, a atuação judiciária deve
sinaliza a ineficiência dos atendimentos coexistir com a avaliação dos profissionais
preventivos ou realizados precocemente. O socioassistenciais e de saúde que estejam na
destaque para o Programa de Adolescentes assistência com o adolescente, em meio aberto
em Cumprimento de Medida Socioeducativa ou fechado. Por sua vez, indica-se que os pro-
como sendo de atendimento a adolescen- fissionais não devem se ater aos fatos relacio-
tes com transtornos decorrentes do uso de nados à prática infracional, mas às situações
drogas denota uma possível desarticula- e à realidade de vida em que o adolescente
ção das políticas setoriais na efetivação das está inserido. Tanto o ECA quanto o Sinase
medidas socioeducativas, assim como revela determinam a implementação de programas
o preconceito relacionado ao uso de drogas e sociais e sociofamiliares destinados aos egres-
ao ato infracional, bem como a falta de enten- sos do sistema socioeducativo. No entanto,
dimento sobre as diferenças entre medidas observa-se que são pouco desenvolvidos.
protetivas e medidas socioeducativas.
A socioeducação é imprescindível como po-
lítica pública específica para resgatar a imensa Considerações finais
dívida histórica da sociedade brasileira com a
população adolescente (vítima principal dos O Movimento da Reforma Psiquiátrica é um
altos índices de violência) e como contribui- processo contínuo de assistência a pessoas
ção à edificação de uma sociedade justa, que em sofrimento psíquico, que deve se manter
zela por seus adolescentes (BRASIL, 2013). Nesse atento para não perder sua perspectiva epis-
sentido, o Plano Nacional de Atendimento temológica. Na assistência em saúde mental é
Socioeducativo é um passo adiante em direção preciso manter a legitimidade aos princípios
a novos modos de atendimento de adolescen- do Movimento da Reforma Psiquiátrica como
tes autores de ato infracional e suas famílias, diretriz para o cuidado das pessoas em sofri-
pois possibilita oportunidades de constru- mento psíquico. Deste modo, destaca-se que a
ção de projetos de autonomia e emancipação
cidadã. Contudo, sua implantação ainda é in- afirmação da diferença e da singularidade hu-
cipiente, uma vez que esse Plano é, ao mesmo mana que a saúde mental, se rigorosa em seus
tempo, um desafio e um chamado à integração princípios, pode extrair o vigor de suas ações e
intersetorial da justiça, da saúde e da assistên- responder por aquilo que a especifica e legitima
cia social (BRASIL, 2013). frente ao conjunto das políticas públicas. (COUTO;
Cabe destacar aqui que algumas perspec- MARTINEZ, 2007, P. 8).
tivas contrárias possivelmente acarretem
prejuízos para a atenção aos adolescen- O fato de 93,9% dos municípios catarinenses
tes que cometeram ato infracional, como, possuírem população de menos de 70.000 habi-
por exemplo, a campanha para redução tantes e, por tal razão neles inexistirem serviços
da maioridade penal. É importante consi- públicos de saúde mental a adolescentes usuá-
derar que atos infracionais cometidos por rios de álcool e outras drogas, representa um
adolescentes devem ser entendidos como dos desafios para a saúde mental infantojuvenil
resultado de circunstâncias que podem apontado por Couto, Duarte e Delgado (2008): a
ser transformadas e superadas; e, para que necessidade de estender aos Caps I, II, III, AD
exista uma inserção social saudável e de e aos ambulatórios de saúde mental a cobertu-
reais oportunidades, os adolescentes preci- ra para tratamento de crianças e adolescentes,
sam ser protegidos de novas violências com na ausência de recursos específicos. E, assim,

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torna-se premente a realização de pesquisas relatam realizar reuniões semanais e que os


com os serviços Caps I para a compreensão de assuntos que permeiam as reuniões dizem
como se configura, no mesmo espaço, o atendi- respeito aos atendimentos prestados e às suas
mento de crianças, adolescentes e adultos com relações interpessoais. Contudo, apesar dos
sofrimentos psíquicos diversos. serviços relatarem empenho para um trabalho
Na pesquisa empreendida, pôde-se verifi- interdisciplinar, depreende-se dificuldades
car potencialidades e fragilidades dos servi- quanto às reuniões da equipe. Este entendi-
ços de saúde mental participantes, como, por mento se baseia na resposta ao instrumento de
exemplo, que alguns apresentam esforços na coleta de dados de 6 Caps, onde se observou
busca de consolidar os princípios da reforma que apenas o coordenador respondeu ao ins-
psiquiátrica e do SUS: universalidade, equida- trumento. Restam, assim, dúvidas referentes à
de e integralidade da atenção à saúde da popu- operacionalização das reuniões de equipe.
lação. Da mesma forma, foi possível observar Depreende-se também a fragmentação do
que os Caps participantes da pesquisa traba- cuidado com os adolescentes com transtor-
lham na perspectiva da atenção psicossocial, nos decorrentes do uso de drogas. Isto porque
clínica ampliada, território e projetos terapêu- alguns Caps não têm definido se o atendimento
ticos singulares aos usuários do serviço. deverá ser determinado pela idade ou se a ava-
Apesar disto, as fragilidades dos serviços liação da equipe é que definirá se o atendimen-
pesquisados estão principalmente associadas à to será realizado pelo Capsi ou pelo Capsad.
constituição das equipes. Isto porque os Caps Deste modo, é notória a lacuna existente na
participantes relatam trabalhar com o número Rede de Atenção Psicossocial, definida pela
mínimo de profissionais previsto pela Portaria Portaria n.º 3.088/2011, quanto ao cuidado do
n.º 336/2002. Representa ainda maior gravida- adolescente com transtornos decorrentes do
de o fato de algumas equipes citarem ausência uso de drogas. Tal entendimento se sustenta
de profissionais preconizados nesta Portaria. no fato de que tanto o Capsi quanto Capsad
Tal fato se repete em relação à estrutura física, atendem esse público, o que, consequente-
pois somente os espaços mínimos consoantes mente, favorece a fragmentação e a desrespon-
à legislação vigente é que são disponibilizados sabilização pela assistência e pelo cuidado.
aos usuários do serviço. Sobre esse aspecto, en- Nesses termos, quando o adolescente é aten-
contra-se, ainda, que alguns serviços apresen- dido no Capsad juntamente com os adultos,
tam deficiências de estrutura, principalmente observa-se uma tentativa forçada de tratá-lo
no que diz respeito aos leitos para repouso, como adulto. Dessa forma, possivelmente, há
desintoxicação e adaptação para atendimentos prejuízos ao adolescente, que apresenta carac-
de pessoas com deficiências. terísticas físicas, sociais e psicológicas ainda
Em se tratando de fragilidades, citam-se em desenvolvimento. Esse fato pode estar
ainda as estratégias de acesso aos usuários, associado à baixa adesão dos adolescentes ao
(transporte e oferta de refeições), pois dois dos serviço e à precarização de estratégias tera-
Caps participantes da pesquisa não atendem pêuticas desenvolvidas nos serviços, no que se
ao preconizado pela Portaria n.º 336/2002. refere ao atendimento juvenil.
Tais deficiências de recursos humanos e es- É premente a necessidade de definição e
truturais sinalizam a necessidade de supervisão implementação de Política de Saúde Mental
constante dos órgãos governamentais, de modo específica para o atendimento de crianças e
que a qualidade, a ambiência e a efetividade do adolescentes usuários de álcool e outras drogas,
atendimento em saúde mental sejam garantidas. bem como de ampliação dos equipamentos da
Os dados apurados possibilitam constatar rede de saúde mental para esse público.
esforços por parte dos serviços em promover Observa-se que ainda é incipiente a
ações interdisciplinarmente, uma vez que instalação de serviços especializados

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destinados ao acompanhamento continua- visto que é um recorte da caracterização dos


do de crianças e adolescentes com trans- serviços de saúde mental do estado de Santa
tornos decorrentes do uso de drogas, assim Catarina. Há necessidade de pesquisas que
como é notória a necessidade de maior caracterizem o trabalho realizado nos Caps
mobilização de poderes constituídos e da I, e é imperativo fomentar pesquisas na área
sociedade em torno de ações que visem à da infância e da adolescência relacionadas à
prevenção do uso de álcool e outras drogas assistência prestada ao público portador de
pelo público infantojuvenil. transtornos decorrentes do uso de drogas,
Destarte, considera-se que não há preten- de modo a fortalecer, assim, a implantação
são de se esgotar o assunto nesta pesquisa, de políticas públicas eficazes. s

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