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COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA troca e nos sentimos feridos e desapontados se isso nao acontece. Uma vez que nosso desejo de beneficiar esta misturado com inte- resses egoistas, nossa ajuda quase sempre vem acompanhada de expectativas ou de reconhecimento pessoal. Como nossa intengao é impura, nossa capacidade para ajudar carece de poder e perma- nece limitada. Se, enquanto nao fazemos nenhum esforgo para eliminar nos- so autoapre¢o, afirmarmos estar trabalhando para o beneficio de todos, nossa afirmagao estara vindo da boca e nao do nosso co- ragao e da nossa sabedoria. E claro que devemos ajudar os outros de maneiras praticas sempre que pudermos, mas sempre deve- mos relembrar que nossa intengao principal é desenvolver nossa mente. Treinando em trocar eu por outros experienciaremos, por fim, a felicidade ultima da Budeidade e teremos 0 pleno poder de beneficiar todos os seres vivos. S6 entdo estaremos em condi¢ées de dizer: “Sou um benfeitor de todos os seres vivos’. Desse modo, nosso treino de trocar eu por outros cumpre tanto os nossos pré- prios propdsitos como os dos outros. Nossa tarefa mais importante, agora, é treinar nossa mente e, em particular, fortalecer nossa intengao de estar a servico dos outros. Em Carta Amigdvel, Nagarjuna diz. que, embora possamos nao ter, atualmente, capacidade para ajudar os outros, se mantivermos 0 tempo todo em nossa mente a intengao de fazé-lo, nossa capacida- de para ajuda-los aumentaré gradualmente. A razdo é que, quanto mais apreciarmos os outros, mais nosso mérito, sabedoria e capa- cidade de realmente beneficia-los aumentarao, e as oportunidades para ajudar de maneiras praticas surgirao naturalmente. COMO E POSSIVEL TROCAR EU POR OUTROS? Trocar eu por outros nao significa que iremos nos tornar a ou- tra pessoa - significa que trocamos 0 objeto do nosso apre¢o, ou seja, de “nos mesmos” para “outros”. Para compreender como isso é possivel, devemos entender que 0 objeto da nossa mente de autoaprego esta sempre mudando. Quando somos novos, 0 objeto 160 TROCAR FU POR OUTROS do nosso autoapreco é uma menina ou um menino, mas depois muda para um adolescente, para uma pessoa de meia-idade e, por fim, para um idoso. No momento presente, talvez apreciemos a nés mesmos como um ser humano especifico, chamado Maria ou Joao, mas, depois que morrermos, 0 objeto do nosso apre¢o mudaré totalmente. Desse modo, 0 objeto do nosso aprego esta mudando continuamente, tanto durante esta vida como de uma vida para outra. Visto que nosso apreco se transfere naturalmen- te de um objeto para outro, é plenamente possivel para nds, por meio de treino em medita¢ao, mudar o objeto do nosso aprego: de eu para outros. Devido & nossa ignorancia, aferramo-nos intensamente ao nosso corpo, pensando “este é 0 meu corpo”. Identificando este corpo como “meu”, isso nos faz aprecia-lo e amé-lo carinhosamen- te, sentindo-o como se fosse a nossa posse mais preciosa. Na ver- dade, contudo, nosso corpo pertence aos outros; nado o trouxemos conosco da nossa vida anterior, mas 0 recebemos dos nossos pais desta vida. No momento da concep¢ao, nossa consciéncia ingres- sou na uniio do espermatozoide do nosso pai com o évulo da nossa mie, que se desenvolveu gradualmente no corpo que temos hoje. Nossa mente entao se identificou com este corpo e passamos a aprecia-lo. Como diz Shantideva no Guia do Estilo de Vida do Bodhisattva, nosso corpo nio é realmente nosso, mas pertence aos outros; ele foi produzido pelos outros e, depois da nossa morte, estaré a disposigao dos outros. Se contemplarmos isso cuidadosa- mente, compreenderemos que ja estamos apreciando um objeto que, na verdade, pertence aos outros; logo, por que nao podemos apreciar os outros seres vivos? Além disso, ao passo que apreciar nosso corpo somente nos leva a renascer no samsara, apreciar os outros é uma causa para alcancarmos o nirvana da plena ilumina- go, o estado além do sofrimento. “Eu” e “outro” sio termos relativos, como “esta montanha” e “aquela montanha’, mas nao como “burro” e “cavalo”. Quando olha- mos para um cavalo, nao podemos dizer que é um burro; tampouco podemos dizer que um burro é um cavalo. No entanto, se escalarmos 161 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA uma montanha situada a leste, vamos denomina-la “esta montanha’, e denominaremos a montanha a oeste de “aquela montanha’; porém, se descermos da montanha situada a leste e subirmos a montanha situada a oeste, iremos nos referir 4 montanha do oeste como “esta montanha’, ea montanha do leste como “aquela montanha’ Portanto, “esta” e “aquela” dependem do nosso ponto de referéncia. Isso tam- bém é verdadeiro para “eu” e “outro”. Descendo da “montanha do eu’, € possivel subir a “montanha do outro” e, assim, apreciar os outros tanto quanto atualmente apreciamos a nés mesmos. Podemos fazer isso reconhecendo que, do ponto de vista da outra pessoa, para si mesma ela é “eu”, ao passo que nds é que somos “outro” Aqueles que sao habilidosos no Mantra Secreto, ou Tantra, tem uma profunda experiéncia de trocar eu por outros. Na pratica tantrica de autogeracio, trocamos nosso self atual pelo self de um Buda tantrico. Suponha que haja uma praticante de Vajrayogini chamada Sara. Quando ela nao esta fazendo a pratica tantrica, seu corpo comum lhe aparece e ela se identifica com ele e o aprecia. No entanto, quando ela se concentra profundamente na medita- cao de autogeracio, sua nocao de ser Sara e de ter 0 corpo de Sara desaparece por completo. Em vez de se identificar com 0 corpo de Sara, a praticante se identifica com o corpo divino de Buda Va- jrayogini e desenvolve o pensamento: “Eu sou Vajrayogini”. Nesse momento, a praticante mudou por completo o objeto de apre¢o, do corpo impuro de um ser comum para 0 corpo incontaminado de um ser iluminado, Buda Vajrayogini. Por treinar em medita- a0, a praticante desenvolve uma profunda familiaridade com 0 corpo da Deidade e se identifica por completo com ele. Porque o corpo de Vajrayogini é um corpo puro, identificar-se com ele e aprecia compreender que é definitivamente possivel mudar nossa base de identificagao - depende apenas da nossa motivagao e da nossa familiaridade. Uma explicagao detalhada sobre a pratica tantrica pode ser encontrada nos livros Budismo Moderno, Novo Guia @ Terra Dakini e Solos e Caminhos Tantricos. Jo é uma causa de iluminagao. A partir disto, podemos 162 TROCAR FU POR OUTROS A PRATICA PROPRIAMENTE DITA. DE TROCAR EU POR OUTROS Pensamos: Tenho trabalhado para o meu préprio proveito desde tempos sem inicio, tentando encontrar felicidade para mim mesmo e evitar sofrimento, mas 0 que eu tenho para mostrar de todos os meus esforcos? Eu ainda continuo a sofrer. Ainda tenho uma mente descontrolada. Continuo a experienciar desapon- tamenio atras de desapontamento. Ainda estou no samsara. Isso é a falha do meu autoaprego. Ele é 0 meu pior inimigo e um terrivel veneno, que prejudica a mim e aos outros. No entanto, apreciar os outros é a base de toda felicidade e bondade. Aqueles que agora séo Budas enxergaram a futili- dade de trabalhar para o seu proprio proveito e, em vez disso, decidiram trabalhar para os outros. Como resultado, eles se tornaram seres puros, livres de todos os problemas do samsa- ra, e alcangaram a felicidade duradoura da plena iluminagao. Preciso mudar radicalmente minha atitude comum infantil: de agora em diante, vou parar de apreciar a mim mesmo e vou apreciar somente os outros. Com uma compreensio das grandes desvantagens de apreciar a nés mesmos e das grandes vantagens de apreciar todos os seres vivos, como foi explicado acima, e relembrando que tomamos a determinacgao de abandonar nosso autoapreco e de sempre apreciar todos os seres vivos sem exce¢ao, pensamos do fundo do nosso coraga Preciso desistir de apreciar a mim mesmo e, em vez disso, apreciar todos os outros seres vivos, sem excegao. Meditamos, entao, nessa determinac¢ao. Devemos praticar conti- nuamente essa meditagao até acreditarmos espontaneamente que 163 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA a felicidade e liberdade de todos e de cada ser vivo sio muito mais importantes que a nossa propria felicidade e liberdade. Essa cren- ca é a realizagao de trocar eu por outros, e dela surgira um pro- fundo sentimento de amor apreciativo por todos os seres vivos. Meditamos nesse sentimento pelo maior tempo que pudermos. Tentamos levar esse sentimento conosco durante o intervalo entre as meditagdes. Seja quem for que encontremos, devemos pensar: “Esta pessoa é importante. Sua felicidade e liberdade sao importantes”. Sempre que 0 autoapreco comecar a surgir em nossa mente, devemos pensar: “O autoapreco é veneno, nao o permiti- rei em minha mente”. Desse modo, podemos mudar nosso objeto de aprego - de nds mesmos para todos os seres vivos. Quando ti- vermos desenvolvido amor apreciativo espontaneo por todos os seres vivos, teremos obtido a realizado de trocar eu por outros. Se os nossos desejos nao forem satisfeitos e comegarmos a nos sentir infelizes, devemos relembrar imediatamente que a falha nao est4 na outra pessoa nem na situagdo, mas na nossa propria mente de autoapreco, que instintivamente sente: “meus desejos sao de primordial importancia” Manter-se continuamente consciente dos perigos do nosso autoapre¢o fortaleceré nossa resolugao de abandoné-lo e, em vez de sentirmos pena de nds mesmos quando tivermos problemas, poderemos usar nosso proprio sofrimento para nos lembrarmos do sofrimento dos incontaveis seres-maes e desenvolver amor e compaixao por eles. No Guia do Estilo de Vida do Bodhisattva, Shantideva explica um método especial para aprimorar nossa experiéncia de trocar eu por outros. Em meditacao, imaginamos que trocamos de lugar com outra pessoa e tentamos ver o mundo a partir do seu ponto de vista. Normalmente, desenvolvemos 0 pensamento “eu” sobre a base do nosso préprio corpo e mente, mas agora tentaremos pensar “ew” observando 0 corpo e a mente de outra pessoa. Essa pratica ajuda-nos a desenvolver uma profunda empatia com os outros e mostra-nos que eles tém um self que também € um eu, e que é tao importante quanto o nosso proprio self ou eu. Devi- do a sua habilidade de identificar-se com os sentimentos de seu 164 TROCAR FU POR OUTROS bebé, uma mie é capaz. de compreender as necessidades e desejos de seu filho muito melhor que outra pessoa. Do mesmo modo, a medida que nos familiarizarmos com essa meditagao, nossa com- preensao e empatia com os outros aumentarao. Essa técnica é particularmente poderosa quando a utilizamos com uma pessoa com a qual temos um relacionamento dificil, como alguém de quem nao gostamos ou que vemos como nosso rival. Por imaginarmos que somos essa pessoa e vendo a situacio a partir do seu ponto de vista, acharemos dificil mantermos nos- sas atitudes deludidas. Compreendendo a relatividade de “eu” e “outro” a partir da nossa propria experiéncia e aprendendo a ver nosso “eu” como sendo “outro”, iremos nos tornar mais objetivos e imparciais em relagdo ao nosso eu, e nossa sensagao de que so- mos 0 centro do universo sera abalada. Iremos nos tornar mais receptivos ao ponto de vista dos outros, mais tolerantes e mais compreensivos, e, naturalmente, trataremos os outros com mais respeito e consideragao. Mais detalhes sobre essa pratica séo ofe- recidos no livro Contemplagées Significativas. Em resumo, por terem praticado as instrugdes do treino da mente, Bodhisattva Langri Tangpa e incontaveis outros prati- cantes do passado alcangaram profundas realizagées espirituais, incluindo a plena realizacao de trocar eu por outros. No inicio, esses praticantes eram pessoas autocentradas, exatamente como nés, mas, por meio de constante perseveranga, eles conseguiram eliminar seu autoapreco completamente. Se praticarmos essas instrugées sincera e pacientemente, nao havera razdo para que nao obtenhamos realizacdes semelhantes. Nao devemos esperar destruir nosso autoaprego de imediato, mas, por meio de uma pratica paciente, ele ira se tornar cada vez mais fraco até que, por fim, cesse por completo. 165 Com o espelho dos ensinamentos de Buda, o Dharma, podemos enxergar nossas préprias falhas e ter a oportunidade de remové-las.

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