COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
OS SEIS REINOS DE RENASCIMENTO
As sementes das nossas agGes que amadurecem quando morre-
mos sao muito importantes, pois elas determinam que tipo de
renascimento teremos em nossa proxima vida. A semente especi-
fica que amadurece na hora da morte depende do estado mental
com o qual morremos. Se morrermos com uma mente pacifica,
isso estimulara uma semente virtuosa e experienciaremos um
renascimento afortunado. Mas, se morrermos com uma mente
perturbada ou agitada - em estado de raiva, por exemplo - isso
estimulara uma semente nao virtuosa e experienciaremos um re-
nascimento desafortunado. Isso ¢ semelhante ao modo como os
pesadelos séo provocados por estarmos com um estado mental
agitado logo antes de dormir.
O exemplo de dormir, sonhar e acordar nao é acidental, pois,
como foi explicado no capitulo sobre renascimento, 0 processo
de dormir, sonhar e acordar possui semelhanga muito préxima
com 0 processo da morte, estado intermedidrio e renascimento.
Enquanto estamos no estado intermediario, experienciamos dife-
rentes visdes, que surgem das sementes cdrmicas que foram ativadas
imediatamente antes da morte. Se sementes negativas forem ati-
vadas, essas visGes serao apavorantes, mas se sementes positivas
forem ativadas, as visGes serio predominantemente agradaveis.
Em ambos os casos, quando as sementes carmicas tiverem ama-
durecido plenamente, elas irao nos impelir a tomar renascimento
em um ou outro dos seis reinos do samsara.
Os seis reinos sao lugares efetivos nos quais podemos renascer.
Eles sao trazidos a existéncia pelo poder das nossas a¢ées, ou car-
ma. Existem trés tipos de acao: agGes fisicas, agdes verbais e acdes
mentais. Ja que as nossas a¢Ges fisicas e verbais sio sempre inicia-
das por nossas agGes mentais, ou intengGes, os seis reinos séo, em
ultima instancia, criados por nossa mente. Por exemplo, o reino
do inferno é um lugar que surge como resultado das piores ages,
como assassinio ou extrema crueldade fisica ou mental, agdes essas
que dependem dos estados mentais mais deludidos.
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Para formar uma imagem mental dos seis reinos, podemos
compara-los com os andares de uma casa grande e velha. Nesta
analogia, a casa representa o samsara, o ciclo de renascimento
contaminado. A casa possui trés andares acima do solo e trés sub-
solos. Os seres sencientes deludidos sao como os moradores dessa
casa. Eles estéo constantemente mudando para cima e para baixo
dessa casa - algumas vezes, vivendo nos andares acima do solo;
outras vezes, vivendo no subsolo.
O andar térreo representa o reino humano. Acima dele, no pri-
meiro andar, esta o reino dos semideuses - seres nao humanos,
que estéo continuamente em guerra com os deuses. Em termos
de poder e prosperidade, eles so superiores aos humanos, mas
encontram-se tao obcecados pela inveja e pela violéncia que suas
vidas tém pouco valor espiritual.
Os deuses vivem no ultimo andar. As classes inferiores de deuses
— os deuses do reino do desejo - vivem uma vida de dcio e luxo,
empregando seu tempo no desfrute e satisfacao dos seus desejos.
Embora seu mundo seja um paraiso e seu tempo de vida longo,
eles nao sao imortais e, por fim, caem para estados inferiores. Uma
vez que suas vidas sao repletas de distracées, é muito dificil para
os deuses do reino do desejo encontrar a motivacao para se em-
penharem na pratica espiritual. Do ponto de vista espiritual, uma
vida humana é muito mais significativa que a vida de um deus.
Mais elevados que os deuses do reino do desejo sao os deuses
dos reinos da forma e da sem-forma. Por terem superado 0 desejo as-
sociado aos sentidos (desejo sensual), os deuses do reino da forma
experienciam o éxtase refinado da absor¢io meditativa e possuem
corpos feitos de luz. Transcendendo até mesmo essas formas sutis,
os deuses do reino da sem-forma vivem num estado sem forma,
permanecendo numa consciéncia sutil que se assemelha ao espa-
co infinito. Embora suas mentes sejam as mais puras e excelsas do
samsara, eles nao superaram a ignorancia do agarramento ao em-
-si, que é a raiz do samsara, e, por essa razdo, apés experienciarem
éxtase por muitos éons, suas vidas por fim acabam e eles renascem
outra vez em estados inferiores do samsara. Assim como os demais
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deuses, eles consomem 0 mérito que criaram no passado e fazem
pouco ou nenhum progresso espiritual.
Os trés andares acima do solo sao denominados “reinos afor-
tunados” porque os seres que neles habitam tém experiéncias
relativamente agradaveis, cujas causas sao a pratica de virtude.
Abaixo do solo, estao os trés reinos inferiores, que sao 0 resultado
de acées negativas fisicas, verbais e mentais. O reino menos do-
loroso dentre os trés reinos inferiores é 0 reino animal, que, nesta
analogia, corresponde ao primeiro andar abaixo do solo. Nesse
reino, estao incluidos todos os mamiferos (exceto os seres huma-
nos), bem como as aves, peixes, insetos e vermes ~ a totalidade
do reino animal. Suas mentes sao caracterizadas por uma total
auséncia de consciéncia espiritual, e a caracteristica principal de
suas vidas sao o medo e a brutalidade.
No subsolo abaixo, vivem os fantasmas famintos, ou espiritos
famintos. As causas principais de renascer nesse reino so ganan-
cia e ages negativas motivadas por avareza. A consequéncia des-
sas ages é extrema pobreza. Os fantasmas famintos sofrem de
fome e sede continuas, que eles sio incapazes de suportar. Seu
mundo é um vasto deserto. Se, por acaso, encontram uma gota de
Agua ou uma migalha ou restos de comida, isso desaparece como
uma miragem ou se transforma em algo repulsivo, como pus ou
urina. Essas aparéncias se devem ao seu carma negativo e falta de
mérito.
O subsolo mais inferior é 0 inferno. Os seres nesse reino ex-
perienciam tormentos implacaveis. Alguns infernos sao uma
massa de fogo; outros sao regides desoladas, de gelo e escuridao.
Monstros conjurados pelas mentes dos seres-do-inferno infligem
torturas terriveis a eles. Esse sofrimento continua ininterrupta-
mente durante um tempo que parece uma eternidade, mas, por
fim, 0 carma que causou 0 nascimento desses seres no inferno
é exaurido e, entao, os seres-do-inferno morrem e renascem em
algum outro lugar do samsara. O inferno é, simplesmente, aquilo
que aparece para os tipos de mente mais negativos e distorcidos.
O inferno nao é um lugar exterior que normalmente podemos
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ver, mas é semelhante a um pesadelo do qual nao acordamos por
um tempo muito longo. Para esses seres que vivem no inferno,
os sofrimentos do reino do inferno sao tao reais quanto a nossa
experiéncia presente do reino humano.
Este é 0 panorama geral do samsara. Estamos aprisionados no
samsara desde tempos sem inicio, vagando sem sentido e sem
qualquer liberdade ou controle, desde o mais elevado paraiso até
o mais profundo inferno. Algumas vezes, habitamos os andares
superiores, como deuses; outras vezes, estamos no térreo, com
um renascimento humano; porém, na maior parte do tempo, es-
tamos presos nos subsolos como animais, fantasmas famintos ou
seres-do-inferno, vivenciando sofrimento fisico e mental terriveis
por periodos extremamente longos.
Embora o samsara se assemelhe a uma prisao, ha uma porta
pela qual podemos fugir. Essa porta é a vacuidade, a natureza ul-
tima dos fenémenos. Por meio de realizar a vacuidade, podemos
escapar do samsara. Ao treinar nos caminhos espirituais descri-
tos neste livro, encontraremos, por fim, a passagem que conduz
a essa porta e, ao atravessd-la, descobriremos que a casa era sim-
plesmente uma ilusdo, a criagdo da nossa mente impura. O sam-
sara nao é uma prisio exterior; ele é uma prisdo construida pela
nossa prépria mente. Ele nunca cessara por si proprio, mas, se
praticarmos diligentemente um caminho espiritual puro e, assim,
eliminarmos nosso agarramento ao em-si e demais delusdes, po-
deremos colocar um fim ao nosso samsara. Uma vez que tenhamos
alcancado nossa propria libertacao, ou nirvana, estaremos entao
em condi¢des de mostrar aos outros como destruir suas proprias
prisdes mentais por meio de erradicar suas delusées.
TIPOS DE ACAO
Embora existam incontaveis e diferentes acées de corpo, fala e
mente, todas podem ser incluidas em um destes trés tipos: agdes
virtuosas, ag6es nao virtuosas e aces neutras. As praticas de dar, dis-
ciplina moral, paciéncia, esforco no treino espiritual, concentragao
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meditativa e sabedoria sio exemplos de a¢ées virtuosas. Matar,
roubar e ma conduta sexual so agées nao virtuosas fisicas; men-
tir, discurso divisor, discurso ofensivo e tagarelice sao agdes nao
virtuosas verbais; e cobica, maldade e sustentar visdes erréneas
so agées nao virtuosas mentais. Além dessas dez agdes nao vir-
tuosas, existem muitos outros tipos de aco nao virtuosa, como,
por exemplo, bater ou torturar os outros ou, deliberadamente,
fazé-los sofrer por outras maneiras. Diariamente fazemos, tam-
bém, muitas agdes neutras. Sempre que nos envolvemos com as
a¢Ges cotidianas - como fazer compras, cozinhar, comer, dormir
ou descansar - sem uma motiva¢io especificamente boa ou ma,
estamos executando acées neutras.
Todas as agdes nao virtuosas s4o contaminadas porque so mo-
tivadas por delusées, particularmente pela delusao da ignorancia
do agarramento ao em-si. A maioria das nossas a¢Ges virtuosas e
neutras também esta fundamentada no agarramento ao em-si e,
por isso, também sao contaminadas. No momento presente, mesmo
quando estamos, por exemplo, observando disciplina moral, con-
tinuamos a nos aferrar a um eu, ou self, inerentemente existente
que esta agindo de uma maneira moral ou ética e, por essa razao,
nossa pratica de disciplina moral é uma ago virtuosa contaminada,
que acarreta um renascimento elevado no samsara.
O tempo todo, dia e noite, aferramo-nos a um eu e meu ine-
rentemente existentes. Essa mente é a delusao da ignorancia do
agarramento ao em-si. Sempre que nos sentimos envergonhados
ou constrangidos, amedrontados, enraivecidos, indignados ou
inchados de orgulho, temos uma sensagio, ou percepgao, mui-
to forte do nosso self, ou eu. O eu ao qual nos agarramos nes-
sas ocasiGes é 0 eu inerentemente existente. Mesmo quando es-
tamos descontraidos e relativamente tranquilos, continuamos a
nos agarrar ao nosso eu como se fosse inerentemente existente,
embora o fagamos de maneira menos acentuada. Essa mente de
agarramento ao em-si é a base de todas as nossas delusées, ou
afligdes mentais, e ¢ a fonte de todos os nossos problemas. Para
nos libertarmos das delusdes e dos problemas que elas causam,
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precisamos compreender que 0 eu inerentemente existente, ao
qual nos aferramos de modo tao firme e continuo, nao existe de
modo algum. Ele nunca existiu e nunca existira. O eu inerente-
mente existente 6 uma mera fabricacao da nossa ignorancia do
agarramento ao em-si.
Para satisfazer os desejos desse eu - 0 eu inerentemente exis-
tente que acreditamos realmente existir - costumamos executar
intmeras a¢6es positivas e negativas. Essas agdes sao conhecidas
como “acGes arremessadoras’, 0 que significa que sdo a¢Ges moti-
vadas por forte agarramento ao em-si e que sao a causa principal
do renascimento samsdrico. Ag6es virtuosas contaminadas nos
arremessam para renascimentos samsaricos elevados (como um
ser humano, semideus ou deus), enquanto agées nao virtuosas
nos arremessam para renascimentos inferiores — nos reinos ani-
mal, dos fantasmas famintos ou do inferno. Se, na hora da nossa
morte, desenvolvermos um estado mental negativo, como a raiva,
isso fara com que o potencial de uma aco arremessadora nao
virtuosa amadurega, de modo que, apds a morte, tenhamos um
renascimento inferior. Por sua vez, se, na hora da morte, desen-
volvermos um estado mental virtuoso - por exemplo, se nos lem-
brarmos da nossa pratica espiritual didria - isso amadurecera 0
potencial de uma acao arremessadora virtuosa, fazendo com que,
ap6s a morte, renasgamos como um ser humano ou como um dos
outros dois tipos de seres samsaricos elevados, e, em qualquer um
desses casos, teremos de vivenciar os sofrimentos desses seres.
Existe outro tipo de acao contaminada, que é denominada
“acao completadora”. Ela é uma aga4o contaminada que é a cau-
sa principal da felicidade ou do sofrimento que experienciamos
apos termos tomado um renascimento especifico. Todos os seres
humanos foram arremessados no mundo humano por ages ar-
remessadoras virtuosas, mas as experiéncias que tém como seres
humanos variam consideravelmente na dependéncia de suas di-
ferentes agGes completadoras. Alguns experienciam uma vida de
sofrimento, ao passo que outros experienciam uma vida de faci-
lidades e comodidade. De modo semelhante, os animais foram,
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todos eles, arremessados no mundo animal por agées arremessa-
doras nao virtuosas, mas suas experiéncias como animais variam
consideravelmente na dependéncia de suas diferentes ages com-
pletadoras. Alguns animais, como os animais de estimacao, con-
seguem experienciar uma vida de luxo, recebendo mais cuidados
e aten¢ao do que muitos seres humanos. Os seres-do-inferno e os
fantasmas famintos experienciam somente os resultados de aces
arremessadoras nao virtuosas e de acdes completadoras nao vir-
tuosas. Desde o dia em que nascem até o dia em que morrem, nao
experienciam nada além de sofrimento.
Uma unica a¢ao arremessadora pode nos arremessar em mui-
tas vidas futuras. Nas escrituras budistas, é dado o exemplo de
um homem que ficou com muita raiva de um monge ordenado e
disse-Ihe que ele se parecia com um sapo. Como resultado, esse
homem desafortunado renasceu muitas vezes como um sapo. No
entanto, apenas um unico renascimento é, as vezes, suficiente
para esgotar o poder da nossa acao arremessadora.
Algumas das nossas ages amadurecem na mesma vida em
que foram executadas, e estas ages sao, necessariamente, acdes
completadoras; outras, amadurecem na vida seguinte, e outras,
em vidas posteriores - ambas estas agdes podem ser agées arre-
messadoras ou completadoras.
Em resumo, podemos ver que, primeiramente, desenvolvemos
um forte agarramento ao em-si, a partir do qual surgem todas
as demais delusées. Essas delusées nos impelem a criar carma
arremessador, que nos faz tomar outro renascimento samsirico,
no qual vivenciaremos medo, sofrimento e problemas. Ao lon-
go desse renascimento, desenvolveremos continuamente agarra-
mento ao em-si e demais delusées, que irao nos impelir a criar
mais aces arremessadoras ¢ nos levar para mais renascimentos
contaminados. Esse processo do samsara é um ciclo sem-fim, a
nao ser que alcancemos 0 nirvana.
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