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Aplique grande esforgo para alcangar a iluminagéo COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA Sentamo-nos como se tivéssemos sofrido uma queda repentina, Nao porque estejamos zangados; Isso é um sinal de que 0 nosso corpo perdeu seu vigor. Nosso corpo balanga quando andamos, Nao porque pensemos que somos importantes; Isso é um sinal de que as nossas pernas nao podem sustentar © nosso corpo. Nossas maos tremem, Nao porque estejam com ansia de roubar; Isso é um sinal de que os dedos gananciosos do Senhor da Morte estao roubando as nossas posses. Comemos pouco, Nao porque somos avaros; Isso é um sinal de que nao podemos digerir nossa comida. Sibilamos com frequéncia, Nao porque estejamos sussurrando mantras aos doentes; Isso é um sinal de que nossa respiracao em breve desapareceré. Quando somos jovens, podemos viajar ao redor do mundo inteiro, mas, quando ficamos velhos, dificilmente conseguimos ir até a porta de entrada da nossa propria casa. Tornamo-nos demasiadamente fracos para nos envolvermos em muitas ativi- dades mundanas, e as nossas atividades espirituais so frequen- temente abreviadas. Por exemplo, temos pouco vigor fisico para fazer ages virtuosas e pouca energia mental para memorizar, contemplar e meditar. Nao podemos assistir a ensinamentos que sao dados em lugares de dificil acesso ou desconfortaveis de se estar. Nao podemos ajudar os outros através de meios que requeiram forga fisica e boa sade. Privagées como essas frequentemente deixam as pessoas idosas muito tristes. 62 SAMSARA Quando envelhecemos, ficamos como alguém que é cego e surdo. Nao podemos ver com clareza e precisamos de éculos cada vez mais fortes, até chegar 0 momento em que nao conseguiremos mais ler. Nao podemos escutar claramente, e isso nos deixa com dificuldades cada vez maiores para ouvir musica ou para escutar 0 que a televisio ow as outras pessoas esto dizendo. Nossa meméria se enfraquece. Todas as atividades, mundanas e espirituais, tornam-se mais dificeis. Se praticamos meditacao, torna-se mais dificil obtermos realizagées, porque nossa meméria e concentracao esto muito fracas. Nao con- seguimos nos dedicar ao estudo. Desse modo, se nao tivermos apren- dido e treinado as praticas espirituais quando éramos jovens, a tinica coisa a fazer quando envelhecermos sera desenvolver arrependimen- to e esperar pela chegada do Senhor da Morte. Quando somos idosos, nao conseguimos obter 0 mesmo prazer das coisas que costumavamos desfrutar, como alimentos, bebida e sexo. Estamos fracos demais para disputar um jogo, e sentimo-nos frequentemente bastante exaustos até mesmo para nos divertirmos. A medida que 0 nosso tempo de vida se esgota, nao conseguimos nos incluir nas atividades das pessoas jovens. Quando elas viajam, temos que ficar para tras. Ninguém quer nos levar com eles quan- do somos velhos e ninguém deseja nos visitar. Mesmo os nossos netos nao querem ficar conosco por muito tempo. Pessoas idosas frequentemente pensam consigo mesmas: “Que maravilhoso seria se os jovens estivessem comigo. Poderiamos sair para caminhadas e eu poderia mostrar-lhes coisas’, mas os jovens nao querem ser incluidos em nossos planos. A medida que suas vidas vao chegan- do ao fim, as pessoas idosas experienciam o sofrimento do aban- dono e da solidao. Eles t&m muitos sofrimentos especificos. MORTE O nosso nascimento também da origem aos sofrimentos da mor- te. Se, durante a nossa vida, tivermos trabalhado arduamente para adquirir posses e tivermos nos tornado muito apegados a elas, ex- perienciaremos grande sofrimento na hora da morte, pensando: 63 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA “Agora, tenho de deixar todas as minhas preciosas posses para tras”. Mesmo agora, achamos dificil emprestar algum dos nossos mais preciosos bens, quanto mais da-lo! Nao é de surpreender que fiquemos tao infelizes quando nos damos conta de que, nas mios da morte, temos de abandonar tudo. Quando morremos, temos de nos separar até mesmo dos nossos amigos mais proximos. Temos de deixar nosso compa- nheiro ainda que tenhamos estado juntos durante anos, sem passar sequer um dia separados. Se formos muito apegados aos nossos amigos, experienciaremos grande sofrimento na hora da morte, mas tudo 0 que poderemos fazer sera segurar suas maos. Nao seremos capazes de parar 0 processo da morte, mes- mo se eles implorarem para que nao morramos. Geralmente, quando somos muito apegados a alguém, sentimos citime caso ele (ou ela) nos deixe sozinhos e passe 0 seu tempo com ou- tra pessoa; mas, quando morrermos, teremos de deixar nossos amigos com os outros para sempre. Teremos de deixar todos, incluindo nossa familia e todas as pessoas que nos ajudaram nesta vida. Quando morrermos, este corpo que temos apreciado e cuida- do de tantas e variadas maneiras tera de ser deixado para tras. Ele ira se tornar insensivel como uma pedra e sera sepultado sob a terra ou cremado. Se nao tivermos a protecdo interior da ex- periéncia espiritual, na hora da morte experienciaremos medo e angustia, assim como dor fisica. Quando a nossa consciéncia deixar 0 nosso corpo na hora da morte, todas as potencialidades que acumulamos em nossa mente, por meio das agées virtuosas e nao virtuosas que fizemos, iro com ela. Nao poderemos levar nada deste mundo além disso. Todas as outras coisas irao nos enganar e decepcionar. A mor- te interrompe todas as nossas atividades — as nossas conversas, a nossa refei¢ao, 0 nosso encontro com amigos, 0 nosso sono. Tudo chega ao fim no dia da nossa morte e temos de deixar todas as coisas para tras, até mesmo os anéis em nossos dedos. No Tibe- te, os mendigos carregam consigo um bastao para se defenderem 64 SAMSARA dos cachorros. Para compreender a completa privacao provocada pela morte devemos nos lembrar de que, na hora da morte, os mendigos tém de deixar até esse velho bastao, a mais insignifican- te das posses humanas. Ao redor do mundo, podemos ver que os nomes esculpidos em pedra sao a unica posse dos mortos. OUTROS TIPOS DE SOFRIMENTO. Nos também temos de experienciar os sofrimentos da separa¢ao, de ter que nos defrontar com o que nao gostamos, e de nao ter nos- sos desejos satisfeitos - os quais incluem os sofrimentos da pobreza, de ser prejudicado por humanos e nao humanos, e de ser preju- dicado por agua, fogo, vento e terra. Antes da separacao final na hora da morte, frequentemente temos que experienciar separagao temporaria de pessoas e coisas de que gostamos, 0 que nos causa dor mental. Podemos ter que deixar 0 nosso pais, onde todos os nossos amigos e parentes vivem, ou podemos ter que deixar o tra- balho de que gostamos. Podemos perder nossa reputagao. Muitas vezes, nesta vida, temos que vivenciar 0 sofrimento de nos sepa- rar das pessoas de que gostamos ou abandonar e perder as coisas que consideramos agradaveis e atraentes; mas, quando morrermos, teremos de nos separar para sempre de todos os nossos compa- nheiros e prazeres e de todas as condi¢ées exteriores e interiores que contribuem para a nossa pratica espiritual pura, ou pratica de Dharma, nesta vida. Frequentemente, temos que nos encontrar e conviver com pes- soas de quem nao gostamos ou enfrentar situagées que considera- mos desagradaveis. Algumas vezes, podemos nos achar numa si- tuagao muito perigosa, como num incéndio ou enchente, ou onde ha violéncia, como num tumulto ou numa batalha. Nossas vidas estiio repletas de situagdes menos extremas que achamos irritantes. Algumas vezes, somos impedidos de fazer as coisas que queremos. Num dia ensolarado, podemos nos determinar a ir para praia, mas nos encontrarmos presos num congestionamento. Continuamente, experienciamos interferéncia dos nossos deménios interiores — as 65 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA delusées, ou aflicdes mentais -, que perturbam nossa mente e nos- sas praticas espirituais. Ha inumerdveis condigdes que frustram nossos planos e nos impedem de fazer 0 que queremos. E como se estivéssemos vivendo em um arbusto espinhoso - sempre que tentamos nos mexer, somos feridos pelas circunstancias. Pessoas e coisas séo como espinhos perfurando a nossa carne, e nenhuma si- tuag4o jamais nos pareceré inteiramente confortavel. Quanto mais desejos e planos temos, mais frustragdes experienciamos. Quanto mais desejamos determinadas situagdes, mais nos encontramos presos em situagdes que nao queremos. Todo desejo parece con- vidar seu proprio obstaculo. Situagdes indesejaveis nos acontecem sem que procuremos por elas. Na verdade, as tinicas coisas que vém sem esforco séo aquelas que nao queremos. Ninguém deseja morrer, mas a morte vem sem esforgo. Ninguém deseja ficar doente, mas a doenca vem sem esforco. Por termos renascido sem liberda- de ou controle, temos um corpo impuro e vivemos num ambiente impuro, e, por essa razio, coisas indesejaveis desabam sobre nés. No samsara, esse tipo de experiéncia é completamente natural. Temos incontaveis desejos, mas nao importa quanto esforco fa- amos, nunca sentimos que os satisfizemos. Mesmo quando con- seguimos 0 que queremos, nao o conseguimos da maneira que queriamos. Possuimos 0 objeto, mas nao extraimos satisfacdo por possui-lo. Por exemplo, podemos sonhar em nos tornarmos ricos, mas, se nos tornarmos realmente ricos, a nossa vida nao ser da maneira que haviamos imaginado e nio sentiremos que 0 nosso desejo foi satisfeito. O motivo é que os nossos desejos nao dimi- nuem conforme nossa riqueza aumenta. Quanto mais riqueza temos, mais desejamos. A riqueza que procuramos nao pode ser encontrada, pois buscamos uma quantidade que sacie os nossos desejos, e nenhuma quantidade de riqueza pode fazer isso. Para piorar as coisas, ao obter 0 objeto do nosso desejo, criamos novas oportunidades para descontentamento. Com cada objeto que dese- jamos, vém outros objetos que nao queremos. Por exemplo, com a riqueza vém impostos, inseguranca e complicados assuntos finan- ceiros. Esses acréscimos indesejaveis impedem, definitivamente, que 66 SAMSARA nos mos sonhar com férias num lugar exético e podemos realmente ir intamos plenamente satisfeitos. De modo semelhante, pode- até 14, mas a experiéncia nunca sera 0 que esperamos e, junto com as nossas férias, vém outras coisas, como uma queimadura de sol e grandes despesas. Se examinarmos nossos desejos, veremos que eles sao excessivos. Queremos todas as melhores coisas no samsara - 0 melhor trabalho, o melhor companheiro, a melhor reputacao, a melhor casa, 0 me- lhor carro, as melhores férias. Qualquer coisa que nao seja a melhor deixa-nos com um sentimento de desapontamento ~ ainda a procu- ra por ela, mas nao encontrando o que queremos. Nenhum prazer mundano, no entanto, pode nos dar a satisfagao completa e perfeita que desejamos. Coisas melhores esto sempre sendo produzidas. Em toda parte, novas propagandas anunciam que a melhor coisa acabou de chegar ao mercado, mas, poucos dias depois, chega outra ainda melhor que a “melhor” de poucos dias atras. O surgimento de novas coisas para cativar os nossos desejos nio tem fim. Na escola, as criangas nunca conseguem satisfazer suas pré- prias ambic¢Ges ou as de seus pais. Mesmo que cheguem ao pri- meiro lugar da classe, elas sentem que nao podem se contentar com isso, a menos que fagam a mesma coisa no ano seguinte. Se elas prosseguem, sendo bem-sucedidas em suas profissdes, suas ambi¢ées serdo mais fortes do que nunca. Nao ha nenhum ponto a partir do qual possam descansar, sentindo que estao completa- mente satisfeitas com 0 que ja fizeram. Podemos pensar que, a0 menos, as pessoas que levam uma vida simples no campo devem estar satisfeitas, mas, se olharmos para sua situacdo, iremos perceber que mesmo os agricultores procuram, mas nao encontram o que desejam. Suas vidas estao cheias de problemas e ansiedades, e eles nao desfrutam de paz e satisfacdo verdadeiras. O sustento deles depende de muitos fa- tores incertos que estao além de seu controle, como o clima. Os agricultores nao tém maior liberdade perante o descontentamen- to do que um homem de negocios que vive e trabalha na cidade. Homens de negécio parecem elegantes e eficientes quando saem a 67 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA cada manha para trabalhar, carregando suas pastas, mas, embora exteriormente parecam muito confiantes, em seus coragées eles carregam muitas insatisfa¢es. Eles ainda estao procurando, mas nunca encontram 0 que desejam. Se refletirmos sobre essa situa¢4o, poderemos chegar 4 conclu- sdo de que encontraremos 0 que procuramos se abandonarmos todas as nossas posses. Podemos ver, no entanto, que mesmo as pessoas pobres estao a procura, mas nao encontram o que buscam, e muitas pessoas pobres tém dificuldade em obter as necessidades mais basicas da vida - milhGes de pessoas no mundo vivenciam os sofrimentos da pobreza extrema. Nao podemos evitar 0 sofrimento da insatisfagao mudando frequentemente a nossa situacao. Podemos pensar que se con- seguirmos continuamente um novo companheiro, um novo em- prego ou se ficarmos viajando por ai, encontraremos finalmente © que queremos; mas, mesmo se viajassemos para todas as par- tes do planeta e tivéssemos um novo amante em cada cidade, ainda assim continuariamos a procura de um outro lugar e de um outro amante. No samsara nao existe verdadeira satisfacao dos nossos desejos. Sempre que virmos qualquer pessoa numa posic¢ao elevada ou inferior, seja homem ou mulher, essas pessoas diferem apenas na aparéncia, roupas, comportamento e status. Em esséncia, todos so iguais - todos vivenciam problemas em suas vidas. Sempre que te- mos um problema, é facil pensar que ele é causado por nossas cir- cunstancias particulares e que, se mudassemos nossas circunstancias, nossos problemas desapareceriam. Acusamos as outras pessoas, os nossos amigos, a nossa comida, 0 governo, a nossa época, o clima, a sociedade, a historia, e assim por diante. No entanto, circunstancias exteriores como essas nao sao as causas principais dos nossos proble- mas. Precisamos reconhecer que todo sofrimento fisico e dor mental que experienciamos sao a consequéncia de termos tido um renas- cimento que é contaminado pelo veneno interior das delusGes. Se- res humanos tém de vivenciar diversos tipos de sofrimento humano porque tiveram um renascimento contaminado humano; 0s animais 68 SAMSARA tém de vivenciar sofrimento animal porque tiveram um renascimen- to contaminado animal; e fantasmas famintos e seres-do-inferno tm de vivenciar seus préprios sofrimentos porque tiveram um renasci- mento contaminado como fantasmas famintos ou seres-do-inferno. Mesmo os deuses nao estao livres do sofrimento, porque eles tam- bem tiveram um renascimento contaminado. Assim como uma pes- soa presa num violento incéndio desenvolve um medo intenso, de- vemos desenvolver um medo intenso dos sofrimentos insuportaveis do ciclo sem-fim de vida impura. Esse medo é, também, verdadeira rentincia e surge da nossa sabedoria. Como conclusio, tendo contemplado a explicagao acima, de- vemos pensar: Nao ha beneficio algum em negar os sofrimentos das vidas futuras; quando eles realmente cairem sobre mim, serd tarde demais para me proteger deles. Portanto, preciso, agora e de- finitivamente, preparar uma protecdo para mim, enquanto tenho esta vida humana que me da a oportunidade de me li- bertar permanentemente dos sofrimentos das minhas incon- taveis vidas futuras. Se eu nao aplicar esforco para realizar isso, mas permitir que a minha vida humana se torne vazia de sentido, nao haverd maior engano nem maior loucura. Preciso aplicar esforgo agora para me libertar permanente- mente dos sofrimentos das minhas incontdveis vidas futuras. Mantemos firmemente essa determinagéo e permanecemos estritamente focados nela pelo maior tempo possivel. Devemos praticar esta meditacao continuamente até desenvolvermos 0 de- sejo espontaneo de nos libertarmos permanentemente dos sofri- mentos das incontaveis vidas futuras. Esse desejo é a realizagdo propriamente dita da renuncia. No momento em que desenvol- vermos essa realizagdo, ingressamos no caminho 4 libertagao. Neste contexto, libertacao refere-se 4 suprema paz mental perma- nente, conhecida como “nirvana’, que nos da felicidade pura e duradoura. 69

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