COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
Enquanto tivermos essa preguica, a porta para a libertacao estara
fechada para nés e, consequentemente, continuaremos a vivenciar
problemas nesta vida e sofrimento sem-fim vida apés vida. A ma-
neira de superar essa preguica é meditar sobre a morte.
Precisamos contemplar e meditar repetidamente sobre a nossa
morte, até obtermos uma profunda realizacdo sobre ela. Embora,
num nivel intelectual, todos nés saibamos que, definitivamente, es-
tamos caminhando para a morte, nossa consciéncia sobre a morte
permanece superficial. Na medida em que o nosso conhecimento in-
telectual sobre a morte nao toca nosso coragao, continuamos a pen-
sar todos os dias “eu nao vou morrer hoje, eu nao vou morrer hoje”.
Mesmo no dia da nossa morte, ainda estaremos pensando sobre o
que faremos no dia ou na semana seguintes. Essa mente que pensa
todo dia “eu nao vou morrer hoje” é enganosa — ela nos conduz na
diregao errada e faz com que a nossa vida humana se torne vazia.
Por outro lado, por meditar sobre a morte substituiremos, gradativa-
mente, 0 pensamento enganoso “eu nao vou morrer hoje” pelo pen-
samento ndo enganoso “pode ser que eu morra hoje”. A mente que
espontaneamente pensa todos os dias “pode ser que eu morra hoje” é
arealizacao sobre a morte. E essa realizacao que elimina diretamente
a nossa preguica do apego e abre a porta para o caminho espiritual.
Em geral, podemos ou nao morrer hoje - nao sabemos. No
entanto, se pensarmos todos os dias “pode ser que eu nao morra
hoje’, esse pensamento ira nos enganar porque vem da nossa ig-
norancia; porém, se em vez disso, pensarmos todos os dias “pode
ser que eu morra hoje’, esse pensamento nao ira nos enganar,
porque vem da nossa sabedoria. Esse pensamento benéfico im-
pedira a nossa preguica do apego e ira nos encorajar a preparar 0
bem-estar das nossas incontaveis vidas futuras ou a aplicar grande
esforco para ingressar no caminho 4 libertacao. Desse modo, ire-
mos tornar a nossa vida humana significativa.
Para meditar sobre a morte, contemplamos que nossa morte é
certa e inevitavel, mas que a hora da nossa morte é incerta. Depois,
precisamos compreender que, na hora da morte e apés a morte, so-
mente a pratica espiritual pode nos ajudar.
30RENASCIMENTO.
entre nossa mente e nosso corpo continua intacta, ao passo que,
apés a clara-luz da morte ter cessado, essa conexao é rompida. Por
contemplar isso, podemos obter uma compreensao clara da exis-
téncia de vidas passadas e futuras.
Em geral, acreditamos que as coisas que percebemos nos so-
nhos sao irreais, a0 passo que as coisas que percebemos quando
estamos acordados sao verdadeiras; mas, na verdade, tudo o que
percebemos é como um sonho, uma vez que tudo é mera aparéncia
a mente. Para aqueles que conseguem interpreta-los corretamente,
os sonhos tém um grande significado. Por exemplo, se sonharmos
que visitamos um pais especifico onde nunca estivemos nesta vida,
nosso sonho iré indicar uma destas quatro situacées: que estivemos
naquele pais numa vida anterior; que iremos visita-lo mais tarde,
nesta vida; que iremos visita-lo em uma vida futura; ou que esse
pais possui algum significado pessoal para nés - por exemple, tal-
vez tenhamos recebido recentemente uma carta desse pais ou assis-
tido a um programa sobre ele na televisio. De modo semelhante, se
sonharmos que estamos voando, isso pode significar que, em uma
vida anterior, fomos um ser que podia voar (um passaro ou um me-
ditador com poderes miraculosos, por exemplo); ou 0 sonho pode
pressagiar que, no futuro, iremos nos tornar um ser desse tipo. Um
sonho no qual voamos também pode ter um significado menos li-
teral e simbolizar uma melhora da nossa satide ou estado mental.
Foi com 0 auxilio de sonhos que eu fui capaz de descobrir onde
minha mie havia renascido, apés 0 seu falecimento. Um pouco an-
tes de morrer, minha mie, que estava sendo cuidada por minha
irma, adormeceu por alguns poucos minutos e, quando acordou,
contou a ela que havia sonhado comigo e que, em seu sonho, eu Ihe
ofertava uma tradicional echarpe branca. Tomei esse sonho como
um sinal de que eu seria capaz de ajudar minha mae em sua pr6-
xima vida e, assim, apés o seu falecimento, rezei todos os dias para
que ela renascesse na Inglaterra, onde eu estava vivendo, de modo
que eu tivesse a oportunidade de encontrar e reconhecer sua reen-
carna¢ao. Fiz intensas preces para ver sinais claros do lugar onde a
reencarna¢ao de minha mie poderia ser encontrada.
23COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
Mais tarde, tive trés sonhos que me pareceram significativos. No
primeiro, sonhei que havia encontrado minha mae em um lugar que
me pareceu ser a Inglaterra. Perguntei-Ihe como conseguira viajar da
India para a Inglaterra, mas ela respondeu que nao tinha vindo da
India, e sim da Suica. No segundo sonho, sonhei que via minha mae
conversando com um grupo de pessoas. Aproximei-me dela e falei
em tibetano, mas ela parecia nao entender o que eu estava dizendo.
Enquanto era viva, minha mie falava somente tibetano, mas, nesse
sonho, ela falava inglés fluentemente. Perguntei-lhe por que havia
esquecido 0 tibetano, mas ela nao respondeu. Depois, nesse mesmo
sonho, sonhei com um casal ocidental que estava me ajudando no
desenvolvimento de minhas atividades espirituais na Gra-Bretanha.
Ambos os sonhos pareciam fornecer pistas sobre onde minha
mie havia renascido. Dois dias apés 0 segundo sonho, o marido
(do casal com o qual eu havia sonhado) visitou-me e contou que
sua esposa estava gravida. Lembrei-me imediatamente do meu
sonho e pensei que o bebé poderia ser a reencarnacao de minha
mae. O fato de minha mie, no sonho, ter esquecido o tibetano e
falado apenas inglés sugeria que ela teria renascido em um pais
de lingua inglesa, e a presenga desse casal no sonho poderia ser
uma indicagao de que eles eram seus pais. Entao, fiz uma pratica
tradicional de adivinha¢ao, juntamente com preces rituais, e isso
indicou que a crianga era a reencarna¢do de minha mae. Fiquei
muito feliz, mas nao contei nada a ninguém.
Certa noite, sonhei repetidas vezes com minha mae. Na ma-
nha seguinte, considerei o assunto cuidadosamente e tomei uma
decisdo. Se o bebé tivesse nascido naquela noite, entao, com cer-
teza, seria a reencarnagao de minha mae; caso contrdrio, eu pre-
cisaria investigar mais. Tendo tomado essa decisao, telefonei ao
marido e ele me deu a boa noticia de que, na noite anterior, sua
esposa havia dado a luz uma menina. Fiquei deleitado e realizei
uma ceriménia especial de oferenda.
Poucos dias mais tarde, 0 pai me telefonou e contou que, se ele
recitasse o mantra de Buda Avalokiteshvara, OM MANI PEME HUM,
quando o bebé chorava, o bebé imediatamente parava de chorar e
24RENASCIMENTO.
parecia ouvir com aten¢o o mantra. Ele me perguntou 0 motivo
disso, e respondi que isso acontecia devido a tendéncias do bebé ad-
quiridas em vidas anteriores. Eu sabia que minha mie havia recitado
esse mantra com forte fé durante toda a sua vida.
A crianga recebeu 0 nome Amaravajra. Mais tarde, quan-
do Kuten Lama, irmao de minha mie, visitou a Inglaterra e viu
Amaravajra pela primeira vez, ficou impressionado com o fato da
crianga ser muito afetuosa com ele. Disse que era como se a meni-
na o reconhecesse. Eu também tive a mesma experiéncia. Embo-
ra eu pudesse visitar apenas muito ocasionalmente a crianga, ela
sempre ficava extremamente feliz ao ver-me.
Quando Amaravajra comegou a falar, certa vez apontou para
um cachorro e disse “kyi, ky?”. Depois, costumava dizer “kyi” mui-
tas vezes, sempre que via um cachorro. Seu pai perguntou-me se
“kyi” significava alguma coisa e respondi que, no dialeto falado
no Tibete Ocidental, lugar onde minha mie viveu, “kyi” significa
“cachorro” Essa nao foi a unica palavra tibetana que a menina pro-
nunciou espontaneamente.
Mais tarde, eu soube pelo marido de minha irma que, apds 0
falecimento de minha mie, um astrlogo tibetano havia feito a
predic¢ao de que ela renasceria como uma mulher, em um pais de
lingua diferente da tibetana. Essa histéria vem da minha propria
experiéncia pessoal, mas, se investigarmos, poderemos encontrar
muitas outras historias verdadeiras sobre como pessoas foram
capazes de reconhecer a reencarnacao de seus maridos, esposas,
professores, pais, amigos etc.
No Tibete Ocidental, proximo ao meu primeiro monastério, vivia
um homem que tinha a reputaco de ser muito mal-humorado. Ele
juntava muitas moedas de prata e as guardava dentro de um bule de
cha, que mantinha em segredo até mesmo de sua esposa. Mais tarde,
quando estava morrendo, ficou obcecado com a ideia de que as moe-
das pudessem ser roubadas, obsessao essa nascida do grande apego
que tinha por elas. Ele tentou contar a esposa sobre as moedas, mas,
porque estava muito fraco, sé conseguia repetir a palavra “tib’, que
significa “bule de cha”. Ouvindo isso, a mulher pensou que ele queria
25COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
um pouco de cha, mas quando lhe ofereceu a bebida, nao demons-
trou nenhum interesse. Pouco depois, o homem faleceu.
Passado algum tempo, sua esposa encontrou o bule de cha es-
condido. Perguntando-se por que estava tao pesado, abriu a tam-
pae descobriu as moedas. Enrodilhada ao redor delas, estava uma
pequena serpente. Apavorada com a serpente, a mulher chamou
a familia e, juntos, tentaram tird-la do bule. No entanto, por mais
que tentassem, nao conseguiam separar a serpente das moedas.
Eles ficaram surpresos e confusos com isso, e perguntaram-se de
onde a serpente teria vindo.
A esposa, entao, lembrou-se das ultimas palavras do marido e
compreendeu que, na hora da morte, ele tentou lhe contar sobre as
moedas. No entanto, 0 que significava a serpente? Por que ela estava
tao apegada as moedas? A mulher decidiu visitar um iogue clarivi-
dente que vivia nas imediagées, e 0 iogue lhe contou que a serpente
era a reencarnacdo do seu marido. Devido as ages que havia criado
por causa de sua raiva e devido ao seu apego pelas moedas quando
estava morrendo, ele havia renascido como uma serpente e acabou
indo parar dentro do bule de cha para ficar proximo das moedas.
Com lagrimas caindo dos seus olhos, a esposa implorou ao iogue:
“Por favor, diga-me, 0 que eu posso fazer para ajudar meu marido?”.
O iogue sugeriu que ela oferecesse as moedas a uma comunidade de
Sangha ordenada, que vivia nas vizinhangas, pedindo-lhes que rezas-
sem para que seu marido fosse libertado de seu renascimento animal.
Contemplando, com uma mente positiva, historias como essas e
refletindo sobre a natureza da mente e a analogia do processo de dor-
mir, sonhar e acordar, definitivamente obteremos uma compreensio
profunda da existéncia de nossas vidas futuras. Esse conhecimento
é muito precioso e nos ajuda a conquistar grande sabedoria. Com-
preenderemos que a felicidade das vidas futuras é mais importante
do quea felicidade desta vida pela simples razao de que as incontaveis
vidas futuras sao muito mais longas do que esta breve vida humana.
Isso ira nos motivar a preparar a felicidade das nossas incontaveis
vidas futuras ou a aplicar esforco para alcangar a libertacao perma-
nente do sofrimento por meio do abandono das nossas delusées.
26Desfrute da pureza de sua mente e de suas agéesMorte
NINGUEM DESEJA SOFRER. Dia e noite, inclusive em nossos so-
nhos, tentamos instintivamente evitar até mesmo o mais leve e
insignificante sofrimento. Isso indica que, embora nao estejamos
plenamente conscientes disso, o que realmente buscamos, do mais
fundo do nosso coracao, é a libertagéo permanente do sofrimento.
H& momentos em que estamos livres de sofrimento fisico e
dor mental, mas esses momentos nunca perduram. Nao demora
muito até que nosso corpo se torne novamente desconfortavel ou
doente e que nossa mente esteja perturbada por preocupacées e
infelicidade. Nao importa 0 problema que superemos, é apenas
uma questo de tempo para que outro surja e tome o seu lugar.
Isso mostra que, apesar do nosso desejo por libertagao perma-
nente do sofrimento, nunca fomos capazes de concretiza-lo. En-
quanto as delusées, ou aflicdes mentais, permanecerem em nossa
mente, nunca seremos completamente livres do sofrimento. Po-
demos desfrutar momentos de pausa ou alivio, mas nao demora
muito para que nossos problemas retornem. A Unica maneira de
colocar um fim, de uma vez por todas, ao nosso sofrimento é seguir
o caminho espiritual. Ja que todos desejam, do fundo do coragao,
a libertagdo completa do sofrimento, podemos ver que, na verdade,
todos precisam seguir o caminho espiritual.
No entanto, porque nosso desejo por prazer mundano é muito
intenso, temos pouco ou nenhum interesse pela pratica espiritual.
Do ponto de vista espiritual, essa auséncia de interesse pela pratica
espiritual é um tipo de preguica denominada “preguica do apego”.
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