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GRANDE COMPAIXAO e seres-do-inferno tém de experienciar todos os sofrimentos dos seus respectivos reinos. Se os seres vivos tivessem de expe- rienciar todo esse sofrimento por apenas uma unica vida, ele nao seria tao mau, mas o ciclo de sofrimento continua vida apés vida, interminavelmente. Do fundo do nosso coragao, devemos entao compreender e pensar: Eu néo posso suportar o sofrimento desses incontdveis seres- -mdes. Afogando-se no vasto e profundo oceano do samsara, 0 ciclo de renascimento contaminado, eles tém de experienciar insuportavel sofrimento fisico e dor mental nesta vida e nas incontaveis vidas futuras. Preciso libertar permanentemente todos os seres vivos do ciclo de sofrimento. Devemos meditar continuamente nessa determinagao, que é a com- paixao universal, e aplicar grande esforgo para cumprir seu objetivo. A RIQUEZA SUPREMA DA COMPAIXAO Durante o intervalo entre as meditagées, devemos manter con- tinuamente nosso sentimento de compaixdo por todos os seres vivos. Sempre que nos encontrarmos com qualquer ser vivo, deve- mos recordar como esto sofrendo e desenvolver compaixao por eles. Desse modo, o simples fato de ver um ser vivo sera como ter encontrado um raro e precioso tesouro. O motivo é que a compai- x4o que experienciamos quando nos encontramos com os outros é a suprema riqueza interior, uma fonte inesgotavel de beneficio para nés, tanto nesta vida como nas vidas futuras. Como ja foi mencionado anteriormente, riqueza exterior nao pode nos ajudar em nossas vidas futuras e, mesmo nesta vida, nao € certeza de que ela ira nos trazer felicidade, pois riqueza é cau- sa frequente de muita ansiedade e pode até colocar nossa vida em perigo. As pessoas ricas tém preocupagées especificas que as 173, COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA pessoas pobres nao tém; por exemplo, os ricos, frequentemente, temem por ladrées, esto preocupados com investimentos e¢ ta- xas de juros e com a perda de seu dinheiro e status. Isso é um fardo pesado para eles. Enquanto a maioria das pessoas pode sair livremente toda vez que deseje, muitos miliondrios e celebrida- des precisam de guarda-costas e podem até se angustiar com a possibilidade de serem sequestrados. As pessoas ricas tém pouca liberdade ou independéncia e nunca se sentem completamente relaxadas. Quanto mais elevada for a nossa posicio no mundo, maior seré nossa queda; é mais seguro estarmos o mais proximos do chao. Nao importa quao bem-sucedidos sejamos em aperfeicoar nossas condig6es exteriores, elas nunca irao nos trazer felicidade pura, tampouco irdo nos proporcionar verdadeira protecao con- tra o sofrimento. Felicidade verdadeira nao pode ser encontrada neste mundo impuro. Em vez de nos empenharmos para obter riqueza exterior, seria muito melhor se buscdssemos a riqueza interior da compaixao e da sabedoria, pois, diferentemente da riqueza exterior, ela nunca pode nos enganar - ela ira nos dar, definitivamente, a paz e a felicidade que desejamos. Se formos habilidosos, amigos poderao ser como tesouros, de quem poderemos obter a preciosa riqueza do amor, da compai- xdo, da paciéncia, e assim por diante. Entretanto, para que os nos- sos amigos desempenhem esse papel, nosso amor por eles precisa estar livre de apego. Se nosso amor por nossos amigos estiver mis- turado com forte apego, esse amor estara condicionado ao modo como 0 comportamento deles nos agrada e, tao logo fagam algo que desaprovemos, nossa afeicao por eles poder se transformar em raiva. Na verdade, os objetos mais comuns da nossa raiva cos- tumam ser nossos amigos, ¢ no nossos inimigos ou estranhos! Se ficamos frequentemente com raiva dos nossos amigos, nds os transformamos em maras. Um mara, ou deménio-obstrutor, é alguém ou algo que interfere com a nossa pratica espiritual. Nin- guém é um mara do seu prdprio lado, mas se permitirmos que as pessoas estimulem mentes deludidas em nds, como raiva, forte 174 GRANDE COMPAIXAO apego ou autoaprego, nds as transformamos em maras para nés. Um mara nao precisa ter chifres nem uma expressao assustadora; alguém que nos apareca como sendo um bom amigo, que nos elogie em excesso e nos influencie a realizar atividades sem signi- ficado pode ser um grande obstaculo a nossa pratica espiritual. Se 0s nossos amigos sao tesouros preciosos ou maras, isso depende inteiramente de nds; se estivermos sinceramente praticando pa- ciéncia, compaixao e amor, eles poderao ser como joias inestima- veis, mas se frequentemente ficarmos com raiva deles, eles podem se tornar maras. Ficariamos deleitados e nos considerariamos muito afortuna- dos se descobrissemos um tesouro enterrado ou se ganhassemos uma grande soma de dinheiro. Entretanto, se considerarmos 0 carater enganoso da riqueza exterior e a superioridade da riqueza interior da virtude, quao mais afortunados deveriamos nos sentir sempre que encontrassemos outro ser vivo, a fonte potencial de riqueza interior ilimitada? Para praticantes compassivos sinceros, apenas ver outros seres vivos, falar com eles ou meramente pensar neles é como achar um tesouro enterrado. Todos os seus encon- tros com outras pessoas servem para aprimorar sua compaixao, ¢ até atividades cotidianas, como fazer compras ou conversar com amigos, tornam-se causas de iluminacao. De todas as nossas mentes virtuosas, a compaixao e a sabedoria s&o supremas. A compaixdo purifica nossa mente e, quando nos- sa mente é pura, seus objetos também se tornam puros. Ha mui- tos relatos de praticantes espirituais que, por desenvolverem forte compaixao, purificaram suas mentes da negatividade que ha muito obstruia seu progresso espiritual. Por exemplo, Asanga, um gran- de erudito que viveu na India no século V, meditou numa caverna isolada na montanha a fim de obter uma visio de Buda Maitreya. Apés doze anos, ele ainda nao havia conseguido realizar seu obje- tivo e, sentindo-se desanimado, abandonou seu retiro. Descendo a montanha, deparou-se com um velho cachorro caido no meio do caminho. Seu corpo estava coberto de feridas infestadas de larvas e ele parecia proximo da morte. Essa cena provocou em Asanga um. 175 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA irresistivel sentimento de compaixao por todos os seres vivos apri- sionados no samsara. Enquanto retirava meticulosamente as lar- vas do cachorro moribundo, Buda Maitreya apareceu subitamente diante dele. Maitreya explicou que estava com Asanga desde 0 ini- cio do seu retiro, mas, devido as impurezas na mente de Asanga, Asanga nao tinha sido capaz de vé-lo. Foi a extraordinaria compai- xao de Asanga que, por fim, purificou as obstrugées carmicas que o impediam de ver Maitreya. Na verdade, durante 0 tempo todo, o cachorro era uma emanacio de Buda Maitreya - com 0 propésito de despertar a compaixao de Asanga, Maitreya havia se emanado como um cachorro sofredor. Podemos compreender, a partir disso, como os Budas manifestam-se das mais diferentes maneiras para ajudar os seres vivos. Qualquer pessoa que morra com uma mente de pura compai- xdo renascera, definitivamente, numa Terra Pura, onde ele (ou ela) nunca mais tera de experienciar os sofrimentos do samsara novamente. O principal desejo do Bodhisattva Geshe Chekhawa era o de renascer no inferno para que pudesse ajudar os seres que ali estao sofrendo. No entanto, no seu leito de morte, ele vislumbrou uma Terra Pura e compreendeu que seu desejo nao seria realizado. Em vez de renascer no inferno, ele nao tinha ou- tra escolha a nao ser ir para uma Terra Pura! A razao disso é que sua compaixao havia purificado sua mente de modo tao profun- do que, do ponto de vista da sua experiéncia pessoal, objetos puros, como 0s reinos do inferno, nao mais existiam - para ele, tudo era puro. No entanto, embora Geshe Chekhawa tenha renascido numa Terra Pura, ele era capaz de ajudar os seres-do- -inferno por meio de suas emana¢ées. Podemos achar dificil acreditar nessas historias, mas isso acontece porque nao compreendemos a relacao entre nossa men- te e seus objetos. Como Milarepa disse, nossa mente e seus ob- jetos sdo, na verdade, a mesma natureza; mas, devido a ignoran- cia, acreditamos que sao de naturezas diferentes. Sentimos que o mundo existe “la fora’, independente da mente que o percebe, mas, na verdade, os objetos sao totalmente dependentes das mentes 176 GRANDE COMPAIXAO que os percebem. Este mundo impuro que experienciamos agora existe apenas em relagao a nossa mente impura. Uma vez que te- nhamos purificado completamente nossa mente através dos trei- nos em trocar eu por outros, compaixao e assim por diante, este mundo impuro desapareceré e perceberemos um mundo novo e puro. Nossa sensacao de que as coisas existem separadas da nossa mente, com sua propria natureza inerente e fixa, provém da nos- sa ignorancia. Quando compreendermos a verdadeira natureza das coisas, veremos que nosso mundo é como um sonho, no qual tudo existe como uma mera aparéncia 4 mente. Compreendere- mos que podemos mudar nosso mundo simplesmente mudando nossa mente e que, se desejamos ser livres do sofrimento, tudo 0 que precisamos fazer é purificar nossa mente. Tendo purificado nossa propria mente, estaremos, entao, na condi¢ao de realizar nosso desejo compassivo, por meio de mostrar aos outros como fazer 0 mesmo. Considerando todos esses beneficios da compaixao, deve- mos tomar a determinacao de usar todas as oportunidades para desenvolvé-la. A coisa mais importante é colocar em pratica os ensinamentos sobre compaixio ¢ sabedoria, tanto para 0 nosso préprio propésito como para o dos outros; caso contrario, eles permanecerio, para nés, apenas como palavras vazias. A natureza eas funcées da sabedoria estado explicadas na secao sobre treinar a sabedoria superior, no capitulo Objetos Significativos. Compaixao pura é uma mente que considera 0 sofrimento dos outros insuportavel, mas ela nao nos deixa deprimidos. Na verdade, a compaixao nos da tremenda energia para trabalhar para os outros e para concluir o caminho espiritual para 0 be- neficio deles. Ela destréi nossa complacéncia e torna impossivel que continuemos contentes com a felicidade superficial de satis- fazer nossos desejos mundanos e, em vez disso, seremos levados a conhecer uma profunda paz interior, que nao pode ser pertur- bada por condigées mutaveis. E impossivel que fortes delusdes, ou afligdes mentais, surjam em uma mente repleta de compaixao. Se nao desenvolvermos delusdes, as circunstancias exteriores, 77 COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA por si proprias, nao teréo o poder de nos perturbar; portanto, quando nossa mente é governada por compaixao, ela esta sempre em paz. Essa é a experiéncia de todos aqueles que desenvolveram sua compaixao para além da compaixao limitada que normal- mente sentimos por aqueles que consideramos mais préximos, transformando-a na compaixao altruista por todos os seres vivos. Desenvolver compaixdo e sabedoria e ajudar os necessitados sempre que possivel é o verdadeiro sentido da vida humana. Au- mentando nossa compaixao, aproximamo-nos da iluminagao e da satisfacao dos nossos desejos mais profundos. Como sao bondo- sos 0s seres vivos ao atuarem como objetos da nossa compaixao. Como eles sao preciosos! Se nao houvesse seres sofredores a quem pudéssemos ajudar, os Budas teriam de emand-los para nds! Na verdade, se pensarmos sobre a histéria de Maitreya e Asanga, ve- remos que nao temos como saber ao certo se aqueles que estamos tentando ajudar agora sao ou nao, de fato, emanagdes de Buda, manifestadas para o nosso beneficio. O sinal de que dominamos as meditagdes de apreciar os outros e compaixao é que, sempre que nos encontrarmos com outra pessoa - mesmo com alguém que esteja nos prejudicando — sentiremos, genuinamente, como se houvéssemos encontrado um raro e precioso tesouro. 178

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