Você está na página 1de 91

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental

O ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS


SOCIOAMBIENTAIS DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE
USINAS HIDRELÉTRICAS

Autora: Tâmara Tenório Borges de Carvalho Pimentel


Orientadora: Profª. Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade

Brasília - DF
2012
TÂMARA TENÓRIO BORGES DE CARVALHO PIMENTEL

O ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS


DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Planejamento e
Gestão Ambiental da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Planejamento
e Gestão Ambiental.

Orientadora: Profª. Ph.D. Renata Marson


Teixeira de Andrade

Brasília
2012
Dissertação de autoria de Tâmara Tenório Borges de Carvalho Pimentel, intitulada “O
ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS”, apresentada
como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Planejamento e Gestão Ambiental
da Universidade Católica de Brasília, em 28 de junho de 2012, defendida e aprovada pela
banca examinadora abaixo assinada:

____________________________________
Professora Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade
Orientadora
Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental - UCB

____________________________________
Professor Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo
Examinador Interno
Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental - UCB

____________________________________
Dr. Luis Carlos Ferreira
Examinador Externo
Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Brasília
2012
À Deus, toda a glória!
Aos meus pais, por todo amor e estímulo.
Ao meu marido, Máglius, pelo apoio e
companheirismo.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Renata, minha orientadora, pelo auxílio e, acima de tudo, pela
amizade.
À Agência Nacional de Energia Elétrica, pelo investimento nesta pesquisa.
Aos examinadores Paulo Ricardo e Luis Carlos, pela disponibilidade de materiais e
pelas sugestões, que tanto auxiliaram na elaboração deste trabalho.
Aos professores e funcionários do curso de mestrado do Programa de Pós Graduação
em Planejamento e Gestão Ambiental, pela convivência harmônica, apoio e amizade.
RESUMO

PIMENTEL, Tâmara Tenório Borges de Carvalho. O enfrentamento político dos conflitos


socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas, 2012. 91 f.
Dissertação (Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental) - Programa de Planejamento e
Gestão Ambiental – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

Este trabalho tem por objetivo avaliar a evolução da gestão dos conflitos socioambientais
decorrentes da geração de energia hidrelétrica no Brasil da década de 1970 até os dias atuais.
Para tanto foram selecionados 06 conflitos socioambientais ocorridos na implantação de
grandes barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo, escolhidos com base no
relatório elaborado pela CMB (2000) e no livro de Mc Cully (2007); posteriormente,
analisou-se a gestão dos conflitos socioambientais em três usinas hidrelétricas no Brasil, UHE
Sobradinho e UHE Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e UHE Belo Monte, situada no
rio Xingu, escolhidas para fins de estudo de caso comparativo, de acordo com os critérios:
período histórico em que ocorreram a implantação e os conflitos; visibilidade e repercussão
através da mídia; capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do
meio ambiente e direitos humanos; disponibilidade de dados e informações. Os resultados
corresponderam à construção de um quadro comparativo, que apresentou as principais
características de cada uma das três usinas – UHE Sobradinho, UHE Itaparica e UHE Belo
Monte – com a posterior análise dos conflitos desencadeados em cada caso. Ao final do
trabalho ilustra-se, por meio de um diagrama, a evolução dos conflitos socioambientais em
usinas hidrelétricas no Brasil, da década de 1970 até os dias atuais, enfatizando-se a influência
do contexto sociopolítico sobre as políticas públicas e sobre a gestão de conflitos. Finalmente,
conclui-se que: houve maior inclusão social no processo decisório inerente aos projetos
hidrelétricos ao longo do tempo, em decorrência do avanço da legislação ambiental e da
incorporação dos instrumentos de gestão de conflitos, como a negociação e a mediação; a
democratização permitiu um crescente controle social sobre as ações e políticas públicas; a
existência dos movimentos sociais é vital para reforçar a proteção, bem como a inclusão da
população atingida e menos favorecida nas decisões a elas pertinentes.

Palavras-chave: Conflitos socioambientais. Usinas hidrelétricas. Movimentos sociais.


ABSTRACT

This study aims to evaluate the evolution of the management of environmental conflicts
arising from the generation of hydroelectric power in Brazil in the 1970s to the present day.
Therefore, we selected 06 environmental conflicts occurring in the deployment of large dams
for electricity generation in Brazil and the world, chosen based on the report by the CMB
(2000) and the book of Mark Cully (2007); then we analyzed the management of
environmental conflicts in three hydropower plants in Brazil, Sobradinho and Itaparica,
located in the São Francisco, and Belo Monte, located on the Xingu River, chosen for the
comparative case study, according to the criteria: historical period that occurred in the
deployment and conflict; visibility and impact through the media; ability to mobilize actors
and political interference with the environment and human rights; and availability of data and
information. The results corresponded to the construction of a comparative table, which
presented the main characteristics of each of the plants chosen for the comparative case study
– Sobradinho Dam, Itaparica Dam and Belo Monte Dam - for later analysis. At the end of the
work is illustrated by means of a diagram, the evolution of environmental conflicts in
hydroelectric plants in Brazil, from the 1970s to the present day, emphasizing the influence of
sociopolitical context on public policy and the management conflict. Finally, we conclude
that: there was greater social inclusion in decision-making inherent in hydropower projects
over time, due to the advancement of environmental legislation and the incorporation of the
instruments of conflict management, such as negotiation and mediation; democratization
allows one increasing social control over the actions and policies; and the existence of social
movements is vital to ensure protection as well as the inclusion of the affected population and
less favored in decisions relevant to them.

Keywords: Environmental conflicts. Hydroelectric. Social movements.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Metodologia empregada ......................................................................................... 17


Quadro 2 - Principais impactos socioambientais decorrentes da construção de grandes
barragens ................................................................................................................................... 38
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Conflitos socioambientais em barragens no mundo. ............................................... 35


Tabela 2 - Área diretamente afetada pela implantação da UHE Belo Monte, conforme
EIA/RIMA, maio/2009 ............................................................................................................. 62
Tabela 3 - Público alvo do Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias ... 68
Tabela 4 - Expectativa da população quanto ao empreendimento ........................................... 69
Tabela 5 - Opção de atendimento no caso de remoção ............................................................ 71
Tabela 6 - Conflitos nas Usinas Hidrelétricas Sobradinho, Itaparica e Belo Monte ................ 73
SUMÁRIO

CAP. 1 - INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10


1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ........................................................................................ 11
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 12
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 13

CAP. 2 - METODOLOGIA ................................................................................................... 15

CAP. 3 - REVISÃO DA LITERATURA .............................................................................. 18


3.1 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ............................................................. 18
3.2 USINAS HIDRELÉTRICAS (UHE) NO BRASIL ........................................................ 19
3.3 RISCOS E VULNERABILIDADE SOCIAL EM BARRAGENS ................................. 22
3.4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE USINAS
HIDRELÉTRICAS ................................................................................................................ 26
3.4.1 Gestão de Conflitos ................................................................................................. 31
3.5 CONFLITOS EM USINAS HIDRELÉTRICAS NO MUNDO ..................................... 34
3.5.1 Resistência a barragens na Tailândia ................................................................... 38
3.5.2 Protestos contra a barragem de Bakun na Malásia ............................................. 40
3.5.3 Resistência a barragens na Índia ........................................................................... 41
3.5.4 Barragens nos EUA ................................................................................................ 43
3.5.5 Barragens no Brasil ................................................................................................ 46
3.5.6 Considerações finais ............................................................................................... 48

CAP. 4 - ESTUDO DE CASO COMPARATIVO: UHE SOBRADINHO, UHE


ITAPARICA E UHE BELO MONTE .................................................................................. 49
4.1 UHE SOBRADINHO ..................................................................................................... 49
4.2 UHE ITAPARICA .......................................................................................................... 52
4.3 UHE BELO MONTE ..................................................................................................... 54
4.3.1 Movimentos sociais em torno de Belo Monte ....................................................... 58
4.3.3 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu .................. 65
4.3.4 Plano de Atendimento à População Atingida ....................................................... 67

CAP. 5 - GESTÃO DE CONFLITOS UHES SOBRADINHO, ITAPARICA E BELO


MONTE ................................................................................................................................... 73

CAP. 6 - CONCLUSÃO ......................................................................................................... 82

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 84
10

CAP. 1 - INTRODUÇÃO

O setor elétrico vem ocupando posição estratégica nos debates nacionais sobre a
questão ambiental desde as décadas de 70 e 80, quando foram implantados grandes
empreendimentos hidrelétricos que, embora contribuam para o desenvolvimento do país,
foram responsáveis por enormes impactos sociais e ambientais (BRASIL, 2006).
Por esse motivo, um dos princípios basilares do planejamento do setor elétrico é o do
desenvolvimento sustentável, ao lado do princípio da segurança do abastecimento e o da
modicidade tarifária para os consumidores. Para atender à demanda futura de energia elétrica
é que se torna necessária a expansão de sua geração no Brasil, mediante a elaboração e análise
de alternativas de implantação de novas usinas, considerando-se os componentes
tecnológicos, econômicos e socioambientais (BRASIL, 2006). Moret e Ferreira (2008)
corroboram esse raciocínio ao afirmarem que, por ser a energia um fator estruturante da
sociedade atual, o planejamento do setor elétrico deve levar em consideração os fatores social,
econômico e ambiental.
O grande número de variáveis envolvidas no planejamento para o setor elétrico requer
a formulação de políticas públicas complexas. A importância dessas políticas é crescente,
visto que o setor elétrico depende de investimentos privados. Portanto, o papel do governo
cada vez mais se restringe ao gerenciamento da expansão, cabendo-lhe a tarefa de definir
políticas de interesse da sociedade que nem sempre estariam entre as prioridades do setor
privado. O dever de suprir a demanda por energia elétrica sem prescindir do desenvolvimento
sustentável é do governo. Cabe à sociedade exigir essa atuação responsável por meio dos
movimentos sociais, da participação efetiva nas audiências públicas e da eleição de
representantes governamentais corretos (GOLDEMBERG; MOREIRA, 2005).
Conforme demonstrado pela literatura, a gestão de conflitos socioambientais
relacionados à construção de empreendimentos hidrelétricos envolve uma variedade de atores
sociais. A própria democracia tratou de intensificar os conflitos ambientais, haja vista a
abertura do processo decisório, que passou a permitir a participação da sociedade civil em
etapas específicas, bem como a transparência dos procedimentos intrínsecos.
Assim, considerando a classificação de Little (2001) para os conflitos socioambientais
que giram em torno dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural, o
presente trabalho buscará avaliar os conflitos socioambientais que decorrem da implantação
de empreendimentos hidrelétricos no Brasil, focalizando sua evolução histórica, bem como a
11

forma como são conduzidos esses conflitos. A seguir, um resumo da forma como o trabalho
foi estruturado.
Primeiramente será trazida a revisão da literatura nacional e internacional sobre o
tema, explicitando-se os pontos de interesse para a pesquisa, que servirão para contextualizar
os casos apresentados posteriormente. Os aspectos abordados são: meio ambiente e
desenvolvimento; usinas hidrelétricas no Brasil; riscos e vulnerabilidade social em barragens;
conflitos socioambientais na implementação de Usinas Hidrelétricas; gestão de conflitos; e
conflitos em usinas hidrelétricas no mundo.
Em seguida, serão apresentados os estudos de caso, com um breve histórico dos
conflitos socioambientais desencadeados em cada um, destacando-se as ferramentas de gestão
de conflitos utilizadas. Depois de coletados, os dados foram agrupados em uma tabela
comparativa, o que facilitou a análise dos dados e a discussão dos resultados encontrados. Ao
final do trabalho ilustra-se, por meio de um diagrama, a evolução dos conflitos
socioambientais em usinas hidrelétricas no Brasil, da década de 1970 até os dias atuais,
enfatizando-se a influência do contexto político sobre as políticas públicas e sobre a gestão de
conflitos implementada.

1.1 PROBLEMA DA PESQUISA

Desde a década de 1970, estamos assistindo a ascensão de movimentos ambientalistas,


a conseqüente difusão das preocupações com a preservação do meio ambiente e a pressão da
sociedade civil. Sobretudo, o movimento de atingidos por barragens e a resistência das
populações atingidas por grandes obras do setor elétrico conduziram esse setor a rever as
questões sociais e ambientais em seus projetos. A Resolução 01/86 do Conselho Nacional de
Meio Ambiente (CONAMA), que regulamentou a obrigatoriedade de realização de Estudos
de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (Rima) para fins de
licenciamento ambiental, foi uma das mudanças implementadas pelo governo, com vistas a
incorporar princípios sociais e ambientais no setor elétrico (VAINER, 2007).
Entretanto, Vainer (2007) assevera que os progressos que têm ocorrido quase sempre
se dão por pressões externas ao setor elétrico, o qual se comporta, na maioria das vezes, de
forma defensiva, reativa e tímida. Passivo social e ambiental, insuficiências legais e
institucionais, insistência em erros já várias vezes cometidos, contraditoriamente, convivem
12

com as lutas dos atingidos por barragens, as denúncias de movimentos ambientalistas e com o
despertar de uma sensibilidade para as questões sociais e ambientais em alguns segmentos do
próprio setor elétrico.
Vainer (2007) conclui que o confronto de idéias e projetos sustenta um triplo
aprendizado: i) o da democracia, que leva, necessariamente, ao conflito; ii) o da
responsabilização social e ambiental crescente do setor elétrico e de suas empresas; iii) o da
necessidade de qualificar quadros técnicos e criar os espaços legais e institucionais favoráveis
à resolução e/ou explicitação dos novos conflitos e desafios sociais e ambientais associados
aos grandes projetos hidrelétricos.
Bermann (2007), por sua vez, ressalta a desconsideração com que são tratadas as
populações ribeirinhas atingidas pela implementação de usinas hidrelétricas. Os interesses
dessas populações são negligenciados no processo de construção das usinas, uma vez que seu
envolvimento no processo decisório é limitado pela falta de transparência e assimetria de
informações.
A gestão democrática dos recursos hídricos pressupõe a participação das populações
atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos no processo de decisão subjacente, mediante a
construção de consensos, reconhecendo interesses divergentes que devem ser incorporados no
processo de negociação (BERMANN, 2007).
Assim, cumpre-nos investigar se a gestão democrática relativa à construção de usinas
hidrelétricas avançou no Brasil desde a década de 1970, período da ditadura militar, onde os
direitos dos cidadãos não eram respeitados e não havia liberdade de expressão, até os dias
atuais, com a abertura do processo decisório através da democracia. Somente a comparação
do passado com o presente será capaz de responder à nossa pergunta-chave: como evoluíram
os conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas no Brasil da
década de 1970 até os dias atuais?

1.2 OBJETIVOS

O objetivo geral do presente trabalho consiste em avaliar a evolução da gestão dos


conflitos socioambientais decorrentes da geração de energia hidrelétrica no Brasil da década
de 1970 até os dias atuais. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
13

1. Levantar 06 conflitos socioambientais ocorridos na implantação de grandes


barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo, escolhidos com
base no relatório elaborado pela World Commission nn Dams (2000) e no livro
de Mc Cully (2001);
2. Analisar a gestão dos conflitos socioambientais em três Usinas Hidrelétricas no
Brasil, escolhidas para fins de estudo de caso comparativo: UHE Sobradinho e
UHE Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e UHE Belo Monte, situada
no rio Xingu. Esses empreendimentos foram escolhidos de acordo com os
critérios: período histórico em que ocorreram a implantação e os conflitos;
visibilidade e repercussão através da mídia, capacidade de mobilização dos
atores e interferência sobre a política do meio ambiente e direitos humanos;
disponibilidade de dados e informações.

1.3 JUSTIFICATIVA

A necessidade de expansão do setor elétrico brasileiro, com a priorização da


hidreletricidade devido ao vantajoso potencial hídrico brasileiro, tem acarretado
historicamente situações de conflito dos atores entre si ou com instituições, desencadeando
processos que resultam na mobilização da população, no embate político, na contestação junto
às câmaras de vereadores e no recurso ao Poder Judiciário. A existência desses conflitos é
fator de insegurança para empreendedores quanto à viabilidade de seus investimentos, para
cidadãos quanto à segurança de seus direitos e qualidade de vida e para autoridades quanto
aos limites de seus poderes de decisão.
Segundo Vainer (2007), a própria democracia tratou de intensificar esses conflitos,
pois a democracia implica o confronto de idéias, o que leva, necessariamente, ao conflito.
Esses conflitos, por sua vez, geram uma maior responsabilização social e ambiental do setor
elétrico e de suas empresas, assim como a criação de espaços legais e institucionais favoráveis
à resolução e/ou explicitação de novos conflitos, os quais, na maioria das vezes, induzem à
tomada de decisões mais justas e equitativas, englobando uma parcela maior da população, e
não somente a classe dominante (Vainer, 2007). Contudo, para que os conflitos contribuam
para uma mudança social positiva, eles precisam ser bem geridos, e essa gestão depende
14

muito da estrutura política do país, que limita ou facilita a implementação de políticas (Swain
e Chee, 2004).
Os conflitos socioambientais no setor energético como um todo, são, também, um
fator importante para a ANEEL (agência reguladora do setor elétrico), principalmente quanto
à tomada de decisões relativas a novas outorgas. As energias renováveis têm ganhado cada
vez mais espaço na matriz elétrica nacional, principalmente com o aumento significativo da
participação das usinas eólicas. Entretanto, por mais que haja incentivos públicos para
aumentar os investimentos em fontes alternativas de energia, a hidráulica ainda será a
principal fonte de energia elétrica do Brasil nos próximos anos (EPE, 2011).
Assim, considerando: (1) a necessidade de expansão do setor elétrico brasileiro para
atender à crescente demanda nacional por energia elétrica, sendo a hidreletricidade a principal
fonte de energia elétrica no Brasil; (2) e que sua implantação provoca impactos sociais e
ambientais potenciais geradores de conflitos, este estudo propõe o aprofundamento dos
estudos a respeito dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas
hidrelétricas, com vistas a avaliar a evolução da gestão dos conflitos socioambientais
decorrentes da geração de energia hidrelétrica no Brasil da década de 1970 (período de
ditadura militar) até os dias atuais (democracia).
15

CAP. 2 - METODOLOGIA

A pesquisa aqui apresentada foi baseada em um estudo de caso comparativo, nos


termos de Yin (2003). A estratégia de estudo de caso foi adotada por ser a mais adequada para
investigar fenômenos contemporâneos no seu real contexto, sendo relevantes as condições
contextuais aos fenômenos de interesse (Yin, 2003). A presente pesquisa apresenta uma
abordagem qualitativa e, nos termos de Yin (2003), é exploratório – explicativa em relação
aos fins que se propõe, uma vez que busca identificar fatores que contribuem para a
ocorrência de determinados fenômenos. A população-alvo da pesquisa constitui-se por uma
amostra representativa de Usinas Hidrelétricas (UHE), e os principais conflitos foram
selecionados de acordo com critérios de visibilidade e repercussão através da mídia,
capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do meio ambiente e
direitos humanos.
Segundo a classificação de Little (2001), os conflitos socioambentais decorrem dos
impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural. Assim, considerando que a
implantação de empreendimentos hidrelétricos (ação humana) implica impactos
socioambientais potenciais geradores de conflitos, o presente trabalho buscou avaliar esses
conflitos no decorrer da história, com vistas a demonstrar a evolução das técnicas de gestão
aplicadas a esses conflitos.
Primeiramente foram levantados seis conflitos socioambientais ocorridos na
implantação de usinas hidrelétricas no mundo e no Brasil, escolhidos com base no relatório
elaborado pela World Commission nn Dams (2000) e no livro de Mc Cully (2001), além de
terem sido levados em consideração a questão da diversidade regional e o período histórico
em que ocorreu a implantação das usinas. Em seguida, foram mapeados os conflitos ocorridos
nas UHE de Sobradinho e Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e os conflitos ocorridos
na UHE de Belo Monte, localizada no rio Xingu, escolhidos para fins de estudo de caso
comparativo.
A coleta dos dados foi realizada mediante revisão de documentos de domínio público,
revisão de informações disponíveis em fontes secundárias tais como literatura nacional e
internacional, revistas, jornais, sites da Internet, e de documentos internos dos Órgãos
Públicos envolvidos, como ANEEL e IBAMA.
Na fase de análise dos dados foram utilizadas algumas técnicas apresentadas por Miles
e Huberman (1994) para análise de dados qualitativos, como as memórias e os displays. As
16

memórias servem para registrar as impressões que vão surgindo na mente do pesquisador à
medida que os dados são cumulativamente colhidos e codificados. Já a técnica de display
(figura ilustrativa) é utilizada para se chegar às conclusões finais. Trata-se de uma
concentração dos dados num único lugar, ordenados segundo categorias, de maneira visual,
propiciando o estabelecimento de relações e facilitando a extração de conclusões (MILES;
HUBERMAN, 1994). O display no caso deste trabalho correspondeu às tabelas, que tiveram a
função de agrupar os dados para facilitar a comparação dos casos e a extração de conclusões,
e ao diagrama elaborado ao final da etapa da análise, o qual demonstra de forma clara os
resultados da pesquisa.
A partir dos dados históricos coletados e analisados foi possível: (i) traçar um perfil
dos conflitos socioambientais desencadeados na construção dos empreendimentos
hidrelétricos; (ii) identificar os atores envolvidos em cada conflito; (iii) observar as
ferramentas de resolução de conflitos utilizadas; (iv) identificar o impacto das políticas
públicas existentes sobre os conflitos; e (v) criar uma tabela sintética com os principais
conflitos, suas causas e consequências.
A metodologia empregada encontra-se sintetizada no quadro a seguir:
17

Quadro 1 - Metodologia empregada


Objetivo Método de Coleta Fonte dos dados Metodologia de Análise Resultados
de Dados
Levantar 6 conflitos - levantamento Fontes secundárias: Análise qualitativa/ exploratório- Introdução: barragens para
socioambientais ocorridos bibliográfico sobre revisão de literatura explicativa; geração de energia elétrica no
na implantação de grandes conflitos sociais nacional e internacional, mundo e no Brasil;
barragens para geração de ocorridos na com ênfase na obra de Construção de tabela com Revisão da Literatura: definição
eletricidade no Brasil e no construção de Patrick Mc Cully indicação do país em que de conflitos socioambientais e do
mundo, escolhidos com grandes barragens (Silenced Rivers, 2007), ocorreram os conflitos; nome da contexto em que ocorrem no
base no relatório para geração de no relatório do The barragem e do rio em que foi âmbito da implantação de
elaborado pela CMB energia elétrica no World Commission on implantada; potência instalada; nº grandes barragens para geração
(2000) e no livro de Mc Brasil e no mundo. Dams (WCD) e no site de deslocados; entrada em de energia elétrica no Brasil e no
Cully (2007) do International Rivers; operação; e movimento social mundo; caracterização dos
artigos científicos e formado. movimentos sociais como
outros livros. impulsionadores desses conflitos;
tabela com os principais
conflitos; narrativa sobre os
movimentos sociais e os conflitos
relacionados a construção de
grandes barragens para geração
de eletricidade no Brasil e no
mundo.
Analisar a gestão dos Revisão bibliográfica Fontes secundárias: Análise qualitativa/ exploratório- Discussão: narrativa sobre a
conflitos socioambientais qualitativa, pesquisa revisão da literatura explicativa; evolução dos movimentos sociais
nas três Usinas documental e sobre os conflitos e resultados dos conflitos
Hidrelétricas escolhidas levantamento socioambientais nas relacionados a construção de
para estudo de caso no bibliográfico. UHE Sobradinho, grande barragens para geração
Brasil: Sobradinho e Coleta de dados para Itaparica e Belo Monte; Construção de uma tabela de eletricidade no Brasil, da
Itaparica, localizadas no consulta a banco de década de 70 até os dias atuais.
caracterização comparativa, que deve ser mais
rio São Francisco, e Belo dados, processos e Verificar as metodologias de
geográfica, ambiental, detalhada do que a tabela dos
Monte, situada no rio histórica e conceitual relatórios da ANEEL; conflitos ocorridos no mundo, gestão de conflitos utilizadas em
Xingu, para fins de estudo dos conflitos. consulta a sites de com a descrição dos dados cada caso para fins de
de caso comparativo. ONGs, empresas do referentes à barragem, como: comparação,em função do
Esses empreendimentos setor elétrico e Órgãos período histórico em que os
localização; potência Instalada;
foram escolhidos de públicos; notícias em período de implantação; área do conflitos ocorreram. Resposta à
acordo com os critérios: jornais, revistas e sites reservatório/ nº de pessoas pergunta-chave da pesquisa:
período histórico em que sobre os conflitos deslocadas; principais movimentos “como evoluíram os conflitos
ocorreu a implantação e os ocorridos nos estudos sociais formados; principais socioambientais decorrentes da
conflitos; visibilidade e de caso. geração de energia hidrelétrica
causas do conflito e suas
repercussão através da consequências para a população ; no Brasil da década de 1970 até
contexto sociopolítico em que foi os dias atuais?”
mídia, capacidade de
mobilização dos atores e
implantada; metodologias de
interferência sobre a
gestão de conflitos. Análise dos
política do meio ambiente
dados compilados na tabela,
e direitos humanos; permitindo o levantamento de
disponibilidade de dados inferências que permitam o
técnicos e informações.
alcance do objetivo geral do
trabalho.

Fonte: A autora.
18

CAP. 3 - REVISÃO DA LITERATURA

3.1 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

A Política Ambiental Brasileira, formalmente instituída pela Lei 6938/1981, foi


implantada a partir da representação do país na Conferência do Meio Ambiente, realizada na
cidade de Estocolmo, no ano de 1972 (BREDARIOL, 2001). Tem como principais agentes
institucionais o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) no plano federal, e os
órgãos estaduais de meio ambiente nos estados de maior atividade econômica.
O objetivo principal da Política Nacional do Meio Ambiente, de acordo com a lei, se
refere à “preservação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,
condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981).
Dentre os instrumentos previstos na Lei 6938/1981, destacam-se a avaliação dos
impactos ambientais e o licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental é definido pela
Resolução CONAMA nº 237/1997 como o:
procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a
localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente
poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação
ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas
aplicáveis ao caso (BRASIL, 1997b).
A Resolução CONAMA nº 001/1986, por sua vez, define impacto ambiental como:
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente,
causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas
que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da
população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e
sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL,
1986).
A avaliação de impactos ambientais é realizada mediante a elaboração dos Estudos de
Impacto Ambiental e dos respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), os quais
deverão ser realizados nos casos de atividades que impliquem a modificação do meio
ambiente, como a construção de barragens com potência instalada igual ou superior a 10 MW
(BRASIL, 1986).
A Constituição Federal de 1988 veio institucionalizar a política do meio ambiente,
estabelecendo preceitos e diretrizes básicas a serem cumpridas por governantes e governados.
19

A Carta Magna inovou ao dedicar um capítulo inteiro ao meio ambiente. Por esse motivo,
Silva (2004) afirma que todo "o capítulo do meio ambiente é um dos mais importantes e
avançados da Constituição de 1988". O tema ambiental é discutido ao longo de toda a
Constituição Federal, sendo o art. 225 o ponto principal de um regime constitucional
dedicado, em vários tópicos, à gestão dos recursos ambientais.
Primeiramente, o inciso LXXIII, do art. 5º da Constituição Federal, traz o meio
ambiente como garantia fundamental de qualquer cidadão, permitindo a proposição de ação
popular para anular ato lesivo ao meio ambiente, ficando o autor, salvo comprovada má fé,
isento das custas judiciais e do ônus da sucumbência. Nesse instante pode-se notar a
importância que o constituinte concedeu ao meio ambiente, visto que permitiu a qualquer
cidadão a impetração de ação com a finalidade de proteção ambiental.
Já o art. 225 da Constituição Federal postula o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como um novo direito fundamental da pessoa humana, uma vez
que ele é necessário tanto para proporcionar saúde física, como uma qualidade de vida digna
(MILARÉ, 1998).
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
Ao atribuir ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a qualificação jurídica de
bem de uso comum do povo quis o poder público deixar claro que o meio ambiente é um bem
pertencente à coletividade e, portanto, indisponível, tanto para o Poder Público como para o
povo. Essa ideia de indisponibilidade do meio ambiente vem reforçada pela necessidade de
preservação do meio ambiente em atenção às gerações futuras, motivo pelo qual as atuais
gerações não podem dispor do patrimônio ambiental (SOUZA et al, 2010). Por isso, cabe ao
Estado assegurar o equilíbrio harmonioso entre o homem e o meio ambiente em que vive,
devendo sempre o interesse de proteção ao meio ambiente, por ser um interesse público,
prevalecer sobre os interesses individuais privados.

3.2 USINAS HIDRELÉTRICAS (UHE) NO BRASIL

A hidroeletricidade se constitui na obtenção de energia elétrica a partir do


aproveitamento do potencial hidráulico de um determinado trecho de um rio, por meio da
20

construção de uma barragem e pela consequente formação de um reservatório (BERMANN,


2007). O parque gerador brasileiro há muitos anos é essencialmente hidrelétrico. O baixo
custo dessa energia aliada à riqueza natural hidrográfica levou o Brasil a ter uma posição de
destaque na geração de energia hidrelétrica no cenário mundial (SILVEIRA; REIS, 2001).
Segundo o Relatório do Banco Mundial (2008), as Usinas Hidrelétricas continuarão a
desempenhar um papel predominante na matriz elétrica brasileira, estimando-se que em 2015
serão responsáveis por aproximadamente 75% da eletricidade no País. Essa predominância é
determinada principalmente pelo fato de o Brasil possuir um dos maiores potenciais
hidrelétricos no mundo: um total de 260 mil MW, dos quais pouco mais de 30% (trinta por
cento) estão em operação ou construção (BRASIL, 2008).
De acordo com o mais recente Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE)
produzido pela EPE (BRASIL, 2011a), o percentual de participação do conjunto das fontes
renováveis de energia (hidráulica, eólica, biomassa, entre outras) vai aumentar na matriz
energética brasileira nos próximos dez anos. No entanto, a priorização das usinas hidrelétricas
e das fontes alternativas no horizonte de planejamento depende principalmente do
licenciamento ambiental. A restrição imposta pelas dificuldades de se obter o necessário
licenciamento ambiental para empreendimentos hidrelétricos implica a expansão da geração
através de projetos termelétricos que, além de contribuir para o aumento das emissões de
gases de efeito estufa, acarretam a elevação das tarifas e, sobretudo, a perda de uma
importante vantagem comparativa do País frente ao enorme potencial hidrelétrico ainda
inexplorado (BRASIL, 2011a).
Dois órgãos de governo são responsabilizados pela regulação de empreendimentos
hidrelétricos. Por um lado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada com a
edição das Leis nº 9.074/95 e 9.427/96 e do Decreto nº 2.335/97, tendo como principais
atribuições regular e fiscalizar o setor elétrico, garantindo sempre a competição do setor. A
ANEEL surgiu em substituição ao antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
(DNAEE), que foi extinto no processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, e é ela
quem autoriza e fiscaliza todas as etapas da vida de uma usina, dos estudos para
desenvolvimento do projeto à operação (BRASIL, 2011a).
Por outro lado, a Agência Nacional das Águas (ANA), criada pela Lei nº 9.984 de
2000, tem como competência expedir a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica
(DRDH), que é um pré-requisito para a licitação de concessão ou autorização do uso do
potencial hidráulico pela ANEEL, além de definir as condições de operação de reservatórios
21

de aproveitamentos hidrelétricos em articulação com o Operador Nacional do Sistema


Elétrico – ONS (BRASIL, 2000).
Mais recentemente, foi criado um novo órgão de apoio ao Ministério de Minas e
Energia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que tem suas atribuições definidas pela Lei
nº 10.847, de 15 de março de 2004, incluindo, dentre elas, a execução de estudos para
definição da Matriz Energética e planejamento da expansão do setor elétrico (geração e
transmissão), bem como a promoção dos estudos de potencial energético, incluindo inventário
de bacias hidrográficas, e a promoção dos estudos de viabilidade técnico-econômica e
socioambiental de usinas hidrelétricas, além da obtenção da Licença Prévia Ambiental para
aproveitamentos hidrelétricos (BERMANN, 2007).
Nos grandes empreendimentos hidrelétricos está sempre presente a ideia das vantagens
comparativas proporcionadas por esses projetos, apontados como uma alternativa de
suprimento energético de caráter renovável, não poluente, altamente eficiente, além de seu
reservatório poder ser utilizado para múltiplos usos (BERMANN, 2007). Contudo, a
implantação de uma usina hidrelétrica muitas vezes requer a inundação de grandes áreas de
terras agrícolas, florestas, campos e pastagens; além disso, um grande número de pessoas são
deslocadas de suas terras, e a paisagem natural é substancialmente alterada (TUNDISI, 2007).
Bermann (2007) ressalta a insustentabilidade dos empreendimentos hidrelétricos,
devido a uma série de problemas físico-químico-biológicos decorrentes de sua implantação e
operação, bem como a alteração das características ambientais do local de construção. Quanto
às questões sociais, o mesmo autor ressalta a desconsideração com que são tratadas as
populações ribeirinhas atingidas pelas obras. Os interesses dessas populações são
negligenciados no processo de construção das usinas, uma vez que seu envolvimento no
processo decisório é limitado pela falta de transparência e assimetria de informações. O
reconhecimento dos aspectos negativos associados à construção de uma usina hidrelétrica leva
à necessidade de se promover a implementação de instrumentos, por meio de políticas
públicas específicas, que mitiguem os impactos relacionados a esse tipo de empreendimento
(SILVEIRA; REIS, 2001).
Bermann (2007) destaca, ainda, que a essência da política energética atual, voltada
para o lucro, trata os efeitos sociais e ambientais derivados da instalação das plantas
hidrelétricas como custos que diminuem as taxas de retorno dos investimentos. A diminuição
do lucro associado a esses tipos de investimentos de fato ocorre quando as empresas
responsáveis pela implantação das usinas hidrelétricas são obrigadas a implementar medidas
de compensação socioambiental que terminam por encarecer demasiadamente os projetos,
22

sendo parte desse custo repassado ao consumidor final. Segundo o Relatório do BIRD (2008),
os custos de se lidar com as questões ambientais e sociais no desenvolvimento de
empreendimentos hidrelétricos no Brasil representam 12% do custo total da obra.
Por outro lado, como visto anteriormente, os custos financeiros não internalizam o que
é incomensurável, por exemplo, a diminuição da qualidade de vida e impactos na cultura e
modus vivendi da população ribeirinha. Desta maneira, aconselha-se observar as mudanças na
paisagem e outros aspectos ambientais importantes que afetem o social, os quais devem ser
incluídos nos custos do projeto no momento da tomada de decisão, inclusive aquelas decisões
associadas à escolha de alternativas para geração de energia elétrica: usinas hidrelétricas x
outras fontes alternativas de energia. Por esse motivo, Tundisi (2007) salienta a necessidade
de se elaborarem estratégias de longo prazo que conciliem a produção da hidreletricidade com
a preservação ambiental, assim como prevenção e mitigação dos impactos sociais gerados.
Tundisi (2007) alega, ainda, que, embora a construção de empreendimentos
hidrelétricos traga impactos socioambientais, ao longo do tempo, esses impactos negativos
são minimizados pela expansão das economias regionais, uma nova organização
socioeconômica e adaptações da flora e fauna dos reservatórios a essas novas condições.

3.3 RISCOS E VULNERABILIDADE SOCIAL EM BARRAGENS

Importante salientar, ainda, os riscos inerentes à implantação de barragens,


especialmente as de grande porte. Segundo Soriano e Valencio (2009), os riscos, que
representam a relação entre ameaça e vulnerabilidade, são o produto entre a probabilidade de
ocorrer um evento desastroso. Ressaltam que falhas em barragens representam riscos que
podem se configurar em desastres, uma vez que seu colapso implica inundações e destruição à
sua jusante, gerando todo um risco para a população que habita no local.
Além disso, esses mesmo autores chamam a atenção para o fato de que esses
empreendimentos representam riscos para determinadas populações antes mesmo de sua
construção. Trata-se da desocupação compulsória de áreas, por meio de Declaração de
Utilidade Pública, implicando a perda de territórios que representam raízes culturais de
parcelas vulneráveis da população, as quais possuem menos condições legais de se
defenderem (SORIANO; VALENCIO, 2009).
23

Segundo Porto (2007), a concretização do risco em termos de efeitos à saúde


dependerá de três aspectos: da magnitude do perigo ou ameaça; da probabilidade da
ocorrência; e da extensão da vulnerabilidade das populações e territórios afetados (área
espacial atingida e número de pessoas expostas afetadas).
Relacionando a vulnerabilidade com os riscos ambientais, Porto (2007) afirma que a
vulnerabilidade social expressa a extensão dos danos ou perigos que um sistema passa a sofrer
com as mudanças. Do ponto de vista humano e social, a vulnerabilidade resulta não apenas da
sensibilidade de certos sistemas, mas do modo como as pessoas, populações e sociedades irão
se adaptar às mudanças.
Esse mesmo autor afirma que o conceito de vulnerabilidade sempre apresenta uma
característica territorial, pois sempre se refere a grupos sociais específicos que, em um dado
território, encontram-se mais expostas e fragilizadas em sua capacidade de compreender e
enfrentar os riscos (PORTO, 2007). No caso do presente estudo, o conceito de vulnerabilidade
se manifesta na perda afetiva e material das pessoas que são remanejadas de suas terras para
viabilizar a construção de empreendimentos hidrelétricos, conforme estudo realizado no rio
São Francisco por Andrade (2006).
Porto (2007) sugere dois tipos de vulnerabilidade social: (1) vulnerabilidade
populacional: corresponde a grupos sociais específicos, mais vulneráveis a certos riscos,
dependendo de características e discriminações raciais, étnicas, de classe e de gênero, ou
ainda à sua inserção em territórios e setores econômicos particulares; (2) vulnerabilidade
institucional: relacionada à ineficiência de uma sociedade e suas instituições em sua
capacidade de regular, fiscalizar, controlar e mitigar riscos ocupacionais e ambientais, em
especial no tocante a grupos e territórios vulneráveis.
A vulnerabilidade social é agravada pela existência de profundas desigualdades sócio-
ambientais que, segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2009) são definidas como a distribuição
desigual das partes de uma meio ambiente injustamente dividido. A desigualdade social e de
poder está na raiz da degradação ambiental, pois quando os benefícios de uso do meio
ambiente e a capacidade de transferir os custos ambientais estão concentrados em poucas
mãos, a pressão sobre o meio ambiente não é reduzida (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA,
2009). Andrade (2006) mostra como a injustiça social persiste nas comunidades ribeirinhas do
baixo e médio Rio São Francisco que sofreram e ainda sofrem maior pressão sobre seu modo
de vida de pesca e produção tradicional de arroz desde a construção de uma cascata de
projetos hidrelétricos na região ao longo dos últimos 40 anos. Assim, não é possível enfrentar
a crise ambiental sem conhecer os problemas destas comunidades e promover a justiça social.
24

Porto (2007) aponta a necessidade de ampliar-se a visão e o diálogo entre especialistas


e a sociedade para resolver problemas em contextos vulneráveis. Afirma, ainda, que a
construção de sociedades saudáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis
dependerá da capacidade de cientistas, técnicos e cidadãos unirem ciência, ética e políticas
públicas na análise e enfrentamento dos grandes desafios da atualidade.
Acselrad, Mello e Bezerra (2009), por sua vez, salientam que a injustiça ambiental é
definida como o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e
social, destinam a maior carga dos riscos ambientais provenientes do desenvolvimento sobre
os grupos étnicos desprovidos de poder. Essa injustiça ambiental impulsionou o surgimento
dos Movimentos por Justiça Ambiental, que lutam pelo direito a um meio ambiente seguro,
sadio e produtivo para todos, onde o “meio ambiente” é considerado em sua totalidade,
incluindo suas dimensões ecológicas, sociais, políticas e econômicas.
Por sua vez, Herculano (2002) discute teoricamente o conceito de Justiça Ambiental,
propondo ser uma peça-chave para introduzir, aprofundar e organizar, nos estudos acadêmicos
e na militância ambientalista, a perspectiva das desigualdades sociais. Herculano (2002, p. 2)
define justiça ambiental como:
o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos
étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências
ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais,
estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.
Enquanto que injustiça ambiental é entendida como “o mecanismo pelo qual
sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a
grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados,
populações marginalizadas e mais vulneráveis” (HERCULANO, 2002, p. 2).
O Movimento por Justiça Ambiental surgiu nos EUA nos anos 1980, a partir de uma
articulação criativa entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis. No
Brasil ele nasceu com a criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, por ocasião do
Seminário Internacional de Justiça Ambiental e Cidadania, realizado em setembro de 2001 na
cidade de Niterói, reunindo representações de diferentes movimentos sociais, ONGs,
pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, além de pesquisadores e representantes do
movimento de Justiça Ambiental dos EUA, dispostos a realizar alianças na resistência aos
25

processos de “exportação da injustiça ambiental”1 (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA,


2009).
Entretanto, o tema justiça ambiental ainda é incipiente e de difícil compreensão no
Brasil, principalmente pelo fato de que as extremas injustiças sociais brasileiras encobrem e
naturalizam a exposição desigual à poluição e o ônus desigual dos custos do desenvolvimento.
Herculano (2002) cita alguns fatores genéricos e ideológicos que têm contribuído para
dificultar a percepção das injustiças ambientais, da distribuição desigual dos riscos ambientais
entre países e entre classes sociais e etnias dentro de cada país: (i) o conservacionismo de uma
corrente do movimento ambientalista, que acredita que os problemas ambientais são
“democráticos”, por atingirem a todos, quando, na verdade, estes riscos são escalonados,
ainda espacializados e, justamente porque empurrados para a população mais fragilizada,
ficam sem solução; (ii) o produtivismo generalizado e também assumido pelo movimento
operário, que incorpora a busca pelo crescimento ou por sua retomada, sem questionar suas
implicações; (iii) um pragmatismo imediatista que cria a força uma cumplicidade involuntária
dos trabalhadores que, em nome da sua sobrevivência econômica, mantêm um quadro de
injustiça crônica e de aceitação resignada das fatalidades ambientais.
Segundo Herculano (2002), o aumento das desigualdades sociais leva a um
consequente aumento das desigualdades no acesso a um ambiente natural e saudável. Os
riscos da deterioração são empurrados para as parcelas mais vulneráveis da sociedade e depois
mitigados por políticas compensatórias. Contudo, essas políticas compensatórias não são
sempre bem-sucedidas, uma vez que acidentes não são compensáveis. As políticas necessárias
são aquelas que integram as visões das diversas áreas que compõem a temática ambiental,
produzindo um efeito sinérgico, rumo ao desenvolvimento sustentável (HERCULANO,
2002).
Saliente-se, ainda, a importância do papel da mídia e dos meios de comunicação de
massa, que concedem voz aos menos privilegiados, que são também os mais vulneráveis e os
mais atingidos pelas grandes barragens. Os meios de comunicação divulgam para o público
global os riscos associados às grandes barragens, conectando atores além de fronteiras
(BECK, 2008).

1
Essa exportação da injustiça ambiental é verificada quando uma empresa é retirada de uma região por alguma
eventual pressão social que tenha sofrido, e após, se realoca facilmente em outro ponto onde a legislação ou a
mobilização social e política sejam débeis (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009).
26

3.4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE USINAS


HIDRELÉTRICAS

Segundo Deutsch (1973 apud ALMEIDA, 2003), para se estudar o conflito, deve-se
partir das seguintes variáveis: (1) as características das partes no conflito; (2) a relação de uma
parte com a outra; (3) a natureza da questão que dá origem ao conflito; (4) o ambiente social
em que ocorre o conflito; (5) o público interessado no conflito; (6) as estratégias empregadas
pelas partes; e (7) as consequências do conflito para cada parte.
Com relação às funções desempenhadas no conflito, esse mesmo autor ressalta que
elas podem ser positivas ou negativas. Caso o conflito previna a estagnação de uma relação,
ele pode ser considerado positivo, uma vez que estimula novos interesses e a curiosidade,
explorando a capacidade de cada indivíduo (DEUTSCH, 1973 apud ALMEIDA, 2003).
O conflito pode ser classificado, ainda, segundo duas classes de processos: os
cooperativos, onde a interdependência implica ganhos mútuos; e os competitivos, em que a
relação é inversa, onde uma das partes sai ganhando e a outra sofrendo prejuízos (DEUTSCH,
1973 apud ALMEIDA, 2003). O autor destaca ainda, como consequências de processos
cooperativos de resolução de conflitos, o fato de a comunicação ser mais efetiva, haver uma
maior coordenação de esforços e um maior sentimento de aceitação de ideias.
Com relação aos conflitos socioambientais, Little (2001, p. 107) os caracteriza como
disputas entre grupos de atores sociais que possuem distintas formas de se relacionar e
interagir com o meio natural. Além disso, “cada ator social tem sua própria forma de
adaptação, ideologia e modo de vida, que entram em choque com as formas dos outros grupos
dando assim a dimensão social do conflito socioambiental”. Para este autor, os conflitos
socioambientais podem ser classificados em três principais tipologias a depender se as
disputas ocorrem em torno i) do controle sobre os recursos naturais, ii) dos impactos
ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural e iii) do uso dos conhecimentos
ambientais.
Os conflitos podem ser caracterizados, ainda, pelos elementos: natureza, atores sociais,
campo específico, objeto em disputa, lógica ou dinâmica de evolução, mediadores e tipologia
(FARIA, 2004b). Bredariol (2001), por sua vez, argumenta que os conflitos ambientais nas
áreas urbanas dos países em desenvolvimento são atrelados à questão da equidade social. Já
nas áreas rurais, eles estão relacionados à apropriação de recursos naturais ou à preservação
de culturas. Little (2001, p. 115) salienta ainda que “cada conflito tem seus ambientes naturais
27

particulares, seus atores sociais e seus nós próprios de conflito”. Portanto, “o tratamento, e
possível resolução dos conflitos, precisam ser precedidos por uma etapa de pesquisa e análise
das raízes e causas do mesmo” Little (2001, p. 115).
O conflito pode nascer, ainda, de disputas entre as classes sociais detentoras do capital
e aquelas detentoras da força de trabalho, devido a interesses divergentes quanto à
apropriação de riquezas, quanto ao reconhecimento social e quanto à detenção de poder.
Nesse caso, os diferentes grupos sociais se enfrentam nos campos econômico, político e social
(NASCIMENTO, 2001 apud FARIA, 2004b).
Acselrad, Mello e Bezerra (2009), asseveram que as disputas socioambientais
concretas opõem diversos modos de apropriação da natureza, o que expõe seu caráter
democrático. “A questão ambiental não representa necessariamente um entrave ao
desenvolvimento, mas uma dimensão constitutiva de um modelo de desenvolvimento que se
quer democrático e inclusivo” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Assim, tem-se que
o conflito pode ser visto como uma forma de exposição dos problemas e uma chance de
procurar melhorar as formas de apropriação e utilização do meio ambiente.
Esses mesmos autores argumentam, ainda, que os conflitos socioambientais são
originados pelas diferenças socioeconômicas desencadeadas pelo avanço da apropriação
privada e pela adoção de esquemas de ocupação em larga escala de um lado, e de outro lado
pelas lutas sociais, que questionam essa concepção capitalista, expressa pela produção de
divisas a qualquer custo (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2008).
Para Leff (2000), os conflitos ambientais são desencadeados por interesses divergentes
quanto à utilização e apropriação dos recursos naturais e levam a sociedade a pensar de uma
maneira mais voltada para o desenvolvimento sustentável. Esses conflitos não serão
resolvidos pela ciência ou pela ecologia, mas sim pelas diferentes formas de enxergar o
ambiente, pela diversidade cultural e pelo saber ambiental. A participação da sociedade é
fundamental para a gestão ambiental, e o diálogo de saberes produzido pelas diferentes
culturas e identidades auxiliará na resolução dos conflitos ambientais.
Para Ormeño e Saavedra (1995 apud BREDARIOL, 2001, p. 58) os conflitos
ambientais são definidos como “a incompatibilidade de interesses que emerge como um
resultado da prevenção ou reparação de danos”. Esses autores reconhecem três atores
envolvidos nesses conflitos: os que provocam o dano, os que recebem os danos e as agências
reguladoras.
Nesse contexto, Little (2001) ressalta que a resolução dos conflitos socioambientais no
campo da ação política concentra-se na implementação de políticas públicas e de diversas
28

estratégias e táticas políticas, Assim, os conflitos ambientais aparecem como base para a
construção das políticas ambientais (BREDARIOL, 2001). Quando se referem
especificamente aos conflitos em políticas públicas, Little (2001) e Bredariol (2001) afirmam
que duas partes principais são envolvidas: os decisores políticos e a população. Cite-se, por
exemplo, a discussão a respeito do novo código florestal, em que movimentos sociais e
organizações da sociedade civil lançaram carta de repúdio à Medida Provisória (MPV) nº 558
editada pela Presidenta Dilma Roussef em janeiro de 2012, apontando que essa MPV
extinguiu ilegalmente vastas áreas de unidade de conservação (UC) na Amazônia para abrigar
canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas sem estudos técnicos e qualquer consulta às
populações afetadas e à sociedade brasileira em geral. Isso demonstra a preocupação da
sociedade com a preservação ambiental e sua vontade de participar ativamente do processo
decisório inerente às políticas públicas ambientais (AMIGOS DA TERRA, 2012).
A boa notícia é que esses conflitos têm um potencial significativo para transformar,
tornando-se um importante catalisador para a mudança social positiva. A figura a seguir,
ilustra essa relação entre conflitos socioambientais e políticas públicas:

Figura 1 - Conflitos socioamabientais em políticas públicas: governo x população

Fonte: Free Your Mind and Think (2012).

Freitas Filho e Casagrande (2008) afirmam que dentre os desafios existentes na


criação de políticas públicas ambientais, estão os limites da apropriação individual dos
recursos ambientais, devendo levar em consideração a boa qualidade de vida das gerações
atuais e o compromisso com as gerações futuras.
29

Bucci (1996 apud FREITAS FILHO; CASAGRANDE, 2008, p. 430) define políticas
públicas como:
arranjos institucionais complexos, expressos em estratégias formalizadas ou
programas de ação governamental, visando coordenar os meios à disposição do
Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente
relevantes e politicamente determinados, e resultam de processos conformados
juridicamente.
Segundo Loureiro et al (1992 apud LAYRARGUES, 2000) as políticas públicas na
área ambiental serão efetivas somente se os atores sociais e os conflitos nela envolvidos
estiverem claramente determinados.
Agra Filho (2008) salienta que o papel do governo na resolução dos conflitos
socioambientais não abrange a coordenação efetiva do processo ou a construção de um
consenso, mas se restringe, tão somente, a identificar medidas que minimizam as
preocupações ambientalistas. Agra Filho (2008) afirma que o governo tem atuado como uma
parte interessada na viabilização dos projetos de usinas, uma vez que sua preocupação
primordial é o desenvolvimento do país, ficando a sustentabilidade ambiental em segundo
plano. Assim o papel do governo na mediação de conflitos fica sem sombra de dúvida
pendendo para os interesses privados e não da sociedade afetada.
A prática da avaliação dos impactos ambientais no Brasil negligencia a questão da
justiça social e se mostra omissa em relação à equidade ambiental, por apresentar
uma abordagem precária e reducionista das questões sociais na elaboração dos
diagnósticos. Na fase de análise dos impactos ambientais os aspectos sociais
favoráveis são exacerbados e os desfavoráveis são, geralmente, subdimencionados
(AGRA FILHO, 2008, p. 135).
Essa tímida atuação do governo com relação à implementação de políticas públicas
voltadas à diminuição dos impactos socioambientais pode ser explicada pela captura dos
Órgãos públicos pelo poder econômico das grandes empresas privadas, o que tem
comprometido a autonomia soberana na condução e aplicação de políticas públicas dos
agentes políticos (FREITAS FILHO; CASAGRANDE, 2008).
Dessa forma, pode-se afirmar que a consolidação do setor elétrico brasileiro depende
de um Estado de interesse social e ambiental forte, capaz de promover os pilares necessários à
sua expansão sem prescindir, contudo, da criação de instrumentos de mercado que diminuam
as assimetrias de poder e de informações entre os atores envolvidos (FROTA, 2001).
Aos planejadores de políticas públicas cabe informar à sociedade que a
disponibilização de energia elétrica na quantidade demandada implica impactos ambientais e,
consequentemente, a potencialização dos conflitos deles decorrentes, os quais precisam ser
“negociados, mitigados e acertados pelos agentes” (FROTA, 2001).
30

Diante disso, o mesmo autor afirma que as decisões sobre a implantação de


determinado empreendimento que cause impactos ambientais cabe à sociedade, cabendo ao
Estado apenas o papel de conduzir o processo.
Moret e Ferreira (2008) argumentam que os conflitos no setor elétrico surgiram por
causa da apropriação da cadeia de energia pelo poder econômico “transformando-a somente
em benefícios econômicos com acumulação de capital”.
Para Araújo et al. (2000), os conflitos socioambientais entre governo e a população
atingida por barragens ocorre, principalmente, em decorrência de problemas que envolvem a
avaliação incompleta dos processos de transferência de populações afetadas e das
repercussões sociais peculiares às grandes obras. Assim, Araújo et al. (2000) concluem que
essas avaliações, incompletas ou incompatíveis quanto aos custos e à duração do
empreendimento, terminam por acirrar os conflitos.
Diante desse contexto, o mais importante a se considerar é a participação das
populações atingidas no processo de decisão inerente à implantação de usinas hidrelétricas.
Nessas situações, o princípio majoritário adotado como procedimento democrático não tem
validade, uma vez que os efeitos da instalação desses empreendimentos atingem uma minoria.
Assim, “deve-se adotar a construção de consensos, reconhecendo interesses divergentes que
devem ser incorporados no processo de negociação” (BERMANN, 2007).
Para que os conflitos em políticas públicas contribuam para uma mudança social
positiva, eles precisam ser bem geridos, e essa gestão depende muito da estrutura política do
país, que limita ou facilita a implementação de políticas. Sobre esse assunto, Swain e Chee
(2004, p. 96) afirmam que:
A estrutura política de um Estado consiste na cultura política local, estrutura e
desenho institucional, bem como o envolvimento e as influências da sociedade civil
e participação pública. A gestão pública de conflitos políticos em uma sociedade
democrática é diferente da gestão dentro de uma sociedade não democrática.
Swain (2002) afirma que em regimes democráticos, a experiência de oposição a
políticas públicas são mais bem-sucedidas do que nas autocracias. A estrutura e a cultura de
um Estado democrático são ajustadas de forma a responder aos conflitos de maneira
conciliatória. Por outro lado, os regimes autoritários geralmente suprimem a oposição pública,
contando com controle coercitivo.
Além disso, segundo Mc Cully (2001), os países que possuem regimes políticos
autoritários são os mais suscetíveis a importarem os danos negativos causados pela
implantação de grandes barragens, uma vez que, nesses países os movimentos de resistência
têm menos poder para agir em favor dos direitos da população atingida. A tendência é que
31

esses países acabem por construir as grandes barragens para exportar energia elétrica para os
países onde impera a democracia e, por esse motivo, não se permite a construção deliberada
de barragens ou qualquer empreendimento que implique remanejamentos em larga escala.
A abertura do processo político favorece a presença efetiva das populações atingidas
em todas as etapas do processo decisório adjacente, inclusive nas questões relativas a
reassentamentos. Essa participação, por outro lado, não ocorre nos regimes autoritários, em
que se verificam práticas autoritárias e excludentes (ARAÚJO et al., 2000).

3.4.1 Gestão de Conflitos

Com relação aos mecanismos de gestão de conflitos ambientais, Vivacqua (2005)


destaca que existem dois tipos: os judiciais e os extra-judiciais. O primeiro tipo é aquele
solucionado no Poder Judiciário, por meio da utilização de mecanismos legais que permitem a
participação da sociedade na defesa do meio ambiente. No segundo são utilizadas técnicas de
negociação, em que a resolução do conflito ocorre por meio de acordo entre as partes.
Para Bredariol (2001), o desenvolvimento de pessoas, grupos e sociedades, está
diretamente relacionado à capacidade de criar e resolver os conflitos, que estão presentes em
todas as relações humanas. Para isso, existem os métodos de resolução de conflitos que,
segundo esse autor, se dividem em dois grupos: aqueles provenientes das teorias da
comunicação dos grupos, definidos como comportamentais; e os métodos de estruturação de
problemas, que utilizam as teorias de decisão.
Os métodos das teorias da comunicação dos grupos envolvem a participação de um
mediador neutro para apoio à resolução do conflito. Esse método é utilizado no caso de
existirem interesses contraditórios que dividem as partes e, por esse motivo, necessitam da
intervenção de uma terceira parte, neutra, que ajude as partes a chegarem a um acordo
(BREDARIOL, 2001).
Já os métodos que se apoiam nas teorias de decisão contribuem para a tomada de
decisões através do desenvolvimento de modelos e analogias, do cálculo e da previsão de
possíveis consequências para diferentes alternativas de ação e por experimentação e
simulação que assistam à definição de caminhos para se alcançar um objetivo desejado
(BREDARIOL, 2001).
32

Vivacqua (2005) salienta que a resolução dos conflitos mediante negociação e é muito
mais vantajosa e econômica do que a resolução de conflitos na esfera judicial, que além de
demorada, é dispendiosa. O autor cita ainda, a arbitragem, como ferramenta auxiliadora na
resolução de conflitos fora da esfera judicial. Exemplo de arbitragem utilizada pelo governo é
a constituição de comissões e grupos que atuam como árbitros na resolução de conflitos,
como os Comitês de Bacia Hidrográfica, criados pela Lei nº 9433/97, que arbitram em
primeira instância os conflitos relacionados aos recursos hídricos.
Costa (2003) também propõe a utilização dos métodos alternativos de resolução de
conflitos, definidos como aqueles independentes do monopólio estatal, e cita três principais:
(1) negociação: acordo encontrado pelas próprias partes; (2) mediação: negociação facilitada
por um terceiro; e (3) arbitragem: substituição da vontade das partes por um terceiro. Os
objetivos dos métodos alternativos de resolução de conflito são atender os interesses das duas
partes envolvidas e pacificar o conflito de uma maneira mais eficiente, visando sempre o
caráter educativo do processo preventivo de novos conflitos.
Dentre as formas de se abordarem os conflitos, Costa (2003) relata a autotutela
(solucionados pela força), a autocomposição (solucionado pelas partes) e a heterocomposição
(solucionados por um terceiro). Dentro dessa classificação, tem-se a heterocomposição estatal
e a alternativa, podendo ser vinculante (protegido pela coercibilidade estatal) ou não. Dentro
da classe vinculante ressalta-se a arbitragem. Já no lado da autocomposição, em que as partes
não têm uma solução imposta, tem-se a mediação e a negociação (COSTA, 2003).
Costa (2003) cita a privacidade e a liberdade de decidir sem a intervenção de terceiros
como principais vantagens da negociação. É também o método menos custoso e de maior
controle sobre os resultados.
Já Acselrad, Mello e Bezerra (2009) criticam a resolução de conflitos baseada na
negociação, afirmando que “o encaminhamento do conflito não se dá pela discussão sobre
aquilo que é justo ou injusto, mas pela maior ou menor capacidade dos agentes de
barganharem seus interesses, tidos como foro provado”. Nesse argumento eles acrescentam
que quando o litígio envolve atores sociais com acentuada desigualdade de poder, a resolução
negociada de conflitos pode operar como uma tecnologia de desmobilização social. Ponderam
ainda que em certos casos a negociação não impede o agravamento dos conflitos, e o
consenso estabelecido harmoniosamente, ao mesmo tempo em que reduz o nível de
agressividade entre os atores, encobre os conflitos, que permanecem latentes.
Com relação à mediação, Costa (2003) destaca que suas principais características são
o sigilo, a preservação das relações entre as partes, a informalidade, a flexibilidade do
33

processo e a valorização da autonomia da vontade e da boa-fé. Pode ser classificada de duas


formas: mediação avaliadora ou conciliação, onde o mediador assume uma postura de análise
e avaliação em busca de propostas razoáveis; e a mediação simplesmente compositora, em
que o mediador apenas trabalha técnicas de comunicação, sem opinar ou propor soluções. O
que define a utilização de um ou outro método é a natureza do conflito. Como a mediação não
é um método vinculante, ou seja, a condução do processo depende somente da vontade das
partes, a garantia do cumprimento do acordado é a elaboração de um contrato. Não obstante
todas as vantagens presentes nos processos mediativos, estes apresentam a desvantagem de os
participantes poderem utilizá-los como jogo tático de descoberta de informações para o
ajuizamento de uma ação e serão infrutíferos se uma das partes não cooperar (COSTA, 2003).
A arbitragem é mencionada como método impositivo, uma vez que se trata de um
método decisório e vinculante, pois o judiciário garante sua coercibilidade 2, sendo
classificado como um procedimento muito rígido. É o único método dessa natureza admitido
no Brasil e regulamentado pela Lei nº 9.307/96. As principais vantagens da arbitragem são
sua rapidez procedimental e a eficácia de sua decisão. O árbitro é escolhido por sua
especialização técnica, tendo, por isso, uma visão profunda do problema (COSTA, 2003).
Quanto aos métodos de resolução de conflitos adotados pelo setor elétrico, ressalta-se
o código de águas (Decreto 24.643, de 10.07.1934) como o marco estruturante desse setor,
tendo instituído as bases da fiscalização e da resolução de conflitos. O Decreto nº 2.335/97 3,
por sua vez, que instituiu a ANEEL, dispõe sobre a resolução de conflitos no setor elétrico,
tratando-se de uma previsão abrangente, da qual partem portarias e resoluções que a
regulamentam, que resultam na aplicação do arbitramento, da mediação e da arbitragem
(COSTA, 2003).
No arbitramento há um aperfeiçoamento do conteúdo contratual, sem haver conflito de
interesses. A sistemática do arbitramento segue um processo público e condicionado à

2
As decisões tomadas com base na arbitragem são definitivas, sendo seu resultado imposto a ambas as partes. O
resultado não pode ser questionado e sua aplicação é obrigatória. O próprio poder judiciário trata de garantir sua
execução. Por esse motivo diz-se tratar de um método vinculante, pois a decisão não é passível de ser alterada ou
questionada.
3
Art. 18. A atuação da ANEEL para a finalidade prevista no inciso V do art. 3º da Lei nº 9.427, de 1996, será
exercida direta ou indiretamente, de forma a:
I - dirimir as divergências entre concessionários, permissionários, autorizados, produtores independentes e
autoprodutores, bem como entre esses agentes e os consumidores, inclusive ouvindo diretamente as partes
envolvidas;
II - resolver os conflitos decorrentes da ação reguladora e fiscalizadora no âmbito dos serviços de energia
elétrica, nos termos da legislação em vigor;
III - prevenir a ocorrência de divergências;
IV - proferir a decisão final, com força determinativa, em caso de não entendimento entre as partes
envolvidas;
V - utilizar os casos mediados como subsídios para regulamentação. (BRASIL, 1996 )
34

comprovação, por parte dos agentes envolvidos, de que não chegaram a um acordo entre si.
Entretanto, Costa (2003) ressalta que o arbitramento adotado pelas Agências Reguladoras não
passa de um processo administrativo, uma vez que é utilizado por um Órgão da
Administração que atua impondo uma decisão sobre o administrado, bastando o surgimento
desses atos para que sua prestação torne-se exigível. Em se tratando de contratos
administrativos de longo prazo, a arbitragem é uma garantia necessária para que o contrato
possa sobreviver às várias transformações na economia. Nesse sentido, o artigo 23 da Lei nº
8.987/95 explicita a necessidade de se estabelecer no contrato administrativo cláusula que
defina foro e modo amigável de solução de divergências entre as partes (COSTA, 2003).
A mediação na ANEEL é atribuição da Superintendência de Mediação Administrativa
Setorial, resumindo-se a uma audiência, na qual se tenta a composição amigável, seguida de
uma imposição de conduta pela própria ANEEL caso não se chegue a um acordo (COSTA,
2003). A mediação adotada pela ANEEL não pode ser considerada uma mediação pura, uma
vez que as partes sabem que terão uma decisão, seja tomada por elas mesmas ou pelo
mediador, caso a autocomposição seja frustrada. Contudo, essa postura da Agência não é
considerada ruim, pois é uma opção diante da desigualdade entre as partes (quando há o
consumidor de um lado e a concessionária de outro, por exemplo). Ademais, considera-se
válida a posição adotada pelas Agências Reguladoras, visto que o contexto brasileiro é
diferente do contexto estrangeiro, de onde os métodos alternativos de resolução de conflitos
são originários. Assim, por mais que esses métodos tenham sido importados, eles devem ser
ajustados à realidade nacional, para que seus efeitos sejam proveitosos (COSTA, 2003).
No presente estudo, serão utilizados os métodos de resolução alternativa de conflitos
definidos por Costa (2003) para comparar os três estudos de caso. Assim, será verificado se os
métodos de negociação, mediação e/ou arbitragem foram adotados em cada um dos casos e
como facilitaram e/ou influenciaram a gestão dos conflitos.

3.5 CONFLITOS EM USINAS HIDRELÉTRICAS NO MUNDO

Os conflitos socioambientais em grandes barragens são desencadeados, dentre


outros fatores, pelos impactos sociais e ambientais negativos advindos de sua
construção (MC CULLY, 2001, p.xv).
Nos últimos trinta anos tem havido uma oposição coordenada contra barragens em
todo o mundo, que se iniciou na década de 1950, com a construção de barragens de forma
35

mais acelerada, motivada pelo apoio do Banco Mundial (GLOBALIZATION ..., 2001). Mas
foi no final dos anos 1980, que ambientalistas e sociólogos começaram a desempenhar um
papel mais importante no processo de planejamento, e por meados dos anos 1990 a
participação das populações afetadas e das ONGs nesse processo tornou-se mais significativo
(MC CULLY, 2001). A existência dos movimentos sociais contra a construção de barragens é
muito importante para reforçar a proteção, bem como a inclusão da população atingida e
menos favorecida nas decisões a elas pertinentes. Os exemplos de movimentos sociais
antibarragens na Tailândia, Malásia, Índia, EUA e Brasil, demonstram a evolução dos
conflitos socioambientais contra barragens em diferentes regiões do mundo, e as respectivas
consequências nas políticas públicas ambentais e sociais desses países.

Tabela 1 - Conflitos socioambientais em barragens no mundo.


Principais
Potência Movimento Entrada causas do Contexto
País Barragem Rio Deslocados Instalada social em conflito sociopolítico
(kW) formado operação

Democracia; o
sucesso do
CRAB implicou
na melhora das
medidas
compensatórias
Desalojamento dos atingidos,
Machadinho Uruguai 15.700 1.140.000 CRAB 2002
de pessoas bem como na
diminuição do
número de
pessoas
Brasil
reassentadas.

Ditadura militar;
Desalojamento população
de pessoas; atingida falhou
contaminação da em conseguir
Tucuruí Tocantins 30.000 8.370.000 CABA 1984
água e declínio significativas
do número de concessões.
peixes

Democracia; os
Desalojamento protestos em
de pessoas com torno de Pak
Associação dos Mun levaram o
Pobres (AOP), consequentes
problemas de governo a decidir
moradores, não mais
ONGs, compensação e
reassentamento; construir
organizações barragens para
estudantis, declínio do nº de
peixes; clara produção de
Tailândia Pak Mun Mun 8.500 136.000 acadêmicos e 1994 energia na
ambientalistas; ausência de
participação da Tailândia;
lançamento da decisão pela
campanha população
atingida no importação de
“Deixe o rio eletricidade dos
Mun correr processo de
planejamento. países vizinhos.
livre”.
36

Potência Movimento Entrada Principais


Contexto
País Barragem Rio Deslocados Instalada social em causas do
sociopolítico
(kW) formado operação conflito
Democracia;
crise econômica
Redução da vivida pelo país
população de em decorrência
salmão, da Grande
Não havia
desencadeando Depressão; a
movimento
fortes construção =
ambientalista
modificações na empregos; a
anti-barragens
pesca e na usina foi
organizado à
alimentação de inaugurada na
época. O
Grand tribos indígenas época da
EUA Columbia 5.700 6.809.000 movimento foi 1941
Coulee localizadas na Segunda Guerra
consolidado
região; Mundial; a
somente em
inundação de geração de
1950, com a
cemitérios energia
implantação da
indígenas; primordial,
barragem de
deslocamento de principalmente
Echo Park.
tribos indígenas para a fabricação
e população de alumínio e
ribeirinha. produção de
plutônio para
bomba atômica.
Democracia; a
pressão do
movimento
social implicou a
Remanejamento
retirada do
em larga escala;
Narmada Banco
os estudos
Dharangrast Mundialdo
ambientais para
Samiti (NDS); projeto; líderes
Sarovar o projeto não
Índia Narmada 320.000 1.450.000 Narmada 2011 políticos
Sardar foram realizados
Bachao afirmaram que os
e o número de
Andolan projetos que
pessoas a serem
(NBA). implicassem
deslocadas não
remanejamentos
era conhecido.
em larga escala
não seriam mais
implementados
na Índia.
Danos
Ditadura; o
Coalizão entre ecológicos
regime político
ONGs, Comitê resultantes do
autoritário da
da População desmatamento;
Malásia
da Região de ameaça de um
concedeu ao
Bakun, possível colapso
governo todo o
Malásia Bakun Balui 9.000 2.400.000 Sahabat Alam 2011 da barragem;
poder para
Malaysia-SAM sedimentação à
suprimir a
(Amigos da montante;
oposição aberta
Terra) e aumento de
ao projeto da
comunidades doenças;
barragem de
indígenas. remanejamento
Bakun.
em larga escala.

Fonte: Mc Cully (2001) e World Commission on Dams (2000).

O livro do Mc Cully, Silenced Rivers (2001), é fundamental neste capítulo, uma vez
que traz um histórico dos conflitos socioambientais decorrentes da construção de barragens no
mundo. Além disso, as publicações de Joji (1999) e do WORLD COMMISSION ON DAMS
(2000) foram utilizadas por trazerem experiências passadas e recentes com barragens,
apresentando estudos de caso que envolvem conflitos decorrentes da formação de grandes
reservatórios. A obra de Swain e Chee (2004) agregou bastante informação, principalmente
37

para os estudos de caso da Malásia e da Tailândia. Ademais, foram feitas pesquisas em sites
de ONGs engajadas nas lutas antibarragens, como o International Rivers4, que tem sido
referência pelo apoio na luta sistemática da sociedade civil contra a construção de grandes
barragens em rios em todo o mundo, e o Movimento dos Atingidos por Barragens, movimento
social organizado contra a construção de barragens no Brasil.
Com a finalidade de fornecer opções alternativas para o desenvolvimento eficaz e
participativo nos processos de tomada de decisões envolvendo obras de grandes barragens,
fundou-se a Comissão Mundial de Barragens– CMB (World Commission on Dams – WCD),
constituída por stakeholders de todo o mundo, com interesses diferenciados e conhecimentos
na área de geração hidrelétrica e grandes reservatórios. Sua missão é facilitar uma melhor
compreensão das experiências passadas e mais recentes com barragens (JOJI, 1999). Em
novembro do ano 2000, a CMB desenvolveu um relatório final, no qual estabeleceu diretrizes
abrangentes para a construção de barragens. Esse relatório descreve uma estrutura inovadora
para o planejamento de projetos de água e energia, a fim de proteger o meio ambiente e a
população atingida pelas barragens, além de garantir que os benefícios de sua construção
sejam distribuídos de forma mais equitativa (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
De acordo com Joji (1999), no ano de 1997, cerca de 800.000 barragens foram
construídas no mundo. Mais de 45.000 delas são grandes represas, as quais provocaram o
deslocamento forçado de 40 a 80 milhões de pessoas (WORLD COMMISSION ON DAMS,
2000). A implantação de grandes barragens desencadeou conflitos socioambientais em todo o
mundo, principalmente por causa desses deslocamentos compulsórios e de outros impactos
socioambientais decorrentes dos grandes reservatórios formados, os quais seguem descritos
no Quadro 01. Mc Cully (2001) salienta, ainda, que, até 2007, foram implantadas no mundo
cerca de 120 barragens para geração de energia elétrica que implicaram em deslocamentos
populacionais compulsórios. De acordo com o Banco Mundial (1994 apud JOJI, 1999), a
maioria das pessoas reassentadas como resultado de projetos de barragens pertence aos mais
pobres e a camadas mais vulneráveis da sociedade. Segundo Joji (1999), a perda de terras
tradicionais tem causado danos à integridade, estabilidade e, em última instância, à
sobrevivência das comunidades afetadas.

4
Disponível em: <www.internationalrivers.org>. Acesso em: 17 maio 2012.
38

Quadro 2 - Principais impactos socioambientais decorrentes da construção de grandes barragens


Segundo a CMB, os principais impactos socioambientais relacionados à construção de grandes barragens,
incluindo-se aquelas destinadas à geração de energia elétrica, destacam-se a perda da terra de comunidades
indígenas e ribeirinhas; o deslocamento compulsório dessas comunidades e consequentes conflitos;
desigualdade de gênero, em que as mulheres são mais afetadas pelo reassentamento do que os homens, já que
eles são mais propensos a ganhar seu sustento de pequenas empresas localizadas perto de suas residências;
violações dos direitos humanos, uma vez que, ao se oporem às realocações, as populações afetadas são
submetidas à violência e ao abuso dos direitos humanos; impactos na bacia, uma vez que a interrupção do rio
perturba o regime aquático, impactando no modo de vida dos pescadores e dos povos indígenas. Dentre as
principais causas desses impactos está o fato de que as leis criadas para proteger os direitos da população
afetada são fracas ou não são adequadamente implementadas. Além disso, os problemas estão enraizados em
uma série de fatores estruturais, institucionais e político-econômicos, os quais mantêm a posição
marginalizada da população atingida na sociedade, e terminam por reforçar o acesso desigual aos recursos e à
tomada de decisão.
Fonte: Joji (1999).

3.5.1 Resistência a barragens na Tailândia

O evento que marcou o estabelecimento do movimento ambientalista na Tailândia foi


o adiamento da barragem Nam Choan, em 1988, que, segundo especialistas, foi o marco da
política ambiental da Tailândia (MC CULLY, 2001).
O elemento vital para o sucesso da campanha contra a barragem de Nam Choam foi o
trabalho conjunto dos grupos locais antibarragem com o movimento ambientalista
internacional, que encorajou o Banco Mundial e outros financiadores estrangeiros a não
investirem na construção da barragem. Em março de 1988, pressões políticas induziram o
arquivamento do projeto, e a consequente classificação do santuário Thung Yai como
Patrimônio Mundial (MC CULLY, 2001).
Após esse episódio, o governo tailandês preparou, em 1990, um pacote de políticas de
desenvolvimento econômico e industrial para a região Nordeste do país, destacando o
desenvolvimento hidrelétrico como exigência de infraestrutura essencial para atender à
demanda crescente de energia decorrente do crescimento econômico e rápida industrialização
pelo qual passava a Tailândia (SWAIN; CHEE, 2004).
Nesse sentido, formulou-se a política pública para a construção da barragem Pak Mun,
que está situada no rio Mun, na Província de Ubon Ratchathani, Nordeste da Tailândia
(SWAIN; CHEE, 2004). Esse projeto foi o que causou maior polêmica e conflitos desde a
barragem de Nan Choan (MC CULLY, 2001).
Durante o planejamento para a implantação da barragem de Pak Mun houve uma clara
ausência de participação da população. Embora a população atingida tenha exigido a
39

suspensão da construção da barragem em seu estágio inicial, a autoridades não levaram a


demanda do público a sério. Os moradores afetados não foram consultados no processo de
tomada de decisões, tampouco incluídos na mitigação dos conflitos do projeto e medidas
preventivas (SWAIN; CHEE, 2004).
A Associação dos Pobres (AOP), os moradores, ONGs, organizações estudantis,
acadêmicos e ambientalistas organizaram exposições e seminários para protestar contra a
barragem. Eles enviaram petições ao governo com o objetivo de travar o projeto nas fases
iniciais (1989-1994). A população afetada também lançou vários protestos e manifestações no
local da barragem e em frente à Casa de Governo (SWAIN; CHEE, 2004).
Mais de 3.080 famílias foram diretamente afetadas devido à perda de casas, fazendas e
áreas de pesca. Os pescadores já não podiam mais pescar acima do rio, pois a barragem de
Pak Mun causou o bloqueio nas migrações de peixes do rio Mekong, implicando um declínio
significativo na população de peixes. Os aldeões exigiram a abertura permanente das
compotas da barragem para melhorar o padrão de vida dos moradores e para proteger o meio
ambiente. A campanha não violenta "Deixe o rio Mun correr livre” foi lançada em Fevereiro
de 1999 exigindo a reabilitação do rio. Além disso, a oposição crescente, devido a problemas
de compensação e reassentamento, complicava ainda mais a situação (SWAIN; CHEE, 2004).
Apesar da agência governamental responsável pela construção da barragem ter tomado
medidas contra os manifestantes, impedindo o acesso não autorizado ao local da barragem, as
autoridades locais alegaram que essa agência não conseguia resolver o problema (WORLD
RAINFOREST MOVEMENT, 1999a apud SWAIN; CHEE, 2004).
Desde a implantação da barragem de Pak Mun, questões como a perda do patrimônio,
corredeiras, florestas, casas, áreas de pesca e fazendas, bem como o impacto social negativo
para os moradores locais, têm assombrado os formuladores de políticas públicas. O conflito
na barragem de Pak Mun tornou-se um dilema para o governo tailandês em seu esforço para
conciliar o desenvolvimento econômico e políticas de proteção ambiental (SWAIN; CHEE,
2004).
Todos esses protestos em torno da barragem de Pak Mun levaram o governo a
decretar, no início do ano de 1995 que, “por razões de proteção ambiental, a Tailândia não
mais construirá barragens para produção de energia”. Como consequência disso, o governo
decidiu importar eletricidade dos países vizinhos, ao mesmo tempo em que estará exportando
os problemas socioambientais decorrentes da construção de barragens para outras nações (MC
CULLY, 2001).
40

3.5.2 Protestos contra a barragem de Bakun na Malásia

A barragem de Bakun está localizada em Sarawak, no rio Balui, e está em operação


desde agosto de 2011, com uma capacidade instalada de 2.400 MW, três vezes a quantidade
de energia consumida na cidade de Sarawak. (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
Segundo a ONG International Rivers (2012), apesar do excesso de oferta de energia
gerado pela UHE Bakun, o governo da Malásia planeja um adicional de doze novas barragens
que irão deslocar cerca de mil pessoas.
A UHE Bakun foi responsável por colocar 700 quilômetros quadrados de floresta
tropical virgem e terras férteis sob a água (uma região do tamanho de Cingapura). Cerca de
9.000 moradores nativos, principalmente do grupo Kayan/ Kenyah indígena, foram
realocados, tendo recebido U$ 15.000,00 de indenização por habitação (WORLD
COMMISSION ON DAMS, 2000).
Dentre as preocupações sociais e ambientais relacionadas à barragem de Bakun, os
mais sérios são a destruição de numerosas plantas endêmicas e espécies animais, bem como
outros danos ecológicos resultantes do desmatamento de 230 km 2 de floresta tropical virgem;
a ameaça de um possível colapso da barragem; a sedimentação à montante, que poderia
encurtar a vida útil da barragem; e questões de saúde, tais como aumento de doenças como
esquistossomose e malária. Na área de reassentamento, as pessoas sofrem com a pobreza, a
desnutrição, o desemprego, e outras condições socioeconômicas adversas. Além disso, a falta
de consulta aos povos indígenas afetados, e a não participação pública no processo de EIA foi
criticada por várias partes envolvidas (SWAIN; CHEE, 2004; WORLD COMMISSION ON
DAMS, 2000).
A Coalizão de ONGs interessadas em Bakun, o Comitê da População da Região de
Bakun (BRPC), Sahabat Alam Malaysia-SAM (Amigos da Terra) e outros membros da
sociedade civil, que forneceram apoio aos povos indígenas afetados na luta contra o projeto da
Barragem de Bakun, lutaram pela suspensão do projeto. Eles defendem a formulação de uma
política pública mais realista, que trate a questão do abastecimento energético na Malásia por
meio de uma abordagem mais sustentável, transparente e democrática. No entanto, os
decisores políticos não forneceram qualquer informação aos moradores Bakun, nem
organizaram qualquer diálogo ou consulta com os grupos tribais sobre os detalhes relativos
aos reassentamentos ou esquemas de compensação (SWAIN; CHEE, 2004).
41

As comunidades afetadas organizaram várias viagens de lobby para a capital de


Sarawak e outras grandes cidades na Malásia. No entanto, como não fazia parte da cultura
política da Malásia a reunião direta entre poder público e representantes de base, eles não
foram recebido pelo governo (SWAIN; CHEE, 2004).
A oposição ao projeto de Bakun nunca foi transmitida ao público pela mídia, uma vez
que, na Malásia, ela é usada somente para apoiar a política do Governo. Além disso,
jornalistas e pessoas comuns foram proibidos de entrar na área da construção, classificada
como uma zona restrita de segurança (SCHULTZ, 1997 apud SWAIN; CHEE, 2004).
O regime político autoritário da Malásia concedeu ao governo todo o poder para
suprimir a posição aberta ao projeto da barragem de Bakun. A polícia e as Forças Armadas
foram utilizadas para aplicar o poder coercitivo em nome da manutenção da ordem pública.
Além disso, o governo denunciou o movimento opositor ao projeto como agentes estrangeiros
agindo contra as políticas de desenvolvimento nacional (D'CRUZ, 2002 apud SWAIN;
CHEE, 2004). O governo também ameaçou publicamente que iria monitorar as atividades
daqueles que fizessem campanha contra o projeto e usaria contra eles a Lei de Segurança
Interna (MUSLIMEDIA, 1996 apud SWAIN; CHEE, 2004). Assim, resta claro que o governo
da Malásia suprimiu a oposição popular ao projeto de Bakun, e seguiu determinado na sua
implantação.

3.5.3 Resistência a barragens na Índia

Cerca de 20 milhões de pessoas foram remanejadas de suas terras na Índia em favor de


projetos de desenvolvimento. Em torno de 65% desses remanejamentos tiveram como
objetivo a implantação de barragens (DWIVEDI, 1997). Por esse motivo, a construção de
grandes represas na Índia é sinônimo de ruptura ecológica e de conflitos sociais, assim como
da erosão de direitos e dos mecanismos de controle democráticos dos recursos naturais
(SHIVA, 2002 apud NÓBREGA, 2011).
Dentro da longa lista de resistência a grandes barragens na Índia, destaca-se Sarovar
Sardar, localizada no rio Narmada, na Índia, por ter causado grandes repercussões na mídia e
na política socioambiental do país (DWIVEDI, 1997). A barragem Sarovar Sardar é utilizada
para usos múltiplos (hidroeletricidade, irrigação e suprimento de água) e tem capacidade para
42

gerar 1.450 MW. Ela é a maior barragem do rio Narmada, cujo reservatório inundou 245
aldeias, deslocando mais de 43.000 famílias (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
No início do ano de 1986, os ativistas e a população ribeirinha afetada pela barragem
Sarovar Sardar fundaram o movimento “Narmada Dharangrast Samiti – NDS” (Comitê para
a população de Narmada afetada por Barragens). Os moradores participantes do NDS se
recusavam a ser remanejados de suas terras ou a cooperar com os funcionários da represa até
que suas demandas por justa compensação e informações sobre os impactos do projeto fossem
atendidas.
Os estudos ambientais para o projeto não foram realizados e o número de pessoas a
serem deslocadas não era conhecido, o que levou o movimento a concluir que as informações
sobre os benefícios do projeto eram fraudulentas e o reassentamento justo, impossível (MC
CULLY, 2001).
A transmissão da campanha anti-Sardar Sarovar pela imprensa nacional, que começou
no final dos anos 1980, implicou a ampliação do movimento, que recebeu o apoio de
ambientalistas, religiosos, sem-terra e defensores dos direitos humanos ao redor de todo o
país. Em 1989, essa crescente rede social formada foi denominada de “Salve o Movimento
Narmada” (Narmada Bachao Andolan – NBA) (MC CULLY, 2001).
O movimento NBA começou, então, a pressionar o Banco Mundial para que deixasse
de financiar o projeto de Sardar Sarovar (integrantes do movimento fizeram greve de fome
por mais de vinte dias)5. Finalmente, em março de 1993, o banco anunciou sua retirada. A
reação inicial das autoridades indianas foi reforçar o uso da violência e intimidação contra os
ativistas (MC CULLY, 2001).
Depois de muitos conflitos entre o NBA e o governo indiano, as autoridades
governamentais concordaram em suspender a construção da barragem, até que houvesse
progresso na questão dos reassentamentos (MC CULLY, 2001).
No final, a barragem acabou sendo construída, mas a luta do NBA não foi em vão.
Após os conflitos decorrentes da construção da barragem Sardar Sarovar, líderes políticos
afirmaram que não seriam mais implementados projetos que implicassem remanejamentos em
larga escala (MC CULLY, 2001).

5
O NBA possui o lema “Nos afogaremos mas não nos moveremos” para impedir que as políticas hídricas de
grandes barragens venham desalojar e mudar a forma de viver de milhares de ribeirinhos e camponeses. Dentre
as suas táticas, incluem-se o “auto-sacrifício por afogamento” e as greves de fome. Em janeiro de1991, algumas
lideranças do movimento realizaram uma greve de fome de vinte e dois dias até que o Banco Mundial escutasse
as propostas do movimento (ARAÚJO et al., 2010).
43

Além disso, Mc Cully (2001) considera improvável o Banco Mundial voltar a


financiar a implantação de grandes barragens em países democráticos, como a Índia, uma vez
que em regimes não autoritários, os movimentos populares possuem mais força para lutarem
pelos seus direitos e, assim, acirrarem os conflitos sobre a implementação de projetos que
causem danos socioambientais extremos a determinados grupos (SWAIN; CHEE, 2004).
O NBA tem um papel muito maior do que desafiar uma única barragem ou mesmo a
construção de barragens em geral. Os líderes da NBA já viajaram por toda a Índia, e
sustentam outras lutas contra projetos de desenvolvimento que afetam a vida das pessoas mais
pobres. Juntamente com outras redes ambientalistas da Índia, o NBA ajudou a fundar a
“Aliança Nacional dos Movimento Populares” (NAPM), criando, assim, uma forte política
social na Índia (MC CULLY, 2001).

3.5.4 Barragens nos EUA

3.5.4.1 Usina de Grand Coulee

A usina Grand Coulee, com 6.809 MW é a maior hidrelétrica produtora de energia


elétrica dos EUA. A primeira versão do projeto para sua construção foi realizada no início dos
anos 1930, por dois órgãos estatais. Embora tenham realizado projetos independentes,
concluíram que a barragem deveria ser construída para usos múltiplos: a primeira finalidade
seria a irrigação de áreas do deserto do Noroeste do Pacífico; a segunda, seria a geração de
energia hidrelétrica que, por sua vez, geraria renda para ser utilizada como subsídio para a
atividade irrigadora (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
A construção da usina hidrelétrica de Grand Coulee foi um dos grandes pontos
positivos utilizados na campanha presidencial de Franklin Delano Roosevelt na disputa pelo
cargo de presidente americano em 1932, que, em meio à Grande Depressão, sugeriu que a
construção da usina geraria empregos ao povo americano em meio a grande crise econômica
por que passavam os Estados Unidos (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
Por fim, a usina hidrelétrica de Grand Coulee foi inaugurada em 1941, em meio à
Segunda Guerra Mundial, e a geração de energia acabou se tornando uma prioridade imposta
44

pela Guerra, principalmente para a fabricação de alumínio e produção de plutônio para bomba
atômica (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
Uma das modificações causadas pela construção da usina no ecossistema aquático do
rio Columbia foi a redução da população de salmão. A falta de uma passagem na barragem
para os peixes acabou com a área de desova do salmão por mais de 1.000 km rio acima. O
Relatório final do World Commission on Dams (2000) aponta fortes modificações na pesca e
na alimentação de tribos indígenas localizadas na região, devido a essas alterações ocorridas
na população de salmão.
Duas cidades indígenas americanas tiveram que ser deslocadas. No local onde uma
delas se restabeleceu, não havia o suprimento de água, além de terem sido inundados alguns
cemitérios indígenas (WORLD COMMISSION ON DAMS, 2000).
A partir de 1940, o governo americano resolveu abandonar sua prática de adquirir o
consentimento dos índios e passou a apenas informá-los por cartas o valor que receberiam
pelas terras. Contudo, somente aquelas pessoas que tinham o título legal da propriedade
receberam a compensação a que tinham direito, ficando de fora uma grande quantidade de
pessoas, principalmente os indígenas que careciam de direitos de posse da terra (WORLD
COMMISSION ON DAMS, 2000).
Em relação à população não indígena americana, pelo menos oito cidades foram
inundadas com um total de 5.700 pessoas deslocadas (WORLD COMMISSION ON DAMS,
2000).

3.5.4.2 Início das lutas antibarragens nos EUA

As lutas contra grandes barragens nos EUA começaram nos anos 1950, com o
planejamento da barragem Echo Park, localizada no rio Green, estado do Colorado. Essa foi a
primeira barragem a provocar séria oposição nos EUA, pois inundaria uma área protegida
que abrangia parte do Monumento Nacional de Dinossauros, e sua implantação abriria
precedente para que fossem desenvolvidos outros projetos em áreas protegidas. Ao final de
muitas lutas entre o movimento ambientalista americano e o governo, a construção da
barragem Echo Park foi suspensa (MC CULLY, 2001).
45

Mais tarde, muitas outras lutas foram sendo travadas entre o Bureau of Reclamation6 e
o movimento ambientalista norte-americano, sendo simbólica a luta contra duas barragens
para geração de energia elétrica que seriam construídas no Grand Canyon, na bacia do
Colorado. A campanha contra essas barragens marcou mais de uma década de batalhas contra
barragens na bacia do Colorado, as quais acabaram com os anos de “ouro” para os
construtores de barragens nos EUA e desempenharam um papel vital na formação do
moderno movimento ambiental no país (MC CULLY, 2001).
Embora apenas um dos reservatórios fosse atingir diretamente uma parte do parque
nacional, os ambientalistas acreditavam já terem sido implantadas barragens suficientes sobre
os canyons do Colorado, dentro ou fora das áreas oficialmente protegidas. Dessa vez, o
movimento antibarragens estava melhor preparado e mais determinado do que nunca, pois já
haviam vencido em Echo Park e tinham a motivação de outras tragédias já ocorridas no
Colorado. Sabiam que deveriam evitar que outro desastre acontecesse (MC CULLY, 2001).
O movimento utilizou táticas como e-mails e depoimentos ao Congresso, argumentos
econômicos, filmes, artigos em revistas, dentre outras, para convencer a população e o
governo de que a construção das usinas tinha mais desvantegens do que vantagens. Além
disso, eles argumentaram que havia formas mais baratas e menos destrutivas para se gerar
energia elétrica (MC CULLY, 2001).
A década de 1970 foi marcada por diversas lutas antibarragens, que foram travadas
principalmente em nível local e estadual, sem projetos que obtivessem alcance nacional, como
as barragens do Colorado nos anos 1950 e 1960. Com o movimento antibarragens
consolidado, a construção de represas nos EUA foi diminuindo cada vez mais com o apoio
crescente dos presidentes que foram se elegendo. Finalmente, em 1994, o Bureau of
Reclamation declarou que “a era de construção de barragens nos EUA terminou. A
possibilidade de haver futuros projetos é extremamente remota, ou até mesmo impossível”
(MC CULLY, 2001).

6
Órgão Público Federal responsável pelo planejamento de barragens no Oeste dos EUA.
46

3.5.5 Barragens no Brasil

O desenvolvimento do programa para geração de energia hidrelétrica no Brasil foi


iniciado em 1960 e levado a cabo durante as décadas de 1970 e 1980, durante o regime
militar, que foi marcado por uma grave crise energética em nível mundial por causa da
primeira grande crise do petróleo. Por esse motivo o Brasil buscou investir em fontes
renováveis de energia, tendo a Eletrobrás desenvolvido um estudo aprofundado sobre o
potencial hidrelétrico, análise dos rios e bacias hidrográficas, com a finalidade de realizar um
mapeamento detalhado de onde poderiam ser construídas as usinas hidrelétricas
(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2011).
Grandes empresas eletrointensivas (alumínio, ferro-liga, etc) estavam se instalando no
país e exigiam condições de infraestrutura, em especial, energia elétrica. Por esse motivo, o
Estado brasileiro, juntamente com o apoio do Banco Mundial, foram os grandes financiadores
da construção das hidrelétricas (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS,
2011).
Imediatamente iniciou-se a construção de grandes usinas em várias regiões onde havia
maior potencial hidrelétrico de menor investimento do Brasil, como as regiões rurais ao longo
das bacias do Rio São Francisco e do Rio Paraná. Não obstante houvesse os estudos sobre o
potencial e como fazer o aproveitamento da energia, não havia uma proposta de indenização e
realocação adequada das famílias que viviam na beira dos rios. Assim, este período foi
marcado por um grande deslocamento humano no campo e em pequenas cidades próximas
dos lagos criados atrás das barragens, quando milhares de pessoas foram obrigadas a deixar
suas terras e impedidas de se organizarem para lutar por reassentamentos melhores. Conflitos
sociais locais em torno da construção de barragens foram marcados pela luta de comunidades
inteiras que buscavam justiça contra a expulsão compulsória de seus territórios de origem
(MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2011).
Com a finalidade de lutar pelos direitos da população afetada e menos favorecida,
surgiu, no final dos anos 1970 e começo da década de 1980 (final da ditadura militar e início
da democracia), o movimento social organizado contra a construção de barragens no Brasil. A
abertura política facilitou a organização da população atingida pelas barragens, bem como a
obtenção de informações e a construção de alianças com outros grupos que lutavam por
justiça social (MC CULLY, 2001).
47

A primeira oposição efetiva a barragens, no Brasil, se iniciou no Sul do país, depois


que a Eletrosul revelou, em 1977, que planejava construir 22 barragens no rio Uruguai. Foi
quando grupos de pessoas atingidas se organizaram para iniciar a resistência contra as duas
primeiras usinas que seriam construídas, Machadinho e Itá, formando, assim, a Comissão
Regional de Atingidos por Barragens (CRAB). Com o sucesso do CRAB, que melhorou as
medidas compensatórias dos atingidos por esses dois empreendimentos, houve uma
diminuição do número de pessoas a serem reassentadas (MC CULLY, 2001).
Mais tarde, surgiria na Amazônia, a Comissão dos Atingidos por Barragens na
Amazônia (CABA), formada por grupos de trabalhadores rurais e grupos indígenas que
lutariam contra as barragens planejadas para o rio Xingu, bem como por compensações
devido aos prejuízos causados pelas usinas hidrelétricas de Tucuruí e Balbina, as quais, além
de desalojar pessoas, causaram inúmeros problemas em torno do novo revervatório, incluindo
contaminação da água e o declíneo do número de peixes. Essas experiências levaram a CABA
a tomar posição definitiva contra quaisquer novas barragens (MC CULLY, 2001).
Por sua vez, Sigaud (1988), ao estudar a implantação das usinas hidrelétricas de
Sobradinho (1.050 MW) e Itaparica (2.500 MW), localizadas rio São Francisco; Itá (1.620
MW), na bacia do rio Uruguai; e Tucuruí, no rio Tocantins (8.370 MW), concluiu que as
populações atingidas foram desprezadas e colocadas a parte no processo de tomada de
decisão. Apesar de ter lutado por melhores compensações, a população prejudicada por esses
grandes empreendimentos falhou em conseguir significativas concessões (MC CULLY,
2001). Segundo Sigaud (1988), a
demora em definir o destino da população a ser deslocada, que deveria ser o objeto
prioritário da atenção do Estado, se por um lado revela a imprevidência das
empresas do setor elétrico, por outro se constitui numa evidência de que o „social‟,
corporificado nas populações atingidas, esteve fora de cogitação quando se decidiu
construir as barragens, quando se firmou contratos e quando se deu início às obras.
A mesma autora ressalta que o social tem ocupado uma posição acessória no processo
de tomada de decisões, sendo as soluções encontradas sempre desfavoráveis à população
afetada. Assim, conclui que as empresas do setor elétrico têm sido responsáveis pelo
deslocamento compulsório de milhares de brasileiros e, consequentemente, por seu
empobrecimento e pela piora de suas condições de vida (SIGAUD, 1986 apud PINHEIRO,
2007).
Em 1989, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por
Barragens, que contou com a participação de representantes de várias regiões do País. Foi um
momento onde se realizou um levantamento global das lutas e experiências dos atingidos em
todo o território nacional. Foi então decidido constituir uma organização mais forte a nível
48

nacional para fazer frente aos planos de construção de grandes barragens, sendo estabelecido,
em 1991, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) (MOVIMENTO DOS
ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2011).
O MAB costuma adotar práticas de ação direta, por meio da ocupação de canteiros de
obras de barragens e dos prédios das empresas empreendedoras. Essa estratégia, segundo
Acselrad, Mello e Bezerra (2009), constitui uma forma de questionar os empreendimentos e
de abrir um debate sobre a pertinência ou não de que eles sejam implementados em
determinado território, nos quais a população impactada é pouco ou nada consultada.

3.5.6 Considerações finais

Assim, verifica-se que em países democráticos, a população possui mais liberdade de


impor sua vontade que em países autoritários, participando mais ativamente do processo
decisório. A democracia concede maior visibilidade aos conflitos, permitindo tanto um maior
engajamento da sociedade nas decisões e negociações pertinentes, quanto a formação de
movimentos sociais mais fortes e organizados, com mais poder para se mobilizar e lutar pelos
direitos dos atingidos pelas barragens.
49

CAP. 4 - ESTUDO DE CASO COMPARATIVO: UHE SOBRADINHO, UHE


ITAPARICA E UHE BELO MONTE

Esta etapa do trabalho apresentará como estudo de caso três usinas hidrelétricas
planejadas e/ou implantadas no Brasil: a UHE Sobradinho, implantada à época da ditadura
militar, em operação desde 1982; a UHE Itaparica, construída no período que se estendeu de
1976 a 1988, correspondente à transição democrática brasileira; e a UHE Belo Monte, que é
um caso atual de bastante repercussão na mídia, em fase de implementação. Esse
levantamento será realizado para fins de comparação, com foco na gestão de conflitos
realizada pelo poder público nas três usinas. O objetivo é avaliar a evolução da gestão dos
conflitos decorrentes da construção de usinas hidrelétricas no Brasil, bem como sua influência
na vida da população afetada.

4.1 UHE SOBRADINHO

A barragem de Sobradinho está localizada no rio São Francisco, no município de


Sobradinho, estado da Bahia. Esse empreendimento foi construído pela Companhia
Hidrelétrica do São Francisco (CHESF)7, entre os anos 1973 e 1978, e possui uma potência
instalada de 1.050,3 MW, com uma área de reservatório de 4.214 km 2, que resultou no
deslocamento forçado de, aproximadamente, 60.000 pessoas, segundo dados de Sigaud
(1986). Ressalta-se que, ao longo das margens do São Francisco desenvolveram-se modos de
vida profundamente vinculados à utilização do rio, como pesca, agricultura de vazante,
agricultura de terra firme e criatório nas áreas secas (SIGAUD, 1986).
O contexto histórico em que foi implantada a UHE Sobradinho caracteriza-se por ser
um período de autoritarismo político, em que vigorava o regime militar. Tal conjuntura
traduzia-se, portanto, como desfavorável às reivindicações populares e na força do Estado
para impor o que havia estabelecido, contribuindo para inibir as reações da população
compulsoriamente deslocada, impedindo-a de participar efetivamente do processo de
reassentamento (SIGAUD, 1986).

7
Empresa estatal, controlada pelo Ministério de Minas e Energia.
50

Em consequência disso, foram propostas soluções injustas, com indenizações


irrisórias, que ficaram muito aquém das reais necessidades da população atingida. Além disso,
as soluções propostas foram uniformes, sendo desconsiderada a extrema diversidade das
relações sociais que traduzem o modo de vida das populações rurais atingidas (ARAÚJO et
al., 2000).
Nesse sentido, Duqué (1984) assevera que a remoção compulsória para a construção
da barragem de Sobradinho foi percebida pela população rural local como uma verdadeira
catástrofe, uma vez que as famílias atingidas perderam as terras de vazante, consideradas as
melhores, por serem adubadas naturalmente pelas enchentes dos rios. Além disso, as
indenizações foram consideradas demasiadamente injustas, uma vez que somente os
proprietários com títulos de terra tiveram o direito à justa indenização, ou seja, receberam-na
pelo valor da terra nua. Os demais (a maioria da população rural), considerados posseiros por
não possuírem o título da terra, mas que nela trabalhavam, receberam indenização apenas
pelas benfeitorias realizadas (DUQUÉ, 1984).
Sob esse aspecto, Duqué (1984, p. 37) assume que Sobradinho foi:
um projeto pensado de forma autoritária, imposto nas suas formas de aplicação de
cima para baixo e executado sem nenhuma flexibilidade, segundo um modelo rígido.
As sugestões populares foram quase todas rechaçadas.
Os altos custos sociais de Sobradinho foram percebidos por várias entidades, podendo-
se ressaltar a organização sindical dos trabalhadores rurais, a igreja católica, a população
atingida e a própria CHESF. Dentre esses custos, destacam-se: os baixos valores das
indenizações pagas aos trabalhadores rurais e a forma arbitrária de seu estabelecimento; o
deslocamento compulsório e mal planejado da população atingida; a destruição de hábitos
culturais, relacionados ao modo de vida da população ribeirinha; e perdas materiais
decorrentes da transferência, com o consequente empobrecimento da população. Some-se a
isso o desespero e a insegurança gerados na população frente aos aspectos coercitivos de
atuação da CHESF, que não atuava de forma transparente, deixando a população
desinformada quanto ao seu destino (SIGAUD, 1986). Segundo Sigaud (1986, p. 31) a
“realocação da população em Sobradinho está mais próxima de uma operação militar para
evacuar um território, do que uma operação de reassentamento”.
Embora esses efeitos sociais negativos tenham sido previstos pela CHESF, ela nada
fez para evitá-los, uma vez que os custos impostos por tais medidas poderiam inviabilizar o
projeto. Sendo a geração de energia elétrica uma prioridade inquestionável para suprir o
aumento da demanda energética imposta pelo crescimento econômico, as questões sociais
adversas à construção da barragem de Sobradinho eram consideradas acessórias, uma
51

externalidade negativa que deveria ser neutralizada. A população ribeirinha que ali estava
instalada era um entrave a ser removido para a formação do reservatório. Contudo, essa
prioridade dada à questão energética foi estabelecida pelo Poder Executivo sem qualquer
consulta à sociedade, desconsiderando, portanto, seus verdadeiros interesses (SIGAUD,
1986).
Não obstante a literatura tenha trazido aspectos relacionados à resistência da
população ao projeto de reassentamento imposto pela CHESF (DUQUÉ, 1984; SIGAUD,
1986; BARROS, 1984), não se tratava de um movimento organizado e com força nacional. A
organização sindical era frágil e não houve atuação de partidos políticos durante o
deslocamento. Sigaud (1986) salienta que a Igreja Católica começou a influir ativamente
somente no final do processo. Nesse sentido, não houve uma mediação política para a
organização da população na luta por seus desejos e direitos. Assim, a resistência da
população ao projeto de reassentamento imposto foi formada basicamente pela organização
comunitária local, preexistente à intervenção do Estado, constituída “por parentelas com
fortes laços de solidariedade” (SIGAUD, 1986, p. 37). Segundo Sigaud (1986, p. 37), essa
organização social “adquiriu funções „políticas‟ no momento do conflito e funcionou como a
principal instância de organização e pressão política”. Houve, portanto, uma reação coletiva,
realizada por meio das articulações existentes entre os povoados. Sigaud (1986) afirma que,
apesar de essas articulações serem preexistentes, elas foram fortalecidas ao longo do
enfrentamento do conflito com a CHESF.
O fato de a população ter se recusado a se deslocar para o projeto de colonização do
INCRA, situado a 700 km de distância do reservatório, e ter optado por ser reinstalada de
forma precária na borda do lago, apesar da resistência da CHESF a essa solução, foi
considerada uma vitória popular, uma vez que conseguiu impor o que lhe parecia mais
conveniente (DUQUÉ, 1984). Dessa forma, por mais que a reação da população tenha sido
limitada, a pressão por ela exercida sobre a CHESF pode ser considerada uma resposta
política, que foi capaz de alterar os rumos que estavam sendo impostos pelo Estado
(SIGAUD, 1986).
Diante disso, resta claro que a principal causa dos conflitos sociais na implantação da
UHE Sobradinho foi o deslocamento compulsório da população ribeirinha, que tinha seu
modo de vida atrelado à utilização do rio, com fortes laços culturais estabelecidos no local.
Com isso, o impacto causado pelo empreendimento foi rebatido com uma resposta cultural da
população à intervenção que lhe estava sendo imposta pelo Estado de cima para baixo.
52

Entretanto, o fim dos impactos socioambientais gerados em Sobradinho só será visto quando a
população deslocada tiver recuperado sua auto suficiência (SIGAUD, 1986).
Nota-se, ainda, que não houve mediação na gestão dos conflitos. O que houve foi uma
pressão social sobre o governo, que terminou impondo a vontade popular. Apesar dos baixos
valores das indenizações e da desestruturação da organização social preexistente, a vitória
popular foi obtida quando os rumos que haviam sido traçados pelo Estado foram alterados.
No caso de Sobradinho restou claro que o conflito manifestado pela resistência da população,
por mais que tenha sido limitado, foi o fator que determinou sua vitória frente ao
autoritarismo estatal vigente à época da implantação desse empreendimento.

4.2 UHE ITAPARICA

A barragem de Itaparica está localizada no rio São Francisco, nos municípios de


Jatobá e Glória, estados de Pernambuco e Bahia, respectivamente. Esse empreendimento foi
construído, também pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), no período que
se estendeu de 1976 a 1988, com uma potência instalada de 1.479,6 MW (BRASIL, 2012), e
um reservatório de 843 km2, que resultou no deslocamento forçado de, aproximadamente,
40.000 pessoas, segundo os dados de Mc Cully (2001).
Ao contrário de Sobradinho, em Itaparica foram constatadas mudanças significativas
com relação à realocação da população. Devido ao contexto político vivenciado pelo Brasil à
época da construção de Itaparica, marcado pelo início do processo de abertura política e
consequente transição democrática, fortaleceu-se o discurso da participação da população no
processo de reassentamento, assim como a ação dos movimentos sociais organizados
(ARAÚJO et al., 2000; ANDRADE, 2006).
O campesinato emergiu, então, como uma força social organizada, assim como o
movimento sindical de trabalhadores rurais8, que passa a empreender ações articuladas na
defesa dos interesses da classe. Segundo Araújo et al. (2000, p. 91):
A participação do movimento sindical no processo de reassentamento adquire
significado relevante no cenário político dos municípios direta e indiretamente
atingidos pelos efeitos da construção da barragem.

8
Em 1979 criou-se uma estrutura organizativa chamada de Pólo Sindical dos trabalhadores do Submédio São
Francisco para lutar contra os efeitos negativos da construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica, unificando
posseiros, arrendatários, pequenos agricultores e sem terras da região, constituindo-se como uma organização de
trabalhadores rurais para defesa dos direitos dos camponeses perante o governo (BOMFIM, 1999).
53

Devido a essa conjuntura política, a CHESF publicou, em 1985, o Plano de


Desocupação relativo ao reservatório de Itaparica, o qual estabeleceu “as estratégias de
atuação da CHESF na resolução dos problemas decorrentes da inundação e consequente
transferência das populações” (ARAÚJO et al., 2000, p. 55). O plano estabelecia, dentre
outros aspectos, objetivos ligados ao desenvolvimento regional e local, assim como a
recomposição da vida produtiva e a integração da população atingida no processo de
reassentamento. A CHESF atribuiu o sucesso do plano de desocupação à participação das
comunidades afetadas, uma vez que muitos conflitos foram impedidos ou, ainda, solucionados
mediante negociação.
Com isso, o governo acreditava estar reconhecendo a dívida social acumulada durante
a implantação de outros projetos hidrelétricos, quando os investimentos para o bem-estar das
populações não foi condizente com os altos investimentos aplicados no setor hidrelétrico
(ARAÚJO et al., 2000).
Verifica-se, também, documentos do Pólo Sindical, mediante os quais foram
reivindicadas indenizações justas, além de alertarem para a importância dos aspectos sociais
envolvidos no processo de transferência compulsória das populações atingidas pelo
reservatório. Nessa ocasião, não se colocava em questão a validade da edificação do
empreendimento, mas sim seus efeitos sociais adversos, consubstanciados na experiência de
Sobradinho (ARAÚJO et al., 2000).
Uma série de conflitos foram travados no decorrer das tratativas realizadas entre a
Chesf e o Pólo Sindical, tendo como principal causa o descumprimento do cronograma das
obras planejadas para o reassentamento. Segundo Araújo et al. (2000), o atraso no
cronograma ocasionou verdadeiros problemas sociais em alguns reassentamentos, como
desesperança, desagregação familiar, alcoolismo e ociosidade forçada, que passaram a
dominar o quotidiano de trabalhadores. O desfecho desses conflitos foi marcado pela
assinatura do termo de compromisso firmado entre a CHESF e o Pólo Sindical, com uma série
de benefícios incorporados à população atingida, resultado de negociações e pressões sociais
exercidas sobre os executores da obra (ARAÚJO et al., 2000).
Nesse sentido, Araújo et al. (2000) argumentam que os planos de reassentamento
propostos em Itaparica foram inovadores, por incorporarem a dimensão social nas ações
planejadas pelo poder público, além de se consolidar a visão do reassentamento como política
compensatória aos atingidos por barragens.
Portanto, ficam claros os avanços sociais alcançados em Itaparica, quando comparado
ao caso de Sobradinho.
54

A presença mais efetiva das populações atingidas no processo de reassentamento


configura-se como um tipo de participação que rompe no âmbito do
encaminhamento das decisões tomadas, com as práticas eminentemente
autoritárias e excludentes, características de intervenções anteriores (ARAÚJO et
al., 2000, p. 51).
A transição democrática contribuiu para a organização social e a participação da
população atingida no processo decisório. A prática da negociação foi incorporada no
processo de gestão de conflitos realizado pela Chesf, oportunidade em que se firmou o
termo de compromisso entre Chesf e Pólo Sindical. A mediação também foi realizada,
mediante a ação do sindicato como representante da população atingida, lutando por seus
direitos e alcançando a vitória, traduzida na elaboração do Plano de Desocupação de
Itaparica.
Nota-se, também, uma evolução dentro da própria Chesf no tratamento dispensado à
população atingida. Um exemplo disso é que à época da implantação da UHE Sobradinho,
as questões relativas aos deslocamentos eram tratadas por advogados de fora da empresa,
contratados para essa finalidade específica. Já em Itaparica, criou-se um departamento
dentro da Chesf, o qual era responsável, especificamente, por cuidar dos assuntos
relacionados à população atingida, como seus interesses e a construção de reassentamentos.
Com isso, a Chesf procurou incorporar os problemas sociais às suas decisões (ANDRADE,
2006).
Assim, o período de abertura política, em que foi implantada a UHE Itaparica, foi
marcado por um processo de democratização nascente com fortes movimentos
internacionais ambientais e de direitos humanos, os quais acirraram o conflito. Nasceram
novas formas de representação e relações entre as comunidades locais, governo, agências
internacionais, ONGs e instituições globais, bem como emergiram os conceitos de
"desenvolvimento sustentável", "conservação" e "forças de mercado". Com esses novos
ideais, os conflitos sociais e ambientais se tornaram mais evidentes na paisagem do Rio São
Francisco, como se nota a partir do estudo de caso da UHE Itaparica (ANDRADE, 2006).

4.3 UHE BELO MONTE 9

9
Fontes secundárias, como notícias veiculadas pela mídia, pelo Ministério Público e outros Órgãos do Poder
Público, como IBAMA e ANEEL, além de pesquisas realizadas por cientistas e notícias publicadas em sites de
ONGs e movimentos sociais contra Belo Monte.
55

O objetivo desta etapa é demonstrar os conflitos desencadeados na região onde será


implantada a UHE Belo Monte, bem como as medidas implementadas pelo governo e pela
empresa Norte Energia para mitigá-los. Será trazida, também, um pouco da visão da
população atingida e as implicações da construção de Belo Monte para suas vidas.
A UHE Belo Monte está situada no rio Xingu, município de Vitória do Xingu, estado
do Pará. Nessa região moram aproximadamente 25 mil indígenas, alguns grupos indígenas
em isolamento voluntário, além de milhares de ribeirinhos e extrativistas rurais (HURWITZ
et al., 2011). A região onde será implantada a usina está situada na Amazônia Legal, região
conhecida há décadas pelos graves conflitos fundiários instalados em razão da luta pelo uso
e posse da terra.
A história do projeto começou com os Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia
Hidrográfica do Rio Xingu, iniciados em 1975. O Relatório Final foi emitido pela
Eletronorte em janeiro de 1980, e aprovado pelo Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica - DNAEE, por meio da Portaria nº 43, de 02 de março de 1988. Em julho
de 1980, a Eletronorte começou a desenvolver os estudos de viabilidade técnica e
econômica do complexo Hidrelétrico de Altamira, que abrangia as usinas Kararaô e
Babaquara. Os trabalhos de campo estavam inicialmente concentrados na usina de
Babaquara e foram, a partir de 1986, redirecionados para o sítio de Kararaô. Nessa época,
mesmo em fase de elaboração, o plano indicava essa usina como a melhor opção para iniciar
a integração das usinas do Xingu ao Sistema Interligado Brasileiro. Em janeiro de 1990, a
Eletronorte enviou ao DNAEE o Relatório Final dos Estudos de Viabilidade do
Aproveitamento Hidrelétrico da UHE Kararaô, solicitando sua aprovação e a outorga de
concessão para essa usina, com previsão para formar um reservatório com 1.225 km² de
área inundada, e 11.000 MW de potência instalada. O aproveitamento de Babaquara, por
sua vez, já estava praticamente descartado, principalmente pelo tamanho do seu reservatório
(FARIA, 2004b).
O projeto de Kararaô foi alvo de inúmeras críticas e restrições por parte da
população local e, principalmente, de organizações ambientais e humanitárias
internacionais. Um encontro realizado em março de 1989, na cidade de Altamira, marcou,
simbolicamente, o início do conflito. Nesse encontro, formado por representantes da Igreja
Católica, movimentos sociais, lideranças indígenas e imprensa, dentre outros representantes
de organizações nacionais e internacionais, um episódio chamou a atenção: o momento em
que a índia Tuíra colocou, ameaçadoramente, seu facão próximo ao rosto do engenheiro
José Antonio Muniz Lopes, em protesto contra a construção da usina. A índia se
56

transformou, a partir de então, em um ícone da oposição ao projeto, causando uma forte


repercussão internacional, e selando a derrota do empreendimento (FARIA, 2004b).
Mais tarde, os estudos sobre o projeto foram retomados e, em 1994, a Eletronorte
entregou ao DNAEE e à Eletrobrás um estudo preliminar contendo uma importante
modificação do arranjo indicado no Relatório Final dos Estudos de Viabilidade: o
barramento e o vertedouro da usina seriam deslocados para montante, refletindo na
diminuição da área do reservatório de 1.225 km² para 516 km², evitando, assim, a inundação
da terra indígena Paquiçamba (FARIA, 2004b). Com isso, houve uma atualização na
concepção do projeto de Belo Monte para adequá-lo às exigências da sociedade.
Com esse novo arranjo, a UHE Belo Monte (nova denominação para a UHE
Kararaô) obteve a Licença Prévia nº 342/2010, emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) em 1º de fevereiro de 2010. Em 20 de abril de
2010, foi realizado o Leilão nº 06/2009 – ANEEL, especificamente para a contratação de
energia elétrica proveniente da UHE Belo Monte, indicada como projeto de geração com
prioridade de licitação e implantação, por seu caráter estratégico e de interesse público (obra
incluída no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, criado pelo governo Federal
em 2007), nos termos do inciso VI do art. 2º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 10
(BRASIL, 1997a), conforme Resolução CNPE nº 5, de 3 de setembro de 2009 11. Nesse
certame, a empresa Norte Energia12 participou e sagrou-se vencedora (BRASIL, 2010c).
Como resultado, a empresa obteve a outorga de concessão de uso de bem público,
emitida pelo Presidente da República, por meio do Decreto s/nº, de 26 de agosto de 2010,
por 35 (trinta e cinco) anos, sendo celebrado o respectivo Contrato de Concessão nº
001/2010-MME-UHE Belo Monte (Contrato nº 001/2010) na mesma data, sob o regime de
Produção Independente de Energia Elétrica (PIE), tendo firmado Contratos de

10
Art. 2º, inciso VI - Sugerir a adoção de medidas necessárias para garantir o atendimento à demanda nacional
de energia elétrica, considerando o planejamento de longo, médio e curto prazos, podendo indicar
empreendimentos que devam ter prioridade de licitação e implantação, tendo em vista seu caráter estratégico e
de interesse público, de forma que tais projetos venham assegurar a otimização do binômio modicidade tarifária
e confiabilidade do Sistema Elétrico (BRASIL, 1997a).
11
Art. 1º - Indicar o Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, localizado no rio Xingu, no Estado do Pará,
como projeto de geração de energia elétrica com prioridade de licitação e implantação, na forma prevista no art.
2o, inciso VI, da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997 (BRASIL, 1997a).
12
Composta pelas empresas do Grupo Eletrobras (Eletrobras: 15,00%; Chesf: 15,00%; e Eletronorte: 19,98%);
pelas Entidades de Previdência Complementar Petros (10,00%) e Funcef (5,00%); pelo Fundo de Investimento
em Participações Caixa FIP Cevix (5,00%); pelas Sociedades de Propósito Específico Belo Monte Participações
S.A. (Neoenergia S.A.), com 10,00% e Amazônia (Cemig e Light) com 9,77%; pelas Autoprodutoras Vale
(9,00%) e Sinobras (1,00%) e pela empresa J.Malucelli Energia (0,25%).
57

Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR)13, com início de


suprimento14 em 1º de janeiro de 2015, pelo prazo de 30 (trinta) anos.
A usina terá uma capacidade para gerar até 11.233 MW, o que classifica Belo Monte
como a segunda maior hidrelétrica do Brasil, atrás apenas da UHE Itaipu, administrada pelo
Brasil e o Paraguai, com 14.000 MW de potência instalada. (BRASIL, 2011a). Atualmente, as
estimativas do custo total do Complexo Belo Monte variam em torno de R$20 e 25 bilhões.
No entanto, os verdadeiros custos do projeto são desconhecidos, tendo em vista a persistência
de incertezas sobre custos de construção e de mitigação e compensação de seus impactos
sociais e ambientais (HURWITZ et al., 2011).
O barramento, o vertedouro principal e a casa de força complementar de Belo Monte
serão implantados no sítio Pimental, no leito do rio Xingu, a cerca de 40 km da cidade de
Altamira. Por meio de canalização, parte da água do rio será desviada para a casa de força
principal em Belo Monte, formando um reservatório dos canais (BRASIL, 2011a). Será
construído, ainda, um vertedouro complementar no sítio Belo Vista, com a finalidade de
garantir a vazão mínima necessária para manter as condições ecológicas definidas pela
legislação ambiental. A UHE Belo Monte será uma usina a fio d‟água, isto é, o número de
turbinas acionadas depende essencialmente das vazões naturais afluentes à casa de força, não
havendo capacidade de acumulação no reservatório (FARIA, 2004b). Seguem abaixo as
principais características do projeto de Belo Monte (BRASIL, 2010b):

a) Reservatório:
Área: 516 km2;
b) Capacidade Instalada Mínima:
Casa de força principal: 11.000,0 MW;
Casa de força complementar: 233,1 MW;
c) Número de unidadades:
Casa de força principal: 18
Casa de força complementar: 6

13
O novo Modelo do setor elétrico define que a comercialização de energia elétrica é realizada em dois
ambientes de mercado, o Ambiente de Contratação Regulada - ACR e o Ambiente de Contratação Livre - ACL.
A contratação no ACR é formalizada através de contratos bilaterais regulados, denominados Contratos de
Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR), celebrados entre Agentes Vendedores
(comercializadores, geradores, produtores independentes ou autoprodutores) e Compradores (distribuidores) que
participam dos leilões de compra e venda de energia elétrica. Já no ACL há a livre negociação entre os Agentes
Geradores, Comercializadores, Consumidores Livres, Importadores e Exportadores de energia, sendo que os
acordos de compra e venda de energia são pactuados por meio de contratos bilaterais (CAMÊRA DE
COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA, 2012).
14
O início do suprimento diz respeito a data em que a energia deve ser entregue ao comprador. Portanto, a usina
já deve estar em operação comercial, para que seja capaz de honrar os CCEAR.
58

d) Garantia Física: 4.418,9 MW.


A Licença Prévia (LP) da usina apresentou uma série de condicionantes a serem
cumpridas pela empresa para a obtenção da Licença de Instalação 15. Dentre essas
condicionantes, destacam-se aquelas relacionadas aos reassentamentos, que serão construídos
para realocação da população atingida pelo empreendimento Belo Monte (BRASIL, 2010c).
Não obstante os conflitos em torno de Belo Monte tenham se iniciado em 1975
(período de ditadura militar, em que se discutia o projeto denominado Kararaô), este trabalho
focará a etapa atual do projeto, em que as obras estão sendo efetivamente implementadas.
Serão abordados especialmente os aspectos relacionados ao deslocamento populacional, bem
como o tratamento dispensado à população atingida pela implantação da UHE Belo Monte.

4.3.1 Movimentos sociais em torno de Belo Monte

Assim como na economia, na política há grandes diferenças na natureza e no grau de


poder de cada grupo, o que torna a luta desigual. Os movimentos sociais têm a função de
empoderar a população e torná-la parte ativa nas decisões que tenham como objeto riscos
ambientais e conflitos que envolvam interesses individuais x interesses coletivos, rompendo
as barreiras de desigualdade. Para empoderar a população torna-se necessário educá-la, de
forma a mantê-la informada a respeito dos direitos coletivos que lhes estão sendo usurpados,
bem como dos riscos ambientais que a cercam. Somente uma gestão integrada levará a um
planejamento participativo do setor elétrico, em que todos os interesses são equilibrados,
direcionando o país a um desenvolvimento sustentável, onde meio ambiente e sociedade são
respeitados.
A seguir serão apontados os principais atores responsáveis pelo empoderamento da
população atingida pelo projeto de Belo Monte, bem como sua missão e principais objetivos.

- Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu - MDTX.

O MDTX, inicialmente denominado MPST – Movimento pela Sobrevivência da


Transamazônica, foi constituído como uma proposta regional, liderada pelos agricultores com

15
A Licença de Instalação para a UHE Belo Monte foi concedida pelo IBAMA sob o nº 795, em 01 de junho de
2011, e é válida por seis anos. Contudo, sua validade está atrelada ao cumprimento dos condicionantes por ela
estabelecidos.
59

a finalidade de buscar novos rumos para o projeto de Colonização da Transamazônica. Criado


em meados dos anos oitenta, o MDTX é uma rede de organizações sociais com representantes
em onze municípios da região da Rodovia Transamazônica e Baixo Xingu, no Estado do
Pará16. O movimento é assessorado pela Fundação Viver Produzir, Preservar (FVPP), que
capta recursos e executa projetos nestes municípios e nos municípios de Itaituba,
Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão (TONI; SOUZA; PORRO, 2006). Integrado por
atores sociais dos meios urbano e rural, o MDTX conta com o apoio expressivo de
parlamentares estaduais e federais. Suas lideranças assumem uma posição contrária em
relação à usina, enfatizando os prejuízos causados pela implantação da UHE Tucuruí
(FARIA, 2004b).
Segundo Toni, Souza e Porro (2006), o MDTX, juntamente com a FVPP, tem tido
papel de destaque na criação de governança ambiental na região da Transamazônica, além de
impulsionar uma série de projetos de desenvolvimento na região. Segundo Toni, Souza e
Porro (2006, p. 2), “o movimento se fortaleceu, estabeleceu sólidas alianças, conseguiu captar
um volume considerável de recursos e se tornou um importante ator na discussão e
implementação de políticas ambientais”.

- Igreja Católica

Na região de Altamira, a Igreja Católica é uma instituição com muita influência sobre
os grupos sociais locais, além de possuir um forte sentido missionário. Articulada
internacionalmente e com ampla atuação na Amazônia, ao combinar religião com prática
social, exerce uma forte influência política na região (FARIA, 2004b).
Sua principal missão é a defesa dos grupos indígenas da região Amazônica, exercendo
influência, também, nas questões sociais ligadas à defesa dos excluídos urbanos. Seu
posicionamento é de oposição ao projeto de Belo Monte, em alinhamento com a posição dos
movimentos sociais (FARIA, 2004b). Toni, Souza e Porro (2006, p. 20) afirmam que a “igreja
católica foi o aliado mais importante na evolução dos movimentos de base da Transamazônica
e sua maior fonte de recursos”.
Frise-se, nesse sentido, a atuação do bispo do Xingu, Dom Erwin Kräutler, que
representa a Igreja Católica ativamente na proteção dos mais pobres e dos mais frágeis, dos
indígenas, dos ribeirinhos e dos extrativistas da Amazônia, e tem feito uma oposição

16
Os Municípios são Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Rurópolis, Senador José
Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu.
60

incansável contra a hidrelétrica de Belo Monte. Em entrevista concedida à revista Época, em


junho de 2012 (BRUM, 2012), o bispo revela sua opinião a respeito do projeto, enfatizando a
angústia da população ribeirinha, que não quer deixar suas terras, e dos povos indígenas que
serão atingidos indiretamente pelo empreendimento. Segundo Dom Erwin, Belo Monte não
chegará a inundar as terras indígenas. Contudo, nos 100 quilômetros da Volta Grande do
Xingu vai se chegar a um mínimo de água, que inviabilizará a pesca, a agricultura e a
locomoção dos indígenas da região. Isso contribuirá para que os índios que vivem em aldeias
se tornem citadinos, e terminem por perder sua língua e sua cultura (BRUM, 2012). O bispo
afirma, ainda, que, no Xingu, por causa de Belo Monte, poderá acontecer tanto a morte
cultural quanto a morte física dos povos indígenas:
A morte cultural, porque arrancarão deles a possibilidade de sobreviver em
determinado espaço que, para eles, é muito significativo, porque é o chão de seus
mitos, de seus ritos, é onde enterraram seus antepassados. Se você arranca isso dos
indígenas, você corta o cordão umbilical deles com a terra. Precisamos compreender
que eles têm outro relacionamento com a terra, diferente do nosso. Para nós, a terra é
coisa que se compra e se vende. Para eles, não. Além da morte cultural, é provável
que também aconteça a morte física, porque eles não estão preparados para viver na
cidade. Os Arara, por exemplo, foram dizimados por doenças depois de serem
contatados. Essa história nunca foi bem contada (BRUM, 2012, p. 4).
Além disso, Dom Erwin ressalta que a energia e o progresso gerados por Belo Monte
não visam a beneficiar diretamente a região de Altamira, mas sim, a garantir energia para as
grandes indústrias multinacionais e para a exportação de matérias primas. Segundo o bispo,
“nas discussões sobre Belo Monte com o governo federal não há diálogo, não há discussão. A
usina será construída de qualquer maneira, muito mais por razões políticas do que por razões
técnicas e/ou econômicas” (BRUM, 2012).

- ONGs: Rios Vivos, Amigos da Terra e International Rivers.

As ONGs ligadas às causas indígena e ambiental possuem grande articulação em plano


nacional e internacional, estando especialmente interessadas na preservação da biodiversidade
da Amazônia. Elas atuam promovendo estudos sobre o meio ambiente e/ou por meio de
denúncias, manifestando-se, portanto, de forma contrária à construção da UHE Belo Monte
(FARIA, 2004a).
A ONG Rios Vivos, por exemplo, prioriza em sua agenda o tema “infraestrutura e
energia na América do Sul”, com vistas a combater os impactos ambientais e sociais
decorrentes dos grandes empreendimentos sobre regiões ecologicamente sensíveis como a
61

Amazônia. Além disso, defendem a inclusão de alternativas sustentáveis para geração de


energia elétrica nas atuais políticas públicas (FARIA, 2004a).
Outro exemplo da atuação de ONGs contra Belo Monte foi a elaboração, pelas ONGs
Amigos da Terra e International Rivers, de um dossiê contrário ao empreendimento, com o
objetivo de demonstrar aos eventuais financiadores os “riscos financeiros, legais e de
reputação” embutidos na obra (GLASS, 2011).
Dentre os riscos financeiros apontados para o Complexo Belo Monte, citam-se os
riscos: (i) de retorno, advindos das grandes incertezas sobre custo de construção, baixa
capacidade de geração, incertezas sobre custos de mitigação e compensação socioambientais;
(ii) de mercado, relativos a riscos de crédito, do mercado de títulos e de commodities; (iii) na
estrutura de custos, atrelados a divergências sobre o custo total da obra e aos custos de
compensações social e ambiental; (iv) de estruturação, relativos às garantias relacionadas à
construção do empreendimento e aos riscos de cliente, ou seja, a possibilidade dos preços
médios da energia de Belo Monte no mercado livre não serem competitivos (HURWITZ et
al., 2011). Nesse sentido, o estudo sustenta que Belo Monte não pode ser considerado “apto”
a qualquer obtenção de crédito.

- Sindicato dos trabalhadores rurais

A principal organização de trabalhadores e pequenos produtores no Estado do Pará é a


Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI, filiada à
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a qual atua na
mobilização de trabalhadores e de pequenos produtores rurais, com vistas a garantir ganhos
para este segmento (FARIA, 2004b). Essa entidade vê a questão fundiária e a posse da terra
como a principal fonte de conflitos na região e acredita que a agricultura familiar na
Amazônia apresenta um aspecto diferenciado, uma vez que o debate do desenvolvimento está
diretamente ligado ao debate das questões ambientais (PARÁ, 2010). Por esse motivo, a
Fetagri acredita que o estado deve apoiar a agricultura familiar como forma de promover o
desenvolvimento sustentável na região. Faria (2004b) afirma que a posição do grupo diante da
construção de Belo Monte é “fortemente influenciada pela resultante das forças políticas da
região, podendo ir do apoio à rejeição”.
62

4.3.1 Gestão dos Conflitos Socioambientais em Belo Monte

A área de influência direta17 da construção de Belo Monte abrange os municípios de


Altamira, Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. (BRASIL, 2009).
Dentre os principais impactos socioambientais gerados por Belo Monte, identificados no
Estudos e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA da usina (BRASIL, 2009), ressaltam-
se as mudanças que ocorrerão na paisagem, no comportamento das águas do rio Xingu e dos
igarapés, na fauna e na vegetação, além de impactos na vida das pessoas (indígenas e não
indígenas) que habitam a região. Com a finalidade de prevenir, diminuir ou compensar esses
impactos, o EIA apresentou medidas organizadas em planos, programas e projetos, que
contribuirão, ainda, para aumentar os benefícios dos impactos positivos decorrentes da
construção da usina (BRASIL, 2009).
A população diretamente atingida pela construção de Belo Monte a ser deslocada, será
de aproximadamente 19.000 pessoas, conforme apresentado no EIA/RIMA da usina (2009).
Os dados relativos às pessoas afetadas seguem transcritos na tabela abaixo:

Tabela 2 - Área diretamente afetada pela implantação da UHE Belo Monte, conforme EIA/RIMA, maio/2009
Área Diretamente Afetada – ADA
Localidade Imóveis Famílias Pessoas
Altamira 4.747 4.362 16.420
Meio rural 1.241 824 2.822
Total 5.988 5.186 19.242
Fonte: (BRASIL, 2010c).

Para permitir a expropriação das terras afetadas pela usina, foi necessária a emissão da
Declaração de Utilidade Pública (DUP)18, pela ANEEL, das áreas necessárias à construção de
Belo Monte. Algumas considerações devem ser levantadas em relação ao ato de declaração de
utilidade pública a ser emitido pela ANEEL. Seus contornos encontram-se fundados no
Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (BRASIL, 1941). Por meio da redação

17
São as áreas vizinhas que ficam em volta da UHE Belo Monte e do reservatório, denominadas AID – Área de
Influência Direta. Elas incluem não só as terras que vão ser ocupadas pelas obras e pelo reservatório, mas
também aquelas que vão sofrer interferências diretas, negativas ou positivas, do empreendimento (BRASIL,
2009).
18
Sobre esse assunto, a Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995, estabelece em seu art. 10 que “cabe à Agência
Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de
servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e
autorizados de energia elétrica” (BRASIL, 1995).
63

conferida ao art. 2º19, constata-se que, mediante declaração de utilidade pública, todos os bens
poderão ser desapropriados pelos entes políticos a quem foi atribuído o poder de emissão da
DUP (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal). Portanto, percebe-se que o
procedimento desapropriatório inicia-se pelo ato declaratório de utilidade pública que se
configura como ato tipicamente emanado de autoridade pública que delimita quais bens
passam a ser necessários para o cumprimento de uma finalidade pública (CRETELLA
JÚNIOR, 1972).
Nesse sentido, a ANEEL, por meio das Resoluções Autorizativas nº 2.853, de 05 de
abril de 2011, e nº 3.293, de 20 de dezembro de 2011, declarou de utilidade pública as áreas
de terra com superfície total de 285.906,2305 ha (duzentos e oitenta e cinco mil, novecentos e
seis hectares, vinte e três ares e cinco centiares) necessárias à implantação dos reservatórios,
da APP (área de preservação permanente), dos canteiros de obras, das demais estruturas e dos
reassentamentos populacionais da UHE Belo Monte (BRASIL, 2011; 2012b). Vale ressaltar
que, desse total, 119.563,8922 ha referem-se à área destinada à construção de
reassentamentos. Sobre esse aspecto, saliente-se que Belo Monte foi o primeiro
empreendimento em que quase a metade das áreas declaradas de utilidade pública (41%)
foram destinadas a reassentamentos. Isso indica um avanço na preocupação da concessionária
(solicitante da DUP, que justifica a necessidade das áreas requeridas) em atender aos anseios
da população local e evitar os conflitos sociais na região (BRASIL, 2010b).
Com relação às populações indígenas, os impactos ligados ao aumento da população
são mais fortes para as terras indígenas mais próximas do empreendimento, quais sejam:
Paquiçamba, Arara da Volta Grande do Xingu e para a Área Indígena Juruna do km 17. O
aumento da chegada de pessoas à região tende a provocar o aumento das pressões sobre essas
terras indígenas e seus recursos naturais, bem como o aumento da disseminação de doenças e
da exposição dos indígenas ao alcoolismo, à prostituição e às drogas (BRASIL, 2009).
Para evitar esses efeitos negativos sobre os povos indígenas da região, a Norte Energia
propôs projetos e programas ligados à educação ambiental, à saúde e saneamento nas terras

19
Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos
Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
§ 1º A desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização
resultar prejuizo patrimonial do proprietário do solo.
§ 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados
pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização
legislativa.
§ 3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e
direitos representativos do capital de instituições e emprêsas cujo funcionamento dependa de autorização do
Govêrno Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente
da República. (Incluído pelo Decreto-lei nº 856, de 1969) (BRASIL, 1941).
64

indígenas, além de um plano que incentive a população indígena a continuar morando nas
aldeias (BRASIL, 2009).
Não obstante todos os esforços empreendidos pelo Poder Público e pela Norte Energia
no sentido de minimizar os impactos sociais negativos advindos da construção da usina,
algumas preocupações vêm sendo demonstradas por ONGs, ambientalistas e a população
afetada, incluindo os povos indígenas que habitam próximos à região.
Segundo Hurwitz et al. (2011), no caso de Belo Monte, questões políticas se
sobrepuseram a critérios técnicos e preceitos legais, oferecendo riscos imensos para seus
investidores. Os autores ressaltam a importância do respeito às normas legais de proteção ao
meio ambiente, bem como a necessidade de uma participação efetiva da sociedade civil no
planejamento estratégico do setor elétrico.
Sob esse aspecto, vale ressaltar a motivação para a importância política concedida a
Belo Monte. As fontes alternativas de energia dificilmente suprirão a demanda energética
exigida pelo país. Considerando que o Brasil possui o domínio da tecnologia de construção e
operação das UHE, o modelo do desenvolvimento da matriz energética brasileira não pode
deixar de lado seu enorme potencial hidrelétrico. O grande problema é que os primeiros
empreendimentos hidrelétricos foram implantados à custa de enormes impactos sociais e
ambientais, o que terminou por marcar negativamente projetos desse tipo. Cabe, portanto, ao
poder público, “resgatar a enorme dívida com os atingidos pelas barragens dos megaprojetos
hidrelétricos anteriores, realizados com total desprezo pelas populações residentes nas suas
áreas de impacto” (FONSECA, 2005).
Com a experiência proporcionada pelos grandes impactos ambientais e sociais
causados no passado, o projeto para a construção da UHE Belo Monte se mostra inovador, ao
construir em conjunto com a população local o Plano de Desenvolvimento Regional
Sustentável (PDRS) do Xingu, antes mesmo que a usina seja implantada (FONSECA, 2005).
Além disso, a Norte Energia elaborou um Plano de Atendimento à População Atingida, com o
objetivo de “reduzir os impactos sociais negativos decorrentes da implantação da UHE Belo
Monte e apresentar soluções que considerem as expectativas e demandas da população
atingida por este empreendimento” (NORTE ENERGIA, 2011). A seguir, serão explicitados
esses dois planos, que integram, juntamente com o EIA/RIMA já mencionados, a gestão de
conflitos socioambientais empreendida em Belo Monte.
65

4.3.3 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu

A região do Xingu é uma das doze regiões de integração do Pará, objeto da


implementação de planos de desenvolvimento com base nas potencialidades locais, por meio
do Planejamento Territorial Participativo (PTP). A integração regional tem a finalidade de
promover a diminuição das desigualdades regionais e contribuir para o crescimento
econômico do Estado (BRASIL, [2010]). Nesse sentido, o Plano de Desenvolvimento
Regional Sustentável (PDRS) do Xingu é um dos instrumentos de descentralização de
políticas públicas realizado mediante uma parceria entre o Governo Federal e o Governo do
Estado do Pará. Seu objetivo primordial é promover o desenvolvimento sustentável da região
do Xingu, com a participação da população em sua gestão (NORTE ENERGIA, 2011).
Considerando a implantação de grandes projetos de infraestrutura na região do Xingu,
como a UHE de Belo Monte, a pavimentação da rodovia Transamazônica e a construção da
Linha de Transmissão Tucuruí - Belo Monte - Manaus, os quais transformarão a estrutura
econômica regional, a elaboração de um planejamento para a região tornou-se prioridade.
Assim, a ação do Estado é considerada fundamental para disciplinar essas mudanças,
enquadrando-as em uma estratégia de desenvolvimento regional que priorize ações de
ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental (BRASIL, [2010a]).
Com relação às demandas geradas em função da obra da UHE Belo Monte, a região do
Xingu em muito poderá contribuir com o fornecimento de insumos como alimentos, matérias-
primas e materiais de construção civil. Nesse sentido, Belo Monte cria a perspectiva de
dinamização econômica da região do Xingu, apresentando oportunidades para aumentar a
competitividade dos produtos regionais e sua inserção no mercado nacional (BRASIL,
[2010a]).
Estima-se que na etapa de sua construção, o empreendimento irá gerar cerca de 18.700
empregos diretos, além de empregos indiretos criados nas áreas de hotelaria, alimentação,
serviços urbanos, etc. (BRASIL, [2010a]). Dentre os impactos negativos causados pela
implantação da UHE Belo Monte, destaca-se o aumento populacional que ocorrerá em um
curto espaço de tempo, causando maior pressão por serviços básicos, os quais não são
suficientes para suprir a nova demanda (BRASIL, [2010a]).
Neste contexto, o PDRS do Xingu é um instrumento de planejamento governamental
que visa maximizar os benefícios gerados pelo empreendimento de Belo Monte e, ao mesmo
tempo, mitigar os impactos socioambientais negativos gerados, por meio da implementação
66

de políticas públicas específicas e da articulação com ações de agentes privados (BRASIL,


[2010a]).
Dentre as ações de agentes privados destinadas ao PDRS do Xingu, ressalta-se aquela
definida no Edital de Leilão nº 6/2010 ANEEL, em que a Norte Energia deverá aplicar
recursos equivalentes a um valor total de quinhentos milhões de reais na capacitação
profissional da população local, na infraestrutura física e social, na estruturação dos serviços
públicos e na organização institucional (BRASIL, [2010a]).
O Comitê Gestor do PDRS do Xingu é composto por representantes dos governos
federal, estadual e municipais, comunidades indígenas, movimentos sociais, organizações
ambientais, entidades sindicais dos trabalhadores rurais, urbanos, de pescadores e entidades
patronais. Isso permitirá que a população afetada, assim como as associações que a
representa, opinem sobre a implantação do projeto de Belo Monte (BRASIL, 2011b).
A criação de um comitê composto pelos representantes da sociedade envolvidos e/ou
afetados pela obra de Belo Monte é um exemplo de gestão de conflitos baseada em
negociação, como a defendida por Vivacqua (2005) e Costa (2003), no capítulo sobre Gestão
dos Conflitos. Esses autores ressaltam que um dos objetivos da negociação é atender aos
interesses das partes envolvidas e pacificar o conflito de uma maneira mais eficiente, visando
o caráter educativo do processo preventivo de novos conflitos. Além disso, a inclusão de
todas as entidades representativas no processo decisório permite o debate e a consequente
prevenção dos conflitos socioambientais inerentes à implantação de projetos hidrelétricos de
grande porte.
Assim, o PDRS do Xingu pode ser considerado uma ação conjunta entre Estado e
sociedade em busca de desenvolvimento, sendo fundamental para que a região possa se
apropriar dos impactos positivos que esses grandes empreendimentos trarão e alavancar sua
estrutura produtiva, tornando-se capaz de gerar emprego e renda e, consequentemente,
melhorando a qualidade de vida dos diversos segmentos sociais. Nesse sentido, pode-se
verificar que, por mais que Belo Monte tenha um forte significado político-estratégico para o
país, a sustentabilidade socioambiental não está sendo negligenciada.
67

4.3.4 Plano de Atendimento à População Atingida

Tendo em vista o histórico de graves conflitos sociais decorrentes da implantação de


grandes empreendimentos hidrelétricos no Brasil, a legislação e as políticas públicas
nacionais têm buscado conceder um tratamento mais inclusivo e de acordo com as
expectativas da população atingida. Sob esse aspecto, cite-se o Decreto nº 95.733/88, que
“dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais, de recursos destinados a
prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza ambiental, cultural e social decorrentes da
execução desses projetos e obras” (BRASIL, 1988), bem como o Plano Diretor de Meio
Ambiente do Setor Elétrico (1992/2003), onde se destaca que “o remanejamento de população
afetada por seus empreendimentos deve visar à recomposição dos seus quadros de vida num
nível de qualidade pelo menos igual, e preferivelmente superior, ao que era usufruído antes da
intervenção do setor” (NORTE ENERGIA, 2011).
Nesse sentido, a Norte Energia e o governo federal (por meio do IBAMA) têm
empreendido esforços no sentido de evitar, ou ainda, minimizar, os conflitos socioambientais
na região, em decorrência da construção de Belo Monte. Dentre esses esforços, cite-se a
elaboração, pela Norte Energia, do Plano de Atendimento à População Atingida, incluído
dentro do PBA20 (NORTE ENERGIA, 2011). O referido Plano identifica todos os grupos
sociais, famílias e indivíduos que serão atingidos pelo empreendimento em função do
deslocamento compulsório (físico-territorial), de perdas econômicas mediante a ruptura de
suas atividades produtivas, pelo comprometimento dos vínculos sociais (comunitários,
familiares, de vizinhança, de compadrio etc.) ou ainda pela perda dos equipamentos sociais ou
da infraestrutura até então disponível (NORTE ENERGIA, 2011).
O Plano é composto pelos seguintes Programas:
1. Programas na área rural: Programa de Negociação e Aquisição de Terras e
Benfeitorias na Área Rural; Programa de Recomposição das Atividades
Produtivas Rurais; Programa de Recomposição da Infraestrutura Rural.
2. Programas na área urbana: Programa de Negociação e Aquisição de Terras e
Benfeitorias na Área Urbana; Programa de Recomposição das Atividades
Produtivas Urbanas; Programa de Acompanhamento Social; Programa

20
O PBA tem a finalidade de detalhar as recomendações incluídas no EIA e nas condicionantes da Licença
Prévia, visando a obtenção da Licença de Instalação (LI), necessária para o início das obras (PDRS XINGU,
2012).
68

Restituição/Recuperação da Atividade de Turismo e Lazer; Programa de


Recomposição/Adequação dos Serviços e Equipamentos Sociais.
Segundo o PBA, o Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na
Área Rural visa dar cumprimento às condicionantes 2.14, 2.15, 2.16, 2.17, 2.18 e 2.32
explicitadas na Licença Prévia (LP) nº 342/201021, e tem seu Público-Alvo composto da
forma descrita a seguir:

Tabela 3 - Público alvo do Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias

Fonte: Norte Energia (2011).

21
A Licença Prévia de Belo Monte de nº 342/2010 foi concedida pelo Ibama em 01/02/2010, tendo como um dos
requisitos a realização de audiências públicas as quais foram realizadas e contaram com a participação de cerca
de 5.000 pessoas. Conforme a própria denominação, essa Licença exige o cumprimento de um conjunto de
condicionantes dentro de prazos estipulados. Adicionalmente, para efeito de obtenção da Licença de Instalação,
os planos socioambientais devem ser detalhados e constar do PBA. A seguir, os condicionantes relativos ao
Programa da área rural:
[...] 2.14 Apresentar no PBA proposta de constituição, garantia de representatividade, funcionamento e
integração do Fórum de Acompanhamento e dos Fóruns de Discussão Permanente, incluindo sua interface com
os conselhos e comissões específicas.
2.15 Apresentar no PBA convênios firmados com os órgãos competentes visando ações de regularização e
fiscalização fundiária nas áreas a serem afetadas pelo empreendimento.
2.16 Apresentar no PBA a metodologia que será adotada na valoração e os critérios para cálculo de áreas
remanescentes viáveis, considerando necessariamente o “isolamento social” pela saída de moradores atingidos
da região.
2.17 Apresentar no PBA o Cadastro Socioeconômico – CSE dos grupos domésticos da Área Diretamente
Afetada – ADA, incluindo os moradores e demais pessoas que utilizem o trecho da Volta Grande em suas
atividades; os pescadores de peixes ornamentais e pescadores comerciais – tanto a montante como a jusante de
Altamira; os trabalhadores ligados às atividades de praias, incluindo comerciantes, barqueiros e outras funções
relacionadas a atividades exercidas nesses locais, com identificação de geração de trabalho e renda, bem como os
oleiros e trabalhadores de atividades mineráveis e extrativistas. Esses grupos domésticos deverão ser público-
alvo do programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos.
2.18 Detalhar no PBA, a forma e metodologia de análise dos impactos que poderão ser mitigados pelo Projeto de
Reparação (compensação social), de forma a deixar claro aos atingidos quais perdas poderão ser "compensadas
socialmente" e as respectivas compensações.[...]
2.32 Dependerão de licenciamento no órgão municipal ou estadual de meio ambiente as seguintes obras
decorrentes: ... reassentamentos [...]
69

Para o remanejamento da população rural, o Plano propõe as seguintes formas de


tratamento (NORTE ENERGIA, 2011):
 Indenização em moeda corrente;
 Relocação assistida: esta modalidade procura garantir a recolocação do
proprietário, em área na mesma região, segundo montantes e condições
equivalentes às originais;
 Reassentamento: esta modalidade será adotada se for do interesse dos atingidos
e poderá ser implementada em área remanescente ou em área a ser adquirida
para fins de reassentamento rural.
As famílias e/ou os trabalhadores rurais poderão escolher a forma de indenização que
seja mais adequada à sua realidade, segundo o vínculo com a propriedade ou com o
proprietário e em função das condições de comprometimento do imóvel (NORTE ENERGIA,
2011). Nesse sentido, a Norte Energia elaborou pesquisa junto à população, quanto à sua
expectativa em relação ao tipo de tratamento a ser escolhido por ocasião do remanejamento.
Os resultados dessa pesquisa seguem reproduzidos a seguir:

Tabela 4 - Expectativa da população quanto ao empreendimento

Fonte: Norte Energia (2011).

A implantação do Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na


Área Urbana é composto pelos projetos de: Regularização Fundiária Urbana; Projeto de
Indenização e Aquisição de Terras e Benfeitorias Urbanas; Projeto de Reassentamento
Urbano e Projeto de Reparação. Para a implementação desse programa, o empreendedor
deverá providenciar o atendimento à população atingida e concentrar as informações para
divulgação à essa população (NORTE ENERGIA, 2011).
O Projeto de Indenização e Aquisição de Terras e Benfeitorias Urbanas compreende o
conjunto de ações propostas para mitigar os impactos referentes à transferência compulsória
70

da população na área urbana de Altamira, em decorrência da formação do Reservatório do


Xingu, que afetará áreas marginais aos igarapés Altamira, Ambé e Panelas e à orla do rio
Xingu.
Com relação ao número de pessoas atendidas pelo Programa, o PBA estabelece a meta
de atendimento a 16.420 pessoas, que compreendem os grupos domésticos da Área
Diretamente Afetada (ADA) 22, conforme transcrito a seguir:
Negociar e adquirir todos os imóveis urbanos contidos abaixo da cota 100m dentro
dos limites da área urbana de Altamira. Segundo dados da pesquisa socioeconômica
elaborada para o EIA da UHE Belo Monte, foram identificados 4.760 imóveis,
sendo destes 666 estabelecimentos comerciais, de serviços ou industriais, e 4.362
grupos domésticos. Os residentes nestes grupos domésticos perfazem 16.420
pessoas (NORTE ENERGIA, 2011).
Ressalte-se ainda, que esse Projeto se baliza no princípio da negociação entre as
partes, onde todos os atingidos terão direito ao Laudo de Avaliação de sua benfeitoria e à livre
escolha entre indenização ou reassentamento. A avaliação dos imóveis será realizada de
acordo com as normas estabelecidas na ABNT e IBAPE/SP, e o método a ser utilizado será o
de comparação de dados de mercado. Nesse método, segundo Deslandes (2002, apud NORTE
ENERGIA, 2011):
o Valor de Mercado é determinado pela comparação direta com outros imóveis
semelhantes ao avaliado, cujas informações ou dados de mercado são obtidos
valendo-se de entrevistas, visitas técnicas, anúncios de jornais ou revistas,
documentações de transferência, cadastros ou informações de corretores. Cabe, pois,
ao avaliador comparar as informações de mercado, levando em consideração todas
as características intrínsecas e extrínsecas do imóvel avaliando em relação aos
paradigmas.
Da mesma forma que o Projeto da área rural, o Projeto de Indenização e Aquisição de
Terras da área urbana deve garantir uma indenização justa aos proprietários, proporcionando
condições mínimas dignas para o seu restabelecimento, após a remoção. As formas de
atendimento à população urbana atingida serão as mesmas mencionadas no caso da população
rural, quais sejam: indenização; relocação assistida, onde o morador pode optar pelo
recebimento da indenização em dinheiro pelo valor de sua propriedade/benfeitoria, e utilizar
estes recursos para a aquisição de outra moradia; e o reassentamento em outra área na cidade
de Altamira próxima ao local de origem. Em pesquisa realizada pela Norte Energia, a respeito
da opção a ser escolhida pelos atingidos, verificou-se que o reassentamento urbano foi a mais
apontada, preferida por 40% (quarenta por cento) da população (NORTE ENERGIA, 2011).
Os resultados dessa pesquisa seguem reproduzidos a seguir:

22
Compreende as áreas necessárias para a formação dos reservatórios e para a implantação da infraestrutura do
empreendimento. Os grupos domésticos da ADA constam como uma das condicionantes ambientais, no item
2.17 da LP nº 342/2010.
71

Tabela 5 - Opção de atendimento no caso de remoção

Fonte: Norte Energia (2011).


Cabe ressaltar o aspecto da participação social na fase de remanejamento, praticado
pela concessionária tanto na área urbana quanto na área rural. O mecanismo de consulta à
população e informação acerca dos trabalhos que estão sendo realizados proporciona mais
segurança e confiança aos atingidos, uma vez que permite sua inclusão no processo decisório.
Como visto em capítulos anteriores deste trabalho, essa inclusão é essencial para a prevenção
de conflitos socioambientais (BERMANN, 2007).
Não obstante as ações empreendidas para mitigar os conflitos em torno de Belo
Monte, são latentes as discussões e manifestações a respeito da viabilidade do projeto e dos
impactos sociais e ambientais a ele atrelados. A ex-Senadora Marina Silva, em entrevista dada
ao jornal O Globo (2011), fala que a barragem de Belo Monte é um retrocesso no que tange a
“economia verde” no contexto da Rio+20. Ela afirma que a UHE Belo Monte não possui
viabilidade econômica e social caso fossem incluídos todos os impactos intangíveis e
incomensuráveis. Na mesma linha, o bispo do Xingu, Dom Erwin, se posiciona enfaticamente
contra o projeto de Belo Monte, e a favor das populações ribeirinhas e indígenas habitantes da
região do Xingu, dentre outras vozes que clamam contra a implantação do empreendimento
(p.ex.: MDTX, ONGs e sindicatos), tendo em vista a existência de problemas socioambientais
mal resolvidos, como os condicionantes ambientais, previstos na licença de instalação, ainda
não cumpridos (SILVA, 2011).
O movimento social contra Belo Monte está se fortalecendo à medida que evoluem as
obras da usina. Na manhã do dia 15 de junho de 2012, centenas de pessoas – integrantes de
ONGs (International Rivers, Xingu Vivo e Amazon Watch), outros ativistas, povos indígenas
e população ribeirinha – ocuparam o sítio da obra de Belo Monte, para cavar um canal,
buscando restaurar o fluxo do rio Xingu. O movimento denominado “Deixe o rio Xingu
correr livre” colocou cruzes ao longo da borda do rio, em homenagem às pessoas que
morreram em defesa da Amazônia, e plantaram 500 árvores nativas de açaí para estabilizar o
72

fluxo do rio. Eles anseiam que o assunto sobre a implantação de Belo Monte seja colocado na
pauta da Terra Rio + 20 (International Rivers, 2012).

Foto 1 - Movimento “Deixe o rio Xingu correr livre”

Fonte: International Rivers (2012).


73

CAP. 5 - GESTÃO DE CONFLITOS UHES SOBRADINHO, ITAPARICA E BELO


MONTE

A Tabela 6, a seguir, demonstra o resultado comparativo dos três estudos de caso


apresentados de forma sintetizada, de modo a facilitar a análise proposta:

Tabela 6 - Conflitos nas Usinas Hidrelétricas Sobradinho, Itaparica e Belo Monte

Principais
Rio/ Potência Reservatório Principais causas do Metodologias
Período de Contexto
Barragem Instalada (km2) / movimentos conflito/ de gestão de
Estado implantação sociopolítico
(MW) Deslocados sociais consequências conflitos
para população

Os baixos
Movimento de valores das
resistência indenizações e a
formado forma arbitrária
Não houve
basicamente pela de seu
mediação na
organização estabelecimento; Autoritarismo
gestão dos
comunitária o deslocamento político (regime
conflitos, mas
local, compulsório e militar);
sim uma
preexistente à mal planejado conjuntura
pressão social
intervenção do da população desfavorável às
São sobre o
4.214/ Estado; a atingida; reivindicações
Sobradinho Francisco/ 1.050,3 1973 e 1978 governo, que
60.000 organização destruição de populares;
BA terminou
sindical era hábitos população não
alterando os
frágil; não houve culturais; participou
rumos que
atuação de desespero e efetivamente do
estavam
partidos insegurança processo de
sendo
políticos; gerados na reassentamento.
impostos pelo
influência ativa população frente
Estado.
da Igreja aos aspectos
Católica no final coercitivos de
do processo. atuação da
CHESF.

Plano de
Desocupação;
incorporação
da negociação
Emergência do Desalojamento
na gestão de
campesinato de pessoas com
Início do conflitos, com
como força foco principal
processo de a participação
social no
São abertura da população
organizada; descumprimento
Itaparica Francisco/ 1.479,6 1976 a 1988 843/ 40.000 política e atingida no
fortalecimento do cronograma
PE e BA consequente processo
do movimento das obras
transição decisório;
sindical de planejadas para
democrática. assinatura do
trabalhadores o
termo de
rurais. reassentamento.
compromisso
entre CHESF
e Pólo
Sindical.
74

Principais
Rio/ Potência Reservatório Principais causas do Metodologias
Período de Contexto
Barragem Instalada (km2) / movimentos conflito/ de gestão de
Estado implantação sociopolítico
(MW) Deslocados sociais consequências conflitos
para população
Elaboração
Mudanças na do PDRS do
paisagem, no Xingu pelo
comportamento governo em
das águas do rio conjunto com
Xingu e dos a população;
igarapés, na elaboração do
Movimento Pelo fauna e na Plano de
Implantação Desenvolvimento vegetação; Democracia: Atendimento
iniciada em da deslocamento empoderamento à População
ago/2011. Transamazônica compulsório da da população, Atingida pela
Xingu/ Início da 516/ 19.000 e do Xingu – população com sua Norte
Belo Monte 11.233
PA operação (previsão) MDTX; Igreja ribeirinha; consequente Energia;
comercial Católica; ONGs; aumento das inclusão no EIA/RIMA;
prevista para e o Sindicato dos pressões sobre processo avanço na
jan/2015. trabalhadores terras indígenas decisório. legislação
rurais. e seus recursos ambiental e
naturais; maior na gestão
pressão por pública;
serviços básicos, negociação e
decorrentes do participação
aumento popular no
populacional. processo
decisório.

Fonte: A autora.

Os dados apresentados revelam que:


a) Partindo-se da relação entre área alagada/potência instalada para as três usinas
tem-se que:
• Sobradinho: 4214 km2 / 1050,3 MW= 4,01
• Itaparica: 843 km2/1.479,6 = 0,57
• Belo Monte: 516 km2/11.233 = 0,046
Esses resultados indicam uma mudança na concepção dos projetos de usinas
hidrelétricas, por meio da adoção da tecnologia fio d‟água (caso de Belo
Monte), que, por não possuírem reservatório de acumulação, geram menores
impactos sociais (incluindo um menor nº de pessoas atingidas) e ambientais.
Por outro lado, a falta de um reservatório implica não haver armazenamento de
água para as épocas de seca, diminuindo a geração de energia nesses períodos.
Entretanto, tendo em vista a necessidade de atender aos interesses sociais,
mediante a construção de usinas hidrelétricas que gerem o mínimo de impactos
socioambientais possíveis, a ordem vigente é a adoção da tecnologia a fio
d‟água, pois “decorre da formação do reservatório a maioria das alterações
associadas aos meios físico, biótico e socioeconômico” (EPE, 2010). Cite-se,
como exemplo, a perda de vegetação e da fauna na área do reservatório, a
75

alteração da qualidade da água em função do alagamento da vegetação


marginal e a desapropriação de áreas urbanas e rurais.
b) Há uma forte correlação entre o contexto sociopolítico em que os
empreendimentos foram implementados e as respectivas reações populares. Em
Sobradinho, que foi construída à época da ditadura militar, houve menor reação
popular, sem movimentos sociais organizados. O Governo tinha muito mais
autoridade para impor o que havia sido estabelecido do que nos demais
empreendimentos. Não houve transparência na execução do projeto e a
população não foi incluída no processo decisório. Já em Itaparica, implantada
no período de transição democrática, verifica-se uma organização social mais
efetiva, com o fortalecimento dos sindicatos e emergência do campesinato
como força social organizada, além da participação da igreja, com as caritas e
comissões pastorais. Em Belo Monte, projeto implementado (ainda em
construção) à época da democracia, observa-se a existência de muitas forças
políticas atuantes, destacando-se o Movimento Pelo Desenvolvimento da
Transamazônica e do Xingu – MDTX, a Igreja Católica, as ONGs que atuam
na defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas, e o Sindicato
dos trabalhadores rurais. À medida que amadurece a democracia, mais fortes e
organizados se tornam os movimentos populares, implicando maior
empoderamento da população na luta por seus direitos, assim como sua
inclusão no processo decisório.
c) As técnicas de gestão de conflitos utilizadas também progrediram ao longo do
tempo. Em Sobradinho houve apenas uma pressão da população sobre o
governo e a CHESF para demonstrar sua insatisfação e seu desejo de ser
ouvida. Não houve a utilização de técnicas de gestão de conflitos como
negociação e mediação. Já em Itaparica e em Belo Monte houve a utilização de
técnicas de negociação e de mediação, que levaram, inclusive, à elaboração de
planos de desocupação. Em Itaparica, o plano de desocupação foi elaborado
após uma longa mediação realizada pelo sindicato dos trabalhadores rurais, e
representou um contrato elaborado entre as partes com vistas a cumprir o
acordado (COSTA, 2003) e, consequentemente, a melhor atender à população
atingida. Em Belo Monte a prática da negociação foi frequentemente utilizada,
havendo consulta à população atingida ao longo do processo decisório, como
se verifica a partir da leitura do Plano de Atendimento à População Atingida.
76

Esse Plano prevê, por exemplo, a escolha, por parte da população atingida, da
melhor forma de compensação pelo deslocamento compulsório (indenização
em dinheiro ou reassentamento p.ex.). Já a mediação pode ser verificada tanto
em Itaparica quanto em Belo Monte, na ação dos sindicatos, que atuaram na
defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, e na participação da Igreja em
defesa dos índios e da população ribeirinha. Em Belo Monte, pode-se citar,
ainda, a mediação realizada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em
defesa dos interesses dos povos indígenas.
d) Comparando-se os três casos analisados, percebe-se, também, uma evolução na
legislação ambiental e nas políticas públicas relacionadas à implantação de
barragens. Cite-se, nesse sentido, importantes marcos legais como a Política
Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei 6938/1981, as Resoluções
CONAMA nº 001/1986 e nº 237/1997, e a Constituição Federal de 1988.
Todos esses regramentos trouxeram importantes instrumentos para proteção do
meio ambiente e das pessoas atingidas por barragens. A exigência de
elaboração do EIA/RIMA como condição para obtenção do licenciamento
ambiental é um exemplo dessa evolução. À época da implantação das usinas de
Itaparica e Sobradinho, não havia a obrigatoriedade de se elaborar o
EIA/RIMA como pré-requisito para obtenção do licenciamento ambiental.
Esses estudos permitem que o Órgão Ambiental tenha o maior número de
informações possíveis sobre os impactos socioambientais que serão causados
pelo empreendimento. A partir dessas informações, o IBAMA apresenta um
conjunto de condicionantes para mitigação desses impactos, que devem ser
seguidas pelo empreendedor como pré-requisito para se obter a licença de
instalação, necessária ao andamento das obras. Em Belo Monte já houve a
elaboração do EIA/RIMA por parte do empreendedor, que, só obteve a
necessária Licença de Instalação após atender aos condicionantes estabelecidos
pelo IBAMA.
Tomando como base as variáveis de Deutsch (1973, apud ALMEIDA, 2003) para
definição dos conflitos, podemos analisar os conflitos decorrentes da implantação de usinas
hidrelétricas ocorridos nas três usinas selecionadas da seguinte maneira:
1. as características das partes no conflito: de um lado tem-se a população
atingida pela construção de grandes barragens, que é a parte mais vulnerável e
fragilizada, possuindo menos informações e menos capacidade de impor suas
77

vontades; de outro lado tem-se o Poder Público e as grandes empresas


privadas, interessadas na construção de usinas hidrelétricas, partindo do
pressuposto que o Brasil possui o maior potencial hidrelétrico do mundo e, por
ser a hidroeletricidade uma energia renovável e de baixo custo, esse potencial
não deve ser desperdiçado. Contudo, em Sobradinho e Itaparica a população
tinha menos acesso às informações do que em Belo Monte, já que, com o
advento da Internet e do celular, as informações circulam mais rapidamente,
tornando mais fácil a comunicação entre as partes e a participação da
população nas decisões;
2. a relação de uma parte com a outra: observa-se uma clara assimetria de
poder e de informações entre as duas partes do conflito. O governo e as
empresas privadas detêm a maior parte das informações e divulgam aquilo que
consideram apropriado para a população afetada pelos grandes
empreendimentos hidrelétricos. Somente com a ascensão dos movimentos
sociais organizados é que a população conseguiu se colocar a par do processo
decisório (ou se aproximar mais da outra parte) e impor suas opiniões e
vontades. Relacionando o presente com o passado, podemos notar que
antigamente as relações eram mais frágeis e as assimetrias de poder mais
gritantes, principalmente no caso de Sobradinho. Hoje, por mais que ainda
exista essa assimetria de poder e de informações, elas são menores, haja vista a
facilidade com que a informação circula. Por outro lado, os movimentos sociais
possuíam mais voz e se organizavam mais na época em foi implantada a UHE
Itaparica. Por se tratar de um período de transição democrática, esses
movimentos sociais ganharam força e se mobilizaram em favor das populações
atingidas. Hoje, por mais que esses movimentos existam, como visto acima no
estudo sobre a UHE Belo Monte, eles não são tão ativos quanto foram em
Itaparica, e os partidos políticos também não têm feito uma oposição real aos
projetos hidrelétricos planejados pelo governo federal;
3. a natureza da questão que dá origem ao conflito: no caso da construção de
grandes usinas hidrelétricas, trata-se de mitigar ou evitar os impactos
socioambientais gerados. A diferença dos conflitos anteriores para os atuais
encontra-se basicamente na magnitude dos impactos, como se percebe a partir
da comparação do número de pessoas atingidas e da área alagada nos três
empreendimentos: em Belo Monte houve uma drástica diminuição da área
78

alagada, quando comparado às usinas de Sobradinho e Itaparica, e,


consequentemente do nº de pessoas deslocadas de suas terras e dos impactos
ambientais associados (fauna e flora);
4. o ambiente social em que ocorre o conflito: ambiente cuja população é
vulnerável, com pouco acesso à informação, ocupando uma posição social
fragilizada. A população rural geralmente é formada por ribeirinhos e índios, e
a população urbana provém de pequenos municípios afetados, sem grande
influência política e social. Contudo, mais uma vez, cabe salientar que
atualmente a população atingida possui, devido aos meios de comunicação,
mais informações do que no passado, possuindo mais capacidade de interagir e
participar;
5. o público interessado no conflito: composto pela população direta e
indiretamente atingida; pelos movimentos sociais organizados, que agem em
defesa dos interesses dessa população (ONGs, Igreja Católica, sindicatos, etc);
poder público; empresas privadas; e a sociedade em geral, que se posiciona
contra ou a favor das grandes usinas hidrelétricas (geração de energia x
impactos socioambientais gerados).
No lado dos interessados na construção das usinas hidrelétricas, nota-se uma
mudança em relação aos conflitos ocorridos no passado para os da atualidade:
na década de 1970, mais especificamente nas usinas de Sobradinho e Itaparica,
a empresa construtora era estatal (CHESF) e o planejamento do setor elétrico
tinha um caráter determinativo. As definições das alternativas de expansão da
oferta de energia elétrica ficavam inteiramente na alçada do Ministério de
Minas e Energia – MME e da Centrais Elétricas Brasileiras S.A – Eletrobrás.
Hoje, com a privatização, a construção das usinas hidrelétricas foi
descentralizada, ficando grande parte desses empreendimentos a cargo das
empresas privadas. Assim, o equilíbrio entre oferta e demanda de energia
elétrica passou a depender de sinais econômicos suficientemente atraentes para
mobilizar a participação dos investidores privados. O planejamento da
expansão setorial, ainda conduzido pela Eletrobrás, passou a ter um caráter
apenas indicativo, uma vez que sua implementação já não era mais uma mera
decisão de governo, dependendo, enormemente, dos agentes privados.
Assim, o novo modelo institucional do setor, concebido em 2003, centrou-se
sobre alguns importantes eixos estratégicos: a) formulação de regras e
79

mecanismos de contratação de energia que garantissem o atendimento à


demanda, incentivassem a competição e promovessem a modicidade tarifária;
b) exigência de Licença Prévia Ambiental como pré-condição para se licitarem
novas usinas; c) criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, incumbida
de conduzir planejamento setorial (FERREIRA, texto não publicado23).
Dentre os resultados dessas mudanças, destaca-se a sistemática dos leilões de
comercialização de energia elétrica, que tem se mostrado consistente, do ponto
de vista econômico-energético, para orientar o mercado na expansão da
geração de energia elétrica (FERREIRA, texto não publicado);
6. as estratégias empregadas pelas partes: por um lado a população afetada
se mobiliza para lutar por seus direitos e pressiona o governo a alterar a
legislação e a remodelar projetos, para que provoquem o menor impacto
socioambiental possível; por outro, o governo e as empresas privadas
imprimem técnicas de gestão de conflitos, como a negociação, de modo a
incluir a população afetada no processo decisório e, com isso, mitigar os
conflitos e efetivar a implantação dos empreendimentos;
7. as consequências do conflito para cada parte: a partir dos casos
apresentados neste trabalho, observa-se que os conflitos contribuíram para a
inclusão da população atingida no processo decisório, como se verifica a partir
dos planos de reassentamento elaborados tanto em Itaparica quanto em Belo
Monte, bem como para o aprimoramento da legislação ambiental, que tratou de
incluir a obrigação de se elaborar o EIA/RIMA para obtenção do licenciamento
ambiental e a realização de audiências públicas para ouvir contribuições de
todos os interessados. Para o governo e empresas privadas, os conflitos
contribuíram para diminuir seu grau de poder (fim do autoritarismo), tendo em
vista a distribuição de parte desse poder para a população afetada (advento da
democracia).

O diagrama a seguir demonstra a evolução da gestão dos conflitos socioambientais em


usinas hidrelétricas, de acordo com o contexto em que foram implantadas, assim como sua
consequência para a população atingida pelas barragens.

23
Texto fornecido por Luis Carlos Ferreira via e-mail, em 2012.
80

Diagrama 1 - Evolução da gestão dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas


hidrelétricas no Brasil e sua consequência para a população atingida.

UHE Sobradinho: 1973 e 1978 UHE Itaparica: 1976 a 1988 UHE Belo Monte: 2011 a 2015

Contexto Contexto Contexto

Ditadura: reação Transição democrática: Democracia: existência de muitas


popular fraca; organização social efetiva; forças políticas atuantes na defesa dos
inexistência de fortalecimento dos atingidos, como o Movimento Pelo
movimentos sociais sindicatos e emergência do Desenvolvimento da Transamazônica
organizados. campesinato como força e do Xingu – MDTX, a Igreja
social organizada. Católica, as ONGs e os Sindicatos.

Gestão de conflitos Gestão de conflitos Gestão de conflitos

Não foram utilizadas Negociações entre a Negociação direta entre a


técnicas de gestão de Chesf e o polo sindical e empresa Norte Energia e
conflitos; a pressão pressões sociais os atingidos e utilização
popular foi a única exercidas sobre os de técnicas de mediação
forma de os atingidos executores da obra. (ex.: sindicatos e Comitê
demonstrarem sua Gestor do PDRS Xingu).
insatisfação.

Consequência Consequência Consequência

Baixos valores de Elaboração do Plano de Elaboração do PDRS do Xingu pelo


indenizações pagos à Desocupação relativo ao governo em conjunto com a
população atingida; reservatório de Itaparica; população; elaboração do Plano de
Maior nº de pessoas participação da população Atendimento à População Atingida;
deslocadas; não houve atingida no processo elaboração do EIA/RIMA; avanço na
participação popular no decisório; assinatura do termo legislação ambiental e na gestão
processo decisório. de compromisso entre a pública; negociação e participação
CHESF e o Pólo Sindical; nº popular no processo decisório. Nº de
de atingidos menor que em atingidos menor que em Sobradinho
Sobradinho. e em Itaparica.

Fonte: A autora.

Diante do exposto, observa-se que em Belo Monte houve, graças à nova legislação,
um avanço no atendimento aos interesses da população afetada pelo empreendimento. A
principal preocupação do governo federal, nesse sentido, foi exatamente a de evitar conflitos
decorrentes dos impactos na vida dos atingidos, como aqueles ocorridos na implantação de
projetos anteriores, como Sobradinho e Itaparica.
Em Sobradinho, os interesses dos atingidos foram negligenciados, e os
reassentamentos foram construídos “em cima da hora”, causando sérios transtornos à
população. Já em Belo Monte foram utilizadas técnicas de negociação e mediação, havendo a
81

oportunidade de se fazer ouvir e de participar do processo decisório todos os interessados. Os


avanços conquistados podem ser atribuídos tanto pela atualização da legislação ambiental
quanto pelo advento da democracia, os quais contribuíram para empoderar a população, que,
por meio de associações, ONGs e outros meios, lutou por seus direitos e exigiu ser tratada
com dignidade. A democracia concedeu, também, visibilidade aos conflitos socioambientais,
uma vez que os meios de comunicação em massa, hoje muito mais atuantes e de fácil
disseminação do que na década de 1970, principalmente com a utilização em larga escala da
internet, contribuíram para a participação e informatização da sociedade a respeito do projeto
de Belo Monte. Com isso, as pessoas puderam, e ainda podem, acessar todo tipo de
informação, seja contra ou a favor do projeto, e, assim, tomarem uma posição e se
mobilizarem mais facilmente.
82

CAP. 6 - CONCLUSÃO

Verifica-se que o objetivo geral deste trabalho foi alcançado, uma vez que a análise
dos conflitos do setor elétrico, por meio da utilização da metodologia do estudo de caso,
permitiu a realização do mapeamento desses conflitos, indicando os atores envolvidos, seus
interesses, preferências, estratégias e dilemas. A análise dos conflitos em usinas hidrelétricas
revela a realidade de exclusão política das populações atingidas por um lado e, por outro lado
o interesse das empresas privadas, do governo e de alguns membros da sociedade civil, que
defendem a expansão da geração de energia elétrica proveniente dos recursos hídricos.
Entretanto, os estudos de caso apresentados demonstram, também, uma evolução da
participação da população atingida no processo decisório, alcançada por meio da
democratização, que concedeu visibilidade aos conflitos, e do progresso da legislação que
rege a implantação de usinas hidrelétricas. Neste ponto, cabe ressaltar o lado positivo dos
conflitos, que tiveram a capacidade de promover a discussão sobre as questões sociais
relacionadas à construção de barragens, e a consequente melhora do tratamento concedido aos
atingidos.
Observa-se, no entanto, que grande parte dos conflitos socioambientais travados
atualmente em virtude da implantação de usinas hidrelétricas, são motivados por percepções e
referências baseadas nas experiências das grandes usinas instaladas nos anos 1970 e 1980,
antes da atual legislação ambiental, sob amparo de um governo autoritário e, por isso mesmo,
num momento de muita fragilidade da sociedade civil organizada. Para que tais referências
sejam atualizadas, devem ser consideradas as reais condições hoje asseguradas pela legislação
vigente, principalmente pelo controle social a que estão sujeitos os novos empreendimentos
(FERREIRA, não publicado).
O licenciamento ambiental é considerado o principal lócus para resolução dos
conflitos dessa natureza, tendo em vista que a elaboração do EIA/RIMA e a realização de
audiências públicas para avaliar seus resultados, permitem o levantamento da opinião pública
sobre o projeto, e a posterior elaboração de condicionantes ambientais pelo Órgão Ambiental.
Somente após o cumprimento desses condicionantes pelo empreendedor, que incluem
reassentamentos, desenvolvimento de infraestrutura, dentre outros aspectos ligados aos
impactos gerados pelo empreendimento, é que as obras podem ser iniciadas.
O uso de metodologias de apoio à resolução de conflitos tem o poder de auxiliar os
diferentes grupos sociais a se representar. Para empresários, tem conduzido a uma obrigação
83

de se voltar para a sociedade, permitindo a melhor identificação dos interesses nela presentes,
além de minimizar ou, até mesmo, evitar demoras e riscos, que inviabilizam a realização de
seus investimentos. Para a sociedade, cria-se um foro que permite identificar e defender os
diferentes interesses. Para o Estado, pode representar uma oportunidade de amadurecimento
da democratização e de transformação de políticas públicas.
A relação entre o conflito socioambiental e a criação de políticas públicas torna-se
clara, à medida que são analisados os avanços alcançados na legislação ambiental brasileira,
desde a época da implantação da UHE Sobradinho até a atualidade, representada pela
construção da UHE Belo Monte. A política ambiental brasileira, instituída pela Lei
6938/1981, e o advento da Constituição Federal de 1988, são exemplos claros de que a
explicitação dos conflitos socioambientais leva à formulação de políticas públicas mais
abrangentes e inclusivas.
A melhor forma de se resolverem os conflitos socioambientais é mediante a criação de
espaços públicos de participação que viabilizem a emancipação política da sociedade,
possibilitando sua efetiva responsabilização para a gestão ambiental no setor elétrico. A
resolução dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas
depende, portanto, do incentivo à educação ambiental, por meio da sensibilização dos
indivíduos e do engajamento coletivo a respeito das questões socioambientais circunscritas.
Assim, recomenda-se a realização de novos estudos a respeito dos métodos de apoio à
resolução de conflitos em usinas hidrelétricas, focalizando a educação ambiental como
principal aspecto incentivador para o aumento da participação e da inserção social no
processo decisório, tornando a prática da negociação mais justa e eficaz.
84

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é
justiça ambiental? Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

AGRA FILHO, Severino Soares. Conflitos ambientais e os instrumentos da política nacional de


meio ambiente. Revista Eletrônica de Gestão de Negócios, v. 4, n. 2, p. 127-140, abr./jun. 2008.

AMIGOS DA TERRA. Movimentos sociais repudiam Medida Provisória que diminui


áreas protegidas na Amazônia. Notícias, maio 2012. Disponível em:
<http://amazonia.org.br/2012/05/movimentos-sociais-repudiam-medida-provis%C3%B3ria-
que-diminui-%C3%A1reas-protegidas-na-amaz%C3%B4nia/>. Acesso em: 27 maio 2012.

ANDRADE, Renata Marson Teixeira de. The „third bank‟ of the lower São Francisco River:
culture, nature and power in the northeast Brazil 1853-2003. 2006. Tese (Doutorado de Filosofia em
Energia e Recursos)-Universidade da Califórnia, Berkeley, 2006.

ARAÚJO, Maria Lia Correa de; CALDAS NETO, Magda de; LIMA, Ana Eliza Vasconcelos
(Org.). Sonhos submersos ou desenvolvimento?: impactos sociais da Barragem de Itaparica.
Recife: Massangana, 2000.

BANCO MUNDIAL. Licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no Brasil:


uma contribuição para o debate. Brasília: BIRD, 2008.

BARROS, H. O. M. A dimensão social dos impactos da construção do reservatório de


Sobradinho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Instituto de Pesquisas Sociais, 1984.
Trabalho para discussão.

BECK, Ulrich. “Momento cosmopolita” da sociedade de risco. Tradução de Germana


Barata e Rodrigo Cunha. Massachusetts: Harvard University, 2008.

BERMANN, Célio. Impasses e controvérsias da hidreletricidade. Revista Estudos Avançados, v.


21, n. 59, 2007.

BOMFIM, Juarez Duarte. Movimentos sociais de trabalhadores no rio São Francisco. Scripta
Nova Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, v. 30, n. 45, ago. 1999.
Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn-45-30.htm>. Acesso em: 20 abr. 2012.

BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Banco de outorgas: banco de dados.


Brasília, 2012.
85

______. Atlas de energia elétrica do Brasil. 3. ed. Brasília, 2008.

______. Resolução autorizativa nº 2.853, de 5 de março de 2011. Diário Oficial, Poder


Executivo, Brasília, DF, 14 abr. 2011. Seção 1, p. 88, v. 148, n. 72. Disponível em: <
http://www.aneel.gov.br/cedoc/rea20112853.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2011.

______. Resolução autorizativa nº 3.293, de 20 de dezembro de 2012. Diário Oficial, Poder


Executivo, Brasília, DF, 03 jan. 2012. Seção 1, p. 112, v. 149, n. 2. Disponível em: <
http://www.aneel.gov.br/cedoc/rea20112853.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2012.

BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Coleção das Leis do Brasil, v. 4, p.


679, 1934.

BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de 1988. Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 fev. 1988. Seção 1, p. 2753.

BRASIL. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 jul. 1941. Seção 1, p. 14427.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 set. 1981. Seção 1, p. 16509.

BRASIL. Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 jul. 1995. Seção 1, p. 10125. Edição Extra.

BRASIL. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República


Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 dez. 1996. Seção 1, p. 28653.

BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 07 ago. 1997a. Seção 1, p. 16925.

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Plano de desenvolvimento regional


sustentável (PDRS) do Xingu. Brasília: MI, [2010a].

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte:


Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Brasília: Leme Engenharia, 2009.

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Metodologia para


avaliação da sustentabilidade socioeconômica e ambiental de UHE e LT. Rio de Janeiro:
EPE, 2010b. (Série Estudos do Meio Ambiente).
86

______. Projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte: fatos e dados. Rio de Janeiro: EPE,
2011a. Disponível em:
<http://www.epe.gov.br/leiloes/Documents/Leil%C3%A3o%20Belo%20Monte/Belo%20Mo
nte%20-%20Fatos%20e%20Dados%20-%20POR.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2011.

______. A questão socioambiental no planejamento da expansão da oferta de energia


elétrica. Brasília, DF: EPE, 2006.

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Gabinete do Ministro. Contrato de Concessão nº


001/2010-MME-UHE Belo Monte. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 27 ago. 2010c. Seção 1, p. 4. Disponível em:
<http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/Contrato/Documentos_Aplicacao/Contrato%20Belo%20
Monte.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2012.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Conama. Resolução nº 001, de 1986. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 fev. 1986. Seção 1,
p. 2548-2549.

______. Resolução nº 237, de 1997. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 22 dez. 1997b. Seção 1, p. 30841-30843.

BRASIL. Ministério do Planejamento. Governo federal lança pacote de ações para


desenvolvimento sustentável do Xingu. Notícias, jun. 2011b. Disponível em:
<http://www.planejamento.gov.br/noticia.asp?p=not&cod=7333&cat=264&sec=29>. Acesso
em: 12 ago. 2011.

BREDARIOL, Celso. Conflito ambiental e negociação para uma política local de meio
ambiente. 2001. 244 f Tese (Doutorado em Planejamento Energético)-Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

BRUM, Eliane. Dom Erwin Kräutler: “Há gente do PT que parece fanático religioso” - parte
4. Época, jun. 2012. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-
brum/noticia/2012/06/dom-erwin-krautler-ha-gente-do-pt-que-parece-fanatico-religioso-parte-
4.html>. Acesso em: 10 jun. 2012.

CAMÊRA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (CCEE). Ambiente de


contratação. São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www2.ccee.org.br/cceeinterdsm/v/index.jsp?vgnextoid=65daa5c1de88a010VgnVCM1
00000aa01a8c0RCRD>. Acesso em: 17 abr. 2012.

COSTA, H. A. Resolução alternativa de conflitos no setor elétrico nacional. In: AZEVEDO,


André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Brasília: Grupos
de Pesquisa, 2003.
87

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários às leis de desapropriação. São Paulo: J.


Bushatsky, 1972.

DEUTSCH, Morton. The resolution of conflict: constructive and destructive processes.


London: Yale University Press, 1973. Resenha de: ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. In:
AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação.
Brasília: Grupos de Pesquisa, 2003.

DUQUÉ, Ghislaine. A experiência de Sobradinho: problemas fundiários colocados pelas


grandes barragens. Cadernos do Ceas, Salvador, n. 91, maio/jun., 1984.

DWIVEDI, Ranjit. Why some people resist and others do not: local perceptions and actions
over displacement risks on the sardar sarovar. Holanda: Institute of social studies in Europe,
1997.

FARIA, Alcides. Infraestrutura e energia. Ecoa, 2004a. Disponível em:


<http://www.riosvivos.org.br/Canal/Infraestrutura+e+Energia/16>. Acesso em: 27 ago. 2011.

FARIA, I. D. O descompasso e o piroscópio: uma análise dos conflitos socioambientais do projeto


da Usina Hidrelétrica Belo Monte. 2004. 420 f. Tese (Doutorado)–Centro de Desenvolvimento
Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2004b.

FONSECA, Sérgio de Mattos. Amazônia: receita energética para o desenvolvimento


sustentável. Revista de Economia Contemporânea, v. 9, n. 2, maio/ago. 2005.

FREE YOUR MIND AND THINK, 2012. Disponível em: <https://fbcdn-sphotos-


a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash3/579967_351600001574198_1636954238_n.jpg>. Acesso
em: 25 jun. 2012.

FREITAS FILHO, Roberto; CASAGRANDE, Renato. Globalização, separação de poderes e


tempo legiferante. In: DANTAS, Bruno et al. (Org.). Constituição de 1988: o Brasil 20 anos
depois. O Exercício da Política - Volume II. Brasília: Instituto Legislativo Brasileiro, 2008.

FROTA, I. O setor elétrico e seus conflitos: os novos e os velhos desafios. In: BURSZTYN,
M. (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de
Janeiro: Garamond, 2001.

GLASS, Verena. Índios temem conflitos por terras na área de Belo Monte. Movimento
Xingu Vivo Para Sempre: [S.l.]: 2011. Disponível em:
<http://www.xinguvivo.org.br/2011/06/09/indios-temem-conflitos-por-terras-na-area-de-belo-
monte/>. Acesso em: 16 jun. 2011.

GLOBALIZATION AND WATER RESOURCES MANAGEMENT: THE CHANGING


VALUE OF WATER, 2001, Scotland. Proceedings... Scotland: University of Dundee, 2001.
88

GOLDEMBERG, José; MOREIRA, José Roberto. Política energética no Brasil. Estudos


Avançados, v.19, n. 55, 2005.

HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da justiça ambiental e sua


construção no Brasil. In: ENCONTRO DA ANPPAS, 1., 2002, Indaiatuba. Anais... São
Paulo: Associação Nacional de Pós-graduação em Ambiente e Sociedade, 2002.

HURWITZ, Zachary et al. Mega-projeto, mega-riscos. São Paulo: Amigos da Terra,


Amazônia Brasileira; International Rivers, 2011.

JOJI, C. The world commission on dams: a review of hydroelectric projects and the impact on
indigenous peoples and ethnic minorities. Cultural Survival Quarterly, v. 23, n. 3, 1999.
Disponível em: <http://www.culturalsurvival.org/publications/cultural-survival-
quarterly/brazil/world-commission-dams-review-hydroelectric-projects->. Acesso em: 05
mar. 2011.

LAYRARGUES, Philippe Pomier. Educação para a gestão ambiental: a cidadania no enfrentamento


político dos conflitos socioambientais. In: LOUREIRO, C. F.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO,
R.S. (Org.). Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez,
2000. Disponível em: <http://material.nerea-investiga.org/publicacoes/user_35/FICH_FR_30.pdf>.
Acesso em: 11 set. 2008.

LEFF, E. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. In: PHILIPPI, A. J (Org.).


Interdisciplinaridade em ciências ambientais. São Paulo: Signus, 2000.

LITTLE, P. E. Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e de ação política. In:


BURSZTYN, M. (Org.). A difícil sustentabilidade: política energética e conflitos
ambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.

MC CULLY, P. Silenced rivers: the ecology and politics of large dams. London: Zed Books,
2001.

MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Justitia, São Paulo, v. 59, n.
181-184, jan./dez. 1998.

MILES, M. B.; HUBERMAN, A. M. Qualitative data analysis: an expanded sourcebook.


California: Sage, 1994.

MORET, A.S.; FERREIRA, I.A. UHEs do Madeira: o planejamento para atendimento da


demanda elétrica, celeridade nos estudos e as conseqüências socioambientais. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 12., 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de
Janeiro: COPPE, UFRJ, 2008.
89

MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. História do MAB: 20 anos de


organização, lutas e conquistas. São Paulo: MAB, 2011.

NOBREGA, R. S. Os atingidos por barragem: refugiados de um guerra desconhecida Revista


Inter. Mob. Hum., Brasília, v. 14, n. 36, p. 125-143, jan./jun. 2011.

NORTE ENERGIA. Projeto básico ambiental da UHE Belo Monte. Brasília: Norte
Energia, 2011. cap. 4. Disponível em:
<http://siscom.ibama.gov.br/licenciamento_ambiental/Hidreletricas/Belo%20Monte/PBA/PB
A%27s%20apresentados/Vers%C3%A3o%20Final/Setembro_2011_vers%C3%A3o%20final
/Volume%20II%20-%20Item%2004/VOL%20II%20-%204%20-
%20plano%20atend%20pop%20atingida.pdf>. Acesso em: 25 out. 2011.

PARÁ. Secretaria de Estado de Agricultura – SAGRI. Frutal incentiva a agricultura familiar.


Sagrimprensa, mar. 2010. Disponível em: <http://www.sagri.pa.gov.br/?q=node/177>.
Acesso em: 15 maio 2012.

PINHEIRO, F. B. Problemas sociais e institucionais na implantação de Hidrelétricas:


seleção de casos recentes no Brasil e casos relevantes em outros países. 2007. 220 f.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica)-Faculdade de Engenharia Mecânica,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.

PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Uma ecologia política dos riscos. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2007.

SIGAUD, L. Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens de Sobradinho


e Machadinho. Rio de Janeiro: Museu Nacional,UFRJ, 1986.

______. Implicações sociais da política do setor elétrico. In: SANTOS, Leinad Ayer;
ANDRADE, Lúcia M. M. (Org.). As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas. São
Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1988.

SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004.

SILVEIRA, Caio Márcio; Reis, Liliane da Costa. Desenvolvimento local: dinâmicas e


estratégias. Rio de Janeiro: RITS, 2001.

SORIANO, Érico; VALENCIO, Norma. Riscos, incertezas e desastres associados às


barragens: os riscos referentes à Itaipu Binacional. In: VALENCIO, Norma (Org.) et al.
Sociologia dos desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos, SP:
RiMa Editora, 2009.
90

SOUZA, C.G.R. et al. Meio ambiente na constituição federal de 1988, artigo 225 caput. Web
Artigos, 2010. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/meio-ambiente-na-
constituicao-federal-de-1988/52743/>. Acesso em: 15 maio 2011.

SWAIN, A. Social networks & social movements: are northern tools useful to evaluate
southern protests? Suécia: Uppsala University, 2002. (Uppsala peace research papers, 4).

SWAIN, A.; CHEE, A.M. Political structure and dam conflicts: comparing cases in Southeast
Asia. In: WATER & politics: understanding the role of politics in water management.
Marseille: WWC, 2004.

TONI, Fabiano; SOUZA, Ana Paula Santos; PORRO, Noemi Myasaka. Governança
ambiental e desenvolvimento territorial rural na fronteira agrícola: o papel das redes de
movimentos sociais na região da transamazônica. In: SEMINARIO TERRITÓRIOS
RURALES EM MOVIMINETO, 2006, Santiago. Anais... Chile: RIMISP, 2006.

TUNDISI, J. G. Exploração do potencial hidrelétrico da Amazônia. Revista Estudos


Avançados, v. 21, n. 59, 2007.

VAINER, C. B. Recursos hidráulicos: questões sociais e ambientais. Revistas Estudos


Avançados, v. 21, n. 59, 2007.

VIEIRA, Agostinho. Belo Monte: Marina defende auditoria externa na usina. O Globo, dez.
2011.

VIVACQUA, M. D. Gestão de recursos hídricos, comitês de bacia Hidrográfica e o


processo administrativo de Arbitragem de conflitos pelo uso da água. 2005. 217 f.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) – Universidade Regional de Blumenau,
Blumenau, 2005.

WORLD COMMISSION ON DAMS. Dams and development: a nem framework for


decision-making. Londres: Earthscan Publications, 2000. Disponível em:
<http://www.internationalrivers.org/files/attached-
files/world_commission_on_dams_final_report.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2012.

______. Represas y desarollo el reporte final de la comision mundial de represas: un


nuevo marco para la toma de decisiones. Londres: Earthscan Publications, 2000.

YIN, R. K. Case study research: design and methods. 3rd. ed. London: Sage, 2003.

Você também pode gostar