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SINOPSE
Eu o amava.

Eu o perdi. E agora ele está de volta.

August Monreaux era um mar tempestuoso de um homem, o


escuro entre as estrelas, um frio elétrico cortando uma sala cheia
de gente - tudo envolto em um belo e perverso pacote.

Ele também estava fora dos limites.

Durante toda minha vida, fui mantida a uma distância segura dos
notoriamente vira-latas Monreaux, onde éramos proibidos de
respirar o mesmo ar.

E como a boa filha que eu era, eu obedeci a essas regras.

Até o momento em que não obedeci...

Somente enquanto eu o experimentava, ele me devorava como a


fruta proibida que eu era.

E, num piscar de olhos, meu pior inimigo tornou-se meu primeiro


amor.

Seu veneno se tornou meu antídoto. Seu toque, meu vício.

Depois que seguimos caminhos separados e rompemos nossos


malfadados laços, pensei que nunca mais o veria... até que ele
caiu de novo na minha vida no pior momento possível - e me pediu
em casamento.

Mas não era tão simples assim.

Nunca é.

Acontece que casar com um homem rico e poderoso vem


com um preço.

Mas ir embora pode me custar tudo.


DEDICATÓRIA

Eu nunca fui de ninguém, nem por um momento, nem por um


suspiro.

Antes de você, eu era seu, mas esperando;

Toda a minha vida

Tenho estado

Esperando.

Conheço

Nada além de paz,

Compreendo

Isso.

— Tyler Knott Gregson


CAPÍTULO UM

Sheridan

Mergulho até o fundo da piscina brilhante à meia-noite, a


água suave me engolindo inteira. Com uma lufada de ar úmido
noturno agarrado em meus pulmões, espero até que meus dedos
dos pés arranhem o fundo de concreto antes de flutuar até a
superfície.

Meu pai sempre diz: — Nada de bom acontece depois da meia-


noite.

Mas é 1h da manhã.

E isto está divino.

Afasto uma mecha de cabelo ensopado de cloro do rosto,


respiro fundo e fecho meus olhos, deixando a lua cheia pincelar
meu corpo enquanto flutuo de costas. Músculos relaxados. Mente
esvaziada das preocupações diárias. Nua como no dia em que
nasci e livre como uma pomba.

Eu poderia ficar aqui para sempre - o que é irônico porque eu


não deveria estar aqui em primeiro lugar.

Tecnicamente, estou invadindo.


De olhos fechados, inalo o cheiro distinto de água da piscina
e roseiras próximas e tento imaginar como deve ser a sensação de
ser um Monreaux, crescendo atrás desses portões de ferro
privilegiados, um mundo longe de nós, habitantes comuns.

Não que haja algo de errado em ser comum.

Na verdade, estou muito contente de ser uma ninguém.

Há mais na vida do que ter o mundo na ponta de seus dedos.


Não há problema em ter dificuldades, em batalhar pelas coisas.
Mamãe diz que isso edifica o caráter; nos dá a coragem necessária
para atravessar a montanha-russa que é a vida. Ou talvez seja isso
que ela teve que dizer a si mesma durante toda a sua vida para
superar as agruras que Deus achou adequadas presenteá-la - um
raro distúrbio do nervo vago que faz com que seu corpo reaja
exageradamente até mesmo os mais fracos fatores de estresse, um
coração fraco que faz com que as tarefas do dia-a-dia pareçam
escalar o Everest, e só este ano ele achou que seria divertido
enfrentar a síndrome de Guillain-Barré1.

Mamãe também disse que ninguém prometeu que a vida seria


justa para todos. Todos nós temos nossas cruzes para carregar e
compará-las não nos ajuda em nada. Ela também disse que se
tudo o que temos é um ao outro, isso seria suficiente. Não temos
muito em termos de dinheiro ou posses ou privilégios, mas temos

1
A síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune grave em que o próprio sistema imunológico passa
a atacar as células nervosas, levando à inflamação nos nervos e, consequentemente, fraqueza e paralisia
muscular, podendo ser fatal.
nossa lealdade e amor, e para nós, é tudo o que precisamos para
passar por esta vida.

Apertando os olhos, eu analiso o cobertor de estrelas acima,


distraída pela constelação tremeluzente de Cassiopeia2 e a rica
seção da Via Láctea que a atravessa - até que uma luz acende perto
dos fundos da propriedade Monreaux.

Um segundo mais tarde, uma porta se abre com um


movimento brusco antes de se fechar com tanta força que o som
ecoa na água. Meu coração dispara contra o peito, antes de me
bater nos ouvidos com tanto barulho que afoga meus pensamentos
em pânico.

Endireitando-me, nado até a saliência mais próxima, meio


obscurecida por uma cachoeira artificial que goteja sobre uma
gruta de pedra.

Passos pesados batem no piso, ficando mais alto, mais


próximo.

Prendo a respiração - como se isso pudesse me tornar invisível


- e fecho os olhos com força.

— Apareça, — uma voz de homem ressoa sobre a água


gotejante que espirra ao meu redor. — Eu sei que você está aqui.

2
Cassiopeia é uma constelação em formato de W, localizada no hemisfério celestial norte. Essa constelação
possui cerca de trinta estrelas que visíveis a olho nu, além de outras, e as cinco principais, que formam o desenho
da letra W.
Esta manhã, corri para buscar um café para mamãe e ouvi
alguém falando que os Monreauxs foram para sua viagem anual
para St. Thomas esta semana – o que em parte foi o motivo pelo
qual eu achei apropriado escalar a cerca de dois metros e
mergulhar meus dedos dos pés nestas águas proibidas. Isso e tem
estado quente como o Inferno a semana toda, e nosso ar
condicionado decidiu que seria o momento perfeito para quebrar.

Mais passos.

Eu estremeço.

Tem que ser um zelador da propriedade. Ou talvez uma


pessoa que cuida da casa. Pessoas como estas não deixam suas
casas enormes simplesmente vazias enquanto estão fazendo
esnórquel3 em alguma ilha do Caribe. Seus funcionários não tiram
férias só porque eles tiram. Isso eu sei. Acho que imaginei que
quem quer que estivesse aqui estaria dormindo profundamente a
esta hora da noite...

— Você não pode se esconder aí para sempre, — diz ele com


uma voz muito aguçada, parecendo muito jovem para ser alguém
deixado para cuidar de uma propriedade multimilionária na
ausência de seus donos. Ele exala, os sapatos se aproximando. —
Vamos. Não tenho tempo para isso. Pegue suas coisas e saia da
minha propriedade.

3
Esnórquel ou snorkeling é uma prática esportiva de mergulho em águas rasas com o objetivo de recreação,
relaxamento e lazer.
Ele deve ter visto meu vestido, sutiã e calcinha, em uma das
poltronas.

Nado por trás da cachoeira, mantendo todo meu corpo abaixo


do pescoço sob a superfície. Ao examinar o comprimento do
homem misterioso, começo por seus tênis de marca e sigo seu
jeans rasgado antes de parar para um breve desvio em seus
ombros largos, que estão contidos, em uma camiseta cinza
apertada. Por último, chego ao seu olhar iluminado pela lua.

Suas sobrancelhas escuras se inclinam enquanto ele captura


meu olhar, com sua expressão ilegível. Uma brisa quente brinca
com suas ondas loiras desordenadas que se misturam com
estrelas e sombras emoldurando suas feições esculpidas.

Ele é lindo, obscurecido pelo luar e tudo.

Mas seus olhos brilham, inalterados.

E ele não sorri.

Eu me preparo para um sermão ou um punhado de palavras


cruéis sendo lançadas em minha direção, mas a bela figura
simplesmente toma um gole generoso da garrafa de cerveja em sua
mão, mantendo sua atenção voltada para mim. Meu olhar cai para
a bagunça complicada de tatuagens que cobrem a pele exposta de
seu braço esquerdo. E quando me atrevo a encontrar seu olhar
frio, descubro dois pequenos piercings perfurando sua
sobrancelha direita.

Este é um homem que não dá a mínima.

— Sinto muito. — Estou além das desculpas. Estou errada.


Não deveria ter vindo aqui hoje à noite. Não deveria ter escalado
sua cerca. Não deveria ter tirado minha roupa e mergulhado em
sua luxuosa piscina como se eu fosse a dona do lugar. — Se você
me deixar pegar minhas coisas, estarei fora daqui em dois
segundos. E nunca mais me verá. Eu prometo.

Sua boca carnuda se arqueia em um sorriso diabólico, e seu


silêncio envia um arrepio a minha nuca.

Minha defesa é menor que de um réu confesso, ou de um rato


que foi passear na cova de um leão faminto.

— Você é August, não é? — Tento uma abordagem mais


amigável.

Há três rapazes Monreaux. Soren é o mais velho e um Deus


do rock. Eu reconheceria seu rosto em qualquer lugar graças aos
outdoors espalhados pela cidade sempre que eles fazem uma turnê
pelo Missouri. Depois há o Gannon, nunca o vi, mas sei que ele é
um pouco mais velho do que eu. August é o bebê da família,
embora se for realmente ele que está diante de mim, não há nada
de infantil nele.

Ele tinha apenas dois anos quando sua mãe morreu. Ela
estava correndo - perto de nossa casa, na verdade - quando foi
atropelada por um carro e deixada sangrando na beira da estrada.

Seu pai tentou culpar meu pai por sua morte.

Eles têm uma história...

Uma história tenebrosa, profunda, trágica e feia que eu não


ouso mencionar ao redor dele e da mamãe, a menos que eu queira
ver seus olhos ficarem nebulosos e mandar mamãe para o quarto
em um ataque de lágrimas. Uma história tão obscura que nem sei
a metade dela - só sei que não falamos sobre ela.

Se meus pais soubessem que eu estou aqui, eles me


matariam. Figurativamente, é claro.

Durante toda minha vida, ficou muito claro que a família


Monreaux está fora dos limites em todos os sentidos da palavra.
Não devo me aproximar deles, não devo respirar seu ar tóxico. Nem
mesmo sussurrar seu nome sob nosso teto.

Estar aqui, nestas águas, nesta propriedade, é uma blasfêmia


ao nome da família Rose.

Não vim aqui por despeito.

Não vim para magoar ninguém ou provar algum tipo de


argumento.

Mas se meus pais descobrissem, eles ficariam arrasados.

— Sou eu quem deveria estar fazendo perguntas, não acha?


— Ele toma outro gole, seu olhar quase penetrando minha alma.

Ele não está errado.

Não é hora de ser amigável. A última coisa de que preciso é


August contar ao meu pai que a garota Rose invadiu seu quintal e
estava nadando pelada na sua piscina. A fofoca iria se
espalhar. Ligações telefônicas seriam feitas. Ataques cardíacos
seriam obtidos. Meus pais provavelmente não acreditariam, mas
não é um risco que estou disposta a correr.
Antes que eu tenha a chance de dizer uma única palavra,
August vai até uma cabana coberta de pedras e volta com uma
toalha branca felpuda. Agachando-se perto da piscina, e entrega
para mim. É uma troca simples, mas as palpitações inquietantes
em meu peito dobram quando nossos dedos tocam.

— Então, que nome devo dar à polícia quando eles chegarem?


— Ele se levanta, elevando-se enquanto olha para baixo. — Você
parece uma... Harper para mim. Chloe. Não.
Addison. Definitivamente uma Addison.

Nomes de garotas bonitas... ou simples?

Ele está tentando me lisonjear ou insultar?

Respiro fundo enquanto saio da água e rapidamente envolvo


meu corpo no calor suave da toalha.

Ele bebe outro gole de cerveja, este mais generoso do que seu
antecessor.

— Você não vai dar a eles nenhum nome. — Mantenho meu


tom doce enquanto puxo meu vestido de verão da cadeira, e então
eu viro minhas costas para ele e o coloco sobre meu corpo úmido.

— O que te dá tanta certeza disso? — Suas palavras são


sutilmente arrastadas. Imagino que esta não seja sua primeira
cerveja da noite.

Eu o encaro mais uma vez, reforçando minha confiança. —


Porque se é quem eu penso que é, você não tem vinte e um anos.
E não vai chamar a polícia com bafo de álcool no hálito.
Sua cabeça inclina para um lado, como se ele estivesse me
analisando de um novo ângulo. — Se eu sou quem você pensa que
sou, então deve saber... que minha família é praticamente dona da
polícia. Desculpe, Sugar Tits4, mas não tenho nada a temer neste
cenário. Você, por outro lado...

Ou ele está tentando me irritar ou ele realmente é tão idiota


quanto dizem...

Posso ser conhecida por ser doce e gentil, mas não vou ficar
aqui e deixar alguém me objetivar porque tomei uma decisão
errada.

— Sugar Tits? Acho que é verdade o que dizem - dinheiro não


compra educação.

Ele ri, imperturbável, como se meu insulto apenas


ricocheteasse em seu exterior de aço.

— Então, como devo chamá-la? — Seu olhar penetrante cai


no meu peito antes de deslizar de volta para os meus olhos.

— Você realmente vai me denunciar? Eu não roubei. Eu não


quebrei nada. Eu não machuquei ninguém. Eu só fui nadar...

Cruzo meus braços sobre meus seios, que tenho certeza que
estão em total alerta, e lanço a ele uma carranca.

4
Sugar Tits - Descrevendo uma mulher com seios deliciosamente doces; um par de seios bonitos.
— Você invadiu terras privadas, — diz ele. — Da última vez
que verifiquei, a polícia não é gentil com atividades ilegais nesta
parte da cidade.

Esta parte da cidade...

É claro. O quarteirão sudoeste de Meredith Hills é a parte


"rica" desta cidade esquecida por Deus. Qualquer coisa ao sul da
rua LeGrand e a oeste da avenida Sunderland é habitacional. É
um layout interessante também - as ruas quase projetadas como
raios em um círculo, todas elas saindo da residência Monreaux,
como se fosse a capital desta grande e poderosa cidade.

Reviro meus olhos. — Falando como um verdadeiro


Monreaux.

August se irrita. — O que isso deveria significar?

Eu levanto um ombro. — Você é filho do seu pai. Isso é o que


isso significa.

Estou blefando. Não sei nada sobre seu pai, exceto o fato de
que ele é um homem rico, poderoso e talentoso e as pessoas
contam histórias e dão alertas. Não sei como ele é realmente atrás
de portas fechadas - e não pretendo descobrir.

August dá um passo à frente, embora eu tente não prestar


atenção a ele. Também tento ignorar a pulsação latejante em meus
ouvidos e o inchaço de náusea em minha barriga. Não tenho ideia
do que ele é capaz, mas seria sensato não deixar nada passar por
ele.

Pego meu sutiã e calcinha e coloco nos bolsos do meu vestido


antes de deslizar meus pés em meus chinelos desbotados. — Não
seja egocêntrico. Eu disse que sentia muito e agora estou indo
embora.

Caminhando em direção à cerca, meus passos vacilam - vou


ficar ridícula escalando-a com nada além deste vestido de verão
encharcado. No entanto, afasto esse pensamento na minha
cabeça, ignorando o peso de seu olhar na minha bunda, ficando
mais pesado a cada passo.

Eu não me importo com o que ele pensa.

Os Monreauxs podem ser donos desta cidade, mas no final do


dia, August e eu não somos ninguém e nada um para o
outro. Passamos quase duas décadas como dois navios passando
à noite. Não há razão para não continuarmos assim.

— Ei... — Ele chama atrás de mim, sua voz cortando a


escuridão.

Eu continuo.

— Ei, eu não terminei com você. — Suas palavras são mais


ousadas desta vez, mais altas.

Acelero meus passos, correndo tão rápido que mal sinto o


chão contra meus pés.

A cerca está a apenas alguns metros de distância, quase ao


alcance quando o estilhaçar de vidro me impede de caminhar.

Eu olho por cima do ombro quando ele cai na beirada de uma


cadeira de piscina, cacos de sua garrafa de cerveja quebrados a
seus pés.
Ele a quebrou... de propósito?

Cem histórias de Monreaux dançam em minha cabeça ao


mesmo tempo, rumores indistinguíveis de fatos girando juntos em
um mar de incerteza. Na maioria das vezes, as pessoas gostam de
exagerar ao contar uma história interessante, mas mamãe sempre
diz que toda mentira tem um pingo de verdade.

Tudo o que sei é que a maioria das pessoas diz que a família
é tão perigosa quanto poderosa, tão imprevisível quanto o mar
tempestuoso. Disfuncional, mas muito leal. E muito próximos. Os
moradores locais ficam longe deles por um bom motivo.

Certa vez, ouvi alguém falar que ir para a cama com um


Monreaux - figurativamente ou não - é como jogar uma roleta
russa. Provavelmente, você sairá viva, mas nunca mais será a
mesma.

Infelizmente, essas chances não estavam a favor da minha tia


Cynthia quando ela namorou o pai de August décadas atrás. Ela
não saiu viva - que é exatamente a razão pela qual meus pais me
proíbem de ir a qualquer lugar perto desta família.

Roubo um último vislumbre do malvado e bonito rapaz


Monreaux, em seus ombros largos, queixo esculpido e cabelos
bagunçados, nos brilhantes fragmentos de vidro quebrados que o
cercam, e dou um salto em direção à cerca.

Em segundos, estou correndo para casa, para o lado da


cidade onde as pessoas mantêm grades nas janelas e as sirenes da
polícia funcionam como canções de ninar. Onde os aparelhos de
ar condicionado quebram e as contas de água às vezes não são
pagas. Onde ninguém contrata babás porque as férias são o tipo
de coisa que você só faz quando ganha um pouco de dinheiro em
uma raspadinha ou quando a restituição do imposto de renda vem
um pouco mais do que você esperava naquele ano.

Quando chego à nossa pequena casa na North Fifth Street, as


solas dos meus pés estão em chamas e meus pulmões ardem em
compaixão. Jogo meus chinelos de dedo esfarrapados na lata de
lixo pela porta dos fundos e me esgueiro para dentro.

Meu pai trabalha à noite e mamãe está dormindo no quarto,


com a TV e o ventilador de teto funcionando. Eles nunca saberão
sobre minha pequena escapada esta noite, graças a Deus.

No caminho para o meu quarto, vejo meu reflexo no espelho


do corredor, encolhendo-me com minhas ondas loiras que secaram
em uma aparência de crina de leão crespo. Um segundo depois,
tiro o vestido úmido e o jogo na parte de trás da cadeira da
escrivaninha.

Indo na ponta dos pés até a cozinha, encho um copo plástico


com água gelada da geladeira e bebo tudo de uma vez. Retornando
ao meu quarto quente, abro uma janela, ligo o ventilador e desabo
no colchão irregular.

Minha respiração eventualmente se acalma, apesar do meu


sangue encharcado de adrenalina, e os eventos da última hora
passam em minha mente como um sonho surreal febril.

Tudo aconteceu tão rápido.

Meio adormecida e delirante, eu fico olhando para o teto


manchado acima enquanto um sorriso louco toma meu rosto. A
coisa toda é meio engraçada. Invadir e nadar nua é o último tipo
de coisa que alguém pensaria que eu sou capaz de fazer, nos
Monreaux ou não. Na verdade, não consigo pensar em uma única
alma que acredite em nada disso de qualquer maneira.

Acho que deve ser meu segredinho...

E, honestamente, sempre quis ver um Monreaux. Talvez


tenha sido todas aquelas vezes que meus pais sussurraram sobre
eles quando pensaram que eu não estava ouvindo. Ou talvez fosse
a maneira como os estranhos sempre olhavam ao redor antes de
começarem a falar sobre eles em público, como se tivessem ouvidos
em todos os cantos da cidade. Eles eram um enigma misterioso
colocado na prateleira mais alta, fora de alcance.

Pelo menos agora posso dizer que vi um.

E, se tiver sorte, nunca mais o verei.


CAPÍTULO DOIS

August

— Ótimo, idiota. É melhor limpar esta merda antes que papai


e Cassandra voltem. — Sou acordado por uma voz familiar em meu
ouvido seguida de um chute forte na canela.

Gannon.

Eu me sento na espreguiçadeira da piscina, levando a mão à


minha têmpora latejante enquanto meus olhos se ajustam ao sol
escaldante acima. Instintivamente pego meu telefone, apenas para
encontrá-lo em posse do meu irmão.

Ele acena. — Você pode ter seu telefone de volta quando


crescer.

— Vai se foder.

— Você é patético, sabia disso?

Eu sorrio. — Isso é novidade para mim.

— Talvez seja melhor pensar em fazer algo com sua vida ao


invés de beber cerveja roubada e ficar bêbado na piscina.
Eu não fico bêbado. Não suporto essa sensação na cabeça,
flutuando nas nuvens. É muito animador para mim. Mas ele pode
pensar o que quiser. É tudo a mesma coisa.

— E ficar com uma garota diferente a cada noite. Você


esqueceu essa parte, — acrescento.

— Bem que você queria, idiota.

Se ele soubesse...

Eu ganhei mais bundas neste verão do que Gannon teve em


toda a sua vida. E isso incluindo a babá em idade universitária
com quem ele perdeu a virgindade aos quatorze anos.

— Papai vai chegar em casa em algumas horas, — diz ele. —


Arrume essas coisas. Tome um banho. Vista uma camiseta
limpa. Lave seu maldito cabelo. Parece que você está com sarna.

Fui chamado de bastardo sem coração mais vezes do que


posso contar, mas me coloque ao lado de Gannon e eu sou um
gatinho bêbado de leite ronronando.

— Pelo menos não pareço uma foto corporativa. — Eu olho


para ele, protegendo meus olhos do brilho do sol. É uma tarde de
domingo, mas ele está vestido com calças de grife e uma camisa
polo passada a ferro com o brasão do nosso clube de campo no
bolso. Desde que se formou em primeiro lugar na classe em
Vanderbilt, o pau no seu traseiro cresceu
exponencialmente. Apenas por diversão, acrescento: — Tipo,
descontando os olhos mortos.
— Você quer seu telefone? — Ele acena para mim. Mas antes
que eu possa alcançá-lo, ele o joga na piscina com um movimento
de seu pulso coberto por um Rolex.

Ele cai com um respingo patético, quase inaudível sobre a


cachoeira que a namorada do meu pai insistiu em adicionar no
ano passado.

Eu não reajo.

Eu não dou a ele essa satisfação.

Nunca faço isso - e tenho certeza de que ele me odeia por isso.

— O que você acha que mamãe diria se nos visse agora? —


Pergunto.

O trunfo mãe sempre foi o calcanhar de Aquiles de


Gannon. Eu tinha dois anos quando ela morreu. Não tenho
nenhuma lembrança dela. Mas ele era mais velho. Ele ainda tem
lembranças. E ele era o maior filhinho da mamãe - pelo menos é
isso que Soren me diz. Também vi isso em alguns vídeos caseiros
granulados. Gannon sempre foi... exagerado. Nossa mãe tinha a
paciência de um santo para aturar sua constante carência. —
Aposto que ela ficaria muito orgulhosa, não acha? Nos observando
como dois idiotas arrogantes.

Gannon permanece impressionantemente impassível, embora


estranhamente quieto por um minuto.

— Se mamãe estivesse aqui, tenho certeza que ela diria para


você se recompor, — ele finalmente responde. — Mas como não
está, alguém tem que fazer isso por ela.
— Você está fazendo o trabalho do Senhor. — Eu coloco
minhas palmas em uma posição de oração. — Santo Gannon.

Meu irmão abre sua boca inteligente para responder, apenas


para que seu estardalhaço seja interrompido por nossa governanta
de fim de semana, Clarice. Olhando para baixo, ela vai até a
piscina com uma vassoura e uma pá na mão.

— Bom dia, — ela diz, agachando-se para limpar minha


bagunça. Seus joelhos estalam e ela abafa um gemido ao se
inclinar. Ela é velha demais para essa merda, mas é leal e eficiente,
então meu pai vai mantê-la até o dia de sua morte.

Antigamente, ela era nossa governanta em tempo integral com


uma equipe composta por quatorze almas escolhidas a dedo, mas
a idade a alcançou, e meu pai optou por mantê-la nos fins de
semana em vez de mandá-la embora.

Ninguém jamais acusou Vincent Monreaux de ter uma


fraqueza, mas ele é bom para aqueles que são bons para ele.

Gannon aperta a ponta de seu nariz, olhando de lado


enquanto Clarice faz meu trabalho sujo.

Eu expiro. — Clarice, você não precisa fazer isso. Deixa


comigo.

Toda essa fanfarra por causa de uma porra de uma garrafa


de cerveja quebrada - e nada disso teria acontecido se não fosse
pela garota nua nadando na minha piscina noite passada.

No começo, pensei que estava tendo alucinações. Eu tinha


bebido algumas cervejas e estava voltando para tomar mais
quando ouvi o barulho do lado de fora. Afastei as cortinas da sala
e olhei em direção à piscina, que estava escura como breu, exceto
pelo brilho fraco do luar na água ondulante... água que deveria
estar parada.

E então eu a vi. Flutuando. Pacífica. Distraída. Nua.

Claramente perturbada.

Possivelmente drogada, até onde eu sabia.

Ou morta.

Nunca fui um herói nem de longe, mas estaria mentindo se


dissesse que não estava me preparando para pescar um corpo sem
vida para fora da piscina. Mas quando cheguei lá, ela estava se
escondendo na gruta - como se eu não fosse encontrá-la, porra.

Suas roupas e sandálias estavam amontoadas em uma


cadeira, e gritei para ela aparecer. Quando finalmente emergiu,
demorei dois segundos para reconhecer aquele rosto.

Ela era uma Rose.

Sheridan Rose, para ser exato.

Uma abominável, asquerosa... linda... Rose.

Eu não a conhecia, mas sabia tudo sobre ela - e seus


pais. Então eu mantive uma cara de pôquer e me fiz de bobo. Já
havia visto fotos antigas de sua família, de artigos de jornal em
arquivos. E eu sabia que ela tinha namorado um rapaz do meu
colégio há alguns anos atrás. Nas fotos marcadas nas redes
sociais, eu havia analisado seu rosto em forma de coração por mais
horas do que jamais admitiria a alguém ... porque ela não era
apenas linda, ela era proibida - e isso a tornava diferente do resto.

Desde que me lembro, meu pai sempre foi obcecado pelos


Roses e por vingar a campanha de difamação que lançaram contra
ele, sua reputação, seu negócio e o nome de nossa família séculos
atrás.

Quase perdemos tudo por causa deles.

Sem mencionar que a morte de minha mãe ocorreu de forma


suspeita a um quarteirão de sua casa, e o bastardo que a atropelou
e fugiu nunca foi encontrado. Para piorar as coisas, não só a vida
de minha mãe foi tirada naquele dia, mas também a vida de minha
irmãzinha. Mamãe estava com vinte e duas semanas, carregando
a garotinha pela qual tanto desejaram. Um “anjinho doce” para
completar nossa família perfeita, como meu pai declarou certa vez
em uma entrevista para a TV.

Sem aviso, quase tudo que meu pai sempre quis foi tirado
dele.

Para sempre.

Ele tinha quase tudo.

Até hoje, meu pai está convencido de que foi um dos


Roses. Alguém que viu uma oportunidade e aproveitou. Alguém
com boas razões para querer infligir o pior tipo de dor e perda a
um Monreaux.

Alguém como Rich Rose.


Ontem à noite, como uma verdadeira covarde e no verdadeiro
estilo Rose, a garota nua fugiu antes que ela tivesse a chance de
pagar sua penitência. Como se ela pudesse apenas vagar por aqui
e ir embora como se nada tivesse acontecido...

E então ela teve a audácia de me ignorar quando eu a chamei


- foi quando eu quebrei a garrafa de cerveja.

Tudo que eu conseguia pensar era como a prole da família


que destruiu a minha ousou valsar sua bunda em forma de
pêssego perfeita em nossa propriedade como se ela fosse a dona
do lugar.

A porra da audácia dessa mulher.

Clarice varre o último fragmento de vidro, e Gannon entra em


casa sem dizer uma palavra - graças a Deus. Espero até que os
dois estejam fora de vista antes de pescar meu telefone morto no
fundo da piscina com um skimmer (limpador de piscina) e, em
seguida, entro para me limpar. Não porque Gannon mandou, mas
porque eu não consigo parar de imaginar os seios cheios e a boca
carnuda da garota Rose e eu preciso endireitar minha cabeça com
um banho gelado.

Ela era um alvo fácil.

Eu sabia exatamente quem ela era.

Poderia tê-la exposto facilmente em mais de uma maneira.

Ela teve sorte de eu não ter feito isso.

E se for esperta, nunca mais colocará os pés neste local


novamente.
Porque não posso prometer que não agarrarei a oportunidade
da próxima vez.
CAPÍTULO TRÊS

Sheridan

— Posso atender você aqui, senhor. — Aceno para um cliente


barbudo no domingo à tarde que prontamente deposita um par de
Air Pods e um carregador de iPhone sem fio no balcão antes de
jogar seu cartão de crédito para mim.

Examino seus itens, ignorando o peso de seu olhar no meu


peito, optando por acreditar que ele está lendo meu crachá em vez
de olhar meu decote coberto. Trabalho nesta loja de telefones
celulares há seis meses, e nenhum treinamento poderia ter me
preparado para a variedade de cretinos em geral que aparecem por
aqui. Mas suponho que isso seja de se esperar. Todo mundo tem
um celular. — Duzentos e quatro dólares e oitenta e nove centavos
é o seu total hoje.

Ele suspira e acena com a cabeça como se o preço exorbitante


fosse minha culpa, e eu deslizo seu cartão pelo leitor e espero pelo
bipe.

FALHA NA TRANSAÇÃO.

— Sinto muito, senhor... — começo, mas ele me interrompe.

— ...tente de novo.
Executo o cartão mais uma vez.

FALHA NA TRANSAÇÃO.

— Existe outro cartão que você queira tentar? — Forço um


sorriso amigável em meu tom. Estas situações podem ser
embaraçosas, embora algo me diga que este homem não é
orgulhoso e não dá a mínima.

Com os olhos vidrados em meu peito, ele empurra um hálito


forte de café rançoso de sua boca antes de pegar um cartão
diferente de sua carteira.

Os sinos da porta da frente tilintam e minha atenção se


desloca nessa direção. Um corpo alto preenche a porta, iluminado
por trás pelo sol. Ele dá dois passos, deixando a porta se fechar, e
observa o espaço da loja.

Nossos olhos travam do outro lado da sala, e em uma fração


de segundo, meu sangue se transforma em água gelada.

— Olá?! — O homem rude na minha frente estala na minha


cara. — Ainda está me atendendo?

Sua transação é processada e a máquina expira o


recibo. Entrego-lhe uma caneta e limpo a garganta, mantendo um
olhar atento sobre August Monreaux com um nó na garganta.

— Bem-vindo ao Priority Cellular, como posso ajudá-lo hoje?


— Minha notoriamente entusiasmada colega de trabalho, Adriana,
aproxima-se dele antes que eu tenha a chance de avisá-la para que
alguém possa atendê-lo. Embora o que eu possa dizer que ainda
não tenha sido transmitido por seus jeans rasgados, seu sorriso
diabólico e o olhar frio reluzente?
Meio distraída, coloco os Air Pods e o carregador em uma
sacola com o recibo do homem. Ele sai antes que eu possa desejar
uma tarde adorável.

Da minha visão periférica, experimento sua troca com


curiosidade voyeurística. Adriana, sempre alheia, o leva a uma
vitrine de telefones, tirando o modelo mais caro de seu local de
exibição e passando-o para August inspecionar.

— Vou querer em preto, — diz ele, sua voz ecoando pela


loja. Eles discutem o armazenamento por um segundo antes de
Adriana desaparecer no depósito.

Nossos olhares se fixam novamente, e ele não dispensa o meu.


Há menos de doze horas, ele me viu nua. Tenho certeza de que ele
já viu um milhão de garotas nuas antes. Em algum momento,
todas elas provavelmente se misturam.

Afasto meus pensamentos e aceno para o próximo cliente da


fila. — Senhora, posso ajudá-la aqui, se estiver pronta.

O calor sobe pela minha nuca. Não tenho que olhar para saber
que ele está olhando para mim com aquele olhar penetrante e frio.

Entrego um carregador de carro roxo para uma mulher de


meia-idade em calças legging com estampa de leopardo e um latte
gelado da Starbucks na mão. Quando terminamos, Adriana se
dirige ao meu registro, com August a reboque.

— Você pode abrir seu registro, Sher? Só preciso ativar o


aparelho. Volto já. — Adriana esfrega a mão em seu braço. — Está
em boas mãos. Só vou demorar um segundo.
O silêncio é profundo. Estranho. Intenso. É tudo pesado, de
uma só vez, me prendendo ao chão e encurtando minha
respiração.

Ninguém jamais me havia feito sentir isto antes...

Examino a caixa vazia de seu novo telefone e endireito meus


ombros. — Pode me dar seu número, por favor? Para abrir o
registro?

Ele se mexe, a mandíbula cerrada como se estivesse tentando


abafar o que realmente quer dizer.

— Ok, acho que agora estamos bem. — Adriana surge após


um momento interminável e entrega a August seu novo telefone. —
Deve demorar um minuto para carregar.

— Seu número? — Pergunto novamente, os dedos pairando


sobre o teclado com o menor tremor.

Ele não tirou sua atenção de mim por um segundo.

— Seu irmão é Gannon, certo? — Adriana pergunta depois


que ele finalmente me diz seu número.

August arqueia uma sobrancelha. — Talvez.

— Ele foi para a escola com meu primo. Acho que eles
costumavam andar por aí nos velhos tempos, — diz ela. Para
algumas pessoas por aqui, andar por aí com um Monreaux dá
direito de se gabar. — Eles foram pegos em uma festa na mina da
Rodovia 50.
— Isso não se parece nada com o meu irmão, — diz ele,
monótono.

— Bem, talvez não agora. — Os lábios cheios de Adriana se


curvam. — Mas, no passado, ouvi que ele era um garoto selvagem.

August funga, o olhar ainda treinado em mim. — Depende da


sua definição de selvagem.

— O que ele anda fazendo hoje em dia, afinal? — Adriana


continua, alheia ao fato de que ele não está interessado em
conversar sobre o irmão mais velho. — Eu o vejo andando pela
cidade naquele carro esportivo dele. O preto fosco com as rodas
cinza metálico.

Eu conheço esse. Já vi dezenas de vezes. Mas as janelas


sempre estiveram muito escuras para ver quem estava sentado
atrás do volante.

Agora eu sei.

— É um pedaço de merda, — diz ele, sem emoção. — Bonito


de se olhar. Nada sob o capô que valha a pena.

Maldição. Percebo algum rancor?

Sempre ouvi que os Monreaux eram muito próximos, nunca


imaginei que eles teriam problemas internos. Talvez eles sejam
competitivos uns com os outros? A maioria dos irmãos são.

Adriana e eu trocamos olhares e ela dá uma risada


estranha. — Hum, está bem. Então... seu total hoje é 1.300 dólares
e cinquenta e dois centavos.
Ele desliza um cartão preto sobre o balcão, equilibrado entre
Adriana e eu. Ambas alcançamos ao mesmo tempo, mãos
colidindo.

— Desculpe, vá em frente, — eu digo a ela. Se já houve um


momento para orar por um cliente urgente, é agora. Mas a loja está
vazia. Somos apenas nós três agora. O gerente assistente está
escondido em algum lugar nos fundos, como de costume.

Ela passa o cartão, batendo os dedos ao som da música pop


tocando nos alto-falantes do teto enquanto esperamos. — Ouvi
dizer que seu irmão costumava dar festas bombásticas em sua
casa. Meu primo tem, tipo, histórias malucas. — A caixa
registradora expira o recibo e Adriana lhe entrega uma caneta. —
Acho que ele disse isso uma vez, seu irmão...

— ...as festas do meu irmão eram uma droga; — ele diz. —


Todos aqueles rumores que você ouviu, provavelmente ele mesmo
os começou. Ninguém gosta de Gannon.

Adriana morde o lábio. — Droga. Ok.

— Falando em festas, vou dar uma neste fim de


semana. Sexta-feira. — Ele assina seu recibo, seu olhar prateado
passando rapidamente para o meu. — Vocês duas deveriam passar
por lá.

Meu coração acelera.

Não tenho certeza de qual será a sua jogada aqui, mas não
tenho nenhum desejo de fazer parte disso. A noite passada foi um
erro. O tipo de coisa que você faz quando é jovem, burra e delirando
por causa de uma leve insolação.
Meu “não, obrigada” se cruza com o “oh, meu Deus, sim” de
Adriana.

Ela me dá uma cotovelada.

— Sinto muito, — diz August, virando-se para mim. — Eu não


entendi direito.

— Eu não posso. Mas obrigada, — eu digo.

Sua cabeça ergue, os olhos se estreitando em um olhar


incrédulo. — Você não pode? Ou não quer?

— Sher, vamos lá. Vai ser divertido, — diz Adriana. — Basta


dizer a seus pais que você vai ficar na minha casa.

August me examina.

— Sério, não é grande coisa. E nem precisa beber nem nada...


Sempre quis ver a mansão Monreaux... pode ser épico... — Adriana
continua tentando me vender algo que me recuso a comprar. Se
trabalhar com ela nos últimos seis meses me ensinou alguma
coisa, é que ela é implacável quando se trata de conseguir o que
quer. É por isso que é nossa melhor vendedora. Poderia convencer
a alma mais perspicaz de que o céu é verde-oliva brilhante, e eles
não piscariam duas vezes quando ela terminasse. — Seria um
sonho se tornado realidade para mim.

August sorri.

Estou feliz por ele achar isso divertido.

— Eu literalmente morrerei se você não for, Sher, — Adriana


continua. Meio brincando. Meio verdade.
— Você não quer isso na sua consciência, não é... Sher? —
Interrompe August. Meu nome em sua língua é aveludado,
causando arrepios nos meus braços.

Rasgando um pedaço de papel de um bloco de notas próximo,


August rabisca cinco números. — A festa começa às nove. Aqui
está o código do portão da noite.

— Impressionante. — Adriana dobra o bilhete e o coloca no


bolso de trás como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. —
Definitivamente, veremos você então...

August me dá um olhar demorado antes de sair, e no


momento em que ele se foi, eu exalo a respiração mais longa, e
mais pesada que existe.

— Ok, o que há com você? — Adriana pergunta quando


estamos sozinhas. — Por que está agindo tão estranha?

— Fiquei acordada até tarde noite passada. — Pego uma


garrafa de limpa vidros juntamente com um rolo de papel toalha e
limpo a já impecável vitrine atrás de nós. — Só... cansada.

— Cansada demais para perceber que acabamos de ser


convidadas para entrar na maldita mansão Monreaux? — Se suas
sobrancelhas estivessem mais altas, estariam na linha do
cabelo. — Percebe como isso é grande? E quão épica será essa
noite? Quero dizer, eu só ouvi histórias, mas como... tudo que se
pode beber, maconha, caras gostosos, boa música, uma piscina ...
é a festa de verão perfeita.

Jogo uma toalha de papel usada no lixo. — Sim, mas isso não
é realmente minha praia.
— É exatamente por isso que você deve ir.

— Sinta-se à vontade para ir sem mim. Sério. Vá e se


divirta. Pode me contar tudo sobre isso no trabalho no próximo fim
de semana.

Levando a mão ao quadril, ela exala. — Certo, tudo bem. Eu


sei que não é a sua praia, mas você vai pelo menos por mim? Este
é literalmente um convite único na vida, e eu quero aproveitar ao
máximo. Gostaria de me perder. E se eu não conheço ninguém...
preciso de uma amiga de segurança. Ou algo assim.

— Uma amiga de segurança? — Eu ri.

— Só, alguém para garantir que ninguém me dê um boa noite


Cinderela ou algo assim. Apenas me siga como uma sombra e
certifique-se de que eu não faça nada de que me arrependa no dia
seguinte.

— Sem ofensa, mas isso me soa terrível.

— Certo, então vá comigo, e vamos tomar algumas bebidas,


sentar perto da piscina, e olhar fixamente para todas as pessoas
gostosas fazendo merdas estúpidas. — Ela encolhe os ombros
como se não fosse grande coisa. — Só poder dizer que estamos lá,
mesmo que seja por uma hora, seria incrível. Está literalmente na
minha lista de desejos.

— Não, não está.

— Está agora.

Eu rio, balançando a cabeça e devolvendo o limpa vidros para


o armário abaixo da caixa registradora. — Posso pensar sobre isso?
— Não, porque eu conheço você, e esta é à sua maneira de
ganhar tempo e esperar que eu desista, ou esqueça, ou deixe
passar, — ela fala tão rápido que mal consigo acompanhar. — Mas
isso não vai acontecer.

— E quanto à sua amiga... qual é o nome dela? Molly? Ela


pode ir com você?

— Molly está em Indiana esta semana visitando sua avó ou


algo assim. E antes que você fale sobre qualquer outra pessoa,
Christa está trabalhando na sexta à noite, Harper vai estar com o
namorado como ela está a cada segundo de cada maldito dia, e
Lydia e eu não estamos mais nos falando desde quinta-feira
passada. Desculpe, chica, mas você é minha única opção.

— Adriana. — Eu aperto meu queixo. — Por favor, me poupe


disso.

Ela junta as mãos. — Vou ficar de joelhos e implorar, se for


preciso. Eu fico com o turno de fim de semana que você quiser. Eu
te pagarei. Vou te dar meu próximo pagamento integral.

— Não quero o seu dinheiro. E eu preciso dos meus turnos.

— Então qual é o problema? Está preocupada com o que você


vai vestir? Vá a minha casa e nos arrumaremos juntas. Podemos
ir a pé até lá e pedirei à minha irmã que nos busque quando ela
sair do trabalho.

— Sua irmã que trabalha como garçonete?

— Sim.
Levanto uma sobrancelha. — Ela não trabalha até as três da
manhã?

— Tudo bem. Vou ver se minha prima pode ir nos buscar. E


se ela não puder, vou pedir um Uber para nós. Isto é
melhor? Então, podemos sair quando você quiser.

— Adriana...

Ela coloca as mãos nos meus braços e dá um aperto suave. —


Por favor, Sher. Por favor. Uma hora da sua vida, é tudo que
peço. Eu nunca vou te pedir outra coisa enquanto eu
viver. Prometo.

A porta da frente se abre, os sinos tilintam e uma família


barulhenta de quatro pessoas entra, encerrando nossa conversa.

— Por favor? — Ela murmura para mim enquanto caminha


em direção aos clientes.

Ela não aceita um “não” como resposta. No final do dia, estou


travando uma batalha que não vencerei. Assim que fecharmos a
loja hoje, ela vai começar a explodir meu telefone. Ela é um pouco
psicótica às vezes, mas eu também meio que a amo. No pouco
tempo que trabalhamos juntas, ela se tornou uma das minhas
amigas mais próximas.

Talvez uma hora não me matasse...

O Senhor sabe que ela faria qualquer coisa por mim.

Eu parto para a faculdade em seis semanas. Passei os últimos


dezoito anos presa na jaula enferrujada que meus pais
construíram para mim no segundo em que vim a este mundo. Se
a noite passada me ensinou alguma coisa, é que a liberdade tem
um efeito estranho. É como entrar em uma terra estrangeira pela
primeira vez. É assustador e estimulante ao mesmo tempo.

Meu estômago embrulha com a ideia de mentir para meus


pais, mas eles não podem me manter presa dentro de sua bolha
protetora para sempre.

Além disso, sou uma adulta responsável.

Eu posso me cuidar em uma festa.

Respirando fundo, eu seguro o ar. E então eu o solto antes de


tomar uma decisão. Assim que Adriana terminar, darei a boa
notícia... se é que se pode chamar assim.

É uma hora de uma noite da minha vida - o que poderia dar


errado?
CAPÍTULO QUATRO

Sheridan

Adriana segura meu pulso com força enquanto me conduz por


um labirinto de pessoas bonitas, pessoas que claramente não são
de Meredith Hills porque ninguém que eu já tenha visto se parece
com isto.

Roupas concebidas para revelar corpos malhados.

Maquiagem brilhante acentuada por cílios esvoaçantes.

Tez bronzeada pelo sol e impecável.

Caras sem camisa, com abdominais dignos de outdoors de


grandes metrópoles.

Sou um rato de igreja pálido em comparação.

Meu vestidinho com estampa de girassol com decote redondo


dos anos noventa e camiseta por baixo foi definitivamente a
escolha errada para esta festa, mas estamos aqui e é tarde para
arrependimentos. Abençoe o coração de Adriana por não dizer
nada, embora ela provavelmente soubesse que não seria do seu
melhor interesse me dar qualquer tipo de ressalvas sobre vir aqui
hoje à noite.
Um cara que parece ter vinte e um anos (aproximadamente)
está atrás de um bar totalmente abastecido ao lado da cabana,
misturando bebidas e tirando tampas de garrafas de cerveja
enquanto balança a cabeça a tempo com a música explosiva do
salão rolando de alto-falantes escondidos ao redor da piscina.

A piscina em si está brilhando, as luzes mudando de turquesa


para lilás, para um branco intenso e vice-versa. Para onde quer
que me vire, as pessoas estão se beijando - ou mais. Tirando fotos.
Rindo. Perseguindo uns aos outros pelo jardim.

Enquanto eu estava aqui há menos de uma semana, tudo


parece diferente, tudo iluminado e cheio de vida.

Hoje à noite, é uma realidade totalmente diferente.

Um grupo de três caras com corpos de jogador de futebol


americano tomando shots de Deus sabe o quê, um deles me
olhando de cima a baixo antes de seu olhar desfocado pousar nas
costas de Adriana.

— Vamos lá, — ela me leva para mais perto do bar. — Minha


irmã diz que a melhor coisa que você pode fazer em uma festa é
entrar, parecer que está fazendo contato visual com alguém no
canto dos fundos e, em seguida, andar como se estivesse em uma
missão. A pior coisa que você pode fazer é ficar parada parecendo
toda tímida e estranha. — Estamos quase chegando ao barman
dançante. — Nós pertencemos aqui tanto quanto qualquer outra
pessoa. Dois runs com coca, por favor, — Adriana pede nossas
bebidas um segundo depois, gritando por cima da música
pulsante.
Eu não iria beber esta noite, mas acho que talvez algo pudesse
ajudar a tirar a tensão dos meus ombros e tirar o olhar amador do
meu rosto. Além de ter certeza de que Adriana não se meteria em
problemas, não me mataria se me divertisse de verdade esta noite.

— Et voila. — Ela me entrega um copo de plástico


transparente cheio de refrigerante marrom efervescente e dois
canudos finos. — Saúde!

Eu bato minha bebida contra a dela antes de tomar um gole,


e então luto contra o amargo estremecimento do meu rosto. Meu
cérebro esperava sentir o gosto de coca cola açucarada, apesar de
saber muito bem que haveria rum misturado.

— É bom, certo? — Adriana grita acima da música antes de


engolir um gole generoso.

Eu não sei sobre o bom...

É forte, com certeza.

— Mm hm. — Eu tomo um pequeno gole. O rum não tem o


gosto que eu imaginava. Mas também não sei como pensei que ia
ser. Quatro goles generosos depois, e já não tem gosto de muita
coisa.

— Vamos encontrar um lugar para sentar. — Adriana pega


minha mão e me puxa em direção a algumas espreguiçadeiras
vazias. — Eu quero ser observada pelas pessoas.

Tomo outro gole, meu corpo fica mais quente a cada segundo,
e examino meus arredores. Entre as garotas lindas e os caras
esculpidos, ainda não vi um sinal de August. Como anfitrião,
esperava que ele estivesse circulando, distribuindo cervejas
geladas, e geralmente agindo como o centro do universo.

Pensando bem, o homem não sorri, e dificilmente o chamaria


de anfitrião extrovertido. Provavelmente ele está curtindo com
duas garotas bonitas em algum quarto lá em cima. Tenho certeza
de que as garotas se atiram em cima dele, especialmente durante
uma ocasião como esta. Não é possível superar esse tipo de
ostentação - seria como ir a uma festa na Mansão da Playboy nos
anos sessenta e curtir com o próprio Hugh Hefner5.

— Oi. — Um cara de cabelo desgrenhado com um boné de


beisebol virado para trás se senta à nossa frente, sua atenção fixa
em Adriana. — Sou Isaac.

Ele dá um gole em uma garrafa de cerveja verde.

— Adriana. — Ela sorri, piscando seus cílios revestidos de


rímel antes de acenar para mim. — Essa é Sheridan.

— Você é nova aqui, — diz ele, falando apenas com ela.

Ela se inclina para trás, encolhendo os ombros e piscando. —


Que gentileza de sua parte prestar atenção...

— Acho que me lembraria de ver um rosto como o seu por


aqui. — Ele toma outro gole.

5
Hugh Hefner – Empresário americano fundador da revista Playboy, era conhecido por oferecer festas
lendárias na sua mansão, chamada Mansão da Playboy.
Eu sufoco uma risada. Esse cara é ruim e Adri recolhe cada
pedaço que ele deixa cair. Mas pelo menos ele é bonitinho.
Reconheço isso. Parece um rapaz de vinte anos de fraternidade,
mas no bom sentido.

— Você é de Meredith Hills? — Ele pergunta.

Ela acena com a cabeça. — Nascida e criada. Você?

Eu examino o quintal em busca de August


novamente. Durante toda a semana tentei imaginar como seria
nossa primeira interação esta noite. Toda vez que eu imaginava
como seria ficava em branco. As duas vezes que interagi com o
homem, ele não foi nada menos do que distante e insensível. Se
não me engano, acho que ainda está bravo com a invasão de
propriedade no último fim de semana. Mas se ficou realmente tão
chateado com isso, por que me convidou a vir aqui? Ele disse
literalmente “vocês duas deveriam ir” quando nos convidou para
sua festa. Vocês duas. Não apenas Adriana. Nós duas.

Minha mente gira, tonta de pensamentos. Ou talvez seja o


rum. Adriana vai até a cadeira de Isaac, completamente absorta
em tudo o que ele está tagarelando. Eu cuido da minha vida porque
ele me lembra o tipo de cara que é charmoso quando precisa
ser. Cabelo perfeito. Atenção focada. Espirituoso e
carismático. Muito bom para ser verdade. Mas não vou estragar a
paquera de Adri. Ela veio aqui para se divertir. Quem sou eu para
impedi-la?

Dito isso, estou oficialmente segurando vela.


Não que eu me importe, mas parece errado sentar aqui e girar
meus polegares enquanto os dois se olham com estrelas nos olhos
e sorrisos permanentes nos rostos.

— Adri, você quer outro? — Eu me levanto e agito meu copo


vazio.

Ela me dá um aceno de cabeça enquanto ouve atentamente


seu garoto da fraternidade, e eu vou direto ao bar. Quando eu
chego, sou a terceira na fila, atrás de uma garota pedindo quatro
drinks para ela e suas melhores amigas e um cara que parece estar
brigando por mensagem com alguém. Uma rápida olhada por cima
do meu ombro me garante que Adriana ainda está bem sem meus
serviços de babá.

— Próximo. — O barman chama quando é a minha vez. Peço


mais duas Cocas e rum antes de ver um pote transbordando na
borda. Merda. Cavando na minha bolsa, eu pesco meus últimos
cinco dólares e rezo para que eles sejam suficientes. Ele parece não
prestar atenção de uma forma ou de outra. Muito ocupado com a
música à medida que serve as bebidas. E quando termina, deixa
nossas bebidas no balcão e acena para a próxima pessoa.

Com bebidas na mão, eu me viro para voltar para Adriana -


apenas para dar de cara com um cara de camiseta cinza e jeans
rasgados.

As bebidas caem sobre nós - tanto de gelo como de tudo -


antes de pousar em uma piscina a nossos pés.

— Oh, Deus. Sinto muito. — Eu coloco minha mão sobre


minha boca, os olhos passando rapidamente para os dele.
E então meu estômago embrulha.

August.

Ele está congelado. As pessoas ao nosso redor começam a


notar, apontando, cutucando. Tenho certeza de que está
acostumado a ser o centro das atenções, mas não assim.

— Eu não vi você, — digo. À minha esquerda, alguém trota


em direção ao armário ao lado da cabana para pegar toalhas. As
mesmas toalhas que August me entregou no fim de semana
passado, quando saí de sua piscina nua.

O gentil convidado retorna com duas toalhas, mas levo


apenas um segundo para me certificar de que nenhuma
quantidade de enxugamento vai salvar meu vestido ou a mancha
gigante de coca cola escorrendo na frente.

A vários metros de distância, Adriana e Isaac estão em um


mundo à parte. Ainda extasiados. Não estamos aqui há meia hora
e ela acabou de conhecer um cara fofo, de jeito nenhum eu a faria
sair agora.

— Venha comigo, — diz August, acenando com a cabeça em


direção à casa.

— O quê?

— Venha comigo, — ele repete, embora não seja que eu não o


tenha ouvido da primeira vez. Estou apenas confusa.

Antes que eu possa protestar, ele está seguindo em direção ao


terraço de trás com sua camiseta molhada, e com a toalha
amarrotada na mão. E eu acelero atrás dele.
— Você é realmente um homem de poucas palavras, não é?
— Tento brincar com ele.

Ele abre uma porta e desaparece na escuridão da casa, sendo


engolido por um vazio. Entro atrás dele. O cheiro de couro e
madeira de cedro e do tempo enche meus pulmões. Esta casa tem
mais de cento e cinquenta anos de idade. Pelo menos é o que dizia
a placa junto ao portão da frente.

Construído em 1869.

Está na família Monreaux desde o dia em que alguém enfiou


uma pá em seu terreno. Minha casa não tem muita história. Foi
uma casa construída por um construtor dos anos setenta, que
tentava enfiar o maior número possível de casas de um andar num
terreno – por isso, eu posso ouvir com perfeita clareza meus
vizinhos brigando após o jantar todas as noites.

Ele me leva por um corredor escuro, para um conjunto de


escadas tão polidas que brilham no escuro, e assim que chegarmos
ao último andar, viramos à esquerda em outro corredor iluminado
por arandelas com luzes piscantes.

— Parece que estou em um filme ou algo assim, — eu digo,


com uma risadinha nervosa. Não acrescento que o dito filme seria
de terror. Algo com fantasmas e uma casa mal-assombrada. Não
quero ofendê-lo mais do que já fiz.

Em segundos, chegamos ao que só posso presumir que seja


seu quarto. Ou pelo menos é um quarto. Deve haver pelo menos
uma dúzia deles nesta casa, dada a sua enormidade.
August fecha a porta atrás de nós antes de acender uma
lâmpada em uma mesa. As cortinas de suas janelas estão abertas
e o luar e a festa de fora iluminam os arredores. Uma cama. Duas
mesinhas de cabeceira. Uma cômoda. Ainda não achei nada
pessoal. Nenhum troféu ou medalha. Nenhuma fotografia
emoldurada ou lembrança.

Entrando em seu closet, ele retorna com uma camiseta limpa


e uma camisa branca de botão, ambas parecendo impecáveis e
recém-engomadas.

— Aqui. — Ele me entrega a de botão.

— Tem certeza?

Ele exala. Irritado, eu acho. Quer dizer, é uma pergunta


idiota. Não teria me trazido para dentro e me oferecido roupas
limpas se não tivesse certeza.

— Obrigada. — Puxo a camisa pela cabeça, desabotoo os


últimos botões e amarro na cintura. A mancha no meu vestido está
quase toda coberta - mesmo que essa combinação de roupas seja
uma loucura.

Seu olhar me absorve. Não posso dizer se ele aprova, nem


posso dizer por que de repente isso é importante para mim...

Em um movimento fluido, ele arranca sua camiseta molhada,


joga-a na cama e coloca a limpa. Eu me forço a não olhar para seu
torso esculpido ou para o abdômen ondulado. Sem quebrar o
contato visual, penteia com os dedos suas ondas bagunçadas no
lugar.
— Isso é muito gentil da sua parte. — Eu aliso minha mão ao
longo da frente da camisa branca. — Vou lavá-la e devolvê-la na
próxima semana.

De alguma maneira...

Eu nem sei quanto custa a lavagem a seco. Nunca tive roupas


que não pudessem ser enfiadas na máquina de lavar com um
pouco de sabão em pó e penduradas no varal da mamãe.

— O que seus pais diriam se soubessem que você está aqui?


— Ele finalmente quebra o silêncio.

— Perdão?

— Você é a garota de Rich Rose. — Não é uma pergunta, e há


uma camada finita de nojo em seu tom, como lodo no fundo de um
lago cintilante.

Concordo. — Sou.

— Não consigo imaginar que seus pais ficariam maravilhados


em saber que você está aqui, — diz ele, acrescentando: — comigo.

— Você tem razão. Eles não ficariam.

A quietude paira entre nós como um lustre de cristal.

— E o seu? — Pergunto, antes de me segurar. Ele não tem


pais. Plural. Ele tem um pai. Singular. Minhas bochechas
queimam no escuro. Não há como consertar agora.

Seu olhar se estreita. — Meu pai teria seu segundo ataque


cardíaco, isso é certo. Ele provavelmente me deserdaria. No
mínimo, deserdaria. E minha mãe, bem, não tenho certeza do que
ela diria, já que não está aqui para dizer nada... e acho que nós
dois sabemos por quê.

Cubro meu coração com a palma da mão. — Eu sinto muito,


não estava pensando.

— Você é sempre tão apologética? — Ele se inclina no suporte


para os pés de sua cama, as mãos agarrando a madeira até que as
veias de seus antebraços saltem. — Tudo o que você fez desde que
invadiu minha vida foi se desculpar por cada pequena coisa.

— Só estou tentando ser educada. — Eu digo. — E você me


dá a impressão de que estou incomodando. Ou talvez apenas me
deixa nervosa. Não sei. Você tem uma vibração... muito distinta.

Ele aperta os olhos. — E que tipo de... vibração... seria?

Abro a boca para falar, mas não sai nada. Deus me ajude se
eu, sem querer, o insultar de novo.

— Olha, — eu digo. — Eu não deveria ter vindo nadar na outra


noite. Foi errado. Nunca fiz nada parecido antes. Veja, nosso ar-
condicionado quebrou na semana passada e você sabe que
estamos no meio dessa onda de calor, e a piscina pública estava
fechada para manutenção durante toda a semana e...

Ele levanta a mão para me silenciar. — Por favor, não me


insulte tentando justificar o que você fez.

— Bem, eu me desculparia, mas você não parece gostar de


desculpas, então...
— Não gosto de gente fraca. Se você vai ser uma idiota,
assuma isso.

— Eu não sou idiota. — Cruzo meus braços sobre o peito, a


cabeça inclinada. — Acho que é o oposto de ser uma idiota fraca
quando você é forte o suficiente para admitir que está errado.

Ele sorri. — Concordo em discordar.

Sua atenção passa rapidamente por meu ombro enquanto ele


verifica a festa abaixo.

— Nós provavelmente deveríamos voltar lá, — eu digo. —


Tenho certeza que eles estão sentindo sua falta.

Ele bufa. — Duvido.

Afastando-se da cama, ele vai até um pequeno armário no


canto do quarto, que eu rapidamente percebo que é algum tipo de
mini geladeira sofisticada disfarçada para parecer uma peça de
mobília. Quando retorna, ele me entrega uma garrafa de vidro
gelada com uma caveira no rótulo. Misfit Meredith IPA. Reconheço
a marca como a cervejaria local da cidade.

— Tome uma cerveja comigo primeiro, — diz ele.

Ele não quer descer.

Ele quer ficar aqui, neste quarto escuro e beber comigo.

Não entendo...

Tirando as chaves do bolso, ele tira um pequeno abridor de


garrafas para abrir nossas cervejas.
— Beba, garota Rose, — ele diz. — A noite é uma criança.

Por educação, tomo um gole. É amargo na minha língua e


cheira a uma versão mais cara da cerveja enlatada que meu pai
bebe depois do turno no fim de semana.

— Tem certeza que não quer voltar lá embaixo? — Eu


pergunto.

Ele toma um gole. — Positivo.

— Todo mundo está aqui para ver você, você sabe.

Ele revira os olhos cinza-aço. — Eles não estão aqui para me


ver. Eles estão aqui porque querem saber como é ser eu... mesmo
que apenas por uma noite.

— Sério? — Eu provoco. — Todos eles? Todas as pessoas lá


embaixo estão aqui porque querem ser você, August?

— Sim. Mesmo que sejam muito estúpidos para perceber isso.


— Ele não vacila, não perde o ritmo. Não parece nem um pouco
divertido. — Na superfície, eles querem cerveja grátis e algumas
fotos que possam postar que os deixem mais legais do que
são. Mas, no fundo, eles estão curiosos. Talvez um pouco
invejosos. Completamente alheios ao fato de estarem a ponto de
serem desnecessários.

— Isso não é jeito de falar sobre seus amigos. — Eu tomo um


gole, deixando as bolhas brincarem na minha língua.

— Amigos? Acho que não. Nunca tive um. — Ele bebe um gole
de cerveja, mantendo meu olhar cativo.
Reviro meus olhos. — Tanto faz. Você não foi, tipo, rei do baile
na sua escola ou algo assim há alguns anos atrás? Não pode me
dizer que não tem amigos.

— Eles são preenchedores de vazio. Nada mais nada menos.


— Ele captura meu pulso com a mão, gentilmente. E seu polegar
circula meu pulso, forçando-o a acelerar em resposta.

Eu me afasto.

— Eu deveria sentir pena de você? Pobre menino rico? Esse é


o seu truque? É assim que você consegue as garotas? — Mantenho
minhas palavras suaves e leves, mas quero dizer muito cada uma
delas.

— A última coisa de que preciso é sua simpatia. E


definitivamente não sou pobre. Não preciso disso... e, mesmo que
precisasse, não usaria para pegar garotas.

Sem aviso, ele segura o lado da minha bochecha. Um


movimento terno para alguém tão obscuro. Passo os dentes pelo
lábio inferior - um movimento de proteção, porque tenho certeza
de que ele está a segundos de tentar me devorar.

Não tenho a chance de dizer não a ele, no entanto, porque no


segundo que ele se inclina, a porta do quarto se abre e Adriana
aparece na porta.

— Meu Deus. Eu estava procurando por você, — ela diz,


alheia em como isso se parece. — Eu pensei que você tinha ido
embora ou algo assim.

— E aí? — Eu pergunto.
August dá um passo para trás, passando a mão pelo cabelo e
expirando.

— Aquele tal de Isaac é um idiota. Eu quero ir embora. — Ela


pega o telefone, a tela iluminando seu rosto na sala escura. —
Minha prima está a caminho para nos pegar. Ela estará aqui em
vinte minutos. Está pronta?

August e eu cruzamos os olhos, e juro que há um apelo


silencioso para que eu fique. Mas mesmo se eu quisesse, não
poderia. Eu vim aqui com Adriana. Estou saindo com
Adriana. Mas, mais importante do que isso, eu nunca poderia ficar
com um Monreaux.

— Ela vai te encontrar lá na frente em um segundo, — August


diz a ela, embora ele esteja olhando para mim.

As sobrancelhas escuras de Adri se erguem, como se ela


finalmente percebesse que estávamos aqui juntos, separados por
meros centímetros antes de ela entrar.

— Oh, — ela diz. — Oh. Hum, está bem ...

— Desço em um segundo, — eu prometo a ela.

— Está bem. — Adriana desaparece, fechando a porta atrás


dela.

— Você não está realmente indo embora, está? — Ele


pergunta.

— Claro que estou...


— Eu posso te dar uma carona para casa. — Ele toma um
gole de sua cerveja.

— Não é sobre isso.

Ele solta um forte suspiro, seu olhar se estreitando. — Bem,


isso é muito ruim, — diz ele. O luar da janela atrás de mim pinta
sombras suaves em seu rosto. Sob essa luz, ele não parece tão
intimidante. — Esperava poder conhecê-la um pouco mais.

— Sério? Você queria me conhecer? — Eu rio, usando aspas


no ar e revirando os olhos. — Porque algo me diz que você estava
querendo fazer um gol, — eu continuo. — E você e eu sabemos que
isso nunca vai acontecer em um milhão de anos.

— Por que não?

— Porque você é você e eu sou eu. Não acho que preciso


elaborar. — Coloco a garrafa de cerveja mal tocada em cima de
uma mesa de cabeceira e sigo para a porta. — Não é nada pessoal.

— Não insulte minha inteligência, garota Rose.

— Estou apenas expondo os fatos. Não é possível, não na


família em que nascemos. Não temos controle sobre o que nossos
pais fizeram ou não fizeram.

— Então, por que devemos sofrer as consequências? — Ele


pergunta.

Ele tem uma boa pergunta. Eu paro por um segundo. —


Porque amamos nossos pais. E nós respeitamos seus desejos.

Eu alcanço a maçaneta da porta quando ele se aproxima.


— Deve ser um inferno, — diz ele.

— O quê? — Eu paro no meio do caminho.

— Viver de acordo com as regras de outras pessoas o tempo


todo. Nunca fazendo o que você quer. Que desperdício de merda.
— Ele toma um gole, deixando sua língua acariciar a boca da
garrafa por uma fração de segundo.

— Adriana está esperando.

— Me passa seu telefone.

— O quê? Por que?

— Me dê seu telefone, garota Rose. — Ele estende a palma da


mão.

— Sinto muito, mas não. Não preciso do seu número. Eu não


tenho nenhuma razão para mandar uma mensagem para
você. Estou lisonjeada com sua confiança e seu ímpeto de desafiar
a autoridade ou o que quer que você queira com isso, mas isso sou
eu gentilmente declinando, — eu digo.

— Para a camisa, — ele diz. — Se você pudesse me enviar uma


mensagem quando estiver pronta, vou poder ir buscá-la.

Oh. Certo.

— É uma Baccarin de quatrocentos dólares, —


acrescenta. Não posso evitar, mas sinto que é a maneira de seu
ego magoado me fazer sentir como se uma camisa cara fosse mais
importante para ele do que me ver novamente. — E eu gostaria
dela de volta.
Sem outro protesto, eu pego meu telefone da minha bolsa e o
entrego. Quando ele devolve, eu descubro que programou seu
nome como ENEMY DEAREST6.

— Pronto, — ele diz. — Agora seus pais nunca saberão.

Meu estômago dá cambalhotas - não se trata da maldita


camisa.

Mas minha determinação endurece como aço.

Não posso me deixar levar pela bajulação. Não posso me


perder na tentação do proibido. Não posso sacrificar minha
lealdade em nome da curiosidade ou da rebelião barata.

— Vou entregar sua camisa de volta, — eu digo. E então saio,


navegando pelos corredores escuros e escadas brilhantes e
flutuando em direção ao som da festa até que estou banhada pelo
ar fresco e úmido da noite.

Um minuto depois, encontro Adriana esperando no portão.

— Tudo bem? — Ela pergunta.

— Eu deveria te perguntar a mesma coisa, — mudo de


assunto.

O Honda prateado de sua prima encosta e nós entramos. E,


durante o resto da viagem para casa, ela me conta como Isaac a
estava usando apenas para deixar a ex-namorada com ciúmes,

6
É o nome do livro. Significa em tradução literal ´´querido inimigo``.
como no segundo que ela apareceu, Adri passou a ser
insignificante. E então a prima dela nos levou pela cidade por uma
hora inteira, tocando música enquanto ela fumava com todas as
quatro janelas abertas.

Mas não consegui nem mesmo apreciar a distração - porque


tudo em que conseguia pensar... era em August - um enigma
proibido de um homem com tendência para o desafio e a
honestidade sem remorso.

Ele é diferente.

E não consigo parar de me perguntar o que poderia ter


acontecido se Adriana não tivesse invadido o quarto naquele exato
momento.

Ele teria me beijado?

Eu teria gostado?

E depois?

Afasto os pensamentos da minha cabeça e me concentro na


música sentimental de término de namoro tocando nos alto-
falantes minúsculos atrás de mim. Alimentar essas curiosidades é
frívolo e imprudente. Nada de bom pode advir de jogar o jogo do “e
se”.

Nada de bom virá de uma Rose e um Monreaux no mesmo


quarto juntos. Nascemos em duas forças opostas. Picante contra
suave. Escuro contra luz. Amor contra o medo. Fomos criados em
mundos completamente diferentes, com prioridades diferentes e
um sistema de crenças distinto incutido em nós desde o primeiro
dia.
Isso não vai acontecer de novo - nós dois sozinhos. Bebendo.
Flertando. Interagindo.

Não vou fazer isso com meus pais, com a trágica história de
minha família ou com meu coração.

Eu tenho muito a perder.


CAPÍTULO CINCO

August

Estou parado perto da gruta, com minha visão enfraquecendo


enquanto eu termino mais uma cerveja. Vendo duas garotas se
beijando, línguas e tudo, mas não consigo nem apreciar porque
tudo em que consigo pensar é em Sheridan.

Consideraria esta noite uma decepção, mas dificilmente


consideraria um fracasso.

Ela tem meu número.

E minha camisa.

Eu a verei novamente... em breve.

— Ei, você está bem? — Um dos meus supostos amigos, Trey,


dá um aperto em meu ombro, me puxando para fora do meu transe
de embriaguez. — Sinto como se não tivesse te visto a noite toda.

— Tire essas pessoas daqui. — Minhas palavras estão grossas


na minha boca. Preciso engolir um copo d'água, tomar um Advil e
ir para a cama. — A festa acabou.
Eu me levanto e tropeço em direção à casa, com meu corpo
entorpecido. Embora não seja nada novo. Não costumo sentir
muita coisa - sóbrio ou não.

— Mas ainda é cedo, — Trey grita atrás de mim.

Eu aceno minha mão, caminhando para dentro.

Trey é um velho profissional nisso, limpando a multidão,


sabendo quando eu terminei.

No momento em que chego ao meu quarto, a música foi


cortada. As luzes de segurança com qualidade de estádio se
acenderam e vozes abafadas ficam mais distantes a cada minuto.

Tirando meu telefone do bolso, jogo-o na cama antes de tirar


minhas roupas e cair em uma pilha em cima das cobertas. Com os
olhos pesados, luto contra a sonolência e desbloqueio minha
tela. Eu insiro meu código e abro cada conta de rede social que
possuo, fazendo buscas da minha esquiva garota Rose.

Para minha surpresa, nada é privado... embora ela não seja


exatamente ativa. Apenas um punhado de fotos são exibidas em
três aplicativos diferentes, quase nenhuma delas do ano passado.

Suspiro.

Eu largo meu telefone no travesseiro ao meu lado e fecho


meus olhos. Se esta noite for qualquer indicação de com quem
estou lidando, terei muito trabalho a fazer.

Mas, caramba, ela valerá a pena.


Um sorriso surge em meus lábios quando penso na expressão
no rosto de meu pai se ele soubesse que eu tinha a filha de Rich
em nossa propriedade - e pior - em meu quarto. Eu o imagino
gritando, com o rosto vermelho, sobre a responsabilidade que isso
seria para nós. Mas não se trata de desafiar ordens. Este não é um
ato rebelde.

Trata-se de tornar as coisas justas.

Há muito tempo, minha bela mãe estava viva e bem e meu pai
era um modelo de homem de família com uma reputação estelar.
Rich Rose tirou isso de nós. Ele destruiu o homem que meu pai
deveria ter sido, e roubou cada último pedaço de felicidade de
nossa família no dia em que matou minha mãe.

Sheridan não é nada mais do que um pequeno peão bonito.

Um meio para o fim.

Um coração que pretendo quebrar em um milhão de pedaços


irregulares.

Não vou machucá-la fisicamente. Francamente, esse não é


meu estilo.

Mas vou arruiná-la.

Vou arruiná-la para qualquer outro homem.

E quando ela correr para o papai enxugar as lágrimas, terei a


satisfação de saber que, desta vez, um Monreaux quebrou uma
Rose.
CAPÍTULO SEIS

Sheridan

— Bem, aí está ela! — Meu pai fala da cozinha no sábado de


manhã, quando chego da casa de Adriana. Achei que poderia
entrar sorrateiramente pela porta dos fundos - achei errado. —
Gostaria de saber se você iria chegar a tempo do café da
manhã. Está com fome?

O cheiro de sua famosa refeição única de fim de semana -


ovos mexidos, bacon e panquecas de canela - preenche o ar.

— Sheridan? — Mamãe grita quando eu não respondo


imediatamente.

Eu esperava passar por eles, óculos escuros sobre meus olhos


cansados, e mergulhar no chuveiro para lavar o cheiro de festa e
fumaça de cigarro do meu cabelo, infelizmente...

— Sim, já vou, — eu grito de volta. Correndo para o meu


quarto, eu tiro minhas roupas e ajeito minhas mechas bagunçadas
antes de amarrá-las em um coque alto.

Quando chego à cozinha alguns minutos depois, minha mãe


já preparou meu prato. Eles nunca vão me ver como uma
adulta. Para sempre serei o bebê. Seu único bebê.
— Você não precisava fazer isso... — eu digo a ela,
especialmente porque ela consome toda a energia que tem para
fazer seu próprio prato atualmente. Ela já está sem fôlego. — Mas
obrigada.

— Não vou conseguir fazer isso por muito mais tempo, — diz
ela, tomando um gole de café com um aperto trêmulo em sua
caneca. — Deixe-me aproveitar esses últimos fins de semana que
temos assim.

— Você age como se eu estivesse indo embora para sempre.


— Eu provoco. — Estarei literalmente a duas horas de
distância. Voltarei para casa o tempo todo, eu prometo.

— Isso é o que você diz agora, filha. — Papai pisca por trás de
seus óculos, seu cabelo com mechas grisalhas ainda úmido do
banho matinal.

Filha.

Enterro minha reação com uma mordida de ovo, afastando


pensamentos do que faria a eles se soubessem para onde fui ontem
à noite, o que fiz, com quem estive...

— Pensei que talvez pudéssemos ir às compras no próximo


fim de semana? — Mamãe diz. — Seu pai tem feito muitas horas
extras ultimamente... devemos conseguir mais algumas coisas
para o seu dormitório. Uma geladeira? Roupas novas? E você vai
precisar de chinelos para o banho. Sabe como essas coisas podem
ser sujas...

Eu estremeço com a ideia de trazer alguma doença estranha


ou fungo para a mamãe. Seu sistema imunológico está
enlouquecendo este ano, atacando a si mesmo e enfraquecendo
sua capacidade de lutar contra coisas como resfriados comuns.

Ela toma um gole de café, tagarelando sobre todas as coisas


da faculdade que ainda não compramos. Suas despesas médicas
aumentaram recentemente, tornando nosso orçamento mais
apertado do que o normal. Pelo menos é o que eu os ouvi dizer nos
últimos meses. Peguei alguns turnos extras na Priority Cellular por
esse motivo - então não seria um fardo para a carteira deles. O
Senhor sabe que eles precisam de uma coisa a menos para se
preocupar.

— Não tem que fazer isso. Ainda tenho todo o dinheiro da


minha formatura. — Todos os trezentos dólares. — E tenho
guardado meus salários.

Tenho alguns mil em minha conta bancária, o suficiente para


repartir durante o ano letivo, já que não estarei trabalhando. Deve
cobrir o gás e mantimentos e algumas necessidades básicas. Não
é muito, mas é o suficiente.

Eu me levanto para pegar um copo de suco de laranja. É


quase translúcido quando coloco no copo, como se alguém o
tivesse diluído para fazer durar mais tempo.

— Oh, querida. Nós insistimos. Este é praticamente um rito


de passagem para os pais. — Mamãe tenta amenizar isso.

Lanço um olhar para meu pai e ele acena com a


cabeça. Qualquer coisa para manter o amor de sua vida feliz.
— Talvez possamos fazer um dia inteiro disso? E podemos
comer naquele restaurante que você gosta com os rolinhos de
manteiga doce. — Mamãe levanta as sobrancelhas e sorri.

—Magnolia Lake? — Eu não vou lá há anos...

— É esse mesmo, — diz ela, com os olhos iluminados.

Íamos lá com mais frequência quando eu era criança. Mais


especificamente, na escola primária. Isso foi antes de papai perder
seu emprego de assistente de gerente noturno no frigorífico - e
antes que a condição da mamãe piorasse.

— Está de folga no próximo sábado? — Papai pergunta.

— Não, — eu digo. — Mas tenho quase certeza de que posso


conseguir que Adriana me substitua.

Afinal, ela me deve...

— Perfeito. — Papai se estica sobre a mesa, sua mão cobrindo


a de mamãe.

Tenho estado tão envolvida em meu próprio mundo


ultimamente com toda a emoção no horizonte, que não parei para
pensar sobre quanto do mundo deles será revirado quando eu
partir. Eles vão ficar bem comigo fora. Mas será um novo ajuste.

Eu sou o mundo inteiro deles.

Sempre fui. Sempre serei.

Quando eu tinha uns oito ou nove anos, ouvi mamãe


chorando com alguém no telefone um dia depois da escola. Como
sou intrometida, pressionei meu ouvido contra a porta e
escutei. Não tenho certeza com quem ela estava falando, mas a
ouvi dizer algo sobre “o bebê não teve batimentos cardíacos desta
vez”. E mais tarde naquele dia, lembro-me de ver lágrimas nos
olhos de meu pai após o jantar. Levei anos para juntar tudo - que
eles perderam um bebê. Embora eles nunca tenham confessado
isso para mim. Acho que não era o tipo de coisa que surgia em
conversas corriqueiras.

Sempre me perguntei se as coisas teriam sido diferentes se eu


não fosse filha única. E quando eu era criança, costumava pedir
um irmãozinho ou irmãzinha no Natal. Mas eles sempre me
disseram que eu era o suficiente, que eu era tudo o que eles sempre
quiseram e muito mais.

É muita pressão sobre uma pessoa.

Mas nunca vi de outra forma.

— Então, garota, — papai diz. — O que está na agenda para


hoje?

Estou prestes a responder quando meu telefone vibra no meu


colo. Tomando um gole rápido de suco aguado, eu roubo um olhar
- e quase engasgo.

ENEMY DEAREST: Bom dia, Sunshine. Avise-me quando


puder pegar minha camisa.

— Querida, você está bem? — Mamãe se inclina para dar um


tapinha nas minhas costas.
Como ele conseguiu meu número? Ele programou suas
informações no meu telefone ontem à noite... mas eu nunca dei a
ele o meu.

— Sim. — Eu tossi. — Engoli errado.

Eles me analisam. Eu rezo para que acreditem, comprem e


deixem pra lá.

Tomo outro gole. — Estou bem, estou bem.

A atenção deles permanece por mais um minuto interminável


até que meu pai finalmente muda de assunto para o trabalho no
quintal e colocar em dia sua lista de tarefas
pendentes. Terminando meu café da manhã em tempo recorde,
peço licença para ir ao meu quarto e leio sua mensagem
novamente.

Eu ando pelo pequeno espaço ao lado da minha cama antes


de reunir coragem para responder.

EU: Como você conseguiu meu número?

ENEMY DEAREST: Eu tenho meus meios, garota Rose...

EU: Sinceramente, estou um pouco assustada agora.

ENEMY DEAREST: Agradeço sua honestidade.

EU: Enfim, eu disse que entregaria sua camisa assim que


pudesse. Cheguei em casa há trinta minutos...

ENEMY DEAREST: A paciência nunca foi minha virtude.


EU: Vou mandar uma mensagem quando estiver pronta.

Três bolhas preenchem a tela antes de desaparecer, apenas


para serem substituídas por uma nova mensagem dois minutos
depois.

ENEMY DEAREST: O que você vai fazer no próximo fim de


semana?

EU: Estamos pegando pesado, não é?

ENEMY DEAREST – Prefere que eu pegue mais leve?

EU: Estarei ocupada.

ENEMY DEAREST: Mentirosa.

EU: Eu não minto.

ENEMY DEAREST: É seguro presumir que seus pais sabem


onde você estava ontem à noite, então?

EU: Você está entediado agora? É isso? Isso não parece mais
pela camisa para mim.

ENEMY DEAREST: Quero vê-la de novo.

Um nó se forma na minha garganta. E paro de andar.

EU: Literalmente me encontrou três vezes. Você está sempre


com sede?

ENEMY DEAREST: Não é sede, garota Rose. Curioso. Grande


diferença.
EU: Curioso sobre o quê?

ENEMY DEAREST: Gostaria de saber se todas as coisas que


ouvi sobre você são verdadeiras.

Exalando forte, eu afundo minha mente tentando pensar nos


tipos de rumores que poderiam girar em torno desta cidade sobre
mim. Eu sempre mantive minha cabeça baixa. Sempre andei no
caminho certo. Tenho tido vários empregos de meio período desde
o dia em que fiz 14 anos, ganhei uma bolsa de estudos integral
para a faculdade de enfermagem e me graduei entre os dez
primeiros da minha turma do ensino médio. A quantidade de
“namorados” que tive, posso contar em uma mão. E a pior coisa
que já fiz foi não deixar a porta aberta para alguém atrás de mim
- o que foi um acidente porque eu estava enviando mensagens no
meu telefone e não estava prestando atenção.

Sou praticamente uma santa moderna para os padrões de


algumas pessoas. Virgem e tudo.

EU: Você está blefando. Boa tentativa.

ENEMY DEAREST: Você namorou Brett Rathburn ano


passado.

EU: Sim, eu e, tipo, metade da escola. Seu argumento?

ENEMY DEAREST: Só estou dizendo, as pessoas falam.

EU: Então?

ENEMY DEAREST: Quero saber se o que dizem é verdade.


Eu puxo meu laço do cabelo, ando pelo quarto e refaço meu
coque antes de responder. Este homem tem um objetivo. Só não
sei o que é. Ele está tentando me irritar, tentando me manter
envolvida nesta conversa boba.

Mas para quê?

Eu desabo no pé da cama e pego meu telefone novamente.

EU: Não sei que jogo você está tentando jogar, mas nunca sou
do tipo competitiva, então vou desistir desse. Enviarei uma
mensagem quando sua camisa estiver pronta. Tchau.

Espero até que minha mensagem mostre que foi entregue.

Nenhum ponto ou bolhas colorem a tela.

Em vez de uma resposta inteligente, ele me deu o silêncio.

Interessante...

Tomo banho e lavo os eventos das últimas vinte e quatro


horas do meu cabelo - mas os pensamentos permanecem.

Dois em particular.

Quem é August Monreaux? Quero dizer, quem é ele


realmente?

E o que ele quer comigo?


CAPÍTULO SETE

August

A área da piscina praticamente brilha na manhã de


sábado. Trent e sua equipe fizeram um bom trabalho. Não consigo
nem dizer que havia uma única alma chapada aqui ontem à
noite. Nem um copo enrugado. Nem uma garrafa de cerveja
quebrada. Nem um único sutiã de seda pendurado nas costas de
uma poltrona.

Impecável.

Como se nunca tivesse acontecido.

Como se tudo fosse um sonho.

Só que não foi. Apesar do meu estado de embriaguez, as


lembranças de ontem à noite chegam com uma clareza cristalina,
desde a segunda vez em que Sheridan Rose visitou o local, de braço
dado com o furacão que é sua melhor amiga, até o momento em
que ela saiu de minha casa como a porra da Cinderela ao cair da
noite.

Eu coloco meus óculos escuros sobre meus olhos e reclino


enquanto o sol do meio da manhã bate forte. Papai e sua mais nova
namorada do mês estão em mais uma aventura de fim de semana
em algum lugar caro.

A imagem de meu pai em sua Ferrari vermelha da crise de


meia-idade com sua namorada de vinte e dois anos no braço faz a
bile revirar em meu estômago. Vincent Monreaux, é
indiscutivelmente um dos empresários mais poderosos do
Missouri e dos estados vizinhos, e é um clichê ambulante.

Nunca fui um sonhador, mas às vezes me pego imaginando


como teria sido nossa família se minha mãe e minha irmã tivessem
sobrevivido. Seríamos um daqueles tipos alegres que realmente
jantam ao redor de uma mesa e brincam de Scrabble7 e têm piadas
internas e retratos de família na parede?

Ou minha mãe faria compras todos os dias enquanto meu pai


se afoga em um copo de álcool importado.

É fácil idealizar o que poderia ter sido, o que deveria ter sido.

Talvez não tivéssemos sido felizes ou perfeitos, mas seríamos


algo mais do que uma dinastia familiar disfuncional. Todo o
dinheiro que um homem pode precisar e mais um pouco - e toda
a miséria que vem com ele.

Se as pessoas por aqui já não têm medo de nós, elas estão


xingando nosso nome. Meu pai desistiu de doar milhões para
instituições de caridade anos atrás porque nunca foi suficiente
para deter os rumores. Nada que ele pudesse fazer funcionava para

7
Scrabble é basicamente o jogo de palavras cruzadas, o que permite jogar com toda família e em todas as
idades.
nos pintar de uma maneira diferente, então ele parou de se
importar.

Meu telefone toca na mesa ao meu lado. Eu não tenho o


hábito de trocar mensagens, mas hoje estou abrindo uma exceção.

Soltei um suspiro.

Não era quem eu esperava que fosse.

SOREN: Guardei uns ingressos. Como você está? Faz um


tempo que não ouço falar de você...

Meu irmão mais velho - o farol perfeito e brilhante da família


e o orgulho e a alegria de meu pai - é uma celebridade genuína no
mundo da música. Eu perdi a conta, anos atrás, de quantos
álbuns de platina e singles número um ele acumulou.

Quando o resto do mundo olha para ele, eles veem um Deus


do rock.

Eu? Eu vejo o único irmão mais velho que consigo suportar.

Para um Monreaux, ele não é tão ruim.

Eu: Ocupado. O de sempre. Papai me fez “estagiar”


novamente neste verão.

Para fins fiscais, nosso pai chama de estágio. Mas se o IRS8


soubesse que eu me sentava em um escritório de canto, assistia

8
IRS - O Internal Revenue Service é um serviço de receita do Governo Federal dos Estados Unidos.
pornografia feminina e me masturbava o dia todo, eu não acho que
eles ficariam entusiasmados.

SOREN: Você sempre pode “estagiar” com a banda...

EU: A vida na estrada não é pra mim.

Sem mencionar que eu nunca precisei arranjar uma bunda


às custas dele, e não estou prestes a começar. Além disso, as
groupies são notoriamente dominadas por DSTs e alguém sempre
acaba engravidando de um bebê misterioso.

Não é a minha praia.

SOREN: Que bom que você finalmente vem para um


show. Quem você está trazendo?

EU: Não tenho certeza.

Vai ser Sheridan. Cem por cento de certeza, porra. Ela está
indo, mesmo que ainda não saiba.

SOREN: Legal, legal. Vou mandar meu gerente mandar para


você o código dos ingressos. Vai ser bom te ver, cara.

Eu estava na metade do ensino médio quando Soren assinou


com uma gravadora de primeira linha de Los Angeles. Ele estava
na faculdade, tocando seu violão nas noites de microfone aberto e
nos cafés por nada mais do que o que uns poucos universitários
falidos conseguiam jogar em seu frasco de gorjetas. Mas o
problema de Soren é que ele não estava à procura de fama. E Deus
sabe que ele não precisava da fortuna.

Ele era apenas puro talento bruto.


É uma pena que não conseguiu manter seu nome. Algum
figurão de meia-idade calvo sugeriu o fonético MUNRO. Tudo em
maiúsculo, para se destacar ainda mais porque atrairia a
população da Geração Z. E isso foi tudo o que Soren precisou para
assinar na linha pontilhada.

Estou feliz por ele.

Mesmo que ele seja um estranho para mim atualmente.

Não somos próximos, porém, não sou próximo de ninguém.

Eu coloco meu telefone na mesa lateral e estico meus braços


atrás da minha cabeça, aquecendo-me com o calor da manhã. Vou
dar a Sheridan mais alguns dias. Peguei pesado esta manhã,
embora não tivesse escolha. Sutil não vai funcionar com essa
garota. Mas no meio da semana, colocarei o convite no colo
dela. Ingressos na primeira fila para um show esgotado com passe
livre para os bastidores... não tem como ela dizer não, mesmo que
me odeie.

Mas, por agora, vou dar a ela algum tempo para sentir minha
falta... para se perguntar... e se?
CAPÍTULO OITO

Sheridan

— É impressão minha ou August Monreaux parece sempre


odiar a vida? — Adriana enfia o telefone na minha mão na quarta-
feira depois que fechamos a loja.

— Por que você está procurando August Monreaux?

— Não estou, — ela diz. — Eu estava tentando encontrar


aquele cara Isaac e por acaso o vi em suas fotos. Eles estudaram
juntos no ensino médio.

Caminhamos até nossos carros, estacionados lado a lado no


estacionamento dos fundos. — E por que você está procurando
Isaac? Achei que ele usou você para deixar a namorada com
ciúmes ou algo assim?

— Ele fez. Mas eu sou intrometida. Você sabe disso. Eu só


queria ver contra o que estava lutando. Eu não dei uma boa olhada
nela na festa porque ele estava chupando a cara dela como um
maldito aspirador.

— Ai, credo. — Eu aponto meu chaveiro para o meu carro. —


Diga-me que você não vai mandar mensagem para ele.
— Deus, não. — Ela muda para outra foto. — Olha, aqui está
ele de novo. E parece miserável.

— August? — Eu inspeciono esta foto. Um bando de caras


com camisetas de futebol está em um semicírculo, seus braços
musculosos em volta um do outro.

Todo mundo está sorrindo - exceto ele.

— Ele é definitivamente diferente, — eu digo.

— Você ainda está com a camisa dele?

— Está na lavanderia. — Surpreendentemente, o custo para


lavar a seco uma camisa social não é muito diferente do custo de
um Frappuccino de baunilha - que eu realmente poderia usar
agora porque estou me arrastando. Nosso ar-condicionado ainda
está quebrado, então o sono tem sido uma bagunça suada de
tentativa e erro. Papai afirma que vai consertar ele mesmo. Mamãe
continua alegando que a onda de calor está quase acabando, me
lembrando que isso não é normal mesmo para os padrões do sul
do Missouri. Estou apenas esperando pela noite em que poderei
dormir sem um ventilador raquítico soprando ar quente em
mim. — Eu te disse que ele me mandou uma mensagem no sábado
passado?

Ficamos paradas na frente do meu carro.

— Hum, não! — Sua mandíbula trava. — O que ele queria?

— A camisa. — Eu rio e faço aspas no ar.


Adriana aperta os olhos. — ECA. Por que os caras têm que ser
tão transparentes? Posso ver através disso a um quilômetro de
distância. Ele só quer sua bunda.

Felizmente, Adriana não conhece a história de nossas


famílias. Embora ela seja uma moradora local, ela não é uma local
informada. Algumas pessoas por aqui se consideram historiadores
oficiais da cidade. Seus pais são de Rhode Island e se mudaram
para cá quando Adri não tinha nem um ano de idade. Há muita
coisa que eles não sabem, muita coisa que provavelmente nem se
importam de saber.

— Então você vai fazer isso? — Ela pergunta. — Vai ficar com
ele?

— Claro, que não.

— Droga. Quero dizer... se você quiser que eu marque um pelo


time. — Ela pisca.

— Se você o quiser, ele é todo seu. — Eu levanto minhas mãos


em sinal de rendição.

— Sério?

— Totalmente. Ele não é meu tipo. De jeito nenhum. Nem de


longe, — eu digo. — Acho que é o cabelo comprido.

E as tatuagens. E o piercing no nariz. E o sobrenome.

— Sério? Ele é, tipo, o sonho molhado de qualquer garota. —


Seus olhos se arregalam e ela me analisa, como se eu estivesse
brincando. — Então, se você gosta daqueles meninos bonzinhos,
você que sabe.
Bocejando e os olhos lacrimejando, eu digo: — Eu deveria ir.

— Sim, sim.

— Você ainda está me dando cobertura no sábado, certo? —


Meus pais ficariam de coração partido se tivéssemos que cancelar
nossos planos de compras da tarde.

— Das oito às quatro. Estarei aqui. Boa noite, querida. — Ela


vai até a porta do motorista e entra. O motor de seu pequeno Dodge
azul liga com um ronronar, e ela conecta o telefone no carregador
antes de sair.

No caminho para casa, paro para abastecer o carro. E quando


encosto na garagem, permaneço sentada em meu carro,
aproveitando o ar condicionado, por uns bons dez minutos. No
segundo em que entro, vou derreter como uma poça. Ontem à noite
o termostato indicava trinta graus na hora de dormir. Já estou
prestes a consertar o aparelho eu mesma.

— Ei, mamãe, — eu chamo da porta da frente quando


finalmente entro. Tiro os sapatos e vou para a sala de estar, onde
a TV pisca em sua pele pálida. Os créditos rolam na tela. Outro
filme do Lifetime. Eu juro que ela já deve ter visto todos eles. — O
que você assistiu? Alguma coisa boa?

— Dancing with Danger, — ela diz. Seus olhos brilham do jeito


que sempre acendem quando ela não está mais sozinha. — Eu
daria um A menos.

Sento-me ao seu lado e ela estende o cobertor até cobrir nosso


colo. Às vezes fico triste pensando nela assim - sentada aqui
assistindo TV o dia todo como um zumbi, mal conseguindo se
locomover. Viver para aqueles momentos em que meu pai ou eu
voltamos para casa para que ela tenha companhia
novamente. Então penso em todas as perdas e infortúnios que
cobriram sua vida em seus quarenta e tantos anos e como ela
ainda consegue sorrir, sem nunca se queixar ou sentir pena de si
mesma.

Eu me recuso a acreditar que a vida vai jorrar merdas sobre


ela assim para sempre.

Tem que melhorar.

— Mamãe, você não está com calor? — Eu pergunto,


empurrando-o suavemente do meu colo. — Estou dentro de casa
há menos de um minuto e já estou suando.

Ela franze a testa. — Na verdade, não. Eu estava com um


pouco de frio.

— Você não vai ficar doente de novo, não é? — Não sei como
ela pode ficar doente - ela nunca sai de casa. Papai ou eu devemos
ter trazido algo de novo...

— Estou bem. Talvez eu esteja um pouco acostumada a este


calor. — Ela força um sorriso que eu desesperadamente quero
acreditar. Mas nós duas sabemos que foi exatamente isso o que
aconteceu da última vez que ela adoeceu. Tudo começou com
calafrios e terminou com ela no hospital com um sistema
imunológico enlouquecido.

Mamãe boceja e eu sugiro que ela vá para a cama, mas ela vai
direto para o noticiário. Que Deus a ajude se ela não assistir ao
noticiário das nove todas as noites.
Ficamos sentadas em silêncio, ouvindo sobre o tempo e
algumas entrevistas com uma professora de jardim de infância
local que doou cem cachecóis de tricô para uma escola no
Alasca. Depois, há a matéria sobre o acidente com trinta e dois
carros na rodovia na hora do rush. Sem mortes, graças a
Deus. Mas é o próximo segmento que envia um arrepio ao ar
úmido.

— O empresário local de Meredith Hills, Vincent Monreaux da


Monreaux Corporation, adquiriu recentemente a Starfire Granite and
Quarry em Emmetville em um acordo histórico... — relata o bonito
âncora do jornal.

Mamãe levanta o controle remoto para mudar de canal


enquanto uma imagem de Vincent Monreaux, um homem um
pouco grisalho com o mesmo olhar cinza malicioso de August,
enche a tela. Sua mão treme e seu fôlego dispara.

— Mamãe... — digo, tentando acalmá-la.

— Bastardo cruel, — ela fala com os dentes cerrados. Caso


não tenha cuidado, vai entrar em outro episódio. O nervo vago dela
é fininho. Às vezes, leva o menor aborrecimento para fazê-la
desmaiar por alguns segundos. Algumas pessoas reagem ao
estresse com um aumento de adrenalina, mas o cérebro da mamãe
tem o poder de fazer com que toda a operação seja interrompida.

A notícia termina quase tão logo começou. Eles estão


discutindo uma feira de profissões da faculdade comunitária local.

— Não o deixe ter esse poder sobre você. — Eu coloco a mão


sobre a dela.
Ela puxa uma respiração entrecortada, os olhos fixos na tela
como se estivesse assistindo, mas não prestando atenção. Perdida
em pensamentos, talvez. Não é sempre que temos a oportunidade
de discutir a família Monreaux, mas com todas as minhas
incursões com August ultimamente, eu teria que ser negligente
para não aproveitar o momento.

— Por que você e papai não saíram de Meredith Hills? — Eu


pergunto. — Depois de tudo o que aconteceu?

Ela não responde imediatamente. Em vez disso, seu olhar cai


para o colo enquanto puxa um fio de seu cobertor.

— Seu pai é orgulhoso demais para ser expulso da cidade com


o rabo entre as pernas, — diz ela. — Além disso, o defensor público
disse que fugir só o faria parecer culpado. E nós dois sabemos que
seu pai é tão inocente quanto no dia em que nasceu. Ele nunca
machucou uma alma.

— Sim, mas vocês não sentem como se estivessem vivendo


nesta sombra dolorosa nos últimos vinte anos?

Virando-se para mim, seus olhos estão cheios de uma


centelha de clareza. — Não. Esta é a nossa casa. Nós crescemos
aqui, seus avós cresceram aqui. Queríamos criar nossa família
aqui, e foi exatamente isso que fizemos. Não vivemos à sombra de
ninguém.

Eu não falo sobre minha tia. Respirar o nome dela é uma


maneira infalível de trazer lágrimas aos olhos de mamãe, e ela já
está agitada o suficiente.
— Você já tomou seus remédios da noite, mamãe? — Eu mudo
de assunto.

— Ainda não.

Eu pulo e vou para a cozinha, pegando cinco comprimidos de


seu organizador e um copo de água da torneira. Um minuto depois,
estou ajudando-a a ir para a cama.

— Boa noite, mamãe. — Eu beijo sua testa e puxo seus


cobertores. Sua pele está fria sob meus lábios e ela estremece. —
Descanse um pouco, ok? Temos grandes planos para sábado.

Ela consegue sorrir antes de segurar minha bochecha. — Não


perderia por nada no mundo, querida.

Mamãe sai de casa uma vez, talvez duas vezes por mês. É
sempre um esforço exaustivo, mas ver o sorriso que isso coloca em
seu rosto faz com que tudo valha a pena. Mesmo que apenas por
algumas horas, podemos fingir que somos apenas uma família
normal, fazendo o tipo de coisas que a maioria das famílias
considera garantidas.

Fecho a porta dela atrás de mim e sigo para o meu quarto,


verificando meu telefone enquanto tropeço pelo corredor abafado.

Já se passaram quatro dias desde que tive notícias de


August. Ele veio tão contundente e então... silêncio.

Talvez tudo isso seja um jogo para ele.

Alguns caras se divertem mexendo com a cabeça das garotas.


Ou talvez percebeu que eu não seria uma trepada fácil e
encontrou outra para perseguir.

Uma hora depois, ainda estou bem acordada, úmida com uma
fina camada de suor e olhando para o teto. O sorriso branco como
gelo de Vincent Monreaux permanece em minha cabeça junto com
aqueles olhos cinzentos penetrantes e familiares. E a maneira
como ela reagiu - com ansiedade potente e virulenta. Isso só criou
mais perguntas - perguntas que eu não poderia fazer a ela por
medo de piorar as coisas.

Muito parecido com o bebê que eles perderam há tantos anos,


não posso deixar de me perguntar que outras coisas eles deixaram
de me dizer ao longo dos anos. O que mais foi encoberto e reescrito
para deixar o passado doloroso profundamente enterrado?

Sentando-me ereta, e me lembro... há um álbum na sala de


estar.

Mamãe chama isso de memento mori9 - uma lembrança da


morte e da mortalidade. Uma espécie de santuário para minha tia
Cynthia. Embora ela sempre me peça para não o tocar. Mas isso
foi antes, quando eu era muito pequena para entender.

Indo na ponta dos pés para a sala de estar, pego o álbum de


fotos cor de pêssego desbotado do armário da TV e acendo o abajur
ao lado da mesa.

9
Saudação latina que monges católicos usam no mosteiro que significa “se lembre que você também vai
morrer” como exercício diário de aceitação da morte.
Posso contar o número de vezes que meus pais discutiram a
morte de Cynthia na minha frente. No começo, era porque eu era
muito pequena. Mais tarde, foi porque era muito doloroso
desencaixotar essas memórias. Eu nunca bisbilhotei. Nem uma
vez senti a necessidade de cavar. Eu sabia o que precisava saber -
que Vincent Monreaux matou minha tia e as autoridades locais
ajudaram a encobrir porque seu pai pagou.

Não censuro os meus pais por não terem tido esse tipo de
conversa comigo. Eles já tinham vivido isso uma vez. Não
precisavam passar por tudo de novo por minha causa. Mas há
lacunas naquilo que sei. Em toda a minha vida, nunca me foi dado
o cenário completo.

Sentando no sofá, abro o álbum, imediatamente saudado com


a imagem suave e doce do retrato escolar de tia Cynthia. Está
desbotado e as cores um pouco apagadas, como se alguém tivesse
colocado um filtro do Instagram nele, embora não seja nada além
do tempo.

Fico olhando para suas feições, memorizando-as e tentando


determinar se realmente nos parecemos. Já vi essa foto antes na
casa dos meus avós. Papai diz que sou sua imagem
cuspida. Embora eu tenha herdado mais o lado dos
Rose. Compartilhamos as mesmas ondas loiras. Os mesmos olhos
azuis profundos do oceano. O mesmo queixo pontudo e nariz
ligeiramente arrebitado.

Gostaria de ter tido a chance de conhecê-la.

Mamãe disse que tia Cynthia tinha o tipo de personalidade


que entrava na sala antes dela. E a gargalhada mais
contagiante. Pernas longas também. Ela disse que todos os
meninos queriam namorar Cynthia, mas ela queria Vincent - o
melhor amigo de seu irmão.

Inalando, viro a página, apenas para encontrar um obituário


de jornal recortado.

CYNTHIA GLADYS ROSE. IDADE 17.

Cynthia Gladys Rose faleceu inesperadamente na quinta-feira,


18 de outubro. Uma aluna do segundo ano da Clark High School,
Cynthia destacou-se nas artes dramáticas, com uma afinidade
particular pelo teatro e pelo clube de debate. Seus passatempos
favoritos incluíam verões na casa dos avós em Vermont e viagens
anuais de acampamento com a família nas terras áridas de Dakota
do Sul. Cynthia havia recentemente visitado a Great Western State
University, com planos futuros para se inscrever em seu programa
de direito.

Ela deixa para trás seus pais, Lorelai e Conrad, seu irmão,
Rich. Seus avós paternos e maternos. Quinze primos, uma série de
amigos íntimos e sua amada cadela Terrier, Winnie.

Meus olhos ardem com lágrimas que eu limpo no segundo em


que deslizam pelo meu rosto.

Minha pobre e doce tia. Não é justo que ela não tenha sido
capaz de viver o suficiente para chegar à idade adulta. Ou que sua
vida seja resumida em dois breves parágrafos.

Meu coração aperta e dói por meus pais, por meus avós, por
Cynthia.

Respirando fundo, passo a página para outro artigo


recortado. Breve e elusivo.
O corpo de uma moradora local foi descoberto na pedreira de
Monreaux na noite de sábado. A polícia determinou que a causa da
morte foi estrangulamento. Uma investigação está em andamento e
nenhum suspeito foi oficialmente nomeado.

O próximo artigo está enrugado e manchado. Lágrimas,


talvez?

A polícia identificou a vítima do homicídio da semana passada


como Cynthia Rose, de 17 anos, aluna do segundo ano da Clark
High School. O legista do condado confirmou a causa da morte dela
como estrangulamento. O chefe de polícia Rod Holbach declara:
“Reduzimos nossa lista de suspeitos na semana passada e estou
confiante de que o assassino de Cynthia logo será levado à justiça”.

Meu estômago embrulha quando chego à quarta página do


álbum - uma foto do meu pai junto com a manchete: HOMEM
LOCAL É PRESO POR HOMICIDIO DE ADOLSCENTE EM
MEREDITH HILLS.

A polícia de Meredith Hills fez uma prisão pelo assassinato de


Cynthia Rose, de dezessete anos. Após uma investigação completa,
eles determinaram que a Srta. Rose foi atraída para a pedreira por
seu irmão mais velho, Rich, onde teve uma desavença física e ela
foi então estrangulada. Uma testemunha confirmou que os dois não
estavam se falando e estavam disputando a propriedade de um
item de bem pessoal. Várias testemunhas também disseram que,
na noite do homicídio, Rich Rose havia usado substâncias ilegais
em uma festa local. Imagens de vigilância da Monreaux Quarry
mostram a picape Ford 1986 azul e branca pertencente a Rich Rose
na cena do crime.
Todos esses anos, nenhuma vez meus pais me disseram que
meu pai foi realmente preso pelo assassinato de Cynthia...

Conhecendo meu pai e o tipo de homem que ele é - e não


tenho dúvidas sobre o quanto ele amava sua irmã mais nova - ele
não seria capaz de fazer algo assim.

Não preciso ler outro artigo recortado para saber que meu pai
é inocente, que foi incriminado.

Mesmo assim, estou faminta por informações. Para juntar e


dar sentido a todas as coisas que eu não sabia até agora. Mas ao
passar para a próxima página, os faróis de meu pai enchem a
janela da sala de estar.

Ele está em casa mais cedo.

Meu estômago se revira e eu saio do meu lugar confortável.

Fechando o álbum, eu o coloco de volta no armário da TV,


apago a luz e vou para o meu quarto.

Faz sentido agora - sua superproteção ao longo dos anos. Eles


devem ter ficado com medo de me perder como perderam minha
tia. E, sabendo do que os Monreauxs eram capazes de fazer e o
poder que detinham sobre a aplicação da lei local, eu entendo suas
intenções.

Todos aqueles olhares trocados que eu nunca consegui


interpretar, finalmente fizeram sentido. Seu tom abafado sempre
que discutiam vagamente aquele período sombrio de suas vidas
agora é compreensível. Os motivos pelos quais fui alertada para
ficar longe daquela família a todo custo...
Meu estômago dá um nó, eu deito em cima das minhas
cobertas quentes, o ar quente soprando em meu rosto do
ventilador na minha cômoda.

Eu nunca deveria ter entrado na piscina dele.

Eu nunca deveria ter ido a essa festa.

E eu com certeza nunca deveria ter dado a ele meu número.

Meus pais estavam certos – os Monreauxs não são confiáveis.


CAPÍTULO NOVE

August

— Bom dia, August, — a recepcionista de cabelos brancos no


saguão da frente me cumprimenta na manhã de quinta-feira. Ela
não aponta o fato de que estou noventa minutos atrasado ou que
meu pai cagaria um tijolo ao me ver com a camisa para fora da
calça. Ele adora me lembrar que sou um “profissional em
exercício", seja lá o que for que isso significa.

— Bom dia, Rhonda. — Eu sigo para o elevador, óculos de sol


ainda cobrindo meus olhos. Acho que ajuda a evitar contato visual
e conversa fiada desconfortável.

Eu detesto conversa fiada.

Chego ao meu escritório de canto com a mesa de mogno


genérica, a cadeira de couro dura e o iMac da empresa e fecho as
persianas de madeira.

Não estou aqui por escolha própria.

Meu pai exige que eu mostre meu rosto no mínimo vinte horas
por semana para que ele possa descontar meu “estágio” em seus
impostos corporativos, mas pelo lado positivo, eu ganho um
punhado de créditos universitários por literalmente não fazer
nada, então não é a pior coisa do mundo.

Verificando a fechadura da porta, volto para o meu lugar


designado e abro um navegador privado no meu telefone. Esta
semana, estive à caça de uma cam girl10 com aparência de
Sheridan, mas todos os sites que encontrei foram um beco sem
saída.

Eu bato na imagem de uma loira de lábios carnudos com seios


naturais em forma de lágrima quando uma mensagem aparece na
minha tela.

GAROTA ROSE: Sua camisa está pronta. Está no Budget


Cleaners, na Broadway. Eu já paguei. Você pode pegar quando
quiser. Obrigada novamente por me emprestar.

Whoa, whoa, whoa.

EU: Eu estava esperando uma entrega pessoal.

GAROTA ROSE: Desculpe desapontá-lo. Foi uma semana


ocupada. Se cuide!

Eu suspiro, girando na minha cadeira, o joelho saltando


enquanto eu pondero meu próximo movimento. Uma onda de
adrenalina passa por mim, do jeito que costumava acontecer
quando eu corria para o campo de futebol antes de um grande

10
Uma modelo de webcam, também conhecida como camgirl para as mulheres e camboy para os homens, é
um modelo que atua na Internet através de imagens de webcam ao vivo. Um modelo de webcam geralmente
realiza serviços sexuais em troca de dinheiro, bens ou atenção.
jogo. Pura determinação. Analiso o mapeamento na minha cabeça
em tempo real.

EU: A banda do meu irmão está na cidade no sábado. Eu


tenho um ingresso extra.

GAROTA ROSE: Que divertido para você!

EU: Venha comigo.

GAROTA ROSE: Eu te disse outro dia, tenho planos.

EU: E eu disse que não acredito em você. Esteja pronta para


ir as 7. Eu pego você.

GAROTA ROSE: Não estou mentindo. Eu tenho


planos. Passeio em família.

Eu expiro com os dentes cerrados.

EU: Certamente você pode resolver isso e voltar a tempo para


o show? Odiaria que você perdesse...

EU: Show esgotado.

EU: As pessoas estão pagando até três mil por ingresso.

EU: Primeira fila. Central. Backstage.

Não é meu estilo disparar tantas mensagens em sequência


sem obter uma resposta, mas isso é para dar ênfase. Vou explodir
a porra do telefone dela se isso significar fazê-la dizer sim. Além
disso, eu não conheço uma única merda de alma que não chuparia
um caminhão de pau por um ingresso da MUNRO. Eles são a
banda mais quente do mundo, seus fãs são loucos e suas turnês
esgotam em poucas horas.

GAROTA ROSE: Parece incrível. Mas eu te disse, não


posso. Obrigada mesmo assim.

EU: Não pode ou não quer?

Eu espero.

E espero.

Cinco minutos se transformam em quinze. Quinze se


transformam em vinte. Vinte se transforma em uma merda de
hora.

Ela não só me deixou no vácuo...

Normalmente, eu não faria algo tão desesperado, mas escrevo


outra mensagem para ela, desta vez usando uma abordagem mais
suave.

EU: Eu sei que estou pegando pesado. Fui chamado de


intenso uma ou duas vezes, e vou assumir isso até o dia da minha
morte. Mas estou curioso sobre você, e então você simplesmente
entrou na minha vida do nada outro dia... e agora não consigo tirar
você da minha maldita cabeça.

EU: Então, sim, Sheridan. Estou curioso sobre você. Eu quero


te conhecer.

EU: Sábado às sete horas. Eu posso te buscar onde você


quiser. E vou garantir que você chegue em casa com
segurança. Vamos descartar esses sobrenomes pesados por uma
noite e apenas nos divertir. Isso é tudo que estou pedindo a você.

Ela não responde.

Sou um bastardo manipulador e mereço isso - assim como a


memória de minha mãe merece justiça.

Isso não vai ser fácil, mas vai valer a pena no final.
CAPÍTULO DEZ

Sheridan

— Acho que devemos mantê-la durante a noite para


observação, — disse o médico da mamãe no sábado à noite.

Tínhamos acabado de terminar uma tarde de compras da


faculdade com um jantar no Magnolia Lake quando ela desmaiou
no caminho de volta para o carro. Aconteceu tão rápido - a cor
sumiu de seu rosto, suas mãos tremeram, seus joelhos cederam e
a parte inferior de seu corpo parou de funcionar. Outro episódio
de Guillain-Barre, eles estão pensando.

Felizmente, meu pai a pegou antes que ela batesse com a


cabeça no chão. Poderia ter sido muito pior.

As coisas sempre podem ser muito piores...

— Podemos fazer mais alguns exames amanhã, — acrescenta


o Dr. Smithson. — Suspeito que seja outro surto, que podemos
tratar com terapia intravenosa enquanto ela estiver aqui, mas até
que façamos um exame de sangue e alguns exames, não
saberemos com certeza.

— Obrigado, doutor. — Papai aperta a mão dela e eu dou para


minha mãe um jarro de água gelada de sua mesinha de cabeceira.
— Não me assuste assim, mamãe. — Eu tiro uma mecha
bagunçada de cabelo loiro prateado de sua testa. — Você disse que
não ia ficar doente de novo...

— Eu sei, querida. Eu sinto muito. Acho que estava em


negação. — Ela exala enquanto tenta se sentar, fios passando por
baixo de sua bata e máquinas apitando. É uma cena familiar. Uma
que sempre serve para trazer de volta a apreciação da vida quando
eu preciso.

Em todos nós...

É tão fácil tomar um ao outro como certo, então esquecemos


como todos nós realmente somos frágeis.

— Te amo, — eu sussurro, inclinando-me mais perto.

Eu gostaria de tê-la conhecido antes que ela estivesse doente.


Ela era uma líder de torcida no colegial, me disseram. Tinha a voz
mais alta da equipe. E ela corria na pista, mantendo o recorde do
estado do Missouri para os 100 metros de velocidade femininos até
recentemente. Antes que seus nervos começassem a falhar, ela
dava passeios pela tarde pelo quarteirão, coletando belas folhas e
flores silvestres e pressionando-as entre as páginas de seus livros.
E quando sua memória de curto prazo ainda estava em ordem
antes de todos os medicamentos, ela fazia crochê com as mais
belas mantas de bebê com gorro combinando e as doava para a
UTI neonatal local.

Ela é uma alma linda e não merece isso.

— Também te amo, garotinha, — sussurra antes de se virar


para meu pai. — Vocês dois deveriam ir para casa, descansar um
pouco. Tenho certeza de que o horário de visita está quase
acabando de qualquer maneira.

A exaustão colore o rosto de meu pai com linhas cinzentas e


sombras profundas. Trocamos olhares. Levanto minhas
sobrancelhas, deixando a decisão para ele. Estou muito cansada
para decidir.

— Estaremos de volta na primeira hora da manhã. Descanse


um pouco agora. — Ele se inclina sobre ela e beija sua testa. Então
ele se vira para mim. — Filha? Está pronta?

Estamos na metade do caminho para o elevador quando meu


telefone vibra na minha bolsa. Não o checo há horas porque estou
ao lado de mamãe. Opto por esperar até o carro voltar para casa
para ver quem é. Isso me dará algo para fazer além de olhar para
os faróis que se aproximam pelos próximos quinze minutos.

Quando saímos do estacionamento, papai mexe no rádio,


sintonizando em uma estação country. Ele sempre ouve country
quando não quer pensar, porque não consegue deixar de
cantarolar. Quando você está muito ocupado cantarolando, está
muito ocupado para se preocupar, ele sempre diz. E isso o lembra
dos verões na fazenda de seus avós quando criança. Tempos mais
felizes.

Arrastando meu telefone da minha bolsa, eu puxo minhas


mensagens... e meu estômago embrulha.

ENEMY DEAREST enviou um vídeo para você.

Silencio o volume, a tela escurece e clico em reproduzir.


É um clipe de trinta segundos do show da MUNRO para o qual
ele me convidou.

ENEMY DEAREST: Queria que você estivesse aqui.

Bloqueio minha tela e desligo meu telefone. Não tenho energia


para isso agora.

Papai murmura junto com uma velha canção de Clint


Black. Quer ele saiba ou não, está controlando o volante. Não
quero pensar no que aconteceria com ele se perdesse a
mamãe. Com a minha saída para a faculdade no mês que vem, ele
estaria realmente sozinho.

— Eu estava pensando... — eu digo depois de limpar minha


garganta. — Talvez eu deva esperar mais um ano?

Ele reduz o volume para nada. — Do que você está falando,


Sheridan? Faculdade?

— Sim, — eu digo. — Posso adiar mais um ano. Ficar por


perto e cuidar da mamãe.

Ele não hesita. — Absolutamente não.

— Quem vai cuidar dela quando eu for embora? Você tem


horários de trabalho estranhos. Ela às vezes fica tonta quando está
tomando seus remédios. E se ela esquecer uma dose? E se ela tiver
outro surto e cair e não houver ninguém em casa para ajudá-la? E
se ela tiver um daqueles dias em que precisa de ajuda para lavar
o cabelo? Fazer uma tigela de sopa?
Alcançando o console, ele aperta minha mão. Seus dedos
estão gelados por causa do ar-condicionado. — Nós vamos resolver
isso, garota.

— Nós vamos?

— Não, — ele diz. — Nós não. Sua mãe e eu vamos resolver. É


isso que os pais fazem. Se você colocar sua vida em espera por
nossa causa, teremos falhado com você. Tudo o que queremos é
que você seja feliz, garota. Para viver a vida que você
pretendia. Nada mais nada menos.

Descansando minha bochecha contra o vidro frio da janela do


passageiro, eu fecho meus olhos, respiro fundo e digo a mim
mesma que tudo ficará bem... mesmo que eu não acredite nisso.

Meu mundo está inclinado, balançando em seu eixo.

Engraçado como uma pessoa pode estar flutuando pela vida,


pensando que tudo sempre vai ser de uma determinada maneira,
e então o fundo do poço desaba.

Andamos em silêncio e penso naquele álbum memento mori da


outra noite; especificamente os artigos e como meu pai foi
falsamente acusado no assassinato de Cynthia. Preciso falar com
ele sobre isso, obter algumas respostas.

Mas não esta noite.

A exaustão que pesa sobre o dia já é muito pesada, não há


sentido em acrescentar mais nada à pilha.

A casa está escura quando paramos na garagem. E nossos


passos ecoam quando entramos. Esta não é a primeira vez que
mamãe é hospitalizada, mas sua ausência é sempre um silêncio
palpável e persistente em nossa casa.

Nunca é algo com o qual nos acostumamos.

— Boa noite, papai. — Eu vou para o meu quarto.

— Boa noite, garota.

Ligo meu telefone e o coloco na mesa de cabeceira antes de


ligar o ventilador. Está mais fresco esta noite, mas a umidade das
últimas duas semanas está pairando no ar.

Estou quase dormindo quando a tela do meu telefone ilumina


o quarto.

ENEMY DEAREST: Está acordada, garota Rose?

EU: Me deixe em paz. Por favor!!!

Rolando para o lado, coloco meu travesseiro ao meio e o coloco


embaixo da cabeça antes de lutar com os lençóis pelos próximos
minutos.

Inquieta e quente com uma mente que não para de invocar os


piores cenários, não consigo me sentir confortável.

Eu me arrasto para fora da cama e caminho até a cozinha


para um copo de água gelada. A porta dos meus pais está fechada,
mas meu pai ronca tão alto que tenho certeza de que os vizinhos
duas casas abaixo podem ouvir.

Pego meu copo favorito, uma velha embalagem de gelatina


Flintstones, e coloco três cubos de gelo, um de cada vez, para não
acordá-lo. Estou a meio caminho da pia quando seu telefone
ilumina o espaço escuro com uma mensagem.

Normalmente eu não lia as mensagens de texto do meu pai,


mas com a mamãe no hospital e ele desmaiado no quarto, sinto
uma necessidade de me certificar de que não é nada. Apenas no
caso. Sua tela escurece antes que eu tenha a chance de lê-la, mas
ela volta à vida assim que eu a tiro do carregador e dou um toque.

KT: Só estou verificando você...

KT: Lembre-se, tudo acabará em breve. Mary Beth não vai


sofrer para sempre. E nem você. Em breve, tudo isso ficará no
passado.

KT: Fique de cabeça erguida e saiba que estou aqui para


ajudá-lo. Vai ficar melhor. Você está no caminho certo. Tarde
demais para desistir agora, depois de tudo pelo que trabalhamos
tanto. Estamos tão perto...

Eu reli as mensagens com os olhos semicerrados.

O que isto significa? Minha mãe não vai sofrer para


sempre? Vai ficar no passado? Da última vez que verifiquei, os
médicos disseram que poderiam tratá-la com Guillain-Barre, mas
que ela teria problemas nos nervos e problemas cardíacos pelo
resto da vida. Ela sempre estará doente ou sofrendo de alguma
forma.

Meu estômago embrulha.

A náusea rouba minha sede, então abandono meu copo de


gelo perto da pia.
Com as mãos trêmulas, largo o telefone, deixando-o
exatamente onde o encontrei, e volto para o meu quarto. E pelo
resto da noite, eu vasculho meu cérebro na tentativa de descobrir
quem é “KT” ou por que meu pai teria o nome de alguém
armazenado em seu telefone simplesmente como suas iniciais ou
por que eles estariam falando sobre acabar com o sofrimento de
minha mãe.

Por horas, minha mente vagueia pelos becos mais escuros e


pelos caminhos mais indescritíveis.

E se as acusações contra ele forem verdadeiras? E se ele


matou sua irmã? E se ele causou a morte da Sra. Monreaux? E se
o homem que me criou e se sacrificou por mim e me ensinou tudo
que acredito ser verdade... não for nada mais do que um mentiroso
egoísta?

Pela manhã, o nascer do sol pinta minhas cortinas em tons


de laranja e rosa. Eu ainda não dormi - e não vou dormir. Não
posso descansar até saber o que está acontecendo.

Coloco um shorts jeans e pego uma camiseta da minha


cômoda. Depois de me refrescar, deixo um bilhete perto do fogão e
vou para o hospital - sozinha - antes que meu pai acorde.

Não posso contar a mamãe o que vi porque ainda não entendi.

Mas não posso aguentar mais um minuto sob o mesmo teto


que meu pai... não até obter algumas respostas.
CAPÍTULO ONZE

August

— Ei. Ei. O que o traz aqui? — Adriana se aproxima de mim


na loja de celular no instante em que entro pela porta na tarde de
domingo.

Minha cabeça lateja por causa do show da noite passada, e


eu não dormi nem um minuto depois de festejar a noite toda no
ônibus da turnê só para fazer Soren sentir que estou me
importando com nosso “relacionamento”. Mas estou aqui em uma
missão. Infelizmente, uma rápida leitura do meu entorno me diz
que Sheridan não está trabalhando hoje.

— Preciso de um novo carregador, — digo, entregando-lhe o


quebrado que trouxe. Ou melhor, o que destruí esta manhã com a
ajuda de um alicate.

— Oh. — Ela examina os fios desgastados. — Como isso


aconteceu?

— Importa?

— Hum, quero dizer. Sim. Mais ou menos. Eu posso trocar se


for do telefone que você acabou de comprar semana passada?
— Não é. — Não estou de bom humor hoje.

— Está bem. Você quer ir com um cabo de meio metro ou um?


— Ela me leva a uma parede coberta por uma variedade infinita de
carregadores de telefone. — Às vezes um pode ser um pouco
demais. Meio é o padrão.

— Tanto faz.

Ela limpa a garganta e arranca um do gancho. — Vamos para


o caixa.

Eu a sigo até o caixa, examinando a sala mais uma vez em


vão.

— Sheridan não está trabalhando hoje? — Eu pergunto.

Mordendo o lábio, ela estremece. — Não. A mãe dela está no


hospital.

Porra.

Não é de admirar que ela não tenha suportado minhas merdas


noite passada.

— Lamento ouvir isso. — Entrego a ela meu cartão. — Posso


ajudar em alguma coisa?

Não sei o que poderia fazer nesta situação, mas parece a coisa
certa a dizer neste momento. Além disso, não seria a pior coisa se
Adriana retransmitisse minha simpatia para sua amiga.

Ela me entrega uma caneta e o recibo para assinar. — Hum,


acho que não?
Enrolando uma mecha de cabelo escuro entre os dedos, ela o
coloca atrás de uma orelha.

— Posso dizer algo? — Ela pergunta.

Levanto uma sobrancelha, deslizando o recibo pelo balcão. —


O quê?

— Provavelmente não é da minha conta, mas Sheridan... ela


não está interessada.

— Estou ciente. — Eu sorrio. — E você está certa; não é da


sua conta.

Seus olhos se arregalam e suas bochechas ficam vermelhas


com um rubor rosa-cereja. — Eu só quero dizer... não quero que
você tenha falsas esperanças com ela nem nada. Ela não é
realmente de namorar.

— Nem eu.

— E ela realmente gosta de caras estilo bonzinhos, —


acrescenta Adriana, os olhos fixos nos meus como se ela estivesse
tentando não olhar para minhas tatuagens, piercings ou cabelo
bagunçado de foda-se-se-eu-me-importo. — Eu tenho uma amiga,
— ela continua. — Você é tão o tipo dela.

Respirando fundo, eu verifico o estacionamento entediado.

— Vou dar uma festa na sexta-feira. Meus pais vão estar fora
da cidade e minha irmã disse que nos compraria alguns
barris. Apenas algumas pessoas. Talvez, tipo, dez ou quinze no
máximo. Mas você deve ir. Se você quiser, quero dizer...
— Pode ser.

Seus olhos brilham, como se eu tivesse acabado de entregar


a ela um cheque gigante da Publisher's Clearing House11. — Sério?

— Sim, claro. Veremos.

Pegando um pedaço de papel, ela rabisca seu número e o


entrega. — Legal. Basta me enviar uma mensagem para que eu
tenha seu número e enviarei os detalhes para sexta-feira.

Eu não me comprometo com nada, nunca. É contra minha


política. Mas estou feliz em manter minhas opções em aberto,
especialmente se houver uma chance de Sheridan aparecer.

11
Publishers Clearing House é uma empresa de marketing direto que comercializa assinaturas de mercadorias
e revistas com sorteios e jogos baseados em prêmios.
CAPÍTULO DOZE

Sheridan

— Oi, docinho. Como vai? Como está sua mãe? — Adriana me


cumprimenta na tarde de quinta-feira na loja de celulares com um
abraço murcho e uma carinha fofa.

— Saiu do hospital ontem. Finalmente. — Eu a abraço de


volta e, em seguida, guardo minha bolsa na sala dos funcionários
antes de bater o ponto. — Os surtos pararam, mas ela basicamente
ficará de repouso na cama por alguns dias, pelo menos quando
estiver sozinha em casa.

— Isso é bom, certo?

Encolho os ombros. Isso é normal. — É o que é.

— Você parece tão triste, querida. Sinto muito. Gostaria que


houvesse algo que eu pudesse fazer. — Adriana me examina. Outra
noite ela se ofereceu para deixar uma pizza para meu pai e para
mim, o que foi fofo da parte dela, mas a essa altura, ele estava indo
para o trabalho e eu não estava com humor para companhia. —
Com que frequência isso acontece?

— Algumas vezes por ano, ultimamente, — eu digo. — Acho


que a essa altura já era para estar me acostumando com isso.
— Isso não é algo com o qual você se acostuma. — Ela esfrega
meu ombro. — Não seja tão dura consigo mesma. Tem que pensar
positivo. Minha avó teve um derrame no ano passado e os médicos
nos disseram que ela tinha quinze por cento de chance de sair viva
do hospital. Já se passaram oito meses e é como se nem tivesse
acontecido. Ela teve uma recuperação completa. Os médicos
podem errar às vezes.

Não quero ter muitas esperanças...

— Sim. De qualquer forma. — Forço um pequeno sorriso e


dirijo-me ao caixa para esperar por um cliente. As tardes de
quinta-feira são notoriamente lentas.

— Mantenha essa linda cabecinha erguida, — diz ela,


apoiando o queixo na mão depois de me seguir até o balcão. — E
saiba que estou aqui por você, boneca.

Suas palavras são um reflexo do que li no celular do meu pai


várias noites atrás, as que agora praticamente memorizei.

Meu lábio inferior treme. Meus olhos ficam brilhantes até


minha visão embaçar. Uma onda de raiva reprimida e abafada
inunda minhas veias até que minha pele se queime.

Essas mensagens são tudo em que tenho pensado durante


toda a semana.

Eu até as vejo quando fecho meus olhos.

— Oh, meu Deus, Sher. — Adriana engasga enquanto se lança


para mim, com a mão nas minhas costas. — O que há de
errado? Foi algo que eu disse?
Uma lágrima densa cobre minha bochecha. Eu a limpo e
respiro irregularmente. Não sou de chorar. Não sou dramática ou
emocional. Mas nos últimos dias, quase tenho vivido fora do meu
corpo. Pelo menos, essa é a única maneira que posso descrever,
porque nada parece mais real. Não vejo mais nada da mesma
forma. Todas as fotos de família que passo no corredor. Cada piada
inteligente ou doce do meu pai que sai de sua boca. Cada olhar
carinhoso e amoroso que minha mãe lhe dá quando sua atenção
se intercepta. Tudo parece ... vazio.

— Você precisa se sentar. — Ela me guia até uma cadeira no


canto destinada aos clientes. Não devemos sentar no
trabalho. Nunca. Mas não tem ninguém aqui. — Ok, respire
fundo...

Eu inalo tão profundamente que dói, meus pulmões doendo


na capacidade máxima, e então eu solto tudo.

Tudo.

Olhando para a frente, sem foco, conto tudo a ela.

— No sábado passado, voltamos do hospital, — digo. — Papai


foi direto para a cama, mas deixou o telefone ligado no
carregador. Eu estava pegando um copo d'água quando alguém
mandou uma mensagem para ele. Devia ser dez, talvez dez e
meia? Eu verifiquei, sabe, no caso de ser minha mãe. — Meu lábio
estremece novamente. — Mas não era.

— Oh, Deus. — Sua mão aperta a boca, como se soubesse


para onde isso vai levar.
— Era alguém chamado “KT” e estava dizendo a ele que o
sofrimento da minha mãe acabaria em breve e tudo valeria a pena
e todas umas outras coisas estranhas... — Eu franzo a testa. —
Foi vago. Mas eu não conseguia parar de pensar nisso, o que isso
poderia significar... por que meu pai tinha esse nome como iniciais
em seu telefone. Nada disso fez sentido. Meu pai vive para minha
mãe. Ele estaria perdido sem ela... — Eu mudo de assunto porque
para onde estou prestes a ir com essa conversa precisa de
contexto. — Nunca falei com você sobre isso antes, mas meus pais
têm uma coisa com os Monreauxs. Uma rivalidade de longa data,
eu acho que poderia chamar assim.

— Quem não tem? Eles irritam muita gente nesta cidade. —


Ela estala o chiclete. — O que eles fizeram com seus pais?

— É mau. — Enterro meu rosto em minhas mãos. — Pior do


que ruim.

Seus olhos se arregalam. Ela se inclina mais perto.

— Anos atrás - antes de eu nascer - a irmã mais nova de meu


pai foi assassinada. Eles encontraram seu corpo na pedreira dos
Monreaux. Ela estava namorando o pai de August, Vincent. Meu
pai, até hoje, acredita que Vincent a matou. Minha mãe também
pensa assim. Sempre me disseram isso, e sempre acreditei. Nunca
questionei isso porque... por que eu questionaria? Mas na outra
semana, encontrei esses artigos que eles guardaram... Adriana,
meu pai foi preso pelo assassinato da minha tia. Os jornais
chegaram a informar que ele era o principal suspeito. E meus
pais nunca me falaram isso.

Ela fica em silêncio, me estudando, digerindo minhas


palavras, talvez. — Obviamente ele nunca foi considerado
culpado. Talvez ele não tenha sentido a necessidade de dizer a
você?

— Sim, talvez? Mas então, vários anos depois, a esposa


grávida de Vincent foi morta em um atropelamento em uma corrida
em nossa rua, — eu digo. — Vincent mais uma vez tentou dizer
que foi meu pai, mas não havia testemunhas e meu pai tinha um
álibi sólido - minha mãe - então eles não puderam prendê-lo.

— Certo, então ele é inocente e Vincent claramente acha que


foi ele. Faz sentido porque ele odiaria tanto o homem. Mas onde
você quer chegar com tudo isso? O que isso tem a ver com essas
mensagens?

Eu coloco meu cabelo atrás das orelhas e me sento ereta. —


Este KT disse algo sobre acabar com o sofrimento de minha mãe,
como isso vai acabar logo, como eles trabalharam tanto por isso
para desistir agora... ele está planejando...?

Não consigo dizer as palavras em voz alta; meus lábios se


recusam, embora estejam na ponta da minha língua.

— E se ele fez essas coisas? E se ele matou sua irmã e a


esposa de Vincent e agora ele está planejando...

Ainda não consigo dizer isso.

— Jesus, Sher. Não sei. — Ela morde o lábio, ocupando o


lugar ao meu lado e balançando a cabeça. — Eu nem sei o que te
dizer.

— Fica pior.
Adriana apoia os cotovelos nos joelhos, enterra o rosto nas
mãos e expira. — Uau. Ok. O que mais?

— Então, tenho seguido meu pai esta semana... ele não sabe.

— E?

— Eu o peguei em algumas mentiras ... tipo, ele diz que está


indo na ferragem ou encontrando um amigo numa cafeteria, mas
quando eu o sigo, ele não vai na ferragem ou vai em uma cafeteria
diferente daquela que ele me disse, — eu digo. — E então, quando
ele está lá, está sempre se encontrando com essa senhora morena.

— De jeito nenhum.

— E ela é linda, Adri. Pelo que posso dizer, pelo menos. Nunca
chego tão perto. Estou sempre no meu carro. Mas ela dirige uma
Mercedes prateada e usa sapatos caros, e tem um cabelo comprido
e brilhante que balança quando ela caminha. Ela está sempre de
óculos escuros. Sempre o cumprimenta com um abraço e se
inclina para um beijo, embora eu nunca possa dizer se é na boca
ou bochecha. Em seguida, eles desaparecem dentro de onde quer
que se encontrem. Às vezes, eles ficam lá por vinte minutos, às
vezes, mais de uma hora. Eles sempre saem sorrindo e ele a leva
até o carro. Eu acho que é ela. Acho que é KT.

— Isso é... cara... eu não sei...

Ela parece tão sem palavras quanto estive nos últimos dias.

— Nada disso faz sentido, — eu digo. — E o que eu faço


agora? Não posso contar nada disso para minha mãe. E mesmo
que o fizesse, ela não acreditaria em mim. Meu pai é o amor da
vida dela. O homem que conhecemos não é capaz disso.
— Então você deve ir direto à fonte.

Expiro com um suspiro exausto. — Você não conhece meu


pai. Ele é um especialista em interromper conversas que o deixam
desconfortável. E se eu estiver certa sobre tudo isso, ele nunca
admitirá em um milhão de anos. Ele trabalha muito para ser o
marido e pai perfeito que sempre soubemos que ele era.

— Então o que você vai fazer?

— Eu gostaria de saber. — Minha cabeça lateja de tensão,


minha mandíbula está cerrada. Preciso de uma pausa de pensar
sobre tudo isso, de montar esse estranho quebra-cabeça. Apenas
uma noite para relaxar, para limpar minha cabeça e examinar
minhas opções, e então eu irei de lá. — Você quer sair neste fim de
semana ou algo assim?

Meu pai trabalha nos fins de semana - é a única razão pela


qual me sinto confortável em deixar minha mãe sozinha neste
momento. O que é irônico, porque antes sempre foi o contrário. E
era por isso que ele trabalhava à noite - para que pudesse estar
com ela durante o dia, enquanto eu estava no trabalho ou na
escola.

— Na verdade, é engraçado você perguntar porque meus pais


estão saindo da cidade, e eu estou recebendo algumas pessoas na
sexta à noite. Está dentro? — Adriana me dá um sorriso
suplicante. — Nós ficamos apenas curtindo, escutando música e
relaxando. Minha irmã vai comprar um barril e vinho para nós.
Você pode passar a noite e dirigir para casa pela manhã. Será
divertido...
— ... Claro, — eu interrompo. Não preciso do discurso de
vendas desta vez. — Estou dentro.

Adriana me abraça tão forte que força o ar de meus


pulmões. — Você não tem ideia de como isso me deixa feliz. Vai se
divertir muito. Eu prometo.
CAPÍTULO TREZE

August

Eu a encontro na parte de trás do pátio de Adriana na sexta


à noite, sentada ao lado de um babaca em um corte de cabelo
militar e camisa engomadinha. Azul clara. Minha cor menos
favorita. Se eu não sou o tipo dela, espero por Deus que ele também
não seja. Não sou facilmente insultado, mas isso bastaria.

Seria como preferir um Honda enferrujado a um raro carro


esportivo francês.

Certamente ela sabe que pode fazer melhor do que isso.

— Você já tentou, tipo, contar as estrelas? Só para ver o quão


alto consegue contar? — Ele pergunta, balbuciando enquanto bate
seu ombro contra o dela.

Ele está tentando impressioná-la?

Tentando soar profundo ou metafórico?

Vai ter que se esforçar mais do que isso, idiota ...


Eu me inclino para trás, tomando um gole da minha cerveja
e assistindo ao show de merda se desenrolar enquanto espero o
momento perfeito para quebrar este pequeno ninho de amor.

— Não, — ela diz, olhando para o céu. — Isso parece...


honestamente... muito chato.

Ele ri. — Sim, acho que você está certa.

Ela toma um gole, e ele não faz nenhum esforço para esconder
o fato de que a está examinando com um olhar desavergonhado. É
como uma cena de um filme, onde o rapaz está inquieto e ansioso
e a garota está alheia e não faz a menor ideia de que ele está
contando os segundos até tentar beijá-la.

Não no meu turno.

O cara do Honda se inclina - assim que ela toma outro gole.

E eles batem as cabeças.

Ela ri. Ele ri.

— Você está bem? — Sheridan alcança o lado de sua cabeça,


passando os dedos por seus curtos cabelos castanhos de merda.

— Sim. — Ele coloca a mão em concha sobre a dela e nem


uma vez pergunta se a porra da cabeça dela está bem. — Foi minha
culpa.

— Maldição, claro que foi, — eu interrompo porque eu não


aguento mais.
Eles se viraram ao mesmo tempo e Sheridan engasga, com a
mão no peito.

— August, o que diabos você está fazendo aqui? — Ela se


levanta do degrau que estava ocupando. O cara genérico do Honda
segue o exemplo, seu olhar vigilante disparando entre o dela e o
meu. Eu conheço seu tipo. Eu fui para a escola com milhões de
garotos frágeis de corte militar como ele. Se eu quisesse, poderia
atirar nele um olhar que o faria cagar nas calças.

— Adriana não te contou? Ela me convidou. — Escondo um


sorriso satisfeito atrás de um gole de cerveja. — Supostamente há
uma amiga que ela quer me apresentar. Aparentemente, eu sou tão
o tipo dela.

Sheridan estreita os olhos. Ou não acredita em mim ou tudo


isso é novidade para ela.

Mas, honestamente, isso funcionou. Papai está passando um


raro fim de semana em casa, o que significa que eu não seria capaz
de entreter a garota Rose em minha casa. E eu teria. Se Adriana
não estivesse fazendo essa pequena reunião, eu teria organizado
outra festa de cerveja na minha casa apenas como uma desculpa
para colocar Sheridan em meu território novamente.

Se eu tentasse esgueirá-la esta noite, porém, meu pai perderia


a cabeça. E a última coisa que preciso é que ele interfira em tudo
isso e faça disso tudo sobre ele.

— Então, talvez você deva procurar a amiga dela? — Sheridan


cruza os braços, embora seja um esforço descoordenado. É difícil
saber quantas cervejas baratas ela bebeu, mas me arrisco a
adivinhar que é o suficiente para um burburinho.
O cara do Honda fica em silêncio e pode muito bem ser
invisível - o que diz muito. Mas a julgar pela maneira como ele se
veste, tenho certeza de que está acostumado.

Ele é um nada e um ninguém; tipo um figurante.

Eu sou o personagem principal.

— Tenho certeza que a encontrei, — eu digo. — Na verdade,


estou olhando para ela agora.

Ela luta para tirar um sorriso dos lábios, mas ele chega até
suas íris brilhantes. — Você sabia que eu estaria aqui, não é? Ela
te contou. Eu sei que ela fez. Eu vou matá-la...

— Na verdade, eu não tinha ideia se você estaria aqui.

Esperava que sim.

Dei voltas de carro de um lado para o outro, passando pela


casa hoje à noite até que vi seu carro do lado de fora e então esperei
para fazer minha chegada. É um movimento de perseguidor, mas
funcionou. Porque aqui está ela. E aqui estou eu. E tudo está
virando rosas12, porra - literalmente.

Dou um passo em sua direção. Honda começa a dizer algo,


mas eu o silencio com um olhar assassino. Quando o imbecil tenta
falar novamente, eu o interrompo antes que ele possa dizer a
primeira palavra.

12
Turning up roses (virando rosas / surgindo rosas) - Se algo está crescendo, está acontecendo com sucesso.
— Faça um favor a si mesmo e dê o fora daqui, — eu digo. —
Tenha um pouco de orgulho, cara. Seu jogo é fraco.

— August. — Sheridan me dá um tapa, embora ela ainda


esteja muito longe para tocar. — Não seja mau. Garrett, sinto
muito...

O cara sai sem dizer uma palavra. Não tenho certeza de


quanto tempo temos a sós aqui. Essa casa não é grande o
suficiente para abrigar uma família de cinco pessoas e
provavelmente já há algumas dezenas lá dentro e a noite é uma
criança.

Antes de sair, dei a um cara de boné cinquenta dólares e


disse-lhe para se certificar de que ninguém pusesse os pés no pátio
durante a noite... mas o idiota parece ter deixado seu posto. Eu
deveria saber melhor do que confiar num bêbado vestido como
Ashton Kutcher, de 2008.

— Por minha vida, eu não sabia que você estava vindo. — Dou
um passo em direção a ela novamente, até que seu doce perfume
preencha meus pulmões. E então eu cruzo um X no meu
coração. — Juro.

Ela revira os olhos. Por alguma razão, não acredita em


mim. Mas está tudo bem. Não estou aqui para convencê-la de
nada. Só estou aqui porque ela tem uma coisa que eu quero - um
pedaço dela.

— Ouvi dizer que você teve uma semana ruim. — Eu mudo de


assunto. — Sinto muito, por sua mãe. Ela está bem agora?
Sheridan toma um gole, não olhando para mim, mas através
de mim, como se sua mente estivesse em outro lugar. — Ela já está
em casa.

Isso não responde à minha pergunta...

— Avise-me se houver algo que eu possa fazer por


você. Qualquer coisa para tornar as coisas mais fáceis.

Sem perder tempo, seus olhos voltam à vida. — Você pode


contratar uma enfermeira para ajudá-la em casa. Alguém para
estar lá quando eu não estiver. Se você quiser ajudar, faça isso.

— Feito.

Ela balança a cabeça, rindo pelo nariz antes de tomar um gole


de seu copo. — Eu não estava falando sério.

— Eu estou.

Nossos olhares se cruzam. — Jamais poderia esperar que


você, ou qualquer um, fizesse isso.

— Se isso tornasse sua vida mais fácil, eu ficaria feliz em fazê-


lo.

Levantando a cabeça, sua expressão se estreita. — É uma


oferta extremamente generosa, especialmente porque você não
ganharia nada com isso. Qual é o seu interesse?

— Interesse? Não há interesse algum.

— Não minta para mim. — Seu punho se fecha por um


segundo. — Não há nada pior neste mundo do que um mentiroso.
Não tenho certeza de quanto custa um assistente de saúde a
domicílio, mas tenho quase certeza de que um dia de juros da
minha conta do fundo fiduciário poderia cobrir um mês inteiro de
cuidados.

É literalmente um troco.

E se isso significa entrar em suas boas graças - e conseguir o


que eu quero - mais do que vale a pena.

— O que você quer? — Ela pergunta. — O que você ganha com


isso?

— Você. Ganho você. Não é óbvio?

— Eu? — Ela pressiona um dedo contra o peito, o lábio


inferior carnudo caindo. — Não entendo. Você pode ter literalmente
quem quiser. Nem mesmo me conhece.

— Para começar, não quero mais ninguém. E você está certa,


eu não te conheço. Só sei que durante toda a minha vida, meu pai
me disse para não andar a menos de um quilômetro de você.

— Então isso é um desafio? Um ato de rebeldia?

— De jeito nenhum. — Nunca fui um rebelde por causa da


rebelião.

— Então, o que é?

— Importa o que é? Você me disse para não mentir e eu


apenas disse o que quero com isso.
Ela cruza os braços e sua cerveja espirra para o lado de seu
copo - ela não percebe. — Estou apenas tentando entender o que
você está oferecendo e por quê. Então, se eu dormir com você,
pagará por uma enfermeira domiciliar para minha mãe. Por
quais... motivos?

— Não se preocupe com meus motivos. E não pense nisso


como uma transação. Não estou comprando seus serviços. Eu só
quero que você olhe para mim e não veja um monstro. E se decidir
me foder... bem, então é uma situação em que todos ganham, não
é?

Ela hesita. — Posso pensar sobre isso?

— Minha oferta expira à meia-noite. — Eu verifico meu


relógio. Se há algo que aprendi por ser o filho de um empresário
implacável, é que o homem que estabelece os prazos sempre
consegue o que deseja. Tenho a vantagem aqui. E eu fiz uma oferta
que ela seria estúpida em recusar. — Você tem duas horas.

Uma brisa quente despenteia seu cabelo loiro ondulado em


seu rosto.

— Sinto que deveria dizer a você... nunca fiz exatamente...


nunca estive com... — ela diz. — Quer dizer, já fiz tudo, mas...

Jesus Cristo.

Ela é virgem.

Melhor ainda.
Eu não me permito reagir. Contenho minha empolgação com
a perspectiva de deflorar a única filha dos Rose. Sou um bastardo
doente, mas esta penitência está muito atrasada.

— Ótimo para você, garota Rose. — Meu pau estica dentro da


minha calça jeans, pulsando, mas está muito escuro para notar.

— Eu preciso de outra cerveja. — Ela acena com seu copo


quase vazio e passa por mim para ir para dentro. Desliza a porta
com um empurrão forte, vazando música e conversas lá fora antes
de fechá-la e desaparecer dentro da casa lotada.

Lá se vai a “pequena reunião” de Adriana.

Poderia ter dito a ela que isso iria acontecer...

Amadora.

Sento-me em uma cadeira de metal frágil e verifico as


horas. Já se passaram três minutos, quase quatro. Leva mais dois
para ela voltar, e desta vez ela está carregando dois copos.

— Vai beber os dois? — Eu pergunto.

Ela se senta na minha frente. — Achei melhor pegar um para


você enquanto estava lá.

Esta cerveja é fraca. Mijo choco. Mas o gesto é doce... e


definitivamente uma indicação promissora.

— Você não tinha que fazer isso. Mas obrigado. — Despejo


minha cerveja morna quase vazia sobre a borda do deque e
empilho o novo copo dentro do velho.
— Não vá lendo nada nisso. Ainda não me decidi.

— É claro.

Ela pega a cadeira ao meu lado, o brilho quente das luzes da


casa banhando-a em sombras suaves.

— Isso doeu? — Ela aponta para minha sobrancelha. — O


piercing?

— Pra caralho. Mas apenas por alguns segundos. Então


acabou. — Posso pensar em um milhão de coisas que doem mais
do que dois piercings na sobrancelha.

— E essas? — Ela traça as pontas dos dedos na minha manga


de tatuagens. Tem sido um trabalho em andamento há um ano e
meio, e está quase totalmente completa agora nesse braço - para
desespero de meu pai. É por isso que ele me faz usar camisas de
mangas compridas no meu “estágio”, mesmo quando está uns cem
graus.

— Tolerável, — eu digo. Não digo a ela que sou uma daquelas


aberrações raras que gosta da dor. As incessantes cutucadas
microscópicas. A picada. A ardência. — A dor me faz sentir vivo,
me lembra que sou mais forte do que ela. E você? Alguma coisa
escondida sob esses vestidos bonitos de verão?

Eu comeria a porra do meu punho se ela dissesse que tem


piercings nos mamilos.

Ela ri, encolhendo os ombros. — Nada. Eu sou muito


chata. Apenas um nas minhas orelhas.
— Talvez devêssemos fazer algo sobre isso. — Eu tomo um
gole.

— Vou passar. Irei para a faculdade de enfermagem neste


outono e eles são muito rígidos sobre coisas assim. Piercings novos
e outros enfeites. Nem querem que usemos esmalte. É uma coisa
higiênica. E a política da universidade.

— Para onde você está indo?

— Briardale Community College, — diz ela. — A algumas


horas daqui.

— Sei onde fica isso. Eu vou para Bexler... cerca de uma hora
ao sul de lá. O velho está me obrigando a estudar administração.
Ele está convencido de que eu nunca vou conseguir nada sem um
diploma formal.

Mal ele sabe, uma porção significativa da mesada mensal que


ele deposita em minha conta vai direto para os cérebros
superdotados que assistem a maioria das minhas aulas
online. Posso conseguir um artigo de pesquisa de dez páginas por
trezentos dólares com um aviso prévio de quarenta e oito horas. É
realmente incrível. E não me sinto mal por nada disso. Os idiotas
com diplomas sofisticados projetaram um sistema falho. Estou
fazendo o que qualquer pessoa com duas células cerebrais e uma
conta bancária gorda faria se fosse forçada a ir para alguma
faculdade cara no meio do nada.

— Essa é a mentalidade arcaica, — diz Sheridan. — Eles


acham que um diploma universitário é tudo, mas qualquer pessoa
pode ter sucesso sem ele. Muitas pessoas não conseguem superar
a nossa geração, mas nós ainda somos jovens. Ainda temos tempo
para provar que estão errados

— Diz a garota que está entrando na carreira de enfermeira


que já foi julgada e comprovada, — eu digo.

— O que há de errado com a enfermagem?

— Nada. Enfermeiras são anjos do caralho. Só quero dizer que


você não está exatamente ultrapassando os limites aqui, então
acho seu conselho... interessante.

— Você tem razão. Mas quero salvar vidas e fazer as pessoas


se sentirem melhor, e é assim que se faz. Isso não me desqualifica
de ter uma opinião sobre as opções de carreira de nossa geração.

Eu a estudo ao luar. Ela me olha de volta, me absorvendo


como se estivesse examinando todos os ângulos do meu rosto.

— Então, o que você vai fazer quando terminar a faculdade?


— Ela pergunta.

Nunca me perguntaram isso. Pelo menos não pessoalmente.

Se você perguntar a meu pai, ele dirá que vou cortar meu
cabelo, arrancar meus piercings e ir trabalhar para ele. Essa é a
expectativa de qualquer maneira. Para ser um de seus leais
soldados Monreaux. O Vice-Presidente do Presidente Gannon um
dia.

Anos atrás, tio Rod era o braço direito de papai. Então a


merda ficou feia entre eles e papai decidiu substituí-lo por
Gannon, que tinha acabado de sair da faculdade. Maleável, flexível
e desesperado pela aprovação do pai. Ainda tinha aquele cheiro de
recém-formado.

Tio Rod ainda não superou a traição. Não posso dizer que o
culpo. Sabendo como meu pai opera, tenho certeza de que Rod já
foi fodido várias vezes, mais vezes do que ele pode contar.

Prefiro me apunhalar nas bolas com uma faca de manteiga


enferrujada do que trabalhar um único dia sob o comando de
Gannon.

— Ainda estou tentando descobrir, — digo a ela.

— Achei que seu pai teria um emprego esperando por você no


dia em que se formar.

Eu expiro. Tomando um gole de cerveja. — Ele tem.

— Mas você não quer?

Antes que eu tenha a chance de responder, seu telefone toca.

— Sinto muito - é minha mãe. Dois segundos. — Focada em


sua tela, ela digita um punhado de mensagens rápidas antes de
afundar de volta em sua cadeira. — Ok, ela está bem agora. Não
se lembrava se já tinha tomado os remédios das quatro horas.

— Deve ser difícil para você.

— Desculpe?

— Ter que ser o pai. — Eu aponto para o telefone dela. —


Sempre em alerta. Deve ser exaustivo. Adriana me contou que sua
mãe foi hospitalizada no fim de semana passado. Não sabia que
ela estava doente.

Ela morde o interior do lábio, a atenção presa na tela


enegrecida do telefone.

— Estou falando sério sobre a ajuda, — acrescento.

Na verdade, eu não faço doações para instituições de


caridade. Meu pai disse que na maioria das vezes, noventa e dois
centavos de cada dólar que você dá vão diretamente para os bolsos
não tributados daqueles que dirigem essas operações. É raro
encontrar uma organização legítima.

Pelo menos neste caso, eu saberia para onde meu dinheiro


está indo.

E estou conseguindo algo melhor do que uma redução de


impostos em troca...

Se meu pai soubesse que eu estava me oferecendo para salvar


a vida de uma Rose, ele explodiria. Ele me deserdaria, me
expulsaria de sua mansão e revogaria meu fundo fiduciário tão
rápido que cada cabeça em um raio de cinquenta quilômetros
giraria.

Mas se ele soubesse para que realmente estou jogando - se


ele me deixasse explicar - ficaria orgulhoso.

Não há ninguém neste mundo que ele odeie mais do que Rich
Rose. E não há ninguém no mundo que Rich Rose ama mais do
que sua filha preciosa, inocente e intocada.
Oh, doce menina Rose - as coisas sujas que vou fazer com
você...
CAPÍTULO QUATORZE

Sheridan

— O pai de Adriana tem um Cadillac DeVille 1969 totalmente


restaurado na garagem... — Eu digo a ele em uma tentativa de
direcionar a conversa para uma direção mais neutra. Além disso,
minhas pernas doem de sentar nessas cadeiras duras. E eu
poderia mudar de cenário. — Talvez você tenha visto no desfile
anual do 4 de julho? É basicamente o carro dos meus sonhos...

— Nunca fui a um desfile na minha vida.

— Sério? — Não imaginava que pessoas assim existissem. Não


consigo contar quantas lembranças tenho de meus pais jogando
cadeiras de jardim no meio-fio e me dizendo para acenar para os
carros alegóricos de aparência engraçada que passavam enquanto
me ajudavam a recolher os doces jogados em nossa direção. Uma
experiência de infância tão simples e alegre. Eu quase sinto pena
dele. Mas tenho certeza de que as outras alegrias e privilégios de
sua infância mais do que compensaram.

— Quer ir dar uma olhada? — Aponto para a garagem. —


Tenho certeza de que ele não se importaria, desde que não
tocássemos em nada.

— Você realmente não tem escrúpulos em invadir, não é?


— Não é invasão de propriedade. — Eu golpeio sua mão. —
Além disso, o pai dela me ama. Acho que ele ficaria emocionado
que alguém estivesse exibindo seu carro. Passou anos procurando
peças originais e reconstruindo-o. Ele me falou sobre isso tantas
vezes, que provavelmente eu poderia recitar para você,
literalmente.

— Por favor, não.

— Vamos. — Aceno para ele me seguir. Eu não me importo se


é ou não fã de carros. Estou obcecada por isso. Certa vez,
provoquei o pai de Adriana sobre me adotar para que eu pudesse
herdá-lo - um pedido mórbido em retrospecto.

August me segue descendo as escadas do deck, em direção à


garagem independente nos fundos da casa. A porta lateral está
destrancada, e eu me levanto e puxo a corda, dando-nos luz
suficiente para que possamos percorrer a garagem de uma única
baia sem esbarrar na beleza antiga.

— Ele a chamou de Barbara-Ann. — Eu rio, puxando a


capa. — Não me pergunte por quê.

— Provavelmente por causa de uma ex-namorada.

— Não diga à mãe de Adri que...

Ele vai até o porta-malas e arrasta o dedo médio contra o


comprimento do para-choque traseiro, um movimento que meu
corpo de repente decide que é estranhamente sexual. Por alguma
razão, meu cérebro se fixa em suas mãos - seus dedos dentro de
mim. E seus lábios... eles sempre pareceram tão macios? Nem
muito carnudo, nem muito fino. Por um momento, eu os imagino
pressionados contra os meus, sedosos e ardentes, seguidos pelo
deslize úmido de sua língua penetrando.

O calor enrubesce minhas orelhas.

Talvez seja a cerveja.

Ou o fato de que estamos realmente sozinhos agora.

Ou que, pela primeira vez nessa semana, consigo relaxar.

Ou o fato de que estou presa no olhar de um homem que quer


mudar toda a minha vida (e a de minha mãe) em troca de uma
noite comigo.

Se eu vender a ele um pequeno pedaço da minha alma, terei


em troca uma paz de espírito inestimável.

Só isso já deve ser motivo suficiente.

Mas não estou em condições de tomar esse tipo de decisão.

E certamente não vai acontecer esta noite.

Deslizo minhas mãos em meus bolsos traseiros e respiro


lentamente. Estou me adiantando. Preciso ir mais devagar. Se ele
quer isso o suficiente, não vai a lugar nenhum.

— Então, o que você acha? — Balanço na ponta dos pés. —


Do carro, quero dizer.

— É lindo. — Ele vai até o lado do motorista, abre a porta e


entra. Ajustando o espelho com uma das mãos, ele passa a outra
palma no volante preto. — Veja isso. As chaves estão na ignição.
O pai de Adri nunca faria isso. Mas, em qualquer caso, eu me
inclino sobre a porta do passageiro para verificar.

— Mentiroso.

— Entre, — ele diz.

— O quê? Por que?

— Só para o meu prazer.

Abro a porta do passageiro e deslizo para dentro, deslizando


pelo couro amanteigado que o pai de Adri trabalhou tanto para
condicionar e garantindo que não vou deixar uma única de grama
no tapete.

— Se você pudesse estar em qualquer lugar do mundo, agora,


para onde gostaria de ir? — Ele pergunta. — Em qualquer lugar.

— Essa é uma pergunta difícil...

— De jeito nenhum.

— Talvez não para você, que tem dinheiro para ir a qualquer


lugar do mundo...

— Não se trata de dinheiro, garota Rose. Apenas me diga


aonde você quer ir.

— Não sei? — O que há nas perguntas imediatas que


transformam minha mente em uma lousa em branco? — Portland,
Maine. Eu sempre quis ir lá. Mas no outono. Acho que talvez
Charleston? Ou Savannah? E você?
— Aqui, — ele diz sem hesitação. — Estou bem onde quero
estar.

Reviro os olhos e finjo que estou me engasgando com o


dedo. — Eu sabia que você era inusitado, mas não tinha ideia de
que você era capaz de ser tão piegas.

— Perguntou, respondi. Apenas dizendo a verdade. — Ele me


observa. — Você me intriga.

Reviro meus olhos novamente. Mais forte dessa vez. —


Bobagem. August, vamos esclarecer as coisas. Frases como estas
não funcionam comigo. Se você está tentando me bajular, está
tendo o efeito oposto. Sou retraída. Tipo, da cabeça aos pés.

— Estou falando sério. — Ele inclina seu corpo em minha


direção, seu braço esquerdo apoiado na porta do motorista. — A
vida toda você foi esse enigma, esse... fruto proibido, por falta de
termo melhor. E honestamente, eu não me importava com você até
que entrou na minha vida, e agora é tudo em que posso pensar.

Minha boca seca porque não sei o que dizer. Ninguém nunca
foi obcecado por mim, nem me disse que sou tudo em que
conseguem pensar.

Ele exala, olhando para frente. — É uma merda, eu sei. Este


nível de obsessão.

O silêncio se instala entre nós.

— Você não está curiosa sobre mim? Já pensou sobre mim?


— Ele pergunta. — Quer saber sobre mim?

— Nunca houve uma razão para isso.


Alcançando o banco, ele tira o cabelo da minha testa e o
coloca atrás da minha orelha. A simples sensação das pontas dos
seus dedos contra meu rosto envia uma onda de arrepios pelo meu
braço.

— Mas e agora? — Ele se aproxima alguns centímetros. —


Agora que nos conhecemos oficialmente, você alguma vez já
pensou em mim? Já se perguntou como seria se eu te beijasse?

Uma sensação trêmula e arrítmica se espalha por meu peito


enquanto minha respiração engata.

— Você está assustada. É isso? — Ele se afasta, mas apenas


um pouco. — Talvez eu deva descrever para você?

Eu lambo meus lábios, focando no emblema do Cadillac


saindo do capô.

— Ou melhor ainda, ficarei feliz em demonstrar. — Ele chega


mais perto novamente. Segurando meu queixo, e inclina meu rosto
em direção ao dele até que nossos olhos se encontrem. Sua atenção
cai para os meus lábios por um segundo antes de retornar. —
Talvez você seja uma aprendiz ativa.

Tento engolir, mas não consigo.

Tento falar, mas as palavras estão presas.

— Eu iria devagar. — August se inclina até que o calor de sua


boca quase roça a minha. Não estamos nos tocando. Ainda não. —
Deixar a antecipação crescer. Isso é importante.

Os tênues resquícios de sua loção pós-barba enchem o ar ao


nosso redor. Couro e penumbra. O cheiro de um homem com
muito mais experiência do que ele deveria ter aos quase vinte anos.
Seu nariz se esfrega contra o meu, suave e provocador enquanto
seu polegar corre ao longo da minha linha da mandíbula e pela
lateral do meu pescoço.

Abandonando minha boca, ele pressiona seus lábios no ponto


macio abaixo da minha orelha em seguida, salpicando beijos cada
vez mais baixo, até chegar ao topo do meu ombro, e então ele
empurra o tecido da minha blusa de lado para provar minha pele.

Meu sexo lateja e meu estômago cede com cada respiração


profunda. Ele abre caminho para o outro lado do meu pescoço e,
por um momento, quase me esqueço de respirar. Quando ele
termina, levanta meu pulso até a boca e beija a parte inferior
macia, fazendo minha pulsação acelerar.

Já brinquei com caras antes, mas nenhum deles demorou


muito. Nenhum deles me beijou ou me tocou apenas para meu
prazer. O melhor que puderam fazer foi uma sessão de amassos
desleixada com um pouco de moagem totalmente vestido.

— Curiosa ainda? — Ele interrompe para olhar para mim. —


Quer experimentar a coisa real?

Meus lábios com ciúmes estão em chamas, doendo pelo


abandono. Tento falar, mas tenho certeza de que quaisquer
palavras que saiam da minha boca seriam incoerentes.

— É seguro dizer que é um sim? — Sua boca se fecha na


minha em um movimento lento e interminável. Não é um acidente
frenético, é uma euforia imprudente.

Eu não existo mais neste planeta.


Nesta garagem perfumada a óleo.

Nesta estrutura de aço.

Estou totalmente em outro lugar.

Nunca pensei que ser objeto da fantasia de outra pessoa seria


uma coisa boa para mim - mas isto está... me incinerando de
dentro para fora.

A língua de August separa meus lábios até dançar com a


minha, e em um movimento habilidoso, ele me puxa para seu colo
e toma meu lugar no lado do passageiro. Segurando meu rosto com
as duas mãos, ele guia meu rosto até que nossos olhos se fixem e
tudo neste momento pare, suspenso no tempo.

— Você está tomando a decisão certa. — Seus olhos brilham,


prateados, com um toque de maldade. E ele se inclina para
encostar o assento.

Sua dureza pressiona entre minhas pernas enquanto eu


monto nele, e seu aperto se move para meus quadris,
pressionando-me para baixo para que eu possa sentir mais dele. O
desejo em seus olhos é inegável, como um animal selvagem a
segundos de seu banquete.

Ele começa a dizer algo quando coloco minhas mãos em seu


peito e me sento.

— Eu não quero fazer isso aqui, assim, — eu digo. — Não no


carro do pai de Adri. Não em uma garagem. Não quando tenho
gosto de cerveja e alguém pode nos pegar a qualquer segundo.
Não é nem remotamente como eu gostaria que fosse minha
primeira vez.

August exala, inclinando a cabeça. — Então, você quer... o


quê? Um quarto de hotel? Champanhe? Flores? Alguma merda
romântica falsa para torná-lo especial?

— Eu não quero merda romântica falsa. Só não quero fazer


isso aqui.

Já matei o clima com sucesso - mas suponho que não


importe, pois isto não está acontecendo esta noite de qualquer
forma. Ele pode se despedir do seu prazo. Preciso de mais tempo
para decidir se vou fazer isso de qualquer maneira.

Eu saio dele e sento no banco do motorista. Ele ajusta a


protuberância em sua calça jeans.

— Sinto muito, — eu digo.

— Claro que sente. — Ele está irritado comigo, e eu entendo.


Aumentei suas esperanças. Qualquer homem de sangue quente
ficaria desapontado neste momento.

Eu me inclino contra o encosto do assento, a cabeça apoiada


na minha mão. — Veja. A semana que passou foi uma das
semanas mais desgastantes da minha vida. Eu dormi talvez um
total de onze horas, se muito. E sua oferta é extremamente
generosa. Estou tentada, sim. Só não quero entrar em nada
maluco agora. Eu quero pensar um pouco mais sobre isso. Preciso
de mais tempo.

Ele não diz nada, simplesmente me encara com uma


expressão que eu não poderia tentar ler.
— Eu vou entrar. — Sento-me e alcanço a maçaneta da porta,
não querendo mais aproveitar a estranheza deste momento.

— Espere.

Eu volto para ele. — Sim?

— Você vai ficar aqui esta noite, certo?

Eu concordo.

— Não vai dormir aí. Está muito barulhento. — Deslizando


sua mão suavemente em volta do meu pulso, ele me guia para mais
perto, até que estou aninhada sob seu braço, com minha bochecha
contra seu peito.

É estranho no início - adormecer nos braços de alguém.

Mas depois nos acomodamos em algum tipo de ritmo,


sincronizando nossa respiração e nosso corpo emitindo apenas
calor suficiente para nos manter confortáveis. Lá fora, os grilos da
noite chilreiam e a música pop tênue soa da casa, vazando pelas
velhas janelas e se perdendo na brisa fresca da noite.

Em segundos, minhas pálpebras se tornam pesadas e a noite


se desvanece à medida que eu adormeço nos braços de meu
querido inimigo.
CAPÍTULO QUINZE

August

— Você ficou, — ela diz na manhã seguinte com um sorriso


sonolento. E senta-se, esticando os braços acima da cabeça, e eu
me movo pela primeira vez em horas, merda.

Eu a observei dormir - a noite toda, estudando a maneira


como sua boca se contorcia em meio sorriso quando ela estava
sonhando, inalando o cheiro doce de açúcar de seu xampu que
irradiava do topo de sua cabeça quente. E quando o sol nasceu e
inundou a minúscula garagem com luz quente, ela parecia uma
maldita princesa da Disney. Se ela não fosse uma Rose, eu poderia
ter me permitido sentir de alguma forma...

Eu bufo. — Você acha que eu te deixaria desmaiada em


qualquer garagem?

Se ela fosse outra pessoa, sim. Sim, eu faria isso. Cem por
cento de merda.

Mas estou tão perto de fechar esse negócio.

— Como você dormiu? — Pergunto. Se estou sendo honesto


comigo mesmo, há algo sexy sobre essa versão desfeita dela, com
o cabelo no rosto e a maquiagem suja (na minha camisa), com o
rosto fresco. Não estou acostumado a ver garotas assim - sem
perfeição. É revigorante.

— Tipo um milhão de dólares, na verdade. Melhor sono que


tive desde sempre...

Imagine como ela teria dormido após o orgasmo triplo que eu


daria a ela... dedos, língua e pau – minha marca registrada.

Ah, bem. Em breve.

— Oh, puxa. — Ela pega o telefone do bolso de trás. — Adri


ficou me mandando mensagens a noite toda. Esqueci de dizer a ela
que estávamos aqui. — Saindo do carro, ela diz: — Vou entrar e
falar com ela - supondo que esteja acordada.

— Você tem meu número.

Lutando contra o menor piscar de um sorriso, ela para perto


da porta e diz: — Sim.

Cubro o carro novamente, saio e vou para casa.

Sheridan Rose é uma menina doce. Confiante. Ingênua. E ela


não merece nada disso. Na verdade, tudo isso seria um milhão de
vezes mais fácil se ela fosse uma puta pretensiosa que precisasse
de uma conduta fodida. Em vez disso, ela é um coração de ouro
ambulante, com seios perfeitos e intenções honestas.

Preparando-me, abro minha janela, aumento minha música e


afogo a consciência que decidiu fazer uma aparição surpresa do
nada. Eu não posso ficar mole sobre isso. É uma oportunidade
única na vida e estou aproveitando a porra dela.
É uma pena que ela tenha de pagar o preço que seu pai se
recusou a pagar.

Meu pai sempre disse que tudo na vida escorre para baixo.
Todos os bons, todos os maus.

A chave é controlar a maneira como ela cai.

Não posso mudar o fato de que minha mãe não está mais
aqui, mas posso até equilibrar o placar. Rich tem nos causado dor
e sofrimento nos últimos vinte anos.

Estou simplesmente retribuindo o favor.

Encosto na minha garagem dez minutos depois e sinto o


cheiro do perfume sutil-doce de Sheridan na minha camisa depois
de fechar as janelas. Eu admito, havia algo de pacífico em segurá-
la enquanto ela dormia. Algo sereno em sentar com alguém e não
fazer nada além de respirar. O mundo exterior não existia. Não
pude nem me mover para pegar meu telefone do bolso ou mijar
algum tempo depois. Simplesmente a segurei - algo que nunca fiz
com alguém antes. A parte mais estranha de tudo, é que não foi
uma tortura.

Atrevo-me a dizer que gostei?

Até deixei minha mente vagar por um caminho ou dois - por


puro tédio, é claro. Imaginar um futuro com ela, um
relacionamento, ser um daqueles casais.

Independentemente disso, não importa.

Não temos futuro - temos contas a acertar.


E então terminamos.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Sheridan

— Sher, você se importa em lavar a louça desta vez? — Papai


pergunta enquanto terminamos o café da manhã de
sábado. Normalmente é uma tarefa de equipe. Ele lava e eu
seco. Mas as olheiras estão mais pesadas hoje, os círculos um tom
mais escuro do que o normal. Ele trabalhou ontem à noite, mas
esta não é a aparência de exaustão física. Isso é outra coisa, eu sei
disso. — Vou ver se consigo dormir mais uma hora antes de
retomar de novo.

— Sim, entendi. — Eu não o olho nos olhos. Não consegui a


semana toda. Cada vez que tento, fico com náuseas. Ou acabo
mordendo a língua para não vomitar palavras e acusações sobre
ele. Não estou pronta para confrontá-lo. Preciso de mais evidências
ou ele vai me iluminar com aquele sorriso paternal enquanto me
dá um tapinha na cabeça e me chama de “garota”.

— Como foi a festa do pijama noite passada? — Mamãe


pergunta enquanto eu encho a pia com água e sabão. — O que
vocês meninas fizeram?

— Assistimos a um filme, — minto, estremecendo. — Aquele


novo com Robert Pattinson. E pedimos pizza. Adri perseguiu seu
ex online. O de sempre.
Eu odeio mentir para ela, eu odeio. Mas, neste caso, dizer a
verdade faria mais mal do que bem. Não havia razão para
incomodá-la.

Ela ri. — Oh, vocês meninas...

— Então... — Respiro fundo enquanto enxáguo pedaços de


ovos mexidos de um prato floral. — Eu sei que isso é meio
aleatório, mas eu estava pensando... vou para a faculdade em
algumas semanas.

— Sim, querida. Estou bem ciente disso.

— Adriana disse que há uma instituição de caridade na


cidade, onde você pode solicitar essas bolsas ou algo para
auxiliares de saúde domiciliar... — Eu sou uma péssima
mentirosa. — Não sei todos os detalhes. Ela disse que sua avó
entrou no programa há alguns anos.

Vou para o inferno com uma passagem só de ida.

— Oh? Nunca ouvi tal coisa. — Sua voz aumenta lentamente,


como se sua curiosidade tivesse sido despertada. — Pensei que os
médicos teriam dito algo sobre isso anos atrás?

Eu enxáguo o prato com água fria antes de colocá-lo no


escorredor. — Eu acho que é uma espécie de boca a boca, no tipo
conhecido de programa? Doadores reservados... ou algo assim. De
qualquer forma, ficaria bem se eu inscrevesse você?

Ela está quieta. E depois de mais alguns segundos de silêncio,


me viro para ter certeza de que ela ainda está lá. Só que a encontro
olhando pela janela, perdida em pensamentos.
Eu giro a torneira para desligar e sento ao seu lado. —
Mamãe, às vezes você esquece seus remédios. E algumas vezes tem
esses surtos. E há momentos em que você...

Ela bate a mão em mim. — Eu sei.

— Em algumas semanas, não estarei mais a apenas um


telefonema de distância. E papai não pode deixar o trabalho por
capricho se algo acontecer. — Eu torço minhas mãos. — Pelo
menos deixe-me candidatar você e ver o que acontece. Não é como
se você tivesse algo a perder.

Mamãe respira lentamente e o solta, os ombros caindo. —


Sim, suponho que você esteja certa. Não poderia machucar. Só não
fique toda esperançosa.

Eu termino a louça e a ajudo a ir para a sala de estar para


colocá-la para sua soneca do meio da manhã. E quando eu
termino, entro no chuveiro, apertando meus olhos com força e
deixando a água escorrer pelo meu pescoço lentamente e
provocando, do jeito que ele me beijou na noite passada...

... do jeito que vou deixá-lo me beijar de novo - em breve.

Um bom momento por uma boa causa.

Como isso poderia dar errado?


CAPÍTULO DEZESSETE

August

— Aug, olhe meus novos tacos. — Papai está polindo seus


tacos de golfe quando chego em casa no sábado de manhã. —
Hartford de primeira linha. Personalizado. Olha, eles até gravaram
meu monograma no garrote. Bonito, não é?

Ele tenta entregá-lo para mim, mas eu ignoro o gesto, indo


direto para a porta.

Existem poucas coisas na Terra que odeio mais do que golfe.

Meu pai deve ter pago centenas, senão milhares de horas de


aulas de golfe ao longo da minha infância, sempre desesperado
para ser o melhor no gramado. Se ele tivesse colocado esse tipo de
esforço como pai, talvez eu tivesse me interessado mais em seus
hobbies.

Embora eu lhe dê crédito - ele permitiu que eu o


acompanhasse ao seu campo favorito uma vez. Quando eu tinha
dez anos. Embora eu só pudesse assistir. Depois de quatro horas,
eu estava ficando inquieto e pensei que seria engraçado dirigir o
carrinho. Meu cérebro juvenil estava convencido de que ele acharia
hilariante, que estaríamos rindo no final. Em vez disso, ele me
escoltou para fora do local como um maldito criminoso e me fez
esperar na parte de trás de seu SUV por duas horas enquanto
terminava seus dezoito buracos. Depois disso, nunca mais me
convidou para jogar golfe.

— O quê, não pode dizer oi para o seu velho? — Ele bufa,


claramente insultado. Embora nunca tenha me parecido uma
pessoa capaz de sentir qualquer coisa. — Onde você estava ontem
à noite, afinal? Quem é a sortuda?

— Oh, oi, August. — A namorada do meu pai, Cassandra,


surge. — Faz um tempo que não vejo você. Como você está?

Cassandra é tão falsa quanto os seios enormes pendurados


em sua polo de golfe rosa choque desabotoada. Isso ou ela é
literalmente uma imbecil. Eles estão juntos há quase um ano e
ainda estou para decidir se ela é péssima em puxar conversa ou se
é apenas estúpida.

Conhecendo meu pai, provavelmente os dois.

Deus me livre se ele namorar uma mulher mais inteligente do


que ele, ou uma mulher que minha mãe teria aprovado. Ela era
educada e eloquente. Fluente em três idiomas. Leitora ávida e
amante das artes. Pelo menos pelo que posso colher de vídeos
caseiros e um punhado de histórias que as pessoas costumavam
contar nas reuniões de família anuais que costumávamos
oferecer. Ela rolaria em seu túmulo se visse o tipo de mulher que
o faz companhia atualmente. Honestamente, é constrangedor.

— August, um pouco de respeito, por favor. Não ignore


Cassandra, — diz meu pai. — Não há necessidade de ficar cagando
no dia de outra pessoa só porque você está de mau humor.
— Vince, está tudo bem. — A voz ofegante de Cassandra me
lembra de um imitador barato de Marilyn Monroe. Estou
convencido de que é tudo algum tipo de ato que ela usa para fisgar
os homens. Como Hilaria Baldwin13 fingindo ser espanhola quando
nasceu e cresceu em Boston. Suponho que, se meu pai estivesse
com ela porque a achava interessante, isso seria relevante. Mas ela
é literalmente uma aquecedora de cama, um acessório social e
uma boceta de bolso humana, todas enroladas em uma só como a
mulher antes dela e a anterior...

Meu pai verifica seu relógio cintilante. — Devemos sair se


quisermos fazer nosso tempo de partida.

Não é como se eles fossem mandá-lo embora se ele chegasse


tarde. Eles reorganizariam os tempos de jogo de todos os outros
antes de fazer isso.

— Oh, espere. Deixe-me pegar minha viseira, baby... —


Cassandra desaparece lá dentro, e eu me encolho por dentro
porque um homem da idade dele nunca deve ser chamado
de baby. Não me interessa quem você é.

— Algum plano produtivo em andamento para esta tarde? —


Ele pergunta enquanto espera. — Ou estamos planejando
descansar ao redor da piscina.

13
Hilaria Baldwin é uma instrutora de ioga americana, empresária, podcaster e autora. Ela foi cofundadora
de uma rede de estúdios de ioga com sede em Nova York, chamada Yoga Vida, e lançou um DVD de exercícios e
um livro voltado para o bem-estar.
— É sábado, então... — Dou de ombros, sorrio e insiro um
tom sarcástico em minhas palavras. — Definitivamente
preguiçoso.

Ele olha para mim com o nariz esbugalhado. Graças a Deus


eu puxei minha mãe no departamento de aparência. — Não
esperaria nada menos.

— E estou feliz em atender a essas expectativas. — Eu entro


antes que ele possa dar a última palavra - um movimento idiota,
mas eu sou filho do meu pai.

Termino o café da manhã que Clarice deixou para mim na


geladeira, tomo banho e cuido do caso desagradável das bolas
azuis que tenho cortesia da garota Rose. Apenas algo está...
errado.

Meu habitual rodízio mental de fantasias parece estar fazendo


- literalmente nada para mim.

Eu me acaricio mais rápido, aperto meu pau um pouco mais,


fecho meus olhos e mordo meu lábio, evocando uma imagem da
minha garota favorita na cama. Meu pau lateja por um momento...
antes de murchar.

— Puta merda, — murmuro, esfregando mais rápido.

Com os olhos bem fechados mais uma vez, visualizo outro


clássico testado e comprovado - a filha de um fazendeiro sendo
fodida na traseira de um trator pelo empregado. (Eu nunca disse
que era criativo). E ainda... nada.

Insatisfeito, deixei passar, pressionando minha testa contra o


azulejo do chuveiro e faço uma pausa. Não dormi a noite passada.
Pode ser isso. Fiquei horas olhando para Sheridan, minha mente
ruminando nos cantos mais escuros, lembrando coisas que um dia
havia esquecido, fantasiando sobre coisas das quais só um
monstro se orgulharia.

Mas é o sorriso mordaz dela que me vem à mente a seguir. A


maneira como ela agiu aborrecida comigo ontem à noite, mas que
ainda assim só deixou meu lado uma vez. E como ela dormia tão
profundamente em meus braços, como se fosse o lugar mais
seguro do mundo para ela.

Sua língua era doce como canela e seus lábios eram suaves
como nuvens.

Ela estava preocupada que tivesse gosto de cerveja. E ela


tinha. Mas era principalmente canela. Quente e doce. E sua pele
era uma porra de cashmere. Poderia ter tocado nela a noite toda
se ela não puxasse o freio de mão.

Diabos, eu me acaricio à fantasia do que teria sido - o


que será. Só que é algum tipo de versão baunilha
chata. Sexo normal. E assim, meu pau responde em tempo recorde.

Em pouco tempo, gozo com tanta força que tenho que sentar
para recuperar o fôlego.

Tropeçando para fora do chuveiro um minuto depois, eu jogo


meu corpo úmido e nu na cama e desmaio por horas... porque eu
não quero pensar sobre o que isso poderia significar.
CAPÍTULO DEZOITO

Sheridan

Estou voltando do trabalho para casa quando avisto a


Mercedes prata de KT em um sinal vermelho.

Ela está na faixa da esquerda na Rosemont, o telefone


pressionado contra o ouvido, alheia. Conversando com alguém que
está colocando um grande e bonito sorriso estúpido em seu rosto.

Sem pensar duas vezes, eu engato a direita em um


estacionamento vazio da loja de baterias e saio pelo outro lado para
poder pegar o semáforo indo em sua direção assim que ele ficar
verde.

Só que fico presa atrás de um caminhão de lixo e de um Buick


indo a cinco quilômetros por hora.

Quando o tráfego fica limpo, seu pequeno cupê brilhante


desapareceu... até que eu o vejo estacionado em um pequeno café
perto da Market Street.

A chuva cai em meu para-brisa, nublando minha visão


enquanto KT faz uma corrida louca para entrar. Suas luzes
traseiras piscam quando ela o trava, trotando em seus saltos
altíssimos.
Os últimos minutos são uma névoa. Tenho quase certeza que
cortei uma minivan para fazer esta curva. E alguém buzinou,
talvez até duas pessoas, mas, eu estava tão focada que cada
barulho possuía um som desbotado e distorcido, como se estivesse
vindo de um túnel a um mundo de distância.

Estaciono a duas filas de distância, esperando e observando


como uma perseguidora. Muito curiosa para sair, muito paralisada
para avançar e dirigir-me à mulher que prometeu a meu pai que
tiraria mamãe de seu sofrimento.

Com um aperto mortal no volante e o rádio tocando alguma


música melancólica de Adele em volume baixo, eu me convenci a
tomar o caminho do confronto porque não dirigi como um morcego
saindo do inferno apenas para sentar aqui como um amor-
perfeito. Não fiz tudo isso apenas para escapar silenciosamente
para a noite.

Desligo o motor e coloco minhas chaves em minha bolsa -


assim que meu pai para e estaciona nosso sedan familiar no local
vazio ao lado de seu Mercedes. O trovão rola; zangado, crescendo
e sem remorso. A chuva cai com mais força, quicando no meu carro
como mármores de lata. Em segundos, papai desaparece no café
aconchegante com a bela mulher.

Ligo o motor e o relógio do painel começa a piscar - 20h11.

Ele deveria estar no trabalho há uma hora dessas.

Ligo o carro e, ao sair do estacionamento, minhas mãos estão


travadas com tanta força no volante que não consigo sentir meus
dedos. Lágrimas grossas cegam minha visão e deixam rastros de
coceira em minhas bochechas, e dirijo até não poder mais.
E agora estou aqui - no estacionamento da biblioteca às oito
horas de um sábado à noite, chorando muito. Sozinha. Pulmões
ofegando por ar. Com o peso do mundo em meus ombros. Minha
cabeça lateja, forte com a pressão enquanto eu a descanso contra
o volante e enxugo minhas lágrimas na minha manga.

Preciso ir para casa ver como está mamãe, mas até que essas
lágrimas parem de cair, dirigir nesta tempestade seria um desejo
de morte.

Verifico o radar, do jeito que meu pai me ensinou. A


tempestade deve diminuir em cerca de vinte minutos.

Eu mexo com o rádio um pouco, seco minhas lágrimas em um


guardanapo amassado do console e percorro meu telefone para
matar o tempo. Eu mandaria uma mensagem para Adriana, mas
acabamos de trabalhar um turno de oito horas juntas, e ela
provavelmente está se preparando para seu encontro de qualquer
maneira.

Percorrendo meus contatos, eu paro quando chego em


ENEMY DEAREST e, leio nossas mensagens antigas. Cada
uma. Quando termino, vejo meu reflexo no espelho retrovisor -
minha boca está curvada para os lados. Ele é louco. Sexy, mas
louco. E está obcecado por mim. O que também é sexy. Do tipo
estranho, mas ainda sexy.

E sua oferta para ajudar minha mãe é além de generosa -


supondo que sua oferta não tenha expirado. Talvez não seja pela
bondade de seu coraçãozinho frio, porque ele deixou claro que quer
uma noite comigo. Mas ainda. Isso conta para alguma coisa, e foi
tão gentil da parte dele me deixar dormir em seus braços naquela
noite.
Ele pode ter uma fachada de aço, um olhar maligno e
intenções maliciosas, mas não acho que ele seja o monstro que
todos pensam que ele é. Talvez mal compreendido. E um Monreaux
mimado com acesso ilimitado à porra do dinheiro. Mas se essas
são as piores coisas sobre ele, eu dificilmente o chamaria de
monstro. Ele não me assusta.

Ele é intenso, claro. Mas pertence a ele. Isso é mais do que a


maioria das pessoas pode dizer.

A chuva aumenta, batendo com mais força no meu para-brisa


enquanto o pior da tempestade atinge este lado da cidade. Eu
mando uma mensagem para mamãe para que ela saiba que estarei
em casa em breve, e então sintonizo uma estação de rádio local -
aquela que não aparece e desaparece a cada três segundos.

Uma música da MUNRO toca “A Thousand Words for


Summer”, e eu cantarolo junto com o irmão de August. Nunca fui
uma grande fã da MUNRO. Por alguma razão, sua música nunca
repercutiu em mim. Sempre me fazia pensar em ficar deitada na
cama, chorando em um travesseiro e sentindo falta de alguém que
eu nunca poderia ter.

Talvez seja um tema para eles. Amor não


correspondido. Oportunidades perdidas. Tarde
demais. Arrependimentos.

Mas essa música é cativante. Não é tão triste. É sobre uma


garota e como não há palavras suficientes no mundo para
descrever o quanto ela significa para ele. Sem nada mais a fazer a
não ser esperar a chuva acabar, tiro uma foto do meu rádio e envio
para August porque preciso de algo para tirar minha mente do que
acabei de testemunhar. Não consigo pensar em uma distração
maior do que ele...

EU: Ouvindo a nova música do seu irmão. “Summer” é uma


pessoa real ou uma jogada de marketing?

Eu adiciono um emoji piscando para o caso de sair da


maneira errada.

Demora alguns minutos, mas ele responde.

ENEMY DEAREST: Não tenho certeza. Vou perguntar a ele.

EU: Agradeço.

EU: O que você vai fazer esta noite?

ENEMY DEAREST: Literalmente sentado esperando que você


me envie uma mensagem.

EU: Tanto faz... O que você está realmente fazendo?

ENEMY DEAREST: Projeto ultrassecreto.

Eu rio baixinho. Espertinho, este aqui. Mas, pelo que eu sei,


pode não estar brincando. Uma vez ouvi um rumor de que os
Monreaux têm uma "lista negra" e se seu nome tocar nessa lista,
eles o destruirão de dentro para fora. Um ajuste de contas lento e
doloroso. É provavelmente por isso que meu pai teve tantos
empregos nos últimos vinte anos. A cada dois anos ele é demitido,
e é sempre por alguma razão estúpida.

Eles foram atrás de um cara local há alguns anos, Mark


Greeley, que teve algum tipo de incidente de violência na estrada
com Vincent. Trinta dias depois, o cara perdeu seu emprego de
quinze anos na empresa de energia devido a uma “má
conduta”. Disseram que ele assediou sexualmente uma das
secretárias de lá. Não importava que os dois nem trabalhassem na
mesma unidade. Pouco depois, ele passou seis meses
desempregado. E quando suas contas não paravam de se
acumular, foi quando seu casamento começou a desmoronar. Ele
ganhou peso. Perdeu sua energia. E quase desistiu. No final
daquele ano, sua esposa pegou os filhos e pediu o divórcio.

Eu o vi pela cidade um punhado de vezes ao longo dos


anos. Ele engordou pelo menos 25 quilos, ficou todo grisalho e usa
uma barba cheia para esconder metade do rosto.

É uma loucura como um único incidente pode ter um efeito


cascata que se estende pelo resto da sua vida.

Eu deveria contar minhas estrelas da sorte por nossa família


não ter desmoronado assim. Meu pai passou boa parte do tempo
na fila do desemprego ao longo dos anos, mas nunca passamos
fome, nunca cortaram nossa água e ele e mamãe nunca pensaram
em divórcio.

Então, novamente... olhe onde estamos agora.

Expiro, pressionando minha bochecha contra o vidro frio


enquanto a chuva cai para quase nada além de alguns pingos em
forma de lágrima.

Eu poderia ir para casa agora.

Mas estou ansiosa para pedir um favor a August.

EU: Posso ligar para você?


ENEMY DEAREST: ???

EU: Isso é um sim ou não?

Eu mordo minha unha do polegar. Talvez ele seja um


daqueles caras que odeia telefonemas. Quem só envia
mensagens. Ou talvez ele esteja com alguém?

ENEMY DEAREST: Sim. Me dê 2 segundos. Eu vou te ligar.

Descansando meu telefone no meu colo, certifico-me de que a


campainha está ligada e espero. Apenas o toque é diferente, e levo
um momento para perceber que ele está me ligando por FaceTime.

Oh, Deus. Eu não estava preparada para isso.

Eu viro meu visor para baixo para verificar o dano. Olhos


inchados, nariz rosa, lábios inchados, cabelo úmidos.

Dane-se. Está escuro aqui de qualquer maneira.

Eu aceito sua ligação e gerencio um — Oi... — legal, mas


casual.

— Oi, você. — Sua voz é baixa, quase íntima. A julgar pelo


movimento atrás dele, parece que ele está caminhando por um
corredor mal iluminado. Um segundo depois, ele fecha uma porta
atrás de si. — O que está acontecendo?

— Só tenho um favor estranho a pedir, eu acho.

— E você não conseguiu mandar por mensagem? — Ele passa


as mãos por suas ondas bagunçadas e seu cabelo cai em uma
parte lateral. — Espere. Eu mal posso te ver. Está super
escuro. Onde você está?

— No meu carro.

— Somente sentada em seu carro no escuro? — Ele sobe na


cama e descansa um braço tatuado atrás da cabeça. — Tudo bem?

— Você tem recursos, certo? Tipo você consegue encontrar


pessoas?

Ele se senta, quase engasgando com minhas palavras antes


de rir. — Você está chapada? Está agindo tão estranha, Sher.

Sher. Ele nunca me chamou assim antes.

Sempre foi a garota Rose, o que sempre atribuí ao fato de que


sou algum tipo de fetiche para ele, então é uma espécie de lembrete
de ligar e desligar.

— Não, não estou chapada. Eu só preciso descobrir quem é


uma pessoa. Um nome. Eu tenho as iniciais. E eu tenho uma foto
do carro dela, — eu digo. — Achei que você poderia ter mais
conexões ou pode conhecer pessoas que conhecem outras
pessoas. É um exagero. Mas eu queria perguntar.

Ele está sentado de pernas cruzadas agora, uma mão


cobrindo a boca enquanto ele respira sobre os dedos, me
examinando do seu lado da tela.

— Acho... acho que meu pai está tendo um caso, e só quero


saber quem é essa mulher, — digo. Não gosto da ideia de
compartilhar esse fato com August. Afinal, seu pai provavelmente
iria aos jornais com esse pequeno detalhe. Mas por alguma razão
insana... eu confio nele. — As iniciais dela são KT. Eu os vi juntos
algumas vezes, mas não cheguei perto. Eu só quero ter todos os
meus fatos claros antes de confrontá-lo, para que ele não possa
ignorar.

— Jesus. — Ele murmura por entre os dedos. — É por isso


que você parece que estava chorando?

Minhas bochechas queimam no escuro. Não achei que ele


fosse capaz de notar.

— Eu tive um momento, sim.

Ele se inclina contra a cabeceira da cama, balançando a


cabeça enquanto me encara. — Não sei muito sobre a sua situação,
mas sei que os traidores nunca confessam, a menos que sejam
pegos em flagrante. Ter um nome não vai te fazer nenhum bem. Ele
vai negar. Eles evitam o confronto como uma praga - em parte é
por isso que traem. Eles são alérgicos à arte de romper com as
pessoas. No fundo, eles são covardes.

Um mês atrás, a palavra covarde nunca teria soado ao lado


do nome do meu pai em uma frase.

— E você sabe disso por experiência própria?

— Psh. Eu testemunhei em primeira mão toda a minha vida.


— Ele está falando sobre seu pai. Eu deveria ter imaginado. — O
homem fez disso uma ciência.

Isso deve ser difícil para August, tendo crescido com a porta
giratória das mulheres que o seu pai entra e sai das suas vidas,
cada uma lembrando a sua mãe insubstituível.
— Você acha que pode encontrá-la? — Eu pergunto.

— Envie-me a foto. Vou fazer o meu melhor.

Está ficando tarde. — Ei, eu tenho que ir. Minha mãe está
esperando por mim. Me avise se você encontrar alguma coisa, ok?
Qualquer coisa.

Juro que um lampejo de decepção aparece em seu rosto, mas


é difícil dizer com certeza em uma tela de cinco polegadas.

Talvez eu esteja imaginando coisas...

— Sheridan, — ele capta meu nome, minha atenção e minha


respiração com sua voz estrondosa.

— Sim?

— Quando posso te ver novamente?

— Em breve, August. — Minha boca se inclina de um lado. Eu


mordo meu lábio para fazer isso parar. — Em breve.

— Ótimo, — ele diz. — E só para deixarmos claro, minha


oferta ainda está de pé.
CAPÍTULO DEZENOVE

August

— Kara Tindall, — tio Rod disse ao telefone na terça à noite. —


A pessoa KT com a Mercedes. Seu nome é Kara Tindall. Ela tem
vinte e oito anos. Advogada local aqui na cidade. Isso é tudo que
eu tenho para você.

Tio Rod é o irmão mais novo do meu pai - e o cara que


chamamos sempre que há problemas no paraíso. Ele gosta de se
referir a si mesmo como um “consertador da velha escola”, embora
às vezes eu ache que o homem assiste muita TV a
cabo. Independentemente disso, não há como negar que ele pode
descobrir alguma coisa sobre qualquer pessoa. Ele pode farejar
mentirosos e trapaceiros a um quilômetro de distância, como um
cão de caça, e todos que são alguém nesta cidade sabem que
devem lhe dar uma resposta direta na primeira vez que ele
perguntar.

— Kara Tindall. — Sento-me e pego um pedaço de papel e


caneta da minha mesa e rabisco. — Tem certeza?

— Que tipo de pergunta é essa? — Ele sopra uma lufada de


ar no receptor. — Claro que tenho certeza. Enfim, qual é o seu
problema com essa advogada? Está com algum tipo de problema?
— Sempre.

— Não seja um idiota. — Ele ri. Pelo menos alguém nesta


família aprecia meu senso de humor. — Avise-me se precisar de
mais alguma coisa. Você tem meu número.

— Ligarei. — Eu termino a ligação e envio uma mensagem


para Sheridan.

EU: Consegui o nome para você. Mas eu gostaria que você


viesse pessoalmente...

Estou brincando. Mais ou menos.

Sheridan vai para a faculdade em algumas semanas.

Preciso colocar esse show de merda na estrada, fazer o que


precisa ser feito e, em seguida, fechar esse capítulo com força, para
que eu possa finalmente tirar a garota Rose da minha cabeça.

Pensei nela novamente hoje no chuveiro, e então, porque


aparentemente isso não era o suficiente, pensei nela três outras
vezes hoje. Cada cenário era um doce baunilha com um lado de
sua boca de canela. Não é o meu normal.

GAROTA ROSE: Sério? Você tem o nome?

EU: Sim. Venha aqui. Espero por você no portão em vinte


minutos.

Com tudo que está acontecendo em sua vida pessoal, não sei
se ela vai estar com vontade de ser fodida no segundo que eu fechar
a porta do meu quarto, mas Deus me ajude, vou tentar.
Ela não responde por sólidos quatro minutos.

Ando de um lado para outro em meu quarto. Verifico a


janela. Cheiro os lençóis para garantir que a nova governanta os
trocou hoje como eu pedi.

GAROTA ROSE: Não posso ir agora. Terá que ser mais


tarde. Dez horas?

EU: Perfeito.

Eu jogo meu telefone de lado e desabo na minha cama, com


as mãos enfiadas atrás do meu pescoço enquanto olho para o
teto. A câmera de segurança no canto pisca em vermelho. Ela está
em um circuito fechado e protegido por senha em nossa rede. Uma
ao qual só eu tenho acesso.

Eu a instalei em particular anos atrás, quando descobri que


alguém costumava roubar dinheiro da minha cômoda. Então, um
relógio sumiu. E um punhado de outros itens
penhoráveis. Acontece que era um dos “amigos” do bom tempo de
Gannon, cujo nome agora reside permanentemente na infame lista
negra de nossa família.

Tudo o que fizermos esta noite nesta sala será gravado em


imagens nítidas em preto e branco com uma vista aérea, o que
significa que poderei reviver este momento quantas vezes eu
quiser. Se eu fosse pura maldade, enviaria o vídeo ao pai dela. Eu
o deixaria saber que sua doce menina foi contaminada pelo filho
de seu inimigo de toda a vida. É uma ideia que tive muitas vezes
ultimamente, imaginando a cor drenando de seu rosto, as lágrimas
enchendo seus olhos. Seus punhos cerrados. A compreensão de
que o que está feito - para sempre e não há absolutamente nada
que ele possa fazer a respeito.

Posso ser um bastardo doente, mas não sou detestável.

Não vou mandar o vídeo para ele.

Tomo um banho e fico pronto.

Esta noite é a noite.


CAPÍTULO VINTE

Sheridan

Abro o zíper do meu moletom preto, jogo-o em uma cadeira e


sento-me na beira da cama de August. Está tarde. E estou
exausta. Mas eu tive que esperar até que mamãe estivesse
dormindo e papai saísse para o trabalho antes que eu pudesse
fugir.

August pega um pedaço de papel de cima da cômoda. Eu


corro minhas palmas úmidas ao longo do topo das minhas coxas,
prendendo a respiração.

— Kara... Tindall, — ele diz, me entregando o nome. — Já


ouviu falar?

Eu puxo o papel de seus dedos e leio eu mesma.

Kara Tindall.

— Meu Deus. — Coloco minha mão sobre minha boca. —


Não. Ela costumava ser minha babá...

Deve ter sido há dez anos, talvez mais.


— Ela é advogada aqui na cidade, — diz ele. — Isso é tudo que
eu consegui.

Deslizando meu telefone para fora, eu digito o nome dela no


Google, batendo no primeiro resultado: um site para Rowe, Harper
e Slattery PC. Eu clico em seu perfil, que está listado em sócios
juniores. Ela é especializada em tudo, desde direito da família e
custódia de filhos até litígios no local de trabalho e negligência
médica.

— Essa é ela? — Ele pergunta.

Eu concordo. — Sim.

Ela era uma estudante do ensino médio quando costumava


cuidar de mim. E quando eu era pequena, com sete ou oito anos
na época, sempre achei estranho como ela queria tanto conviver
com nossa família. Mesmo quando meus pais chegavam em casa
de onde quer que tivessem ido, lhe davam uma nota de vinte, e lhe
diziam boa noite... ela sempre ficava.

Mamãe disse que ela só gostava de nossa família, que seu pai
não estava por perto e que sua mãe não era muito amável. A certa
altura, ela brincou com meus pais sobre ser uma Rose honorária.
Eu não era uma criança ciumenta, mas acendeu uma faísca de
algo em mim naquele dia. Um soco afiado no peito. Eu não queria
compartilhá-los, não com ela. Eles eram meus pais.

Depois que ela foi para a faculdade, nunca mais tivemos


notícias dela, e meus pais contratavam outra garota para cuidar
de mim de vez em quando. Nunca pensei em Kara novamente e,
tanto quanto eu sabia, nem meus pais. As babás iam e vinham. É
assim que foi.
— Aquele bastardo. — Eu agarro o edredom em meus
punhos. — Por que ele faria isso?

— Presumo que você esteja se referindo ao seu pai?

— Como ele pôde fazer isso com minha mãe? Ela sacrificou
tudo por ele. E ela não está bem. Por que ele fugiria com nossa
antiga babá? — Eu me levanto e ando em seu amplo quarto. —
Quero dizer, quão clichê ele tem que ser? E não só isso, mas o que
ela iria querer com ele? Ela obviamente está muito bem. Meu pai
não pode nem pagar para consertar nosso ar-condicionado, pelo
amor de Deus.

Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo, puxando os punhos.

Lágrimas nublam minha visão e meu peito aperta com tanta


força que suspiro por oxigênio, mas não é o suficiente.

Apesar da enormidade de seu quarto, as paredes se fecham


ao meu redor. Vou para sua janela, eu mudo a trava e a abro até
que encontro uma lufada de ar tépido de noite de verão.

— Ele é um mentiroso, August. Ele é um mentiroso do


caralho. — Eu giro nos calcanhares, andando de volta para a cama
para pegar meu telefone de novo - mas eu corro direto para ele.

— Ei. — Ele captura meus pulsos, baixando-os suavemente


para os lados, mas sem soltá-los. — Tudo bem. Você está bem. Vai
ficar tudo bem.

— Ela mandou uma mensagem para ele, — eu digo. — A


última vez que mamãe esteve no hospital. Kara mandou uma
mensagem para meu pai, algo sobre como tudo vai acabar logo e o
sofrimento vai acabar. Não sei o que isso significa, mas...
Não acho que valha a pena dizer o que nós dois sabemos -
que meu pai foi duas vezes acusado de assassinato na vida.

August me leva até a cama, se senta na beirada e me puxa


para seu colo. Pegando minha bochecha, ele angula meu rosto até
que nossos olhos se encontrem.

— Você está falando sério sobre sua oferta? — Eu pergunto. —


Sobre a enfermeira domiciliar?

Nesse ponto, preciso fazer o que for preciso para manter


mamãe segura e saudável, especialmente se meu pai estiver
prestes a abandonar o navio... ou pior.

— Quero dizer, tecnicamente expirou, — diz ele com uma


presunção satisfeita em suas palavras. — Mas estou disposto a lhe
dar uma extensão...

Eu levanto minha mão até seu rosto, tirando seu cabelo


bagunçado de sua testa beijada pelo sol antes de traçar os dois
halteres de metal em sua sobrancelha. Tudo nele é duro e suave
ao mesmo tempo. Pele quente, abraço suave, olhar frio. Garoto rico
que parece ter crescido do lado errado dos trilhos. Um homem com
todas as habilidades para me devorar, mas que não foi nada além
de paciente e gentil.

Mesmo que a oferta dele não estivesse na mesa, eu


continuaria com isso porque eu quero.

Meu pai ficaria destruído se soubesse o que eu estava prestes


a fazer, mas August só esteve fora dos limites para mim por causa
de um passado que não tem nada a ver conosco. E me recuso a ser
responsabilizada pelas ações de meu pai daqui em diante.
Eu sou uma Rose

Mas eu sou minha própria Rose.

E hoje à noite, estou retomando meu poder.

Não me importa se isto destruir meu pai, porque no que me


diz respeito... ele não merece mais minha confiança e lealdade
inabaláveis.

— Você parece dilacerada, — ele diz.

Eu assopro uma mecha de cabelo do meu rosto. — O que te


dá essa impressão?

— Você é uma boa filha, — diz ele. — Mas seu pai é um


idiota. Ele não merece o que tem. E, no fundo, ele provavelmente
sabe disso.

Aceno, engolindo o caroço doloroso na minha


garganta. August está certo.

— Fazendo isso com sua mãe... enquanto ela está doente e


indefesa? Que tipo de merda faz isso? — Seu rosto se contorce. —
E tudo que você sacrificou... está bagunçado, garota Rose.

Eu seguro sua bochecha e me deleito com essa simpatia


inesperada. — Você pode me chamar de Sheridan, você sabe.

Eu não acho que ele percebeu que me chamou de “Sher”


antes.
— Eu gosto de garota Rose, — ele diz. — Combina com
você. Me faz pensar em rosas... lindas de longe, mas cobertas de
espinhos, como uma espécie de aviso para ficar longe.

— Claramente os espinhos não te detiveram...

— Eles fizeram por muito tempo. — Ele roça meu lábio inferior
com o polegar, e meu estômago dá cambalhotas. Espero que ele
me beije. Ele não se move. É quase como se ele quisesse saborear
este momento, fazê-lo durar para sempre, porque nunca mais
acontecerá.

— Já lhe chamaram por algo além de August?

Sua boca forma uma linha dura. — Minha mãe me chamava


de AJ quando eu era bebê - abreviação de August John. Depois
que ela morreu, meu pai achou que era muito fofo ou algo
assim. Me fez ir com August. Era o nome de seu bisavô e ele achou
que precisávamos honrá-lo adequadamente.

Não consigo imaginá-lo como um AJ. É muito doce. Muito


descontraído. Não é intenso o suficiente para um homem como ele.

— Eu gosto de August. É diferente. E combina com você. —


Sorrio, estudando suas feições anguladas na escuridão de seu
quarto. O luar da janela aberta entra em um caminho que ilumina
o chão ao lado da cama. — Além disso, agosto é o mês mais quente
do ano. E eu o conheci na noite mais quente da história de
Meredith Hills. Também, você é muito gostoso. Tudo funciona.

Estou flertando - ou pelo menos tentando. Não sei. Sou


péssima nisso e provavelmente estou fazendo papel de boba, mas
não me importo. Estou confortável e isso está me impedindo de me
fixar em coisas mais tristes agora.

Sua boca levanta para um lado. — Acha que sou


gostoso? Pensei que eu não fosse o seu tipo.

— Você não é. Mas isso não significa que eu não possa me


sentir atraída por você.

Suas mãos deslizam para minha cintura. — Então você está


atraída por mim.

— Tenho certeza de que toda a população feminina de


Meredith Hills se sente atraída por você...

Ele traça o lado da minha mandíbula antes de descer pelo


meu pescoço e, sem aviso, ele se inclina para pressionar um beijo
contra o meu pulso. Ele suga a carne, suavemente, e roça os
dentes contra ela. Meus olhos rolam para a parte de trás da minha
cabeça, e eu perco meus dedos em seus cabelos enquanto ele se
move para o ponto abaixo da minha orelha.

Ele geme enquanto prova minha pele, sua língua arrastando


pequenos círculos contra os pontos sensíveis.

Eu estarei coberta de marcas amanhã...

— Seu coração está batendo a cem quilômetros por hora, —


diz ele. — Está assustada?

— Não. — Eu o inspiro, seu aroma de especiarias e couro


intoxicando meus sentidos. — Estou animada.
Trazendo sua boca para a minha, ele esmaga meus lábios com
um beijo. — Ótimo.

Seus dedos traçam ao longo da bainha da minha camiseta, e


ele roça contra meu estômago cavado, provocando antes de puxá-
lo sobre a minha cabeça. Ele se move para as alças de cetim do
meu sutiã de renda em seguida, deslizando-as pelos meus ombros
antes de deixar um rastro de beijos em seu lugar.

Desabotoando meu sutiã com um único movimento, ele o joga


no vazio escuro atrás. Um leve calafrio cobre minha carne nua,
junto com arrepios.

— Deus, você é tão linda. — Suas palavras são quentes contra


a minha pele enquanto desliza as palmas das mãos pelas minhas
laterais e agarra meus quadris.

Com um movimento fluido, ele me rola de costas e paira acima


de mim. Deslizando as mãos sobre meus seios, ele lambe meus
mamilos, sugando até que eles fiquem dolorosamente eretos, antes
de descer pelo meu estômago e parar no topo do meu short
jeans. Um puxão e o botão cede. Um único puxão e o zíper é o
próximo. Ele desliza para baixo em meus quadris, deixando minha
calcinha no lugar.

Separando minhas coxas, ele se abaixa entre elas, chupando


meu monte através da minha calcinha. Meu sexo pulsa,
lateja. Doendo por ele. Depois de um minuto de tortura
provocante, ele desliza a calcinha para o lado e passa a ponta da
língua pela minha emenda antes de voltar a circundar meu clitóris.

Tudo formiga.
Eu não quero gozar ainda.

Aperto minha cintura, lutando contra a onda que meu corpo


tanto deseja surfar.

Escorrega um dedo dentro de mim, e outro, enrolando-os


apenas o suficiente para que eu os perca. Eu perco a onda. Eu não
posso mais lutar contra isso. Eu o esmago enquanto ele chupa e
empurra seus dedos em ritmo perfeito, e em segundos os espasmos
da minha boceta por dentro, como um tipo de orgasmo profundo
que nunca soube que era possível.

Puta merda.

— E isso, garota Rose, era o seu ponto G... — Um sorriso


orgulhoso sombreia sua boca cheia e molhada. Mas para ser justo,
ele mereceu.

Ele se levanta, deixando-me recuperar o fôlego. O tilintar da


fivela do cinto enche o quarto escuro. Foi um aperitivo. Uma prévia
do que está por vir. Estamos apenas começando.

Meu clitóris dói, ainda ansiando por um pouco de ação.

Me recompondo, eu me sento enquanto ele se aproxima da


cama em nada além de cuecas, e passo meus dedos por seus
abdominais esculpidos, parando para admirar o V que aponta para
sua protuberância crescente. Puxando o tecido para baixo, solto
seu pênis e o pego em minhas mãos. Sua circunferência
transborda em minha palma, e acaricio seu comprimento com
movimentos lentos e suaves até trazer minha boca para a
ponta. Provando a gota salgada de pré-sêmen, eu círculo minha
língua contra sua cabeça. August geme, segurando um punhado
do meu cabelo em sua mão enquanto eu o engulo centímetro a
centímetro.

Quanto mais forte ele fica, mais meu sexo lateja em resposta.

Deslizando da minha boca, ele se encaminha para sua mesa


de cabeceira, retornando com um pacote dourado brilhante, que
ele joga no colchão ao meu lado. Ajoelhando-se, abre minhas coxas
antes de arrancar minha calcinha.

Eu suspiro.

— Desculpe, garota Rose, — ele diz com um sorriso enquanto


desliza sua língua em minhas dobras molhadas novamente. Meu
clitóris incha, formigando de volta à vida, e eu engancho minhas
coxas sobre seus ombros até que seu rosto esteja enterrado.

August me devora, implacável, não tanto quanto levantando


para respirar. Com posse feroz e deliberada, ele bebe minha
excitação até que meu corpo estremece com a ameaça de euforia
novamente.

— Não lute contra isso, garota Rose, — ele sussurra contra o


meu sexo. — Solte ...

Afundando no colchão, respiro fundo e libero a tensão em


meu corpo até que estou quente e flexível, dissolvendo-me em uma
doce rendição.

Lambendo, sugando, ele me persuade a outro clímax tão


poderoso que deveria ser rotulado como narcótico. Ondas
derretidas de prazer ondulam pelo meu corpo enquanto ele se
contorce e balança. August não para. Ele continua até que puxe
até a última gota de orgasmo reprimido de mim.
Meu clitóris está inchado e agradavelmente dolorido quando
ele termina. Nossos olhos pegam no escuro, e seu olhar de
satisfação.

— Acha que pode continuar? — Ele provoca.

Ele rasteja ao meu lado, apoiado em seu cotovelo enquanto


seu olhar examina meu comprimento nu. Traçando o contorno dos
meus seios com um único dedo, ele desenha uma linha invisível
no centro do meu estômago, no meio da minha coxa esquerda,
depois ao longo da minha fenda úmida antes de terminar na minha
boca.

— Você já provou a si mesma? — Ele pergunta.

— Nunca...

Bem quando eu acho que ele está prestes a deslizar o dedo


entre meus lábios, os traz para os seus e prova minha excitação. —
Você é realmente doce pra caralho. Caso queira saber.

Antes que eu possa responder, sua boca se funde com a


minha, e de repente estou presa embaixo dele, provando minha
doçura. É um movimento poderoso. Sua língua encontra a minha,
transformando nosso beijo em um líquido derretido que escorre
direto pelo meu centro como mel quente.

Posicionando-se de joelhos, ele abre minhas coxas mais


amplamente, apreciando a vista, antes de pegar o pacote de papel
alumínio e rasgá-lo entre os dentes.

Meu coração para. Eu prendo minha respiração. Aperto meus


olhos.
— Olhe para mim, garota Rose, — ele diz baixinho. Quando
eu abro meus olhos, ele está rolando a borracha sobre sua
ereção. Inclinando-se sobre mim, ele tira meu cabelo do rosto,
deposita um beijo forte e examina meu rosto por um único
momento interminável. — Isto vai doer... mas então será bom pra
caralho. Eu prometo. Muito bom.

Mordendo meu lábio inchado, eu aceno.

Posicionando seu pau na minha entrada, ele desliza na


ponta. Queima por um segundo, mas eu respiro através dele.

— Oh, Deus... — Ele suspira, sem fôlego, enquanto luta para


mergulhar sua espessura em mim.

Eu me mexo embaixo dele, um impulso sem palavras para


que ele continue, no entanto, ele insere mais um centímetro de
provocação, depois outro. E então, com um empurrão inesperado,
está profundamente dentro de mim. Enterro meu rosto em seu
ombro, suportando a dor em silêncio, enquanto sua circunferência
me estica.

Eu o sinto.

Eu o sinto todo.

Correndo minhas palmas das mãos ao longo de suas costas,


seus músculos de aço esticados ondulam à medida que ele se
aprofunda contra mim com mais força, mais rápido.

O choque inicial de dor há muito foi substituído por um calor


escorregadio e uma dor ardente que só pode ser extinta por uma
coisa...
Neste casulo abaixo dele, eu o contemplo, com o rosto voltado
para cima, como se meu quadril respondesse ao dele, impulso a
impulso. É como se nos encaixássemos perfeitamente. A maneira
como nossos corpos se ajustam. E talvez eu esteja me precipitando,
mas quem sabe isto não tenha que ser uma coisa única?

Levanto meus lábios para mais dos dele, um apelo silencioso


por um beijo, mas ele vira o rosto.

Esquisito...

Ele me fode mais fundo, mais forte. Sua pele batendo contra
a minha. Dou a ele o benefício da dúvida. Ele é um cara. Isso era
uma fantasia dele. Ele está realmente interessado...

Seus longos cabelos caem em seu rosto, obscurecendo


parcialmente sua expressão. Eu o afasto e encontro seus olhos
fechados com força. Pegando sua bochecha, tento inclinar seu
rosto em direção ao meu novamente, mas em vez disso, ele sai de
mim completamente e me vira de bruços.

Levantando meus quadris até eu estar de quatro, espalha


minhas coxas e penetra em mim por trás. Inclinando-se por cima
das costas, ele agarra um punhado de cabelos e pressiona o lado
do meu rosto para dentro do travesseiro enquanto me fode como
um cachorro. Frio, mecânico, animalesco.

Por alguma razão, a ternura se foi.

A magia eufórica se desvaneceu no nada - como se alguém


estalasse os dedos e a fizesse desaparecer sem qualquer aviso.

Lembro a mim mesma que, para começo de conversa, isso


nunca foi sobre ternura - foi, é e sempre foi apenas sobre sexo.
Enganchando a mão na frente das minhas coxas, ele esfrega
meu clitóris enquanto continua a me levar por trás. Meu corpo
responde, ficando mais quente a cada segundo, a tensão crescendo
novamente. Estou chegando perto - e a julgar pelos grunhidos
contidos vindos de trás de mim, ele também está.

Pequenos tremores se transformam em ondas de euforia


enquanto ele me fode através do meu próximo orgasmo, e no
segundo que eu termino, ele sai de mim, tira a borracha e goza em
todas as minhas costas. Jorros longos e quentes.

Quando terminou, eu deito sobre meu estômago nesse


estranho rescaldo, eufórico, e ele desaparece em sua suíte
particular para se limpar. Retornando, não diz nada. Simplesmente
muda para uma boxer limpa e cai na cama, com o antebraço sobre
os olhos.

Eu deslizo para o banheiro para me limpar, lavando suas


sementes secas e pegajosas das minhas costas com uma toalha
quente.

O menor filete de sangue desliza pela parte interna da minha


coxa - minha inocência deixando meu corpo para sempre.

Eu também limpo isso.

Saindo eu o encontro dormindo.

Pego minhas roupas e me visto em silêncio para não o


acordar. Antes de sair, rabisco um bilhete em um pedaço de papel
e o deixo no travesseiro ao lado dele enquanto luto contra a ameaça
de lágrimas e as palavras cruéis circulando em minha mente,
zombando de mim por pensar por uma fração de segundo que
tínhamos algo real, que ele era diferente.

Ele não vale a pena.

Ele conseguiu o que queria, agora eu também vou.


CAPÍTULO VINTE E UM

August

O outro lado da cama está frio quando eu acordo. Não há


recuo no travesseiro indicando que ela passou a noite, apenas um
pedaço de papel com algo rabiscado na frente.

SERVIÇOS DE ENFERMAGEM E SAÚDE DOMICILIAR


CENTURION 555-3389

Amasso o papel e jogo de lado. Eu não tinha tido a chance de


contar a ela ainda, mas já havia alistado uma enfermeira
domiciliar por essa mesma agência, que é supostamente a melhor
da cidade. Solicitei sua melhor enfermeira. E até dei um bônus
para se eles pudessem começar na segunda-feira.

Seria uma surpresa, uma demonstração de boa fé, já que


nosso pequeno arranjo estava demorando tanto. Achei que isso
ajudaria nas coisas. Mas ontem à noite, quando ela veio, passamos
de falar sobre o suposto caso de seu pai com sua babá de infância
para transar e não havia muito tempo para mais nada.

De qualquer maneira, está feito.


Terei para sempre a honra inestimável de ter contaminado e
deflorado a filha preciosa de Rich Rose, e ela pode fugir para a
faculdade sem ter que se preocupar com sua mãe.

Me arrasto para o banheiro, jogo água fria no rosto e escovo


os dentes. O homem olhando para mim do espelho não tem a
satisfação presunçosa que eu pensei que teria depois de completar
esta missão.

Levei as coisas devagar com Sheridan ontem à noite - por


ela. Pelo menos no começo. Não queria assustá-la com nenhuma
posição ridícula de estrela pornô, nem queria fodê-la como uma
boneca sexual inerte. Isso não teria sido agradável para nenhum
de nós.

Seu corpo era quente e flexível em minhas mãos, disposta a


fazer qualquer coisa que eu quisesse, ansiosa para agradar e se
satisfazer. Mas em ponto, percebi que estava gostando... de uma
maneira diferente. É como se alguém ligasse um interruptor e eu
não estivesse mais fantasiando sobre vingar o legado de nossa
família - estava imaginando nós dois juntos.

E não apenas fodendo.

Na minha cabeça, estávamos indo ao cinema, vagando pelo


shopping de mãos dadas, tirando férias de fim de semana... merda
normal de casal.

Então eu a fodi com mais força, como se cada vez que eu a


preenchesse até o limite, isso desviaria um desses pensamentos
ridículos da minha cabeça. Mas não funcionou. Tudo em que eu
podia me concentrar era em como era natural estar ali com ela e
em como logo eu poderia vê-la novamente. Besteira de amor,
bobagem.

Nada disso fazia sentido - e a fantasia obsessiva se recusava


a parar.

Logo, quando ela levantou a palma da mão tenra no meu rosto


e tentou me beijar como se aquele momento significasse algo, eu
perdi o controle.

Foi quando a virei de bruços e a peguei por trás, pressionando


seu rosto contra o travesseiro para que eu não tivesse que olhar
para aqueles olhos azuis radiantes, esperançosos e
inocentes. Olhos que deveriam pertencer a um zé-ninguém que
trabalha em algum escritório com aspirações de comprar uma casa
no subúrbio e começar uma família com ela para que possam
forrar suas paredes com retratos perfeitos de seus filhos de dois e
cinco anos - não um menino rico mimado com um coração duro.

Em um instante, imagino Sheridan como esposa e


mãe. Amorosa. Bom coração. Gentil e leal. Eu a imagino
consertando joelhos machucados, lendo histórias para dormir,
verificando se há febres e enxugando as lágrimas.

Meu peito queima, inchando com emoções antigas que eu


forço nas profundezas da minha alma, onde elas pertencem. E a
voz que me lembra que ninguém jamais derramou uma lágrima
por mim ou se preocupou ou se importou comigo - digo para calar
a boca.

Mesmo se não fôssemos quem somos, mesmo se não


compartilhássemos um passado confuso, mesmo se o universo não
tivesse conspirado para nos manter separados nossas vidas
inteiras - eu ainda seria o cara errado para ela.

No fim, ela merece um homem que possa amá-la. E porque


você não pode dar algo que nunca recebeu... esse homem nunca
será eu.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Sheridan

— Você se lembra daquela babá que tínhamos


antigamente? Kara alguma coisa? — Pergunto a papai durante o
jantar no dia seguinte.

Ele não vacila. Não pisca. Não reage.

— Ah, sim. Kara Tindall, — mamãe diz. Ela se anima em sua


cadeira. — Eu me lembro bem dela. Menina doce. Um pouco mal
orientada, eu acho. Mas muito gentil.

— O que será que ela está fazendo hoje em dia? — Eu


pergunto.

Papai toma um gole de água gelada antes de comer um pedaço


de carne assada. — A última vez que soube, ela exercia advocacia
no centro da cidade.

— Oh, você está brincando comigo. — Mamãe parece um


pouco satisfeita demais, o que parte meu coração. — Bom para
ela. Você sabe, eu fiquei preocupada com ela por um
tempo. Parecia sempre tão perdida. Ela queria tanto fazer parte da
nossa família. Sua vida em casa não era das melhores.
Meu pai concorda. — As probabilidades estavam
definitivamente contra ela.

— Devemos procurá-la, — eu digo. — Talvez a convidar para


jantar algum dia? Conversar um pouco?

Papai me lança um olhar curioso. — De onde isso está tirando


isso, garota? Nunca mencionou o nome dela há mais de uma
década e agora quer recebê-la para jantar?

Ele ri, balançando a cabeça como se achasse isso divertido.

Eu levanto um ombro. — Acho que só... comecei a pensar nela


aleatoriamente outro dia.

Estou mentindo para um mentiroso. Oh, a ironia. Pelo menos


desta vez não me sinto mal por isso.

A tensão entre nós está madura.

Mamãe não percebe.

— É isso mesmo? — Ele está bancando o idiota.

— Talvez eu tenha visto o rosto dela em um outdoor ou algo


assim. — Mantenho minha atenção voltada para ele, em busca de
uma expressão sutil ou um contorcer de sua testa, algo para
mostrar que ele está desconfortável.

Mas não recebo nada.

É uma habilidade que aprimorou ao longo dos anos? Não é a


primeira vez que ele vive uma espécie de vida dupla?
Empurro minha comida em torno do meu prato, desejando
dar uma mordida. Mas eu não consigo. Meu estômago está duro
como uma rocha e meu apetite se foi.

— Obrigada pelo jantar, mamãe. — Eu me levanto e beijo sua


testa antes de levar meu prato para a pia. Ela não costuma
cozinhar. Normalmente é pizza congelada ou algo fácil de preparar
sem muito esforço, mas uma vez por semana ela junta energia
suficiente para preparar uma boa refeição. Eu odeio não ter
conseguido terminar.

Eu me enfio no meu quarto e verifico meu telefone para


encontrar um punhado de mensagens diversos de Adriana... e uma
de August.

Já se passaram alguns dias desde que fizemos sexo. E embora


eu tenha deixado aquele pedaço de papel ao lado do travesseiro,
não tive coragem de chegar até ele primeiro para saber o que fazer.
Eu precisava colocar algum espaço entre nós. Levar algum tempo
para respirar, para processar o que aconteceu.

Foi tudo tão... perfeito.

E então, por alguma razão desconhecida, ele ficou frio.

Respirando fundo, eu toco em sua mensagem.

ENEMY DEAREST: Mona Gillespie é sua enfermeira


domiciliar. Vou encaminhar a você as informações de contato
dela. Ela começa segunda-feira.

Esfrego meus olhos e leio novamente.

Ele fez isso.


Depois de eu não ter notícias dele imediatamente, parte de
mim não achou que ele iria cumprir sua promessa... parte de mim
estava convencida de que tinha sido enganada.

EU: Obrigada.

Ele segue com uma captura de tela do número de telefone de


Mona, e eu fico olhando para a minha tela mais um pouco,
esperando que ele diga algo mais.

Qualquer coisa.

Então, novamente, o que há para dizer?

Coloco meu telefone de lado e pego uma revista próxima de


uma pilha que Adriana me deu. O pai dela trabalha com vendas
para alguma editora, então ela consegue quase todas as revistas
que ela poderia querer de graça.

Folheando a cópia rosa neon da Cosmo de três meses atrás,


pulo os artigos sobre “Como conseguir o seu maior O” e “Como dar
a ele uma noite que ele nunca vai esquecer” e vou direto para o teste
intitulado “Ele está a fim de você?”

Ele manda mensagem do nada?

Ele te chama por algum apelido?

Ele tentou fazer um movimento?

Ele pergunta a seus amigos sobre você?

Ele tentou te pegar sozinha?


Ele flerta com você?

Dez perguntas sim ou não depois, acerto um total de oito


(porque ele nunca me mandou flores ou escreveu poesia). E de
acordo com o redator do teste, isso é sólido: “Ele está
definitivamente a fim de você, então faça sua jogada, amiga. O que
você está esperando?”

Eu fungo e jogo a revista de lado.

Isso é uma perda de tempo.

Não quero nem preciso que ele goste de mim.

Não deveria importar.

E eu não deveria me importar.

Tirando meus fones de ouvido da mesa de cabeceira, ligo-os


ao telefone e pego minha lista de reprodução melancólica favorita,
porque aparentemente estou de mau humor. Já está na metade da
terceira música quando soa o toque de uma nova mensagem.

ENEMY DEAREST: Quer vir até aqui?


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

August

Achei que seria mais difícil de convencer. Realmente achei.


Estou sinceramente chocado por ela estar aqui, o que torna este
momento tão surreal quanto gratificante.

Andando pelo meu quarto, penteando o cabelo em um rabo


de cavalo bagunçado com os dedos, ela desabafa sobre seu pai, o
quanto ela odeia que mentem, e como ela não consegue entender
como ele pode fazer isso com sua própria família.

Eu a deixei divagar, deixei que ela colocasse tudo para fora


para que possamos continuar com isso. Meu conselho não serviria
de nada aqui, de qualquer maneira. Aprendi há muito tempo a não
sair por aí colocando expectativas nas pessoas. Isso só o prepara
para o desapontamento. Esse é o tipo de lição que uma pessoa
precisa aprender por conta própria.

Além disso, eu poderia ter dito a ela que desculpa lamentável


para um humano seu pai era de qualquer maneira.

Eu soube disso durante toda a minha vida.

É uma pena que tenha levado quase duas décadas para


descobrir a terrível verdade sobre seu traseiro arrependido.
Sem dizer uma palavra, mergulho em meu armário de bebidas
escondido, pego dois copos e uma garrafa de uísque com canela
pela metade, porque adoro quando sua boca está quente e doce e
essa mulher precisa relaxar se planeja se divertir.

— Aqui, — eu entrego a ela uma dose. — Você precisa disso.

Ela hesita antes de aceitar.

— Confie em mim. Isso vai aliviar. — Eu tomo o meu num tiro


só. Queima, mas é uma queimadura a que me acostumei nos
últimos verões.

Ela tosse. Novata típica. Mas ela me entrega o copo. — Mais


um.

— Tem certeza? — Levanto uma sobrancelha.

Sheridan acena em direção à garrafa, mãos nos quadris. Ela


não veio aqui só para ser fodida, ela veio aqui para foder - e eu
estou aqui para isso.

— Nunca vi você tão agitada antes. — Eu passo a ela a nova


dose. — É muito excitante...

Ela revira os olhos, bebe o uísque e puxa a camiseta pela


cabeça.

— Oh, então estamos fazendo isso? — Eu provoco. — Essa


garota não quer brincar.

— Então, estamos entendidos, — diz ela. — Acho que você é


um idiota. Mas você é muito bom de cama e essa é
a única razão pela qual estou aqui.
— Você não tem que se explicar. — Eu já sei ...

Movendo-se, ela me agarra pela cintura da minha calça jeans


e me puxa para perto antes de desfazer a braguilha e empurrá-la
para baixo. Um segundo depois, está de joelhos, meu pau
crescendo dentro de sua boca enquanto ela engole meu
comprimento.

— Bom Deus, mulher. — Eu gemo enquanto ela chupa mais


forte. — Não sei o que fiz para merecer isso, mas vou aceitar, porra.

Eu a deixo me levar até a borda antes de sair, e então a levo


para a minha cama. — Por mais quente que tenha sido, eu prefiro
estar no controle. Tire o resto de suas roupas.

Com os olhos fixos nos meus, ela desliza para fora do sutiã de
renda antes de empurrar a legging e a calcinha por suas longas
pernas. Jogando-os de lado, se move para o centro da minha cama
king-size e espera.

Arrancando minha camiseta e largando-a no chão, pego uma


camisinha da minha mesa de cabeceira.

— Abra suas pernas, — eu digo.

Ela se inclina para trás, expondo-se, mas não é o suficiente.

— Mais. — Eu rasgo o pacote de papel alumínio com meus


dentes. — Mostre-me o quanto você quer isso.

O cheiro suave e doce de sua excitação enche o ar,


misturando-se com uma pitada de seu perfume. Posicionando-me
entre suas coxas, corro a ponta da minha língua por sua costura
antes de beijar seu clitóris.
— Meu Deus, você está tão molhada, — eu sussurro,
soprando uma respiração quente em sua boceta antes de dar outra
lambida. — Você quer que eu te foda?

Ela se contorce, mordendo o lábio inferior e balançando a


cabeça.

Deslizando a camisinha no meu pau, eu provoco sua boceta


com a ponta, pressionando contra ela apenas o suficiente para
deixá-la em dolorosa antecipação.

Sheridan geme e eu a silencio com um beijo. — Precisa manter


a voz baixa.

Não temos a casa só para nós esta noite. É tarde e, embora


seja provável que meu pai esteja desmaiado por causa do uísque
noturno, não quero arriscar interrupções desnecessárias.

Empurrando meu pau dentro dela, eu a encho ao máximo. Ela


exala, seu corpo inteiro liberando um arrepio. Mergulhando dentro
dela novamente e novamente, eu provoco sua boca com a
minha. Com a cabeça enterrada no meu ombro, ela sufoca um
gemido enquanto entro com mais força, mais fundo nela.

— Não pare, — ela sussurra.

Não irei.

Eu a fodo até que ambos gozemos, seus quadris se


contorcendo desesperadamente debaixo de mim enquanto minhas
bolas apertam e vazam.

Quando acaba, ficamos emaranhados na bagunça pegajosa e


suada que criamos, sem fôlego e sem palavras.
Ela se levanta primeiro, entrando no meu banheiro para se
limpar. E quando ela sai, não perde tempo se vestindo.

Acho que nunca me senti usado em toda a minha vida - até


agora.

— Você não precisa sair ainda. — Eu lamento suas curvas


enquanto elas desaparecem atrás de sua camiseta e leggings.

— Tenho que chegar em casa antes que meus pais percebam


que saí. — Ela calça as sandálias.

— Você é uma adulta, o que eles vão fazer?

— Literalmente enviarão um grupo de busca se não puderem


me encontrar. — Ela revira os olhos. — E se virem meu carro aqui,
acredite, não será bom...

Sim. Não será bom para eles.

Meu pai é intocável. Ninguém jamais retaliou com sucesso


contra ele de forma alguma. Os Rose não podem contra ele.

— Pode estacionar em uma de nossas vagas na garagem, —


eu digo. Temos oito e uma só, por acaso, está vazia, pois meu pai
está fazendo a manutenção de seu Rolls.

— Ah. E depois? Vamos ver um filme, fazer umas pipocas e


passar a noite de conchinha? Não vamos fingir que isto é algo que
não é. Você ligou. Eu vim. Nós dois conseguimos o que queríamos.

— Você conseguiu? Você conseguiu o que queria?

Seu olhar se volta para a cama. — Sim.


— Ainda está chateada com o seu pai?

Ela desliza a bolsa por cima do ombro, a cabeça inclinada


enquanto um meio sorriso incrédulo pinta seus lábios. — Você não
tem que fazer isso.

— Fazer o que?

— Fingir que você se importa. — Cruzando os braços,


acrescenta: — Deixou perfeitamente claro na outra noite que não
se importa. E não que eu espere que se importe. Mas pelo menos
me faça a cortesia de não fingir.

Puta que pariu.

Ela está certa.

Se soubesse como meus pensamentos estavam fodidos. Como


eles podem girar. Com que facilidade consigo me convencer do
contrário. O quanto eu preciso resistir ao que diabos está se
formando entre nós.

Isso nunca foi feito para ser nada - mas há algo se mexendo
dentro de mim. Uma sensação no centro do meu peito cada vez
que ela entra no ambiente. É igualmente estimulante e assustador,
e isso diz muito porque não há muito que me assuste.

— Eu sinto muito.

Suas sobrancelhas se erguem. — Pelo que?

— Por beijar você como se você significasse algo para mim, —


eu digo. — E por foder você como se não gostasse.
Sua mandíbula trava. Acho que é seguro dizer que ela não
esperava que eu fosse tão direto.

— Foi definitivamente um movimento idiota, — finalmente


fala. — Mas eu superei isso. Talvez se eu gostasse de você, ficaria
mais chateada.

Nossa.

— Mas por que você fez isso de qualquer maneira? — Seu


olhar estreita. — Foi estranho. Você foi tão doce e então...

A verdade reside entre mim, eu mesmo, e eu.

E é assim que vai ficar.

— Eu poderia dar-lhe um milhão de desculpas, — eu digo. —


Mas no final do dia, eu estou tão fodido quanto todos. Ninguém é
perfeito. Eu não sou. Seu pai não é. Nem mesmo sua mãe. Você
tem que parar de idealizar todos. É assim que se machuca.

— Você está evitando minha pergunta.

— Eu fui pego no momento, — eu digo, o que não é uma


mentira completa. — Você tem que admitir, foi realmente quente
pra caralho.

Limpando a garganta, ela endireita os ombros e luta contra


um sorriso. — Sim. Correu tudo bem.

Eu mereço isso.
— Mas você deveria ficar, — eu digo. — Bebeu umas doses de
whisky. Acho que você não deveria dirigir para casa ainda. Deixa
passar um pouco mais de tempo.

Seus ombros caem e sua atenção se volta para o chão. Um


momento depois, ela deixa sua bolsa deslizar pelo braço e se senta
aos pés da minha cama.

— Só um pouquinho, — ela diz, falando como uma verdadeira


boa menina.

— Agora, não pense que me importo com você de repente, —


provoco, cutucando-a com o pé. — Eu odiaria que você se
machucasse no caminho para casa. Isso acenderia nossa rixa
familiar novamente.

Ela se vira para mim, sorrindo. — Foi extinta alguma vez?

— Provavelmente, não. — Desço da cama e escorrego em


minhas boxers e jeans e depois pego duas águas do frigobar. — O
que você sabe, afinal? Sobre o que aconteceu? Que tipo de coisas
seus pais disseram sobre minha família ao longo dos anos?

— Você realmente quer saber?

Eu entrego a ela uma garrafa e destampo a minha. — Não


perguntaria se não quisesse.

— A maior parte do que sei vem de artigos de jornais, — diz


ela. — O resto ... foi mantido em absoluto silêncio. Meus pais
nunca falaram muito sobre as coisas do passado. Eles apenas
disseram o suficiente para deixar claro que eu deveria ficar longe
de sua família a qualquer custo.
Eu fungo. — Você nos faz parecer a máfia.

— Isso é basicamente o que vocês são nesta cidade, — diz


ela. — Sua família tem conexões em todos os lugares. E todo
mundo tem medo do seu pai. Existem rumores. Tenho certeza que
você já ouviu todos eles.

Eu concordo. — Cada um.

E nunca me preocupei em esclarecer um único assunto,


embora a maioria deles fosse verdade.

É provável que seja por isso que ninguém ousou mexer


comigo no colégio. Eles estavam borrados de medo, e seus pais
estavam borrados de medo. Qualquer um nesta cidade seria um
maldito idiota se tentasse se meter com meu pai.

Como Rich Rose conseguiu escapar não uma, mas duas


vezes, é um verdadeiro milagre da vida.

Jamais diria isto a Sheridan, mas enquanto meu pai estiver


respirando, o pai dela estará com os minutos contados. Estou
convencido de que ele ainda não o atacou porque ele se diverte
torturando-o de longe. Certificando-se de que ele não consiga
manter um emprego. Manchando seu nome por toda a cidade. Às
vezes são as pequenas coisas que causam o maior impacto, ele
sempre me diz.

— Por que seu quarto é tão genérico? — Ela muda de


assunto. — Você não tem fotos, medalhas ou troféus.

— Não preciso de lembretes de coisas que já aconteceram. —


Eles vivem na minha cabeça o suficiente... — E realmente não me
apego às coisas.
Ou pessoas.

Principalmente pessoas.

— Deixe-me adivinhar, seu quarto está repleto de


lembranças. Em sua cama há a colcha que sua avó fez. E você tem
uma pequena escrivaninha com um quadro de avisos coberto com
fitas de participação e prêmios que não terão significado para você
em cinco anos. Talvez um punhado de fotografias com molduras
diferentes...

— Caramba. É como se você tivesse estado no meu quarto ou


algo assim.

— Sério?

Sheridan balança a cabeça e toma um gole de água. — Eu


tenho uma manta, não uma colcha. Comprada em um brechó. E
eu não tenho uma mesa porque não há espaço suficiente para
caber uma cama e uma cômoda no meu quarto. Tenho muitas
fotos, mas não tantas como você provavelmente pensa. E todos os
meus prêmios sem sentido são mantidos em uma caixa de plástico
na prateleira de cima do meu armário.

— Perto o suficiente.

Ela dá de ombros e coloca a água no chão, ajeita o rabo de


cavalo e verifica a hora. Não posso deixá-la ir ainda. Não é seguro.

— De todas as piscinas naquela noite, por que você escolheu


a minha? — Pergunto para atrasá-la. Além disso, estou curioso. —
Deve haver centenas de piscinas nesta cidade.
— Fácil, — ela diz. — A sua é mais longe da minha casa. As
piscinas de todos os outros são praticamente fora de seus pátios
de trás. Achei que ninguém me veria se eu nadasse na sua...

Inteligente.

— Por que você quebrou aquela garrafa de cerveja? — Ela


pergunta, a vez dela.

— Eu estava com raiva.

— Porque eu entrei escondida?

— Porque você fugiu de mim quando eu estava falando com


você, — digo. — Eu soube exatamente quem você era no segundo
que vi seu rosto. E quando foi embora, era apenas mais uma Rose
desrespeitando um Monreaux e teve a audácia de evitar as
consequências.

Minha mandíbula se contrai do jeito que ficou naquela noite.

Mas eu não quero ficar com raiva. Estou muito cansado.

Levantando-se, ela recolhe suas coisas e caminha em minha


direção. — Tenho quase certeza de que paguei minha penitência
agora. Você não acha?

Seu doce perfume invade meus pulmões, e sua boca está tão
perto que eu poderia beijá-la.

— Devíamos fazer isso com mais frequência, — eu digo. —


Talvez tornar isto uma coisa habitual...
Seus olhos vidrados procuram os meus. — Vou para a
faculdade no final do mês.

— O mesmo.

Permanecemos imóveis em um silêncio denso, o espaço entre


nós carregado com coisas que nenhum de nós está dizendo.

— Contanto que estejamos na mesma página, — ela diz depois


de um minuto de contemplação silenciosa. — Só curtir.

— Eu não sonharia com mais nada. — Meu peito aperta


porque sou um bastardo mentiroso. Sonhei com ela ontem à noite
e na noite anterior. E também há devaneios. Estou fazendo minhas
coisas no meu dia a dia e de repente me pego pensando no gosto
dela, na maneira como seu corpo se encaixa perfeitamente ao meu,
no doce perfume de seu cabelo ou naquele rosto tímido que ela faz
quando está tentando não sorrir para algo que eu disse.

Porra.

Porra, porra, porra.

— Garota Rose, — eu digo.

— Sim?

Coloco minhas mãos em volta da cintura dela e a puxo contra


mim. — Não acho que você deva sair ainda.

Ela franze a testa. — Não posso ficar a noite toda...

— Você não deveria dirigir ainda. Não foi o suficiente.


Ela começa a protestar, mas eu aperto seus lábios macios
como pétalas com os meus. — Volte para a cama. Vou fazer valer
a pena.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Sheridan

— Você sabe que aconteceu uma coisa muito estranha,


acordei no meio da noite ontem para usar o banheiro e a porta dos
fundos estava aberta, — mamãe disse na manhã seguinte. —
Então fui vê-la e você estava dormindo profundamente. Fiquei
preocupada.

Merda. Não devo ter fechado quando voltei para casa. A


fechadura é barulhenta e eu não queria fazer muito
barulho. Pensei ter fechado, mas aparentemente não. Terei que ter
mais cuidado na próxima vez e haverá uma próxima vez porque
August e eu estamos... curtindo agora.

A doce dor entre minhas pernas pulsa, mas eu contenho


minha excitação inoportuna.

Mamãe toma um gole de café e aperta o roupão atoalhado,


olhando pela janela acima da pia da cozinha como se pudesse
avistar algum tipo de evidência no quintal.

— Então adivinhe? — Eu mudo de assunto. — Acabei de


descobrir que você foi selecionada para aquele programa de
enfermagem domiciliar.
Ela se vira para mim, com os olhos arregalados e um sorriso
tão grande que quase chega às orelhas. — O quê?! Querida, isso é
incrível. — Mas em um flash, sua expressão escurece. — Tem
certeza que não é algum tipo de golpe? Por que
eles me escolheriam?

— Não sei. Talvez tenham gostado do ensaio que escrevi? —


Eu morro um pouco por dentro cada vez que minto para ela. Mas
isso é por uma boa causa. — De qualquer forma, sua enfermeira é
Mona e ela começa na segunda-feira. Vou treiná-la e tudo nos
primeiros dias. E quando eu estiver indo para a faculdade, ela já
deve estar com tudo em ordem.

— Seu pai sabe?

— Ainda não. — Não queria dizer nada caso meu arranjo não
desse certo.

Sua boca torce para um lado. — Sabe como ele fica quando é
deixado de fora de grandes decisões como essa...

— Como ele pode dizer não a isso? Isso vai tornar sua vida
mais fácil. A dele e a sua. E a minha.

— Isso é verdade... — Ela leva a caneca aos lábios, mas não


toma um gole. — Vai ser uma adaptação para todos nós.

— Mas é o melhor, — eu a lembro.

— Absolutamente.

— A propósito, vou ficar na casa de Adri nesta sexta-feira à


noite. — Não tenho ideia se ou quando verei August novamente,
mas acho que devo plantar a semente agora, para que ela saiba
que eu posso estar ausente.

— O que vocês garotas vão fazer uma sem a outra em algumas


semanas?

Minha mente vagueia para August antes de ir para Adriana.

— Estamos apenas levando as coisas um dia de cada vez.

— Ela irá te visitar na faculdade? — Mamãe pergunta.

O sorriso sexy de August enche minha cabeça.

— Não espero isso, não. — Minha resposta se aplica a ambos.


Adri pode aparecer e me convencer a encontrar alguma festa de
fraternidade, mas ela tem sua própria vida por aqui. Não espero
que dirija duas horas para me ver regularmente. É para isso que
serve o FaceTime.

— Bem, então vocês se verão nas férias, — diz mamãe.

— Sim... tenho certeza que vamos.

— Consigo dizer que ela vai ser uma daquelas amigas para
toda a vida, sabe? Aquelas que estão lá para você ao longo do
tempo. Está até recuperando sua cor, entendeu? Hoje em dia, está
dormindo melhor. E seus olhos brilham novamente. Se eu não
soubesse melhor, acharia que você estava se apaixonando por
alguém. — Mamãe ri.

Oh, Deus.

De jeito nenhum...
Não estou me apaixonando por August - mal o conheço.

Meu estômago dá uma cambalhota em protesto.

É luxúria. Luxúria severa. Temos uma química física insana


e ele é uma distração e uma libertação para mim - isso é tudo.

— Por falar em Adriana, devo me preparar para o trabalho. —


Beijo a bochecha de mamãe e caminho para o meu quarto. Tirando
meu telefone do carregador, encontro uma mensagem esperando
por mim.

ENEMY DEAREST: Esta noite?

EU: Eu não posso. Que tal sexta?

ENEMY DEAREST: Não sei se consigo esperar tanto...

EU: Você vai ter que esperar. Não posso continuar fugindo
assim.

ENEMY DEAREST: Então irei até você.

EU: Você é maluco. Te vejo na sexta.

Pego meu reflexo no espelho da cômoda - sorriso grande,


velho e estúpido e olhos iluminados como fogos de artifício.

Isso não é amor. Nem mesmo perto. Mas eu meio que me


preocupo que possa ser algo...

Só não sei o que é esse algo ainda - ou se posso contê-lo antes


que se transforme em algo maior do que nós dois.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

August

É meia-noite e meia quando estaciono a um quarteirão da


casa de Sheridan. Correndo pela calçada, envio uma mensagem
para ela.

EU: Qual janela é a sua?

GAROTA ROSE: O quê?

EU: Estou do lado de fora da sua casa. Eu disse que viria hoje
à noite.

GAROTA ROSE: OMG. Você está mentindo.

Seu pequeno Nissan azul está estacionado em frente da casa


de sua família.

Ela está em casa.

EU: É a que tem cortinas de flores? E a lâmpada acesa?

GAROTA ROSE: Meus pais estão em casa...

EU: Eles estão dormindo?


GAROTA ROSE: Sim, mas não é essa a questão. Você
literalmente. Não. Pode. Vir. Aqui.

Eu bato em sua janela, leve, mas audível o suficiente. Um


segundo depois, as cortinas se abrem e ela desliza a parte inferior
para cima.

— O que diabos você está fazendo aqui? — Ela grita-sussurra.

— Eu te disse - não posso esperar até sexta-feira.

— Tem que ir para casa. — Ela mantém a voz baixa, voltando-


se para verificar a porta.

— Me ajude. — Eu subo pelo tapume. Para minha surpresa,


ela abre a tela rasgada, agarra meus braços e me puxa para seu
quarto, que é exatamente como ela descreveu ontem à noite, só
que se esqueceu de mencionar o globo de neve de unicórnio em
sua mesa de cabeceira.

— Você é realmente louco. Sabe disso, certo? Cem por


cento. Certificável. — Ela cruza os braços. — Não posso acreditar
que você está aqui agora.

Eu a silencio com um beijo.

— Shh, — eu a lembro. Pegando seu pulso, eu a levo para a


cama, mas ela resiste.

— Não, — ela diz, — ela range muito.

Ok. Sexo no chão, então.


Eu aperto seus lábios com os meus e os separo com minha
língua, provando sua pasta de dente de hortelã e absorvendo o
calor de seu corpo. Um minuto depois, estamos no chão, Sheridan
se esfregando no meu colo enquanto eu deslizo a calça do pijama
para o lado e ela se empala em mim. Com cada movimento lento e
intencional de seus quadris, ela nos leva para mais perto do
limite. E quando ela está quase lá, enterra o rosto no meu ombro
e se balança contra mim com tanta força que a lâmpada em sua
mesa de cabeceira treme.

Rápido e sujo, terminamos em tempo recorde - para mim


pessoalmente - e ela me leva até a janela.

Suas bochechas estão coradas de um rosa orgasmo. Por um


segundo, a imagem de um idiota universitário bêbado tentando
enfiar seu pau de lápis nela vem à mente, e um flash de calor sobe
pelo meu pescoço. Em algumas semanas, ela estará livre. Uma
linda caloura como ela, com seios perfeitos e esses olhos azuis bebê
estaria pronta para ser abatida. Ela não duraria dois segundos em
Bexler. Os imbecis que eu conheço estariam brigando pelo
primeiro pedaço.

Ela merece mais do que isso.

Ela não merece ser objetificada - e é também por isso que


apaguei recentemente os vídeos de segurança de nossos encontros
em meu quarto. E de agora em diante, desativarei a câmera
quando ela chegar. O que acontece entre nós, fica entre nós.

— August, você tem que ir. — Ela acena com a cabeça em


direção à janela. — Sério, não faça isso de novo, está bem?
Sim, foi uma jogada maluca - mas não consegui tirá-la da
minha cabeça o dia todo, esperar até o fim de semana estava fora
de questão, e não havia mais nada a fazer.

Eu me iço para fora da janela e caio de pé. Sheridan inclina a


cabeça para fora, seu cabelo bagunçado caindo pelos ombros e se
espalhando em seu decote.

— Sexta-feira, — ela diz. — Sua casa.

Eu zombo. Como se eu precisasse do lembrete.

Um minuto depois, dirijo para o meu lado da cidade, afogando


minha cacofonia de pensamentos obsessivos com algum álbum
aleatório da MUNRO que tenho no meu telefone. Aumento o
volume até que a música ecoa dentro de mim, através de mim e
por toda parte - como se eu fosse feito de vidro oco.

No meio da próxima música, eu pisei no freio - isso não é um


vazio que estou sentindo... é uma plenitude.

Não sei o que isso significa, mas não é nada que eu já tenha
sentido antes com outra pessoa... e não pode ser bom.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Sheridan

Eu rolo para o lado vazio da cama na sexta à noite, saindo do


orgasmo número três. Ele me prometeu nada menos do que cinco,
mas estamos nisso desde que entrei no quarto dele, e estou
sinceramente exausta.

— Você quer fazer uma pausa? — Ele pergunta, pegando um


pouco de água.

Roubo um vislumbre de seu traseiro nu quando ele não está


olhando. Ele tem um corpo construído para o prazer e o pecado,
mas eu nunca realmente tive tempo para apreciar totalmente seu
abdômen esculpido ou a forma como seus músculos mergulham
na parte inferior das costas, logo acima de sua bunda perfeita.

— Sim, — eu digo.

Pegando um controle remoto, ele aponta para uma pintura na


parede - que agora estou percebendo que era uma TV o tempo todo
- e liga a Netflix. Deslizando para a cama ao meu lado, ele coloca
um travesseiro nas costas e me diz para escolher algo.

É estranho como isso é confortável, como é natural estar com


ele.
Dentro dessas paredes, não somos uma Rose e um
Monreaux. Somos dois adultos que gostam da companhia um do
outro por motivos que nem podemos explicar. Embora eu mal o
conheça, quando estamos juntos, fico tão confortável com ele
quanto sou alguém que conheço minha vida inteira. É estranho. E
não faz sentido. Mas não posso negar. E acredite em mim, eu
tentei.

Forço os pensamentos para longe e me concentro no menu.

Não há por que entreter o que poderia ter sido... o que nunca
será.

Estamos apenas nos conectando. Nós dois partiremos para a


faculdade em algumas semanas. Estar juntos abertamente teria
uma miríade de consequências para nós dois. Seu pai o
repudiaria. Minha mãe ficaria com o coração partido. Meu pai
ficaria arrasado - embora seja, honestamente, a menor das minhas
preocupações agora.

Escolho um documentário sobre um polvo e clico em


'reproduzir'.

Aproximando-se mais, August pousa a mão na minha coxa


nua, as pontas dos dedos traçando a parte interna da minha
perna. O documentário é um pouco menos que emocionante, mas
eu estava tentando escolher algo neutro, algo que pudéssemos
desfrutar.

— Tentando me aquecer para a quarta rodada? — Eu


pergunto enquanto ele segura minha bochecha e rouba um beijo.
São três da manhã. Não dormimos nem um pouco. Nesse
ritmo, nem dormiríamos. E eu devo estar no trabalho em nove
horas...

— Só estou pegando o máximo possível de você, enquanto


posso. — Ele me pega pelo pulso e me leva para seu colo. Suas
palmas roçam minhas coxas antes que ele agarre minha
bunda. Sua dureza cresce entre minhas coxas, sua carne quente
contra a minha. Um movimento descuidado e ele estaria dentro de
mim sem preservativo, e ainda não conversamos sobre isso.

Não estou tentando ter um bebê Monreaux...

— Parece que o mundo está acabando, do jeito que estamos


indo... — Escovo uma mecha desordenada de seu rosto perfeito.
Nossos olhos descansam em algum lugar íntimo, em outro mundo,
mas eu me convenço que não estou interpretando nada, e quebro
o olhar.

Eu me forço a imaginá-lo em Bexler neste outono, que ouvi


dizer que é basicamente um buffet livre de belas mulheres. Como
dizem: “todas as garotas bonitas vão para Bexler”. Eu ouvi alguém
na minha aula de francês dizendo que Bexler é a escola onde a
maioria das mulheres sai com um diploma que nunca usarão e um
futuro garantido como uma esposa troféu.

Isso será August, um dia. Ele se casará com uma bela mulher,
que lhe proporcionará orgasmos intermináveis e uma vida inteira
de segurança - e eu não me importo com isso. Porque eu preciso
aceitar.

Mesmo que isso parta um pouco meu coração...


August se inclina, beijando minha clavícula antes de descer
pelo meu ombro - até meu estômago roncar.

Ele para. — Está com fome?

— Sim, um pouco. — Eu estou morrendo de fome.

Um segundo depois, ele vasculha uma gaveta da cômoda. —


Aqui, use isso.

Ele me entrega uma camiseta, que coloco pela cabeça. E ele


uma calça de pijama.

O corredor está escuro como breu, nada além de arandelas


nas paredes a cada poucos metros. Quando chegamos ao topo da
escada, ele pega minha mão e meu coração dá um salto.

Um minuto depois, estamos na cozinha.

— Sente-se. — Ele me aponta um banco na ilha enquanto


vasculha a geladeira.

Um sanduíche de peru, um pouco de abacaxi fresco e alguns


refrigerantes depois, meu estômago não ronca mais. Enquanto
voltamos para seu quarto, eu sinto o gosto de restos de alcaçuz em
meus dentes, saboreando a doçura restante. Deste dia em diante,
provavelmente sempre associarei alcaçuz com August.

— August.

Estamos na metade do caminho para o segundo andar


quando uma voz masculina corta a escuridão silenciosa.

Respiro fundo, segurando meu peito.


De pé na base da escada está um homem que se assemelha a
uma versão de August um pouco mais velha, mais simples, de
cabelos mais escuros e com olhos mais escuros. Definitivamente
não é Soren. Já vi sua imagem em cartazes suficientes e o vi atuar
em programas noturnos suficientes para que fosse memorizado.

— Achei que você estava na Filadélfia a trabalho? — August


diz.

— Que diabos é isso? — O homem ignora o comentário de


August, me absorvendo da cabeça aos pés de uma forma que me
faz contorcer. Estreitando os olhos, ele estuda meu rosto, como se
estivesse tentando me localizar. — Percebe que no minuto em que
você for embora, haverá mais dez em seu lugar. Como você.

— Foda-se. O que há de errado com você? — August dá um


passo em sua direção, colocando-se entre nós dois.

— Para o caso de ela estar se sentindo especial por um


segundo, — o homem diz a ele. — Não queria lhe dar falsas
esperanças. Você tem o hábito de fazer isso com as
pessoas. Fazendo promessas que você não pode cumprir.

— Você realmente precisa calar a boca agora. — August range


as palavras entre os dentes e dá mais um passo para mais perto
do homem, mas prendo minha mão em seu cotovelo e o impeço de
fazer algo maluco.

— Está tudo bem, — eu sussurro.

Os dois ficam se olhando para o que parece uma eternidade,


antes de August se virar e me levar para cima, sua mão apertando
a minha, embora eu não ache que ele perceba.
— Ele não vale a pena, porra, — ele diz baixinho. Não sei se
ele está falando comigo - ou consigo mesmo.

— Quem era? — Eu pergunto.

— Gannon.

— E ele sempre fala com você assim? — Estamos sentados em


sua cama agora.

— Nosso relacionamento sempre foi... especial. — Seus


ombros sobem e descem, os músculos flexionando a cada
respiração. — Mas acredite em mim, eu lhe dou o dobro disso.

Sentando na cama atrás dele, eu esfrego seus ombros. — Ele


parece um idiota.

August responde irritado. — Apenas esqueça o que ele disse,


certo? Ele estava apenas inventando uma merda para fazer você
se sentir mal e para me atingir. É isso que ele faz. O filho da puta
gosta dessa merda.

— Quer dizer... não é como se estivéssemos namorando. Você


tem permissão para estar com outras pessoas. Eu não tenho
qualquer tipo de reinvindicação sobre você...

Ele exala. — Sim.

Ficamos sentados em profuso silêncio por um momento, uma


espécie de silêncio quase doloroso. Pelo que sei, ele está evocando
todos os tipos de memórias desagradáveis naquela cabeça
misteriosa. Lembranças que guarda dentro porque não tem outro
lugar para colocá-las. Eu pressiono minha bochecha contra suas
costas para que ele saiba que não está sozinho.
A batida poderosa de seu batimento cardíaco toca em meu
ouvido enquanto inalo seu cheiro familiar.

Irei sentir falta disso.

— Você já me imaginou com outra pessoa? — Ele pergunta.

Eu me sento. Ele se vira, inclinando seu corpo em direção ao


meu.

— O que você quer dizer?

— Se você me imagina com outra mulher, como você se sente?

Afundando, eu o imagino com uma bela morena com


aspirações de prendê-lo para o resto da vida, e isso não
é agradável. Mas não posso dizer isso a ele.

Qual seria o objetivo? Para nos torturarmos?

Não podemos ficar juntos.

— Quando penso em você com outro homem, — diz ele, — é


como um soco no estômago. Essa é a única maneira que posso
descrever. Isso me deixa sem fôlego. Eu literalmente não consigo
respirar.

Digiro suas palavras por um segundo. Isto está acontecendo


tão rápido - e sua confissão está além do inesperado. Eu mesma
já havia pensado nisso inúmeras vezes, apenas para transmiti-las
como devaneios imprudentes e nada mais.

— O que você está dizendo?


Ele arrasta um longo suspiro, puxa seus cabelos
desarrumados para trás e exala. — Não sei. Não sei o que significa
qualquer uma destas merdas. Eu só... eu só sei que é diferente.
Estar com você. E não posso negar isso. Não sei o que fazer com
isso, portanto estou colocando isso pra fora.

Ele está divagando. E August nunca divaga.

— Sei que isso é repentino, — ele continua. — Mas é o mais


real...

Levando um dedo aos lábios, eu o acalmo.

— Eu sei o que você está tentando dizer, — digo a ele. — E eu


sei o que você tem medo de dizer, porque eu também sinto. —
Analiso suas feições no escuro, embora mesmo se meus olhos
estivessem fechados eu ainda os saberia de cor. — Então o que
fazemos agora? O que diabos nós fazemos?

Ele me responde com um beijo, frenético e selvagem, com os


dedos no meu cabelo, mas suponho que seja porque não há outra
resposta.

Nosso futuro foi escrito para nós muito antes do dia em que
nos conhecemos.

Tudo o que temos é este momento.


CAPÍTULO VINTE E SETE

August

Tive a infeliz sorte de encontrar Gannon na manhã de sábado,


depois de levar Sheridan a porta.

— Importa-se de me dizer o que diabos você estava fazendo


com a filha de Rich Rose na noite passada? — Ele pergunta.

— Quem? — Pego uma caixa de suco de laranja da geladeira


e bebo direto da garrafa, simplesmente porque sei que isso o irrita.

— Não insulte minha inteligência. Eu vi o carro dela. Mandei


alguém verificar a placa. Está registrado em nome de Rich e Mary
Beth Rose.

— Não brinca? Essa garota era uma Rose? — Eu me faço de


bobo enquanto tomo outro gole. — Acho que ela deixou isso de fora
quando estava perguntando a ela cinquenta milhões de perguntas
sobre seu passado antes de eu comê-la.

— Papai sabe que você está com a filha de Rich?

— Ele não sabe. Você se importaria de informá-lo da próxima


vez que você estiver no rabo dele?
Gannon zomba, com as mãos nos bolsos da calça
cáqui. Quem diabos usa calça cáqui em uma manhã de sábado,
afinal?

— O quê, você acha que ele ficaria orgulhoso? Rich Rose é um


risco. E se ele mandar a filha dele dizer que você a estuprou ou
algo assim? — Ele balança a cabeça. — Às vezes eu realmente acho
que você tem merda na cabeça.

— Sim, provavelmente por que não entrei em Vanderbilt. —


Ele e eu sabemos que nunca entrei porque nunca me inscrevi. Com
minha pontuação perfeita no SAT e uma miríade de cartas de
recomendação e distinções do ensino médio, eu teria sido um
sucesso.

— Estou avisando, August. Pare de brincar com essa menina.


— O rosto de Gannon está vermelho-cereja, um infalível sintoma
de infarto.

Talvez tenha sido ingênuo de minha parte não considerar as


maneiras como nosso pequeno arranjo poderia ser distorcido pela
pessoa errada. Mas Sheridan nunca faria isso. Ela está acima
dessa merda.

— Ou o quê? Você vai fofocar sobre mim? — Devolvo o suco


de laranja contaminado a geladeira e, quando fecho a porta, vejo o
rosto de Gannon no meu. — Que porra...

— Bom dia, meninos. — Cumprimenta Clarice entrando na


cozinha, vassoura na mão, e timing impecável como sempre.

Quando éramos pequenos e Clarice estava aqui em tempo


integral, ela estava constantemente interrompendo nossas
brigas. Apenas uma vez ficou físico e ela acabou no meio com um
nariz quebrado.

Juramos nunca mais brigar perto dela - a única coisa com a


qual concordamos.

— Bom dia, Clarice. — Eu sigo para as escadas, apenas para


ser seguido pelo idiota.

— Estou falando sério. Fique longe dessa família, — Gannon


diz baixinho enquanto segue atrás de mim.

Eu paro, voltando. — Pela primeira vez na vida, faça um favor


a si mesmo e cuide da sua vida.

— O pai dela é um assassino.

— Não temos certeza disso. Ele foi absolvido, — eu digo. Não


posso acreditar que estou defendendo Rich neste momento, mas
se isso tirar Gannon da minha frente, eu o farei.

— Oh, agora que você está fodendo a filha daquele bastardo,


você está disposto a fazer vista grossa?

— Dificilmente.

— Rich Rose sabe sobre vocês dois? — Ele aperta os olhos,


sua boca formando uma torção diabólica.

Não posso dizer a ele que sim ou não. Não posso dar-lhe
munição. Enquanto meu plano original era desonrar Sheridan por
despeito, eu na verdade me importo com ela agora. Não conseguiria
viver comigo mesmo se eu piorasse as coisas para ela em casa - ou
se Gannon agitasse a merda só para se livrar de suas próprias
coisas.

— Não é realmente da sua conta, — eu o aviso. — E se você


tem um pingo de inteligência, você vai deixá-lo em paz, porra.

— Ou o quê? — Ele ri.

— Vou dizer ao papai que você está fodendo a Cassandra, —


digo sem perder tempo.

É incrível a rapidez com que a presunção se evapora do rosto


dele. Estou blefando. Não sei se estão fodendo, mas já os vi
flertando quando nosso pai não está olhando e isso sempre me
causa ânsia de vômito. Mas a expressão no rosto dele é suficiente
para me fazer pensar que talvez haja alguma verdade na minha
pequena acusação. Ou, no mínimo, um desejo reprimido.

Nojento.

— Você é um idiota diabólico, — diz ele.

Encolho os ombros. — É preciso um para reconhecer o outro

Eu aceno para Gannon. E o idiota vai embora, mas não sem


antes me lançar um olhar mortal. Um que sugere que ele ainda
não acabou comigo.

Mas ele não me assusta.

A ideia de perder Sheridan, entretanto? Completamente


aterrorizante.
CAPÍTULO VINTE E OITO

Sheridan

— oi, Mona, entre. — Eu cumprimento nossa nova enfermeira


na segunda de manhã. — Eu sou Sheridan.

Mona usa um uniforme amarelo claro e carrega uma bolsa de


lona verde oliva com uma cruz médica de um lado e o logotipo da
empresa de enfermagem do outro. Uma pilha de livretos e papéis
está embaixo de um braço.

— Prazer em conhecê-la, Sheridan. — Mona oferece um aperto


de mão, que é quente e macio, e ela esfrega seus ombros quando
sorri. Seus cabelos castanhos são prateados e ela tem um leve
cheiro de amaciante de roupa e açúcar mascavo.

Eu já a amo.

— Mamãe está na sala de estar, — eu digo.

Ela tira de seu Crocs azul e me segue até a sala de estar, onde
mamãe está acomodada na poltrona. — Você pode sentar-se onde
quiser.

Não que tenhamos muitas opções. Temos um sofá e uma


cadeira. E a cadeira já está ocupada.
Durante a hora que se segue, conto a ela tudo sobre as
necessidades de mamãe. Como elas variam dependendo do
dia. Alguns dias ela não precisa de ajuda com nada, outros dias
ela mal consegue sair da cama sozinha. Quando terminamos, dou
a ela um rápido tour pela casa, terminando na cozinha perto do
armário de remédios.

— Este é o horário dos remédios da mamãe. — Aponto para a


lista na geladeira. — Passei para a pessoa da sua agência quando
falamos ao telefone outro dia, mas está sempre aqui para facilitar
a consulta.

— Maravilhoso, — diz ela, vasculhando a papelada em seus


braços. — Na verdade, eu também tenho algumas coisas para você.
Isto é um imã com nossas informações de plantão e de emergência.
Aqui está meu cartão e alguns sobressalentes no caso de você
querer entregá-las a amigos, vizinhos ou membros da família. Ah,
e eu tenho alguns papéis que precisam ser assinados.

— Achei que já tinha assinado tudo? Alguns dias atrás? Com


o administrador?

— Oh, isso é para o faturamento. Aparentemente, o fiador não


é um membro da família, então eles queriam ter esse formulário
especial em arquivo. É uma formalidade. — Ela coloca a folha no
balcão e me entrega uma caneta, e eu rezo para que a mamãe não
tenha ouvido nada do que ela acabou de dizer.

Reviso a papelada, assino nas linhas e verifico que August


Monreaux é responsável por todo e qualquer pagamento, mas que
minha família tem autorização dos serviços. Mas quando chego ao
fundo, a data ao lado de seu nome parece... errada.
Alguma matemática mental rápida, e percebo que a data
mostrada teria sido dois dias antes de termos tido relações sexuais
pela primeira vez.

— O que significa esta data? — Aponto para o final do


formulário.

Ela se vira para si mesma. — Oh. Essa é a data em que o


contrato foi iniciado.

— Isso está correto?

Os lábios de Mona se espalharam em um sorriso terno. —


Tenho certeza, mas estou feliz em verificar para você.

Estou prestes a dizer a ela que não é necessário, quando estou


distraída com a outra data - a data de fim do serviço.

— Isso... isso diz quatro anos a partir de agora? — Eu


pergunto.

— Com certeza. Parece que o seu fiador pagou


antecipadamente por 48 meses de serviços.

Sento-me à mesa, tentando envolver minha cabeça em torno


disso. Quarenta e oito meses cobririam todas as necessidades de
mamãe até que eu pudesse me formar com meu bacharelado em
enfermagem.

Sem mencionar que ele gastou bem mais de cem mil nisso -
antes mesmo de eu dormir com ele.

Por que ele não me contou?


Carinho e plenitude inundam meu peito, enchendo-o de uma
borda invisível para ser substituído por uma sensação sombria e
sinuosa que me ancora no lugar e rouba toda a beleza deste
momento.

Ele já estava se apaixonando por mim muito antes que eu


percebesse isso.

Talvez mesmo antes que percebesse, também.

— Tudo certo? — Mona coloca sua mão sobre a minha. —


Você parece um pouco atordoada. Eu sei que isso pode ser um
pouco opressor no início. É uma grande mudança.

— Sim, desculpe-me. — Eu forço um sorriso. — Estava


perdida em pensamentos.

— Se você quiser dar uma olhada em tudo, vou ver como está
sua mãe. Se tiver alguma dúvida, é só me avisar, ok?

— Perfeito. E se não se importa, por favor, não mencione


nenhuma questão de faturamento para mamãe. Não seria bom
para ela se preocupar com isso.

— Não é um problema.

Mona vai para a sala de estar e, um segundo depois, suas


vozes vão para a cozinha enquanto conversam um
pouco. Deslizando meu telefone do bolso, tiro uma foto do contrato
e envio uma mensagem para August.

EU: Você é realmente incrível. Só achei que você deveria saber


disso.
ENEMY DEAREST: Então antes eu era louco e insano... mas
agora eu sou incrível? O que é isso, garota Rose?

EU: Você é meio que... tudo... tudo em um.

ENEMY DEAREST: Uma coisa boa, espero.

Se ao menos não fosse, seria um milhão de vezes mais fácil ir


embora antes que isso explodisse em nossos rostos... porque é
apenas uma questão de tempo.

As coisas boas nunca duram, especialmente quando não


deveriam acontecer.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

August

Sheridan cutuca meu ombro com o dela enquanto


caminhamos para o meu carro. — Isso parece tão arriscado...
estarmos juntos em público.

Estamos na cidade próxima, uma cidade antiga e turística


chamada Springdale. Nunca ninguém de nossa idade pôs os pés
aqui e a maioria dos moradores de Meredith Hills prefere
shoppings novos e brilhantes a fachadas vintage, por isso parecia
ser a escolha mais segura para um dia juntos.

Encontramos um restaurante de frutos do mar e andamos


pelas vitrines da Main Street como um velho casal, algo que eu
nunca teria sido pego nem morto fazendo antes de conhecer essa
mulher. Tiramos fotos perto de uma fonte - fotos que nunca verão
a luz do dia fora de nossos telefones - e ela dançou para mim do
lado de fora de um pequeno café que transmitia Frank Sinatra de
um alto-falante externo. Eu também não conseguia lembrar que
música era. Eu estava muito absorvido por sua leveza, seu sorriso
contagiante e como o resto do mundo se derrete sempre que
estamos juntos.
Prendendo minha linda garota contra a porta do passageiro,
embalo seu rosto doce e substituo o sorriso em seus lábios por um
beijo.

Eu sou oficialmente aquele cara.

O idiota apaixonado pela namorada que não se cansa dela -


só que ela não é minha namorada. Tecnicamente, isso nem é um
encontro. Apesar de estabelecer que ambos estamos conquistando
sentimentos, precisamos ainda colocar rótulos ou fazer promessas
que não podemos cumprir.

Sheridan fica na ponta dos pés enquanto me beija de volta,


deslizando os braços sobre meus ombros.

Não tenho o hábito de desejar coisas que não posso ter, mas
o que não daria para viver neste momento, com ela, para sempre.

Um ciclo sem fim.

Até ela entrar na minha vida, nunca pensei duas vezes sobre
o futuro. Nunca me preocupei com o tipo de homem que eu queria
ser um dia. Certamente nunca me importei em retribuir ou fazer a
diferença na vida de outra pessoa além da minha. Mas Sheridan
me faz pensar no futuro, para onde estou indo e para onde quero
ir. Ela me deu algo pelo qual ansiar quando antes eu não tinha - e
ninguém. Esta mulher é puro amor, esperança e resplendor -
superando a escuridão que me assombrou durante toda a minha
vida.

É impossível voltar a isso.

Eu vou morrer.
Eu vou morrer, porra.

Vou desperdiçar em uma lamentável videira de notas de cem


dólares e carros esportivos e sexo sem sentido com estranhas e,
pela primeira vez na minha vida, isso soa como uma espécie de
inferno frio.

Eu quero significado e substância. Eu a quero.

— Onde você quer ir agora? — Desbloqueio o carro e abro a


porta para ela.

Ela olha para o relógio e estremece. — Eu realmente preciso


ir para casa. Mamãe vai receber uma amiga mais tarde e papai
está cuidando do quintal... pensei em encurralá-lo do lado de fora
e confrontá-lo sobre essas mensagens.

— Estou surpreso que você não tenha feito isso ainda.

Nós conversamos sobre isso aqui e ali, e toda vez que ela
muda de assunto ou vomita uma desculpa esfarrapada de por que
não pode ou por que não era o momento perfeito. Tenho certeza de
que ela está apenas com medo.

A realidade é assustadora pra caralho - especialmente quando


a verdade tem consequências que mudam a vida.

— Eu também. — Ela suspira. — Eu só... e se eu estiver


errada?

— Certo ou errado, você merece uma explicação para essas


mensagens.

— Verdade.
Ela sobe e eu fecho a porta atrás dela.

Um minuto depois, estamos voltando para casa, de volta às


nossas respectivas realidades. Ela cantarola uma música do Led
Zeppelin no rádio, algo sobre uma garota com amor nos olhos e
flores no cabelo. Eu silenciosamente memorizo as letras para que
eu possa procurar a música mais tarde e ouvi-la sempre que eu
quiser reviver esse momento.

Alcançando o console, pego sua mão e levo-a aos lábios. —


Estou aqui por você, garota Rose. Qualquer coisa que você precise.

Não é bem um “eu te amo”, mas é a coisa mais próxima que


eu já disse disso.

Ela descansa a cabeça no meu ombro enquanto dirigimos e,


egoisticamente, tomo o caminho mais longo para casa apenas para
ter mais quatro minutos com Sheridan ao meu lado.

O relógio está correndo, os dias são fugazes mais rápido do


que deveriam, e se há alguma coisa que eu aprendi na minha vida
até agora, é que todas as coisas boas, eventualmente, chegam a
um fim. E na minha experiência, as melhores coisas tendem a
morrer em chamas.
CAPÍTULO TRINTA

Sheridan

— Ei, garota. Por favor, me diga que você veio aqui para
descascar algumas ervilhas. — Papai está sentado em uma cadeira
no gramado perto do pequeno jardim elevado ao lado da garagem,
com duas tigelas no colo. — Há um milhão disso.

Meu pai e seus hobbies saudáveis - um contraste gritante com


seu alter ego...

Mamãe e sua melhor amiga de infância estão na cozinha,


tomando um chá com bolo comprado na loja. Se havia um
momento para confrontar meu pai sobre essas mensagens, é
agora, enquanto ela está ocupada e distraída.

— Na verdade, eu queria falar com você sobre uma coisa. —


Eu deslizo minhas mãos nos bolsos de trás e planto meus pés
descalços na grama. O calor sobe pelo meu pescoço,
provavelmente pintando-o com pequenas manchas rosa, mas eu
limpo minha garganta e engulo minhas dúvidas. August me
lembrou que mereço saber a verdade sobre essas mensagens. E ele
está certo.

Papai para de descascar as ervilhas e ajusta os óculos de


sol. — Certo. E aí?
— Vi algumas mensagens no seu telefone... de alguém
chamado KT, — eu digo.

Ele está em silêncio, com o rosto impassível.

— E eu vi você com Kara Tindall, — acrescento. — Na verdade,


eu vi vocês dois juntos várias vezes.

Papai coloca as tigelas na borda da mesa do jardim, recosta-


se na cadeira e cruza as pernas. — Deixe-me ser muito claro com
você, Sheridan. Você entendeu tudo errado. Eu teria muito
cuidado em não tirar conclusões precipitadas se fosse você.

— Por que você agiu tão estranho quando eu mencionei


convidá-la para jantar na outra noite? — Eu pergunto.

Ele bufa. — Porque foi completamente do nada. Eu nem


achava que você se lembrava do nome dela. Fazia tanto tempo.

— E as mensagens, eu vi... algo sobre acabar com o


sofrimento de mamãe? — Eu cruzo meus braços. — O que você
está planejando? Apenas me diga.

— Este é um assunto extremamente pessoal e profundamente


complicado, — diz ele, com a mão espalmada como se estivesse
entrando no modo de defesa.

— Oh, meu Deus. — Coloco minha mão sobre minha boca. —


Então você está tendo um caso.

Meu pai sai voando da cadeira. — Deus, não. Eu nunca faria


isso com sua mãe.
— Então me diga o que está acontecendo. — Minha
mandíbula está cerrada e meus ombros queimam, tensos com a
tensão.

— Aconselho você a falar baixo. — A calma em seu tom escava


sob minha pele, intensificando o turbilhão que já está acontecendo
por dentro.

Eu não tinha percebido que estava gritando...

Olho para trás em direção à casa para ter certeza de que


mamãe e Laurie ainda estão lá dentro. Deus não permita que elas
ouçam essa comoção e saiam para investigar.

— Por quê? — Pergunto. — Porque você não quer que as


pessoas saibam que você é um assassino?

Ele tira os óculos escuros com confiança superada, revelando


um olhar raro e cheio de lágrimas. O número de vezes que vi meu
pai chorar, eu posso contar em uma mão.

— Por favor, pare de fazer perguntas. — Um tremor reside em


sua voz calma. — E nunca mais me chame dessa palavra de novo.

Como eu esperava, ele não vai responder às minhas


perguntas.

— Então é isso?

— Sim, Sheridan. É isso.

— Você não vai responder nada?


Seus lábios se comprimem e ele retorna os óculos de sol à
posição correta antes de se sentar em sua cadeira e pegar as
ervilhas.

A conversa acabou.

Indo para dentro, pego minha bolsa e as chaves e corro para


a porta da frente. Mamãe chama meu nome, mas eu continuo. Não
quero fazer uma cena na frente de uma amiga que ela só vê uma
vez por ano nem quero ter que responder se ela perguntar o que
há de errado.

Estou a meio quarteirão de distância quando ligo para


August.

— Eu o confrontei sobre as mensagens, — eu digo quando ele


atende.

— O que você descobriu?

— Nada. Ele ficou com os olhos marejados e me disse que era


complicado, — eu digo. — E ele me avisou para falar baixo e não
fazer suposições. Então, de repente, a conversa acabou.

August suspira no receptor. — Soa como se isso fosse


verdade.

— Sei que te vi há uma hora, mas posso ir aí? — Eu


pergunto. A esperança em meu tom é óbvia, o desespero puro. Eu
não me importo.

Ele não responde com um sim imediato e meu estômago se


revira. Eu rastejo até parar no semáforo à frente e prendo a
respiração.
— Meu pai e Cassandra estão em casa agora, — diz ele. —
Mas eu vou te encontrar em algum lugar. Você pode entrar no meu
carro e nós podemos apenas dirigir. Nós iremos aonde você
quiser. E se ficarmos cansados ... vamos conseguir um quarto em
algum lugar.

Lágrimas embaçam minha visão quando a luz fica verde, e eu


aceno, apesar do fato de que ele não possa me ver. — Sim, tudo
bem. Onde eu encontro você?

— Que tal no estacionamento dos fundos da biblioteca? Vinte


minutos? — O farfalhar e embaralhar preenche seu fundo, como
se ele estivesse se preparando. As chaves tilintam, seguidas de
passos.

Ele está largando tudo - por mim.

Sem perguntas.

Sem hesitação.

É como se eu fosse sua primeira prioridade e nada mais


importasse - e, neste momento, o sentimento é mútuo.
CAPÍTULO TRINTA E UM

August

— Sinto muito por arrastá-lo para isso, — diz ela quando


entra no meu carro.

Seus olhos estão vermelhos e suas bochechas estão


inchadas... mas ela ainda é a coisa mais linda que já vi na porra
da minha vida.

Eu me inclino sobre o console e esmago seus lábios rosados


com um beijo.

— Estou aqui porque quero estar, — digo. — Ninguém me


arrasta para nada.

Pelos próximos quarenta e cinco minutos, dirigimos para o


oeste, sem destino em mente. De mãos dadas. Rádio
tocando. Janelas abertas e teto solar aberto.

O sol está se pondo e estamos nos aproximando da fronteira


do estado, mas até que ela me diga para parar, não tenho intenção
de diminuir a velocidade. Eu irei a qualquer lugar com ela.
— Devemos parar? — Ela aponta para um outdoor afirmando
que o “mundialmente famoso” Luna Vista Overlook está três
quilômetros à frente. — Pode ser bom pegar um pouco de ar.

— É claro. — Beijo sua mão e pego a próxima saída. Sinais


nos levam por um vale arborizado, por uma ponte de um
quilômetro de comprimento e por uma estrada sinuosa, onde
acabamos em um estacionamento pouco povoado. Outra placa nos
direciona para um conjunto de escadas de madeira frágeis. No
momento em que chegamos ao mirante real, o céu escureceu e as
estrelas estão saindo de seus esconderijos.

De certa forma, é o momento perfeito.

Envolvo meus braços em volta dela por trás enquanto o calor


do final do verão desaparece.

— É lindo aqui em cima, — diz ela. — Eu nunca quero ir


embora.

À esquerda, uma pequena cidade cintila ao longe. Mas à


direita - nada. Um vazio escuro de árvores densas, talvez. Nenhum
sinal de luz para iluminar suas formas. É como se existissem dois
caminhos, um deles cristalino, o outro vasto e misterioso. Talvez
grande parte da vida seja assim. Podemos ir com o familiar e o
reconhecível, a aposta certa... ou podemos saltar para o
desconhecido e esperar que valha a pena no final.

— Gostaria de ter conhecido você antes, — eu digo.

Ela cantarola. — Não acho que isso teria importância. O


destino nos ferrou antes de nascermos.
— Fuja comigo. — As palavras deixam meus lábios antes que
eu as considere um pouco e meu peito aperta a ponto de quase
sufocar, mas a ideia de viver essa vida de merda sem essa mulher
ao meu lado é mais doloroso do que qualquer asfixia emocional
que eu possa imaginar.

Ela me olha através de uma franja de cílios escuros, rindo


pelo nariz. — Outra de suas ideias malucas.

— Estou falando sério. Podemos começar de novo em algum


lugar. Dê a nós mesmos novos nomes. Sejamos quem queremos
ser... juntos.

— Eu não poderia fazer isso com mamãe. Não posso quebrar


o coração dela assim.

— Então vamos levá-la conosco.

— Ela nunca deixaria Meredith Hills. Ou meu pai. Eles são a


casa dela. E se eu alguma vez a fizesse entrar em um veículo com
você, ela teria um ataque cardíaco, e estou falando sério. Ela tem
um coração fraco. A coisa é uma bomba-relógio e ver você iria
detoná-la, eu sei disso.

Eu não saberia nada sobre fragilidade ou fraqueza, apenas o


suficiente para saber que sua mãe está em um estado perpétuo de
delicadeza, e o que afeta Sheridan, em última análise, me afeta.

— Ok, então qual é a sua solução para tudo isso?

Ela inala, voltando-se para a vista novamente. — Se ficarmos


juntos, vamos machucar muitas pessoas no processo. E seu pai...
quem sabe que tipo de repercussão haverá para você? Não sei se
haverá um final feliz para nós.
Eu a giro em minha direção e inclino seu queixo até que
nossas bocas se alinhem, roçando meus lábios contra os dela.

— Você mudou minha vida desde o segundo em que entrou


nela, garota Rose, — eu digo. — Isso não pode ser o fim para
nós. Agora que conheci você, não quero mais ninguém.

— Você está envolvido, isso é tudo. — Seu tom suave é menos


persuasivo do que suas palavras, como se ela também estivesse
tentando se convencer. — Temos nos divertido.

— Eu me diverti muito com outras mulheres... e nenhuma


delas me fez sentir como me sinto quando estou com você.

Ela enterra a bochecha no meu peito, envolve os braços em


volta de mim e fecha os olhos. Aquela plenitude quente inunda
minhas veias de novo, mas a ideia de levá-la para casa, de me
despedir dela na próxima semana, torna a tensão insuportável.

— É estranho, sentir que te conheço a minha vida inteira. —


Sua voz é quase um sussurro. — E eu acabei de conhecer você.

— Eu não finjo entender isso.

Olhando para mim, ela morde o lábio, os olhos procurando os


meus. — Eu não sei o que aconteceu naquela época, entre nossas
famílias. Quer dizer, eu sei o que os jornais dizem e o que meus
pais me contaram. Mas nenhum de nós sabe o que realmente
aconteceu. August, se meu pai foi o responsável pelo que
aconteceu com sua mãe... nunca vou perdoá-lo. E eu sei que isso
não muda nada. Não pode trazê-la de volta, mas eu quero dizer
isso. E eu sinto muito por sua perda. Meu coração doeu só de
pensar em como deve ter sido para você, crescer sem ela.
Um milhão de pessoas expressaram suas condolências ao
longo dos anos, mas nenhuma vez isso pareceu mais do que uma
frase de cartão de felicitações.

Algum dia contarei a ela sobre minha infância.

Sobre meu pai abusivo verbalmente, irmão


psicótico, outro irmão ausente e a série de babás viciadas em coca
que me criaram. Vou contar a ela como raramente tínhamos uma
árvore de Natal. Como meu pai sempre tirava férias sem nós
porque ele não poderia desfrutar de nada se estivéssemos por
perto. Nenhum de nós jamais se deu bem. Buracos foram
perfurados em paredes centenárias mais vezes do que consigo me
lembrar.

Mas não quero manchar este momento.

— Vamos ficar naquele hotel, — ela diz. — Dane-se. Vou dizer


a minha mãe que vou ficar com Adri esta noite. Ela me viu sair
correndo chateada mais cedo. Ela sabe que briguei com meu pai e
tenho certeza de que ele deu a ela uma vaga desculpa. Vai ficar
tudo bem. Vamos.

— Mesmo?

Ela acena com a cabeça. — Sim.

Dirigimos em direção às luzes da cidade distante e paramos


no primeiro hotel que vemos - uma cadeia de três estrelas com
uma placa que se vangloria de uma reconstrução recente, não que
isso importe. Passaria a noite em um ferro-velho se isso
significasse ter mais tempo com Sheridan. Ela manda uma
mensagem para a mãe enquanto eu arranjo um quarto de canto
no último andar para termos privacidade.

O esquelético balconista de meia-idade nos entrega uma


única chave do quarto, e finjo não notar quando ele nos dá uma
olhada. É óbvio que não temos bagagem e estamos aqui para nos
divertir. Assim que ele recebe uma ligação, nós corremos em
direção ao elevador, e no segundo que as portas se fecham atrás
de nós, eu a prendo contra a parede e provo seus lábios. Sua boca
se curva contra a minha enquanto ela passa os dedos pelo meu
cabelo. Um momento depois, somos depositados em nosso andar.

— Desafio você para a uma corrida, — ela brinca.

— Você nem sabe o número do nosso quarto, — eu a pego em


meus braços, agarrando um punhado de sua bunda perfeita no
processo.

Não sei em que cidade estamos. Quase não me lembro do


nome deste hotel. Mas vou me lembrar desse momento para o resto
da minha vida.

Chegamos ao nosso quarto e deixamos a porta bater atrás de


nós. E apesar do fato de que o ar-condicionado está explodindo a
dezoito graus, não perdemos tempo removendo a roupa. Hoje à
noite, estamos fodendo como se o mundo estivesse terminando -
porque de certa forma, está.

Sheridan se empoleira na borda de uma escrivaninha de


carvalho. Eu empurro a cadeira giratória rolante para o lado e caio
de joelhos, espalhando suas coxas e acariciando sua umidade com
a ponta da minha língua. Agarrando um punhado do meu cabelo,
ela solta um gemido suave - assim que seu telefone começa a tocar.
— Ignore isso, — eu digo a ela, meu hálito quente contra sua
boceta.

Ela morde o lábio, balançando a cabeça, quadris balançando


em sincronia com a minha língua cutucando.

Um minuto depois, o telefone toca novamente.

— Continue. — Ela aperta seu aperto em mim. — Estou tão


perto ...

Mas é a terceira vez consecutiva que rouba o momento de nós.

Ela geme, deslizando para fora da mesa, deixando seu gosto


persistir em meus lábios.

— Sinto muito. Deixe-me ver quem está me ligando... —


Sheridan localiza sua bolsa no escuro, então seu telefone. A tela
brilha forte contra seu rosto, iluminando uma expressão
preocupada que não estava lá antes. — É mamãe. Espere. Ela
deixou uma mensagem de voz.

Ela aperta o play e segura o telefone no ouvido e, embora não


esteja no viva-voz, sua mãe está tão agitada e falando alto que
posso ouvir cada palavra.

“Sheridan, você precisa voltar para casa imediatamente”, diz


ela. Se eu não soubesse melhor, eu diria que ela quase parece estar
chorando. “Não sei onde você está, mas sei que não está na casa
de Adriana porque acabei de ligar para ela. Venha para
casa. Agora. Isto é uma emergência”.

Seus olhos grandes e brilhantes encontram os meus do outro


lado do quarto. Ela não precisa dizer nada. Nós colocamos nossas
roupas e pulamos no balcão de check-out na saída - o quarto já
está pago.

Eu dirijo de volta para Meredith Hills em uma fração do tempo


que levamos para sair, e a deixo no estacionamento da biblioteca,
ao lado de seu carro. Ela não disse uma palavra desde que saímos
do hotel, e só posso supor que está pensando o pior.

— Vai ficar tudo bem, — digo a ela, mas não sei


disso. Ninguém nunca sabe.

Inclinando-se sobre o console, ela pressiona sua bochecha


contra a minha, seus cílios tremulando. — Eu te amo, August. As
palavras estiveram na ponta da minha língua o dia todo, e nunca
encontrei o momento certo para dizer isso. Mas no caso de eu não
te ver novamente depois disso... queria que você soubesse.

Suas palavras me trazem vida - e me destroem ao mesmo


tempo.

— Eu também te amo, — digo a ela. — E você me verá de


novo.

É outra coisa que não sei se é verdade. Não porque eu não


moveria céus e terra para vê-la novamente, mas porque sua mãe é
seu mundo inteiro, e Sheridan sacrificaria sua própria felicidade
se isso significasse manter sua mãe segura.

Ela sai do meu carro e entra no dela.

Em segundos, se torna nada além de um par de lanternas


traseiras vermelhas desaparecendo na escuridão. Prendo minha
respiração, deixando queimar. Paralisado pelo peso deste
momento, fico sentado em meu carro em ponto morto pelo que
parece uma vida inteira, repetindo nosso dia juntos uma centena
de vezes antes de ter energia para partir.

Se eu nunca mais a ver, serei eu quem morrerá com o coração


partido.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS

Sheridan

Encontro mamãe na mesa da cozinha, ao lado de uma pilha


de correspondência. Não há ambulância na garagem. O carro do
meu pai sumiu. Nada disso grita urgência.

— Eu não entendo, — eu digo. — Você disse que havia uma


emergência?

Ela está sem fôlego. Uma espécie de ansiedade sem fôlego. E


seus olhos estão injetados e inchados. Ela está chorando.

— Sente-se, Sheridan, — diz ela, a voz rouca. Pego a cadeira


ao seu lado, com as mãos tremendo porque nunca a vi tão calma
e tão chateada ao mesmo tempo. E o fato de que não estar em um
surto é um verdadeiro milagre. — Recebemos uma conta pelo
correio do Centurion. — Ela desliza em minha direção. — O que
eu achei estranho porque você disse que éramos beneficiários de
algum tipo de bolsa. Admito que parecia bom demais para ser
verdade, mas confiei em você. Eu acreditei em você. De qualquer
forma, não passava de uma fatura padrão mostrando que as taxas
deste mês foram pagas... mas eu estava prestes a jogá-la no lixo
quando vi isso. — Ela aponta para o nome na parte inferior. —
Sheridan, por que ele lista August Monreaux como nosso pagador?
Respiro fundo, mas antes que eu tenha a chance de dar uma
desculpa esfarrapada, a porta dos fundos se abre e papai entra
com os braços cheios de mantimentos. Seu olhar passa entre nós
e ele permanece na porta, como se tivesse medo de entrar em um
campo minado.

— O que está acontecendo? — Ele pergunta.

— Aparentemente, um Monreaux está pagando pelos meus


serviços de enfermagem, — mamãe diz a ele, embora sua atenção
esteja muito voltada para mim.

Papai coloca os mantimentos no balcão, abandonando-os


para vir examinar as provas ele mesmo.

— Não consegui falar com Adriana antes, — diz mamãe. —


Então liguei para a mãe dela. Ela disse que você não estava lá, que
elas estavam em Chicago para um chá de panela neste fim de
semana. Na verdade, ela me disse que não via você há semanas.

— Sheridan, isso é verdade? — Papai pergunta, como se


tivesse espaço para me chamar por minha teia de mentiras.

Meu estômago se contrai. Pela primeira vez na minha vida,


dois olhares decepcionados me prendem ao chão. Não sou mais a
menina dos olhos deles, sou uma tempestade estragando seu lindo
piquenique.

— Eu sabia, — diz mamãe. — A maneira como você anda por


aqui com estrelas nos olhos, colocando aquela camada extra de
brilho labial, ondulando o cabelo. Achei que você estava
apaixonada por algum garoto, mas nunca em um milhão de anos
eu pensei que seria um Monreaux.
A repulsa influencia seu tom.

Papai examina a declaração novamente, com a mão tapando


a boca. — Sheridan, o que você fez? Por que ele está pagando por
isso? Em que tipo de confusão você nos meteu com eles? Ele está
te chantageando? Tem algo que ele...

— ... Não, — eu digo.

— Então explique, — mamãe se levanta da cadeira apenas


para desabar de volta nela.

— Você vai se estressar, — papai diz a ela. — Por favor, tente


ficar calma. Sheridan vai nos contar tudo e então vamos resolver
isso.

Pego um copo de água e uma de suas pílulas “calmantes” para


mamãe e coloco na frente dela. Se ela reagir dessa maneira agora,
o que acontecerá quando ela descobrir a verdade? Que eu o
amo? Que eu quero ficar com ele?

— Estou ligando para a Dra. Smithson, — diz papai. — Eu


acho que ela está tendo outro surto. Você fica aqui com ela.

Eu coloco a mão em seu ombro. — Não é tão ruim quanto você


pensa, mamãe. Eu prometo.

Seus olhos ficam turvos, perdendo o foco.

— Ela quer que ela vá ao hospital, — papai diz quando volta


do quarto ao lado. — Imediatamente.

Nós a ajudamos a subir no carro e dirigimos em silêncio, sem


uma única declaração durante toda a viagem. Conhecendo meu
pai, ele está preparando seu sermão em sua cabeça, guardando-a
para quando estivermos sozinhos e fora do alcance da voz de
mamãe. Não podemos arriscar perturbá-la ainda mais.

Meu pai pode ficar desapontado comigo, mas minha mãe pode
morrer de coração partido.

Tenho que terminar com August.

Tenho que aceitar de uma vez por todas que posso amá-lo,
mas nunca posso estar com ele.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

August

— Talvez tenha sido o choque, — eu digo ao telefone depois


que Sheridan me preenche mais tarde naquela noite.

Estou sentado à beira da piscina, na mesma cadeira em que


ela jogou as roupas na noite em que entrou. A gruta está
iluminada. A lua está cheia. E os grilos estão em pleno vigor. Mas
do outro lado do meu telefone, a situação é terrível.

Eu mal consigo ouvi-la. Entre o zumbido das máquinas de


venda automática do hospital que ela está parada ao lado e o tom
abafado de sua voz, como se estivesse com medo de ser pega
falando comigo.

— Esse é o meu ponto, — ela diz. — Foi um choque. Ela ficou


arrasada com o simples fato de que você está pagando pela
enfermeira dela, de que estou me associando a você - e ela não
sabe a metade do que temos feito.

— Talvez quando ela se acalmar, você possa falar com ela


sobre nós? Talvez não seja um choque tão grande na próxima
vez? Já que ela já tem alguma noção?

— Não quero testar essa teoria.


Eu não a culpo. Eu sentiria o mesmo se fosse minha mãe.

— Eu quis dizer o que disse antes, — diz ela. — Eu amo


você. Mas eu nunca poderei ser sua, ok? Não nesta vida. — Sua
voz falha. — Talvez possamos tentar novamente na próxima. Talvez
então não sejamos inimigos?

Ela ri, como se soubesse o quão ridícula ela soa, como se isso
pudesse suavizar as palavras que esmagam minha alma.

Mas eu viveria mil vidas se isso significasse que poderia


passar apenas uma delas com ela.

— Preciso ir. — Suas palavras estão fragmentadas. E meu


mundo também. — Adeus, August.

Eu me recuso a dizer adeus.

— Adeus, August, — ela diz novamente, um pouco mais alto


como se ela pensasse que eu não a ouvi da primeira vez.

Mas eu não consigo. Eu não posso repetir. Isso não é um


adeus. Eu não vou permitir.

— Por favor, não faça isso. Não torne isso mais difícil do que
já é. — Sua voz é um sussurro a um milhão de quilômetros de
distância. Ela inala. Murmura uma fração de palavra, como se
fosse dizer mais alguma coisa.

Mas então a linha fica muda.

Talvez ela tenha pensado que eu discutiria ou diria algo que


só pioraria as coisas.
— August. — A voz do meu pai rouba meu momento - e
endurece minha fachada. — Com quem você estava falando?

— Ninguém, — eu digo.

— Não era, por acaso, filha de Rich Rose, era? — Ele pega a
cadeira ao lado da minha e se reclina. — Você pode me dizer. Eu
sei tudo sobre isso de qualquer maneira. Gannon contou.

Fodido Gannon.

Ele chamou meu blefe. Ele sabia que a ameaça de Cassandra


era uma besteira. Embora se fosse verdade e eu tivesse uma prova,
eu jogaria sua bunda traidora debaixo do ônibus tão rápido...

Meus punhos cerram até que meus dedos ficam brancos, e


meu sangue pisca frio como gelo.

— Na verdade, esperava ter a chance de conhecê-la um dia


desses. — Ele desliza as mãos atrás do pescoço grosso. — Então...
quais são suas intenções com ela?

Eu me levanto. Não tenho energia para sua pesca de


informações.

— Tudo bem, certo. Não me responda, — diz ele. — Mas saiba


que você não precisa se conter. Se você gosta da garota, claro.

Descanso minhas mãos em meus quadris, estudando-


o. Aprendi há muito tempo que qualquer conversa com meu pai
exige que você esteja sempre um passo à frente dele, o que pode
rapidamente se tornar arriscado se você não tomar cuidado.

— Achei que você odiasse os Rose, — eu digo.


Ele ri, reajustando sua poltrona. — No passado, eu odiava o
chão em que pisavam e o ar que respiravam. Mas, honestamente,
August, quem tem tempo para tudo isso? O passado está no
passado. De que adiantaria qualquer um de nós ficar com raiva de
algo que não podemos mudar?

— Eu só nunca ouvi você falar assim antes. Por anos, tudo


que você fez foi falar sobre arruinar Rich pelo que ele fez...

— As pessoas podem mudar. — Ele bufa, como se eu devesse


saber que não deveria ser questionado. — Não é saudável guardar
rancores. Talvez essa seja uma boa maneira de acabar com isso? E,
diabos, se você se casar com a garota algum dia, isso seria ótimo
para relações públicas, com certeza.

Reviro meus olhos. Inevitavelmente, sua linha de pensamento


sempre volta aos negócios e como ele pode se beneficiar de algo no
final.

— Então você perdoa Rich pelo que ele fez?

Ele suga uma respiração. — Quando ocorre uma tragédia,


August, a primeira coisa que as pessoas fazem é apontar o
dedo. Queremos dar sentido a tudo isso. E, na época, Rich fazia
mais sentido, considerando nosso passado e alguns detalhes sobre
o que aconteceu. No final, ele nunca foi acusado porque não havia
provas suficientes. Ninguém poderia provar isso.

Prendo minha respiração enquanto a descrença toma conta


de mim, escaldante.

— Acho que o que estou querendo dizer, — ele continua dando


de ombros, — é que talvez eu estivesse errado.
Nunca ouvi meu pai admitir que estava errado sobre qualquer
coisa... nunca.

— Então você está dizendo que se eu namorar com ela, você


não vai me deserdar ou me punir ou algo assim...

Meu pai ri, sua barriga de meia-idade balançando e seus


dentes brancos imaculados quase brilhando no escuro. — O que
você acha que eu sou? Um monstro? Vamos, você é meu filho. Tudo
o que um pai deseja é que seu filho seja feliz. Se ela te faz feliz,
filho, então por favor, não me deixe atrapalhar isso.

— Ok, baby, estou pronta, — Cassandra fala atrás de nós. —


Oh! Não percebi que não estávamos sozinhos.

Ao meu lado, percebo que ela pega uma toalha da cabana e a


envolve em torno de seu corpo bronzeado, Malibu-bronzeado.

Eu nem quero saber ...

Entrando, eu deixo as palavras de meu pai brincarem em loop


na minha cabeça a noite toda, examinando-as de todos os ângulos.

É possível que as pessoas mudem - sou a prova viva disso.

Mas isto é uma completa mudança.

Mesmo assim, é um passo na direção certa. Se meu pai está


aberto a seguir em frente, talvez os Rose também considerassem
fazer o mesmo. Se eu pudesse ter apenas um minuto do tempo
deles, veriam que sou o filho de meu pai, mas não sou meu pai.

Deitado na cama, reli as mensagens antigas de Sheridan. E


antes de dormir à noite, envio uma mensagem para ela.
EU: Sher, me liga quando acordar. Eu tenho grandes notícias.

A mensagem é entregue, mas nunca é lida. Tenho certeza que


ela está dormindo. Foi um dia de merda.

Enfio meu telefone embaixo do travesseiro e fecho os olhos,


caindo no sono com algo que não tinha uma hora atrás...
esperança e uma determinação implacável de enterrar o passado
para que Sheridan Rose possa ser meu futuro.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

Sheridan

Eu estou indo embora amanhã.

Dobro minhas últimas roupas e fecho a bolsa de


plástico. Consegui espremer todas as minhas coisas em cinco
recipientes, o que não inclui o ventilador e itens aleatórios já
embalados no meu carro.

Papai bate na porta. Ele ainda não respondeu às minhas


perguntas do outro dia e não estamos exatamente nos dando bem,
mas estamos tentando ser cordiais, pelo bem da mamãe.

— Sua mãe está descansando, — ele diz. — Mona está a


caminho.

Juro que ela chegou do hospital mais exausta do que quando


entrou.

— Ok. — Eu não encontro seu olhar. Ainda não consigo olhar


para ele.

— Tem certeza que não quer que eu te leve lá amanhã? — Ele


pergunta. — É meio triste não poder ajudar minha filha a ir para
a faculdade.
— Seria um desperdício de gasolina para você dirigir todo esse
caminho para me ajudar a mover cinco caixas...

— Eu não vejo dessa forma. — Ele se senta ao pé da minha


cama, com os ombros caídos, mais ossudo do que o normal. Não
percebi que ele estava perdendo peso. Acho que não notei muitas
coisas sobre ele ultimamente...

Ele me observa empilhar as caixas no canto. Não tenho nada


a dizer a ele.

— Isso é... sobre ele? — Ele pergunta um momento depois.

— Você pode dizer o nome dele.

Ele hesita. — Eu sei que você não entende. E não posso te


culpar, Sheridan. Nós escondemos muito de você. Nós protegemos
você de muito. Achamos que estávamos fazendo a coisa certa e não
queríamos sobrecarregá-la com as tragédias de nossa
família. Percebo agora que cometemos um erro. Devíamos ter
contado o que passamos para que você entendesse exatamente por
que ficamos longe dos Monreauxs.

— Eu li os artigos do álbum da mamãe. — Eu fico de costas


para ele, as mãos pressionadas contra o topo de uma bolsa
enquanto olho pela minha janela - a mesma janela que August
escalou não muito tempo atrás. — Eu sei tudo.

— Você não sabe da metade, — diz ele. — A maneira como


aquele homem sujou meu nome na lama depois do que fez à minha
irmã. Seus capangas cortaram meus pneus e assediaram sua mãe.
Durante anos, não consegui dirigir do supermercado para casa
sem um carro da polícia me seguindo. E todos os anos, nos
aniversários da morte de Cynthia e Elisabeth Monreaux,
recebíamos uma caixa de correio cheia de cartas de ódio. E essas
são apenas as pequenas coisas. Nem me faça dizer sobre os
empregos. Certa vez, ele tentou pagar a alguém para falsificar um
teste de drogas que fiz para aquele cargo no frigorífico. Monreauxs
são pura maldade.

— August não é nada disso.

— E como você sabe disso? Porque você passou meio verão


com ele? — Papai zomba. — Vincent era meu melhor amigo,
Sheridan. Desde os oito anos. E ele assassinou minha irmã e me
culpou por maldade. Perdoe-me, mas acho difícil acreditar que ele
seja capaz de criar um jovem justo, digno de estar com minha filha.

Não sei o que poderia dizer neste momento para convencer


meu pai de que conheço o coração de August, que ele não é seu
pai.

— Você sabe, Sher. Sempre pode falar comigo sobre qualquer


coisa. Sei que foi um verão difícil com sua mãe, mas se quiser
conversar sobre qualquer coisa, estou aqui. Você não precisa sair
correndo...

— ... tentei falar com você há alguns dias.

— Quero dizer, você pode vir até mim com o que quer que
esteja te incomodando.

— As mensagens que vi certamente me incomodaram. — Não


tenho energia para ser “boazinha” com ele, para rodeá-lo ou culpá-
lo a confessar. Especialmente quando está sendo tão desdenhoso.
Ele força uma respiração forte pelas narinas, curvando-se e
apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Já contei a duas pessoas sobre elas, — acrescento. —


Então, se alguma coisa acontecer com a mamãe, você será a
primeira pessoa que investigarão. Você e Kara.

— Jesus, Sheridan. — Ele enterra o rosto nas mãos. —


Realmente acha que eu machucaria sua mãe?

— Eu não sei o que pensar... você não quer me dizer nada,


exceto que é pessoal e particular. Parece muito com um caso para
mim.

— Você entendeu tudo errado. — Ele olha para a porta, como


se esperasse que mamãe entrasse a qualquer segundo, e então
balança a cabeça. — Veja. Alguns meses atrás, perdi meu
emprego. Não contei a ninguém, nem mesmo à sua mãe. Não
queria causar a ela nenhum estresse desnecessário. Foi um motivo
de merda, um que tenho certeza que Vincent Monreaux teve
participação.

Desde que me lembro, meu pai começava um novo emprego,


progredia depois de alguns anos, apenas para ser despedido por
algum motivo estúpido. Ele sempre suspeitou que Vincent estava
por trás disso, dada sua história e sua tendência para causar o
caos, mas papai nunca pôde provar isso.

— De qualquer forma, Kara é advogada especializada em


direito trabalhista. Ela está montando um caso de demissão
injusta para mim. Pelo menos ela está tentando. Parece que eles
podem chegar a um acordo fora do tribunal, talvez na faixa dos
seis dígitos. Seria uma mudança de vida para nós. Poderíamos
pagar as duas hipotecas, dirigir um carro confiável pela primeira
vez em nossa vida de casados, pagar todas as contas médicas de
sua mãe, cobrir suas mensalidades e guardar o resto para a
aposentadoria.

— Sinto muito, mas como você pode pagar um advogado se


não está trabalhando?

— Ela está fazendo de graça - como um favor para nós. Você


provavelmente era muito jovem para se lembrar, mas Kara ficava
bastante tempo aqui naquela época. Ela meio que nos considerava
os pais que ela nunca teve. Fui eu quem a encorajou a se formar
em direito. Acho que ela sentiu que queria retribuir, fechar o
círculo.

— Ok... — Envolvo minha cabeça em torno disso. — Então,


se você esteve fora do trabalho nos últimos meses, aonde você tem
ido no meio da noite?

— Na cabana, — diz ele, referindo-se à cabana de pesca de


um quarto de um amigo da família no Lago Graystone. Eles sempre
deram a papai rédea solta para usá-lo, e fica a cerca de trinta
minutos fora da cidade, então é plausível.

— Então você só... vai passar a noite toda na cabana? Cinco


noites por semana?

— Eu me mantenho ocupado, — diz ele. — Às vezes, pesco e


solto. Outras vezes, leio um livro. Tiro um cochilo. Assisto a um
filme antigo em VHS. O tempo passa rápido.

— E a mamãe não tem ideia?

— Nenhuma.
— Por que você não contou a ela?

— Não é óbvio? Ela não consegue lidar com o menor evento


estressante. Você pode imaginar como ela lidaria com uma
montanha-russa de processos judiciais? Isso e eu não queria
deixá-la esperançosa caso não desse certo. Ela já teve decepções
suficientes em sua vida.

— Então, por que você não me disse?

— Você já teve o suficiente por um ano. Eu não queria que


você se preocupasse. Já estava pensando em adiar a faculdade. Se
soubesse que eu não estava trabalhando, não teria como fazer você
sair.

Ele tem razão. Eu teria ficado trabalhando em tempo integral


na loja de celulares e insistido em contribuir financeiramente com
os gastos da nossa família.

— Eu quero acreditar em você, — digo, depois de absorver


tudo por um momento.

— Bem, você deveria. É a verdade.

— Por que você nunca me disse que foi acusado de matar sua
irmã? Que você foi preso por isso?

Ele cruza as mãos, apertando-as até que os nós dos dedos


fiquem brancos. — Porque aquele foi um dos momentos mais
sombrios de toda a minha vida. E eu estava preocupado que você
nunca olharia para mim da mesma forma.

— Eu preferia ter ouvido isso de você do que ler em um artigo


de jornal desbotado.
Sua mandíbula se contrai. — Eu teria te contado
eventualmente.

Acho que nunca saberemos.

— Agora que eu disse a você tudo que você precisa saber,


Sheridan, você precisa me dizer o que realmente aconteceu com o
filho de Vince. Diga-me por que ele está pagando pela enfermeira
da sua mãe.

Não posso contar tudo a ele.

Simplesmente não consigo.

Mas posso contar a ele a versão abreviada.

— Nós nos conhecemos neste verão. — Pego um fio solto do


tapete. — E nós nos demos bem. Mencionei que estava preocupada
com mamãe, que ela pudesse precisar de ajuda enquanto eu
estivesse fora... ele se ofereceu.

Papai passa as mãos nas coxas, inquieto, incapaz de olhar na


minha direção. Ele não é estúpido. Tenho certeza que ele vê minha
história. Nada nesta vida vem de graça.

— Nós realmente gostamos um do outro, — acrescento,


mantendo minha cabeça erguida e minha voz cristalina. — Ele é
uma boa pessoa. Ele não é como o pai. Talvez se o conhecesse,
você...

Ele me interrompe com um aceno de mão enquanto se


levanta. — Já ouvi o suficiente.

— O quê?
— Nunca vou conhecê-lo e você jamais ficará com ele, — ele
fala com os dentes cerrados. — Entendeu?

Quero dizer a ele que não é certo que ainda estejam usando
Mona. Que ele não chegue a odiar August e tirar vantagem dele ao
mesmo tempo. Mas tenho certeza de que ele se recusaria a me
ouvir. E no final, mamãe sofreria mais.

Eu também me levanto. — Não, pai. Eu não te entendo. Se


você pudesse apenas...

— ... isso não está em debate. — Ele caminha até minha


porta. — Não nos associamos com Monreauxs. É assim que as
coisas são. Como sempre será. — Ele faz uma pausa. — A pior
coisa que você poderia fazer é aceitar dinheiro de um. Assim que
eles o tiverem no bolso, você ficará em dívida com eles pelo resto
da vida.

Eu cruzo meus braços. — Não é assim com August.

— Isso é o que você pensa agora. — Ele se dirige para a


porta. — Acabe com isso. Imediatamente. E nunca mais fale
dele. Entendeu?

Suas palavras cortam o quarto com um calafrio glacial, e o


homem que as pronuncia não se parece em nada com o pai que
me criou.

Minha boca fica seca e eu forço um gole, mantendo minha


cabeça erguida. — Já fiz.

— Ótimo. Agora, se você me dá licença, já se passaram


algumas horas. Vou verificar sua mãe. E você deve descansar um
pouco. Você tem uma longa viagem de manhã.
Ele fecha a porta e eu desabo na minha cama, deitada de
bruços e enterrando minha bochecha no meu travesseiro enquanto
olho para a parede.

Meu telefone apita na minha mesa de cabeceira, eu me estico


para alcançá-lo.

ENEMY DEAREST: Por favor, me ligue, Sher. Eu parto


amanhã. Preciso ver você.

August está mandando mensagens há dias, dizendo que tem


que me contar algo importante e que quer me contar pessoalmente,
mas eu o tenho ignorado porque sei como vai ser. Ele vai me puxar
de volta e vai tornar tudo dez vezes mais difícil do que já está. Já
disse a ele o que precisava dizer. E eu já disse adeus. Quanto antes
ele aceitar nosso destino, mais cedo poderemos tentar seguir em
frente - seja lá o que for.

ENEMY DEAREST: Estou com saudades.

Com lágrimas nos olhos, escrevo de volta.

Esta será a última vez.

EU: Eu também sinto sua falta. Mas eu não posso.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO

August

A aula começa em quatro minutos.

Sento no canto de trás da sala de aula que cheira a


marcadores de quadro branco e spray corporal excessivamente
agressivo e abro meu laptop. É estranho, na verdade, assistir às
aulas. Fazer anotações. Fazer os trabalhos de casa de verdade.
Mas é uma distração muito necessária porque se eu não me ocupo
com a escola, fico obcecado com Sheridan.

Faz duas semanas desde que a vi... a beijei... disse-lhe que a


amava.

Duas semanas desde que ela disse adeus.

Todas as noites, eu verifico suas contas de rede social na


esperança de que ela poste algo, qualquer coisa. Mas ainda são as
mesmas fotos do ano passado. Isso me mata não saber o que ela
está fazendo. Como está se adaptando à vida no dormitório. Se foi
a alguma festa... ou se está falando com algum cara.

Quem me dera poder dizer a ela que mudei meu curso - de


administração para arquitetura de software - por causa dela. Pela
primeira vez na minha vida, eu realmente quero fazer algo que
valha a pena. Não quero aprender como tornar as empresas ricas
mais ricas - quero fazer a diferença na vida das pessoas. Tive uma
ideia para um programa de software que tornaria a execução mais
segura para os corredores, especificamente um aplicativo que
percebe se o usuário foi atropelado ou caiu. Ele enviaria
imediatamente uma chamada para o 911, assim como um sinal
com sua localização exata.

Pensei em contar a ela por mensagem de qualquer maneira,


na tentativa de manter a conversa. Mas a última coisa que ela me
enviou foi: Eu também sinto sua falta. Mas eu não posso.

Cada mensagem que enviei a ela desde então ficou sem


resposta.

Meu professor sobe ao pódio abaixo, conectando seu laptop à


tela gigante. Uma garota com cabelo loiro ondulado e lábios
carnudos desliza pela porta assim que as luzes se apagam. Meu
estômago vira por um segundo... mas não é ela.

Não seria.

Não pode ser.

Minha mente sempre pregou peças cruéis, mas ultimamente


tem sido brutal pra caralho.

A garota encontra a última cadeira vazia ao meu lado e, em


segundos, sou envolvido por uma nuvem de hidratante corporal de
framboesa.

Procurando em sua bolsa, ela acidentalmente me dá uma


cotovelada.
— Oh, meu Deus, eu sinto muito, — ela se inclina,
sussurrando. — Não consigo encontrar uma maldita caneta.

Abaixando-me, pego uma sobressalente da minha bolsa e


entrego a ela, mantendo minha atenção focada na aula. Quarenta
minutos depois, as luzes se acendem e todos estão reunindo suas
coisas.

— Aqui está. — A loira me devolve a caneta - junto com um


pedaço de papel.

Eu desdobro a nota - seu nome e número.

Quando eu olho para cima, ela já se foi.

Saindo, amasso o lençol e jogo no lixo.

Não estou interessado.

Não sou o homem que costumava ser, nem perto disso.

Tudo que eu sou... é dela.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS

Sheridan

— Sinto muito, não posso ir esta noite. — Limpo o batom


vermelho cereja do rosto e prendo o cabelo em um rabo de cavalo
baixo, olhando meu reflexo no espelho, apenas para encontrar a
garota mais triste do mundo olhando de volta.

— O quê? Por quê? — Minha amiga, Stacia, diz do outro lado


do meu telefone. — Estou literalmente a caminho para buscá-la
agora.

Não sei o que estava pensando quando disse que iria com ela
a uma festa em Bexler.

Na verdade, estou mentindo. Eu sei exatamente o que estava


pensando: que em algum lugar de um campus, entre quinze mil
alunos, eu poderia ter um vislumbre de August. O cenário que
imaginei era mais ou menos assim... Eu o localizaria do outro lado
da rua, talvez. Ele não me notaria porque não estava procurando
por mim. Talvez ele estivesse em seu telefone, fazendo planos para
o fim de semana. Ou talvez estivesse sentado em um banco de
parada de ônibus, terminando uma tarefa de casa rápida, perdido
em seu próprio mundo.
Eu só queria ver se ele estava bem. Se estava seguindo em
frente. Se saindo bem.

Mas quando comecei a me arrumar hoje à noite, pensei em


um cenário diferente: topar com ele em uma festa com outra
garota. Nós dois nos encarando do outro lado da sala enquanto ele
beija uma bela morena em um moletom Bexler.

Eu quero que August seja feliz. Ele merece muito.

Mas não poderei aguentar vê-lo. Ainda não. Não enquanto


tudo ainda está cru. Não enquanto eu ainda sentir tanta falta dele
que dói fisicamente na forma de dores de estômago, sonhos tão
intensos que acordo chorando, e um peso no peito que me rouba
o fôlego quando menos espero.

Por três semanas depois que eu disse adeus, ele me mandou


mensagens todos os dias.

Eu sinto sua falta ...

Eu preciso falar com você ...

Quando posso te ver novamente?

Eu te amo, garota Rose...

Então um dia as mensagens simplesmente ... pararam. E eu


sabia que parariam. Ele tinha que estar cansado de bater com a
cabeça contra a parede e não chegar a lugar nenhum.

Ou talvez tenha conhecido alguém...


Uma e outra vez, me peguei digitando algo, apenas para
excluir tudo e desligar meu telefone para evitar mais tentações. O
envolvimento com ele é brincar com fogo, uma maneira garantida
de me queimar, e eu ainda estou me curando desde a última vez.

— Sher, por favor? — Stacia me coloca no viva-voz e algumas


outras garotas intervêm. Estamos todas na mesma aula de
anatomia básica às terças e quintas, todas nós de diferentes partes
do Missouri, e todas nos tornamos próximas. — Por favor, por
favor, por favor?

Nunca fui uma pessoa de grupos, mas estas meninas têm sido
minha graça salvadora até agora neste semestre. Nunca estou sem
planos nos fins de semana, e uma boa distração é apenas um
telefonema ou uma mensagem a qualquer momento que eu
precise.

Eu quero ir.

Mas é uma má ideia.

Nada de bom pode vir disso.

Apenas uma ressaca e um desgosto.

— Não estou me sentindo bem, pessoal. — É verdade. Meu


estômago se transformou em nós durante toda a noite, só de
pensar em cruzar com August. Adicione um pouco de cerveja
barata a essa equação e eu ficarei mais enjoada que um cachorro
a noite toda.

— Eu lhe disse para não comer sushi do refeitório, — diz


Stacia. — Deveria ter escutado.
Eu ri. — Sim. Deve ter sido o sushi...

— Tem certeza de que não consegue vir? — Ela tenta uma


última vez.

— Vou deixar você andar no carona e escolher todas as


músicas, — Hadley entra na conversa.

— Tentador, mas ainda vou passar. — Pego um lenço de


maquiagem do recipiente. — Vocês se divertem sem mim, ok?

Sou recebida com uma sinfonia de lamentações e gemidos, e


Stacia promete me ligar amanhã e me contar tudo.

Por uma fração de segundo, eu penso em mudar de ideia,


porque quais são as chances de eu topar com ele? Um em quinze
mil?

Termino a ligação, tiro minha calça jeans e camiseta regata, e


coloco um pijama - pijama que por acaso era o mesmo que eu usei
na noite em que August entrou furtivamente em meu quarto.

Sentando na cama do meu dormitório, pego meu laptop e


carrego meu Netflix. Clicando no documentário sobre o polvo, me
acomodo contra meu travesseiro... e pego um alcaçuz vermelho da
embalagem na gaveta da minha mesa de cabeceira.

Talvez eu esteja tão louca quanto ele.

É uma tragédia, como éramos perfeitos juntos.

E é de partir o coração que tudo o que resta são lembranças


de um verão infeliz e alcaçuz vermelhos.
CAPÍTULO TRINTA E SETE

August

Pego minha jaqueta e desço as calçadas da cidade do campus


até localizar meu carro no estacionamento lotado.

Eu tenho que sair daqui.

Preciso de ar. Eu preciso mudar de cenário. Se eu ficar nessa


porra de bolha sem Sheridan mais um minuto, vou morrer.

Dez minutos depois, estou pegando a saída em direção ao


Briardale Community College. É uma hora de carro de Bexler e não
tenho intenções de procurá-la. Só quero estar na mesma
estratosfera que ela, respirando o mesmo oxigênio, tendo as
mesmas paisagens... qualquer coisa para me sentir mais perto
dela.

Led Zeppelin toca em meus alto-falantes - a mesma música


que ela cantou meses atrás, no mesmo assento vazio ao meu
lado. Aumento o volume, me preparando para dirigir, os nós dos
dedos brancos contra o volante.

Essa sensação de desespero e desamparo é estranha para


mim, e nunca fui de sentir pena de mim mesmo, mas não sei
quanto mais posso aguentar.
Minha vida - sem Sheridan - é um vazio sem fim.

Passo pelas aulas como um hamster na roda, bebedeiras de


cerveja e monotonia sem sentido.

Descansando minha cabeça para trás, invento uma conversa


mental com ela, imaginando do que estaríamos falando neste
momento. Faculdade, talvez. Planos de fim de semana. O quanto
sentimos falta um do outro. Às vezes, ajuda fingir que nunca
seguimos caminhos diferentes. E talvez, em algum universo
paralelo, ainda estejamos juntos. Conseguimos fazer funcionar.
Nos apaixonamos cada dia mais profundamente e com mais força
a cada dia que passa.

Estou mergulhando de cabeça em outra conversa de fantasia


quando o rádio desliga e o nome de Soren pisca no visor. Limpo
minha garganta, sento-me ereto e toco no botão verde.

— Oi, — eu digo.

— Feliz aniversário... — É barulhento onde ele está. Mal


consigo ouvi-lo com toda a agitação ao fundo. Alguém está
gritando.

Exalando, eu consigo um rápido, — Obrigado.

Esqueci completamente que hoje é meu aniversário.

— Você está festejando? — Ele pergunta, gritando acima do


barulho.

Examino a rodovia vazia e bufo. — Do meu jeito.


— Vou tomar um shot em sua homenagem esta noite, — diz
ele com uma risada. Não temos tradições, mas se tivéssemos, isso
poderia ser a coisa mais próxima disso. — Um dia destes estarei aí
pessoalmente e poderemos tomar um, juntos.

— Não se preocupe.

Ele cobre o telefone, sua voz abafada por um segundo


enquanto fala com outra pessoa.

— Desculpe por isso. — Ele voltou. — Eu ia ver se você tinha


planos para o Dia de Ação de Graças. Estamos fazendo nossa parte
leste da turnê naquela semana... tocando no Madison Square
Garden e descendo. Eu poderia reservar um voo para você se
quiser passar a semana conosco?

Já estive em uma turnê com sua banda uma vez há alguns


anos, e honestamente, uma vez foi suficiente. Suas festas fazem as
minhas parecer uma festinha de criança com palhaços e animais
em balões. Levei duas semanas inteiras só para me recuperar. E
serei amaldiçoado se eu estiver a uma distância de um campo de
futebol de Everclear14, nunca mais.

— Obrigado, mas estou bem, — digo.

Ele fica sem palavras por um segundo. — Você está bem,


cara?

14
Everclear é uma bebida alcoólica produzido pela empresa norte-americana Luxco com alto teor alcoólico
da ordem de 95%. A matéria prima do Everclear é o milho.
— Sim? Por que eu não estaria?

— Apenas parece... eu não sei... triste ou algo assim, — ele


diz. — São, o quê, nove horas onde você está? Em uma sexta-
feira? E você está sozinho? Besteira. É uma garota, não é?

Sheridan dificilmente é uma garota.

Mas Soren não entenderia.

E não tenho energia para explicar nada disso.

— Apenas cansado, — eu digo. E não é uma mentira


completa. Eu estou cansado. Cansado de existir apenas enquanto
todos à minha volta seguem em frente com suas vidas e eu estou
boiando. Se eu pudesse estalar meus dedos e sair deste estado de
transe e desespero, eu o faria.

Mas eu não posso - estou preso a ela.

— Qual é o nome dela? — Ele pergunta, vendo através de


mim. — Essa garota.

— Não é ninguém que você conhece.

— Obviamente, — ele diz. — É a mesma que você ia levar no


meu show no verão passado?

Eu disse a ele que ela estava doente. Uma desculpa


esfarrapada e pouco criativa em retrospecto.

Suspirando, eu digo: — Sim. Mesma menina.


— Bem, merda, — Soren diz com uma expiração. — Tenho
que ir lá para a passagem de som, mas minha oferta ainda está de
pé. Venha com a gente se quiser se afastar um pouco. E se não,
quer dizer, eu entendo. Entendo. Eu estive assim. Ainda penso na
minha às vezes. E inferno, todas as músicas dos meus últimos três
álbuns eram sobre ela de uma forma ou de outra. O maior medo é
que eu me case com outra pessoa, mas veja seu rosto no dia do
meu casamento. Eles grudam com você, cara. Esses primeiros
amores. É o paraíso e é o inferno.

Uma placa à frente me diz que a saída de Briardale fica a


dezessete quilômetros de distância.

— Obrigado pela conversa estimulante, — eu digo, meio


rindo. Deixando de lado esse momento de “união”, é bom saber
que não estou sozinho.

— Tudo bem, bem, eu tenho que ir. Se cuida. Tome uma


bebida ou algo assim esta noite, ok? Acalme-se. E estou sempre
aqui se você precisar de mim, — diz ele. — E August? Espero que
você pegue a garota. Honestamente, conhecendo você... você vai.
CAPÍTULO TRINTA E OITO

Sheridan

— Stacia. — Eu agarro seu braço sob a mesa em um


restaurante local de sushi. — Você não me disse que era
um encontro duplo.

— Óbvio. — Ela sorri enquanto seu namorado e seu amigo


caminham da porta da frente para a nossa cabine. — Ou você não
teria vindo...

— Que confusão.

Ela sai da cadeira e envolve os braços em volta do namorado,


Bryan. Eles estão namorando há algumas semanas e já são
exclusivos, inseparáveis e apaixonados. Estou emocionada por ela,
de verdade, mas cada vez que os vejo juntos, meu coração se parte
um pouco.

Poderia ser nós...

— Sheridan, este é meu colega de quarto, Dillon, — Bryan diz.

Dillon estende a mão e abre um sorriso brilhante acentuado


por duas covinhas perfeitas. Seu cabelo foi cortado recentemente,
penteado para trás com gel, e ele está vestido como se fosse para
uma entrevista de emprego.

Uma vida atrás, ele teria sido meu tipo... mauricinho.

Stacia e os caras entram na cabine, e eu me preparo para uma


noite de conversa fiada e estranha.

— Então você está se graduando em enfermagem? — Dillon


pergunta. — Como Stacia?

Aceno, bebendo minha água gelada. — Foi assim que nos


conhecemos.

— Incrível, — diz ele com um pouco de entusiasmo demais. —


Estou estudando contabilidade. Espero ser um contador
corporativo algum dia. Estou de olho em uma grande empresa.

Eu reprimo um bocejo.

Eu deveria ter ficado de pijama e me deitado cedo, mas Stacia


passou uma hora explodindo meu telefone e implorando que eu
fosse comer sushi. Estávamos na metade do caminho quando ela
me disse que Bryan estava se juntando a nós, o que teria sido bom
se eles não estivessem me preparando para um encontro duplo
surpresa e às cegas...

E eu entendo.

É divertido quando os amigos namoram os amigos de seu


namorado.

E Dillon é fofo - mas ele não é August.


— Você tem irmãos ou irmãs? — Dillon pergunta. Eu me
encolho por dentro.

— Filha única. — Abro meu menu. — E você?

— Cinco irmãs, — ele responde com um sorriso largo.

— Me desculpe, cara. Parece horrível. — Bryan dá uma


cotovelada nele, provocando. — E eu pensei que ter uma irmã já
era ruim o suficiente.

— Você é de Meredith Hills, certo? — Dillon pergunta.

É quase como se ele me procurasse no Google e perseguisse


minhas redes sociais no caminho para cá...

— Sou. Já ouviu falar? — Eu viro o menu e concentro minha


atenção nele, tentando parecer interessada por pura educação.

Isso é brutal.

— Meus avós moravam em Springdale, — diz ele, referindo-se


à pequena cidade antiga que August e eu passamos um dia lindo
e único uma vez. — Estou familiarizado com a área.

Nosso garçom interrompe essa conversa dolorosa com um


timing perfeito, e eu uso a pausa na conversa para pedir licença e
ir ao banheiro.

— Eu vou com você, — diz Stacia. Ela trota atrás de mim e,


uma vez que estamos atrás de uma porta fechada, ela puxa meu
braço. — Então? O que você acha até agora?
Pego a última cabine à esquerda. — Eu sinto que ele está me
entrevistando para uma posição como sua namorada.

— Acho que ele gosta de você, — ela diz, me ignorando. — Eu


posso dizer. A maneira como ele olha para você... ele não tirou os
olhos nenhuma vez. Notou que ele pediu a mesma coisa que você?

— Eu não acho que isso significa nada... todo mundo gosta


de rolinhos Califórnia... — Eu termino e a encontro na pia.

— Mas você gostou dele até agora? Tipo, você acha que há
potencial? — Seus cílios revestidos de rímel vibram de
esperança. — Vocês ficariam tão fofos juntos.

Eu ensaboo minhas mãos e encontro seu olhar no reflexo. —


Ele é legal.

Mas ele é um pouco... descomplicado. August tinha


profundidade e camadas. Ele era um quebra-cabeça de mil
peças. Dillon é vazio - bom de se olhar, mas não há mais nada ali.

— Você não parece animada com ele... — Stacia morde o lábio


inferior e enfia o cabelo escuro atrás das orelhas. — Eu sinto
muito.

— Não, não. — Eu dou um abraço nela. — Está bem. Você


teve boas intenções. Ele apenas... não é para mim.

— Você ainda está presa a aquele cara? — Ela pergunta.

Eu contei a ela e às meninas sobre August brevemente, dando


a elas uma versão extremamente abreviada dos eventos. Nós
tivemos um caso. Terminamos antes de ir para a faculdade. Não
falei desde então. Mas ela não sabe a metade do que
aconteceu. Nunca pareceu um assunto relevante, e a ideia de
revisitar os eventos passados do verão parecia como cutucar um
nervo em carne viva com um bisturi.

— Qual é o nome dele mesmo? — Suas sobrancelhas se


encontram. — Atticus? Atlas?

— August, — digo o nome dele em voz alta pela primeira vez


em meses... e dói. Lateja fisicamente - como se alguém tivesse
enfiado uma faca cega na minha alma e serrilhado bem no
meio. Mudo de assunto antes que me leve a um caminho
emocional, digo: — Devíamos voltar...

A última coisa que quero é que Dillon pense que estou aqui
falando sobre ele, analisando tudo, criando esperanças. Não
gostaria de lhe dar uma impressão errada.

Ele é um cara perfeitamente legal - até agora.

Mas ele não é August.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE

August

Pela primeira vez em anos, volto para casa no feriado de Ação


de Graças. Mas não estou aqui para participar das tradições
familiares, visto que não temos nenhuma. E papai e Cassandra
estão em algum lugar tropical - Taiti ou Fiji ou algo assim.

A casa está escura e vazia, como estava no dia em que saí.

Jogo minha bolsa na cama, no mesmo lugar que Sheridan se


rendeu a mim meses atrás. Então pego minhas chaves e volto para
o meu carro. Quinze minutos depois, estou na rua de Sheridan.

Quando em Roma ...

Seu pequeno Nissan azul está flagrantemente ausente da rua


ou da garagem.

De lá, vou para a loja de celulares, na chance de ela estar em


casa esta semana e decidir pegar um turno. Estacionando na
frente, eu desligo meu motor e sigo para dentro porquê de qualquer
maneira, eu preciso de um carregador sobressalente já que deixei
o meu na Bexler.
— Oh, ei, estranho. — Adriana se aproxima de mim no
instante em que ponho os pés na porta. Tenho certeza que ela me
viu chegando. — Faz algum tempo.

Examino a loja em busca da seção de carregadores. — Preciso


de um carregador.

— Claro. — Ela me aponta para a parede oposta. — Encontro


você no caixa quando estiver pronto.

Um minuto depois, tiro minha carteira do bolso na caixa


registradora.

— Está tranquilo aqui hoje, — eu digo enquanto ela registra


minha compra.

— Sim. As coisas ficam meio mortas até a Black Friday. Todo


mundo espera até a grande liquidação. Que bom que você veio hoje
e não depois do Dia de Ação de Graças. Teremos uma fila para fora
da porta. — Ela bate as unhas compridas no balcão. — Vinte e
cinco dólares e cinquenta e seis centavos é o seu total.

Entrego a ela meu cartão. — Tem falado com Sheridan?

Suas sobrancelhas levantam, mas ela não parece


surpresa. Na verdade, ela quase sorri, como se estivesse esperando
por essa pergunta.

— Conversamos às vezes, sim, — diz ela.

— Como ela está?

Ela desliza meu cartão no leitor. — Ótima. E parece feliz.


Meu peito queima. — Ótimo. Bom para ela. Talvez diga a ela
“oi” por mim na próxima vez que falar com ela.

Adriana me entrega um recibo e uma caneta. — Ou talvez você


mesmo possa dizer? Ela estará em casa no próximo mês para o
Natal. Acho que tem três ou quatro semanas de férias, não me
lembro. Ela voltaria para casa esta semana, mas seus pais
decidiram ir lá por alguns dias em vez disso.

Bom saber.

— Sim, bem, eu não acho que ela queira me ver. — Tiro o


carregador do balcão e coloco no bolso do casaco.

— August. — Ela ri pelo nariz, a cabeça inclinada e a mão no


quadril. — Quando é que isso já te impediu antes?

Eu bufo. Ela tem razão. Mas agora é diferente. Eu não me


importava com ela antes. Tudo o que importava era que eu a
queria. Qualquer dor ou confusão que eu infligisse a ela era um
dano colateral e não era da minha conta.

Mas ela deixou isso claro nos últimos meses.

Posso não concordar com isso, mas tenho que respeitar -


porque a amo.

— Ouça. — Adriana se inclina, abaixa a voz, apesar do fato de


sermos os únicos aqui. — Eu não deveria te dizer isso. Mas ela
pergunta sobre você toda vez que conversamos.

— O quê?
— Sim. Ela pergunta se eu vi você pela cidade, se soube o que
você está fazendo, — diz ela. — Ela sente sua falta. E,
honestamente, pelo jeito que ela fala, acho que ela ainda te ama -
ela só tem medo de admitir, sabe? Por causa de tudo.

— Eu já volto.

Um segundo depois, estou sentado no banco da frente,


rabiscando uma nota em um pedaço de papel do caderno.

Dobro ao meio duas vezes e coloco de volta dentro.

— Preciso que você dê isso a ela da próxima vez que a vir, —


digo a Adriana. — Você pode fazer isso por mim?

Seu olhar escuro cai para a carta. — Sim. Posso fazer isso.

Ela o enfia no bolso de trás.

— August? — Estou a meio caminho da porta quando ela


chama meu nome.

Eu paro. — Sim?

— Espero que dê certo para vocês dois.

Colocando minha mão na porta, eu aceno. — Vai dar.

Porque eu não vou desistir dela.

Ainda não. Agora não. Nunca.


CAPÍTULO QUARENTA

Sheridan

A casa dos meus pais cheira a uma das maravilhas do


inverno. No segundo em que entro pela porta, encontro um
coquetel nasal de biscoito de gengibre, canela, abóbora e biscoitos
açucarados. Parece que papai está preparando um buffet...

— Oi, — eu aceno para ele enquanto coloco minha bolsa perto


da porta.

Não estive em casa durante todo o semestre. Eu disse a meus


pais que estava ocupada com aulas e exames, mas isso não era
totalmente verdade. Embora eu tenha vivido minha vida inteira em
Meredith Hills, tudo que me lembro agora é aquele verão único e
comovente.

E ele.

Eu não estava pronta para voltar.

Mas não consegui escapar das férias de inverno.

— Ei, garota. — Ele tira suas luvas de forno e as coloca perto


do fogão antes de me dar um abraço. — Mamãe está na sala de
estar. Ela mal pode esperar para ver você.
Eu sigo para a próxima sala, parando no meu caminho
quando encontro uma árvore volumosa que ocupa um terço da
nossa minúscula sala de estar e bloqueia toda a janela da frente.

— Uau, — digo à mamãe enquanto ela se move e manobra os


enfeites de Natal, espalhando-os com perfeição. Ela está tendo um
bom dia. Papai disse que está tendo muitos desses ultimamente. E
os médicos acham que sua luta com Guillain-Barre está
melhorando porque ela não teve um episódio ou mostrou qualquer
fraqueza nos nervos em meses. — Isso é diferente... por que parece
tão diferente? Está mais cheia do que eu me lembro.

Ela sorri, me dando um abraço lateral. — Isso é porque esta


não é do início dos anos 90.

— Ah, você se livrou da velha?

— Aquela coisa estava desmoronando e você sabe disso. —


Ela ri, embora eu meio que me sinta mal pela velha
árvore. Tínhamos ela desde que eu era bebê e a coisa era mais
velha do que eu. Meus pais a compraram por dez dólares na
Goodwill. Nunca realmente tivemos recursos para substituí-la - até
agora.

Meu pai ganhou seu acordo no mês passado. Não foi tanto
quanto esperavam, mas é o suficiente para fazer a diferença em
suas vidas. Certamente parece estar fazendo diferença em sua
saúde atualmente, com certeza. E só isso já é uma compensação
suficiente para mim.

— Seu pai disse que está me levando para uma pequena


escapadela de fim de semana para o Ano Novo? — Ela pergunta. —
Ele ainda não me disse para onde estamos indo. É uma surpresa.
Fico feliz que eles possam fazer uma viagem, mesmo que seja
por apenas alguns dias, mas eles só têm esse dinheiro há um mês
e já estão torrando. Se não tiverem cuidado, gastarão todo o
dinheiro.

— Eu estava pensando, mamãe... — eu digo. — Agora que


você e papai têm um pouco de dinheiro extra, talvez vocês
devessem assumir os pagamentos da enfermeira domiciliar...
devolver o dinheiro ao August?

Ela faz uma pausa, no meio do alcance, para um enfeite de


Papai Noel.

— É a coisa certa a se fazer, — eu digo. — Ele só fez isso


porque queria estar comigo - e você não vai permitir isso. É meio
injusto agora, você não acha?

Seus lábios se achatam. — Depois de tudo que aquela família


fez pela nossa, acho que é mais do que justo.

— Mas ele não teve nada a ver com isso.

— Acredite em mim, os Monreaux não estão sentindo falta de


um centavo desse dinheiro. Duvido que Vincent sequer saiba que
ele se foi.

— Ainda não faz com que seja justo.

— Essa família nos causou muitos sofrimentos ao longo dos


anos. Eles atacaram nossos nomes, nossa reputação, nosso
sustento...

— Talvez apenas pense nisso?


Ela mexe em outro enfeite, movendo-o de um lado para outro
em alguns galhos.

— Ele é uma boa pessoa, mamãe, — acrescento. — Ele é


gentil. E ele tem um bom coração. Sinto muito que você nunca terá
a chance de vê-lo.

Seus lábios se comprimem, como se ela estivesse sufocando


o que realmente queria dizer. E então dá um passo para trás da
árvore para examinar seu trabalho.

— Há algo em sua cômoda. — Sua voz é tão baixinha que


quase não a ouço.

— O quê?

— No seu quarto. Em sua cômoda. Há um bilhete para você.


— Ela evita o contato visual.

Corro para o meu quarto, com meu coração palpitando nos


ouvidos, e encontro um pedaço de folha de caderno dobrada entre
minha vela de baunilha e um frasco meio vazio de um perfume que
ganhei há dois aniversários.

Desdobrando-o, encontro tinta azul e um punhado de


palavras do homem que amo.

Garota Rose,

Na noite em que a vi pela primeira vez, eu estava indo


para salvá-la.
Acredite ou não, eu achei que você estivesse se afogando.
Nunca poderia ter imaginado que seria você me salvando no
final.

Obrigado por me mostrar o que é o amor pela primeira


vez na minha vida.

Obrigado por me salvar do monstro que estava destinado


a ser.

Eu te amo hoje.

E te amarei para sempre.

E se alguma vez você mudar de ideia, estarei esperando.

Enemy Dearest

— Há quanto tempo você tem isso? — Pergunto a mamãe


quando a encontro parada na minha porta. — E como você
conseguiu isso?

— Adriana deixou na semana de Ação de Graças, — diz ela.

Agora faz sentido, por que meus pais estavam tão


empenhados em ir me visitar no Dia de Ação de Graças ao invés
de me receber em casa. Eles provavelmente pensaram que August
estaria aqui, e mantendo-me longe e fora da cidade, manteria uma
distância segura entre nós.

Adri me enviou uma mensagem há algumas semanas dizendo


que ela deixou uma carta aqui em casa para mim - eu assumi que
ela quis dizer que era uma correspondência, como um velho
comprovante de pagamento ou um documento fiscal do trabalho.
Não me ocorreu que ela quis dizer uma carta textual... ninguém
mais escreve cartas.

— Eu só estava tentando proteger você, — mamãe diz,


suspirando. — Não gosto que ele seja um Monreaux. E
eu nunca vou perdoar seu pai pelo que ele fez nossa família
passar. Mas estou disposta a admitir que talvez, talvez eu estivesse
errada sobre ele.

— Não há talvez nisso, mamãe.

Pegando minhas chaves, bolsa e casaco, corro para a porta.

— Onde você está indo? — Ela chama atrás de mim.

— Para ele. — Eu salto degraus removidos com pá de neve e


calçada rachada e entro no meu carro ainda quente.

Dois meses atrás, apaguei seu número.

Tinha saído com minhas amigas, bebi muito rum com Coca-
Cola, e me convenci de que estava fazendo a coisa certa. Que se eu
não tivesse mais seu número, seria mais fácil, porque a tentação
de mandar uma mensagem ou ligar para ele desapareceria.

Quando acordei na manhã seguinte, levei um segundo para


lembrar o que tinha feito.

Mas, em vez de me sentir fortalecida, fiquei enjoada de rum e


arrependimento.
Quinze minutos depois, estou no portão de ferro forjado da
mansão Monreaux, batendo freneticamente a campainha.

— Residência Monreaux, em que posso ajudá-lo? — A voz de


um homem mais velho me cumprimenta pelo alto-falante.

— Olá, estou aqui para ver August. Ele está em casa?

— Um momento por favor. — O homem fica em silêncio por


um minuto, depois outro. Estou prestes a apertar a campainha
novamente quando os portões de ferro se abrem e, à frente, um
homem caminha em minha direção com uma jaqueta verde, e o
cabelo esvoaçando com o vento de dezembro.

Saio de meu carro tão rápido que deixo a porta do motorista


aberta, e corro para ele.

Ele me pega em seus braços, me aperta até meus pés


deixarem o chão, e me balança em círculo.

— Mamãe me deu sua carta, — eu digo.

Seu sorriso desaparece e suas sobrancelhas se estreitam. —


Como sua mãe recebeu a carta?

— Adriana a deixou na minha casa... e acho que mamãe se


encarregou de lê-la.

Possivelmente esse fosse o objetivo de Adri - talvez ela


soubesse que mamãe a teria lido e esperasse que isso a ajudasse
a vê-lo sob uma luz diferente? Não é como se a carta estivesse
selada. Tenho certeza que ela leu antes mesmo de entregá-la.

Seus lábios se achatam. — E?


— Ela disse que talvez estivesse errada sobre você. — Ficando
na ponta dos pés, beijo seus lábios com sabor de hortelã. — Agora
só precisamos cuidar de seu pai...

— Feito, — diz ele.

Eu franzo as sobrancelhas. — O quê?

— Aparentemente o inferno congelou porque ele


aleatoriamente me deu sua bênção. Disse que perdoou sua família,
e quer enterrar o passado.

Eu o analiso. Tudo isso parece bom demais para ser


verdade. — Estava bêbado ou algo assim?

— Boa pergunta, — ele diz. — Mas não, ele não estava. Ele
estava sóbrio e coerente.

— Isso é... uau. Acho que está tudo funcionando


perfeitamente. — Encolho os ombros.

O universo funciona de maneiras estranhas, eu sei. E


geralmente, quando algo parece bom demais para ser verdade, e
é. Mas, neste caso, não quero questionar. Se mamãe está aberta a
isso e seu pai nos deu sua bênção, eu só quero seguir em frente.

— Eu te amo, — diz ele em meu ouvido, envolvendo-me com


força em seus braços e enterrando a cabeça em meu cabelo.

— Eu também te amo.

— Entre comigo.
Eu aceno em direção ao meu carro, o motor ligado e a porta
aberta.

— Vou mandar alguém movê-lo, — diz antes de me pegar em


seus braços e me levar para dentro.

Ele tranca a porta quando chegamos ao seu quarto, e eu me


empoleiro ao lado de sua cama, passando minha mão ao longo da
cama macia de cashmere.

— Eu senti falta disso, — eu digo. — Estar aqui com você. É


como se o mundo exterior parasse de existir no segundo em que
eu estava dentro dessas quatro paredes.

August sobe ao meu lado, seu corpo rente ao meu, e ele puxa
minha coxa por cima de seu quadril.

— Vivi vinte anos sem você, — diz ele, — mas não sei se
poderei fazer isso outro dia.

— Não vou a lugar nenhum dessa vez.

— Case-se comigo, Sheridan. — Seus olhos cinza brilham com


intensidade.

— Você não me vê há quatro meses e a primeira coisa que


você faz é propor casamento? — Eu rio, batendo em seu ombro.

Ele não está sorrindo, entretanto. Não há provocação em seu


tom.

Ele propôs de verdade...


— Por que a pressa? — Pergunto. — Disse que não vou a lugar
nenhum.

— Porque pretendo fazer de você minha esposa um dia, e sou


terrivelmente impaciente.

— Para dizer o mínimo.

— Então o que você diz? — Ele pergunta. — Quer se casar


comigo?

Ele me rola por cima dele e eu me sento, minhas mãos


espalmadas contra seu peito. Seu coração galopa sob minhas
palmas.

— Não tem que ser hoje ou amanhã. Ou mesmo no próximo


ano. E vou pegar um anel para você - na verdade, o anel da minha
avó está no cofre no andar de cima. Se você gostar, é seu. Ou se
você quiser outra coisa...

— ... não é sobre o anel, — eu digo, mordendo um meio


sorriso. — Eu só... só acho que você é louco.

Ele ri. — O que nós dois sabemos é o que você mais ama em
mim.

— Uma de muitas coisas...

— Então, isso é um sim? — Ele pergunta.

Sem dúvida, essa é a coisa mais maluca que já fiz, mas a


sensação de paz que enche minha alma quando olho em seus olhos
me diz que também seria a mais sábia.
Em muitos aspectos, mal o conheço.

Mas de maneiras mais estranhas, minha alma conhece a


dele. De que outra forma você pode descrever a sensação que tem
quando está com alguém e essa pessoa se sente em casa?

— Sim, — eu digo. — Casarei com você, August.

Devíamos esperar antes de lançar isso aos meus pais... dar-


lhes tempo para se acostumarem com o fato de que estamos
oficialmente juntos novamente. Mas tenho certeza de que, assim
que passarem mais tempo com ele, eles o adorarão tanto quanto
eu. E, claro, não há necessidade de apressar o
casamento. Podemos levar o nosso tempo, aproveitar as borboletas
e as noites de namoro e o sentimento de insaciabilidade que vem
com as primeiras fases das relações.

Sentando-se, ele segura minha bochecha, enlaça os dedos no


cabelo na minha nuca e esmaga meus lábios com um beijo
reivindicador.

— Eu sou sua, — digo a ele. — Sempre. Com ou sem anel.

— Vou cobrar isso de você, garota Rose.

Eu o inalo uma última vez esta noite, me preparando para


voltar para casa - quando um clamor metálico rouba nosso
momento.

— O que é que foi isso? — Eu pergunto.

August tira o telefone da mesa de cabeceira, toca em um


aplicativo e exibe uma grade de imagens da câmera. Aproximando
a do meio, seus lábios franzem.
— Meu tio está aqui, — ele diz. — E pelo que parece, ele está
bêbado. Preciso ir lidar com ele. Eu levo você pela porta lateral.

Eu começo a protestar. Se vamos nos casar e esta é sua


família, por que a necessidade de me esconder? Mas antes que eu
pronuncie uma palavra, August desliza sua mão na minha, como
se ele percebesse minha relutância.

— Ele não é problema seu, Rose, — ele diz. A voz de seu tio
sai do corredor, embora eu não consiga entender uma única
palavra arrastada de raiva. — E você não deveria ter que conhecê-
lo assim. — Seus lábios estão quentes contra minha testa um
segundo depois, e ele me leva pelo corredor, desce as escadas e sai
por uma porta que eu nunca vi antes. — Boa noite, Sher.

Fico na ponta dos pés para lhe dar um beijo de boa noite.

Preciso de um apelido para ele também, algo mais adequado


do que o Enemy dearest.

Porque ele nunca deveria ter sido meu inimigo - e nunca será
novamente.
CAPÍTULO QUARENTA E UM

August

— Seu pai está em casa? — Tio Rod bate armário após armário
na cozinha.

— Não, — eu digo, mantendo uma distância cuidadosa. — Ele


está fora até amanhã. O que você está procurando?

Ele se senta na ilha, empurra uma pequena pilha de


documentos no balcão e exala. O cheiro de álcool invade o ar entre
nós.

Um Rod Monreaux bêbado e zangado nunca é uma coisa boa.

— Eu sabia que ele faria isso, — diz ele, suas palavras se


arrastando umas nas outras enquanto vasculha a gaveta
bêbado. — Eu sabia que ele tentaria me foder com este acordo de
transferência de propriedade. A palavra de seu pai é uma merda,
August. Pura merda. E um homem vale tanto quanto sua palavra,
o que significa que seu pai é uma desculpa lamentável de homem.
Mas você já sabia disso, não é?

— Não faço ideia do que você está falando. Ele não me diz
nada.
— O acordo de transferência. — Suas palavras se misturam
novamente, embora eu ainda consiga decifrá-las. — Ele ia me
pagar com aquela operação de cereais de Milford. Vale sete dígitos.
E no último minuto, ele o vendeu - e por menos da metade do que
disse que valia. Maldito bastardo. Eu vou matá-lo. Essa ia ser
minha renda de aposentadoria.

Eu diria que ele é um Monreaux, e estamos todos bem


encaminhados para o resto da vida, mas eu vi o que o tio Rod faz
com o dinheiro dele. Mesas de apostas altas durante suas viagens
quinzenais a Las Vegas. Acompanhantes de luxo regulares. Carros
velozes. Tenho certeza de que ele estava contando com esse
negócio para ganhar dinheiro.

— Tenho certeza de que ele tinha um bom motivo.

— Seu motivo pode beijar minha bunda, — Rod diz, cuspindo


suas palavras literal e figurativamente. — Ele é um mentiroso. Um
mentiroso safado. Sempre foi, e sempre será.

Eu destampo minha água, balançando a cabeça. Você não se


torna um magnata multimilionário dos negócios da noite para o
dia sendo honesto e fazendo tudo de acordo com as regras.

— Se você soubesse só metade do que seu pai fez com as


pessoas ao longo dos anos, — ele continua. — Só fodendo as
pessoas incessantemente. É um jogo para ele, ver com o que
consegue se safar, quem pode pagar. E somos todos peões. Ele é
doente, August. Ele é doente da cabeça. E espero por Deus que
você não se torne como ele.

— O mesmo.
— Você sabe aquela namorada dele? A Cynthia?
Antigamente? Aquela que eles encontraram estrangulada na
pedreira?

— Cynthia... Rose?

Ele manuseia o lado do nariz. — Sim, essa.

— Então, e ela?

— Seu pai é quem fez isso. — Tio Rod dá de ombros, como se


não fosse grande coisa. — Ele armou para seu melhor amigo
também. Tentou fazê-lo levar a culpa. Usou sua caminhonete e
tudo mais. Foi tudo por causa de uma garota também.

— O que você quer dizer?

— Seu pai gostava desta garota... Mary Beth, eu acho? Mas


Mary Beth gostava de Rich Rose. Não queria saber do Vincent, não
importava o que ele tentasse. Então Vincent começou a namorar a
irmã mais nova de Rich. Começou como uma forma de deixar Rich
um pouco irritado. Ou talvez ele pensasse que Rich deixaria Mary
Beth e então Vince poderia ficar com ela. De qualquer forma, nada
aconteceu como seu pai queria e Rich ainda assim não terminou
com Mary Beth, então seu pai matou a irmã de Rich e incriminou
Rich por isso. Queria dar-lhe uma lição.

Eu empurro meu prato de lado.

Perdi meu apetite.

— A mesma coisa com sua mãe. — Ele aponta para mim. —


Ele também queria lhe dar uma lição.
— Do que diabos você está falando?

— Ela ia deixá-lo. E ela ia ficar com metade da propriedade


porque o idiota não assinou um acordo pré-nupcial, — diz ele. —
Sua mãe era uma mulher inteligente. E ela estava cansada dos
joguinhos de seu pai. Ela entregou a ele os papéis do divórcio um
dia antes de sair para aquela corrida... mas os repórteres não
cobriram esse pequeno detalhe, não é? Não. Seu pai garantiu isso.

— Então ele tentou culpar a morte dela a Rich?

— Sim, porque ele estava chateado por não ter conseguido da


primeira vez. E ele ainda estava amargo. Rich e Mary Beth eram
casados na época. Isso o matou por ela ter ido atrás de um "zé-
ninguém" quando ela poderia ter sido a rainha deste maldito
castelo.

A mãe de Sheridan.

— De qualquer forma, ele está chateado com ela desde então,


— ele continua. — A cada dois anos, ele faz com que o pobre
coitado seja demitido de qualquer emprego que esteja no momento.

Eu enterro meu rosto em minhas mãos, respirando com


dificuldade por entre os dedos.

Agora faz sentido.

Agora eu sei por que meu pai estava tão ansioso para
abençoar nosso relacionamento e agir como se fosse uma coisa
boa, uma espécie de bandeira da paz. Não é nada mais do que uma
fantasia de vingança para ele... o que significa que estar comigo a
coloca em perigo.
Tio Rod diz um monte de merdas malucas às vezes - mas ele
também é um dos caras mais informados que esta cidade já
viu. Por muito tempo, ele foi o número um de meu pai, seu braço
direito. Ele obedeceu a muitas ordens de papai até que as coisas
esfriassem entre eles.

— Você tem provas disso? — Eu pergunto.

Ele zomba. — Você acha que eu sou idiota, August? Eu tenho


provas de tudo. Tenho tantas provas de que seu pai cagaria nas
calças se soubesse.

Até eu lidar com meu pai, terei que manter Sheridan segura,
o que significa mantê-la o mais longe possível de mim, desta casa
e de meu pai.

— Vou precisar ver esses arquivos, — digo a ele. —


Imediatamente.

— Seja minha porra de convidado. — Ele empurra o banco do


bar para o lado e caminha pelo corredor em direção ao escritório
do meu pai. Um segundo depois, ele está atravessando em sua
coleção inestimável de livros antigos até que pega um aleatório da
prateleira e o abre. Uma pequena chave de prata pousa na madeira
polida com um tilintar. — Esta chave abre a gaveta superior
esquerda de sua mesa.

— O que é isto?

— É sua gaveta de chantagem, — diz, como se fosse o tipo de


coisa que todo mundo tem em seu escritório doméstico. — Toda
vez que ele manda alguém fazer o trabalho sujo, ele grava. E se ele
tem alguma sujeira sobre eles, ele a mantém lá. Como um tipo de
apólice de seguro. No caso de tentarem traí-lo, ele sabe exatamente
como tornar a vida deles um inferno.

— Como isso vai provar que ele matou Cynthia e mamãe?

— Porque esta cidade está cheia de pessoas que sabem a


verdade, — ele pressiona o dedo no tampo da mesa de mogno de
meu pai. — E eles estão todos aí.

Eu tiro a chave da mesa e abro a fechadura. Com certeza, a


gaveta está cheia de arquivos codificados por cores etiquetados
com nomes vagamente familiares, cheios de papéis, pen drives e
imagens Polaroid.

Quando eu olho para longe deste show de merda, meu tio já


está a meio caminho da porta.

— Diga a seu pai que eu vou lidar com ele de acordo, — ele
diz antes de desaparecer no corredor. — Você me diz no minuto
em que ele está de volta à cidade e nem um segundo depois,
entendeu?

Pegando meu telefone, tiro imagem após imagem de tudo. E


nas horas que se seguem, leio todos os documentos, faço cópias
de todos os pen drives e analiso todas as fotos arquivadas. Em
algum momento, eu adormeço em sua mesa. Mas então eu
continuo de onde parei.

São sete horas da manhã antes de sair dessa porra de buraco


de coelho escuro que meu pai fez. Meus olhos ardem e meu
pescoço está torto, mas tenho uma lista de nomes e uma ideia de
por onde começar.
Todo esse tempo, culpei Rich Rose por matar minha mãe e
minha irmã, por destruir tudo que está família poderia ter sido -
mas era meu pai o tempo todo.

Ele nos arruinou.

E agora, irei arruiná-lo.


CAPÍTULO QUARENTA E DOIS

August

— Noite difícil? — Sheridan me encontra no portão na tarde


seguinte.

Esfrego meus olhos, que provavelmente estão vermelhos pra


caralho. E não me lembro da última vez que comi ou bebi um copo
de água, por falar nisso. Meu cabelo precisa de um pente e minha
barba por fazer está aparecendo.

Eu pareço uma merda.

Eu me sinto uma merda.

— Sim, não dormi muito, — enfio minhas mãos cortadas de


papel nos bolsos.

— Está meio frio aqui... — Ela olha a casa atrás de mim e


balança os pés. — Vamos entrar ou apenas ficar parados e torcer
para não nos transformarmos em pingentes de gelo humanos?

— Não acho uma boa ideia, — digo. — Não essa noite.

— O... oh... ok? — Suas sobrancelhas se erguem. — Você me


disse para vir aqui hoje às três horas. Esqueci alguma coisa?
— Tenho que lidar com algumas coisas. — Estou tão exausto
que não sei se as palavras que saem da minha boca fazem sentido
ou se são um jargão. É como estar bêbado sem tocar em uma gota
de bebida alcoólica. — Eu realmente preciso me concentrar nisso
agora.

— Concentrar-se em quê, August? Estou confusa...

— Coisas de família.

— Você pode ser mais específico?

— Eu só acho que precisamos dar um tempo, — eu digo. —


Pensar nas coisas.

Sua linda boca forma um 'O' e ela dá um passo para trás. —


Ontem você me pediu em casamento e hoje está dizendo que
devemos dar um tempo? O que está acontecendo?

Não posso contar a ela o que sei. Não posso correr o risco de
ela fugir para os pais e contar a eles antes de ter a chance de falar
com qualquer uma das pessoas naquela gaveta. Preciso chegar até
eles primeiro, garantir que seja seguro para eles começarem a falar
e montar um plano para colocar meu pai atrás das grades onde ele
pertence.

É um processo delicado e intrincado - e não posso arriscar


um único passo em falso. Meu pai tem tubarões como advogados,
e eles podem farejar bandeiras vermelhas e lacunas.

— Por favor, Sher. Confie em mim. Não posso entrar nisso


agora, mas vou te contar tudo assim que puder.
— É um assunto profundamente pessoal e complicado? — Ela
leva a mão ao quadril, usando a frase que seu pai usou quando ela
tentou confrontá-lo sobre o suposto caso.

Se eu disser que sim, estou ferrado porque ela vai pensar que
estou a traindo.

Se eu disser não, estou mentindo.

— É um assunto particular de família, — eu digo.

— Você está em apuros?

Se meu pai descobrir o que estou fazendo, sim. Serei um


homem morto.

— Não, — eu digo. — Não se eu mantiver minha boca fechada.

— Você pode me dizer qualquer coisa, August. Por que você


não pode me dizer isso?

— Acredite em mim, eu quero. E vou. Só não agora.

Olhando para o pavimento preto aos nossos pés, seu lábio


inferior treme. Mas ela não chora. Ela suga o ar gelado de
dezembro e deixa as mãos caírem para os lados.

— Não acredito que caí nessa, — diz ela. — Você não é


diferente de qualquer outro cara que pensa que sabe o que quer
até ficar sério, e então ele enlouquece e precisa de espaço.

— Eu posso ver como pode parecer assim.


— Você disse ou não acabou de me dizer que eu não podia
entrar e que precisamos de tempo, ou seja, passar menos tempo
juntos. — Ela inclina a cabeça para o lado. — Espere, você está
chapado agora? Você fumou alguma coisa?

Ela funga, os olhos arregalados e a boca meio aberta, como se


estivesse esperando que eu lhe contasse que tudo isso é uma piada
doentia e distorcida.

Ela não quer acreditar nisso, mas para ser justo, nem eu
acreditaria.

Nunca pensei que chegaríamos tão longe, apenas para ter que
voltar - mas é apenas temporário.

— Você só pode estar brincando comigo. — Seu tom muda,


frio e quebrado ao mesmo tempo. — Deus, sou tão estúpida. Eu
realmente sou. Por acreditar que você quis dizer todas essas
coisas? E cair no seu ato estúpido?

Ela finge dar um tapa na lateral da cabeça e então se vira


quando lágrimas grossas caem em riachos por seu rosto.

Eu tenho que me segurar. Isso é para a segurança dela. Para


nosso futuro.

É assim que tem que ser - mas apenas por enquanto.

— Eu sei como isso soa. — Eu me movo em direção a ela,


alcançando seu braço, mas ela o puxa com um puxão violento e
raivoso. — Eu sou um homem de palavra, Sheridan. Não estou
indo a lugar nenhum. Mas preciso cuidar de algo primeiro. Amo
você e tenho toda a intenção de me casar com você algum dia. Mas
isso nunca vai acontecer se eu não cuidar disso primeiro.
— Você é um bastardo doente, August. Espero que você saiba
disso. — Ela volta para o carro, bate à porta e dá ré no portão.

Está brava agora, mas tudo isso é por ela - para limpar o nome
de sua família, para mantê-la segura e para garantir que eu possa
passar o resto da minha vida sem ter que me preocupar se ela
estará em perigo.
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS

Sheridan

— Como diabos um cara vai de pedir em casamento uma noite


para dizer que precisa de espaço no dia seguinte? — Adriana anda
de um lado para o outro em seu quarto.

— Seu palpite é tão bom quanto o meu. — Eu folheio uma de


suas milhões de revistas. — Talvez eu volte para o campus para o
resto do feriado. Algumas das minhas amigas ainda estão lá. Não
adianta ficar por aqui.

— Tem que haver algo mais acontecendo. Eu simplesmente


não engulo essa coisa de tempo. Se fosse qualquer outra pessoa,
sim. Cem por cento. Mas não ele. O cara é obcecado por você. Ao
enésimo grau. De jeito nenhum ele tentaria te prender e de repente
mudar de ideia.

— Você acha que há outra pessoa? Uma ex-namorada, talvez?

— Todas as pessoas com quem conversei que o conhecem


dizem que ele não namora - a menos que talvez ele tenha conhecido
alguém na faculdade neste outono? Mas quando ele entrou na loja
naquele dia antes do Dia de Ação de Graças e escreveu aquele
bilhete... isso não soa como um cara com uma namorada, sabe?
Eu me inclino contra sua cabeceira. — Não sei mais o que
pensar.

— O que você vai fazer?

Eu inclino um ombro até minha orelha. — Não sei. Eu nem


sei se terminamos? Foi tudo tão estranho. Nunca o tinha visto
assim antes... meio frenético e confuso, com esse olhar distante
em seu rosto. Parecia que ele não tinha dormido ou tomado banho
desde a última vez que o vi.

— Talvez ele esteja tendo um colapso nervoso.

— Sobre o quê?

Ela encolhe os ombros. — Ele disse que era um assunto


particular de família. Monreauxs fazem merda bagunçada o tempo
todo. Talvez ele sinta que tem que limpar a bagunça de alguém
antes de trazê-la para isso?

— Talvez, — eu digo. — Talvez não. Quem sabe?

— Não acho que você deveria voltar para o campus.

— Por que não?

— Porque agora você está presumindo o pior - e lembra


quando fez isso com seu pai? E como você estava chateada? Você
toma decisões precipitadas quando está chateada, Sher. Sempre
faz. Tudo o que estou dizendo é que talvez ele não esteja mentindo,
talvez esteja tentando protegê-la, e talvez você não deva correr de
volta para o campus, caso ele precise de você? — Ela joga as mãos
para o alto. — É a minha opinião.
Ela está certa.

Deslizando meu telefone, envio-lhe uma mensagem rápida,


agora que tenho o número dele novamente.

EU: Estou realmente incomodada com a nossa conversa de


antes. Ainda estamos juntos, August? Ou foi você terminando
comigo? Devo ficar ou voltar para a faculdade?

Ele não me responde até a 1h da manhã.

ENEMY DEAREST: Eu não terminei com você.

Sentando na cama, dou uma resposta rápida, mas antes de


terminar ele envia uma segunda mensagem.

ENEMY DEAREST: Confie em mim e espere por mim. É tudo


o que peço.

ENEMY DEAREST: Eu te amo.

Eu jogo meu telefone de lado, olho para a parede e me lembro


que ele nunca me decepcionou antes. E Adriana estava certa - às
vezes presumo o pior.

Agora que ele está de volta à minha vida, a ideia de perdê-lo


de novo é aterrorizante.
CAPÍTULO QUARENTA E
QUATRO

August

Não vejo Sheridan há duas semanas e estou morrendo. Mas


tudo está prestes a acabar. Minha obsessão por justiça,
determinação implacável e semanas de entrevistas e trabalho com
a polícia local significam que tudo isso está prestes a
acabar. Mesmo que a maioria deles viva confortavelmente no bolso
de trás de meu pai, seu dia ao sol está prestes a terminar. Eles não
serão capazes de discutir a montanha de evidências que coletei. As
provas de corrupção. Ou eles ficam do lado certo ou vão ficar tão
fodidos quanto ele no final.

É uma teia profunda e sombria. Um pesadelo para desvendar.

Mas quando acabar, tudo terá valido a pena.

Serei capaz de dormir à noite sabendo que ela está segura,


para sempre fora de perigo.

Eu disse a meu pai que tinha perdido o interesse por ela,


esperando que seu radar esfriasse e qualquer esquema que ele
estava preparando na parte de trás de sua cabecinha distorcida
fracassasse. E ele acreditou. Ele não perguntou sobre ela
nenhuma vez. Mas se nos visse juntos, o jogo começaria. Ele
colocaria em movimento qualquer plano que tivesse antes que ela
vivesse para ver seu próximo aniversário, tenho certeza.

— Está pronto? — Detetive Zimmerman pergunta.

Outro policial inspeciona meus microfones. Estamos a três


quarteirões da casa, estacionados em uma van não identificada.
Daqui a um minuto, irei para casa e confrontarei meu pai, direi a
ele que sei tudo sobre as provas e o que ele realmente fez, e espero
que fale o suficiente para se incriminar.

Dirigimo-nos para a casa e eles estacionam atrás de uma


parede de sebes. No portão, aperto o código e entro. Com as mãos
nos bolsos, mantenho um passo casual e, uma vez lá dentro,
encontro meu pai em seu escritório, bebendo seu uísque noturno
e gritando com alguém no telefone do trabalho.

Bato três vezes na porta aberta. Ele me lança um olhar e


aponta para seu telefone.

— É importante, — eu murmuro.

— Gil, escuta, vou ter que te ligar de volta, — papai diz,


encerrando a ligação. — O quê? O que você precisa?

— Eu queria falar com você sobre algumas coisas, — eu


digo. — Coisas intrigantes que vieram à tona recentemente.

Ele cruza as mãos sobre a mesa e eu me sento em frente a


ele.

A expressão preocupada em seu rosto se transforma em


divertida, os olhos brilhando e um sorriso aberto em exibição.
— Tudo bem, filho. Diga-me, quais rumores você ouviu esta
semana?

— Eu gostaria de poder dizer que eram rumores. Infelizmente,


fui capaz de confirmar cada um deles.

— O que você está falando? Pare de ser tão vago. Vá direto ao


assunto. — Ele acena para mim.

— Sua primeira gaveta, — eu digo. — Sua gaveta de


chantagem. Eu vi tudo ali dentro. Eu tirei fotos. Copiei os pen
drives. Falei com as pessoas cujos nomes estão nessas pastas.

A cor se esvai de seu rosto, embora ele mantenha a postura


rígida.

— Na verdade, falei com Harold Munson, o chefe de polícia


aposentado que comandava o departamento quando Cynthia Rose
foi assassinada. E novamente quando mamãe foi morta, — eu
digo. — Na verdade, ele está lutando contra o câncer de pâncreas
Estágio IV. Não resta muito tempo. Além disso, homens
moribundos tendem a querer uma consciência limpa antes de
partir. Eles também querem ter certeza de que sua família esteja
amparada. Eu cuidei dessa última parte para ele - tudo que ele
tinha que fazer era me dar uma confissão. — Eu mexo na minha
unha. — E caramba. Vamos apenas dizer que valeu a pena cada
centavo.

Meu pai se recosta na cadeira de madeira que range, me


examinando de um ângulo diferente.

Ou talvez ele esteja pensando na Monreaux Corporation, o


que vai acontecer com ela quando ele apodrecer em uma cela de
prisão. Não tenho certeza do que vai acontecer. Se for liquidado
para pagar todas as ações judiciais que serão lançadas em seu
caminho no futuro próximo. Mas eu não me importo.

Não preciso de seu dinheiro sujo.

Não conseguiria comprar nenhuma das coisas em que estou


interessado - amor, felicidade, verdadeiro contentamento, paz de
espírito.

Essas coisas não têm preço.

Mary Beth fez a escolha certa ao se casar por amor e não por
dinheiro.

— Você tem algo a dizer ou gostaria que eu continuasse? —


Eu pergunto.

— Deveria ter mais cuidado, August, — diz ele.

— Isso é uma ameaça?

— Claramente você sabe do que eu sou capaz. Você já viu as


provas. Pisa leve. Você é meu filho, mas no final das contas, um
homem tem que se colocar em primeiro lugar.

— Você nunca se sente mal? Sobre todas as vidas que


destruiu? As vidas que você tirou?

— Coisas ruins acontecem apenas com pessoas ruins,


August. — Ele estala a língua.
Sempre soube que meu pai era diferente, mas agora sei
exatamente o que ele é: um megalomaníaco narcisista com
complexo de Deus.

— Portanto, acredite em mim, August, se você me derrubar,


eu o levarei comigo, — ele diz. — Fique fora do meu caminho, e
terá o mundo comendo na palma da sua mão. A escolha é sua.

— Como você pôde fazer isso com sua própria esposa e filha?
— A qualquer minuto, a polícia estará invadindo aqui. Esta pode
ser a última chance que tenho de fazer a pergunta que tem me
mantido acordado à noite nas últimas semanas.

— Sua mãe estava planejando me deixar, — diz ele, dando de


ombros. — Eu a aconselhei fortemente a não fazer isso, disse a ela
que não seria seguro. Ela não ouviu. Se você tem um pouco de
inteligência nesse seu crânio grosso, faria o mesmo.

— Então você vai me matar também?

— Eu farei o que eu tiver que fazer.

— Tudo bem. — Eu vou para o corredor. — Acho que já ouvi


o suficiente.

Um segundo depois, as portas de entrada principal se abrem,


batendo contra as paredes, e o saguão se enche de policiais
uniformizados. Eu os aponto em direção ao escritório, e recuo, me
misturando às luminárias e móveis escuros enquanto os vejo
colocá-lo nas algemas.

Ele me lança um olhar presunçoso ao sair e caminha com a


confiança de alguém com uma equipe inteira de advogados na
discagem rápida. Mas mesmo o melhor dos melhores não será
capaz de tirá-lo disso.

Temos uma montanha de evidências sobre ele.

Assim que eles vão embora, ligo para o tio Rod e dou as boas
novas. Então envio uma mensagem para Soren, avisando que
papai foi preso para que ele ouça de mim antes de ver na TV. Eu
não dou a Gannon a mesma cortesia - ele vai descobrir em breve
por um de seus serviçais na empresa. Nem deixo Cassandra
saber. Para começar, nem sei onde ela está. E em segundo lugar,
ela não é da minha conta.

Busco no armário do meu pai, digitando o código no cofre


dele, que ele me disse uma vez, há vários anos, quando estava
bêbado. Surpreendentemente, ainda continua o mesmo. A porta
apita e se abre. Escolho através dos relógios, joias e dinheiro, até
encontrar o anel de noivado de diamantes de minha mãe, e o coloco
no meu bolso.

Algum dia, quando chegar a hora certa, farei com que a pedra
tenha um novo design para Sheridan.

Tranco o cofre e desço as escadas, pegando minhas chaves do


balcão antes de ir para o meu carro. Quinze minutos depois, eu
paro na garagem dos Rose, subindo pela calçada da frente, com
meu coração na garganta.

O carro de Sheridan está aqui.

O carro dos pais dela também.

Toco a campainha, limpo a garganta e espero.


Um segundo depois, um homem alto e magro está atrás da
porta de proteção contra chuva.

Ele pisa na varanda. — Posso ajudar?

— Sim, oi. Sou August Monreaux, — digo. — E estou


profundamente apaixonado pela sua filha.

— Rich? Quem está aí? — Uma voz de mulher chama de


dentro. Um momento depois, ela sai de trás dele.

— August Monreaux, senhora. É bom finalmente conhecê-la.


— Estendo minha mão.

— Ele veio para nos dizer que está apaixonado por Sheridan,
— ele diz a ela. Não os conheço o suficiente para ler suas
expressões ou interpretar os olhares que trocam.

— Eu também gostaria que você soubesse que meu pai está


atualmente preso pelos assassinatos de Cynthia Rose e Elisabeth
Monreaux, — acrescento.

Mary Beth se apoia contra o marido, com o queixo caído.

Rich fica parado, sem piscar, imóvel.

— Em nome da família Monreaux, gostaria de me desculpar


por quaisquer dificuldades que tenham sido impostas a sua família
como resultado dos atos de meu pai. Estamos em processo de
criação de uma conta de indenização para vítimas e terei o maior
prazer em encaminhá-lo ao nosso advogado para obter mais
informações.
— Mamãe? — A voz angelical de Sheridan sai de trás deles
enquanto ela sai, descalça, as bochechas coradas e o cabelo
despenteado como se ela tivesse acabado de acordar de um
cochilo. Fodidamente adorável, como sempre. — August... o que
está acontecendo?

— Está frio aqui fora, — diz Mary Beth. — Por que não vamos
todos entrar e conversar um pouco mais?

O grande olhar azul de Sheridan se arregala, como se ela não


esperasse o gesto.

— Se você não se importa, gostaria de alguns minutos a sós


com Sheridan, — digo.

Seu pai hesita, me analisando antes de oferecer um único


aceno de cabeça. — Tudo bem.

Eu a sigo para seu quarto, fechando a porta atrás de nós.

— August, o que está acontecendo? Estas últimas duas


semanas... — ela diz, até que eu acalmo sua boca com a minha.

E então conto tudo a ela.

Cada maldito detalhe.

Eu lhe conto sobre a obsessão de meu pai pela mãe dela, os


passos que ele deu para incriminar seu pai pelo assassinato de
Cynthia. Conto a ela sobre o "acidente" de minha mãe e cada vida
que ele arruinou, destruiu e aniquilou desde então.

— Ele teria usado você como um peão, — eu digo. — Quando


ele me disse que perdoou seu pai, ele estava mentindo. Não havia
nada a perdoar porque seu pai era inocente. Ele estava decidido a
se vingar de todos aqueles anos atrás.

— Você acha que ele teria... me machucado?

— Ele teria feito algo. É difícil dizer exatamente o que teria


sido. Mas eu não ia arriscar. É por isso que eu tive que mantê-la
longe. Eu disse a ele que terminei com você. Eu não queria correr
o risco de sermos vistos juntos. Era a única maneira.

Eu beijo sua testa.

— Acabou para ele, — eu digo quando termino. Puxando-a


contra mim, acrescento: — Ele nunca mais será capaz de
machucar ninguém.

Pressionando sua bochecha contra meu peito, ela fecha os


olhos e me inspira.

— Diga-me o que você está pensando agora, — eu digo.

Olhando para cima, seus olhos brilhantes sorriem. — Acho


você a pessoa mais incrível que já conheci, é o que estou pensando.

— Eu quero sair com você esta noite. Em um encontro real.


— Envolvo meus braços em volta de sua cintura.

— Eu te amo, — diz ela com um zumbido exausto em seu tom.

— Eu te amo muito, garota Rose.


EPÍLOGO

Sheridan

CINCO ANOS DEPOIS

Há uma brisa fresca em Charleston hoje, o que é uma bênção


porque, aos oito meses de gravidez, o mundo inteiro parece uma
sauna alguns dias.

Preparo um copo de chá de amora-preta gelado e sigo para a


varanda da frente, ficando confortável no balanço de madeira que
August construiu para nós. A qualquer minuto, meu marido
chegará com meus pais, que vieram para ficar conosco por
algumas semanas para ajudar a instalar o berçário.

Acabamos de nos mudar para esta casa há um


mês. Encontrei por acaso. Estávamos morando em uma charmosa
casa histórica de dois quartos no centro da cidade quando, por
acaso, demos um passeio de carro numa tarde de domingo nos
subúrbios e vimos um corretor de imóveis martelando uma placa
no quintal.

Paramos e perguntamos se poderíamos fazer uma visita


rápida. O lugar estava vazio - os proprietários tinham acabado de
se mudar para trabalhar em outra cidade. Mas assim que pusemos
os pés lá dentro, eu soube.

Estava em casa.

Imaginei tudo tão claramente: nós dois fazendo o café da


manhã na cozinha, o jardim que plantaríamos no quintal, onde
colocamos a cadeira favorita de August no escritório. Os quatro
quartos no andar de cima também eram perfeitos. Nem muito
grande, nem muito pequeno. Havia até uma pequena suíte do
berçário perto da suíte.

E o exterior era perfeito. Tijolos e cerâmicas com grades de


ferro forjado. Três andares. Varanda em todos os andares. Telhado
de ardósia. Havia até mesmo um anexo que foi no passado uma
garagem para carruagens, o lugar perfeito para August montar um
escritório.

Fizemos uma oferta naquele dia, encerrada um mês depois, e


estamos nos acomodando desde então.

Eu bebo meu chá, fecho meus olhos e deixo o vento brincar


com meu cabelo enquanto nosso bebê se move em minha barriga
esticada.

Quem me dera ter fotografado a expressão no rosto de August


quando descobrimos que íamos ter um menino. Na sua cabeça, ele
acreditava que só teríamos meninas. E durante meses disse que
desejava que fosse uma menina. Acho que uma parte dele tem
medo de reviver sua própria infância, uma casa cheia de meninos
que aparentemente nunca puderam se dar bem. Mas eu gosto de
lembrá-lo que nossa família será diferente. Será o que quisermos
que seja. Não será perfeita, mas será amorosa. Repleta de
lembranças e tradições. E talvez algumas brigas porque esse tipo
de coisa é natural...

Esfrego minha barriga, pressionando suavemente contra o


que suponho ser seu pezinho. Ou um punho. É difícil saber.

Sorrindo, eu sussurro: — Mal posso esperar para conhecê-lo,


AJ.

Quando August me disse que sua mãe costumava chamá-lo


de AJ, mas que seu pai recusou depois que ela morreu, insisti que
essa seria a maneira mais doce de homenageá-la.

O que eu não daria para encontrar a mulher que deu a vida


ao meu marido. Eu sei que ela ficaria imensamente orgulhosa do
homem que ele se tornou.

Os últimos anos foram um borrão mágico. Depois que


terminei meu curso de enfermagem, acompanhei August até
Portland, onde ele conseguiu um cobiçado emprego em uma
startup de tecnologia com um de seus amigos de
faculdade. Terminei meu bacharelado em enfermagem lá,
enquanto ele trabalhava horas loucas para fazer seu projeto
paralelo decolar - um aplicativo inovador e conjunto de software
chamado Jogger Safe. Quando ele se expandiu sozinho, teve a
liberdade de trabalhar de qualquer lugar do mundo.

Passamos um ano viajando pelo país tentando descobrir onde


colocar nossas raízes. Uma semana em Savannah. Um longo fim
de semana em Austin. Férias em Chicago. Finalmente decidimos
por Charleston, depois de nos apaixonarmos por seu charme
histórico, invernos agradáveis e doces arrastados sulistas. Era o
lugar perfeito para nos instalarmos e doces atrações do sul. Era o
lugar perfeito para nos instalarmos e começarmos o resto de nossa
vida juntos. E enquanto pensávamos em criar raízes em nossa
cidade natal, decidimos que era melhor deixar o passado para trás
e começar do zero.

Além disso, acho que August não gostaria de ver sua família
em casa novamente. Isso só o faz pensar em seu pai, que apodrece
em uma cela de prisão a quarenta quilômetros dali, e Gannon, que
fugiu com Cassandra após o julgamento - até que ela invadiu a
conta bancária de Gannon e ela o deixou sozinho por outro babaca
rico.

AJ chuta novamente, e meus lábios se curvam em um sorriso


lento.

Ainda não o conheci, mas algo me diz que ele será intenso
como o pai. Todos os homens Monreaux são intensos em seus
próprios modos, eu aprendi. Eu disse a August que ele precisa
pensar nisso como um super poder; que ele precisa controlá-lo, e
usá-lo a seu favor.

A buzina de um carro soa, e eu olho para cima para encontrar


o SUV de August entrando na garagem. Um segundo depois, meus
pais saíram do banco do passageiro. Demoro um segundo para sair
do balanço, mas desço os degraus da frente e os encontro no meio
do caminho.

— Oi, querida. — Mamãe envolve seus braços em volta de


mim.

Ela parece bem. O rosa voltou para suas bochechas e seus


olhos estão mais brilhantes do que nunca. Desde que ganharam
esse acordo, suas preocupações financeiras cessaram e eles não
estão mais estressados, esperando para cair no fundo do poço
novamente. Com Vincent atrás das grades, meu pai está em seu
emprego atual há cinco anos - um recorde para ele.

A vida está realmente boa.

— Entrem, entrem. Mal posso esperar para mostrar tudo a


vocês, — digo a eles.

Papai me dá um abraço lateral e me ajuda a subir os degraus,


e mamãe abre a porta. August segue com a bagagem, levando-a
para o quarto de hóspedes no andar de cima.

Algum dia, espero ter filhos em cada quarto. Eu disse a


August que queria uma casa inteira de Monreauxs e ele riu, mas
falei sério. Eu quero ter muitos bebês com ele. Eu quero todas as
risadas, todas as memórias, todas as coisas boas e ruins também.

Meus pais se acomodam e nos encontram no corredor para


um tour.

— Então, foi construída em 1817. — Eu bato palmas como


uma guia turística. — Pelo general Leopold Renoir, para sua
esposa e cinco filhos.

Eu aponto os potes de chaminés de terracota, detalhes de


gesso ornamentais originais e cornijas de mármore de duzentos
anos.

— Naquela época, os homens e mulheres tinham salas de


estar separadas, — digo quando chegamos ao primeiro andar. —
E esta casa tem duas cozinhas, uma cozinha principal e uma área
de preparação - porque naquela época era onde os funcionários da
casa preparavam as refeições e lavavam os pratos.
Minha mãe faz oohs e aahs sobre cada detalhe intrincado, seu
olhar debruçado sobre cada canto de cada cômodo como se ela
pudesse perder alguma coisa. Enquanto isso, meu pai vai direto
para uma janela que dá para o nosso quintal. É pequeno, mas é o
suficiente para um balanço. Uma pérgula15. Espaço para as
crianças correrem.

— Você vai precisar de uma horta, — papai diz a August.

August sorri e acena com a cabeça. Acho que ele nunca regou
uma planta na vida, mas apesar disso ele alegra meu pai.

— Esta é uma bela casa, querida. — Mamãe encosta a cabeça


no meu ombro. — E já tão cheia de amor.

— É realmente.

— Estou tão feliz por você. E August também, — diz ela. —


Que vocês se encontraram, que vocês criaram esta vida.

Certa vez, disse a August que nosso destino foi escrito muito
antes de termos nascido.

Eu mantenho o que disse.

Só sei agora que entendi tudo errado.

15
Passeio ou abrigo, em jardins, feito de duas séries de colunas paralelas e que serve de suporte a trepadeiras.
As pérgulas são amplamente usadas em parques, bosques, praças e ruas.
O destino não estava tentando nos separar; estava tentando
nos unir.

Fim

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