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A EDUCAÇÃO ARTÍSTICA: QUE LUGAR NO NOSSO ENSINO

BÁSICO?

É hoje indiscutível o lugar de excelência que a educação artística


devia ocupar no processo de desenvolvimento das condições de
aprendizagem e formação da nossa população escolar,
designadamente a do Ensino Básico.

O papel que vem sendo reconhecido pela investigação


contemporânea à importância do campo emocional na estruturação
da personalidade, no contexto dos processos de aprendizagem,
atesta indisfarçavelmente a relação de dependência em que estes
processos de aprendizagem se encontram face às condições de
equilíbrio emocional e de estabilidade sócio afectiva de quem
aprende. A experiência artística como oportunidade de dar
expressão às vivências pessoais e de as comunicar a quem,
confiantemente, as pode reconhecer, constitui sem dúvida a melhor
via para assegurar as aprendizagens globais. Nada mais eloquente a
esse respeito que as palavras de A. Damásio e Hanna Damásio:
“As artes constituem uma disciplina ímpar nos curricula educativos para a
promoção das dimensões emocional, ética e moral do desenvolvimento
humano” Damásio, A., & Damásio, H. (2006). Brain, Art and Education,
UNESCO Conference on Art and Education. Lisbon.

Esta ideia foi claramente reforçada pelo então Diretor Geral da


UNESCO, Koïchiro Matsuura, quando afirmou na sessão de
encerramento da referida «Conferência Mundial sobre Educação
Artística: desenvolver as capacidades criativas para o século XXI»,
realizada em Lisboa em 2006:
«num mundo confrontado com novos problemas à escala planetária, […] a
criatividade, a imaginação e a capacidade de adaptação, competências que se
desenvolvem através da Educação Artística, são tão importantes como as
competências tecnológicas e científicas necessárias para a resolução desses
problemas (Mbuyamba, 2006:
https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/1436/7/I.Doc2.%20Confer%C3%AAncia
%20Mundial%20Sobre%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Art%C3%ADstica.pdf).
Se das altas instâncias reivindicativas que proclamam a sua
excelência educativa descermos ao plano quotidiano onde se
processa a educação artística, a realidade mostra-no-la francamente
fragilizada.

Como se passará da fragilidade curricular ao protagonismo


possível?

A questão é que esta fragilidade não se combaterá com medidas


burocráticas ou voluntaristas, por mais solenes que elas se
apresentem, mas a partir de propostas de acção cientificamente
enformadas e profissionalmente assumidas por onde possa
reconhecer-se, em concreto, que à área da educação artística está
reservada uma importantíssima missão de preservar as melhores
condições de desenvolvimento da infância e da adolescência no
mundo contemporâneo.

De facto, não se vê outra área como a da educação artística que


possa desenvolver e realizar hoje a pedagogia do ser no sentido de
operar a síntese entre a pessoa (antes do aluno) e a escola, já que nela
– a arte - é possível exprimirem-se orgânica e dinamicamente as
dimensões essenciais do ser humano: o sentir, o pensar, o imaginar e
o agir. Esta síntese de vida na escola precisará de ter sentido
educativo, o que não pode ocorrer se a experiência pessoal das
criança e dos jovens não for preservada na sua singularidade
existencial não obstante a intensa socialização massificada a que
estão sujeitas as suas vidas, hoje, na escola .

Aqui torna-se central a qualidade profissional dos professores, não


apenas técnica e científica, mas especialmente humana no sentido de
promover a relação comunicacional capaz de exercer o
reconhecimento mútuo entre o professor e o aluno. Os
investigadores, sobretudo os de inspiração psicanalítica, assinalam
no processo de formação e de aprendizagem a importância do
estabelecimento de relações significativas entre professores e
alunos de que resulte para estes, a criação de mundos ou figuras de
referência com quem se identifiquem, de quem esperem
reconhecimento e a quem reconheçam autoridade. Autoridade, sim
e não poder. A autoridade, como é sabido, é uma construção
intersubjectiva, em que a acção (pela palavra) do «autor» sobre o
«agido» é reconhecida pelo «agido» como benéfica para ele
próprio, na medida em que o ajuda a fazer aquilo que sozinho ainda
não é capaz de fazer, mas fará mais cedo e melhor quando
acompanhado. Esse é o princípio da identificação com alguém que
está para além do professor, em quem se descobre a pessoa que se
deseja ser e aí reside o primeiro passo para uma escola com sentido.

Manuel Matos

manumatos@sapo.pt

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