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Primeiro eu preciso dizer que eu não sei o que eu estou fazendo aqui.

Caso vocês não tenham percebido, isso aqui foi só uma fatalidade, eu
simplesmente não sei me controlar quando alguém pergunta quem é
que quer pegar uma responsabilidade meio chata, com uma pequena
probabilidade de dar certo e uma grande chance de ser odiada no final.
Mas, sei lá, essa é a última vez que vocês vão ter que me aturar.

Eu só queria dar um alô pra algumas pessoas mesmo. Ou eu deveria


falar sobre o prédio?

A rampa conecta uma sucessão de esquinas. Justamente nessas


esquinas, surgem cartazes.

Cada cartaz é colado por alguém e não deve ser só um pedaço de


papel. Neste prédio sem janelas, cada cartaz é uma janela. Uma vez eu
li numa delas: “você já torceu para algo de ruim acontecer que te
impedisse de chegar na faculdade?” e só aí eu percebi que sim. Meu
primeiro alô será a todas os que precisaram parar, aos que
hiperventilaram, aos que surtaram e aos que ainda sim conseguiram
falar sobre saúde mental na universidade.

Teve outra vez também que eu li “Você não está sozinha”. A cada
segundo dentro do Coletivo Feminista eu aprendia a não estar sozinha,
eu aprendia que os meus problemas não eram meus, eram coletivos. E
ainda hoje eu estou aprendendo que as soluções não são individuais,
são coletivas.

Como aquela greve de 2016, lembram? Por mais agridoce que tenha
sido, como toda greve, foi um privilégio enorme ver tanta gente
comprometida, uma agenda gigante pendurada bem aqui - no caramelo
-, aulas abertas, panfletagem no metrô, concurso de identidade visual,
oficinas, mobiliário, festa junina. Desânimo, trabalho, cansaço, um pouco
de esperança com vinho quente e samba.
Meu segundo alô é para todos os que se dedicaram a uma causa
coletiva dentro ou fora da FAU. A atlética se inclui nessa aqui, por que
não precisa ser de um time para perceber a diferença que se fez sentir
num ambiente gerido apenas por mulheres fodas.

Hoje nós podemos ver uma comunidade fau melhor, mais inclusiva,
diversa e saudável do que aquela que encontramos no dia em que
entramos aqui, apesar de todas as grades, catracas e câmeras que
tentam nos convencer do contrário.

Tenho que prestar a nossa homenagem enquanto um coletivo de


pessoas que estiveram aqui de passagem, aos que se dedicam e se
continuarão se dedicando a manter esta instituição em pé e a todo
vapor. Aos funcionários que aguentam a pressão de todos os lados e
ainda sim fazem o possível para resolver aquele seu problema no
Júpiter. E é claro, aos professores que amam o que fazem e que, apesar
de todos os relatórios por fazer e da interminável lista de orientandos,
ainda se dedicam ao máximo para pensar em uma nova forma de dar a
mesma aula. Eu queria dizer aqui que faz diferença, e que não tem outra
palavra que não “muito obrigado”.

Muito obrigada professor Silvio Soares Macedo, pelos 44 anos


dedicados ao ensino do paisagismo nessa casa. Mesmo inspirada ao
vê-lo se recuperar do avc pelos corredores da FAU, eu que não tive um
contato próximo a ele, só posso dizer que estará sempre vivo na minha
memória saltando no ar logo antes de mergulhar na água do tanque no
CEPE.

Muito obrigada professora Paula Santoro, por ser esse exemplo de


comprometimento com o seu trabalho, que no meu caso fez com que eu
tivesse um pouco de medo na hora da avaliação final, confesso, mas
que também nos fez melhores.

Meu próximo alô, porque eu já perdi a conta, vai para todos aos que
sobreviveram a reforma no edifício Vilanova Artigas. Aos que abriram
um guarda-chuva sobre o trabalho para em seguida ser premiado com
uma borrifadinha de poliureia no meio da tarde.
No edifício em que o céu estava sempre azul, passamos poucas e boas.
E para sobreviver, é preciso seguir as regras. Porque num edifício com
tão poucos guarda-corpos seria perigoso se embriagar na madrugada.
Isso nem seria possível, porque não se pode mais consumir bebidas
alcoólicas e nem é uma boa ideia dormir num habitáculo. Inimaginável
haver por aí uma ou mais fotos de alunos sem EPI no domus. Meu
penúltimo alô fica a todos os que sempre seguem as regras, e que
quando discordam delas, debatem democraticamente no falecido
facebook se a Lei Antifumo se aplica a um espaço tão único quanto a
FAU.

Chega. Isso aqui não é tarde de TFG em que as senhoras se reúnem


pra tomar café na vivência e relembrar os velhos tempos. Falando em
TFG, preciso dar não um alô, mas um abraço, em todos os que não só
tiveram que parir um TFG, mas também precisaram aprender a
sobreviver ao isolamento social e a todos os impactos causados pela
pandemia. Um abraço maior ainda em quem perdeu alguém durante
esse período.

Essa também é a colação de grau da aluna Júlia Albuquerque. Sua


paixão por tudo a que se dedicava e constante vontade de transformar
espaços e vidas marcaram todas as pessoas que tiveram o privilégio de
cruzar o seu caminho. Aluna dedicada, pesquisadora incansável e
arquiteta e urbanista de coração, ela deixa saudades em seus familiares,
em seus professores e em um conjunto enorme de amigos, de todos os
cantos da USP e do mundo.

Hoje, lembramos de sua dedicação e amor pela profissão, e esperamos,


em nossa prática profissional, continuar semeando a sua busca pela
criação de espaços melhores e mais justos.

Agora vem a parte difícil, falar de futuro.

Nós somos arquitetos e urbanistas, e agora? Como a gente vai explicar


que somos mais do que isso? Como a gente vai explicar que não somos
só isso?
O que eu sei, com certeza mesmo, é que nós temos um superpoder de
curtir uma viagem apenas andando na calçada: Largura, acessibilidade,
postes, texturas, estilos de fachadas, se orna ou não orna um prédio
com o outro, os pequenos canteiros, mas e quando chove? Cada
esquina é um acontecimento sensorial. Eu não sei quando isso
aconteceu, se foi medindo em passos a distância entre as colunas da
FAU, ou desenhando as árvores da cidade universitária, mas em algum
momento uma fase nova foi desbloqueada e agora o mundo é um
parquinho de diversões… e de decepções.

E a nossa lista de possíveis homenageados é a maior prova de que nós


estamos prestando atenção em tudo. Na professora Cris Berltoldi que
junto com o Emílio do LAME, e suporte institucional e de voluntários,
produziu centenas de protetores faciais para profissionais de saúde.
Estamos prestando atenção no cenário político, na Erika Hilton, Erica
Malunguinho, Luísa Erundina, Sônia Guajajara e Boulos. Prestamos
atenção naqueles que nos inspiram, na professora Ermínia Maricato, no
professor José Eduardo Baravelli e na arquiteta Gabriela de Matos.
Estamos prestando atenção naqueles que nos cercam, na querida Rose,
no Rafa da Cantina, na Dona Graça da limpeza, no Nelson da bedelaria,
e no André no LPG.

Essa mania de pensar em tudo, que querer saber um pouco de cada


coisa, de procurar saídas, soluções, de imaginar futuros. Como que a
gente vai resolver o mundo com uma caneta e um papel? E como que a
gente vai desistir de tentar?

Desde o ensino médio eu tenho muita dificuldade em concluir meus


textos. É muito estranho “dar um fim” num assunto. O que eu faço com
essa obrigação de chegar em algum lugar? Teve uma aula magna, do
Paulo, em que ele começou sua fala anunciando 5 pontos da
arquitetura. Mas ele se perdeu logo no segundo ou terceiro ponto, e até
hoje eu me pergunto onde ele queria chegar… Será que ele fez de
propósito?

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