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Módulo 2 - Quem são as vítimas de tortura?

Olá. Bem-vindos ao Módulo 2.

Este módulo apresenta re exões sobre as principais vítimas de tortura no Brasil,


suas características e grupos mais vulneráveis, bem como os principais locais de
prática de tortura. A abordagem conjunta neste módulo, dos conteúdos que tratam
das vítimas de tortura e dos locais de sua ocorrência, indica a relação intrínseca
entre a privação de liberdade e o sujeito-alvo da tortura cometida por agentes do
Estado. 

MÓDULO 2 - QUEM SÃO AS VÍTIMAS DE TOR TUR A?

1. A Privação de Liberdade

2. Instituições de Privação de Liberdade

3. Instituições de Longa Permanência e Abrigamento

4. O Per l da População Prisional Brasileira

5. Proteção especial estabelecida pela Lei nº 9.455, de 1997


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1. A Privação de Liberdade

Em 2016, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), por ocasião do
Dia Internacional dos Direitos Humanos, lançou uma campanha especial para dar visibilidade
aos abusos cometidos no sistema prisional brasileiro, como o encarceramento de inocentes,
superlotação, maus-tratos e tortura.

Segundo o órgão, na contramão da tendência mundial de redução do número de pessoas em


privação de liberdade, o Brasil aumenta a sua população carcerária em 7% a cada ano. O país já
é o quarto colocado no ranking global de encarceramento.

A campanha trazia os depoimentos de Robson Borges da Silva e Vinícius Romão. Ambos


caram presos no sistema prisional por um tempo.
No caso de Vinícius Romão, formado em psicologia, suas características físicas correspondiam
às informações repassadas à polícia na época. Ele foi levado para um presídio, onde cou
detido por 16 dias.

Ainda segundo o UNIC Rio, 13% dos presos que estão no sistema prisional brasileiro são
brancos; os demais são pretos e pardos, majoritariamente pobres.

A campanha da UNIC Rio traz relatos e análises sobre a relação entre o sistema prisional e a
ocorrência de tortura. Existem outros espaços de privação de liberdade, como o sistema
prisional, em que a tortura ocorre e pode ocorrer? E qual é o per l das vítimas de tortura
nesses espaços?

Saiba mais

Con ra a matéria e a íntegra do vídeo do Centro de Informação das Nações Unidas para o
Brasil (UNIC Rio) em:
https://brasil.un.org/pt-br/search?key=Robson+Borges

A liberdade é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 como uma garantia
fundamental, sendo a privação de liberdade uma exceção que ocorre apenas em situações
expressamente de nidas em lei, como por exemplo, a prisão por violação da lei penal. 

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, dispõe que “todos são


iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.” Assim, garante proteção à liberdade
de todas as pessoas e o Código Penal estabelece a privação de
liberdade (enquanto regra geral), como pena por cometimento de
um crime. O artigo 32 do Código de ne que as penas pelo
cometimento de um crime são as privativas de liberdade; as
restritivas de direitos e a multa.

De acordo com as normas internacionais de Direitos Humanos sobre enfrentamento à tortura,


o conceito da privação de liberdade se refere a quaisquer condições de privação de liberdade,
incluindo aquelas não impostas como pena, mas sim como condição em que alguém esteja
temporariamente tutelado a alguma autoridade sem poder exercitar o direito de ir e vir.

Considere os exemplos a seguir:


1. Um indivíduo 2. A detenção de um 3. Na audiência de 4. O adolescente que
suspeito de indivíduo, em uma custódia, após a é mantido em uma
cometimento de delegacia, para determinação de instituição de
crime abordado por prestação de encaminhamento abrigamento para
policiais. No depoimento às deste indivíduo para sua proteção por
momento da autoridades policiais o sistema determinação
abordagem e da no agrante é penitenciário por judicial também se
ordem de prisão, o considerada uma ordem judicial, é encontra em uma
seu transporte no situação de privação considerada situação de privação
camburão para de liberdade. privação de de liberdade.
delegacia é liberdade judicial.
considerado uma
privação de
liberdade.

O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura da Organização das Nações Unidas


(OPCAT) dispõe: 

Privação da liberdade signi ca qualquer forma de detenção ou


aprisionamento ou colocação de uma pessoa em estabelecimento
público ou privado de vigilância, de onde, por força de ordem
judicial, administrativa ou de outra autoridade, ela não tem
permissão para ausentar-se por sua própria vontade.

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2. Instituições de Privação de Liberdade

Os espaços de privação de liberdade são aqueles em que uma pessoa é mantida sob detenção,
aprisionamento, vigilância ou abrigamento, dos quais não pode se ausentar por sua própria
vontade. Estes espaços podem ser públicos ou privados, por força de ordem judicial,
administrativa ou outra autoridade.

Você sabia que além das instituições penais da Segurança Pública e do Sistema de Justiça
(unidades prisionais, delegacias, carceragens, salas de custódia, etc.), os espaços da rede de
assistência social voltados ao abrigamento de crianças e adolescentes ou de idosos, centros de
migrantes, etc.) e também da rede de saúde (hospitais psiquiátricos e comunidades
terapêuticas) também são considerados espaços de privação de liberdade? Pois é, se você já
sabia disso, sinta-se um privilegiado. Possivelmente muitas pessoas desconhecem essa
informação.

Mas, tenha atenção! As instituições de privação de liberdade devem ser analisadas conforme
suas dinâmicas, estruturas físicas, funcionários que nelas trabalham, regras, regulamentos e
dispositivos diversos para o cumprimento de suas funções.

Em relação aos funcionários que trabalham nestes locais, eles exercem atividades distintas e
funções delimitadas. Já as estruturas físicas, para garantir a segurança, geralmente se utilizam
de dispositivos e instrumentos de controle de entradas e saídas. Não muito raro, há espaços
que podem ser acessados apenas por um determinado grupo de pessoas. São consideradas as
seguintes instituições de privação de liberdade como local possível de ocorrência de tortura,
seguindo a Lei nº. 9.455/1997:
1. As instituições asilares, 2. As instituições de 3. As instituições de sanção,
especi camente as de longa atendimento à saúde, especi camente as
permanência de idosos e os especi camente as unidades instituições do sistema
abrigos de acolhimento de de atendimento psiquiátrico penitenciário e as do
crianças e adolescentes. e as comunidades sistema socioeducativo.
terapêuticas.

A Lei nº. 9.455/1997 também prevê que a tortura pode ocorrer no âmbito privado, uma vez
que de ne como tal o ato de submeter alguém que está sob sua guarda, poder ou autoridade,
utilizando violência ou ameaçando gravemente a intenso sofrimento físico ou mental como
forma de aplicar castigo pessoal ou como medida preventiva. Entretanto, a ênfase aqui será
nas instituições de privação de liberdade nas quais atuam o agente público (ou pessoa que
exerça funções públicas). 

Saiba mais

Erving Go man, cientista social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense, dedicou-se a
estudar as instituições de privação de liberdade. Em seu livro Manicômio, Prisões e Conventos,
as considerou como sistemas fechados e as organizou em cinco categorias:

Instituições destinadas ao cuidado dos incapazes inofensivos como as casas para cegos,
velhos, órfãos e indigentes. Atualmente, são as instituições assistenciais incluídas como os
abrigos para idosos (instituições de longa Permanência para idosos - ILPIs, antigamente
denominadas asilos), os abrigos para crianças e adolescentes, os abrigos para pessoas em
situação de rua e centros de migrantes.

Instituições destinadas ao cuidado de incapazes que podem ser ameaça à sociedade


mesmo que de forma não intencional, como sanatórios para tuberculosos, hospitais para
doentes mentais e leprosários. Atualizando o conceito para o contexto atual, podem ser
consideradas as instituições cujas funções estão vinculadas a tratamento de saúde, como
hospitais psiquiátricos, as clínicas de tratamento para dependência de drogas ilícitas e as
comunidades terapêuticas.

Instituições destinadas à proteção da sociedade contra os perigosos intencionais não se


importando primariamente com o bem-estar destas pessoas como cadeias, penitenciárias,
campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração. Incluem-se a esta categoria
das instituições juridicamente respaldadas do ponto de vista penal, como delegacias,
núcleos de custódia, penitenciárias e colônias penais, bem como aquelas destinadas a
situações de guerra.

Instituições destinadas a estabelecer alguma tarefa de trabalho que existem diante das
necessidades instrumentais do trabalho a ser realizado (quartéis, navios, escalas internas,
campos de trabalho, colônias).

Instituições destinadas ao refúgio geralmente utilizadas por grupos religiosos como


abadias, mosteiros, conventos e outros claustros.

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3. Instituições de Longa Permanência e Abrigamento

3.1. Instituições de Longa Permanência de Idosos (ILPIS)

Não é nada complicado encontrar nas mídias relatos de casos de tortura sofridos por idosos
que moram ou não em abrigos. O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em
seu relatório anual de 2017, salientou que “a natureza da tortura e maus tratos contra pessoas
idosas pode se dar de várias de formas, como: abusos físico, psicológico, sexual e nanceiro,
abandono, negligência; sendo muita das vezes interligadas entre si, prejudicando,
consideravelmente, o desenvolvimento individual e social” (MNPCT, 2017, p.132).

No caso das ILPIs, o Estatuto do Idoso¹ determina que eles devem oferecer instalações físicas

em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança. Devem preservar


os vínculos familiares; o atendimento personalizado e em pequenos grupos; a participação da
pessoa idosa nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo; a preservação da
identidade e oferecer um ambiente de respeito e dignidade; entre outras obrigações. Ainda,
responsabiliza civil e criminalmente o dirigente de instituição pelos atos que praticar em
detrimento da pessoa idosa, sem prejuízo das sanções administrativas.

¹O Estatuto do Idoso, Lei nº. 10.741/2003, regula direitos assegurados às pessoas


idosas (entendidas como aquelas com idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos) e da proteção total, além de penalizar condutas de desrespeito e violação de
direitos deste grupo. As ILPIs estão previstas no estatuto, em especial no artigo
37, que estabelece:

Art. 37. O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou
substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou,
ainda, em instituição pública ou privada.
§ 1º A assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será
prestada quando veri cada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou
carência de recursos nanceiros próprios ou da família.

§ 2º Toda instituição dedicada ao atendimento ao idoso ca obrigada a manter


identi cação externa visível, sob pena de interdição, além de atender toda a
legislação pertinente.

§ 3º As instituições que abrigarem idosos são obrigadas a manter padrões e


habitação compatíveis com as necessidades deles, bem como provê-los com
alimentação regular e higiene indispensáveis às normas sanitárias e com estas
condizentes, sob as penas da lei.

O Conselho Federal de Psicologia e a Ordem dos Advogados do Brasil elaboraram, em 2008,


um estudo com o intuito de avaliar as condições a que estão submetidos os idosos nas ILPIs, a
partir de uma amostra representativa da realidade nacional, no que diz respeito à efetividade
de seus direitos humanos. Contudo, o que se observa é que poucos relatórios sobre os
problemas destas instituições foram divulgados no Brasil, tais como: informações acerca do
tratamento de pessoas idosas, especi camente a disciplina, segurança, atividades
comunitárias e ocorrência de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes
não estão sistematizados e divulgados amplamente. Para visualizar o que diz os resultados do
estudo, clique aqui. 

Ressaltamos que muito embora tenham se passado mais de dez anos da edição do Estatuto do
Idoso, a privação de liberdade deles nestas instituições não foi submetida a acompanhamentos
efetivos por instrumentos e mecanismos de direitos humanos no que tange a tortura ou
outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Daí a importância dos comitês de
combate à tortura traçarem estratégias de scalização e acompanhamento das condições dos
idosos nestas instituições.

Saiba mais

O Conselho Nacional do Ministério Público editou o Manual de atuação funcional: o Ministério
Público na Fiscalização das Instituições de Longa Permanência para Idosos (BRASIL, CNMP,
2016). Disponível em:
http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/manual-de-atuacao-
funcional.pdf

3.2. Abrigos de Acolhimento de Crianças e Adolescentes

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei nº. 8069/1990, o
serviço de acolhimento a crianças e adolescentes passou a ser compreendido como medida
protetiva, de caráter excepcional e provisório.

As unidades de abrigamento podem ser públicas ou privadas e se distinguem em:

 

 

Abrigo Institucional

Acolhimento de crianças e adolescentes sob medida de proteção aplicada pelo Poder Judiciário. Atende,
no máximo, 20 crianças e adolescentes.

Casa de Passagem/Casa Transitória

Acolhimento institucional de curtíssima duração para acolhimento emergencial de crianças e


adolescentes com per s diversos, em situação de abandono ou afastados do convívio familiar. Uma
equipe técnica realiza o diagnóstico para encaminhar a criança ou adolescente aos demais serviços de
acolhimento ou à reintegração na família.

Casa Lar na Comunidade

Acolhimento institucional provisório para um grupo de, no máximo, 10 crianças e adolescentes por
unidades residenciais. Uma pessoa ou casal deve trabalhar como educador/cuidador residente por
unidade. A unidade residencial não é a casa do educador/cuidador.

Casa Lar em Aldeia

É o conjunto de casas lares que cam dispostas em um mesmo terreno, ao redor de um núcleo central,
e compartilham uma mesma estrutura técnico administrativa (como, por exemplo, casa do dirigente,
sala para atividade técnico-administrativa, espaços de lazer/esporte, etc).

O abrigamento de crianças e adolescentes prevê a imediata atuação do Ministério Público, da


Defensoria Pública e Poder Judiciário no acompanhamento e atendimento personalizado. O
promotor de Justiça com atribuição em matéria de infância e juventude não-infracional deve
inspecionar pessoalmente os serviços de acolhimento institucional e programas de
acolhimento familiar sob sua responsabilidade.

Para esta atuação, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) disciplinou a atuação de
membros do Ministério Público pela Resolução n.º 71 de 2011 e desenvolveu um modelo de
questionário de inspeção de acordo com as atribuições do Ministério Público no tema.

Também é fundamental o acompanhamento da família de origem, a articulação intersetorial


com a rede de assistência social, rede de educação e rede de saúde para promoverem o
convívio comunitário dos abrigados. O sistema de garantia de direitos das crianças e
adolescentes busca minimizar os efeitos da institucionalização.

Assim, para o tratamento de denúncias e relatos em unidades de abrigamento devem ser


consideradas as atuações intersetoriais e interdisciplinares dos órgãos de proteção da criança
e adolescente: sistema de justiça, rede de assistência social, rede de educação e rede de saúde.

Saiba mais

Resolução n.º 71, de 2011, que estabelece os parâmetros dos membros do Ministério Público
em matéria de infância e juventude, disponível em:
http://www.cnmp.mp.br/portal/atos-e-normas-busca/norma/723

Guia de atuação para Promotores de Justiça da criança e do adolescente e garantia do direito à


convivência familiar e comunitária, disponível em:
http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2017/Cartilha_WEB_1.pdf

3.3. Hospitais Psiquiátricos

Em 1999, Damião Ximenes Lopes, de 30 anos, pessoa com


transtorno mental, morreu na Casa de Repouso Guararapes, única
clínica psiquiátrica credenciada ao Sistema Único de Saúde (SUS)
em Sobral-Ceará. A morte foi decorrente de tortura e maus-tratos
cometidos por pro ssionais de saúde da unidade.

A demora nas investigações e responsabilização dos autores do


crime pelo Poder Judiciário levou o Brasil a ser condenado pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos, primeira sentença contra o Estado brasileiro
em instâncias internacionais de proteção dos Direitos Humanos,
tornando-se um caso emblemático para a garantia dos direitos das
pessoas com transtorno mental.

Acesse a íntegra da decisão da Corte em:


http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.p
df

Para saber mais sobre o órgão, acesse:


http://www.corteidh.or.cr/index.php/es

Lendo o trecho deste triste caso ocorrido na década de 90, nem parece que o Brasil já havia
assinado a Declaração de Caracas em 1992. Naquela época, o modelo de atendimento a
pessoas com transtornos mentais em instituições de longa permanência foi elemento de
discussão na Organização Mundial de Saúde (OMS) e resultou na Declaração de Caracas.

A declaração indicava que a atenção psiquiátrica convencional (centrada no tratamento


hospitalar, também chamada de hospitalocêntrica) não permitia alcançar os objetivos
compatíveis com uma atenção comunitária, descentralizada, participativa, integral, contínua e
preventiva do tratamento de pessoas com transtornos mentais.

A Lei nº. 10.216/2001, in uenciada pela Declaração de Caracas, é o marco normativo para
proteção e os direitos de pessoas com transtornos mentais. Ela redireciona o modelo
assistencial em saúde mental visando a inserção social do portador de tais condições.
A internação ou a institucionalização de acordo com a previsão do artigo 4º da Lei nº.
10.216/2001 só é aplicável quando os recursos extra-hospitalares não tenham sido e cientes.
Ainda, a internação psiquiátrica deverá ser realizada por indicação médica e somente em três
situações: internação voluntária (com consentimento do usuário), internação involuntária
(sem o consentimento do usuário) e internação compulsória (determinada pelo Poder
Judiciário).

Cabe ao Estado desenvolver uma política de saúde mental de forma a englobar toda a Rede de
Atenção à Saúde, além das unidades de internação. Esta política deve garantir a assistência e a
promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais com participação social e
da família, a reinserção social de pessoas institucionalizadas em longa permanência, o
tratamento por equipes multidisciplinares e a atribuição do Conselho de Saúde como instância
de acompanhamento da política.

Saiba mais

Desde a edição da Lei nº. 10.216/2001, veri cou-se alterações da gestão do Ministério da Saúde
em relação ao atendimento em saúde mental.

Foram implementadas unidades de atendimento alternativo às medidas de internação, serviços


de atendimento continuado visando ao acompanhamento terapêutico e à inserção social. Os
serviços disponibilizados pelo Ministério da Saúde são: CAPS (Centro de Atenção Psicossocial),
em suas diferentes modalidades, Serviço Residencial Terapêutico (SRT), Unidade de
Acolhimento (adulto e infanto-juvenil), Enfermarias Especializadas em Hospital Geral, Hospital
Psiquiátrico, Hospital Dia, Atenção Básica, Urgência e Emergência, Comunidades Terapêuticas
e Ambulatório Multipro ssional de Saúde Mental.

Para analisar as denúncias de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes


e monitorar os hospitais psiquiátricos, deve-se considerar a participação de equipes
interdisciplinares, principalmente de pro ssionais da área de saúde, conforme prevê a Lei n.º
10.216, de 2001 que traz os pilares da reforma psiquiátrica no Brasil.
3.4. Comunidades Terapêuticas

Quando uma pessoa busca apoio em, por exemplo, uma comunidade terapêutica para resolver
um problema de dependência química, possivelmente não lhe passou pela cabeça que poderia
enfrentar algum tipo de tratamento degradante no local escolhido. Entretanto, isso é o que foi
revelado em um relatório feito no ano de 2018, pelo Conselho Federal de Psicologia,
juntamente ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e a Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República.

As comunidades terapêuticas prestam serviço de atenção a pessoas com transtornos


decorrentes do uso de substâncias psicoativas ou drogas. Estão organizadas como residências
coletivas temporárias para receber usuários de drogas, que ali permanecem por determinado
período, isolados de suas relações sociais prévias, objetivando cessar o uso drogas e adotar
novos estilos de vida pautados na abstinência de substâncias psicoativas.

A forma de tratamento destas instituições está centrada no trabalho, na disciplina e na


espiritualidade. São previstas rotinas disciplinadas, variando de atividades laborais ou de
aperfeiçoamento pro ssional, práticas espirituais e/ou religiosas, terapias psicológicas e
reuniões de grupos de apoio.

Os dados coletados no relatório demonstraram que em dezesseis locais inspecionados foram


identi cadas práticas de castigo e punição a internos. Essas sanções variam entre a
obrigatoriedade de execução de tarefas repetitivas, o aumento da laborterapia, a perda de
refeições e a violência física. Também foram identi cadas práticas como isolamento por
longos períodos, privação de sono, supressão de alimentação e uso irregular de contenção
mecânica (amarras) ou química (medicamentos) – todas elas podem ser caracterizadas como

práticas de tortura e tratamento cruel ou degradante, de acordo com a legislação brasileira². 


 ²Conselho Federal de Psicologia; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura;
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/Ministério Público Federal; – Brasília DF:
CFP, 2018, p. 14. A íntegra do relatório está disponível em: 

https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/06/Relat%C3%B3rio-da-
Inspe%C3%A7%C3%A3o-Nacional-em-Comunidades-Terap%C3%AAuticas.pdf

Saiba mais

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou, em 2017, nota técnica sobre o
número de comunidades terapêuticas existentes no Brasil, suas características, formas de
nanciamento, metodologias terapêuticas utilizadas, etc. Na amostra analisada, de duas mil
comunidades terapêuticas, veri ca-se que 7,37% estão localizadas na região Norte, 17,06% no
Nordeste, 41,77% na região Sudeste, 25,57% no Sul e 8,23% no Centro-Oeste.

O debate sobre as comunidades terapêuticas como serviço de saúde mental ainda é recente. O
trabalho conjunto relatado foi uma iniciativa pioneira que fortalece e aprimora os dispositivos
de análise de denúncias e a formação de pessoal quali cado para tratar da privação de
liberdade em instituições de tratamento a pessoas com transtornos mentais decorrentes do
uso de álcool e outras drogas. Tal prática deve ser incentivada e fortalecida no âmbito da
prevenção e combate à tortura.

Saiba mais

A Nota Técnica nº 21 de 2017 que trata Per l das Comunidades Terapêuticas brasileiras
elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada está disponível em: 
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/20170418_nt21.pdf

O IPEA também editou o livro Comunidades Terapêuticas: temas para re exão que também
aborda o funcionamento destas instituições. Disponível em: 
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&view=article&id=34533:comunidades-terapeuticas-temas-para-
re exao&catid=420:2019&directory=1

3.5. Instituições do Sistema Penitenciário

Assim como já ocorreu em algumas instituições de privação de liberdade, com o sistema


prisional também não foi diferente pois, possivelmente, esta é a instituição que mais colabora
para os índices de casos de tortura e tratamento cruel e degradante.

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº. 7210/1984, é o principal instrumento normativo que
regula o funcionamento do sistema prisional e a execução da pena. Ela estabelece que ao
preso serão assegurados todos os seus direitos não atingidos pela sentença (no caso, a
privação de liberdade e restrição de direitos e/ou a multa) e ainda que: assistência material,
assistência à saúde, assistência jurídica, educacional, social e religiosa são deveres do Estado.
O sistema penitenciário é formado por diferentes tipos de estabelecimentos, de acordo com o
regime da pena a ser cumprida e outras características como a obrigatoriedade de separação
de gêneros, acesso a serviços de assistência, etc. São eles:

Penitenciárias

A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado, que se
cumpre em estabelecimento de segurança máxima ou média.
Núcleos de custódia ou cadeias públicas

A cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios que são presos ou em
agrante ou preventivamente. Aí se incluem as carceragens das delegacias e das secretarias de
Segurança Pública.

Colônias agrícolas, industriais ou similares



A colônia agrícola, industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime
semiaberto. Neste regime, o indivíduo poderá ser alojado em locais coletivos e sua pena estará
atrelada a seu trabalho.

Casa do albergado

A casa do albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime
aberto, e da pena de limitação de m de semana. O regime aberto é uma modalidade de
cumprimento de pena na qual o apenado trabalha durante o dia e se recolhe no período
noturno.

Hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico



O hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-
imputáveis, referidos e determinados no artigo 26 do Código Penal como “isento de pena o
agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, segundo o último Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, de 2016, somam um
total de 26 (vinte e seis) unidades. Em 2011, com a publicação do primeiro e único
mapeamento especí co dessas instituições, havia 3.989 pessoas custodiadas nesse tipo de
instituição.

Brasil - Junho de 2016

População Prisional 726.712

Sistema Penitenciário             689.510

Secretarias de Segurança/Carceragens de delegacias             36.765

Sistema Penitenciário Federal          437

Vagas 368.049

Dé cit de vagas 358.663

Taxa de ocupação 197,4 %

Taxa de aprisionamento 352,6

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p. 7)

Saiba mais

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) do
Ministério da Justiça e Segurança Pública - dados referentes ao ano de 2016 - 49% dos
estabelecimentos prisionais no Brasil são núcleos de custódia ou cadeias públicas destinados a
presos provisórios (BRASIL, DEPEN, 2017).

As demais destinações dos estabelecimentos se dividem entre o regime fechado (24% das
unidades), regime semiaberto (8% das unidades), regime aberto (2% das unidades),
destinados a diversos tipos de regime (13% das unidades), destinados ao cumprimento de
medida de segurança (2% das unidades). Os 2% restantes são os estabelecimentos sem
informações especí cas quando a sua destinação.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Atualização - Junho de


2016, do Ministério da Justiça, está disponível em:
https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen/mais-informacoes/relatorios-infopen/relatorios-
sinteticos/infopen-jun-2016.pdf/view.

Os relatórios de visitas às unidades com restrição de liberdade, elaborados pelo Mecanismo


Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) indicam uma série de violações
cometidas nas unidades do sistema prisional em relação às pessoas presas, em praticamente
todos os estados. Os relatórios do mecanismo estão disponíveis em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/sistema-nacional-
de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/mecanismo-nacional-de-prevencao-
e-combate-a-tortura-mnpct.

3.6. Instituições do Sistema Socioeducativo

Em 2016, um levantamento feito pelo então Ministério dos Direitos Humanos revelou o total
de 477 unidades de internação, no Brasil, para cumprimento de medidas socioeducativas
destinadas a adolescentes que pratiquem atos infracionais, em meio aberto e de privação de
liberdade.

A Lei n.º 12.594/2012 instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e


regulamenta a execução destas medidas. O SINASE é coordenado pelo governo federal, a quem
compete formular e coordenar a execução da Política Nacional de Atendimento Socioeducativo,
em parceria com os estados, Distrito Federal e municípios. Ao Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CONANDA) cabem as funções normativa, deliberativa, de
avaliação e de scalização do sistema. O Poder Judiciário acompanha a execução das medidas
socioeducativas pelo Juiz da Infância e da Juventude. Embora todo esse engajamento e
parcerias sejam essenciais para se manter a Política Nacional de Atendimento Socioeducativo,
há relatos regulares do acometimento de tortura a jovens e adolescentes abrigados nestas
instituições.

Tomaremos como exemplo o caso do Centro Educacional Patativa do Assaré (CE) com o
agravante da superlotação. O espaço tinha capacidade para abrigar 60 adolescentes, mas, no
dia da visita do mecanismo, tinha 176. “O ato de tranca ar dez adolescentes, 24 horas por dia,
em um local onde deveriam estar apenas dois é uma prática desumana, cruel, degradante e
pode ser considerado tortura, seja física ou psicológica”, avalia o documento.

Nas demais unidades visitadas, os peritos ouviram relatos e viram marcas de violência nos
corpos dos adolescentes, que alegaram ser espancados por instrutores e pela polícia. No
Centro Educacional Dom Bosco, por exemplo, havia um interno com “um grande corte no pé
sem os curativos devidos, sem medicamento, seriamente infeccionado, sem a dieta alimentar
recomendável, sob o risco de gangrenar”. Conforme o relatório, a direção da unidade sabia do
fato, mas não tomou providências imediatas.

Apesar desta triste realidade de casos de tortura ocorridos em grande parte das Instituições do
Sistema Socioeducativo brasileiro, que tal encerrar este tema conhecendo um pouco da
história do Sistema Socioeducativo de Alagoas? O jornal Folha de São Paulo publicou um
levantamento sobre a infraestrutura do Sistema Socioeducativo em todo o Brasil. Segundo as
estatísticas, Alagoas está entre os dez estados com melhores condições físicas nas unidades
de internação de adolescentes, com uma ocupação de apenas 83% da sua capacidade. Para
conhecer um pouco mais, clique aqui.

 O Relatório do Conselho Nacional de Justiça de 2012 aponta a existência de 320 unidades de


internação para cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil. O levantamento do então
Ministério dos Direitos Humanos revela o acréscimo no número de unidades para, em 2016,
um total de 477 e concentração de órgãos estaduais e municipais responsáveis pela gestão do
Sistema Socioeducativo nas áreas de Justiça e Segurança Pública (treze secretarias), seguidas
pelas áreas de Assistência Social e Cidadania (seis secretarias).
Saiba mais

O CONANDA, juntamente com a então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência
da República, elaborou, em 2006, um documento orientador para o SINASE que apresentou
uma breve análise das realidades sobre a adolescência, com foco no adolescente em con ito
com a lei, e das medidas socioeducativas no Brasil, com ênfase para as privativas de liberdade;
conceito e integração das políticas públicas; os princípios e marco legal do SINASE; a
organização do Sistema; a gestão dos programas; os parâmetros da gestão pedagógica no
atendimento socioeducativo; os parâmetros arquitetônicos para os programas socioeducativos;
a gestão do sistema e nanciamento e as estratégias de monitoramento e avaliação do Sistema.

A íntegra do documento está disponível em:


http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf

O relatório Panorama Nacional A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação.


Programa Justiça Jovem do Conselho Nacional de Justiça, de 2012, está disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/panorama_nacional_doj_web.pdf

O Levantamento Anual SINASE 2016 do Ministério dos Direitos Humanos está disponível em:
https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/Levantamento_2016Final.pdf

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Seção 4 of 5

4. O Per l da População Prisional Brasileira

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a violência massiva de direitos


fundamentais no sistema prisional brasileiro, identi cando a prática recorrente da tortura, ao
julgar a ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 347/DF: 

“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO –

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL –


ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental
considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA
PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES
DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e
persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência
de políticas públicas e cuja modi cação depende de medidas abrangentes de
natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário
nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO
PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a
situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das
verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA –
OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os
artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias,
audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a
autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da
prisão. 

A íntegra da decisão está disponível em: 


http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665”

A população prisional brasileira registrou um aumento de 707% desde o início da década de


90, de acordo com dados disponibilizados no Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (INFOPEN).

Evolução das pessoas privadas de liberdade entre 1990 e 2004

Número de pessoas em milhares

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p. 9).

A. 1990 | 90

B. 1992 | 114

C. 1993 | 126

D. 1995 | 148
E. 1997 | 170

F. 1999 | 194

G. 2000 | 232

H. 2001 | 233

I. 2002 | 239

J. 2003 | 308

K. 2004 | 336

Evolução das pessoas privadas de liberdade entre 2005 e 2016

Número de pessoas em milhares

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p. 9).

A. 2005 | 361

B. 2006 | 401

C. 2007 | 422

D. 2008 | 451

E. 2009 | 473

F. 2010 | 496

G. 2011 | 514

H. 2012 | 549

I. 2013 | 581

J. 2014 | 622
K. 2015 | 698

L. 2016 | 726

Em 2016, mais da metade da população prisional (55%) era composta por jovens (pessoas até
29 anos, segundo classi cação do Estatuto da Juventude - Lei nº. 12.852/ 2013).

Faixa etária das pessoas privadas de liberdade no Brasil

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p. 30).

18 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 34 anos

35 a 45 anos

46 a 60 anos
61 a 70 anos

Mais de 70 anos

Quanto à raça/cor, os dados do Ministério da Justiça trazem uma comparação entre o per l da
população total brasileira e da população do sistema prisional:

Raça, cor e etnia da população - Total

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p.32).  

Negra

Branca

Outras (Indígena, Amarela...)


Raça, cor e etnia das pessoas privadas de liberdade - Sistema Prisional

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p.32).  

Negra

Branca

Outras (Indígena, Amarela...)

Quanto à escolaridade, o INFOPEN registrou dados de 70% da população em privação de


liberdade no Brasil em 2016.

Escolaridade das pessoas privadas de liberdade no Brasil

Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (2017, p.33).


Analfabeto

Alfabetizado (sem curso)

Ensino Fundamental Incompleto

Ensino Fundamental Completo

Ensino Médio Incompleto

Ensino Médio Completo

Ensino Superior Incompleto

Ensino Superior Completo

Ensino acima de Superior Comp.

Podemos constatar que o resultado foi um baixo grau de escolaridade: 75% da população
prisional brasileira ainda não acessou o Ensino Médio, tendo concluído, no máximo, o Ensino
Fundamental. O levantamento apresentou outra informação importante: entre a população que
se encontra no Ensino Médio, tendo concluído ou não essa etapa da educação formal, temos
24% da população privada de liberdade.
Assim, temos que o per l da pessoa privada de liberdade no sistema prisional brasileiro,
segundo os dados do INFOPEN, é a pessoa jovem, negra e com baixa escolaridade.

Não há dados sistematizados pelos órgãos públicos sobre vítimas


de tortura nas unidades prisionais brasileiras, possivelmente em
virtude do baixo número de condenações dos agentes públicos que
cometem o crime. Entretanto, organismos internacionais de
Direitos Humanos e o mesmo STF, já registraram a prática
contumaz da tortura nas prisões brasileiras. Por isso, pode-se
inferir que é a população negra, jovem e de baixa escolaridade a
vítima majoritária preferencial da tortura no sistema prisional
brasileiro.

Saiba mais

Uma importante pesquisa sobre a resposta do Poder Judiciário à prática de tortura no Brasil foi
realizada por Maria Gorete Marques de Jesus e Vivian Calderoni, intitulada Julgando a Tortura:
Análise de jurisprudência nos tribunais de justiça do Brasil (2005-2010).
A pesquisa veri cou que nos 455 casos selecionados, que envolveram 800 vítimas, no que se
refere aos acusados de crimes de tortura, os agentes públicos representaram 61% dos casos,
seguidos de agentes privados com 37%. Os dados colhidos demonstram que as residências e os
locais de contenção constituem as localidades predominantes, nas ações judiciais de
responsabilização pelo crime de tortura, correspondendo a 64% dos locais onde a tortura é
praticada. 

Disponível em: https://www.conectas.org/publicacoes/download/julgando-tortura


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Seção 5 of 5

5. Proteção especial estabelecida pela Lei nº 9.455, de


1997

A lei nº 9.455 de 1997 tipi ca o crime de tortura e estabelece tratamentos diferenciados ao


agressor quanto ao tamanho da pena a ser cumprida, quando a vítima:

Está entre grupos vulneráveis identi cados pela própria lei (criança ou
adolescente, pessoa com de ciência, idoso e gestante).

É alvo de discriminação racial e religiosa.

É pessoa presa ou em medida de segurança.



Criança ou adolescente, pessoa com de ciência, idoso e gestante

Compreende-se, pela legislação, que crianças, adolescentes, pessoas idosas, pessoas com de ciência e
gestantes devem ser reconhecidos como desprovidos de capacidade de defesa. O Estado reconhece uma
assimetria na relação de poder e força do agressor em relação a essas vítimas e, concomitantemente, a
responsabilidade do Estado na proteção dos seus direitos. 

Pessoa vítima de discriminação racial ou religiosa

A lei nº 9.455/1997 especi cou como uma das motivações para o crime de tortura a discriminação
racial ou religiosa. O ato discriminatório, com qualquer motivação, é considerado uma violação grave
de direitos humanos, porque retira o princípio da igualdade e dignidade entre as pessoas. Nesta
situação, o autor da tortura (agente público ou privado) constrange a vítima com emprego de violência
ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental em razão de discriminação racial ou
religiosa. 

Pessoa presa ou em medida de segurança

Quando a tortura é cometida contra pessoa presa ou em medida de segurança, lei prevê a aplicação da
mesma pena prevista no tipo penal: reclusão de dois a oito anos.

Ao privar uma pessoa de liberdade, em função de cumprimento de pena em estabelecimento prisional


ou socioeducativo, o Estado assume tutela, a guarda e a responsabilidade por aquele indivíduo.

Trata-se, portanto, de um pacto no qual o Estado se responsabiliza por garantir segurança, saúde,
educação, alimentação e todas as demais necessidades e direitos da pessoa presa em medida de
segurança.

Há circunstâncias que favorecem a prática da tortura ou penas e tratamentos cruéis,


desumanos ou degradantes. Notadamente, pessoas em situação de invisibilidade, em sistemas
fechados, privadas de liberdade - administrativa ou penalmente estão entre aquelas mais
vulneráveis a esta prática. Por isso, o acompanhamento dos locais de privação de liberdade se
faz necessário para caracterizar a vítima da tortura. 

Conclusão
A privação de liberdade é uma condição imposta por determinações administrativas ou
judiciais. Ela pode ser uma condição de curta duração ou de longa permanência. Como há
diferentes tipos de instituições de privação de liberdade, com legislações próprias e
especi cidades, as ações de prevenção e combate à tortura e outros tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes deve considerar a invisibilidade das pessoas inseridas nas
instituições de privação de liberdade.

Considerando a manifestação do STF e de organismos internacionais de proteção aos Direitos


Humanos, a população prisional brasileira, majoritariamente negra, jovem e de baixa
escolaridade, é vítima ou potencial vítima de tortura, encontrando-se em situação de extrema
vulnerabilidade.

A Lei nº. 9.455 de 1997 estabeleceu uma proteção especí ca a este grupo ao mencioná-lo
entre as vítimas do crime. A lei conferiu proteção especial também a crianças e adolescentes,
que podem estar em unidades do sistema socioeducativo ou instituições de abrigamento, além
de idosos, em ILPIs, gestantes, no sistema prisional ou mesmo em comunidades terapêuticas.

Por isso, a importância de perceber a multiplicidade e diversidade de per s e características


das pessoas que se encontram em instituições de privação de liberdade é condição
fundamental para a adoção de medidas de prevenção e enfrentamento à tortura.

Resumo

Este módulo apresentou re exões sobre as principais vítimas de


tortura no Brasil, suas características e grupos mais vulneráveis,
bem como os principais locais de prática de tortura. A abordagem
conjunta neste módulo dos conteúdos que tratam das vítimas de
tortura e dos locais de sua ocorrência indicou a relação intrínseca
entre a privação de liberdade e o sujeito-alvo da tortura cometida
por agentes do Estado.
ˀ Referências

BRASIL. CNJ. Panorama Nacional A Execução das Medidas Socioeducativas de


Internação. Programa Justiça Jovem. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2012.
 Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2011/02/panorama_nacional_doj_web.pdf

BRASIL. Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento


Nacional de Informações Penitenciárias: INFOPEN Atualização - Junho de 2016.
Brasília: Ministério da Justiça, 2017. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-
1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-
2016/relatorio_2016_22111.pdf

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Levantamento anual SINASE 2016.
Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018.  Disponível em:
https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/Levantamento_2016Final.pdf

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA; MECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO E


COMBATE À TORTURA; PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades
Terapêuticas – 2017. Brasília DF: CFP, 2018. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2018/06/Relat%C3%B3rio-da-Inspe%C3%A7%C3%A3o-Nacional-em-
Comunidades-Terap%C3%AAuticas.pdf

NOGUEIRA, Edwirges. Relatório mostra práticas de tortura no sistema socioeducativo do


Ceará. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-
02/relatorio-mostra-praticas-de-tortura-no-sistema-socioeducativo-do

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