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Minhas águas • 3

Quem esteve comigo • 6

Preparação do campo físico e energético • 7

A importância de promover espaços de trocas • 10

A importância do tempo para internalizar a experiência • 13

Estudo, flexibilidade, sensibilidade e paciência • 16

Lição Camila • 21

Prática de mergulho em suas águas • 24

Estratégias e formas práticas de acesso transdisciplinar • 28

Parte estrutural da aula • 33

Contribuições conscientes • 43

Agradecimento • 50
Nessa experiência terrestre me chamo Rebeca Dantas, sou
mulher, artista, arte-educadora formada pela Universidade
Federal da Bahia (Licenciatura em Dança), terapeuta
energética e corporal, formada pelo Instituto Makia. Nascida
em uma família de professores, buscadora e mergulhadora
das minhas águas mais profundas. Embarco em mim todos os
dias em busca do meu verdadeiro ser, da minha essência, das
minhas vozes. Vozes internas, aquelas que gritam e aquelas
que foram silenciadas por crenças limitantes e repetições
conscientes e inconscientes de padrões.

Quando entendi que ao mergulhar em mim, escutar o meu


verdadeiro pulsar, a minha real essência é o meu
renascimento e o começo de uma caminhada incansável em
busca do meu real propósito, pude sentir e libertar a minha
criança interior e a Rebeca que ficou presa em um passado,
presa em uma infância que muitas vezes foi sombria e
repressora.
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Libertei a Rebeca que na infância quis ser escutada, vista,
respeitada independentemente da sua idade, quis ser levada a
sério. A Rebeca que tinha opinião, sonhos, medos, ideias,
desenhos, danças internas, músicas internas e toda as suas
particularidades e especificidades que sentia que não eram
valorizadas e escutadas , sentia que os adultos impunham
suas verdades e resumiam suas respostas em "sim" e "não",
sem aprofundar-se, sem criar espaços sem inserir e valorizar
aquele universo tão rico e tão potente que a Rebeca criança
carregava.

Assim como eu, sinto que milhares de pessoas passam e


passaram por questões profundas na infância e que algumas
reverberam na vida adulta, ou a maioria delas. Mas sinto que é
importante grifar que aqui nessa minha fala não há espaços
para culpas, não existem culpados, existem pessoas que não
sabem quem são e reproduzem inconscientemente modelos
opressores e engessados de educação (já reproduzi muitos
deles), pessoas que também tiveram suas vozes silenciadas e
nunca encontraram espaços para refletir sobre isso. Portanto
sinto que é perda de tempo me debruçar em um discurso de
julgamento.

O julgamento faz gastarmos energia deixando a visão da


matéria e do coração turva, prolongando e distanciando-nos
do caminho das soluções. Quando julgamos, terceirizamos a
nossa responsabilidade diante do mundo.

Por esses motivos iniciei o projeto: Não vamos tirar as crianças


da sala. Vamos inseri-las! Nele está impresso parte da minha
busca como ser, como canal, como instrumento de mudança.
Para que esse mundo seja um lugar mais bonito, mais
sensível, onde todas as vozes possam ser escutadas com
atenção e amorosidade para que todo ser, que aqui na Terra
chegar, possa ser recebido e encaminhado da forma
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mais generosa possível. Que aqui encontre espaço para ser
quem é.

Sinto fortemente que só teremos um futuro melhor se


cuidarmos com muita atenção e não negligenciarmos o nosso
AGORA. Afinal de contas, o passado só se torna belo se
fizermos um AGORA belo. Isso só é permitido fazer quando
mergulhamos em nós mesmos, quando nos reconectamos
com nossa real essência, quando entendemos que todos os
seres, seja de qualquer espécie, estão conectados pela
mesma teia. E que cada criança que chega até nós é um ser
que merece valorização, atenção, escuta e confiança.

Todas as pessoas querem ser respeitadas, valorizadas, livres


para serem quem são, então para mim não faz e nunca fará
sentido um processo de ensino e aprendizagem que não seja
pautado na liberdade e na não-padronização. Escolhi dar voz a
Rebeca arte-educadora para que, dessa forma, eu possa ser
útil no processo de valorização e libertação das crianças.
Busco a educação pela arte e não para a arte.

Mas gostaria de deixar bem claro que antes de qualquer papel


que eu tenha escolhido para cumprir minhas missões aqui na
Terra, o ser canal de transformação e cura permeia por todos
eles. E todo e qualquer ser é merecedor de ser quem quiser.
Isso precisa ser estimulado na infância, para que dessa
maneira o caminho para um mundo saudável mentalmente,
fisicamente, emocionalmente e energeticamente seja mais
amoroso e acessível.

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As pessoas envolvidas na concretização dessa versão e-book
do projeto Não vamos tirar as crianças da sala. Vamos inseri-
las! são fundamentais na minha vida e neste trabalho. Victor,
com seu olhar profissional e sua escolhas artísticas na edição,
foi essencial para isso acontecer. Sorriam e sintam o olhar
sensível desse talentoso ser humano e a minha escolha nessa
parceria.

Trabalhar com crianças não é sempre igual. Quase sempre é um


desafio, algumas vezes também é uma festa. É um tipo de
responsabilidade. Trabalhar produzindo material para
educadores que vão trabalhar com crianças é outro tipo de
responsabilidade, que vem com a premissa de multiplicação.
Responsabilidade essa que recebo com alegria e muito respeito
por todos vocês. Atraves deste material,
com as palavras de Rebeca Dantas,
minhas humildes escolhas estéticas
podem chegar, se assim nossos
queridos leitores se permitirem ser
tocados, até crianças, de 0 a 80 anos
- que eu pessoalmente posso nunca
conhecer - a partir de suas próprias
ações e pontos de vista. Se eu
contasse para o Victor criança que
ele faria um trabalho escolhendo as cores e formas de um livro,
provavelmente ele me responderia muito animado “e dá pra
trabalhar com isso?!”. Dá sim, pequeno Victor. O que eu espero
é, a partir destas cores e formas, ter ajudado a este mergulho ser
mais prazeroso para vocês que lêem, e o que fica é o que
podemos aprender com as crianças, antes de querer ensinar, que
é olhar com olhar de quem quer ver.
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Outra importante artista foi minha amada amiga Samantha,
canal que tornou possível nossa linda mandala. O que nos leva
para o primeiro convite que farei a você que está lendo.

Antes de me aprofundar objetivamente no conteúdo desse


livro sinto que preciso promover uma conexão de você com a
imagem divina da nossa capa, canalizada por uma mulher
divina chamada Samantha Miyahira. Essa imagem foi
canalizada e desenhada unicamente na intenção desse
projeto. Gratidão, querida Samantha, por servir de canal,
materializando a nossa conexão e a importância do
compartilhar.

Antes de começar a ler as próximas páginas, sugiro que você


se conecte com essa imagem, olhe pra ela e sinta o que
reverbera dentro de você, perceba o que vê, o que sente, suas
cores, seus formatos, sua composição, Dedique um tempo e
atenção necessária para uma real conexão com essa imagem.
O que ela traz caminhará com você durante toda sua leitura. É
como um portal acolhedor , um lugar gostoso que te recebe e
te prepara para uma leitura consciente e fluida.

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E ai? Como foi a conexão? Espero que real!
Agora, compartilho com vocês o sentir da amada Samantha
Miyahira e o seu pulsar pra chegar até essa imagem que é um
presente poderoso para o mundo.

Olá, sou a Samantha Miyahira.


Nesse exato momento, com
muita humildade e respeito à
vocês que trabalham e dedicam
sua vida à arte, nesse instante
eu também me identifico como
artista, o artista que habita em
mim foi despertado. É tudo
muito novo, porém intenso e
verdadeiro!

Aprendi que a arte cura, a arte fortalece, a arte abre caminhos


que jamais imaginávamos ver, ser e sentir. Entenda e sinta a
sua contribuição na construção dessa mandala. Sim, a sua
energia também está presente nela, foi isso que a construiu, a
energia de todos envolvidos no projeto, os que irão ler, todos que
terão contato com esse projeto seja lá em que espaço-tempo for,
fazemos parte dessa mandala, juntos! É o passado, o presente, o
futuro. A Árvore da Vida que nos conecta, nos une para sermos
apenas um, com um único propósito: cuidar de nossas crianças.
Daquela criança que não enxergamos, mas sentimos, essa que
está aí dentro de você. E de todas as crianças que estão no campo
do nosso olhar. É chegado o tempo de despertar a nossa
sabedoria ancestral para olhar e ouvir TODAS as crianças, que
são presentes de um grandioso futuro. Gratidão!

Sugiro que toda vez que tiver dificuldade em se conectar com


as combinações de palavras deste livro, volte a essa imagem e
busque uma conexão, para estimular a leveza e fluidez do
entendimento. Vamos mergulhar ainda mais fundo?
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Assim como todas as pessoas têm suas vozes e querem
colocá-las para o mundo, precisa-se de pessoas que estejam
dispostas a escutar, pessoas abertas e flexíveis. Compartilhar
saberes e experiências é possibilitar o movimento, o fluxo
natural e fundamental da evolução coletiva. Nada tem
serventia se não for compartilhado. Para isso é importante
criarmos espaços acolhedores, distanciados dos julgamentos
e associados a inclusão, valorização e respeito às diferenças.

Esses espaços a que me refiro englobam espaços físicos,


espaços internos e espaços psicológicos. Para
compartilharmos algo que sentimos e acreditamos é algo que
necessita de confiança em si e nas pessoas que estão
recebendo nosso derramamento, precisamos de um espaço
seguro, acolhedor.

Nem sempre compartilhar é algo fácil, por isso o terreno


interno e externo precisam ser muito bem cuidados. Quando
alguém compartilha algo, pra nos fazermos esse espaço
acolhedor e seguro, antes de tudo precisamos deixar nossos
egos do lado de fora, ou do lado de dentro mas silenciados,
precisamos entender o que é escutar, valorizar a voz de quem
fala, de quem compartilha algo, precisamos estar dispostos a
mudar de opinião, para que haja um diálogo real. Caso
contrário continuaremos a viver em longos monólogos sem
dar espaço para outras pessoas, e continuaremos
reproduzindo o modelo patriarcal onde um fala e o restante
cala, apenas ouve e obedece.

Sinto que quando compartilhamos e quando nos permitimos


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escutar outros compartilhamentos temos a oportunidade de
reciclagem, de transmutação, de olhar de novo, de olhar mais
uma vez, de olhar e (re)olhar, de sentir de formas novas, de
renascer, de sermos pessoas mais assertivas e generosas
com as experiências dos outros e com as nossas próprias.

Isso reflete em toda nossa construção enquanto seres, que


reflete nos ambientes que podem ser cada vez mais libertários
e acolhedores. E quando se trata de educação e processo de
ensino e aprendizagem, quanto mais nos unirmos, nos
escutarmos, nos ajudarmos, mais canais de transformação
espalharemos pelo mundo. Então compartilhemos sempre que
sentirmos necessidade! Mas não esqueçamos de também nos
fazermos espaços acolhedores e libertários!

É importante dizer que eu não descobri um método


extraordinário e inovador de ensino, não vou tentar ensinar pra
você a receita correta para uma aula eficaz, porque sinto que
cada ser é de um jeito.

Cada turma tem suas especificidades, no processo de


ensino e aprendizagem a universalidade não existe,
porque aqui na experiência terrestre não somos seres
iguais, cada um tem suas experiências, olhares,
habilidades, especificidades, dificuldades, facilidades,
formas diversas de aprender e de ensinar.

Se eu ditar para você um método de ensino pronto não estarei


honrando a importância que sinto na unicidade de cada
experiência e toda minha caminhada imersa no olhar generoso
para cada ser que chega até a mim. As estratégias não podem
ser a mesmas mas cada ser carrega suas singularidades.

Para o processo de aprendizagem acontecer antes é necessá-


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rio nos certificarmos e entendermos que a comunicação não
diz respeito ao que dizemos, mas o que foi entendido, além de
termos o cuidado para sermos conscientes de como dizemos,
e esse "como" carrega diversas formas, porque somos
diversos.

São por esses motivos que meu pulsar é de trocar


experiências, estimular essa troca de novas reflexões, ou dar
amparo a reflexões já realizadas. Estimular esse movimento a
partir das minhas experiências nesses 15 anos dentro de sala
de aula, fora de sala de aula, também como terapeuta
observando e sentindo adultos que chegaram e chegam até a
mim com suas crianças internas feridas. Por isso também
sinto que esse meu derramar sobre esses pontos não se
destina apenas às pessoas que se entendem como arte-
educadores, mas para pessoas adultas que sentem e querem
ser canais de transformação para si , para as crianças e pra
humanidade.

Senti a necessidade de compartilhar as minhas experiências,


porque delas tenho propriedade para falar, isso está dentro de
mim, reverbera de forma visceral, vivenciei com muita atenção,
olhar atento e sensível. Ao compartilhar sinto que posso
ajudar com situações, ações, olhar e estratégias que podem
ser relevantes no processo de construção e reconhecimento
do ser sensível e reflexivo.

Precisamos entender o que é escutar, valorizar a


voz de quem fala, de quem compartilha algo,
precisamos estar dispostos a mudar de opinião,
para que haja um diálogo real.

Essa escrita será banhada por algumas cenas que vivenciei e


por vozes, pra mim necessárias, de seres que me
acompanharam nesse caminhar pela busca de um mundo
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mais saudável, assim fomentando e criando ainda mais
consistência em alguns pensamentos e sentires que carrego
em mim e compartilharei com você.

Para enaltecer ainda mais a palavra compartilhar, gostaria de


citar palavras que sinto que permeiam , dentro do seu real
sentido, florescendo ainda mais essa palavra-ação que tanto
me encanta e que me faz trazer pra consciência que todas e
todos são indispensáveis para todo e qualquer processo
evolutivo.

Aqui na Terra tudo é passageiro , tudo passa. O que é hoje,


amanhã já não é mais, as informações chegam muito rápido, o
capitalismo alimenta esse fluxo de novidade, de pressa, de
quem tem mais ou menos, de novo e antigo, o que está ou não
na moda, mal temos tempo e paciência para experienciar.
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O processo se torna desinteressante , porque o produto final
toma lugar, vira o protagonista. Acumulamos informações e
mergulhamos cada vez mais em águas rasas, não nos
aprofundamos em nada, nem mesmo em nós mesmos. Como
saber e ter paciência com os processos?

As crianças passaram a não ter paciência para aprender, para


vivenciar, para processar porque nós não temos paciência de
entender e respeitar os nossos processos. Isso reflete nas
crianças.

Se a criança entra em uma aula de dança e ela tem


dificuldades com a técnica, precocemente essa criança é
rotulada como sem aptidão para aquilo. Dentro de uma sala de
aula, seja pela linguagem artística ou não artística, o que for
ser ensinado precisa criar espaços, tempo para aquela criança
entender e refletir sobre o que está aprendendo, vivendo e
sentindo, é fundamental para o processo de desenvolvimento
saudável enquanto ser humano.

A criança tem o poder de reflexão crítica. A depender da faixa


etária não tem ainda ferramentas para fazer uma reflexão
crítica consciente, porque a criança não tem o poder da
síntese. Mas ela sabe o que ela gosta e o que ela não gosta, o
que para ela é fácil e o que é difícil, o que para ela é bonito ou
feio, o que é divertido e o que é chato. Então ela sabe refletir
sobre a aula, da maneira dela, mas ela sabe.

Mas para chegarmos a esse lugar de estimular essas


reflexões nelas, precisamos ter paciência para o processo,
para a experiência. Precisamos acessar dentro de nós esse
olhar generoso e diluir o olhar julgador, o olhar que cria
expectativas.

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Ao criarmos expectativas sobre alguém, seja
da idade que for, muito provavelmente nos
decepcionaremos, porque ninguém tem a
obrigação de atingir as nossas expectativas.

As nossas projeções são capazes de colocar nossas crianças


em lugares engessados e fechados, exatamente como bulas
de remédios. Pessoas não podem ser categorizadas, pessoas
não são bulas de remédios, porque cada processo é único, e
para possibilitarmos e entendermos cada ser, precisamos ter
paciência e entender que cada pessoa carrega o seu próprio
tempo de entendimento.

Acontece que, geralmente, não temos paciência e


generosidade com nossos próprios processos, nos prendemos
aos resultados, aos números, repetimos modelos de ensino
quantitativos, acumuladores, sufocantes, o foco é sempre no
futuro, no bem sucedido futuro, quando, na verdade, o
caminho, o agora é o que nos aproxima de nós mesmos, e
causam as reais transformações.

O problema é que vivemos numa "educação bancária", onde o


conhecimento é transferido ou depositado, sábia reflexão feita
pelo educador Paulo Freire em seu livro Pedagogia da
Autonomia. Esse tipo de modelo de educação torna cada vez
mais distante a capacidade das pessoas refletirem e trazerem
para consciência os seus processos. Estimular a formação de
uma pessoa com foco apenas no sucesso financeiro, dentro
dos padrões capitalistas é mais generoso e real do que
estimular a formação de um ser humano sensível, reflexivo,
autônomo, capaz de entender quem e qual caminho quer
andar, valorizar seu pulsar e não ter medo de seguir o seu
coração?

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Sinto que quanto mais nos prendermos a esses padrões
impostos, a crenças limitantes, modelos de ensino inflexíveis,
e nas superficialidades das relações, seja em que setor for,
mais distanciadas e distanciados estaremos do real fluxo
orgânico da vida, das relações saudáveis, de um mundo
saudável e da nossa real essência.

Para ser um real canal de transformação é


preciso estudo, sensibilidade, flexibilidade,
paciência e um profundo mergulho em nós
mesmos.

"Só sei que nada sei." (Sócrates).

Quando nos colocamos no lugar de aprendizes, quando nos


propomos entender que tudo muda o tempo todo, trazemos
para consciência a necessidade de amplificação de nossos
conhecimentos, a importância de mergulharmos naquilo que
sentimos, que queremos, principalmente quando o propósito é
passar o conhecimento para frente.

Estudar é reciclar, é estar com o corpo, mente, alma abertos


para internalizar e compreender com mais propriedade e
lucidez qualquer que seja a área de conhecimento escolhida.
Se colocar como aprendiz é ter a sabedoria que tudo está em
movimento e quando se trata de conhecimento o fluxo é
contínuo, se paramos, se nos engessamos, se congelamos em
certezas absolutas provavelmente não conseguiremos fazer o
conhecimento transmutar, renovar, girar, reciclar, elucidar.
Dessa maneira não seremos verdadeiramente úteis para o real
sentido do processo ensino e aprendizagem.
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Para nós, educadores, por mais que tenhamos um plano de
aula pronto, estudado, planejado, organizado, não temos o
poder sobre o estado do outro, principalmente quando se trata
de criança. A criança, na maioria das vezes, não dissimula, é a
pura essência, veste-se da verdade. Pessoas adultas nem
sempre. Quantas vezes você já dissimulou suas reais
vontades? Quantas vezes você já esteve em lugares que não
quis estar? Mas pelo bom senso e pelas regras de uma boa
educação, fingiu, omitiu, dissimulou. Fazemos isso o tempo
inteiro.

Obviamente muitas crianças também já oprimiram suas reais


vontades, não podemos universalizar nada, mas posso
garantir que a transparência delas é muito maior. Imaginemos
que você preparou uma aula super zen, com elementos que
geram uma tranquilidade, com pouco dinamismo e quando vai
facilitar essa aula a turma está super enérgica, pedindo um
movimento mais dinâmico. O que você faria? Impor o seu
plano de aula? Escutaria o pulsar da turma? Encontraria o
caminho do meio? O que quero dizer é que qualquer tipo de
imposição acarreta em falta de escuta e diálogo.

Precisamos de atenção e flexibilidade para entendermos e


aceitarmos que talvez não conseguiremos dar a aula que
planejamos. E isso não significa fracasso, não significa
regressão, isso não significa que você não tem o domínio da
turma. Isso significa ter sabedoria para respeitar o agora de
cada turma, de cada cena, de cada situação, do seu agora. E
trazer pra consciência que criar expectativas significa correr o
risco de se frustrar. Trabalhar com criança é ter a coragem e a
prontidão para contornar, aceitar e aproveitar as mudanças.
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Sinto que um caminho sábio e promover sempre que
conseguir o diálogo do que a turma pede, pulsa e o que você
acredita que é importante para ensinar, encontrar esse
caminho do meio, e estar em equilíbrio e dar importância a
todas a vozes que merecem ser escutadas dentro do processo
de ensino e aprendizagem. E um grande passo para uma
educação libertária, democrática, transformadora, orgânica. é
criar espaços para a expansão de cada ser, inclusive de nós
mesmos e a beleza de unir mente e coração, e não viver nas
polarizações, e assim estar em parceria direta com o fluxo real
da vida.

A palavra sensibilidade foi categorizada erroneamente como


fraqueza, ou como característica inerente apenas à energia
feminina. Antes de me debruçar sobre esse ponto fui até
alguns dicionários procurar os significados atribuídos a essa
palavra. Em todas as palavras atreladas à sensibilidade a que
me chamou mais atenção foi empatia, ato de se colocar no
lugar da outra pessoa.

Quando nos colocamos no lugar de alguém temos maior


chance de assertividade nas nossas ações, palavras, decisões
e escolhas. Temos mais chance de não praticarmos e
reproduzirmos olhares engessados, possibilitando tanto para
nós quanto para as crianças, a expansão do olhar sensível,
amoroso, com menos julgamentos e mais empatia.

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Aí entra, mais uma vez, a nossa pressa e supervalorização
pelo produto, a pressão externa que muitas vezes fazem a
gente ter essa pressa e a nossa cegueira coletiva e para o
coletivo, nossa maré de desejos quantitativos e não
qualitativos. Acabamos projetando essas expectativas
aceleradas nas crianças, esquecendo que o processo de
ensino aprendizagem não pode ser reducionista, colocando
como meta apenas a perfeição técnica.

No momento que entramos em uma sala de aula, seja como


arte-educadores, seja como aprendizes, nos sujeitamos a viver
relacionamentos, a aprendermos com esses relacionamentos,
a nos lapidarmos como seres, entendendo-nos como seres
sociais, relacionais, querendo ou não estaremos no coletivo, e
no coletivo existem as singularidades, os processos
individuais diferenciados. Então a paciência de olhar para cada
processo, e entender que cada ser tem seu ritmo, é valiosa.

Dentro da sala de aula, seja de que matéria for, às vezes a


criança não vai aprender rapidamente as técnicas, o conteúdo
proposto. Mas é capaz de aprender a se relacionar, a lidar com
situações que o coletivo traz e levar isso pra fora de sala. Esse
pra mim é o processo mais divino, são as micros e macros
transformações que acontecem nas relações E termos a
oportunidade de nos enxergarmos no todo e ainda assim
valorizar a nossa singularidade.

Se você que está me lendo e se propõe a ser canal de


transformação e desenvolvimento das crianças que chegam
até você, sinto que não deve desperdiçar seu tempo olhando
por um só ângulo.
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Pode ser que a criança que você conhece não saiba quanto é
2+2, mas pode ser que essa mesma criança saiba dar bom dia,
saiba respeitar as pessoas, saiba ser amorosa, saiba ser a luz
em lugares escuros e isso, com certeza, não faz dela menos
ou mais inteligente, apenas tem seus próprios processos e o
seu tempo. As crianças precisam ser respeitadas e
valorizadas.

Quando olhamos e entendemos o ser que chega até a gente,


fica mais fácil e leve encontrar estratégias para acessar e
ensinar o conteúdo que nos propomos. Existirão dias que não
vai ser a técnica ou o conteúdo que a criança vai conseguir
assimilar, talvez nesse dia ela aprenda outros processos. E
nós, como educadores, precisamos estar atentos e atentas
para perceber que isso também faz parte do processo de
ensino e aprendizagem. Não podemos, e nem precisamos, nos
culpar, e nos acorrentar ao sistema da valorização exclusiva
do produto final.

Muitas vezes, por nos preocuparmos tanto com os resultados


daquela criança, daquela turma, a gente se culpa, a gente fica
doente e começa a caminhar por lugares autoritários,
engessados, entramos no modelo da reprodução autoritária,
inconsciente, disfarçada, e alimentamos esse sistema
educacional opressor.

Acredite que no momento que você se coloca como


ferramenta, quando enxerga o ser na suas particularidades,
tenha certeza que algo precioso você já estará estimulando
em cada criança, dando a possibilidade de que ela exista do
jeito que ela é.
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Por isso eu acho maravilhosos esses encontros entre nós
adultos e adultas, para a gente trocar, se ajudar, apoiar-nos,
compartilharmos nossos desafios, nossas alegrias, nossas
tristezas, colocarmos nossas vozes para fora, usar das nossas
experiências cotidianas dentro e fora da sala de aula como
ferramenta de elucidação própria e alheia.

Conhecimento é inútil se não for circulado, movimentado.


Quanto mais pessoas, dentro e fora de sala de aula,
capacitadas e sensíveis, mais crianças serão estimuladas a
construírem um mundo mais acolhedor, amoroso, livre e
desperto.

Lição Camila
Camila (nome fictício) chegou até mim com 7 anos, entrou na
turma de ballet clássico. No seu primeiro dia de aula, logo
percebi sua aptidão para o ballet, tinha todos os requisitos
considerados para ser uma linda bailarina. Mas Camila não
cumprimentava as colegas, quase não falava, vivia sisuda, quando
entrava na sala parecia estar ali obrigada.

Tentei por diversas formas me aproximar dela, todas elas sem


sucesso. Como ela não era simpática com suas colegas, percebi
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vivia isolada e parecia não se importar muito com isso. Perceba
que usei a palavra parecia, pois isso era o que ela queria
demonstrar, fingia pra mim, pras colegas e o pior pra ela
mesmo.

Senti que não fazia sentido algum ela ir super bem na técnica
clássica e super mal no relacionamento com as outras meninas e
com ela mesma. Entendi que a única ação útil que eu poderia
fazer era doar o meu amor para ela, beijos, abraços, conversas,
elogios, mas sempre buscando não ser invasiva.

Aos pouquinhos fui me aproximando, buscando fazer ela se sentir


querida, estimulando-a a fazer as outras meninas também se
sentirem queridas, o fluxo orgânico de amor, carinho e
sensibilidade se formou. Camila chegava na escola e
cumprimentava as pessoas, sorria, andava olhando pra cima,
estava viva, cheia de cores. Toda sua facilidade e talento para o
ballet se potencializou ainda mais.

Camila brilhava tanto que se tornou impossível deixar de te


estimular a ser uma das personagens principais do espetáculo de
final de ano. Aquela menina que era séria, de olhar baixo, sisuda,
agora sorria e ia representar o serelepe Coelho no espetáculo
Alice no País das Maravilhas! Em cada ensaio as habilidades
criativas de Camila se potencializavam. Criamos juntas, nos
divertimos com o Coelho do jeito Camila de ser.

Foi então que se passou uma semana e nada de Camila aparecer


na escola. Duas semanas e nada. Resolvemos ligar para seu pai,
para entender o que estava acontecendo. O convidamos para uma
reunião. No dia da reunião perguntei pra ele se estava tudo bem
com a Camila, porque já havia duas semanas que ela não ia para
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o ballet e eu estava preocupada. Com os olhos que pareciam
carregar toda a razão e verdade absolutas, ele me disse:

- Professora, a Camila está indo muito mal na escola,


está péssima em matemática, ela não gosta de ir pra
escola, está me dando muito trabalho. Então a coloquei
de castigo. Enquanto ela não melhorar na escola, ela
não voltará para o ballet.

Quando ele me disse isso, lembrei de como Camila chegou até a


mim, toda tristeza e desconfiança que carregava no olhar e como
ela havia desabrochado. Lembrei de todo o seu processo de
aceitação para receber carinho e se permitir fazer amizades.
Lembrei disso e senti vontade de gritar, de gritar e pedir para
que ele olhasse para sua filha, olhasse para ela de verdade!

Senti vontade de gritar bem alto que ela não era uma boneca
sem vontades, sem opiniões, sem sentimentos, que se ela não
gostava de ir pra escola algum motivo tinha. Senti vontade de
gritar que ele era pai e não um ditador. Que era pra ele ser
pai!

Mas não deixei essa minha vontade agressiva estragar com tudo.
Nesse episódio eu tinha apenas 21 anos, sentia vontade de gritar
por tudo que não concordava, mas desde lá já sentia que nada
conseguiria pela agressividade e que não poderia reproduzir com
ele a atitude que ele tinha com sua filha. Isso viraria um ciclo
inútil e não causaria transformação alguma. Então respirei e disse:

- Você se lembra como a Camila era quando chegou aqui? Você


consegue perceber a transformação que sua filha passou, o que
ela se permitiu? O sorriso que ela esbanja agora. Quando a
Camila não vai bem aqui no ballet, você deixa de levá-la pra
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escola como castigo? Aqui também é um instrumento de educação,
pra mim não faz sentido se ela faz tudo no ballet tecnicamente
perfeita se ela está triste, muito mais do que aprender as regras
técnicas do ballet clássico, a Camila aprendeu a sorrir, a ser
sociável, a respeitar as pessoas, a se permitir ser amigável e
fazer amigas. Percebe que deixá-la sem vir para o ballet é
desvalidar todo o seu processo como ser sociável? Seu processo
de se sentir aceita e acolhida em um lugar que ela gosta de
estar? Não acha que seria interessante saber o porquê de não
gostar de ir pra escola? Ou por que não vai bem em
matemática? Sua filha é o melhor Coelho da Alice que eu já
conheci e isso é muito importante pra ela. Valorize o seu
aprendizado, que vai muito além de conteúdos escolares ou regras
do ballet clássico. A Camila é incrível.

Disse tudo isso com o coração na mão, com um medo gigante do


que eu iria escutar. Mas com a certeza que estava fazendo a
melhor coisa que poderia naquele momento. Na semana seguinte,
lá estava Camila de volta. E eu feliz, muito feliz.

Nesse tópico não me debruçarei em fomentações teóricas,


senti de propor mais uma experimentação corporal e
energética. Se sentir que o seu espaço físico, emocional, seu
tempo interno e externo não estão preparados agora para
uma prática de conexão com si mesmo, aconselho você a se-
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guir a leitura e retornar a esse tópico em um momento em que
você possa dedicar total atenção a você, no seu agora, no seu
estado de real presença. Se sentir que esse é o momento, te
convido agora a entrar em contato com as suas águas divinas
e reais.

Primeiro, escolha uma música que te traga calmaria e


acolhimento ou uma frequência sonora (para escrever essa
prática estou ouvindo uma frequência que me faz me sentir
canal para compartilhar com você). Peço pra você não tentar
ler a minha condução ao mesmo tempo que pratica, sinto que
isso pode causar distanciamento da sua concentração e
dificultar o seu mergulho. Aconselho ler tudo com atenção,
entender e aí sim começar a sua prática de conexão com você
mesmo.

Sem tentar ficar lembrando do que escrevi e da minha


condução. No momento em que ler, e entender, tenho certeza
que a frequência ou a música escolhida por você irá te levar
aos lugares que sugeri e, caso apareçam outros lugares, tenha
absoluta consciência que esses serão os lugares que a sua
real essência, nesse momento, precisa te levar. Agora leia e
entenda. Não decore, apenas deixe entrar:

Sente-se ou deite-se em uma posição confortável, certifique-se


que seu corpo está relaxado, sem tensão, escolha mesmo a
posição que mais te agrada e te relaxa, faça os ajustes
necessários. Feche os olhos e sinta como se você fosse uma
grande maré, muito cheia, muito cheia mesmo. Talvez essa
imagem te cause medo, mergulhar em águas profundas, onde
não sabemos o que vamos encontrar às vezes causa medo.

Então, olhe pra essa imagem , apenas observe, observe o


tempo necessário para sentir coragem pra entrar e mergulhar
25
nessas águas, não esqueça que essas águas são suas, e você.
Você não vai se afogar. São suas águas, te garanto que você
sabe pra onde quer e precisa ir. Quando começar a mergulhar
pergunte-se:

Quem, dentro de mim, precisa de atenção e escuta?

Quando criança o que eu calei e


hoje preciso colocar pra fora?

Agora, pessoa crescida, eu calei a voz de


alguma criança que chegou até a mim?

Quem eu quero ser para os


Se calei, o que calei foi a seres que chegam até a mim?
mesma voz que me fizeram
calar na minha infância?
O que eu quero estimular?

O que posso fazer pra ser útil no processo


de construção de cada criança?
Com que olhos preciso
enxergar para estimular
seres mas felizes,
Quem dentro de mim posso
acolhidos e amorosos?
despertar pra ser feliz?

Quem eu sou verdadeiramente?

26
Essas são apenas sugestões de perguntas, você é livre e a
energia é inteligente, por isso pode de trazer outras perguntas,
perguntas que você precisa ouvir e só você pode responder.

Após escutar às suas perguntas, dentro da imensidão das


suas águas, saberá pra onde mergulhar, qual direção ir, saberá
onde estarão essas respostas. Suas próprias respostas, o seu
real e valioso pulsar. Se você verdadeiramente quiser
respostas, você terá. Mas não esqueça, estude cada pergunta
e cada resposta em si mesmo, tenha paciência pra entender
que algumas respostas chegam no tempo necessário para o
seu entendimento, o seu processo é único e só seu.

Deixe-se mergulhar nas suas fragilidades, nas suas


vulnerabilidades, talvez seja lá que irá encontrar o seu belo
olhar sensível, capaz de te trazer empatia e compreensão dos
processos alheios. Seja flexível com você, nem sempre você
escutará as respostas que quer ouvir, não carregue culpas e
nem julgue as suas respostas, apenas escute-as. Sua voz
interna é sábia, poderosa e divina. Sua voz é necessária para o
mundo. Acho importante dizer que você pode voltar a essa
prática-conexão quantas vezes achar necessário. Sinto que
marcar encontros com nós mesmos pode ser o melhor
mergulho.

Sinta. Apenas sinta. Deixe suas águas


correrem naturalmente. Deixe fluir.
Se permita apenas ser.

Agora vá, não se prenda a minha voz, deixe a sua voz te guiar.
Bom mergulho!
27
Desde de criança, quando aprendi a escrever, derramava meus
sentires em diários. Após adulta retornei a alguns deles que
minha mãe guardou e percebi que minha escrita sempre foi
banhada de metáforas. Ainda hoje, com 32 anos, vejo minha
escrita preenchida de imagens, talvez seja desse jeito que
assimilo o mundo. Quando danço percebo que construo a
minha dança a partir de imagens, de metáforas poéticas, isso
me estimula, me faz entender e trazer a sensação para o meu
corpo.

Desde que comecei a ensinar, há 15 anos, inconscientemente


usava metáforas, imagens pra acessar o entendimento dos
meus alunos e das minhas alunas. Sinto que as metáforas
geram espaços para a criatividade, para a imaginação,
identificações saudáveis, e trazem uma forma mais subjetiva e
menos imposta de aprendizado e entendimento, dando espaço
para o estímulo, e não para respostas prontas.

Vou, literalmente, desenhar pra vocês entenderem, essa


expressão "vou desenhar pra você entender" sempre me
pareceu que foi usada de maneira equivocada e depreciativa,
menosprezando o poder das imagens. Isso faz menosprezar
os desenhos, tão significativos, que muitas crianças usam
como meio de comunicação e organização dos seus
sentimentos e olhar para sua realidade. Isso também diminui
pessoas que têm maneiras diferentes para assimilar as infor-
28
mações. E eu sou amante dos desenhos e das metáforas!
Aqui vai um exemplo de como insiro essas imagens em sala,
às vezes apenas na palavra e às vezes no papel.

Árvore = Ser Humano

Quando a criança começa a andar, a dançar, sinto que, assim


como na vida, ela precisa entender a sua base, a potência que
ela tem ao fortalecer o seu centro e sua base. Costumo trazer
a imagem da árvore como espelho, para entenderem que com
uma base e um centro fortalecidos podemos voar com nossas
extremidades, deixando-as leves, como as folhas nos galhos,
leves como pássaros, mas fortes como as raízes e o tronco de
uma árvore.

Essa analogia tem diversos desdobramentos emocionais,


comportamentais e físicos. Podemos relacionar a base com a
relação familiar, podemos relacionar com a importância do
respeito à natureza e a todos os seres vivos.

29
Focando agora no físico - que é o exemplo que compartilhei no
desenho acima - podemos diretamente ensiná-las a entender
os seus pés como uma base, de que maneira utilizá-los, o que
de fato é um centro fortalecido, como utilizar a força do chão
para ter um maior equilíbrio, um maior impulso e todos os
desdobramentos que uma base consciente pode gerar.

Ou seja, a partir de exemplo metafórico consciente podemos


estimular um estudo da criança com seu corpo e suas
emoções. Podemos estimular que elas sejam seus próprios
laboratórios. É importante lembrar que a forma que as
metáforas, exemplos e caminhos propostos surgem da
vivência e da intuição de cada pessoa que está mediando a
aula, cada turma é uma turma, cada criança é uma criança,
cada ser é um ser.

É comum, em aulas para crianças, professores fazerem uso de


histórias para acessar e pra deixar as aulas mais dinâmicas,
divertidas e lúdicas. Assim como algumas mães e pais
costumam contar histórias para suas crianças. Cada história
que a criança escuta é da sua forma assimilada, personagens,
ações, lugares. Cada história traz uma gama de contextos e
possibilidades, personagens diversos e diversas lições.

Então eu te pergunto: o que, de fato, queremos levar para a


criança ao contarmos uma história? Que tipo de história
estamos contando? Que narrativas estamos introduzindo e
estimulando nas mentes delas? Por que nos utilizamos de
histórias dentro das aulas? Porque um dia disseram pra gente
que criança gosta de histórias ou porque entendemos que es-
30
sa é uma ferramenta de acesso para melhor ensinarmos o
conteúdo que queremos? O que gostaria de alertar é que
essas histórias, músicas, animações, peças ou qualquer tipo
de conteúdo que é levado até cada criança, precisa ser
entendido conscientemente como uma ferramenta. Isso não
pode mais ser banalizado, afinal são esses conteúdos que dão
acesso ao universo de cada criança e, embora cada uma faça
sua associação própria, nós temos a responsabilidade de
estimularmos esses seres para serem pessoas com o olhar
amoroso e empático.

É por esse motivo que não faz mais sentido reproduzirmos


histórias onde a princesa é sempre branca, a bruxa é sempre
má, a menina faz ballet e o menino joga futebol, dentre outros
padrões de crenças coletivas que reproduzimos anos após
anos.
Se faz mais do que necessário cada criança se sentir
representada, olhada, para que não haja, ou pelo
menos diminua, o processo de exclusão, do
sentimento de não pertencimento, de medo de ser
quem são, para que todas se sintam importantes.

Se as histórias são usadas como ferramentas de acesso para


um melhor entendimento de cada aprendiz, que essa
ferramenta seja usada com consciência, com
responsabilidade e não apenas para reproduzir modelos
limitantes da sociedade vigente, e pela crença "criança gosta
de historinhas".

As histórias vêm para trazer leveza, dinamismo, ludicidade e


cores no processo de ensino e aprendizagem infantil, mas
subestimar as mensagens que cada uma traz significa
negligenciar a sabedoria de associação de cada criança, além
de fortalecer o mito de que criança é tola e enfraquecer o tra-
31
balho de profissionais que se debruçam na arte de,
conscientemente, criar conteúdos educativos e de
entretenimento, com linguagem específica e estudada para
acessar e estimular um olhar reflexivo e sensível nas crianças.

Sinto que existe uma confusão na hora de aplicar a ludicidade


nas aulas. Essa ferramenta não entra para subestimar a
inteligência da criança, mas como ferramenta de acesso ao
mundo delas. Tornar a aula lúdica não significa torná-la tola,
raza, mas dinâmica, divertida, com possibilidade de expansão
da imaginação. A ludicidade permite alcançarmos de forma
leve e assertiva o que, provavelmente, com um modelo mais
tradicional e engessado levaríamos mais tempo.

Quero deixar claro que precisar de um tempo mais dilatado


para ensinar não é o que está em questão, e não é um ponto
negativo no processo de ensino e aprendizagem. O que está
em questão é a forma que o processo acontece, e como
usamos as ferramentas mais libertárias, transdisciplinares
para deixarmos as aulas mais interessantes, convidativas,
criando um espaço acolhedor para qualquer criança.

Que elas se sintam parte.


Que entendam que o processo não aconteceria sem elas.
É uma via de mão dupla.

Só existem professores porque existem seres que querem


aprender. Embora seja os familiares que carregam a
responsabilidade de colocar suas crianças nas instituições de
educação, o processo de ensino e aprendizagem de fato só
acontece quando cada criança se permite aprender, e profes-
32
sores se permitem verdadeiramente compartilhar o que
sabem. No meu sentir, nem sempre simplesmente ter o
diploma de licenciatura ou formação é o necessário para dar
aulas. Aprendizes precisam se permitir aprender, e quem se
reconhece com aptidão para ensinar precisa entender que
transferência de conhecimento, cópia e repetição, verdades
absolutas, o subestimar das capacidades dos aprendizes, não
fazem parte do processo de EDUCAÇÃO, mas apenas de
ESCOLARIZAÇÃO, e apenas escolarizar é não se permitir
estimular a realização do processo transformador de ensino e
aprendizagem para professores e aprendizes.

A gente só aprende o que nos permitimos aprender. A gente


só ensina o que, de fato aprendemos, quando nos permitimos,
quando diluímos o ego para compartilhar, escutar, observar,
aprender e ensinar. Achar que tem dominação exclusiva do
saber é uma ilusão que apenas alimenta nossos egos criando
uma realidade ilusória.

Quando se trata de ensino para crianças é precioso ter o plano


de aula, mas se faz necessária uma certa disciplina e
constante vigília para tornar naturalmente cotidiano a
realização desses planos.
33
Muitas vezes damos tantas aulas, que ao chegar em casa
necessitamos apenas descarregar, descansar, a doação
energética é intensa, e ter a disciplina para realizar esse
planejamento se torna um exercício desafiador. Assim é para
mim, e como falei desde o início parto e partilho das minhas
experiencias, do meu sentir. Percebo que os educadores
precisam criar essa rotina mesmo que cada plano de aula seja
feito com um tempo espaçado, com um tempo generoso, sem
sofrimento, mas deixar de se planejar, principalmente ao dar
aulas para crianças.

Lidar com criança é um eterno improviso, lidar com outro ser é


um eterno improviso porque não temos e nunca teremos o
controle de nada que está fora da gente, e com a criança - que
vive sua real espontaneidade e essência - precisamos ter uma
base pra não nos perdermos em sala de aula. É quando
usamos a nossa relação com a metáfora da árvore. Sim, nós
também precisamos de uma base consciente para voarmos.

Além do direcionamento que o planejamento traz, a falta dele


pode levar-nos a cair na mesmice de aulas repetitivas, isso
pode se tornar entediante para as crianças, sem contar que
estamos nos sabotando quando nos privamos de usarmos a
nossa criatividade, o nosso potencial de inovação, nosso eu-
criativo.

Como disse anteriormente sinto que o processo de ensino e


aprendizagem é uma via de mão dupla, não podemos apenas
doar, precisamos receber, é uma fonte que pra ser potente
todas as partes envolvidas precisam estar inteiras. É um
poderoso relacionamento, e deve ser um relacionamento real.
São nos relacionamentos reais que temos a oportunidade de
entrarmos em contato com as nossas maiores potências. Não
deve ser diferente na educação.
34
Sinto que educadores também precisam aproveitar todo o
processo, assim os momentos mais desafiadores podem se
tornar mais fluídos. E a melhor maneira de aproveitar é estar
presente inteiramente. Sabe aquela história "estava tão bom
que nem vi a hora passar"? Pois é, quando nos entregamos ao
agora, a realizar cada ação da melhor forma que conseguimos,
tudo se torna fluido, dinâmico e interessante e não é pra ter a
sensação de passar rápido, mas de ser vivido, de ser leve, de
ser real.

Selecionei algumas das atividades que faço em sala de aula,


algumas que sinto que deveriam ser inseridas em todas as
aulas, mas não esqueça que cada pessoa facilitadora deve
entender qual sua forma de ensinar e estimular cada turma,
cada criança.

Estou apenas compartilhando a minha forma de facilitar que,


inclusive é mutável, assim como a vida.

Palavras-chave para uma aula gostosa.

dinamismo conexão brincadeiras escuta criatividade

35
Atividades lúdicas, dinâmicas e com propósito.

Dança livre – poder de improvisação e autonomia.

Embora a dança seja minha ferramenta de trabalho principal


atualmente, essa atividade serve para aulas de qualquer tipo,
não só as de dança. No momento em que a criança é
estimulada a criar, improvisar, colocar pra fora o seu pulsar, é
quando ela traz para a consciência e para o corpo o que
aprendeu e registrou da aula. É o momento em que ela se
depara com a liberdade, com a autonomia, com o seu poder de
criação e improvisação.

É muito importante que ela seja estimulada a colocar seus


movimentos pra fora da maneira que sentir, sem medo de
julgamentos, de certo ou errado, bonito ou feio. É importante
que ela escolha sua maneira de criar, sem medo. A criança
precisa ser encorajada a se sentir confortável para ser quem é,
para se sentir importante, para saber que tem capacidade de
fazer escolha. Na improvisação nós criamos algo, usamos a
nossa liberdade, precisamos fazer escolhas, escolher com o
que queremos preencher nosso tempo, tudo é uma escolha.

Quando criança temos a oportunidade de conhecer e aprender


sobre nossa autonomia consciente, sobre o nosso poder de
criar possibilidades, diluindo a crença de burrice e inteligência,
de culpa e inocência, entendemos as nossas responsabilida-
des diante de nossas escolhas e isso facilita o processo
enquanto indivíduo reflexivo, sensível e consciente.

36
Cada ser tem seu próprio processo de aprendizagem, sua
forma de aprender, cada ser é singular, merecedor de
expressar o que sente, o que sabe, o que pulsa dentro do seu
coração. Uma criança livre para criar, improvisar, educada a
saber lidar de forma consciente com sua liberdade,
provavelmente, será uma pessoa adulta aberta para viver o
seu agora, entendo e criando novas possibilidades, novos
olhares, aberta para vida e para as outras pessoas e suas
escolhas.

Dança livre significa dançar do jeito que


quiser, sem seguir professores, colocando em
prática, e na consciência, o que o corpo
absorveu da aula.

Exemplos de atividades que estimulam a dança livre.

Jogo da Estátua.

Primeiro é escolhida uma música que a turma gosta, as


crianças são orientadas a dançarem a música como sentirem,
da forma que quiserem e quando a música parar elas
precisam parar juntas como uma estátua. Esse simples jogo,
estimula a criatividade, a expansão dos movimentos, das
possibilidades corporais e do controle do corpo nos
momentos das pausas, sem contar que estimula a diluição da
ansiedade, já que a pausa da música pode acontecer em
tempos dilatados. A espera para o retorno da música pode
causar ansiedade e com o tempo de jogo essa sensação de
ansiedade pode ir se diluindo quando na pausa é descoberta
possibilidades divertidas. Saber parar e saber continuar é
precioso.
37
Dança livre a partir das cores.

Outro jogo muito interessante que estimula a criatividade e o


contato com as sensações. Como no exemplo anterior, uma
música é escolhida pela turma mas, diferente de parar de
dançar quando pausar a música, a cada pausa da música uma
cor é dita, e as crianças precisam dançar essa cor quando a
música voltar a tocar. Estimular a dança livre sensorial a partir
das cores é dar espaço para o sentir, é criar espaço para as
crianças manifestarem, expressarem como sentem e
associam estímulos externos com o seu interno.

Jogos de confiança, respeito e cuidado.

Existem muitas formas de estimularmos, a confiança e o


respeito entre pessoas e consigo mesmo. Se tratando de
crianças, algumas atividade divertidas, lúdicas e não menos
profundas podem ajudá-las nesse processo.

Dinâmica de Grupo.

A turma é dividida em duplas. Cada dupla terá uma pessoa


que guia e uma pessoa que será guiada, esses papéis serão
trocados depois para que todos experienciem os dois lados.
As duplas são direcionadas para um ponto A na sala e a
missão de cada dupla é chegar até um outro ponto B da sala,
escolhido previamente pelas crianças, ou por quem estiver
facilitando a atividade. Acontece que a criança que estará
sendo guiada estará de olhos fechados, e a missão de quem
guia é levar a criança guiada até o final do caminho, com
cuidado, respeito e amor, tentando passar confiança para
quem está de olhos fechados. Em contrapartida, a criança que
está de olhos fechados precisa confiar na criança que está
guiando, num exercício de relacionamento. Embora a atividade
em si seja bem simples, o que acessamos dela é muito
profundo e importante no processo de socialização e de um
38
relacionamento saudável entre a turma. As crianças começam
a entender a responsabilidade que cada uma delas tem diante
do todo.

Massagem (cuidado, toque e reconhecimento corporal).

Nosso corpo é nosso templo assim como o corpo de outra


pessoa é tão templo quanto o nosso, por esse motivo é na
infância que é preciso aprender a respeitar seu corpo e das
outras pessoas, aprender que somos merecedores de
cuidado, de amor, que sentir e demonstrar afeto não é
sinônimo de fraqueza, mas uma virtude linda que merece
florescer, expandir e ser reconhecida. Mas quando se trata do
corpo de outro ser é preciso ter o mesmo cuidado que temos -
ou deveríamos estar tendo - com o nosso.

No momento que estimulamos atividades de toque amoroso e


respeitoso, estimulamos a desmistificação do não carinho, do
toque sem pureza, principalmente entre os meninos que
também sofrem desde pequenos com o machismo, com o não
espaço para serem sensíveis e amorosos, de demonstrarem
afeto por quem amam, principalmente por seus próprios
amigos. Propor atividades de toques, abraços, carinho, faz as
crianças reconhecerem os corpos com respeito, diluindo a
erotização que pessoas adultas colocam diante do afeto e da
pureza.

Atividade com massagem e toque.


As crianças sentam em uma grande roda, mas uma de costas
para outra, quem está atrás precisa fazer uma linda pintura
imaginária nas costas de quem está na sua frente, pensando
na cor, textura, formas de pintar, estimuladas a tratar aquele
corpo como uma obra de arte, linda que merece cuidado.
Quando todas finalizarem, compartilham o que pintaram. Em
seguida o círculo inverte e uma nova pintura é feita.
39
Mestre pediu (empatia, liberdade, olhar para fora).

Essa é uma das atividades que mais gosto, é através dela que
já vi, e ainda vejo, muitas crianças desabrocharem,
conquistarem a confiança para colocar para fora o que pulsa
dentro delas e sentir que o que nasce delas é importante.

Essa atividade nada mais é que colocar uma música que a


turma goste, ou várias músicas e pedir para dançarem
livremente, como sentirem. Em um determinado momento
cada criança será mestre, facilitadora da dinâmica, tudo que
ela fizer as outras irão fazer, aprender com ela, sem
julgamentos, só seguindo o fluxo e o respeito com o pulsar de
cada colega que está ali.

Esse é o momento que, na prática, as crianças sentem,


entendem que o que elas pensam, sentem, entendem e
colocam para fora é importante e que todas ali têm o direito e
o espaço para falar, desde que seja com respeito consigo e
com as outras pessoas.

É importante ressaltar que o momento de


realizar qualquer dessas atividades na
aula fica a critério de cada pessoa. Às
vezes eu uso para aquecer, às vezes para
finalizar, às vezes na metade da aula.
Tudo depende de cada turma, cada
conteúdo, de cada dia. Não tem como
generalizar. O importante é não ter medo
de explorar mecanismos e possibilidades
para acessar cada criança e entender que
não existe uma fórmula pronta porque
cada ser é um ser, cada dia é um dia,
cada processo é um processo. E isso é,
sim, desafiador, mas muito gratificante.
40
Quando disse que criança não é um papel em branco, que tem
suas opiniões, conexões, sentimentos, nesse momento da
aula é a hora de estimular em cada uma a sua reflexão crítica,
trazer para a consciência o que sentiu durante a aula, o
encontro, o treino, a apresentação, seja lá o que for.

Sinto que é muito importante esse momento de compartilhar,


de verbalizar, de colocar pra fora e trocar com as outras
crianças suas sensações. Esse momento é muito importante
para que cada uma delas comece a trazer para a consciência
a sua importância, a valorização do que sente. É o momento
de aprender a escutar as outras e aprender a respeitar a
opinião e o sentir de cada colega que faz parte do grupo.

É promover um espaço acolhedor e libertário para


cada uma colocar a sua voz.

Esse compartilhamento pode ser feito de diversas formas, em


forma de verbalização, em forma de desenhos, de escrita, tudo
vai depender da escolha da turma e do pulsar de cada grupo.

Sugestões:

O que achou da aula hoje? O que você


mais gostou?
41
O que foi mais difícil? O que não gostou
?
E mais fácil?

O que fizemos?
Vamos fazer um desenho
sobre a aula hoje? Vamos escolher uma cor
que representa a aula hoje?

Esses foram alguns exemplos de exercícios práticos que faço


em sala de aula, mas não esqueça que cada um tem sua
forma de ensinar, de facilitar, de se fazer canal, o importante é
seguir seu coração com amor e muito respeito, e que esse
respeito e amor se estenda para as crianças que chegam até
você.

42
Olhar amplo.
Jéssica Davi
Quando recebi esse convite especial
pela Rebeca, dilatando esse espaço
para que eu pudesse compartilhar
minha experiência como artista
educadora, fiquei pensando e sentindo
o que poderia expressar. Depois de
alguns dias, uma lembrança de minha
infância veio à tona, que no meu hoje
aqueceu ainda mais o meu amor e
importância da arte na vida do ser.
Bailarina, Durante a minha infância eu passava
terapeuta holística e uma parte do meu tempo extra
arte-educadora escolar nas aulas de dança e em outra
parte queria brincar, mas quando também tinha a necessidade
de estudar, ao brincar, era quando eu brincava de ser
professora. Escrevia nos azulejos e criava. Sim, criava outros
métodos além do que a professora havia me mostrado. Eu
utilizava as metáforas para criar além do ensinado. Diante do
que estava estudando no momento eu associava histórias,
imagens e criava músicas.

Durante meu período de Ensino Médio tive duas professoras,


uma de português e outra de espanhol, que utilizavam o
método de ensino interdisciplinar e uniam arte às suas
matérias. Tornavam o ensino leve e divertido, despertando o
ser criativo que nos habita.

43
Hoje, assumindo esse papel na sociedade, de professora,
artista educadora, busco trazer em minhas aulas métodos que
possibilitam esse olhar amplo e acolhedor, espaços para a
interação das alunas e dos alunos. Diante do que tenho como
conteúdo, levo ao mundo das crianças em harmonia ao lúdico,
as metáforas emergem. Respeitando cada indivíduo, em sua
totalidade que, independente da faixa etária, há uma sabedoria
que não é visível nem palpável mas sentida quando eles as
carregam em suas falas e ativam em nós o amor
incondicional.

Agradeço à minha irmã Rebeca por esse espaço. Aos


educadores que adentraram o meu ser e a você que escolheu
estar no seu agora lendo cada palavra aqui mencionada. Que a
mudança comece em nós.

O brincar.
Adriana Abissamra
Olá. Desde o início da minha formação
trabalho com crianças e famílias. Há 2
anos iniciei um trabalho com
gestantes e puérperas, para dar um
suporte nesse momento tão frágil que
a mulher entra. Sempre me preocupei
muito com as questões da 1º infância,
e com as crianças. Entendo que as
crianças são o sintoma de uma
geração, e hoje vejo muitas delas com
Psicóloga e psicanalista dificuldades de socialização, sendo
muito exigidas pelos adultos, não con-
seguindo ter uma infância mais leve, como seria importante
em sua constituição.

44
O brincar é sintoma estruturante da infância, ou seja, é
brincando que a criança se estrutura psiquicamente. É através
do brincar que elas expressam seus sentimentos, e emoções.
Suas aquisições como, aprendizagem, linguagem, cognição,
motricidade, socialização, afetividade, são adquiridas através
do brincar.

As crianças não brincam para passar o tempo. As brincadeiras


escolhidas por elas naquele momento, referem-se a situações
que estão precisando elaborar, pois o brincar é o recurso
psíquico fundamental para elaboração das crianças diante dos
conflitos que as atingem.

WINNICOTT, nos ensina que é fácil perceber que as “crianças


brincam por prazer, é muito mais difícil para as pessoas verem
que as crianças brincam para dominar angústias, controlar
idéias ou impulsos que conduzem à angústia se não forem
dominados”.

Freud se perguntava por que as crianças quando brincavam,


repetiam experiências dolorosas, como por exemplo: ao tomar
uma injeção no médico, a criança chega em casa, e brinca de
dar injeção nas bonecas. Dessa cena, ele entende que a
criança realiza ativamente o que sofreu passivamente,
passando a ocupar um lugar ativo, mas agora como senhora
da situação, produzindo uma resposta psíquica para o que lhe
aconteceu.

É por meio da dilatação imaginária, o brincar de faz de conta,


que a criança ensaia respostas, que a tira do lugar de
passividade. Sendo assim, Julieta Jerusalinsky, traz a ideia de
que o brincar é coisa séria. Séria porque quando a criança
brinca, ela monta uma série dos acontecimentos de sua vida,
ele liga, faz conexões, elabora. Porém, nos últimos anos a rua
45
deixou de ser um lugar habitados pelas crianças, virando um
lugar hostil, perigoso, no qual não podem estar sem um adulto.

Nesse sentido há um distanciamento da infância no que diz


respeito às crianças não terem um terreno livre para criar e
estruturar brincadeira, com uma troca com outras crianças,
que não seja pautada por um adulto dizendo como e com o
que brincar.

Hoje vivemos uma exigência muito grande em relação às


crianças, muito cedo é exigido que saibam números, nomes de
animais em outras línguas, como se isso fosse sinal de
inteligência. Porém a primeira etapa do pensamento exige
uma experiência do corpo. Esse jogo corporal é decisivo para
a estruturação do pensamento, pois precisa primeiro passar
pelo corpo para depois serem formuladas como conceitos.
Por isso, brincadeiras como cabo de guerra, jogos de roda, 3
marias, cama de gato, corre cotia, são importantes porque
estruturam a psicomotricidade, noção espacial, o
compartilhamento de ideias, linguagem, hábitos,
aprendizagem, a coletividade, negociação entre ganhar e
perder, tolerância e frustração.

Essas brincadeiras vêm perdendo espaço para cada vez mais


tablets e jogos eletrônicos, o que prejudica em muito as
crianças. Ao contrário do que se pensa, o aprendizado
depende da psicomotricidade. Este, contribui na aquisição da
autonomia para a aprendizagem, associada ao processo de
alfabetização. A capacidade de aprender se elabora e organiza
a partir do exercício físico, que têm indispensável importância
no desenvolvimento do corpo, da mente e da motricidade.

Aprender para a criança em sala de aula, não é simplesmente


o encontro com um conteúdo. O modo como um objeto de
aprendizagem é apresentado e mediado faz toda a diferença
46
na assimilação e compreensão, tanto pelo encanto que o
professor demonstra em relação a esse objeto, como pelo
compartilhamento que ocorre com os amigos, nas ideias e na
construção de hipóteses, que é imprescindível na
aprendizagem.

As crianças aprendem brincando. Sendo assim, o brincar é o


compartilhar lúdico, seja numa simples brincadeira, ou num
aprender brincando. A criança não assimila conteúdo por
conteúdo, ela precisa desse estar junto, desse compartilhar
lúdico, no momento de assimilação de algo. Assim, muitas
delas precisam de uma interação, se sentir seguras para aos
poucos conseguirem estar ali com o outro. Geralmente é pelo
lúdico que essa primeira conquista acontece.

Como aprender
com as crianças no agora.
Eliza Martinelli
Meu nome é Eliza Martinelli. Tenho
graduação e mestrado em Relações
Internacionais e, durante meu período
acadêmico, pesquisei sobre a
reintegração social das (ex-) crianças-
soldado, trazendo conteúdos e
perspectivas dos Estudos da Infância.
Hoje, trabalho como professora, mas
também me considero uma poetisa,
amante da linguagem e da
Professora e poetisa comunicação, viajante e buscadora de
conhecimentos e sentires. As palavras
sempre me representaram e procuro
47
passar adiante o gosto leve que permanece nos dizeres
quando dialogamos com respeito e empatia.

Acredito que temos muito a aprender com as crianças no


agora, não somente pensando nos adultos que serão, mas nas
próprias personalidades e expressões do ser que elas já nos
apresentam de modo marcante. Reconhecer a nossa
criatividade e a nossa intuição é uma das formas de
compartilhar conhecimentos e percepções com as crianças,
pois, mesmo como adultos, estamos constantemente
crescendo e nos transformando no escalar da vida.

A individualidade do aluno e atenção


aos recortes sociopolíticos.
Carolina Martins
Penso que os recortes de classe, raça
e gênero são essenciais no processo
de ensino-aprendizagem, uma vez que
o indivíduo (o aluno no caso) tem uma
história e um contexto que coexiste
com sua jornada dentro do ambiente
em que esse aprendizado se dá.
Quando pensamos nesses recortes
estamos verdadeiramente nos
importando com aquele indivíduo pois
Bailarina, ao invés de "depositar" o conteúdo
arte-educadora e ativista nele, estamos movendo aquela
atmosfera para trocas e transforma-
ções! Em maneiras práticas, não tem como, em 2020, nós
educadores falarmos coisas do tipo: "FulanO você será o
príncipe e FulanA você será a princesa". Aposto que ao ler es-
48
essa frase você imaginou um menino e uma menina
cisgênero, loirinhos com cara de comercial de margarina.

1- Será que essa criança que você escolheu para ser o


príncipe, se identifica com essa figura de masculinidade tão
ultrapassada?

2- Será que não existem outros valores que podem ser


ensinados a essa criança escolhida para ser a princesa, além
de ser resgatada da torre?

3- Quantas crianças negras simplesmente passaram a infância


inteira (como essa que vos fala) sem serem escolhidas para
ser a princesa por não atender a esse imaginário?

4- Quantas crianças nem sequer prestaram atenção na sua


escolha pois nem café da manhã tomaram?

Esse é um exemplo simples, bobo até, mas que me atravessou


quando criança e segue atravessando até hoje enquanto
educadora.

49
Gratidão é quando a alma agradece e honra a vida,
aos acontecimentos, à oportunidade de ser e estar.

Gostaria de agradecer a toda minha equipe espiritual por


nunca me desamparar e me estimular a entender que nunca
estarei sozinha.

Agradecer a Delza Santos de Oliveira, minha vózinha, minha


antepassada que me inspira, que me dá força e coragem para
seguir, mestra orgânica, sensível e potente matriarca de uma
família cheia de educadores, canal responsável pela existência
de Angela Cristina, mulher sensível que dedicou a sua vida ao
ofício divino de ser professora, mulher que me encoraja todos
os dias e que me mostra que sempre precisamos ser quem
somos, mulher que aceitou ser canal para me trazer a essa
experiência na Terra, me ajudando e me honrando gentilmente,
docemente, amorosamente. Gratidão, mãe por ser quem é e
por se dedicar à educação com tanto amor e luta.

Gratidão a Victor Câmara, ponto de luz necessário aqui na


Terra, ser genuinamente artístico com olhar sensível,
revolucionário e respeitoso. Sem ele este e-book não seria
possível, editor e revisor desse projeto, olhar necessário e
provocador. Gratidão, querido amigo por se debruçar com
tanto profissionalismo e amor.

50
Gratidão a minha amada irmã de alma Samantha por se
permitir ser canal para trazer essa mandala poderosa, fio
condutor de toda energia da minha escrita, artista orgânica,
mulher livre e generosa. Dona das co-res mais incríveis que já
conheci.

Gratidão às mulheres convidadas para compartilharem um


pouco dos seus olhares necessários e estimuladores, trazendo
força e a certeza de que não estou sozinha nessa busca
libertária: Jéssica Davi, Carolina Martins, Adriana Abissamra e
Eliza Martinelli.

Gratidão a você que agora está me lendo, por dedicar seu


tempo a essa leitura. Gratidão por me dar a oportunidade e
espaço para colocar para fora o que pulsa na minha alma.

Gratidão a todas as pessoas que passaram e passam na


minha vida, mestres, aprendizes, todas, absolutamente todas.
Essa teia divina, essa corrente potente de destinos que ligam,
que se conectam que são necessários para a nossa evolução
e para entendermos que cada ser é essencial para o
funcionamento da nossa dança orgânica. E cada peça é
necessária para completar o grande quebra- cabeça da vida,
por esse motivo precisamos ser quem verdadeiramente
somos, e estimularmos cada pessoa ser quem é.
rebecadantasartista@gmail.com

2021

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