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Você erra o alvo. Eu erro o alvo.

Eu sei que você erra o alvo, você sabe que eu


erro o alvo. Você finge que não sabe, eu também finjo que não sei. Eu finjo que
você não finge, você finge que eu não finjo. Mascara sob mascara, já até me esqueci
de quem eu sou, também já não me lembro de quem você é. Não importa você, importa
seu erro, que justifica o meu; e sua mascara, que justifica a minha.

Assim segue a vida! Como poderia ser de outra forma?! Leibniz estava certo, mas a
posteriori: vivemos no melhor dos mundos possiveis, o mundo da falsidade, que
mascara os meus e os seus pecados.

O problema é que o arrependimento, a confissão e o perdão são coisas


constrangedoras, são alheias a nossa humanidade, muito maiores que ela. Como
suportar o inimigo que reza por mim e me perdoa? Como rezar e perdoar? Perdoar é
sair da sombra do ressentimento, mas o Sol está tão quente que é melhor ficar aqui.

Se arrepender então é a pior de todas as práticas inseridas no mundo humano por


aquele judeu estrangeiro. Quebra -- junto com o perdão -- toda a cadeia de ação e
reação vigente desde sempre. Ação essa que é ilusória, é a sua mascara que vem
antes da minha mascara. O que eu farei com essa liberdade da graça? Eu só sei
reagir, vivo do "não" que segue qualquer afirmação sua.

Tudo é afirmação, menos eu

Quem ele acha que é? Não pedi perdão, não quero perdão, não vou me arrepender pois
isso é admitir honestamente, do fundo do coração, que errei. Eu não erro, volte a
fingir que eu não tenho pecados para que eu também o faça.

Não vou te perdoar, preciso da sua culpa, ela soma com a minha. Não quebre o ciclo
do ressentimento, ele que nos sustenta. Não acabe com o ódio, ele que sempre foi
fundamento dos deuses. Contraditoriamente, não tenha piedade. Ninguem erra, mas
todo mundo -- menos eu -- merece o pior.

Também não vou te perdoar, isso seria admitir derrota. De imediato, o ônus é só
meu. Fico machucado e você tranquilo. Claro que quer perdão, não foi você que a
flecha acertou. Agora está inflamando, repare. Logo eu morrerei, a culpa será sua.
Prefiro morrer que perdoar.

Tudo isso é horrível, quebra a ordem das coisas. O Direito Natural sustenta minha
vingança. Por acaso não conhece Aristóteles ou Aquino? Eu

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